Você está na página 1de 15

Ministério do Turismo apresenta

Banco do Brasil apresenta e patrocina

almanaque

C C B B E D U C AT I V O

Movimento
ARMORIAL
1
Quem vem lá, quem vem lá?
Que cortejo é aquele, sinhô,
Que cortejo vem lá?
Eu aqui vou perguntar
Quem vem lá, quem vem lá?

Se achegue!
Para visitarmos juntos a galeria, animal, é ancestral e remonta aos
preparamos este caderno de viagem, egípcios. No Brasil, é costume que
em formato de almanaque. Cadernos a marca seja como um símbolo de
de viagem são bons companheiros. família e passe de pai para filho,
É neles que os viajantes guardam assim como nossas histórias.
as memórias de suas explorações,
caminhos percorridos, descobertas Prontos para embarcar? Bússola ou
e impressões. Neles estão desenhos, GPS apontado para o Nordeste. Nas
textos, fotografias e pequenas próximas páginas, vamos conhecer
lembranças como: flores secas, Ariano Suassuna, a Onça Caetana,
ingressos, documentos, guardanapos J. Borges, Samico, Mestre Dila,
de hotéis e pequenas embalagens. Francisco Brennand, o Encourado,
Para alguns artistas, cadernos de João Grilo, a Compadecida,
viagem são como ateliês de bolso. Caboclo de Lança e tantas outras
personagens de carne e osso, da
A escrita deste almanaque religiosidade e da imaginação.
é inspirada no alfabeto
sertanejo que o idealizador do Cada leitor é um viajante. Portanto,
Movimento Armorial, Ariano este material não está pronto, mas
Suassuna, concebeu a partir dos esperando por você. Aproprie-se
desenhos dos ferros de marcar deste caderno e bom percurso.
bois. Marcar o gado, como forma
de identificar a propriedade de um Programa CCBB Educativo
2 1
UM ESCUDO QUE Romanceiro Popular do Nordeste: a poesia de tradição oral, as
cantorias acompanhadas pela música de viola, rabeca ou pífano,
contos e recontos, os espetáculos do Reisado, Maracatu e Cavalhada,

NOS PROTEGE a literatura de cordel e a xilogravura que ilustra suas capas.

Depois, Suassuna olhou mais em


volta e descobriu que armorial
também podia ser uma qualidade
da cerâmica do Nordeste. Apurou
os ouvidos e entendeu que o termo
englobava mais coisa e servia tão
bem para qualificar os cantares do
romanceiro, os tocares de viola e
as rabecas com seu toque áspero,
antigo e afiado como gumes de faca HERÁLDICA
de ponta.
Desde a Antiguidade, símbolos de é chamado de heráldica. Ainda na
poder eram exibidos por famílias Idade Média, os brasões, com suas
Assim nasceu um movimento reais e aristocráticas, utilizando-se cores intensas e seus imponentes
cultural que tinha como proposta da imagem de animais, plantas e animais, muitas vezes fantásticos,
produzir uma arte genuinamente objetos, em diferentes povos e como dragões, unicórnios ou
brasileira, ligada às raízes de nossa culturas. A partir do século XII, na águias com duas cabeças, eram
Europa, essa prática foi sistematizada organizados nos livros-de-armeiros
cultura popular, mas que fosse ou armoriais. A simbologia dos
pela criação dos brasões de
universal e se comunicasse com armas, que ajudava a identificar os brasões ficou tão famosa na arte e
todas as gentes. cavaleiros nas guerras e nos torneios, na literatura, que até hoje muitos
pelos desenhos em escudos, em filmes e games criam seus próprios
O Movimento Armorial seria bandeiras e em estandartes. Esse escudos e símbolos heráldicos de
sistema de símbolos, bem como identificação e hierarquia entre
como um escudo que nos protege
Armorial , palavra que e guarda a nossa essência, para que
o estudo dos próprios brasões, personagens e suas agremiações.

provoca estranhamento e chama ela não se perca.


a atenção, sendo um pouco
misteriosa. Ariano Suassuna gostava “Não troco o meu ‘oxente’ pelo
da sonoridade, pois é muito musical. ‘ok’ de ninguém!”, dizia Suassuna. A cultura de massa, ou pop, é chamada assim porque é produzida para
A cultura de massa vinha tomando ser consumida por uma grande parte da sociedade. Ela não é criada
Na Língua Portuguesa, armorial é um os espaços e era importante preservar pela população, mas, sim, por uma “indústria cultural” com valores
substantivo e significa “livro de registro nossas formas de contar histórias. padronizados e divulgada por veículos de comunicação de massa, como a
de brasões”, mas Suassuna começou televisão e, atualmente, a internet. Normalmente, a cultura de massa traz
a empregar o termo como adjetivo. Ele O Movimento Armorial reuniu a influência de outras culturas e interesses, como os dos Estados Unidos,
dizia que um poema ou um estandarte diversas manifestações sendo que pop, aqui, vem de populace (em inglês, multidão). Suassuna
de Cavalhada era armorial, porque artísticas, como a literatura, fazia uma oposição entre a cultura popular e a cultura de massa.
eram bonitos, brilhavam festivos, a dança, a música, o teatro e A cultura popular está enraizada em saberes e fazeres transmitidos por
metálicos e coloridos como uma a pintura. O que todas essas cada geração, respeitando valores locais e regionais. Isso, porém, não
bandeira, um brasão ou um toque artes tinham em comum era a quer dizer que a cultura popular fique parada no tempo. Ela é dinâmica e é
de clarim medieval. ligação com o espírito mágico do vista por Suassuna como uma cultura abrangente e profunda.
2 3
N S
a pintura Homenagem eguindo uma
a Pernambuco (1970), estrela cadente,
da artista Lourdes os reis magos
Magalhães, a bandeira do foram guiados até a
estado está posicionada no manjedoura onde estava
topo da obra. Criada durante o menino Jesus recém-
a Revolução Pernambucana nascido. Entrando,
de 1817 para ser a nova ficaram emocionados
bandeira brasileira, tem em com a imagem de Maria
sua composição a cor azul o segurando. Adoraram
representando o céu, a branca Jesus, entregando seus
simbolizando uma nova nação presentes: ouro, incenso
que surgiria com desejo de e mirra. Inúmeras festas
paz. O arco-íris assinalava o ocorrem pelo mundo
início de um novo tempo de em homenagem aos reis
amizade e união. A estrela magos. Dentre elas, o
acima do arco-íris, hoje, Reisado, representado
representa Pernambuco. A cruz pela estrela cadente
faz referência à denominação e a coroa de reis. As
do Brasil primordial como Ilha homenagens aos reis
ou Terra de Vera Cruz. O sol magos costumam
ilumina os filhos de Pernambuco ocorrer entre o dia
e os conduz para o futuro. do nascimento de
Jesus - 25 de dezembro -
e o Dia de Reis -
6 de janeiro.

A
lança com bexigas faz
referência ao Brincante
Mateus, presente nas

C
festas do Reisado e do Bumba- hocalho, zabumba
meu-boi. O personagem é um e pandeiro:
dos prediletos do público por instrumentos de
trazer descontração, humor e percussão usados pelos
distrações espalhafatosas. cancioneiros populares.
4 5
Ariano Suassuna Em 1989, ao ser eleito membro da
nasceu em Nossa Senhora das Academia Brasileira de Letras, disse,
Neves, hoje denominada João em seu discurso de posse: “Quando
Pessoa, capital da Paraíba, em eu quis que o uniforme que uso agora
1927. João Suassuna, seu pai, fosse feito por uma costureira e uma
era governador do estado, mas a bordadeira do Recife, Edite Minervina
instabilidade política fez com que e Cicy Ferreira, estava levando em
ele deixasse o cargo e levasse a conta a distinção estabelecida por
família para o sertão, na Fazenda Machado de Assis e uma frase de
Acauhan. Quando Ariano tem Gandhi que li aí por 1980, e que me
apenas três anos, seu pai é impressionou profundamente. Dizia
assassinado por motivos políticos, ele que um indiano verdadeiro e
e a família se muda para Taperoá, sincero, mas pertencente a uma das
onde o menino assiste, pela primeira duas classes mais poderosas de seu
vez, a uma peça de mamulengos e a país, não deveria nunca vestir uma
um desafio de viola. roupa feita pelos ingleses. Primeiro,
porque estaria se acumpliciando
Anos se passam, e todos vão viver com os invasores. Depois, porque
no Recife, capital de Pernambuco, estaria, com isso, tirando das Ariano Suassuna recebe,
onde o jovem Ariano termina mulheres pobres da Índia um dos das mãos de Rachel de Queiroz,
os anos escolares e ingressa poucos mercados de trabalho que o colar de acadêmico,
na Faculdade de Direito. Ariano ainda lhes restavam. A partir daí, durante sua posse na
Suassuna seria advogado, mas passei a usar somente roupas feitas Academia Brasileira de Letras.
dividiria esse ofício com a paixão por uma costureira popular (...)
pelo teatro e a literatura. Com 20
anos, Ariano escreve sua primeira Não importa: a roupa e as alpercatas
peça “Uma mulher vestida de Sol”, que uso em meu dia a dia são apenas
seguida de muitas outras obras. Em 1970, Suassuna inaugura o uma indicação do meu desejo de
Aos 28 anos, escreve “Auto da Movimento Armorial, do qual identificar meu trabalho de escritor
Compadecida” considerado pelo participam grandes nomes das com aquilo que Machado de Assis
crítico de teatro Sábato Magaldi artes brasileiras, como Francisco chamava o Brasil real e que, para
“o texto mais popular do moderno Brennand e Gilvan Samico. Em 1971, mim, é aquele que habita as favelas
teatro brasileiro”. publica o romance armorial-popular urbanas e os arraiais do campo.”
brasileiro “Romance d’A Pedra do
Reino”, história de ficção que tem
como pano de fundo referências
à política nacional. O grande
Machado de Assis criticava atos do
nosso “mau Governo” e coisas da
nossa “má Política”, dizendo: “Não
é desprezo pelo que é nosso, não é
desdém pelo País”. Tanto Machado
quanto Suassuna sabiam que o “país
real”, era bom, mas “o país oficial”
era “caricato e burlesco”.
6 7
AS ILUMINOGRAVURAS A composição da
iluminogravura
está dividida
A palavra “Itacoatiara” é originária
da Língua Tupi-Guarani e significa
escrita ou desenho na pedra.
Composição das palavras “iluminuras” - arte de fazer ilustrações coloridas em duas partes
em livros medievais - e “gravuras” - qualquer ilustração impressa. com pesos A paleta de cores da iluminogravura
diferentes. Na é restrita ao preto do nanquim,
parte de cima, ao branco do papel, às cores
a cena principal amarronzadas e ocres da secura do
“João Suassuna foi um grande que ilustra o texto e sertão e ao vermelho do sangue.
homem. Não o conheci em que lembra uma representação O texto conta da morte do pai, que
pessoa: mas em minha casa de um cavaleiro medieval. era rei do reino do menino, e uma
ele era muito conhecido e Na metade abaixo, estão uma chuva de gotas vermelhas cai como
amado através de meu pai, que ave, uma cabra e grafismos lágrimas, enquanto este cavaleiro se
o admirava profundamente. inspirados na Pedra do Ingá, vai. No cavalo, a marca de ferro que
Ele nos falava de um Suassuna no sítio de arte rupestre das passa de pai para filho. Na bandeira,
que representava a seus Itacoatiaras, na Paraíba. a malhada da onça.
olhos a figura do “cavaleiro
sem medo e sem mancha”
das tradições sertanejas.
Sua bravura, sua fidelidade à
palavra dada, o heroísmo da
QUANDO A A morte, no sertão, ganha a forma
do animal feroz, a Onça Caetana.
sua vida, a tragédia da sua ONC,A CHEGA
morte faziam de João Suassuna Desde muito cedo, a morte se “Na luz do Sol moribundo bateu-se
uma personalidade épica.” fez presente na vida do menino com a Bicha Estranha, e a feiticeira
Palavras de Rachel de Queiroz, Ariano. A morte entranhou no Castanha o encantou, no Profundo!
lembrando o testemunho de seu imaginário do artista, e a dor Agora, encantado a fundo, erra entre
pai, que via o pai de Suassuna deu vida à Onça Caetana. os pêlos da Sonsa que é Fêmea,
como um cavaleiro sertanejo. No “Auto da Compadecida”, que é Parda, é Onça”. (“Romance
Ariano escreveu: “Cumpriu sua d’A Pedra do Reino”, 1971)
A Acauhan – A Malhada da Onça sentença. Encontrou-se com o
único mal irremediável, aquilo
“Aqui morava um Rei, quando eu era menino: que é a marca do nosso estranho
vestia ouro e castanho no gibão. destino sobre a terra, aquele
Pedra da sorte sobre o meu Destino fato sem explicação que
pulsava, junto ao meu, seu Coração. iguala tudo o que é
vivo num só rebanho
Para mim, seu Cantar era divino de condenados,
quando, ao som da Viola e do bordão, porque tudo o que é
Acauhan é o nome da cantava com voz rouca o Desatino, vivo, morre”.
fazenda, localizada no o Sangue, o riso e as mortes do Sertão.
município de Aparecida, “Na minha obra, a Onça
Sertão da Paraíba, que era Mas mataram meu Pai. Desde esse dia Caetana é uma beleza.
de propriedade do pai de eu me vi, como um Cego sem meu Guia É o jeito de eu aceitar
Suassuna. Lá o menino que se foi para o Sol, transfigurado. a morte – se ela vier
Ariano passou sua infância. (...).” em forma de mulher”.
8 9
Gravura
CORDEL, UMA BANDEIRA É feita com
diferentes técnicas

DO MOVIMENTO que permitem


reproduzir uma
imagem muitas
vezes sobre
um suporte,
“Vou lhe dar alguns exemplos normalmente o
Da cultura popular papel. O artista
Pra você ficar sabendo gravador cria essas
E na cachola guardar imagens em uma
Pra mostrar erudição matriz, que pode
E despertar atenção ser uma placa de
Se algum dia precisar madeira (xilo),
metal (calco) ou pedra (lito, em grego). Então, ele entinta essa placa
Reisado, coco, ciranda, (pinta sua superfície com uma tinta especial) e, depois, pressiona um
O maracatu rural, papel contra ela, transferindo as imagens da matriz para o papel.
Mamulengo, pastoril,
Mais o boi de carnaval, No século XIII, chegava à Europa uma técnica muito antiga, com a
Desses todos me lembrei qual os chineses imprimiam padrões de tecido a partir de matrizes de
E neste cordel listei madeira. Desse modo, surgiram, no final da Idade Média, as primeiras
Sem muito esforço mental” xilogravuras. Na época do Renascimento (anos 1430), as placas de
cobre começam a ser usadas como matrizes. São as calcogravuras, que
(Movimento Armorial eram gravadas para realizar muitas cópias de imagens e, normalmente,
40 anos, 2011) ilustravam textos ou histórias.

Desde o Renascimento, grandes


artistas compreenderam que
a gravura era uma arte que
A literatura de cordel veio para Quem passasse por ali e visse poderia ser exibida por si só,
o Brasil com os colonizadores uma cordinha com vários livretos não apenas como ilustração
portugueses. Quem começou pendurados, sabia que tinha de livros, como o alemão
a tradição foram os trovadores história. Aliás, é de lá que vem o Albrecht Dürer (1471-1528),
medievais, pessoas que viajavam nome cordel. Como eram expostos o holandês Rembrandt van
cantando e contando histórias. pendurados em cordas, os livretos Rijn (1606-1669) e o espanhol
Foi na Renascença, quando receberam este nome. Francisco de Goya (1746-1828).
inventaram a prensa mecânica, que No século XX, importantes
essas histórias começaram a ser Já a literatura daqui é bem diferente artistas criaram gravuras em
passadas para o papel e ganharam da feita pelos lados de lá. O nosso maiores formatos, como Pablo
as ruas. cordel conta histórias da nossa Picasso (1881-1973) na França,
gente, do nosso folclore, tem a e Oswaldo Goeldi (1895-1961),
A impressão era feita em papel nossa identidade. E é tudo feito em Lívio Abramo (1903-1992) e
barato. Os pontos de venda versinhos rimados, gostosos de ler Fayga Ostrower (1920-2001),
eram praças, feiras e mercados. e de ouvir. no Brasil.
10 11
XILOGRAVURA A
matriz funciona como um espelho. Para que a
maioria dos animais estejam virados para o lado
direito na gravura, a matriz está com os mesmos
desenhos talhados para o lado oposto. Acontece o
mesmo com o título da obra, com assinatura do artista
nas duas versões, na parte de baixo.

Na xilogravura, o artista escava Nas artes plásticas, cada


na madeira, com uma faca ou técnica usa suportes e materiais
outro objeto cortante, as partes diferentes. Suportes como
que não receberão a tinta, para papel ou tela, materiais como
deixar na superfície da matriz guache ou argila, resultam em
apenas as imagens que ele deseja características diferentes nas
imprimir no final do processo. Ou obras de arte. Em diferentes
seja, ao contrário do desenho, o tradições e estilos de xilogravura,
que o gravador tem de trabalhar é utilizada uma matriz para
é o que não vai aparecer: é o cada cor, no caso de gravuras
negativo da imagem, que ficará no policrômicas (coloridas). Na
fundo branco do papel. Por isso, tradição nordestina, normalmente
ele tem que planejar a gravura a matriz é impressa em tinta
antes de começar a entalhar. preta, que contrasta fortemente

O O
Depois, ele pinta esta tábua com com o branco do papel. s gravadores criam s animais esboçam sorrisos,
muito cuidado e, delicadamente, padrões gráficos com as folhas estão erguidas, os
pressiona o papel sobre a Gravadores de excelência, como linhas finas: o talho, pássaros olham para o céu,
superfície gravada e entintada para Gilvan Samico (1928-2013), nas plantas, tem espaços mais e até a cobra não está se rastejando
imprimir cada gravura. Finalmente, J. Borges (1935) e Mestre Dila amplos, enquanto os pelos, pelo chão. As flores envolvem o
ele repete o procedimento (1937-2019) também perceberam penas e escamas dos animais são cenário em direção ao céu, a vaca
da impressão até obter certa que as gravuras eram obras de representados por talhos menores. está gorda, e o macaco sentado sobre
quantidade de gravuras, a partir de arte para além dos livros de Diferentemente dos demais ela equilibra dois pássaros sobre as
uma mesma matriz, num processo cordel, e começaram a realizá- animais da cena, os macacos têm mãos. É uma cena oposta aos longos
parecido com o de um carimbo. las em dimensões maiores. uma postura humanizada. períodos de seca no Nordeste.
12 13
MESTRE DILA Assim como ocorreu com o mestre Dila, hoje J. Borges é considerado
Patrimônio Cultural de Pernambuco - reconhecimento dado pelo Estado
aos mestres da cultura popular pernambucana.
“Mestre é Deus. Eu sou amigo.”

Repare nas curvas, no


movimento. A cobra
parece estar tranquila,
ou pronta para o
ataque? Observe como
Mestre Dila trabalha
os desenhos do couro
do animal. Veja que, na
ponta do rabo, há uma
sequência de detalhes em
branco, que dá forma ao
chocalho característico
da cascavel.

R
Mestre Dila era artista. Escreveu ficava devendo história para o epare em como o
cordel, poesia, romance e fez público sedento. Mestre Dila humanizou
xilogravura. Seu nome de estes animais.
batismo era José Soares da Silva, Para ilustrar suas capas, começou
mas assinava as obras com o a fazer xilogravuras. Entalhava
apelido: Dila. a madeira incansavelmente.
Tinha dias que fazia cinco ou seis
Dila começou produzindo cordel. matrizes. Dila teve oito filhos e
A inspiração vinha à noite, e ele criou todos eles dentro do ateliê.
varava a madrugada escrevendo. Com simplicidade, deixou seu
Foram mais de mil histórias ao legado a eles, dizendo: “Eu gosto
longo da vida. Contou lendas, mitos de xilo e de cordel, mas isso é uma
e as aventuras de personalidades arte, não é um ganho de vida”.
nordestinas, como Padre Cícero.
Ele dizia que havia enfrentado um
Quando ia vender os cordéis nas grupo de cangaceiros, que era
feiras de Pernambuco, Dila ia governador da Itália e parente de
cantarolando para atrair o povo, Mussolini. Mentiroso ou brincalhão?
deixando os ouvintes curiosos, Com cara séria, afirmava que era
e, quando todo mundo estava dono de uma fábrica de aviões a
embalado, ele interrompia a leitura, jato. Na verdade, sua capacidade

O
deixando todos com “gosto de criativa voava alto, por isso tornou- bserve a linha branca em forma de V no
quero mais”. Mestre Dila vendia se um grande xilogravador, deixando corpo do bicho. Essa é uma característica
mais de 200 cordéis por dia e ainda como herança essa linda bicharada. típica da pelagem dos tamanduás.
14 15
J. BORGES Foram muitos cordéis escritos. Só
de “O Encontro de Dois Vaqueiros
no Sertão de Petrolina”, ele
Uma receita
vendeu mais de 5 mil exemplares de xilogravura
em dois meses. Outros cordéis
que ganharam o coração do Para quem quiser fazer
uma xilogravura, o artista
povo foram os escritos para as J. Borges ensina a receita:
crianças, como: “A cachorro pegar um pedaço de madeira
Matraca e o galo de Honório”, mole, passar a lixa até ficar
“O caçador e a missa”, “Mané bem lisinha. Fazer o desenho
Neco” e “A noiva que engasgou-se a lápis e, com uma faquinha,
recortar o desenho com
com a moeda”.
muito cuidado para não se
machucar. Aí vem o mais
As cirandas são típicas das difícil e perigoso: “abaixar
regiões de Pernambuco e da o relevo“; fazer os detalhes
Paraíba. Junto com o ritmo da das roupas com bolinhas,
flores ou triângulos. Fazer o
música, os cirandeiros pisam
rosto, começando por duas
forte com o pé esquerdo à frente. bolinhas que são os olhos;
Na sequência, dão um passo para um triângulo, que é o nariz
a direita, fazendo a roda girar. e, finalmente, a boca, que é
A sequência se repete, sempre como um coração.
marcando-se o compasso com o
pé esquerdo à frente.

Nascido em Bezerros - PE, onde suas xilogravuras porque não tinha


reside até hoje, ainda cedo, o dinheiro para bancar as capas de
menino José Francisco Borges foi seus cordéis, e acabou se tornando
encantado pela magia do cordel. Seu um dos xilogravadores mais
pai contava histórias para ele e seus famosos de Pernambuco.
irmãos, que ouviam atentos e cheios
de curiosidade. Aos 12 anos, José foi J. Borges não se preocupava com a
para a escola levando um caderno, perfeição. Ele costuma lembrar de
um lápis, uma borracha e um folheto uma xilogravura que fez de um boi.
de cordel. Queria aprender a ler O desenho começava pela parte
sozinho aquelas rimas. mais fácil: o corpo do boi. Como
não sobrou muito espaço, a cabeça
Depois de grande, José fez do ficou pequena, desproporcional.
cordel sua profissão. Passou a Mas foi assim que ele entregou o
assinar como J. Borges, nome que trabalho, e todo mundo adorou o
ficou famoso. Começou a produzir boi de cabeça pequena.
16 17
GILVAN SAMICO Samico investigava a madeira
como um detetive, buscando a
melhor forma de entalhar com uma

MESTRE DE SI MESMO pequena goiva, para encontrar a


textura ideal, pois a madeira tem
seus veios e seus mistérios. Os
personagens eram animais, figuras
Gilvan José Meira Lins Samico Participou da Sociedade de Arte bíblicas e seres fantásticos.
(1928–2013), ou simplesmente Moderna em Recife e estudou em
Samico, aprendeu a desenhar e São Paulo e no Rio de Janeiro, até Hoje, a obra de Samico é
pintar sozinho, ainda muito jovem, receber um prêmio que o levou exibida em museus brasileiros
a partir de gravuras de Oswaldo para pesquisar na Europa. e estrangeiros, como o Museu
Goeldi e de Lívio Abramo, além de Arte Moderna de Nova
dos cordéis que conhecia desde A inspiração para sua arte York. Seu trabalho também
criança. Depois da formação vinha de muitos lugares, mas a esteve presente nas Bienais
autodidata, diferenciou-se de literatura de cordel sempre teve internacionais de Veneza, de São
artistas da tradição popular do um papel especial em sua obra. Paulo e do Mercosul, entre outras
Nordeste, tendo um ensino formal. Quando produzia xilogravura, importantes mostras.

Nestes dois quadros, chamados


“As estrelas”, vemos a mesma
ideia sendo representada em
duas técnicas: a primeira, como
pintura a óleo; e a segunda, como
xilogravura. Samico se inspirou
em um conto indígena, também
chamado “As estrelas”, adaptado
pelo escritor Eduardo Galeano.

A história começa com o


Sol descendo para a Terra e
engravidando uma virgem. Assim,
nasceu o menino Jurapari. Ele
chegou ao mundo, roubou as
flautas sagradas das mulheres e
as entregou aos homens. Ensinou
a eles como esconder e defender
os instrumentos sagrados, além
Samico aqui parece criar um “quadro” dentro de outro, reverenciando de estimular festas e rituais sem
o Sol com o pavão, mas sem esquecer a noite, citando a Lua em uma a presença das mulheres. Quando
composição simétrica. Assim, ele cria um espaço fora do tempo do dia a sua mãe descobriu o esconderijo
dia. O artista cria um ritmo com a tensão delicada entre as finas linhas das flautas, foi condenada à morte
que ora são horizontais, junto às serpentes, ora ondulam, junto ao peixe, e, a partir disso, o corpo dela se
ora são diagonais, ao centro. transformou nas estrelas do céu.
18 19
Francisco Brennand
e Ariano Suassuna foram amigos
a vida inteira. Brennand foi um
artista plural, realizando desenhos,
pinturas, cerâmicas industriais,
tapeçarias e suas famosas
esculturas em cerâmica, de grandes
proporções. Construiu um espaço
especial, a Oficina Brennand,
no Recife, um lugar mágico e
onírico. Em 1969, foi rodado um
dos primeiros filmes coloridos no
Brasil: “A Compadecida”, baseado
na peça “Auto da Compadecida”,
de Suassuna. Os figurinos foram
assinados por Francisco Brennand e
os cenários, por Lina Bo Bardi, mas Brennand e Ariano Suassuna
a maioria das cenas foram gravadas
ao ar livre, em Brejo da Madre de
Deus, no interior de Pernambuco. Brennand desenhou figurinos
com cores vibrantes e
elementos brasileiros,
cajus, mangas e
flores tropicais. Eles
A COMPADECIDA foram executados por
O filme costureiras e bordadeiras
da pequena cidade.
No filme de George Jonas, a
Compadecida é apresentada
como uma figura jovem e
suave – a Virgem Maria, que
perdoa os pecadores com
um doce sorriso. Brennand
criou para a santa um figurino
composto por três elementos:
uma veste amarela, como
a de seu filho, Jesus, com
detalhes azul-céu; o manto,
virginalmente branco, bordado João Grilo tem suas vestes O Encourado é a
com flores e frutas brasileiras, inspiradas no Brincante Mateus, encarnação do Diabo. O
e forrado em vermelho, a personagem do Reisado e do Bumba- couro é um material muito
cor do amor. E, finalmente, a meu-boi. A lança com bexigas utilizado pelos sertanejos
mantilha, que cobre a divina
também vem da indumentária do para a confecção de suas
cabeça, com um radioso sol
bordado sobre azul. brincante Mateus que, na encenação roupas. Diz uma lenda
nas praças, a utiliza para brincar nordestina que o Diabo
com o público e duelar com outros sempre aparece vestido de
personagens caricatos da encenação. couro, como um boiadeiro.
20 21
MÚSICA ARMORIAL

Pífano mais de um som ao mesmo tempo.


Originado na Europa medieval, Enquanto uma corda é tocada,
o pífano se assemelha à flauta existe a sensação de que outra nota
transversa, com a diferença de que ressoa conjuntamente.
tem um som mais estridente. Isso
acontece porque seu diâmetro é
bem menor. Ele pode ser construído Zabumba
com diversos materiais: bambu, “Bate o zabumba
osso, caule de mamoneira ou cano Toque o bombo por favor
de PVC. As bandas ou orquestras Bate com força
de pífanos são características Que o noiteiro assim mandou”
de certas regiões do Nordeste (Jackson do Pandeiro “Zabumba”)
nas quais o pífano contrasta com
instrumentos de percussão, como a Não se tem certeza sobre a origem
No dia 18 de outubro de 1970, com Suassuna, a orquestra excursionou zabumba, o prato e o triângulo. da zabumba, já que tambores do
um concerto da Orquestra Armorial para Rio, São Paulo e Porto Alegre, tipo são usados como instrumentos
de Câmara, e uma exposição de com grande sucesso. por vários povos em festas, rituais
gravuras, pinturas e esculturas, Rabeca e até em guerras. Seu casco é feito
lançava-se, oficialmente, o O maestro Cussy de Almeida Instrumento original da região de madeira com pele de animais
Movimento Armorial. O evento se dedicou a compor músicas norte da África, chegou ao Brasil ou de plástico. Esse material é
aconteceu na igreja barroca de para sua orquestra, que foi trazido pelos portugueses que tensionado por hastes ou terminais
São Pedro dos Clérigos, no bairro batizada de Orquestra Armorial. a usavam bastante no período de metal. A zabumba é hoje um
de Santo Antônio, no Recife. Na Ariano Suassuna sentiu falta dos medieval. Em terras brasileiras, a dos instrumentos de percussão
visão de Ariano Suassuna, o estilo instrumentos tradicionais utilizados rabeca é presente de norte a sul mais tocados em terras brasileiras.
armorial na música devia recuperar pelos músicos sertanejos. Por conta do país, sendo confeccionada por Consagrada no trio de forró
as melodias barrocas do romanceiro disso, fundou o Quinteto Armorial, artistas populares, especialmente (triângulo, sanfona e zabumba) por
popular, os toques de viola e da que incluía instrumentos populares em comunidades rurais. É produzida Luiz Gonzaga, é difícil pensar um
rabeca dos cantadores, e os aboios como a viola caipira, o berimbau, a de forma semelhante ao violino, xote, um xaxado, um coco ou um
dos vaqueiros. Acompanhada por percussão, rabeca e pífano. mas tem a peculiaridade de emitir baião, sem sua presença.
22 23
Até breve! Índice de obras
A diversidade de obras que A poética Armorial é livre, sem Capa: Detalhe da obra de Ariana Suassuna, Dez Sonetos com Mote Alheio, 1980. Caixa de madeira.

compõem a exposição mostra amarras. E isso permite que, ainda 2ª capa: SUASSUNA, Ariano. Alfabeto Sertanejo, Ferros do Cariri: Uma Heráldica Sertaneja, 1974.

como o Movimento Armorial hoje, o movimento esteja presente p.1: Detalhe da obra de Ariano Suassuna, A Mulher e o Reino, 1980. Iluminogravura; papel cartão.
desempenhou um papel no trabalho desses artistas que p.2: Ariano Suassuna, sem título, sem data. Óleo sobre madeira.
importantíssimo na construção da levam adiante, para a eternidade, o p.3: Detalhe da obra de Ariano Suassuna, A Viagem, 1980. Iluminogravura; papel cartão.
arte brasileira, seja no teatro, na verdadeiro amor de Suassuna e de p.4-5: Lourdes Magalhães, Homenagem a Pernambuco, 1970. Óleo sobre tela.
dança, no cinema ou na televisão. todos os armoriais pela cultura e p.6: SUASSUNA, Ariano. Uma mulher vestida de sol. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2022. 216 p.
Ainda hoje, colhemos os frutos beleza do Nordeste. p.7: Ariano Suassuna recebe, das mãos de Rachel de Queiroz, o colar de acadêmico, durante sua
posse na Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro, 9 de agosto de 1990.
desse movimento por meio do
trabalho de autores como João Com este almanaque em mãos, p.7: SUASSUNA, Ariano. O auto da compadecida. 39. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018. 208 p.

Falcão; de diretores como Guel viaje por esse universo. Deixe a p.8: Ariano Suassuna, A Acauhan - A Malhada da Onça, 1982. Iluminogravura; papel cartão.

Arraes e Luiz Fernando Carvalho; e curiosidade te levar adiante pelas p.8: Casa da Fazenda Acauhan, localizada no Sertão da Paraíba, então propriedade de João Suassuna,
onde o menino Ariano passou parte de sua primeira infância. Aparecida, década de 1920.
de atores como Antonio Nóbrega galerias. A gente se encontra em
p.9: Detalhe de Ilumiara Pedra do Ingá, Ingá/PB. Foto: Cláudio JJ.
(que integrou o Armorial). breve, boas descobertas!
p.9: Escultura da Onça Caetana, 2021.
p.10: Ernando Carvalho, Movimento Armorial 40 anos, 2011. Xilogravura.
p.11: D
 etalhe de aplicação de matriz em madeira de xilogravura de Pablo Borges, sem título,
Cidade do Cordel, 2021
p.11: Albrecht Dürer, As Ofertas do amor, c. 1495. Gravura.
p.12: Mestre Dila, Tatu, 1974. Xilogravura.
p.12: Mestre Dila, Tatu, 1974. Matriz em madeira.
p.13: J. Borges, Macacos na Floresta, década de 1970. Matriz em madeira.
p.13: J. Borges, Macacos na Floresta, 2017. Xilogravura.
p.14: Mestre Dila, Cascavel, 1974. Xilogravura.
p.15: Mestre Dila, Preguiça, 1974. Xilogravura.
p.15: Mestre Dila, Tamanduá, 1974. Xilogravura.
p.16: J. Borges, Ciranda de Animais, década de 1970. Xilogravura.
p.17: Detalhe da obra de J. Borges, Xaxado, década de 1970. Xilogravura.
p.18: Gilvan Samico, O senhor do dia, 1986. Xilogravura.
p.19: Gilvan Samico, Nascimento: As Estrelas, 2003. Óleo sobre tela.
p.19: Gilvan Samico, Criação: As Estrelas, 2009. Xilogravura.
p.20: Ariano Suassuna com Francisco Brennand. Recife, década de 1990.
p.20: Figurino da Compadecida confeccionado especialmente para a exposição por Flávia Rossette.
p.21: Figurino de João Grilo confeccionado especialmente para a exposição por Flávia Rossette.
p.21: Figurino do Encourado (Major) confeccionado especialmente para a exposição por Flávia Rossette.
p.21: Francisco Brennand, João Grilo, 1968. Nanquim e lápis aquarelado sobre papel.
p.21: Francisco Brennand, Encourado (Major), 1968. Nanquim e lápis aquarelado sobre papel.
p.22: ORQUESTRA ARMORIAL. Direção: Cussy de Almeida. [S. l.: s. n.], 1975. Disco LP.
p.22: ARALUME. Quinteto Armorial. Gravação de Marcus Pereira. [S. l.: s. n.], 1976. Disco LP.
p.23: J. Borges, Dança de Zabumba, década de 1970. Matriz em madeira.
p.23: J. Borges, Dança de Zabumba, década de 1970. Xilogravura.
p.24: Cena do filme A Compadecida, de George Jonas, 1969.
p.24: Cena do filme O Auto da Compadecida, de Guel Arraes, 1999.
24
CCBB SP Central de Atendimento BB
Rua Álvares Penteado, 112 4004-0001 ou 0800-729-0001
Centro Histórico – São Paulo/SP SAC
0800-729-0722
Informações Deficiente Auditivo ou de Fala
(11) 4297-0600  0800-729-0088
ccbbsp@bb.com.br
www.bb.com.br/cultura
Horário de funcionamento
Aberto todos os dias, das 9h às 20h,
exceto às terças

Agendamento de grupos
(11) 3113-3660
agendamento.sp@programaccbbeducativo.com.br

Entrada gratuita 
Pesquisa e Redação
/ccbbsp Daniela Chindler
@ccbb_sp Luiz Silva
Raí Freitas
@ccbbsp
Vera Pugliese

Colaboração
Martina Rangel
CCBB DF Consultoria em Arte Popular
Setor de Cubes Esportivos Sul Galeria Pé de Boi
Trecho 2, Lote 22 – Brasília/DF
Edição
Informações Daniela Chindler
(61) 3108-7600
cbbdf@bb.com.br Revisão
Sol Mendonça
Horário de funcionamento
Terça a domingo, das 9h às 21h Produção Editorial
Talitha Dester
Agendamento de grupos
(61) 3222-0341 Projeto Gráfico
agendamento.df@programaccbbeducativo.com.br E Thal (Augusto Erthal e Bento Avellar)

Entrada gratuita 

/ccbb.brasilia
@ccbb_df
@ccbbbrasilia

Educativo

Realização

Você também pode gostar