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LICENCIATURA EM LINGUAGENS
São Paulo
2023
Introdução
O livro “Eu sou Macuxi e outras histórias” foi escrito em prosa e poesia em
primeira pessoa, onde são utilizados as histórias orais e vivências de Julie, mesclando a
oralidade ancestral, a colonização e cotidiano. Os textos possuem linguagem poética e em
toda a obra é possível enxergar a luta de Julie em defesa de seu povo. Além disso, fica
exposto a diferença entre indígenas e brancos, o sujeito ocidental segue a lógica de
homem versus a natureza (DORRICO, 2019), criando barreiras e separações; porém para
a autora não existem barreiras para o pertencer; o conhecimento ancião ultrapassa o
espaço e o tempo.
De um porto a outro
De norte a sul
Karitiana, guarani e macuxi
De um gosto a outro
Cruzeiro-do-sul
Kaingang, omágua/kambeba, pankararu
De um porto a outro
De norte a sul
Do meu ponto de referência
Viva os munduruku!
De um gosto a outro
De norte a sul
Wapichana, mura e mara-guaçús
Baniwa, Kadiwel e Guaicurús
No silêncio dos olhos de meus parentes amarelos
Ouço os sons dos maracás
Vejo a cor do urucum e do jenipapo em suas peles
Sinto o orgulho do pertencimento que sempre exala em seus cabelos!
Em suas sombras toca o tambor:
Eu sou! Eu sou! Eu sou!
Indígena eu sou!
De um porto a outro
De norte a sul
Do meu ponto de referência
Viva os kai-gua-ya-xucu
De um porto a outro
De norte a sul
Povos indígenas
Nessa vida e em tantas outras
Eu sou.
(DORRICO, 2019)
[...]
[...]
Kaingang (Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo),
omágua/kambeba (Amazonas), pankararu (Pernambuco, São Paulo, Minas
Gerais)
Na estrofe: “No silêncio dos olhos de meus parentes amarelos / Ouço os sons dos
maracás / Vejo a cor do urucum e do jenipapo em suas peles / Sinto o orgulho do
pertencimento que sempre exala em seus cabelos!”, Julie retrata a cena pessoal da falta
de pertencimento por pessoas indígenas na sociedade moderna. A autora só “se
descobriu” indígena aos 27 anos,
portanto, ela relata a situação em que pessoas indígenas são apagadas, porém percebe o
saber ancestral presente culturalmente, como os maracás, que são chocalhos feitos com
uma cabaça com um cabo de madeira e pequenas pedras, caroços ou sementes em seu
interior; o urucum e jenipapo, que são frutas nativas utilizadas principalmente nas
pinturas corporais.
O verso “No silêncio dos olhos de meus parentes amarelos1” também é possível
perceber que existia muito a ser dito, porém o apagamento e silenciamento histórico tonou
o processo de autoafirmação mais lento e dificultoso. Esse poema também revela o caráter
coletivo da escrita indígena, onde existe a busca de identificação entre os parentes.
Considerações finais
1
Em conversa com a autora, Julie declarou que os “parentes amarelos” é relacionado a cor da pele que
as pessoas atribuíam a ela, numa “falsa associação com os orientalizados” (DORRICO, 2023).
Após a análise do texto, é possível notar o orgulho e felicidade de Julie em ser
indígena. No cenário atual de autores indígenas, é muito importante que a autora ocupe
esse local e possa transmitir suas vivências com seus parentes e com pessoas não
indígenas, não somente para fins educacionais, mas como referência cultural. Dessa
maneira, os debates sobre ancestralidade são necessários para a autoafirmação e
conhecimento dessas histórias não ouvidas.
Referências
CABRAL, Umberlândia; GOMES, Irene. Brasil tem 1,7 milhão de indígenas e mais
da metade deles vive na Amazônia Legal. Agência IBGE notícias. 2023. Disponível
em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-
noticias/noticias/37565-brasil-tem-1-7-milhao-de-indigenas-e-mais-da-metade-deles-
vive-na-amazonia-legal. Acesso em: 11 nov. 2023.
CANDIDO, Marcos. "Usar celular não nos torna menos indígenas", diz ativista
Pataxó. Ecoa UOL. São Paulo, 2020. Disponível
em: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/11/28/usar-celular-nao-nos-
torna-menos-indigena-diz-ativista-pataxo.htm. Acesso em: 17 nov. 2023.
DIEL, Vitor. Panorama da literatura indígena brasileira: entrevista com Julie Dorrico.
Literatura RS. 2019. Disponível em: https://literaturars.com.br/2019/07/01/panorama-da-
literatura-indigena-brasileira-entrevista-com-julie-dorrico/. Acesso em: 11 nov. 2023.
DORRICO, Julie. Julie Dorrico: Eu sou macuxi. Parêntese, vl. 19, n. 9. 03 de abril,
2020. Disponível em: https://www.matinaljornalismo.com.br/parentese/julie-dorrico-eu-
sou-macuxi/. Acesso em: 11 nov, 2023.
FUNAI. Cultura: Saiba mais sobre o maracá, instrumento musical indígena. GOV. 2022.
Disponível em: https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2022-02/cultura-saiba-
mais-sobre-o-maraca-instrumento-musical-indigena. Acesso em: 11 nov. 2023.