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A MÚSICA COMO EXPRESSÃO CULTURAL DO CANGAÇO NO ÁLBUM

“CANTIGAS DE LAMPIÃO”, DO CANGACEIRO VOLTA SECA (1957)

Commented [AB2]: Uma das especificidades do cangaço são os


aspectos estéticos próprios a ele.

Esses elementos estéticos são eleitos como símbolos de identidade


da cultura do Nordeste. É muito provável que os idealizadores
dessa capa soubessem que existe toda uma expectativa de como as
pessoas entendem essa cultura, de modo que, se a capa não
estivesse associada a todos esses símbolos, não seria Cangaço nem
Nordeste.

“Lampeão” está bem grande, maior do que o nome de Volta Seca.


Pode ser um apelo à mitificação do rei do Cangaço. Recorrer a um
símbolo de que todos conhecem.

Commented [AB1]: “A Todamérica oferece esse LP como


documento das maravilhas da música e da poesia do nosso povo,
aos estudiosos do folclore nordestino.”
“Paulo Roberto realizou o roteiro e a narração deste disco, em que
mostramos alguns instantâneos sem retoque, apresentados por
VOLTA SECA, um dos componentes do bando de Lampião, com um
leve e discreto colorido harmônico.”

“Nosso povo”, talvez aí uma noção de pertencimento nacional da


cultura, ligada ao nacionalismo de época.

O nacionalismo vem de uma estrutura que remete o Governo


Vargas, não sei se pega carona, ou se o governo de JK é outra
estrutura.

Vou ter que estudar o esforço dos folcloristas nesse momento.

Talvez aqui resida a especificidade desse álbum, trata-se de um


membro do próprio cangaço que canta as músicas, em detrimento
com a ampla disseminação das músicas e da estética do cangaço
por aí...

Pesquisar também sobre o estilo de cada música: Baião, xaxado,


xote, etc...
1. Acorda Maria Bonita

Paulo Roberto: Pouca gente no Brasil conhecerá um baixinho, simpático e de


cara fechada, chamado Antônio dos Santos, mas todos já ouviram falar, com
certeza, no famoso Volta Seca, o mais jovem dos cangaceiros do grupo de Commented [AB3]: Existe a expectativa de que as pessoas
conheçam o Volta Seca, e que sua história se tornou amplamente
Lampião. Pois bem, nesta gravação estão fixadas, na voz de Volta Seca, e na difundida após a sua saída da prisão em 52. Trata-se de um
episódio que gerou grande comoção popular. Lembrar também de
maior pureza de suas origens, as cantigas do grupo de bandoleiros que por seu envolvimento com Lima Barreto ao comentar sobre seu filme
“O cangaceiro”.
tantos anos assolou o sertão nordestino. Comecemos pela madrugada Aqui posso usar o livro do Roberio Santos pra fundamentar minha
ideia
vermelha, raiando no acampamento.
Commented [AB4]: Seria um amplo esforço “folclorista” de
manutenção dessa cultura? Seria, talvez uma reivindicação de
identidade para que ela não se apague? Poderíamos recorrer a
Durval Muniz e a Nestor Canclini para trabalhar essas questões.

Acorda Maria Bonita, Canclini vai tentar entender isso como a mistura de várias culturas,
em que uma se impõe sobre a outra. A cultura dominada, por sua
vez tenta reivindicar seu espaço dentro dessa guerra simbólica.
levanta vai fazer o café, (Mas o disco é do Rio de Janeiro! Preciso rever isso)

que o dia já vem raiando Durval vai dizer que se trata da manutenção da cultura
“museológica” do cangaço, relacionada à visão do Nordeste como
um “espaço da saudade” perpetuando esse aspecto “arcaico” da
e a polícia já está em pé cultura nordestina.

“Na maior pureza” de suas origens diz respeito à uma música que
se difundiu amplamente nos veículos de comunicação, como rádio
e cinema. Certamente, o valor incutido nessa música reside no fato
2. Laranjeira de ter um cangaceiro que viveu naquele meio cantando essas
canções. É uma boa argumentação sobre por que usar essa fonte.
Tudo conflui para essa visão de tentar manter a pureza das origens.
Paulo Roberto: Mas debaixo do gibão de couro dos cangaceiros sempre havia As músicas seguem um padrão: Primeiro um acorde de sanfona, em
seguida Volta Seca canta as músicas a capela. A voz do Volta Seca
um coração eu teimava em pulsar e sentir e se expandir em cantigas de amor. não é mercadologicamente “bela”, mas, novamente, o valor do
álbum reside no fato de ter um “fóssil vivo” do cangaço cantando as
O bacutinho em que o cantor se refere é a flor que fenece e morre sem dar cantigas tal qual ele fazia em seus dias de cangaço. Por fim, é
colocado um leve arranjo de instrumentos e corais para que a
frutos. música se torne melhor elaborada e mercadologicamente atraente.
Commented [AB5]: Essa parte denota um esforço por parte do
narrador de explicar um termo regionalista para a população do Sul,
Oh, laranjeira, que não bota flor, já que o álbum é lançado no Rio de Janeiro.

Mas bota um bacutinho Aqui a contradição entre o amor e a violência do cangaço.


Pernambucano de Mello já disse que se privilegia muito o lado da
Que não tem amor. violência nos estudos acadêmicos e nas artes, se importando
menos com o lado artístico dos bandoleiros. A estética do cangaço.

Capacidade de cangaceiros, muitos analfabetos e ignorantes,


conseguirem elaborar uma canção com grande tonalidade poética,
Assim faz quem ama sem ser amado, com metáforas bem elaboradas. Remete a uma noção de
musicalidade muito mais horizontal do que nos dias de hoje.
Podemos voltar em Durval Muniz, na parte da música na década de
Amando sempre, sendo desprezado. 30 e 40

Minha rolinha, onde é teu ninho,


É lá na laranjeira,
No meio dos espinho.
3. Ia pra missa

Paulo Roberto: Na cantiga seguinte, o grupo vai pra “missa”, que é um jeito de
dizer que “vai pra luta”. Os batedores que vão na frente do bando vigiando o Commented [AB6]: Aqui é evidenciado os aspectos militares da
vida no cangaço.
caminho são dos cães amestrados: Sereno e Gigante, cujo faro denuncia de
O capítulo “Aspectos Militares de Volantes e cangaceiros” Será bem
longe a aproximação da polícia, ou seja, na linguagem dos bandoleiros, a importante.

presença dos “macacos”. As cantigas do Lampião eram usadas também como forma de
zombar de seus inimigos.

Essa música diz também sobre o movimento de combate dos


cangaceiros. Estes evitavam confrontos diretos com as forças
volantes, só o faziam quando percebiam uma possibilidade segura
de Êxito. Utilizavam táticas de guerrilha, como recorrer ao uso do
Ia pra missa terreno a seu favor, percorrer caminhos pouco convencionais,
evitando estradas, por exemplo. Atacavam furtivamente e depois
Ia chorando evadiam do local, deixando para trás as volantes, que, geralmente
não conseguiam por fim ao banditismo de lampião por conta de
suas limitações materiais e por suas falhas logísticas. A polícia é, por
E a polícia isso, motivo de chacota por parte dos bandidos.

Vinha atrás me acalentando A polícia representada como uma força que está por vir, algo que
motiva a mudança sempre constante de lugar. Dá pra relacionar
com “Acorda Maria Bonita”

Mas deixa disso


Deixa de brincadeira
Mas a polícia
Vem tomá uma carreira

Oi! Deixa disso


Deixa de brincadeira
Mas a polícia
Vem tomá uma carreira

4. Mulher rendeira

Paulo Roberto: E aqui Volta Seca apresentará a versão autêntica da Mulher


Rendeira. Ao som dessa cantiga, o bando de Virgulino Lampião atacou a Commented [AB7]: Talvez a canção mais conhecida aqui. A
versão autêntica quer dizer que, anteriormente, existiram várias
grande cidade de Moçoró, sem vencer felizmente a resistência da polícia e do versões dela, mas essa é a versão mais fiel ao cangaço. Preciso
pesquisar sobre o fato de que foi inspirada na avó de Lampião,
povo que reagiram juntos. também o fato de os cangaceiros a cantarem durante os combates
como forma de elevar o moral da tropa. Mapear todo o trajeto e os
espaços sociais que ela percorreu dará trabalho, mas será algo
necessário.
Olê mulher rendeira
Olê mulher rendá
E a pequena vai no bolso
E a maior vai no borná
se chorá por mim não fica
só se eu não puder levar.

O fuzil de lampião
tem cinco laços de fita.
No lugar que ele habita
num fartá moça bonita. Commented [AB8]: “A versão autêntica da mulher rendeira”
Novamente esse discurso da essência do cangaço em detrimento
de outras versões popularizadas dessa música. Volta Seca aqui,
novamente reivindica a autenticidade desta cantiga em sua versão.

5. Se eu soubesse Seria interessante investigar como Lima Barreto chegou a essa


canção.
Paulo Roberto: Segundo Volta Seca, houve tempo em que Lampeão teve sob Uma possibilidade de pesquisa é buscar as diferenças na letra dessa
canção, as versões em outros estios diversos.
suas ordens nada menos que duzentos e quarenta bandoleiros, divididos em
Outra aposta arriscada seria a opção de colocar a “Mulher
grupos estratégicos de ação bem sincronizada. Desses muitos cabras sem Rendeira” como um suposto símbolo de “nordestinidade”, algo que
caracteriza em grande parte a cultura nordestina.
nome, entregues à vida errante e perigosa, salteadores das caatingas e
“O fuzil de lampião tem cinco laços de fita” faz menção às
carrascais, alguns eram sem dúvidas poetas e cantores. E ao clarão da lua decorações das indumentárias cangaceiras, que compõe também a
estética do cangaço. As indumentárias eram instrumento da
sertaneja, no intervalo dos combates, suas vozes falavam docemente de vaidade dos cangaceiros.

mulheres e amor. “No lugar que ele habita não falta moça bonita”
Faz menção à expectativa do cangaceiro de ter uma postura
masculina, viril.
Commented [AB9]: Novamente, o aspecto do romantismo
dentro do âmbito do cangaço. Seria toda uma tentativa de mostrar
Se eu soubesse que eu, chorando, uma outra faceta do cangaço??? Arriscado

Empato a tua viagem,


Meus zóio eram dois rio,
Que não te davam passagem Commented [AB10]: O cangaceiro, que outrora é
extremamente violento com suas vítimas, aqui se derrete de amor
pelo fato de sua interlocutora ir embora. Como se dá essa diferença
de tratamento entre as mulheres? Por que existe essa seletividade?
Uma possível resposta seja o fato da interlocutora ser uma mulher
Cabelos preto anelado, do cangaço. As mulheres do cangaço eram devidamente
respeitadas dentro do grupo, de acordo com Pericás.
Argumentação arriscada.
Olhos castanho dilicado,
Quem não ama a cor morena, Commented [AB11]: O elemento racial aqui colocado por Volta
Seca. Pesquisar se, de fato, esta foi realmente a primeira música a
fazer alusão à cor morena na música brasileira.
Morre cedo e não vê nada…
6. Sabino e Lampião
Paulo Roberto: Quando Entrou para o bando de lampião, Antônio dos Santos
era um menino de onze anos, apenas. Passou desde logo a ser o Volta Seca,
um simples tratador de cavalos, promovido mais tarde, por merecimento, a
bandoleiro de fuzil marchetado, facão de três palmos e cartucheira cruzada. Commented [AB12]: Novamente, símbolos eleitos que fazem
alusão ao cangaço e suas indumentárias.
Agora, ele recorda a cantiga em que os cabras faziam a brincadeira perigosa -
e faziam mesmo – de mexer com o Capitão Virgulino, o terror do sertão.

E lá vem sabino mais Lampião,


Chapéu de couro e fuzil na mão. Commented [AB13]: Essa parte faz alusão às brincadeiras que
Sabino fazia com Lampião, mostrando o lado lúdico e leve do
cotidiano do cangaço.
E lá vem sabino mais Lampião,
Chapéu de couro e fuzil na mão.

Lampião diz que é valente,


É mentira, é corredor,
Correu da mata escura,
Que a poeira levantou.

Lampião tava dormindo,


Acordou muito assustado,
Deu tiro pra Braúna, Commented [AB14]: Na verdade, trata-se da Graúna, ave de
penas negras típica das paisagens naturais da região. Isso revela os
caminhos naturais por onde bandoleiros circulavam.
Pensando que era soldado.

7. Escuta donzela
Paulo Roberto: Do Volta Seca do passado aventuroso do cangaço nada mais
resta nos dias atuais. Cumprida sua longa pena de 20 anos, o falado cabra de
Lampião voltou a ter nome de gente e trabalha hoje para criar honestamente
seus filhos e manter o lar da família. O passado, bem o passado chega à sua
lembrança cheirando a pólvora, outras vezes na doçura de cantigas
inesquecíveis.

Tenho uma namorada,


Na casa de seus pais,
No dia que ela me via,
Suspira demai e cai.

Escuta, donzela,
Oh, que dor, que aflição,
Venha consolar meu peito,
E tenha de mim compaixão.

Quem me viu criança,


Venha me ver agora,
Causando tantas penas,
Que até as pedras choram.

8. Eu nunca pensei tão criança


Paulo Roberto: Durante 20 anos Volta Seca pagou na penitenciária na Bahia
os pecados cometidos pela lei dos homens. As contas com Deus ele vai
ajustando devagar, penando em alguns empregos dificilmente conseguidos.
Vem de seu tempo de cadeia a lembrança das grades sendo batidas pelo
carcereiro em busca de fraturas nas barras de aço. Foi nessa época que o
menino de 20 anos apenas Volta Seca chorou as mágoas da vida nessa
cantiga emocionante.

Eu não pensei que eu, tão criança,


Na flor da infância padecesse assim.
Ainda te vejo em braço de outro,
Arrependida, chorando por mim.

Ela chegou bem juntinho a mim,


Ela pediu meu coração, eu dei,
Meu peito há dias nosso amor queimava,
Banhado em lágrimas, aos teus pés jurei.

Ela olhou para o céu e disse:


"Que Deus te mande o maior castigo,
Se eu contigo não cumprir a jura,
Deus do céu, me mande o maior perigo."

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