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fsr~HANDO o QUf f f,4MIUAR,f TORNANDOf,4Mll~RO QUf f fsr~HO

Olhando com o Olhar do Outro Os Outros: o melhor de mim sou Eles.


Manoel de Barros

temática: identidade/alteridade Nestes tempos de sensibilidade contemporânea,


as diferenças culturais e as particularidades
étnicas vêm ocupando um lugar de destaque a
tal ponto que se chega a sustentar que estamos
assistindo ao nascimento de uma sociedade
multicultural. Seria correto dizer que antes não
havia existido diversidade cultural?

A fecundidade do discurso expositlvo da Mostra,


reunindo 500 anos de Artes Visuais brasileira,
Um índio descerá de uma estrela colorida brilhante
possibilita aproximar dos alunos Imagens que
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante podem atentar para questões sobre nossas
etnias, sobre o modo de olhar do fndlo, do
E pousará no coração do hemisfério sul na América num claro instante negro, do louco, do artista popular.

Depois de exterminada a última nação indígena Conhecer o modo de olhar do Outro permite
conhecer a nós mesmos e a nossa cultura?
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias
Virá
Impávido que nem Muhammad Ali
Virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri
Virá que eu vi
AVALIAÇÃO INICIANTE
Tranqüilo e infalível como Bruce Lee
Supondo, que nessa temática o professor pense em fazer o recorte
Virá que eu vi
enfocando o modo de olhar do fndlo. A avaliação Inlclante poderia ser
encaminhada a partir da música "fndio", de Caetano Veloso.
Ouvindo a música ou apenas lendo a letra, pode-se estimular uma conve •.••
Caetano Veloso, "Um rndio" junto aos alunos que leve a uma construção de sentidos sobre a letra,
ampliada por questões como: o que representa o fndlo para eles? O que
sabem sobre as artes indfgenas? O que sabem sobre a questão indfgena no
Brasil? Como eles vêem o relacionamento entre os fndios e o branco?

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DESENHANDO PERCURSOS Entendendo a releitura não como cópia, mas Pésquisando para conhecer no pesquisar
como transformação, criação e interpretação Coletar Informações sobre os diferentes Desenvolver um trabalho Interdisciplinar
lodos nós já fomos índios uma vez na vida. Nossa de uma obra, encaminhar junto aos alunos a povos indlgenas, as IInguas faladas, os entre arte, literatura e história, analisando,
hl1oginação infantil nos cobriu um dia a pele de leitura da Instalação de Lygia Pape hábitos e costumes, sistema de crenças, a no decorrer da História, a criação do
I )lrlluras e tivemos um cocar de penas. Brincamos de discutindo sua proposta e soluções estética organização social e polltica das aldeias, imaginário do branco sobre o Indlo, do
polos vermelhas que o cinema americano como resultado interpretativo da obra de onde habitam no território brasileiro (veja branco sobre o negro, do negro sobre o
"IJlomourizava", escondendo a tragédia. Éramos referência, Manto 1\opinambá. Mapa do Tempo Espaço). O aculturamento do negro, entrelaçando e estabelecendo
rrlonças e não sabiamos que aqueles exóticos seres Indio pela presença do branco. O que da relações entre obras de artistas, escritores,
I xxíoriarn um dia pular da tela para os jornais de nosso Fazendo para revelar cultura indlgena está presente na nossa vida. músicos e cineastas brasileiros.
"1116da manhã. Copiosa multidão da nau francesa
Mórcio Souza Corre a ver o espetáculo, assombrada; Analisar as artes indlgenas, a arte plumária,
E ignorando a ocasião da estranha empresa, a pintura corporal, as cesta rias •..
Considerando o que foi comentado pelos procurando conhecer as matérias-primas
Pasma da turba feminil, que nada.
lunos, o olhar que eles têm sobre a cultura, empregadas e a função desses objetos na
Uma que às mais precede em gentileza,
história dos povos indígenas e o modo de cultura indlgena. Como também, discutir
Não vinha menos bela, do que irada;
Ir ético entre índios e brancos, o professor porque para nós esses objetos são vistos
Era Moema, que de inveja geme, Outras tantas obras podem descortinar
pode provocar a ampliação de saberes. como objetos de arte.
E já vizinha à nau se apega ao leme> projetos que atentem para a temátlca
(...) alteridade/identidade.
Enfim, tens coração de ver-me afüta, Conhecer a artista Lygla Pape, saber porque Um repertório de apreciação pode ser gerado
Olhando para capturar o olhar do outro Flutuar, moribunda, entre estas ondas; persegue a temática Manto 1\opinambá. A com Baiana; Retrato dos anões da rainha
L.mlnas: Lygia Pape e o Mantelete A um ai somente, com que aos meus repondas. relação da artista com o critico Mario Maria I de Portugal de José Conrado Roza
1\oplnambá. Pedrosa e sua Intenção do Museu das
Bárbaro, se esta fé teu peito irrita, (Iâm!nas) e A Redenção de Cam de Modesto
Nem o passado amor teu peito incita Origens. Broccos Y Gomes. Esta última, por fazer
Por que pensam que estas duas obras foram
(Disse, vendo-o fugir) ah! Não te escondas referência à história de Cam, personagem
acolhidas para estarem juntas? Que
Dispara sobre mim teu cruel raio ..." Discutir o conceito de instalação blblico, um dos filhos de Noé (filho
onexões fazem entre elas? Eles vêem
E indo a dizer o mais, cai num desmaio. Relacionar o Movimento Antropofágico, o amaldiçoado) e que durante os séculos XVI e
melhanças/diferenças entre as Imagens?
( ...) Modernismo Brasileiro e a XXIV Blenal com a XVII foi identificado como o progenitor da
Idontlficam os meios utilizados? Conhecem o
Perde o lume dos olhos, pasma e treme, construção da Identidade cultural brasileira. raça negra, permite articular diferentes
pAssaro guará? O que sabem sobre o povo
Pálida a cor, o aspecto moribundo; discussões, abrindo perspectivas para uma
luplnambá e quais as hipóteses que eles têm
Com mão já sem vigor, soltando o leme, compreensão aprofundada sobre as Idéias
80bre quem usava esse manto? O que
Entre as salsas escumas desce ao fundo. DESCORTINANDO NOVOS HORIZONTES que alicerçavam seja o mito do gradativo
ponsam que motivou a artista Lygia Pape a
Mas na onda do mar, que, irado, freme, branqueamento das gerações através da
f"xar uma recriação do Manto Tupinambá?
Tornando a aparecer desde o profundo, no olhar mistura de raças, onde o negro ao tornar-se
Contextualizar as duas obras, situando para - Ah! Diogo cruel! - disse com mágoa, - Um rico diálogo visual pode ser estabelecido branco teria sua redenção, ou sobre a
oa alunos porque e por quem o Manto era E sem mais vista ser, sorveu-se na água. diante das obras Parede da Memória de escravidão ou, ainda, as Idéias presentes no
ulado no povo tupinambá; explicando sobre Santa Rita Durão Rosana Paulino e Valentlna, The Fastest de século XIX sobre o Mito das três raças
aua prática da antropofagia. Vlk Muniz. Os alunos Imaginam para esses (branco, negro, Indlo).
Narrar ou ler trechos do poema épico retratos quals histórias de vida? Que
Caramuru, escrito em 1781 que narra a interpretações as Imagem Ihes provocam Examinando as lâminas dos artistas José
história de Diogo Álvares Correia, o sobre a participação do negro na sociedade? Leonilson Bezerra Dias, Fernando Dlniz,
Caramuru que após casar-se com a India Percebendo os materiais e técnicas Bispo do Rosário, os auto-retratos de Segall,
Paraguaçu embarca em um navio francês, empregadas, pode-se chamar a atenção para como também, a lâmina que apresenta
deixando Moema que, nadando atrás de a linguagem da fotografia, a presença do objetos do cangaço, podem levar a
Diogo, morreu. cotidiano nas obras, a Idéia de registro. cartografar projetos que tenham a qualidade
de deixar-se afetar pela alteridade.
Depois que os alunos ouvirem a narração, no fazer
propor que façam suas versões do episódio Com o olhar focado na percepção de
através de desenho, colagem ou modelagem; diferenças e semelhanças culturais, Solicitar
sejam versões de modo figurativo/abstrato, que os alunos encontrem em revistas, jornais
literal/metafórico, surrealista, impressionista, e propagandas Imagens de figuras humanas.
entre outros. A partir das figuras encontradas propor uma
composição visual com o desafio de soluções
Após completarem sua produção visual, estéticas pela fragmentação, distorção,
mostrar o quadro Moema de Vitor Meireles e exagero, economia, sutileza, movimento-
a lâmina da escultura Moema de Rodolfo passividade. Sugere-se o trabalhado a partir
Bernadelll para o estudo comparativo entre a de xerox, colagem ou frotage (impressão
produção dos alunos, as obras mostradas, através de solvente frlccionado no verso da
comparando as linguagens empregadas e imagem).
seus modos de presentificar, idealizar, o
corpo feminino da India Moema.
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I j
VllorMerees
Moema
1866
0100 sobre leia
129x190cm
Museu de Arte de São Paoo Asse
ChateaubOand

Modosl0 Broccos Y Gomes


A Redenção de Gam
1895
óeo sobre leia
199 x 166cm
Museu Nacional de Belas Artes
RIU da JMelfO

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UMA PARAGEM CONCEITUAL No pensamento colonizador a percepção do "outro" não se
baseia na diferença mas fundamentalmente na hierarquia. Na
IDENTIDADE E ALTERIDADE
relação colonizador/colonizado os "outros" são aqueles que se
acredita superior ou Inferior a nós, Isto é potencialmente
Ana Mae Barbosa subservientes ou dominadores. "a natureza hierárquica Impliclta
na alterldade convida a praticas de representação
Uma enorme variedade de disciplinas vêm se Interessando aparentemente Inocentes que se tornam freqUentemente
pelos estudos de Identidade e Alterldade ,começando pelas estratégias de dominação através da aproprlação"(VIrginla
Ciências Politlcas indo até as Ciências Biológicas, passando Domlnguez)
pelas Disciplinas da Arte, como a Estética, a Critica, a História
e a Arte/Educação para não falar da Pslcanilise que com a o "outro" é representação, o Inventamos, o exclurmos e/ou nos
ajuda de Lacan dissolveu as certezas poslllvistas sobre o apropriamos dele e freqüentemente o congelamos no tempo
assunto. histórico como fazemos com nossos rndlos . Sempre falamos
deles no passado, mas eles apesar da destruição colonlallsta
Nas Ciências BIOlógicas os avanços da Genética e os meios de vivem aqui e agora transcendendo o "paradlgma selvagem", uma
clonagem vêm potencializando a dúvida: Quem sou eu?, Quem é Invenção européia.
o "outro"? , Como o "eu" e o "n6s" se definem?
o congelamento histórico do "outro" facilita a TOLERÂNCIA
Nas Ciências PoUticas a contraposiçio entre o esforço dos mas evita o RE-CONHECIMENTO.A tolerincla desautorlzs , o re-
centros hegem6nlcos em prol da globallzação e a poderosa conhecimento humanlza.
ressurreição de movimentos nacionalistas especialmente na
Europa do Leste e na antiga União Soviética são exemplos Mesmo a celebração da diversidade cultural' multas vezes um
atuais para uma teorização do tema. disfarce de dominação ou quando multo um liberalismo acrltlco
, IImlta- se a reconhecer conteúdos e costumes diversos
Em Arte deve-se principalmente às teorias p6s-essenclallstas enquanto o conceito de diferença cultural concentra-se no
que questionam a existência de um código de valor estético problema da amblvalêncla da autoridade cultural e conseqüente
domlnante,( o europeu e o norte/americano branco), a no relatlvlsmo do PODER.
reconceltuallzsção dos termos Identidade e Alterldade que
deixam de ser termos singulares para adquirirem uma A busca de Identidade considerando os "outros" que a
multlpllcldade de sentidos no contato com a malha cultural e constituem vem contribuindo para a "desdogmatlzação" dos
com as Interseções geradas nas DIFERENÇAS de raça, classe, valores estéticos e podemos considera-Ia um fator fundamental
gênero. do surglmento do Pós Colonialismo em Arte
Por pós colonlallstas podemos entender os discursos visuais
Em Movlng Targets/Concentric Clrcles (1995) Lucy Llppard que comentam, analisam ou criticam práticas e visualldades
aponta as diferenças de gênero como o feminismo, o baseadas em experiências coloniais fora da Europa mas
lesblanlsmo, o homossexuallsmo, como a mais forte fonte vinculadas a expansão européia no mundo.
geradora de uma flexibilidade cross-cultural , criando um
espaço e uma voz que se movimentam entre a busca de Evidentemente, Pós Colonialismo é por um lado
Identidade e do conhecimento do "outro" (alterldade) questlonamento da gênese do cânone ocidental. Por outro lado,
Ainda nos anos sessenta ,reagindo ao Mlnlmallsmo e ao entretanto esconde uma ambigüidade mais complexa. Como o
Conceltuallsmo, masculinos e hegem6nlcos, a poUtlca de Pós Colonlallsmo é criação pós moderna ,está envolvido numa
gênero Insiste nos temas do corpo e da sexualidade, Incluindo a larga rede de conflltantes Intervenç6es na grande narrativa do
autObiografia, a femlnilização da pobreza, a Igualdade salarial, a discurso ocidental. O pós modernismo tudo Incorpora e coopta
criança, o estupro, os direitos de reprodução, a violência Inclusive o ""outro"", o oposto. Portanto o próprio discurso pós
domestica e outras violências como a da exclusão social e a colonial absorve e se deixa contaminar pelo colonizador
das guerras, etc. potenclallzando a problematização das relaç6es de dominação
mas elevando-as ao patamar do entendimento e da Incorporação
Em busca de Identidade sexual, étnica e mesmo nacional através da História.
chegou-se a evidencia de que há sempre um "outro" e que este
"outro" transforma interpretaç6es de subjetividade em lIá o caso do Barroco Brasileiro. No modelo colonizador recebido
Interpretaç6es poUticas e sociais. Além disto o "outro" está de Portugal, foram operadas tão profundas transformaç6es
freqUentemente em nós mesmos. Somos o eu" e o "outro" hlbrldlzantes, pela Intervenção de artistas e artesAos , muitos
simultaneamente e no mrnimo o confronto com o "outro" nos deles escravos negros trazidos da África que podemos
auto define. considerar este Barroco nosso primeiro produto erudito
nacional. Temos direito ao código europeu que nos foi de Inicio
Até mesmo nossa identidade pessoal é plural, pertencemos a Imposto e mais direito ainda de relnterpreü-Io.
mais de um grupo cultural. P6r exemplo da minha Identidade O Pós Colonlallsmo elege a cognlção como forma de liberação e
faz parte, do ponto de vista de gênero, ser mulher; do ponto de problematlza a Idéia do cotidiano como mera evidencia
vista de locação cultural, ser nordestina; do ponto de vista de etnográflca que caracterizou o discurso plástico e gráfico
etnla, ser reconhecida como branca( embora sem grande colonial.
certeza nem grande entusiasmo pois acredito, como Gilberto
Frelre, que todo brasileiro traz no corpo ou na alma a pinta do Não se trata de negar a História mas de reformata-Ia a luz de
negro); do ponto de vista da ocupaçio, ser arte-educadora; do Interpretaç6es culturais que podemos construir hoje.
ponto de vista da sexualidade, ser heterossexual; do ponto de Tanto na produção da Arte Contemporinea como na Recepção
vista da renda, ser classe média. Portanto. minha Identidade é ContemporAnea da Arte mesmo de outros tempos,
pollfonfca e pertenço ao mesmo tempo a grupos dominantes e a problematlzsr limites, contaminações, Incorporaç6es hibrldas,
grupos discriminados em relação ao poder como o de mulheres expansões, terrltorlalldade, identidade, gênero, corpo e
e grupos que não são apenas discriminados mas sofrem geografia etc. , em busca de definição cultural é a resposta aos
preconceito como o de nordestinos em São Paulo e o de arte- esgotados esquemas de dominação da História contada pelo
educadores, estigmatizados pelo sistema geral das Artes, colonizador.
artistas, crltlcos e historiadores da Arte.
Na arte contemporênea a Introjeção da história na dramatlzação
Pensar sobre ARTE é pensar sobre CULTURA que por sua vez é dos objetos e na recuperação humanizadora do corpo antes
pensar sobre o problema da enunclação da DIFERENÇA reduzido a categoria de objeto se contrapõe à desumanlzação
(Homml Bhabha) das grandes narrativas históricas exauridas pelo Raclonalissimo
e pelo Modernismo.

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