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LITERATURAS AMAZÔNICAS - ARTES VERBAIS DO

CIRCUM-RORAIMA OU DOS MUNDOS POSSÍVEIS

Sonyellen F.F. Fiorotti


DOUTORANDA DO PÓSLIT/UFF – INSIKIRAN/ UFRR
LITERATURAS
AMAZÔNICAS DEDICO ESTA AULA A:

Devair Antônio Fiorotti desde o primeiro pensamento até a


última palavra como se escrevesse amor com fogo.

Vovó Bernaldina desde o primeiro fôlego até o último canto


como se gritasse liberdade.

A todos povos indígenas, em especial ao Macuxi, como se


escrevesse igualdade, ainda que com sangue.
ANTES DE TUDO E DEPOIS DE MAIS NADA
 Defesa do direito à diferença
 direito à memória
 Direito à produção, à circulação, à literatura
 Periferia da periferia da periferia da periferia...
 Pensar a literatura para além do livro e da palavra
escrita
 Pensar sobre o papel da academia junto à sociedade
 Pensar sobre o descaso sofrido pelos povos indígenas:
a quem interessa? Quem se beneficia?
O PROJETO PANTON PIA’
 Panton pia’ – caminhando com a história (lado a lado, ombro a ombro, mundo a mundo em
igualdade de potências criativas e criadoras)
 Coordenado pelo Prof. Dr. Devair Antônio Fiorotti
 Iniciado em 2007, primeiro registrou 29 narradores indígenas de 17 comunidades da TI São
Marcos.
 Depois, concluiu em 2014 as entrevistas de mais 10 narradores, de seis comunidades, na TI
Raposa Serra do Sol.
 Anciãos, semi ou analfabetos moradores de comunidades distantes da capital.
 Método de registro oriundo da História Oral.
 Os narradores estão assim distribuídos: 27 homens e 12 mulheres, sendo por etnia: 24 macuxi;
6 taurepang; 6 wapishana; 1 indeterminada. Entre esses merece menção uma etnia cuja tribo
enquanto tal não mais existe: uma sapará-macuxi; e outro que menciona wapichana e sua
relação com o nome karapiwa.
 www.pantonpia.com.br

 Editora Wei – Meriná Eremu (Bernaldina Pedro, 2019), Adaa Pantonü –A história do Timbó
(2019), Makunaimü Pantonü – A hsitória de Makunaima (Clemente Flores, 2019), Wayaura Paasi
– palavra de pássaro também canta (Casilda Bernaldo, no prelo)
PANTON PIA’
 Panton/ Pantonî: Severino Barbosa da comunidade
de São Jorge. Dicionarizado por Amódio & Pira, Frei
Cesáreo Armellada (Tauron Panton), Paulo Santilli.

 Eremu/ eremukon: cantos e danças (Parixara, tukui,


more’erenkato, cantos da homologação, areruia,
siimidin, marapá, warebã).

 Taren/ tarenkon: palavras de cura.


O PROJETO PANTON PIA’ –
EREMU/EREMUKON
PARIXARA: é o ritmo mais conhecido em Roraima
relacionado
aos indígenas. Relaciona-se à festa na chegada de uma caçada,
a encontros entre comunidades amigas. Hoje em dia se fala
em grupo de parixaras. Eles se apresentam em dias
comemorativos,não mais com a função social que apresentava
no passado. Em Roraima, na maioria das atividades oficiais
indígenas, há apresentação de grupos de parixaras: o que
envolve canto,adornos para os corpos, chocalhos variados, às
vezes tambor, dança, figurino específico, especialmente roupas
feitas com fibras de inajá e/ou buriti. (FIOROTTI, 2019)
FALTA CULTURA?
Para evocarmos um caso específico de comparatismo
intranacional, vamos lembrar o que nos disse Roberto Mibielli,
sobre os modos de abordagem da Amazônia em geral e de
Roraima em particular. Segundo ele, a região amazônica possui
uma multiplicidade de componentes culturais, que, no entanto,
não formam uma “faceta de cultura recognoscível”, isto é,
componentes culturais que não correspondem ao que está
presente e reconhecido em outras regiões mais populosas e com
maior volume de produção cultural. Então, cria-se uma
interpretação de que há nesta região um vazio cultural, paralelo a
um vazio demográfico.
É como se faltasse gente e faltasse cultura na Amazônia. Seria uma
espécie de variação da teoria da falta, pois os usuários da
expressão vazio cultural de algum modo produzem uma comparação
na qual utilizam como termo básico as regiões presumidamente mais
“centrais” (regiões com “mais gente” e “mais cultura”...), para
comparar com a região amazônica, na qual haveria o vazio, ou seja,
a falta (de “mais gente” e “mais cultura”). Em outras palavras: em
comparação com outros lugares vistos como “cheios”, haveria o
“vazio” da Amazônia, sendo a “plenitude” daqueles outros lugares o
modelo de como e com o que se deve fazer o preenchimento do
“vazio”... Embora a realidade da própria região seja outra. (JOBIM,
2020, Pp. 14-15)
PANTON PIA’ - TUKUI
 Significa beija-flor, são cantos relacionados
principalmente aos pajés, às intervenções na
natureza. A temática é variada, muitas vezes
dançada junto ao parixara, pode falar de animais,
plantas, mas principalmente apresenta um caráter
mais íntimo em relação ao seu domínio e execução:
nem todos o dominam. Foi o ritmo mais atacado
pelas religiões fundamentalistas, pois está na
maioria das vezes relacionado aos pajés, que são
endemoniados por essas religiões. (FIOROTTI, 2019)
Waakau waakau pe
uyeepî tanne
Waakau waakau pe uyeepî tanne Como borboleta, borboleta eu estou
vindo
Wîriisi
Wîriisi yaya
uyeramapîîtî
E a menina está me olhando
uyeramapîîtî
Como borboleta,
borboleta eu
estou vindo
E a menina está
me olhando
• BREVIDADE – IMAGÉTICA - HAICAI
velha lagoa Lá na subida
o sapo salta da cachoeira
o som da água Os peixes se enfeitam
(Bashô – traduzido por Leminski)
imantî pî pona’
maroko watarikuma
REPETIÇÃO/ PARALELISMO

Carlos Drummond de Andrade


PANTON PIA’ – ADAA PANTONÜ – A
HISTÓRIA DO TIMBÓ

Clemente Flores – Adaa Pantonü – A história do Timbó


PANTON PIA’ – ADAA PANTONÜ – A
HISTÓRIA DO TIMBÓ
 LITERÁRIO: ESTRUTURA – MYTHOS (ENREDO)
 ELEMENTOS DA NARRATIVA
 NARRADOR INTRUSO – MACHADO DE ASSIS
 AFETA/ AFEIÇÃO – RECEPÇÃO E CIRCULAÇÃO
ANTROPOMORFIZAÇÃO/ ZOOMORFIZAÇÃO:
MUNDOS POSSÍVEIS
O estímulo inicial para esta reflexão são as numerosas referências, na etnografia
amazônica, a uma teoria indígena segundo a qual o modo como os humanos vêem os
animais e outras subjetividades que povoam o universo — deuses, espíritos, mortos,
habitantes de outros níveis cósmicos, fenômenos meteorológicos, vegetais, às vezes
mesmo objetos e artefatos —, é profundamente diferente do modo como esses
seres os vêem e se vêem.
Tipicamente, os humanos, em condições normais, vêem os humanos como humanos,
os animais como animais e os espíritos (se os vêem) como espíritos; já os animais
(predadores) e os espíritos vêem os humanos como animais (de presa), ao passo que
os animais (de presa) vêem os humanos como espíritos ou como animais
(predadores). Em troca, os animais e espíritos se vêem como humanos: apreendem-se
como (ou se tornam) antropomorfos quando estão em suas próprias casas ou aldeias,
e experimentam seus próprios hábitos e características sob a espécie da cultura —
vêem seu alimento como alimento humano (os jaguares vêem o sangue como cauim,
os mortos vêem os grilos como peixes, os urubus vêem os vermes da carne podre
como peixe assado etc.), seus atributos corporais (pelagem, plumas, garras, bicos
Esse "ver como" se refere literalmente a perceptos, e não analogicamente a
conceitos, ainda que, em alguns casos, a ênfase seja mais no aspecto
categorial que sensorial do fenômeno; de todo modo, os xamãs, mestres do
esquematismo cósmico (Taussig 1987:462-463), dedicados a comunicar e
administrar essas perspectivas cruzadas, estão sempre aí para tornar
sensíveis os conceitos ou tornar inteligíveis as intuições.
Em suma, os animais são gente, ou se vêem como pessoas. Tal concepção
está quase sempre associada à idéia de que a forma manifesta de cada
espécie é um mero envelope (uma "roupa") a esconder uma forma interna
humana, normalmente visível apenas aos olhos da própria espécie ou de
certos seres transespecíficos, como os xamãs. Essa forma interna é o espírito
do animal: uma intencionalidade ou subjetividade formalmente idêntica à
consciência humana, materializável, digamos assim, em um esquema
corporal humano oculto sob a máscara animal.
IDENTIDADE X PESSOALIDADE

 Kobena Mercer, para quem "a identidade somente se


torna uma questão quando está em crise, quando
algo que se supõe como fixo, coerente e estável é
deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza"
(Mercer, 1990, p. 43).
DESLOCAMENTOS: MUNDOS POSSÍVEIS
 Ideia de literatura que não parte da palavra escrita – escrita
enquanto habilidade;
 Autoria – performance oral e performance da escrita
 Literatura e suas compartimentalizações: literatura brasileira –
literatura indígena contemporânea – teoria e literatura indígenas –
teoria e literatura indigenistas – marco temporal na literatura?
 Constrangimentos: onde fica seu Clemente? Onde fica dona
Casilda? Onde fica vovó Bernaldina?
CHOQUES
 IDENTIDADE X PESSOALIDADE
 BASES ONTOLÓGICAS: RAÇA – CLASSE SOCIAL -
RACIONALIDADE x ESPÉCIE – AGÊNCIA
COSMOLÓGICA (INSTÂNCIAS DE EXISTÊNCIA
NOS PLANOS TERRESTRE, AQUATICOS E
ESPIRITUAIS) – AFECÇÃO/AFEIÇÃO
URIHI – NOSSA TERRA, NOSSA FLORESTA
(DEVAIR FIOROTTI)
 RELATO REAL COLETADO DENTRO DO PROJETO DO
DIAMANTE AO CARVÃO
 ESCRITO EM VERSOS, MAS NARRA A ESCRAVIZAÇÃO DE UM
ADOLESCENTE YANOMAMI, A DEVASTAÇÃO DE SUA
COMUNIDADE, A PERDA DE SUAS TERRAS.
 1 PESSOA
 HAICAI, REPETIÇÃO, SONETO DE SHAKESPEARE, FLUXO DE
CONSCIÊNCIA.
 TERMOS EM LÍNGUA INDÍGENA, COSMOVISÃO YANOMAMI,
INVASÃO DE TERRAS INDÍGENAS, GARIMPAGEM, EPIDEMIA,
PERDA DA TERRA, SUICÍDIO
PANTON
A todos narradores Makusi, para seu Terêncio

Ao cair do sol começou a dança, o


Durante toda noite ele dançou.
canto
Quando o sol estava nascendo, tombou
do último ancestral macuxi.
Todos estavam ocupados demais Exausto recolhido como um feto.
para ver, [para ouvir. Da sua boca saíram o menino timbó,
Mas ele dançou como nunca havia a risada do Jabuti, Macunaima, Insikiran e
dançado. [Aninke,
Ele cantou como jamais havia o Urubu Rei, o lago do Piri Piri,
cantado. algumas estrelas, a Wadaka, o derradeiro
Suas pernas cansadas o levaram ao canto.
centro da [comunidade Seu corpo foi ficando pequeno,
e seu canto acordou os pássaros da
pequeno, pequeno, pequeno,
noite.
e ele se uniu a terra que o viu nascer.
O parixara foi ouvido pelo Piri Piri.
O tucui pelos beija flores (FIOROTTI, Devair. Paiol. 2015. Pp. 56-57)
Agora sei: apenas o
amor nos rouba do
tempo (Mia Couto)
Imantî pî pona’
Maroko watarikuma
[Lá na subida da cachoeira
Os peixes se enfeitam]

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