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Identidade cultural surda na


diversidade brasileira 1

Patrícia Luiza Ferreira Pinto 2


Pedagoga, Pós-Graduando em Psicopedagogia

Resumo focu s of this article is the deaf cul- completamente visual, a língua de
tural identity within a multicultural sinais, diferente em mod o de mi-
s conceitos de Surdez no que context which goes through the nha própria língua, a falada. (.. .)"
O refere à diferença e à deficiên-
cia, o etnocentrismo da tradição
various phases of the history of deaf
peop le from ora lism, to social
oralista, as Identidades Surdas, o relations, in their journey towards Oliver Sacks
multiculturalismo são pontos rele- the breakthroughfrom homogeneity Percorrendo a Traietória
vantes neste trabalho. O enfoque to the present moments and Surda
deste trabalho é a Identidade Cul- challenges in education.
tural Surda dentro do con texto
multicultural, perpassando as várias
fases da História dos Surdos, no
"Somos notavelmente igno-
rantes a respeito da surdez, muito
D entro das comemorações dos
500 anos do Brasil, o momen-
to é oportuno para repensar as
contexto do Oralismo, nas relações mais ignorantes do que um homem diferenças que situam a diversi-
sociais, na sua trajetória para rom- instruído teria sido em 1886 ou dade brasileira . O tema escolhido
per a homogeneidade, aos momen- 1786. Ignorantes e indiferentes( ...). se presta a discutir relações soci-
tos atuais e desafios na educação. Eu nada sabia a respeito da situa- ais no Brasil, expressando o tema
ção dos surdos , nem imagina va não como uma forma mais radi -
Abstract: que ela pudesse lançar luz sobre cal para os processos de humani-
tantos domínios, sobretudo o do- zação e constru ção das identida-
eaf concepts linked to the mínio da língua. Fiquei pasmo com des, mas como um novo pensar e
D notions of difference and
disability, the ethnocentrism of the
o que aprendi sobre a história das
pessoas surdas e os extraordinári-
repensar as diferentes culturas, as
quais levam o ser humano a se
oralist tradition, deaf identity and os desafios (lingüísticos) que elas descobrir como indivíduo, se cons-
multiculturalism are re levant enfrentam, e pasmo também ao to- tituindo em sua própria identida-
aspects of the present paper. The mar conhecimento de uma língua de, dentro de sua própria cultura.

1
Fragm ento da Monografia vencedora em 1° lugar do Concurso de Projetos de Pesquisa e Monografias, promovido pelo Unicentro Newton Paiva em
parceria com a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (Portugal) para o Seminário Internacional dos 500 anos de Língua Portuguesa no
Brasil, realizado nos dias 25 a 28 de abril de 2000, em Belo Horizonfe-MG. Monografia sob orientação da Elidéa Lúcia Bernardino.
2Surda, pedagoga, atualmente Pós-Graduando em Psicopedagogia com Ênfase em Educação Especial na PUC-MG, trabalha na APAE/ Caeté-MG como

pedagoga na Sala de Educa ção de Surdos .

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É relevante a produção des- trajetória do Movimento Surdo, as rículo adaptado às necessidades


te trabalho sobre a (re)construção suas peculiaridades, a sua impor- do sujeito Surdo, diferente do tra-
das Identidades Culturais, os pro- tância no multiculturalismo, fazen- dicional, o qual é voltado para
cessos das traj etó rias dos Surdos do referências sobre a Cultura Sur- uma idéia implícita de que o Sur-
na tão so nhada diversidade, rom- da, discursando ainda sobre a tra- do é colonizado, dominado pelo
pendo a trad icional homogeneida- dição oralista como ponto eqüi- ouvinte, submetido à sua hegemo-
de, tão arraigada no nosso imagi- distante da degradação da Cultu- nia cultural. E, ainda, estarei dis-
nário social . Importa delinear a ra Surda e no quanto esta tradi- cutindo a educação, apontando a
utó pica Cultura Su rda , à qual se ção prejudica a constru ção da necessidade de discorrer no espa-
refere OLIVER SACKS: somos ig- Identidade Surda, dando margem ço escolar o novo repensar sobre
norantes no que diz respeito à sur- à idéia de que é possível o Surdo as lutas sociais .
dez, especialmente no ponto de ser normal , ser ouvinte , uma vez Por fim, fa ço a conclusão do
vista antropológico . que essa é uma concepção etno- trabalho com um desafio às con-
traposições e adversidades revela-
doras no imaginário social, traçan-
Este trabalho, resultado de descobertas e impasses na do as trajetórias dos Surdos no pro-
minha trajetória enquanto Surda, pretende discursar as cesso de constru ção da Identida-
de Surda, marcada por lutas, in-
relações sociais dos sujeitos Surdos, do Movimento Surdo,
tempéries, impasses, ambigüida-
captando suas trajetórias dentro do multiculturalismo. des e emoções. É uma forma de
resistir aos movimentos opacos e
Este trabalho, resultado de cêntrica da realidade . E ainda homogêneos .
descobertas e impasses na minha conceituo identidade e também as Neste trabalho, sinto-me
trajetória enqua nto Surda, preten- Identidades Surdas, lutas e intem- empenhada pela causa surda, bus-
de discursar as relações sociais dos péries dos sujeitos Surdos na co ser o mais fiel possível às mi-
sujeitos Su rdos, do Movimento Su r- (r e)construção da identidade . nhas descobertas e às ,narrativas
do, captando suas trajetórias den- Assim, para realizar estes escritos, de outros Surdos . Estou ciente da
tro do multiculturalismo . Saliento embarquei em concepções da au- produção do conhecimento nesta
que este tipo de discussão possui tora GLADIS PERLIN, por conside- obra, procurando serfiel às exigên-
complexidades, e seria necessário rar significativo o seu pensamento cias e normas científicas, sem abu-
um novo olhar na educa ção que, e a sua luta pela causa surda . sar de sentimentalismos, buscan-
sem sombra de dúvida, é um dos Farei um paralelo entre a si- do expressar objetividade no tema
alicerces da human idade, tão pri- tuação do Brasil-colônia em rela- proposto, sem, entretanto, deixar
mordial para a aceita ção das di- ção à pátria-mãe, Portugal, que de me emocionar com a Surda que
ferenças , em oposição à homo- precisou ser emancipado da sua sou, que vem construindo a sua
geneidade . situação colonizadora para ter, história , sua Identidade Surda,
Explicito, neste trabalho, os enfim, o direito a buscar o progres- engajando pelo longo processo de
termos diferença e deficiência no so desejado, com a necessidade lutas e resistências contra o
que tange à surdez, delineando a de emancipação de um novo cur- Ouvintismo 3 .

3Segundo definição da Gladis Perlin: "E m sua fo rma oposi cion al ao surdo, o ouvi nte estabel ece uma rela ção de po der, de d o mina ção em g raus
variados, onde pred o mina a hegemo nia através d o d iscu rso e do saber. Acad emi camente, esta pa lavra - ouvintismo - designa o estu do do su rdo do
po nto de vista da deficiência , d a cli nica ção e da necessidad e d e norm a lização ."

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Surdez: diferença ou
d eficiência? O etnocentrismo tem a tendência de postular a
A discussão sobre os termos cultura dominante e vigente como padrão para as
diferença e deficiência presta-se demais culturas, partindo do princípio de que os seus
aos olhares, vivências, conheci-
mentos diversos da sociedade, do valores e a sua cultura são superiores, os mais
imaginário social e faz-se ne- esmerados, os mais adequados.
cessário esclarecê- los. Portanto, a
minha primeira tarefa é permear da língua oral para que o sujeito sujeito Surdo, o qual é tra tado
uma diversidade de conceitos Surdo se integre ao mundo ouvin- como deficiente, não se pensan-
e termos, particularmente nos cam- te, pressionando o ensino da fala do na sua diferença li ng üística .
pos da antropologia e da medi- como essencial, algo que lhe des- A educação oferec ida aos
cina. se status, o que não corresponde Surdos tem enfatizado demasiada-
Ao longo do trabalho, a às condições ideais para que o mente o ensino da fala como su-
questão da surdez, estereotipada sujeito Surdo adquira linguagem e posta devolução da humanidade.
pelo imaginário social como algo forme o pensamento . Extremamente concentrados nesta
deficiente, de menos valia e pato- O etnocentrismo tem a ten- tarefa, os educadores perdem de
lógico, fez-se testemunha de forma dência de postular a cultura domi- vista a importância da formação
árdua e marcante. A discussão nante e vigente como padrão para da Identidade e Cultura Surda para
dentro de uma visão clínico-pato- as demais culturas, partindo do os Surdos, deixam de formá-los en-
lógica não é o objetivo deste tra- princípio de que os seus valores e quanto cidadãos críticos e muito
balho, visto que esta não é a pers- a sua cultura são superiores, os poucos se confrontam a trabalhar
pectiva a ser aspirada pela Comu- mais esmerados, os mais adequa- o sentido real do conceito da eqüi-
nidade Surda, pelos pesquisadores dos . dade, a qual busca a igualdade
Surdos e ouvintes 4 • Estabelecer A questão do etnocentrismo sem, entretanto, eliminar a diferen-
uma nova perspectiva que vise re- é constantemente marcante na ça.
conhecimento à Identidade Cultu- Educação dos Surdos, particular- Como disse SKLIAR (l 998:
ral Surda é a prioridade máxima. mente na tradição ora lista, perpas- 07) : ''As idéias dominantes, nos
No transcurso deste traba- sando por vezes fragmentada e últimos cem anos, são um claro
lho, estes termos diferença e defi- questionada nas representações testemunho do sentido comum se-
ciência são usados e explicitados sobre a surdez. E faz-se necessá- gundo o qual os surdos corres-
de forma a tornar claro o seu sig- ria uma análise mais profunda des- pondem, se encaixam e se adap-
nificado. Pretendo lançar um novo sa tradição oralista na Educação tam com naturalidade a um mo-
olhar sobre os Surdos, no que tan- dos Surdos, mostrando as suas delo de medicalização da surdez,
ge à Identidade Surda . múltiplas facetas. numa versão que amplifica e exa-
Ao longo deste século, a gera os mecanismos da pedago-
Etnocentrismo: tradição Educação dos Surdos vem assu- gia càrretiva, instaurada nos prin-
oralista mindo uma concepção oralista, cípios do século XX e vigente até
O Oralismo é uma filosofia como Ideologia Dominante, atra- nossos dias . Foram mais de cem
educacional que propõe o ensino vés de uma visão clínica sobre o anos de práticas enceguecidas
' Estou me referindo aos pesquisadores ouvintes que vêem os sujeitos surdos como diferentes e não deficientes, contrariando a visão clínica-patológica,
não generalizando todas as pessoas ouvintes.

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pela tentativa de correção, nor- Para PERLIN (1998 : 52) a conjunto dos termos, não podén-
malização e pela violência institu- identidade é algo em questão, em do dissociá-lo do processo histó-
cional; instituições especiais que construção, uma construção mó- rico.
foram reguladas tanto pela carida- vel que pode freqüentemente ser Gladis Perlin critica a in-
de e pela be neficência, quanto transformada ou estar em movi- fluência do poder ouvintista que
pela cultura social vigente que mento, e que empurra o suieito em prejudica a construção da Identi-
requ eria uma capacidade para diferentes posições. dade Surda: É e vidente que as
controlar, separa r e negar a exis- Conceituar a identidade é identidades surdas assumem for-
tência da comunidade surda, da dizer que a mesma não é inata, mas multifacetadas em vista da s
líng ua de sinais, das identidades
surdas e das experiências visu -
ais, q ue determinam o coniunto ... da descoberta, da afirmação cultural em que um
de diferenças dos surdos em re-
lação a qualquer outro grupo de
certo sujeito se espelha no outro semelhante, criando
suieitos. " 5 (grifo meu) uma situação de confronto, e ainda segundo
Nesse sentido, a negação da PERLIN (1998: 53), a identidade surda sempre está
Cultura Surda, da Língua de Sinais,
em proximidade, em situação de necessidade com o
das Identida des Surdas é inerente
à tra dição oralista imperativa nas outro igual.
escolas, com o pressuposto de que
o Surdo é estigmatizado como está em constante modificação, fragmentaçõe s a que estão suiei-
d e ficiente auditivo, que carece partindo da descoberta, da afirma- ta s, face à presença do poder
de educação ora lista, que sofre de ção cultural em que um certo su- ouvintista que lhes impõem regras,
patolog ia , necessitando de espe- jeito se espelha no outro semelhan- inclusive, encontrando no estere-
cialistas para restituir-lhe a fala . te, criando uma situação de con- ótipo surdo uma resposta para a
fronto, e ainda segundo PERLIN nega çã o da representação da
Identidades Surdas: (1998: 53), a identidade surda identidade surda ao suieito surdo.
conceitos e sempre está em proximidade, em O termo identidade , que
heterogeneidades situação de necessidade com o melhor atende à temática surdez,
O estudo da identidade se outro igual. O suieito surdo nas é usado na busca do direito de ser
fez presente de forma árdua. suas múltiplas identidades sempre Surdo. De acordo com a trajetória
Foram diversos os autores pelos está em situação de necessidade vivenciada pelos sujeitos Surdos,
quais embarquei procurando defi- diante da identidade surda. nas suas lutas e intempéries, o
nir, discutir, analisar e, apesar do Para discutir as experiências tema (re)construção da Identidade
termo ser amplo, muito discutido vivenciadas pelos sujeitos Surdos Surda é sempre usado ao respon-
nas pesquisas contemporâneas, na sua Identidade Surda, através derem à pergunta - o que é ser
ater-me-ei apenas às descobertas da construção, resistência, batalha Surdo no Brasil?
da autora Gladis Perlin, particular- e dominação em vista da presen- Ao longo do último século,
mente às Identidades Surdas . ça hegemônica ou vinte, usarei um tem sido tra vado um verdadeiro

5SKILIAR, Carlos (org.) A Surdez, um olhar sobre os diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.

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c1encia e especialmente contra o


poder do ou vintismo.

Cultura Surda no
multiculturalismo
Viver uma experiência visual é ter a Língua de Discussões referen tes à Cul-
Sinais, a língua visual, pertencente a outra cultura, tura Surda têm sido tra vada s nos
dias atuais, levando à impossibili -
a cultura visual e lingüística.
dade de definir sobre o que seja a
Cultura Surda. Entretanto, algu mas
questões serão levantadas com o
pressuposto de seguir os estudos
embate imposto por alguns Surdos disfarçadamente, e e vitem o cons- culturais, que propõem pensar a
ao redor do mundo, devido ao trução da identidade surdo, cujo surdez numa perspectiva antropo-
processo histórico da colonização representação é o estereótipo da lógica.
sobre os sujeitos Surdos, no que sua composição distorcida e ina- Não me aterei objetivamen-
se refere à medicalização, à nor- dequada . te ao termo, discursarei sobre mo-
malização, levando à degradação Afirmo a necessidade de vime ntos de lutas e batalhas pelos
da Língua de Sinais, da Cultura uma nova visão sobre o sujeito Surdos pela sua Cultu ra Surda num
Surda, das Identidades Surdas. Em Surdo, que é diferente e não defi- espaço multicultural .
resposta a essa coloniza ção, o ciente. Por que não podemos re- O multiculturalismo se ex-
Movimento Surdo tem dado início pensar o nosso olhar? O que o pressa, tomo sucessão no mu ndo
à criação de Associações de Sur- sujeito Surdo tem de diferente? contemporâneo, para que os su-
dos como uma resistência contra Segundo PERLIN (l 998: 56) ser jeitos sociais valorizem, expressem
a cultura dominante, contra a ide- surdo é pertencer a um mundo de suas diferenças, suas culturas es-
ologia ou vintista. experiência visual e não auditiva. pecíficas, em busca da afirmação
O foco do nosso olhar é o Viver uma experiência visual cultural.
sujeito Surdo, com suas peculiari- é ter a Língua de Sinais, a língua É um movimento social em
dades. O termo Surdo é carrega- visual, pertencente a outra cultu- oposição a todas ações homo -
do, no imaginário social, de estig- ra, a cultura visual e lingüística . geneizadas da vida social. É uma
ma , de estereótipo, de deficiência, Há de se considerar outro oposição a todas as tentativas dos
e significa a urgência da necessi- conceito da Identidade Surda, de outros a imprimirem a cultura do-
dade de normalização, em anta- relevância política, dentro do minante, vigente sobre uma outra
gonismo ao conceito da diferen- multiculturalismo, de igual impor- cultura preexistente : a Cultura Sur-
ça, como disse PERLIN (l 998: 54): tância para outros movimentos da.
o estereótipo sobre o surdo jamais sociais, pela batalha contra a ide- Conceituar o multiculturalis-
acolhe o ser surdo, pois imobilizo- ologia dominante: a Identidade mo é falar sobre o reconhecimen-
o a uma representação contradi- Política Surda . É um movimento to do jogo das diferenças que se
tória, a uma representação que pela força política em prol da nos- constrói socialmente nos proces-
não conduz a uma política da iden- sa diferença ... é uma luta contra o sos interligados nos diferentes con-
tidade. O estereótipo faz com que estigma , contra o estereotipo, con- textos. Muitas vezes, o multicultura-
as pessoas se oponham, às vezes tra o preconceito, contra a defi- lismo se constitui em um fecundo

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movimento de lutas sociais, de ca, uma vez que, anteriormente à Ainda há um longo caminho
ação cultural de um suposto gru- Língua Portuguesa, era a língua o trilhar, ainda que tenham bons
po, que por diversas vezes se sen- tupi-guarani utilizada pelos primei- resultados erigidos pelo Movimen-
te d isc rimina do, excluído pelos ros brasileiros, os índios. to Surdo, há batalhas o serem
outros segmentos da sociedade Dentro deste contexto, com vencidos, lutos o serem travados ...
por suas peculiaridades . Neste es- a colonização portuguesa sobre o
paço multicultural, são deparados Brasil, foi necessária a batalha pela Conclusão
os movimentos sociais como ne- Independência em busca do direi- Estamos rente o um novo mi-
gros, Surdos, índios, homossexu- to a ser uma Nação livre e dona lênio, portanto é conveniente que
ais, mulheres, judeus ... que lutam do seu próprio destino. adotemos uma novo perspecti va
pelas mudanças propulsaras para Nesta perspecti va coloniza- em relação o um futuro cada
que cada um ser possa conviver dora, paralelamente à Cultura Sur- vez mais próximo. E uma novo
com a diferença, que possa fazer da e à Língua de Sinais , discuto perspectiva implico preencher um
valer seus direitos civis, direitos sobre a colonização do ouvinte so- espaço que outrora foro habitado
humanos, direito de ser pertencen- bre o sujeito surdo, no quanto foi por uma concepção concordante
te a minorias lingüísticos, culturais, necessário a este se desprender com o mentalidade vigente
étnicas ou re ligiosas em antago- da grande parte das suposições de do época , mos que atualmente tor-
nismo aos movimentos dominan- que o surdo é deficiente auditivo, no-se ultrapassado e não deve
tes, vigentes, homogêneos. da imposição da Língua Portugue- mais se sustentar, o não ser em seus
Fa ço minhas as pala vras de sa para o sujeito surdo - como alicerces ruinosos que não mais se
PERLIN (l 998: 57): é preciso man- se isso fosse lhe conceder um alinham à superfície dos no vos
ter estratégias para que a cultura status privilegiado -, e descon- descobertos.
dom inante não reforce as posicões ceituar de que é possível o surdo Ser Surdo, judeu, negro, ín-
de poder e privilégio. É neces;ório ser normal apenas no perspectiva dio, enfim, ser diferente dos demais
manter uma posição intercultural ouvi ntisto. configurados como normais no
mesmo que seio de riscos. A iden - Apesar desta concepção , concepção patológica do medici-
tidade surda se constrói dentro de ainda impero fortemente a coloni- no não mais deve ser motivo de iso-
uma cultura visual. Essa diferença zação sobre os surdos , que sem lamento, exclusão social , estigma,
precisa ser entendida não como voz nos mãos, são amordaçados p reco nceito, mos sim, este é o
uma construção isolada, ma s culturalmente sem poder expressar momento propício paro que ocor-
como construção multicultural. o suo Cultura Surdo , sem poder ra uma mudança profundo no vi-
expressar seu pensamento através são e costumes dos povos, fazen-
Herança colonial dos suas mãos, através do sua Lín- do com que os diferentes se fun-
Seria relevante discutir a gua de Sinais . dam ao contexto sócio-histórico e
questão do Brasil colonizado por
Portugal , que foi libertado da co- Nesta perspectiva colonizadora, paralelamente à Cultura
loni zação portuguesa no ano de Surda e à Língua de Sinais, discuto sobre a colonização
1822. Durante a dependência, o
do ouvinte sobre o sujeito surdo, no quanto foi necessário a
Brasil foi submetido às mais duras
pressões políticas e ideológicas no
este se desprender da grande parte das suposições de que o
que se refere à exploração econô- surdo é deficiente auditivo, da imposição da Língua
mica, cultural , inclusive a lingüísti- Portuguesa p_ara o sujeito surdo

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se tornem nada mais e nada me-


nos do que sempre foram não só
A educação é um instrumento de mudança. É ela
aos olhos da natureza, mas tam-
bém aos olhos daquilo que todas que, direta ou indiretamente, conduz as
relig i ões definem com Deus: transformações cruciais em nossa sociedade, em
Iguais. nossa história, pois ela carrega o cerne da
Por que iguais? Pois antes de
explicitarmos qualquer diferença manifestação humana
entre este ou aquele indivíduo, to-
dos se esquecem da essência que
os constitui a todos, haja distinções constitui em torno do ser humano . os quais , pelo visto, certamente
ou não, todos são humanos muito Com a educação, repassamos as não são os Surdos.
antes de qualquer outra coisa . E informações através da história , Portanto, a exclu são so cial
esta humanidade é uma luz que e a cultura permanece, sustentan- implica uma exclu sã o cu ltural e a
deveria recair sobre todos aqueles do a existência do homem e ausência da cultura leva-nos à ex-
que selecionam atributos separa- expandindo-a cada vez mais, de- pectativa de que uma outra impli-
tistas, que segregam e dividem os lineando os contornos que marcam ca ção se imponha, alojando-se no
indivíduos em grupos a serem odi- sua presença, sua existência. centro das significações, para
ados, expatriados, isolados, mas Mas para que a educação aqueles que estão excluídos : Se os
nunca integrados, compreendidos, dos sujeitos Surdos seja possível , Surdos não podem se expressar, se
.aceitos no contexto sociocultural usando como exemplo a idéia de não lhes é facultada a chance de
que, querendo ou não, todos coe- que a água só entra em uma gar- se constituírem como sujeitos em
xistem em um grau maior ou me- rafa se nela existir um orifício ou suas próprias identidades culturais
nor de proximidade e convivência. uma superfície permeável, analo- para que possam vir a se manifes-
A educação é um instrumen- gamente em qualquer indivíduo, a tar, restará a estes seres humanos
to de mudança . É ela que, direta cultura somente se interiorizará se a oportunidade de existir? Ou mu-
ou indiretamente, conduz as trans- ela for conduzida por um canal daremos nossas expectati vas, eli-
formações cruciais em nossa soci- viável que torne possível sua recep- minaremos os impasses, os temo-
edade, em nossa história, pois ela ção clara e concisa, situação nem res que emanam da idéia do que
carrega o cerne da manifestação sempre presente na maioria dos significa diferença e adotaremos
humana - a comunicação - ferra- métodos educacionais que se jul- uma visão multicultural inician -
menta indissociável de qualquer gam eficientes por beneficiarem do uma eterna caminhada juntos
cultura onde a presença central se um grande número de indivíduos, a partir deste novo milênio?

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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