Você está na página 1de 18

ARTES E LETRAS NA

DIÁSPORA AÇORIANA

ARTS AND LETTERS IN


THE AZOREAN DIASPORA

PRIMEIRA EDIÇÃO
FEVEREIRO 2023
Contents
3 em poucas palavras

4 in a few words

5 uma ilha que é um mundo

9 lembrança

11 a propósito do prémio natália correia

16 preface to the caligraphy of the birds

17 quarantine highway

18 ‘oh eye of prodigy‘

FICHA técnica
Director: Diniz Borges
Editorial Board: Linda carvalho-Cooley; Eugénia Fernandes, Emiliana Silva and Micahel DeMattos
Advisory Board: Onésimo Almeida, Duarte Silva, Teresa Martins Marques, Renato Alvim, Debbie Ávla, Manuel Costa Fontes, Vamberto Freitas, Irene M. F. Balyer and Lélia Pereira Nunes
Designer: Humberto Ventura - www.illustratetheweb.com

2
para o continente norte americano.

EM poucas Com ensaios, com textos criativos e


analíticos, com poesia, com notícias do

palavras... mundo das artes e letras, com entrevistas,


tentaremos estabelecer um espaço na
diáspora que crie ainda mais pontes
Diniz Borges entre o mundo lusófono, dando destaque
especial aos Açores e a sua diáspora.

Agradecemos a todos que colaboraram


Em 1990, na pequena cidade de Tulare, nesta primeira edição.
começou-se um simpósio literário-
dramático, que teria impacto na Abraços
comunidade a nível local e estadual. O
Filamentos da Herança Atlântica existiu Diniz
durante 12 anos e trouxe a Tulare,
geminada com a cidade de Angra do
Heroísmo desde 1966, um número
significativo de escritores, poetas,
académicos, artistas plásticos, atores e
músicos. Vinte anos mais tarde, a Bruma
Publications do Portuguese Beyond
Borders Institute-PBBI da universidade
estadual da Califórnia em Fresno, lança
esta publicação bilingue de artes e letras
dando-lhe o nome do simpósio de Tulare,
como era conhecido. Acreditamos que
todos estamos aqui sobre os ombros de
alguém. Foto de diniz borges pela
universidade dos açores

Aqui teremos uma amalgama de trabalhos


nas duas línguas da nossa diáspora
nos Estados Unidos. Filamentos, terá
como objetivo principal, ser um espaço
de diálogo literário e artístico entre a
nossa diáspora nos EUA e no Canadá
e da mesma com os Açores, com a
Madeira, Portugal continental e o mundo
lusófono. Queremos ainda dialogar com
outras culturas e outras identidades que
compõem o multiculturalismo dos dois
principais países da nossa imigração

3
In a few With essays, creative and analytical
texts, poetry, news from the world of
arts and letters, with interviews, we will

words... try to establish a space in the Diaspora


that creates even more bridges between
the Lusophone world, giving particular
Diniz Borges emphasis to the Azores and its Diaspora.

We thank all who contributed to this first


edition.
In 1990, in the small town of Tulare, a
literary-dramatic symposium was started, Abraços
which would impact the community at
the local and state level. Filaments of Diniz
the Atlantic Heritage existed for 12 years
and brought to Tulare, a sister city with
the city of Angra do Heroísmo in the
Azores since 1966, a significant number
of writers, poets, academics, visual
artists, actors, and musicians. Twenty
years later, Bruma Publications of the
Portuguese Beyond Borders Institute-
PBBI of California State University at
Fresno launched this bilingual publication
of arts and letters, naming it after the
Tulare symposium, as it was popularly
known. We believe that we are all here on
someone’s shoulders.

Foto: California State University,


Here we will have an amalgamation Fresno

of works in the two languages of our


diaspora in the United States. Filamentos
will have as its primary goal to be a space
for literary and artistic dialogue between
our Diaspora in the US and Canada with
the Azores, with Madeira, mainland
Portugal, and the Portuguese-speaking
world. We also want to dialogue with
other cultures and identities that make
up the multiculturalism of the two lea-
ding countries of our immigration to the
North American continent.

4
ambos entrámos para o Seminário

UMA ILHA Menor de Ponta Delgada, acabadinhos


de completar a 4ª classe, ao tempo o
último ano de escolaridade obrigatória.

QUE É UM Desde cedo me impressionou a riqueza


de vocabulário do Fagundes (sempre o
tratámos pelo sobrenome). Ouvi desde

MUNDO bem cedo dizer que nas Flores havia o


hábito de ao serão as pessoas se juntarem
a ouvir alguém ler livros, sobretudo
Onésimo Teotónio Almeida romances, e esse facto explicaria a riqueza
do linguajar florentino, bem como o
particularmente elevado nível educacional
A ilha das Flores está há muito, e por médio da população da ilha. Um índice
bem legítimo direito, colada às letras aferidor desse caso especial era, nesse
açorianas. Roberto de Mesquita, Alfred tempo, um dado curioso: no Seminário de
Lewis e Pedro da Silveira são um trio de Angra havia cinco professores florentinos,
respeitável peso, embora qualquer um quase tantos como os de S. Miguel, onde a
deles de per si justificasse uma profunda população era trinta e tantas vezes maior.
vénia à terra que chamaram sua. Não
foram, aliás, esses os únicos autores ali Referir este pormenor poderá parecer
nados; são, porém, sem dúvida os seus uma indiscrição leviana, contudo não
inquestionáveis expoentes. sou o primeiro a fazê-lo. Num livro
autobiográfico, o Cónego Francisco
Mesquita e Silveira foram poetas; Lewis Caetano Tomás revelou uma conversa
foi prosador e da sua ilha apenas num extremamente explícita nesse sentido,
livro nos deixou narrativa – Home Is An que com ele teve o seu colega e patrício
Island. Quer dizer que da mais ocidental das Flores, o Dr. Américo Caetano Vieira,
ilha açoriana não dispomos de muita ambos membros do corpo docente do
prosa, ao contrário do que acontece por Seminário de Angra.
exemplo com as ilhas maiores – S. Miguel,
Terceira e Pico. Mas voltemos ao Carlos Fagundes.

Entretanto, há anos para cá uma voz vem Lembro-me de nos nossos anos de
sistematicamente contando num blogue – estudantes em Angra ele me ter mostrado
Pico da Vigia - estórias dos anos cinquenta sonetos seus a imitar admiravelmente os
e sessenta, os da infância e adolescência poetas clássicos que conhecíamos quase
do seu autor, Carlos Joaquim Fagundes. só das selectas literárias usadas nas aulas
É com gosto que passo a apresentá-lo, de Português. Além disso, variadas vezes
revelando a minha cumplicidade no lhe ouvi contar dramáticas histórias da
surgimento do presente livro. sua experiência pessoal, de familiares bem
próximos e da gente da sua Fajã Grande.
Conheço o autor desde 1958, quando Narrava-as com a emoção de testemunha.

5
ao lado: capa do livro “entre o
mar e a rocha. estórias“ de carlos
fagundes.
Em baixo: panorama da ilha das
flores fotografado pelo mesmo
autor.

6
ocular, pois sentira na pele muitas miríade de aguardentes de fruta feitas
daquelas situações de sofrimento humano pela sua mulher, a Alda, tenho repetido
que também a mim impressionaram inúmeras vezes o refrão: Reúne essas tuas
fortemente narrativas que havemos de arranjar
uma editora.
Décadas mais tarde reencontrámo-nos, e
lembro-me de ter insistido com ele para Após prolongada resistência, o Fagundes
que lançasse ao papel as experiências dos finalmente cedeu e, para meu júbilo, o
seus tempos de menino e de adolescente. volume aqui está pronto para ser lido
Seria uma rica partilha, pois no resto do pelos apreciadores de boas histórias
arquipélago conhece-se pouco da vida (intencionalmente escrevo “histórias”
do passado na sua ilha natal. Dispomos, e não “estórias” porque há uma marca
é certo, de poemas de Pedro da Silveira de veracidade nestas páginas que a
que constituem autênticas pinturas, designação “estória” escamotearia). São
com traços de pincel a oferecerem-nos páginas por vezes duras, tal a nudez da sua
eloquentes quadros dos ambiente da autenticidade e realismo. Plenas de vigor
ilha. Mas faltam narrativas e daí a minha e garra, não deixam o leitor indiferente.
insistência. Elas sugam-nos para dentro daquela
bela ilha e como que nos fazem enfrentar
Alguns anos mais tarde, de passagem por as águas escuras das fundas lagoas e o
Angra, cruzei-me por meríssimo acaso espesso arvoredo circundante deixando-
com o Carlos Fagundes na rua da Sé. À nos frente a cenários impenetráveis, mas
pergunta Que fazes por aqui? respondeu- de que felizmente o narrador, levando-
me que concorrera aos Jogos Florais das nos pela mão, consegue mostrar-nos os
Festas da Cidade e tivera uma narrativa labirintos e mirar os desfiladeiros da vida
contemplada. Tinha ido receber o prémio. local.

Voltei à carga. Ocorreu-me logo que


certamente o escritor Álamo Oliveira
teria sido membro do júri e esse era um
aval pesado. Se lhe premiara um escrito,
eu tinha agora um argumento de peso
bem maior para insistir em encorajá-lo a
publicar um livro.

Entretanto soube – não pelo autor – que


o Carlos Fagundes tinha um blogue muito
lido, onde publicava regularmente textos,
sobretudo narrativas, centrados nas suas foto de onésimo almeida
página seguinte: uma eremida das
vivências florentinas. flores, foto de carlos fagundes

Nos últimos verões temo-nos encontrado


em férias no Pico, ilha que ele quase
adoptou como terra de berço, pois ali
trabalhou vários anos e hoje tem lá casa.
Na sua adega sobre a baía de S. Caetano,
a saborear acepipes regados com uma

7
A prosa do Carlos Fagundes é hoje mais
enxuta e directa do que em tempos foi,
evitando o excesso de vocabulário que
se, por um lado, a enriquecia, por outro,
se entrepunha distraindo-nos da acção. O
leitor embrenhar-se-á nela, apreciando-
“Alguns anos mais tarde,
lhe a desenvoltura e admirando a vida e de passagem por Angra,
a resiliência de uma gente que sobreviveu
(nem sempre!) lutando contra tantas
cruzei-me por meríssimo
vicissitudes. Se nalguma ilha se sofreu de acaso com o Carlos
insularidade, fica óbvio que nas Flores ela Fagundes na rua da Sé...”
fazia particularmente doer.
É tempo de me calar e ceder a voz ao
narrador. Só cá vim prometer que o leitor
não se arrependerá da viagem.

Prefácio do livro Entre o mar e a Rocha-


Histórias de Carlos Fagundes
Publicado pela Companhia das ilhas

8
While I paged through Newsweek (I took
Time at home) and the Tulare Advance-
Register (we received the Porterville
Recorder next door), feeding my
voracious appetite for reading material,

Lembrança Avô would spoon quietly away at whatever


Avó had placed before him. It was often
a simple açorda, an authentic Azorean
Anthony Barcellos soup of eggs, bread, and greens. (I found
it repulsive, and averted my eyes.) But
whatever the meal entailed, Avô never
The implantation was without intention. left a completely empty plate. Whenever
As a farmer, my grandfather had decades he pushed himself away from the dinner
of experience deliberately fostering table, my grandfather habitually left a
growth and fruition, but the seed he lembrança — a souvenir — on his plate.
slipped deep into my brain involved not
a particle of planning. Yet it is the reason Growing up in the Azores, Avô had
that he remains with me nearly every day, received most of his education from the
half a century after our last conversation military academy on the island of Terceira.
together. If, somehow, I could tell him I have an ancient sepia photograph of my
about this, no doubt Avô would smile grandfather in his cadet uniform, posing
and give his head a small shake, racking with a brother and cousin, when he was
up one more exhibit in the gallery of his (perhaps) barely a teenager. It was at the
grandson’s quirkiness. academy where they put a sock over his
left hand to force him to learn to write
I grew up next door to my grandparents, with his right, thereby breaking him of the
whose open-door policy made their home habit of favoring the hand sinister, well
an extension of our own. We could drop known to be the Devil’s preferred hand. It
in without ceremony, certain to receive a may also have been at the academy where
cheerful greeting from our grandmother he learned never to lick a plate clean.
and a tolerant nod from our grandfather. As best I could tell, since it was never
I often popped in late in the morning, explicitly explained to me, leaving a plate
after Avô’s trip to the post office. It was completely clean was a sign of gluttony,
an opportunity to page through his with the implication that one had been
English-language publications while he served a stingy helping. In other words,
had lunch, Avó hovering over him to it was an implied insult to the server. Avó
ensure her husband’s satisfaction with was fully accustomed to her husband’s
his meal. I recall the occasion when she quirk, which had been adopted by no one
tried something new and asked him how else in the family (which was replete with
he liked it. “It was very good,” said Avô, plate-cleaners).
“but don’t make it again.” His appetite
for novelty was apparently entirely sated Since I was too deferential (timid?) to
by the great adventure of uprooting the inquire about the details, I was left to spin página seguinte: Foto de anthony

family from the Azores and bringing them my own thoughts. barcelos em 1961. foto dos seus
avós deolinda e frank em 1967
to California nearly forty years earlier.

9
Every time my grandfather left a dab of
egg yolk or a kale leaf on his plate, he was
preventing it from becoming a part of
him. Instead those items would embark
on an entirely different journey, perhaps
washed down the drain or scraped into a
“I have a souvenir of my
bin. This is the thought that has never left grandfather. It is oddly
me, a meme for the ages.
lodged in my brain, and
Therefore, whenever a slice of olive from I expect Avô will remain
the pizza ends up in the trash, I think of with me the rest of my
life”
my grandfather. When I cannot finish
an entire serving of broccoli, I think of
my grandfather. When a pinto bean is
left behind, I think of my grandfather.
It happens nearly every day. Everything
in the world is connected, however
tenuously, to everything else, and this
notion resonates with my grandfather’s
lembranças. When I brush a leaf from the
hood of my car and realize it came from a
tree in my mother’s front yard, over two
hundred miles away, I think how it will
contribute to the organics in my own front
yard instead of its home of origin — and I
oddly recall my avô.

I have a souvenir of my grandfather. It is


oddly lodged in my brain, and I expect Avô
will remain with me the rest of my life.

Anthony Barcellos

This piece was originally published in American River Review Magazine (2023).

10
mulo para continuar a estudar e a divulgar
Conversa Com personalidades e autores açorianos.

Henrique Levy Momento antes da Cerimónia formal


da entrega do Prémio Natália Correia,
Sobre A Literatura informaram-me da impossibilidade do
Sr. Presidente da Câmara Municipal de
Nos Açores: Ponta Delgada, CMPD, estar presente
e que a Câmara havia dispensado a
A Propósito Do comparênciados seus convidados oficiais,
da comunicação social e até mesmo do
Prémio Natália fotografo da Câmara. Esta atitude não
me surpreendeu. Anteriormente, havia
Correia, 2022 recebido um correio electrónico da
CMPD, no sentido de encontrar uma data
Vamberto Freitas e hora para se proceder à Cerimónia de
entrega do Prémio, com o seguinte teor:
Devido ao facto de haver uma agenda
Recebeste o Prémio Natália Correia 2022 muito preenchida, e termos conseguido
numa sessão da Câmara Municipal de esse furo, solicito que nesse dia faça uma
Ponta Delgada pelo teu romance Vinte pequena excepção, visto a cerimónia
e Sete Cartas de Artemísia no passado em si também ser rápida. Perante a
dia 16 de Dezembro. Li o teu discurso minha indisponibilidade, por razões
de agradecimento a todos os que te são profissionais, em aceitar a data e a hora
significantes num percurso de uma já sugeridas pela CMPD, para a entrega do
densa obra, inclusive a influência que a Prémio, foi esta a resposta que obtive:
proeminente poeta e escritora açoriana Mediante a vossa indisponibilidade em
exerceu sobre a tua formação literária. estar presente durante o horário de
Pode falar mais um pouco do que funcionamento do município na hora
sentiu no momento em que o prémio foi indicada, informa-se que não haverá
oficializado? lugar à cerimónia simbólica e pública de
entrega do prémio da II edição do Pré-
Foi a poesia de Natália Correia que, mio Natália Correia.
ao longo da vida, me lançou num
determinado universo literário, gravando Estranhei o facto de a CMPD assumir que
no meu espírito um constante incêndio a Cerimónia de entrega do Prémio Natália
a contribuir para a formação da minha Correia se realizaria num furo e propor
personalidade e expressão poética. que esta fosse rápida. Num posterior
Por esta razão, sinto-me honrado pela correio electrónico, após agendamento
distinção atribuída ao romance Vinte da Cerimónia para o dia 16 de dezembro,
e Sete Cartas de Artemísia. O prémio às 14h , a CMPD pedia-me que enviasse o
com que a Câmara Municipal de Ponta nome e as respetivas moradas electrónicas
Delgada me honrou será mais um estí- dos meus convidados . Acontece que a

11
CMPD, sem qualquer explicação,
censurou dois nomes da minha lista de
convidados. Não tendo a CMPD enviado
convites, à Dra. Maria José Lemos
Duarte, ex-presidente da CMPD e ao
Professor Onésimo Teotónio de Almeida,
reconhecida personalidade da cultura
açoriana, tendo presidido à Comissão de
Honra da Candidatura Azores 2027.

No dia 16 de dezembro, a poucos minu-


tos do início da Cerimónia, fui informado
que o Sr. Presidente da CMPD não esta- Foto de Henrique Levi e Paulo
Mendes, Ponta Delgada
ria presente e que o protocolo da CMPD regimes que as vexaram e ostracizaram.
teria desistido dos convidados oficiais e Todas essas mulheres tiveram a
de contactar a comunicação social. Não me inteligência e a coragem de impor ternura
intimidei. Percebi que estava nas minhas a um mundo inóspito e cruel, onde ainda
mãos levar dignidade àquele momento hoje é difícil viver no feminino.
evocativo da açoriana Natália Correia, a
maior poetiza da Língua Portuguesa, de Dizes que encontraste nos Açores
todos os tempos. juntamente com Luís Levy a geografia
da vossa felicidade. Andaste muito
A inexplicável atitude da CMPD, levou- pelo mundo. Como é que estas ilhas
me a pensar na eventualidade da conquistaram dois homens tão, digamos,
obra premiada Vinte e Sete Cartas de universalizados?
Artemísia haver cumprido a sua missão,
por denunciar um certo sistema político Vivemos no lugar mais resguardado da
e a misoginia que ainda hoje nos é ilha de São Miguel. O meu quotidiano
imposta por valores arcaicos da socieda- é presenciado por um vulcão e pelo
de patriarcal a que me tenho oposto, luxuriante jardim que um grande amor
durante toda a vida, e denunciado em obras soube plantar e cuidar. São três as
literárias e na minha intervenção pública entradas de mar que nos aproximam
como cidadão. Estou convencido de que da coragem das gentes marítimas desta
só quando houver igualdade de género e ilha com quem aprendemos a não
total respeito pelo feminino poderemos, perder tempo com prólogos, quando a
todos juntos, ajudar a construir uma identificação e o respeito por este povo se
sociedade mais harmoniosa, justa e estruturam no sentimento profundo do
pacífica. poeta e do homem que, seduzido por uma
cultura ímpar, pela devoção dos açorianos
Afinal, a relevância que júri atribuiu a este ao Divino Espírito Santo e por estas ilhas
romance pretende ser uma homenagem terem sido berço dos maiores escritores
a todas as mulheres insulares que, não de Língua Portuguesa, teve a coragem de
conformadas com a noite imposta por concretizar desejos pretéritos, deixando
uma sociedade, patriarcal e misógina, a vida mundana de uma capital europeia,
decidiram acender luzes sem atentarem para se fixar, após um périplo por quatro
em sombras ou nas linhas das mãos, continentes, neste inspirador e acolhedor
enfrentando a difícil fisionomia dos arquipélago do Atlântico.

12
Sigo a tua obra poética, ficcional e a jorgense Marianna Belmira de Andrade,
ensaística desde estes teus mais recentes responsabiliza a instituição monárquica,
anos açorianos. Não vou canibalizar aqui a Igreja Católica e a sociedade patriarcal
nenhum texto meu. Só te pergunto como é pelo atraso do país. Como não encontrei
que por entre essa escrita contínua entre nenhuma editora interessada em publicar
nós dedicas muitas páginas de ficção esse magnifico livro, cuja primeira edição
na criação de personagens femininas, data de 1884, propus à Publiçor a criação
assim como na recuperação de nomes de uma editora dedicada exclusivamente
supremos de outras mulheres açorianas, à poesia. Assim, surgiu a editora N9na
que para nós permaneciam no limbo do Poesia, de que sou coordenador.
esquecimento?
A partir dai, os Açores, a sua História e
Por ser um agente forte de identificação a sua Cultura passaram a ocupar uma
pessoal e social, a divulgação da Cultura proeminente importância na minha vida
contribui para uma sociedade mais justa literária. Com isto, não quero, de forma
e igualitária. Acredito que é através da alguma, por em causa o notável e meritório
ação de difusão cultural que se permite trabalho desenvolvido por todos os
a integração de segmentos sociais e das agentes culturais da Região. É de salientar
diferentes gerações. A identidade cultural o esforço de autores, editores, livrarias,
de um povo constrói a consciência e municípios e dos vários Governos da
a memória desse mesmo povo. Um Região em proveito da difusão da cultura/
dos principais objetivos dos governos literatura dos Açores.
devia centrar-se na democratização da
cultura, aumentando o acesso aos bens
culturais e possibilitando aos cidadãos
a possibilidade de desenvolver o seu
próprio modo de ser e participar na
comunidade onde estão inseridos. Em
sentido lato, podemos definir Cultura
como o estudo das obras das sociedades
humanas – uma epistemologia que
se propõe analisar o comportamento
humano, sendo, para mim, difícil afastá-
la da definição de Antropologia.

Quando desembarquei na vida cultural


açoriana, deparei-me com a pouca
visibilidade de obras de autoria feminina.
Durante dois anos, fiz uma aturada
investigação, tentando perceber a razão Como vês a nossa “histórica” ausência
que levou a serem ocultados importantes literária no resto do país, muito
vultos femininos que contribuíram e particularmente a ausência maioria dos
contribuem para engrandecer a vida escritores e escritoras que teimam em
cultural do arquipélago. Nessa investigação residir nestas ilhas?
deparei-me com um importante poema
épico: A Sibylla - Versos Philosophicos O prémio com que a CMPD me honrou
composto por 1250 versos em que a autora, foi mais um estímulo para continuar a

13
estudar e a divulgar autores açorianos Não foi, e não será pelo valor financei-
vítimas do ostracismo imposto pela ro, deste ou de outros prémios literários,
República temerosa que a grandeza que os autores se submetem ao escrutí-
e dignidade da Literatura Açoriana nio de um júri. Os valores imateriais
mitiguem e ofusquem o cânone literário associados à atribuição do galardão
imposto pelos interesses económicos dos constituem-se, esses sim, como os os
grandes grupos editoriais e pela censura elementos que motivam os autores a
constante às vozes provenientes destas candidatar-se e não a dimensão material
inspiradoras ilhas atlânticas. Não posso do prémio.
esquecer que muitos poetas, nascidos, ou
adotados por estas ilhas, têm permane- Os prémios literários premeiam obras e
cido sós, ocultos e incompreendidos. os seus autores, mas são essencialmente
Como que oxidados pela crítica literária uma iniciativa que visa a divulgação
de uma república continental que da entidade que os promove. Ponta
tem ignorado, desprezado e omitido o Delgada, com o patrocínio da Câmara
importante contributo dos Açores para a Municipal, tem vindo a dedicar algum
Literatura nacional e europeia. investimento na difusão da literatura.

Parecendo incapaz de captar, compreen- Devo lembrar que, antes mesmo da


der e assimilar a delicada, original e criação do Prémio Literário Natália
singular voz da Literatura Açoriana, a Correia pela anterior Presidente da
maioria dos críticos, das academias e da Câmara, a gestão de José Manuel
comunicação especializada, do nosso Bolieiro e Maria José Duarte colocaram
país, tende a encontrar beleza estética em o município e, direi mesmo, a Região, no
caminhos sem ilusão, ignorando autores mapa cultural nacional.
e obras do nosso arquipélago. Muitas
vezes, são os próprios açorianos que não
valorizam as capacidades e a excelência
dos seus autores, socorrendo-se de gente
de fora que nada de positivo e inovador
acrescentam à nossa produção literária e
à sua crítica.

O tempo e a História vão encarregar-se


de demonstrar que o lugar das rosas é
nas bandeiras hasteadas junto ao mar
e não na vigência de uma vida breve,
onde, decepadas, deixam tombar as
pétalas murchas no perigo da terra
escura.

Para além da limitada compensação


financeira que um prémio literário
confere a um escritor, que outro impacto
tem ou poderá ter em obras futuras
numa região que quase não dá, ou faz
que não dá, pelos seus escritores?

14
O atual elenco camarário, pelo contrário
tem dado bastas provas de estar
voltado de costas para a cultura em to-
das as suas dimensões, não só está
a desperdiçar a sua herança, como
desbarata oportunidades como a soleni-
dade e mediatismo que a atribuição
“O tempo e a História
do Prémio Natália Correia lhes podia vão encarregar-se de
conferir. Outros exemplos poderiam ser
aduzidos, mas, por não lhes conhecer
demonstrar que o lugar
todos os contornos, fico-me apenas por das rosas é nas bandeiras
referir es-ta oportunidade perdida pelo hasteadas junto ao mar”
Presidente da Câmara Municipal de Ponta
Delgada e da sua equipa.

Para finalizar, lembro que as perso-


nalidades que atualmente gerem os
destinos de Ponta Delgada, cidade e
concelho, têm apenas uma importância
temporal muito reduzida, pelo contrá-
rio, a literatura, por ser o registo da
memória de um povo, perpetua-se no
tempo, mostrando ao mundo a dignida-
de do povo açoriano.

Henrique Levy, Vinte e Sete Cartas de


Artemísia, Vencedor do Prémio Literário
Natália Correia, Ponta Delgada, Câmara
Municipal de Ponta Delgada, 2022.

foto de vamberto
freitas

15
different, solidary, sensitive, who has in
persistence, in availability, maps without
retreat.

One knows that nobody comes out of

Preface to nothing. We must remember that poetry


is, together with the chronicle, the great
pillar of Portuguese literature.

Calligraphy Ângela de Almeida is part of the plethora


of its creators who resist, write, and

of the Birds publish.

With an exceptional command of the

Fernando Dacosta word, she retains images, ideas, and


feelings that she communicates slowly, in
suspended complicity.

Remarkable for her subtlety, Ângela de Concise and contained, her work has
Almeida advances in the Portuguese made her a reference author within our
literary world by unveiling herself to be- culture.
tter conceal herself through an unequaled
aesthetic, ethic, and poetics. Fernando Dacosta (translation by Diniz
Borges)
Endowed with unique resources that her
intelligence and experience highlight,
she creates her own spaces for herself
and her work, achieving an uncommon
affirmation of writing and imagery.

Her latest book, Calligraphy of the Birds,


contains some of the best poems recently
appearing among us.

Going through it, we find singular


illuminations, as in the Cycle of Hours,
where a remarkable poem becomes a
cantata of infinite perturbation.

“A woman hugging a window goes by/


and a man with the roof on his shoulders/
a circus without a clown goes by/ as
does a wheel/ the last carriage of a /
hallucinated train goes by (...)”

Ângela de Almeida is a person who knows


how to find paths, to assert herself as

16
together through shared experiences and
collective expectations.

Diniz Borges

Quarantine They Belong Perhaps to 
Other Worlds
from a line by José Tolentino Mendonça

Highway Seeing a new range in which to live,


we plead, we engage, we bow, we
Millicent Borges Accardi know, we realize, as if wishing were
a political cliché.

There is so much to enquire and consume.


In Quarantine Highway, Millicent We order from Good Eats and Door Dash,
Borges Accardi guides us through the and wipe off the plastic bags and
contemplative instances we explore in cardboard,
the loneliest parts of the pandemic
with moving imagery and reminders Seeming like we were advocates
of how to cope and recreate ourselves. for begging how to differ
In these poems, we reflect on healing, or comment on an opinion.
grieve on a lost year, dream of wildfires, To reflect, my god,
and “tooth it out” beyond our anxie-
ties of being undone. We pray to the to vanish. We pray and we dream,
“temple of our tragedy” and dance alone to dominate, born only to distinguish,
with small moments of liberation. Like our weird worldly support system
breaking bread and memorizing trees, gone, all, within six feet of
Accardi’s poems step past comets that social distance and water droplets.
blast loneliness and cracks in the side-
walk from our childhood in order to help In Quarantine Highway, by Millicent
us rediscover all the connections we’ve Borges Accardi
missed.

Juan J. Morales

Quarantine Highway by Millicent Borges


Accardi is one of those poetry books
that one returns to again and again. Our
everyday lives, challenges, and hopes
are summed into a poetic language that
questions and liberates. Our ancestral
ties and our daily occurrences are
juxtaposed in a perfect symbiosis.
Although we “stretched apart like a
knitted cloth,” this collection brings us

17
I believe in the incredible, in
amazing things,
In the occupation of the world
by roses,

oh eye of I believe that love has wings


of gold.

prodigy! Amen

Natália Correia Natália Correia, translated by Diniz


Borges for an upcoming book.

IV

I believe in the angels who


walk the world,

I believe in the goddess with


diamond eyes,

I believe in lunar loves with


piano in the background,

I believe in legends, in fairies,


in Atlanteans,

I believe in an ingenuity that


lacks more fruitfulness foto de natália
Of harmonizing the dissonant correia

parts,

I believe everything is eternal


in a second,
I believe in a future heaven
that existed before,

I believe in the gods of a purer


astral,

In the humble flower that


leans against the wall,
I believe in the flesh that
bewitches the beyond,

18

Você também pode gostar