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Evangelho segundo S. Marcos 9,2-13. – cf.par.

Mt 17,1-13; Lc 9,28-36

Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e levou-os, só a eles, a um monte
elevado. E transfigurou-se diante deles. As suas vestes tornaram-se resplandecentes, de tal
brancura que lavadeira alguma da terra as poderia branquear assim. Apareceu-lhes Elias,
juntamente com Moisés, e ambos falavam com Ele. Tomando a palavra, Pedro disse a Jesus:
«Mestre, bom é estarmos aqui; façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para
Elias.» Não sabia que dizer, pois estavam assombrados. Formou-se, então, uma nuvem que os
cobriu com a sua sombra, e da nuvem fez-se ouvir uma voz: «Este é o meu Filho muito
amado. Escutai-o.» De repente, olhando em redor, já não viram ninguém, a não ser só Jesus,
com eles. Ao descerem do monte, ordenou-lhes que a ninguém contassem o que tinham visto,
senão depois de o Filho do Homem ter ressuscitado dos mortos. Eles guardaram a
recomendação, discutindo uns com os outros o que seria ressuscitar de entre os mortos. E
fizeram-lhe esta pergunta: «Porque afirmam os doutores da Lei que primeiro há-de vir Elias?»
Jesus respondeu-lhes: «Sim; Elias, vindo primeiro, restabelecerá todas as coisas; porém, não
dizem as Escrituras que o Filho do Homem tem de padecer muito e ser desprezado? Pois bem,
digo-vos que Elias já veio e fizeram dele tudo o que quiseram, conforme está escrito.»

Santo Ambrósio (c. 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja


Sobre o salmo 45, 2

O testemunho dos profetas conduz ao testemunho dos apóstolos

O Senhor Jesus quis que Moisés subisse sozinho a montanha, mas a ele juntou-se Josué (Ex
24, 13). Também no Evangelho, foi a Pedro, Tiago e João, entre todos os discípulos que
revelou a glória da sua ressurreição.
Pretendia, assim, que o seu mistério se conservasse escondido e advertia-os frequentemente
que não anunciassem facilmente, fosse a quem fosse, aquilo que tinham visto, para que um
ouvinte excessivamente fraco não encontrasse nisso um obstáculo que impedisse o seu
espírito inconstante de receber esses mistérios em toda a sua força. É que o próprio Pedro
«não sabia o que dizia», pois que pensava que era preciso montar três tendas para o Senhor e
os seus companheiros. Em seguida, não conseguiu suportar o brilho de glória do Senhor que
se transfigurava, e caiu por terra (Mt 17,6), como também caíram «os filhos do trovão» (Mc
3,17), Tiago e João, quando a nuvem os cobriu...

Eles entraram, pois, na nuvem para conhecerem o que é secreto e oculto, e foi lá que ouviram
a voz de Deus dizendo: « Este é o meu Filho muito querido em quem pus todo o meu amor:
ouvi-o». O que significa «Este é o meu filho muito querido»? Isso quer dizer — Simão Pedro,
não te enganes! — que não deves colocar o Filho de Deus ao mesmo nível que os servidores.
«Este é o meu Filho: Moisés não é o meu Filho, Elias não é o meu Filho, ainda que um tenha
aberto o céu e o outro tenha fechado o céu». Com efeito, um e outro, na palavra do Senhor,
venceram um elemento da Natureza (Ex 14; 1R 17,1), mas eles apenas ofereceram o seu
ministério àquele que fortaleceu as águas e fechou, pela secura, o céu, que derreteu em chuva
quando quis.

Quando se trata de um simples anúncio da ressurreição, faz-se apelo ao ministério dos


servidores, mas quando se mostra a glória do Senhor que ressuscita, a glória dos servidores
cai na obscuridade. É que, ao elevar-se, o sol obscurece as estrelas, e todas as suas luzes
desaparecem diante do brilho do sol eterno de justiça (Ml 3,20).

Santo Efrém (cerca de 306 - 373), diácono na Síria, doutor da Igreja


Opera Omnia
O Senhor do antigo e do novo

No momento da Transfiguração, o testemunho prestado ao Filho foi selado pela primeira vez
pela voz do Pai e por Moisés e Elias, que aparecem junto de Jesus como seus servos. Os
profetas olham para os apóstolos Pedro, Tiago e João; os apóstolos contemplam os profetas.
Num só lugar, encontram-se os príncipes da antiga aliança e os da nova. O santo Moisés viu
Pedro, o santificado, o pastor escolhido pelo Pai viu o pastor escolhido pelo Filho. O primeiro
tinha outrora aberto o mar para que o povo de Deus pudesse passar no meio das vagas, o
segundo propôs erguer uma tenda para abrigar a Igreja. O homem virgem do Antigo
Testamento viu o homem virgem do Novo: Elias pôde ver João. Aquele que foi arrebatado
num carro de fogo viu aquele que repousou sobre o peito do Fogo (Jo 13,23). E a montanha
tornou-se então o símbolo da Igreja: no seu cume, Jesus unifica os dois Testamentos que esta
Igreja acolhe. Deu a conhecer que é o Senhor de um como do outro, do Antigo que recebeu os
seus mistérios, d o Novo que revelou a glória das suas acções.

Pedro, o Venerável (1092-1156), abade de Cluny


Sermão n.º 1 para a Transfiguração; PL 189, 959

«Mestre, bom é estarmos aqui»

«O seu rosto resplandeceu como o Sol» (Mt 17,2) [...] Envolvida pela aura da carne, hoje
resplandeceu a Luz verdadeira que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina (Jo 1,9). Hoje
ela glorifica esta mesma carne, mostra-a deificada aos apóstolos para que estes a revelem ao
mundo. E tu, cidade beatífica, fruirás eternamente a contemplação deste Sol, ao desceres do
«céu, de junto de Deus [...], já preparada, qual noiva adornada para o seu esposo» (Ap 21,2).
Nunca mais esse Sol se porá para ti; para sempre Ele próprio fará raiar a manhã eterna. Nunca
mais esse Sol será velado por nuvem alguma, mas brilhará sem cessar, e cumular-te-á de uma
luz que não declinará nunca. Nunca mais esse Sol te toldará os olhos, antes dar-te-á forças
para que o olhes, e encantar-te-á com o seu esplendor divino [...] «Não mais haverá morte
nem luto, nem pranto, nem dor» (Ap 21,4) que ensombre o brilho que Deus te deu, pois, como
foi dito a João: «O antigo mundo pereceu».
Eis o Sol de que fala o profeta: «Já não será o Sol que te iluminará durante o dia, nem a Lua
durante a noite. O Senhor será a tua luz eterna, o teu Deus será o teu esplendor. (Is 60,19). Eis
a luz eterna que resplandece para ti no rosto do Senhor. Escutas a voz do Senhor, contemplas
o seu rosto resplandecente, e tornas-te como o Sol. Pois é pelo rosto que reconhecemos cada
pessoa, e reconhecê-la, é como ficar iluminado por ela. Aqui na terra acreditas pela fé; nos
céus, reconhecerás. Aqui captas com a inteligência; lá, serás captado. Aqui, vês «como num
espelho»; lá, verás «face a face» (1 Co 13,12) [...] Assim se cumprirá o desejo do profeta:
«Que Ele faça resplandecer em nós o seu rosto» (Sl 67,2) [...] Nessa luz exultarás para
sempre; nessa luz caminharás sem cansaço. Nessa luz, verás a luz eterna.
Onde fala Jesus... e onde não, esclarece o pregador do Papa
Padre Cantalamessa comenta o Evangelho do próximo domingo

ROMA, sexta-feira, 10 de março de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre


Raniero Catalamessa OFM Cap --pregador da Casa Pontifícia-- ao Evangelho da liturgia
eucarística do próximo domingo, II da Quaresma.

***

II Domingo da Quaresma B

(Gênesis 22, 1-2. 9a. 10-13. 15-18; Romanos 8, 31b-34; Marcos 9, 2-10)

Escutai-o!

«Este é meu Filho amado, escutai-o». Com estas palavras, Deus Pai dava Jesus Cristo à
humanidade como seu único e definitivo Mestre, superior às Leis e aos profetas.

Onde fala Jesus hoje, para que possamos escutá-lo? Fala-nos antes de tudo por meio de nossa
consciência. Ela é uma espécie de «repetidor», instalado dentro de nós, da própria voz de
Deus. Mas por si só ela não basta. É fácil fazê-lo dizer o que nós gostamos de escutar. Por
isso, necessita ser iluminada e sustentada pelo Evangelho e pelo ensinamento da Igreja. O
Evangelho é o lugar por excelência no qual Jesus fala-nos hoje. Mas sabemos por experiência
que também as palavras do Evangelho podem ser interpretadas de maneiras distintas. Quem
nos assegura uma interpretação autêntica é a Igreja, instituída por Cristo precisamente com tal
fim: «Quem a vós escuta, a mim escuta» [Lc 10, 16. Ndt]. Por isso, é importante que
busquemos conhecer a doutrina da Igreja, conhecê-la em primeira mão, como ela mesmo a
entende e a propõe, não na interpretação --freqüentemente distorcida e redutiva-- dos meios
de comunicação.

Quase igualmente importante como saber onde fala Jesus hoje é saber onde não fala. Ele não
fala certamente através de magos, adivinhos, astrólogos, pretensas mensagens extraterrestres;
não fala nas sessões de espiritismo, no ocultismo. Na Escritura, lemos esta advertência a
respeito: «Não haja entre ti ninguém que faça passar seu filho ou sua filha pelo fogo, que
pratique adivinhação, astrologia, feitiçaria ou magia, nenhum encantador nem consultor de
fantasmas ou adivinhos, nem invocador de mortos. Porque todo aquele que faz estas coisas é
uma abominação para Yahweh teu Deus» (Dt 18, 10-12).

Estes eram os modos típicos dos pagãos de referir-se ao divino, que buscavam a sorte
consultando os astros, ou vísceras de animais, ou no vôo dos pássaros. Com essa palavra de
Deus: «Escutai-o!», tudo aquilo acabou. Há um só mediador entre Deus e os homens; não
estamos obrigados a ir «às cegas», para conhecer a vontade divina, a consultar isto ou aquilo.
Em Cristo temos toda resposta.

Lamentavelmente, hoje aqueles ritos pagãos voltam a estar na moda. Como sempre, quando
diminui a verdadeira fé, aumenta a superstição. Tomemos a coisa mais inócua de todas, o
horóscopo. Pode-se dizer que não existe jornal ou emissora de rádio que não ofereça
diariamente a seus leitores ou ouvintes o horóscopo. Para as pessoas maduras, dotadas de um
mínimo de capacidade critica ou de ironia, isso não é mais que uma inócua brincadeira
recíproca, uma espécie de jogo e de passa-tempo. Mas, enquanto isso, olhemos os efeitos ao
largo. Que mentalidade se forma, especialmente nos jovens e nos adolescentes? Aquela
segundo a qual o êxito na vida não depende do esforço, da aplicação no estudo e constância
no trabalho, mas de fatores externos, imponderáveis; de conseguir dirigir em proveito próprio
certos poderes, próprios ou alheios. Pior ainda: tudo isso induz a pensar que, no bem ou no
mal, a responsabilidade não é nossa, mas das «estrelas», como pensava Ferrante, de
lembrança manzoniana [em referência ao romance «Os noivos» de Alessandro Manzoni
(1785-1873) Ndt]

Devo aludir a outro âmbito no qual Jesus não fala e onde, contudo, se lhe faz falar todo o
tempo. É o das revelações privadas, mensagens celestiais, aparições e vozes de natureza
variada. Não digo que Cristo ou a Virgem não possam falar também através destes meios.
Fizeram-no no passado e podem fazer, evidentemente, também hoje. Só que antes de dar por
certo que se trata de Jesus ou da Virgem, e não da fantasia enferma de alguém, ou pior, de
farsantes que especulam com a boa fé das pessoas, é necessário ter garantias. Necessita-se
neste campo esperar o juízo da Igreja, não precedê-lo. São ainda atuais as palavras de Dante:
«Sede, cristãos, mais firmes ao mover-vos; / não sejais como pena a qualquer sopro» (Par. V,
73s.)

São João da Cruz dizia que desde que, no Tabor, disse-se de Jesus: «Escutai-o!», Deus se fez,
em certo sentido, mudo. Disse tudo; não tem coisas novas para revelar. Quem lhe pede novas
revelações, ou respostas, ofende-o, como se não se houvesse explicado claramente ainda.
Deus segue dizendo a todos a mesma palavra: «Escutai-o!», lede o Evangelho: aí encontrareis
nem mais nem menos do que buscais».

[Traduzido por Zenit]


ZP06031001

S. Leão Magno (?-c.461), papa e doutor da Igreja


Homilia 51/38, sobre a Transfiguração

«Jesus proibiu-os de contar a alguém aquilo que tinham visto, até que o Filho do
Homem ressuscitasse»

Jesus queria armar os seus apóstolos com uma grande força de alma e uma constância que
lhes permitissem pegar sem medo na sua própria cruz, apesar da sua rudeza. Ele queria
também que eles não corassem do seu suplício, que não considerassem como uma vergonha a
paciência com que devia sofrer a Sua Paixão tão cruel, sem perder em nada a glória do Seu
poder. Jesus «pegou então em Pedro, Tiago e João, e subiu com eles para uma alta
montanha», e aí manifestou o esplendor da Sua glória. Mesmo que tivessem percebido que a
majestade divina estava nele, ignoravam ainda o poder que detinha esse corpo que escondia a
divindade...
O Senhor descobre pois a Sua glória diante de testemunhas que tinha escolhido, e sobre o Seu
corpo, semelhante a todos os outros corpos, irradia um tal esplendor «que o Seu rosto pareceu
brilhante como o sol e as Suas vestes brancas como a neve.» Sem dúvida esta transfiguração
tinha acima de tudo como finalidade retirar do coração dos Seus discípulos o escândalo da
cruz, não perturbar a fé deles com a humildade da Sua paixão voluntária..., mas essa revelação
fundava também na Sua Igreja a esperança que devia sustentá-la. Todos os membros da
Igreja, o seu corpo, compreenderiam assim que transformação iria operar-se neles um dia,
uma vez que está prometido aos membros que participem da honra que resplandeceu na
Cabeça. O próprio Senhor tinha dito, falando da majestade da sua segunda vinda: «Então os
justos resplandecerão como o Sol no Reino de seu Pai» (Mt 13,43). E o apóstolo Paulo afirma,
por seu lado: «Tenho como coisa certa que os sofrimentos do tempo presente não são
comparáveis à glória que se deve revelar em nós» (Rom 8, 18)... Ele escreveu também:
«Porque estais mortos com Cristo, e a vossa vida está escondida com Ele em Deus. Quando
Cristo, que é a vossa vida, aparecer, então manifestar-vos-eis também com Ele, na Sua glória»
(Col 3,3-4).

Anastácio do Sinai (' - depois de 700), monge


Homilia para a Transfiguração

O mistério da crucifixão e a beleza do Reino de Deus

Esta montanha da Transfiguração é o sítio dos mistérios, o lugar das realidades inefáveis, o
rochedo dos segredos escondidos, o alto dos céus. Foram aqui revelados os segredos do Reino
futuro: o mistério da crucifixão, a beleza do Reino de Deus, a descida de Cristo aquando da
sua segunda vinda na glória. Sobre esta montanha a núvem luminosa cobre o esplendor dos
justos; os bens do tempo futuro realizam-se já. A núvem que envolve a montanha prefigura o
arrebatamento dos justos aos céus; mostra-nos já hoje o nosso aspecto futuro, a nossa
configuração a Cristo...

Enquanto caminhava no meio dos discípulos, Jesus tinha falado com eles acerca do seu reino
e da sua segunda vinda na glória. Mas, porque talvez eles não tivessem ficados
suficientemente certos do que lhes tinha anunciado a propósito do reino, quis que se
convencessem totalmente no fundo do seu coração e que os acontecimentos do presente os
ajudassem a acreditar nos acontecimentos futuros. Por isso, no Monte Tabor, fez-lhes ver
aquela maravilhosa manifestação divina, como uma imagem prefigurativa do Reino dos céus.
É como se lhes dissesse: "Para que a demora não provoque a vossa incredulidade, em breve,
agora mesmo, 'eu vo-lo digo em verdade: alguns dos que estão aqui' e que me escutam 'não
conhecerão a morte sem que tenham visto vir o Filho do homem na glória do seu Pai' (Mt
16,28)". "Seis dias depois, Jesus toma consigo Pedro, Tiago e João e leva-os à parte ao alto de
uma montanha. E foi transfigurado diante deles"...

João Paulo II
Vita Consecrata

"Contemplar e seguir o Transfigurado"

Jesus chama continuamente a Si novos discípulos, homens e mulheres, para lhes comunicar,
mediante a efusão do espírito (cf. Rm 5,5), a ágape divina, o seu modo de amar, estimulando-
os assim a servirem os outros, no humilde dom de si próprios, sem cálculos interesseiros. A
Pedro que, extasiado no resplendor da Transfiguração, exclama: «Senhor, é bom estarmos
aqui» (Mt 17, 4), é dirigido o convite a regressar às estradas do mundo, para continuar a servir
o Reino de Deus:

«Desce, Pedro! Desejavas repousar no monte. Desce! Prega a palavra de Deus, insiste a todo
o momento, oportuna e inoportunamente, repreende, exorta, encoraja com toda a paciência e
doutrina. Trabalha, não olhes a canseiras, nem rejeites dores ou suplícios, a fim de que, pela
candura e beleza das boas obras, tu possuas na caridade aquilo que está simbolizado nas
vestes brancas do Senhor» (Santo Agostinho, Sermão 78, 6).

O olhar fixo no rosto do Senhor não diminui no apóstolo o empenho a favor do homem; pelo
contrário, reforça-o, dotando-o de uma nova capacidade de influir na história, para a libertar
de tudo quanto a deforma.

Evangelho segundo S. Marcos 9,14-29. – cf. par. Mt 17,14-21; Lc 9,37-43

Ia ter com os seus discípulos, quando viu em torno deles uma grande multidão e uns doutores
da Lei a discutirem com eles. Assim que viu Jesus, toda a multidão ficou surpreendida e
acorreu a saudá-lo. Ele perguntou: «Que estais a discutir uns com os outros?» Alguém de
entre a multidão disse-lhe: «Mestre, trouxe-te o meu filho que tem um espírito mudo. Quando
se apodera dele, atira-o ao chão, e ele põe-se a espumar, a ranger os dentes e fica rígido. Pedi
aos teus discípulos que o expulsassem, mas eles não conseguiram.» Disse Jesus: «Ó geração
incrédula, até quando estarei convosco? Até quando vos hei-de suportar? Trazei-mo cá.» E
levaram-lho. Ao ver Jesus, logo o espírito sacudiu violentamente o jovem, e este, caindo por
terra, começou a estrebuchar, deitando espuma pela boca. Jesus perguntou ao pai: «Há quanto
tempo lhe sucede isto?» Respondeu: «Desde a infância; e muitas vezes o tem lançado ao fogo
e à água, para o matar. Mas, se podes alguma coisa, socorre-nos, tem compaixão de nós.» «Se
podes...! Tudo é possível a quem crê», disse-lhe Jesus. Imediatamente o pai do jovem disse
em altos brados: «Eu creio! Ajuda a minha pouca fé!» Vendo, Jesus, que acorria muita gente,
ameaçou o espírito maligno, dizendo: «Espírito mudo e surdo, ordeno-te: sai do jovem e não
voltes a entrar nele.» Dando um grande grito e sacudindo-o violentamente, saiu. O jovem
ficou como morto, a ponto de a maioria dizer que tinha morrido. Mas, tomando-o pela mão,
Jesus levantou-o, e ele pôs-se de pé. Quando Jesus entrou em casa, os discípulos perguntaram-
lhe em particular: «Porque é que nós não pudemos expulsá-lo?» Respondeu: «Esta casta de
espíritos só pode ser expulsa à força de oração.»

Hermas (séc. II)


O Pastor

«Eu creio! Ajuda a minha pouca fé!»

Expulsa a dúvida da tua alma, nunca hesites em dirigir a Deus a tua oração, dizendo: «Como
posso eu rezar, como posso ser escutado, depois de ter ofendido a Deus tantas vezes?» Não
raciocines dessa maneira; volta-te de todo o coração para o Senhor, e reza-Lhe com total
confiança. Conhecerás então a extensão da Sua misericórdia; verás que, longe de te
abandonar, Ele cumulará os desejos do teu coração. Porque Deus não é como os homens, que
nunca se esquecem do mal; Nele não há ressentimentos, mas uma terna compaixão para com
as Suas criaturas. Assim, pois, purifica o teu coração de todas as vaidades do mundo, do mal e
do pecado [...], e reza ao Senhor. Tudo obterás [...], se rezares com total confiança.

Se, porém, a dúvida tomar o teu coração, as tuas súplicas não serão ouvidas. Aqueles que
duvidam de Deus são almas dúplices; nada obtêm daquilo que pedem. [...] Quem duvida, a
menos que se converta, dificilmente será ouvido e salvo. Assim, pois, purifica a tua alma da
dúvida, reveste-te da fé, porque a fé é poderosa, e crê firmemente que Deus escutará todas as
tuas súplicas. E, se Ele tardar um pouco a ouvir a tua oração, não te deixes arrastar pela
dúvida por não teres obtido imediatamente aquilo que pedes; esse atraso destina-se a fazer-te
crescer na fé. Não cesses, pois, de pedir aquilo que desejas. [...] Não te permitas duvidar, pois
a dúvida é perniciosa e insensata, roubando a fé a muitos, incluindo os mais firmes. [...] A fé é
forte e poderosa; tudo promete e tudo obtém; a dúvida, que é falta de confiança, tudo mina.

Filoxeno de Mabboug (?-cerca 523), bispo na síria

Homilia 3,52-56

“Eu creio! Ajuda a minha pouca fé”

Inclina o teu ouvido e escuta, abre os teus olhos e vê os prodígios que são mostrados pela fé.
Vem formar olhos novos, criar orelhas escondidas. Foste convidado a escutar coisas
escondidas…; foste chamado a ver realidades espirituais… Vem ver o que ainda não és, e
renova-te entrando na nova criação.

A sabedoria estava com o teu Criador desde as suas primeiras obras (Pr 8,22). Mas na
segunda criação a fé estava com ele; neste segundo parto tomou a fé por auxiliar. A fé
acompanha Deus em todas as coisas, e hoje, ele não faz nada de novo sem ela. Ter-lhe-ia sido
fácil fazer-te nascer da água e do Espírito (Jo 3,5) sem ela, e contudo, não te fez nascer neste
segundo nascimento antes que tivesses recebido o símbolo da fé, o credo. Ele podia renovar-
te, e de velho, te fazer novo, e contudo ele não te muda e não te renova antes de ter recebido
de ti a fé em caução. É exigida a fé a quem é baptizado, e é então que, da água, ele recebe
tesouros. Sem a fé, o baptismo é a água; sem a fé, os mistérios vivificantes são pão e água;
sem o olho da fé, o homem antigo aparece unicamente aquilo que é; sem o olho da fé, os
mistérios são vulgares e os prodígios do Espírito são vis.

A fé olha, contempla e considera secretamente a força que está escondida nas coisas… Porque
aqui está: tu trazes sobre a mão a parte do mistério que, pela sua natureza, é pão vulgar; a fé
olha-o como o corpo do Único… O corpo vê o pão, o vinho, o óleo, a água, mas a fé obriga o
seu olhar a ver espiritualmente o que não vê corporalmente, quer dizer, a comer o Corpo no
lugar do pão, a beber o Sangue no lugar do vinho, a ver o baptismo do Espírito no lugar da
água e a força de Cristo no lugar do óleo.

Santo Isaac, o Sírio (séc. VII), monge em Nínive, perto de Mossul no actual Iraque
Discursos ascéticos (1ª série)

"Eu creio! Ajuda a minha pouca fé."


A fé é a porta dos mistérios. O que os olhos do corpo são para as coisas sensíveis, é a fé para
os olhos escondidos da alma. Tal como temos dois olhos do corpo, também temos dois olhos
espirituais da alma, dizem os Padres da Igreja, e cada um deles tem a sua visão própria. Com
um deles, vemos os segredos da glória de Deus, escondida nos seres da sua criação, isto é, o
seu poder, a sua sabedoria e a sua providência eterna, que nos rodeia e de que nos
apercebemos quando reflectimos acerca da grandeza do alto da qual Ele nos conduz. Com
esse mesmo olho, contemplamos também as ordens celestes, os anjos, nossos companheiros
de serviço (Ap 22,9).
Mas com o outro olho contemplamos a glória da santa natureza de Deus, quando Ele quer
fazer-nos entrar nos seus mistérios espirituais e quando abre à nossa inteligência o oceano da
fé.

São Thomas More (1478-1535), estadista inglês, mártir


Diálogo do Conforto contra a Tribulação

«Creio! Ajuda a minha incredulidade» (Mc 9, 24)

«Senhor, aumenta-nos a fé!» (Lc 17, 6). Meditemos nas palavras de Cristo e compreendamos
que, se não permitíssemos que a nossa fé amornasse, ou mesmo que esfriasse, que perdesse a
força, fazendo devanear os nossos pensamentos por futilidades, deixaríamos de dar
importância às coisas deste mundo, juntaríamos a nossa fé num cantinho da alma.

Semearíamos então o grão de mostarda no jardim do nosso coração, depois de termos


arrancado todas as ervas daninhas, e a semente cresceria. Com firme confiança na palavra de
Deus, afastaríamos uma montanha de aflições; mas, se a nossa fé for vacilante, nem um
montinho de terra seremos capazes de deslocar. Para terminar esta conversa, dir-vos-ei que,
dado que o conforto espiritual pressupõe sempre uma base de fé, fé que só Deus nos pode dar,
não devemos cessar nunca de lha pedir.

«Membros da Igreja mediante a fé» - cardeal Eusébio Scheid


Arcebispo do Rio de Janeiro (Brasil)

RIO DE JANEIRO, sexta-feira, 30 de junho de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos artigo do


cardeal Eusébio Scheid, arcebispo do Rio de Janeiro. O texto compõe a seção Voz do Pastor
do site da arquidiocese do Rio e foi enviado a Zenit pela assessoria do arcebispo essa quarta-
feira.

***

Membros da Igreja mediante a fé


No próximo domingo, festejaremos os Apóstolos São Pedro e São Paulo e o Dia do Papa. É
uma ocasião oportuna para lembrarmos, com muito carinho, o nosso novo Papa, Bento XVI,
anteriormente conhecido como Cardeal Joseph Ratzinger. Muitos talvez ainda não saibam
alguns detalhes de sua origem e de sua personalidade, que vamos brevemente descrever, para
torná-lo mais conhecido pelo nosso povo.

Ele é originário de Munique, cidade da Baviera, no sul da Alemanha, região de


impressionantes belezas naturais, cujo povo se caracteriza pela delicadeza no relacionamento,
senso artístico e uma fé profunda.

Além de manifestar estes traços de sua origem, nosso Papa possui outro elemento marcante de
sua personalidade: uma vasta cultura. É um exímio escritor, de estilo simples e profundo,
habilidade que desenvolveu principalmente nos tempos de professor catedrático.
Posteriormente, tornou-se Arcebispo de Munique e Cardeal, até ser convidado por João Paulo
II para o cargo de Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, justamente em razão de seu
profundo conhecimento teológico.

Como Papa, há pouco mais de um ano, notamos suas posições firmes e corretas, dando
continuidade às marcas teológicas de seu saudoso predecessor, porém preservando a marca de
seu estilo pessoal, resumido no lema que escolheu: “Nada se anteponha a Cristo”.

A nossa dedicação à Igreja passa pela devota atenção ao Santo Padre, pois a fé nos leva a
reconhecê-lo como o supremo responsável pelo Magistério eclesial, tanto ordinário como
extraordinário. O ensinamento extraordinário ocorre em duas oportunidades: nos concílios
ecumênicos ou em declaração papal, endereçada a toda a Igreja. Toda definição ou
esclarecimento deste tipo, que representa diretriz segura para nossa fé, recebe o qualificativo
de ex cathedra.

Em se tratando de fé, não podemos deixar de assinalar, no capítulo 11 da Carta aos Hebreus, o
“Hino da Fé”, que faz o elogio dos antepassados, aqueles que viveram e morreram por este
ideal. A partir deste texto, destacamos alguns aspectos importantes para que o fiel possa
aquilatar e desenvolver a sua fé, com o auxílio da graça de Deus.

Nossa oração primordial deve ser aquela que pede o aumento da fé, como nos ensina o pai do
menino epilético: “’Se tu podes [Jesus], ajuda-nos, tem compaixão de nós’. Então Jesus lhe
disse: ‘Se tu podes!... Tudo é possível àquele que crê!’ Imediatamente, o pai do menino
gritou: ‘Eu creio! Ajuda a minha incredulidade!’” (Mc 9,22-24).

O primeiro ponto de apoio para a fé é a fidelidade de Deus, penhor daquilo que Ele nos
propõe. A recíproca da iniciativa divina deve ser a nossa própria fidelidade em corresponder a
esta promessa, jamais nos opondo à sua vontade. A fé é uma virtude, e a virtude pode sempre
se intensificar, como ato constantemente repetido, a ponto de se tornar espontâneo. É este
“hábito” da fé que pedimos possa crescer em nós.

A fé exige de nós a retidão de consciência. Este é um tema difícil, pois a consciência é a


instância mais íntima de uma pessoa, reflexo da retidão moral de Deus, da sua perfeição em
cada ato e palavra. A reta consciência é o pressuposto para se ter uma fé verdadeiramente
amadurecida.

Ainda no âmbito da fidelidade, é preciso ter em vista o que Deus nos pede, quando nos fala.
Na própria iniciativa de Deus ao se dirigir a nós, já temos um fato extraordinário, pelo que
seremos profundamente gratos. Ele falou conosco através de todas as obras criadas, mas
nenhuma delas mais altiloqüente do que a pessoa humana.

Deus nos fala através do irmão, pela própria maneira de colocá-lo diante de nós, como lemos
no relato das origens da humanidade, quando Iahweh reconheceu não ser bom que o homem
estivesse só e lhe deu uma companheira da mesma substância e dignidade. Ambos foram
chamados a trabalhar em conjunto na obra divina, cultivando o jardim que é todo este mundo,
a ser melhorado e preenchido de seres humanos (cf. Gn 2,18-24; 1,28). Assim, surge a
família, conforme o modelo instituído por Deus.

A fé é um dom, uma virtude infundida no homem, através do Batismo, inserindo-o no próprio


Mistério trinitário. Esta iniciativa divina requer uma adesão livre de nossa parte.
Comprometer-se com Deus é, portanto, um ato racional. Jamais existiu uma oposição entre fé
e razão, alegada pelos materialistas ateus para defender uma suposta “independência”
científica. A verdadeira ciência, sendo verídica, caminhará em consonância com a fé. Isto se
demonstra nas profundas crenças religiosas manifestadas, creio, pela maioria dos cientistas.

Não julguemos, entretanto, que apenas pela racionalidade possamos aprofundar a fé. Esta não
contraria a razão, porém vai muito além dela. A fé também abrange a vontade, em primeiro
lugar a vontade divina: “O que Deus quer? O que Ele espera de mim?” São Paulo nos ensina,
no relato de sua conversão: “Ora, aconteceu que, estando eu a caminho e aproximando-me de
Damasco, de repente, por volta do meio-dia, uma grande luz vinda do céu brilhou ao redor de
mim. Caí ao chão e ouvi uma voz que me dizia: ‘Saulo, Saulo, por que me persegues?’
Respondi: ‘Quem és, Senhor?’ Ele me disse: ‘Eu sou Jesus, o Nazareu, a quem tu estás
perseguindo’. Eu prossegui: ‘Que farei, Senhor?’ E o Senhor me disse: ‘Levanta-te e entra em
Damasco: lá te dirão tudo o que te é ordenado fazer’” (At 22,6-8.10).

A pergunta de Paulo deve ser modelo para a nossa: “Senhor, o que queres que eu faça?” Se
cada manhã a repetirmos, Jesus nos vai responder, conforme o exemplo de sua própria vida:
“Não procuro a minha vontade, mas a vontade dAquele que me enviou, porque faço sempre o
que lhe agrada” (Jo 5,30; 8,29). Vemos, então, que a fé é um compromisso, no qual
empenhamos todo nosso potencial racional e volitivo. Se cumprirmos apenas isso, podemos
nos considerar pessoas virtuosas, santas até, completamente possuídas pelo senso de Deus.

A fé também envolve os sentimentos e emoções que presidem o relacionamento com os


outros, dinamizando estas nossas faculdades, de forma a tornar-nos testemunhas vibrantes da
atuação de Deus em nós.

A fé está seguramente firmada na fidelidade divina, porém não é evidente. Enquanto a


evidência força a reconhecer algo, uma vez que é um dado comprovado, a fé não é óbvia.
Acolhê-la, ou não, implica o exercício da liberdade de cada um, envolvendo a inteligência, a
vontade e o sentimento. Por isso, torna-se o ato humano mais meritório. Por exemplo: nós
sabemos que Jesus está presente na Eucaristia - esta é seguramente uma verdade, mas não
vemos nem entendemos como isto ocorre. Mediante o milagre da transubstanciação, a Igreja
se prostra em adoração silenciosa, penetrando na mística do Mistério que ali se realiza. O
“como” penetra no mistério infinito da bondade de Deus.

A fé nos fala de Deus através do mundo criado, ensina como deve ser o nosso agir, revela-nos
quem somos. Por ela, nos reconhecemos muito mais preciosos do que imaginávamos. O ser
humano é a obra prima de Deus neste mundo, a palavra criada mais sonora, mais linda que
Ele pôde pronunciar, refletindo a imagem divina em cada pessoa.

Concluo, repetindo a oração daquele pai, diante de Jesus: “Senhor, eu creio, mas aumentai a
minha fé”.

Cardeal Eusébio Oscar Scheid


Arcebispo do Rio de Janeiro
ZP06063016

Catecismo da Igreja Católica


§ 153-155

"Eu creio! Vem em socorro da minha pouca fé"

A fé é uma graça:
Quando S. Pedro confessa que Jesus é Cristo, o Filho do Deus vivo, Jesus declara que esta
revelação não lhe veio "da carne nem do sangue, mas do seu Pai que está nos céus" (Mt
16,17). A fé é um dom de Deus, uma virtude sobrenatural que ele mesmo infunde. "Para
guardar esta fé, o homem precisa da graça constante e auxiliadora de Deus, bem como das
ajudas interiores do Espírito Santo. Este toca o coração e volta-o para Deus, abre os olhos do
espírito e dá a todos o suave presente de consentir e acreditar na verdade" (Vaticano II, DV).

A fé é um ato humano:
Acreditar só é possível pela graça e pelas ajudas interiores do Espírito Santo. Mas é
igualmente verdadeiro que acreditar é um ato autenticamente humano. Não é contrário nem à
liberdade nem à inteligência do homem confiar em Deus e aderir às verdades por ele
reveladas. Já nas relações humanas, não é contrário à nossa própria dignidade acreditar no que
outras pessoas nos dizem sobre si mesmas e sobre as suas intenções e confiar nas suas
promessas (como, por exemplo, quando um homem e uma mulher se casam), para entrar
assim em comunhão mútua. Dessa forma, é ainda menos contrário à nossa dignidade
"apresentar pela fé a plena submissão da nossa inteligência e da nossa vontade ao Deus que se
revela" (Vaticano II) e entrar assim em íntima comunhão com ele.

Venerável Padre Carlos de Foucauld (1858-1916), eremita e missionário no Sahara


Escritos espirituais: Meditações sobre o Evangelho

"Eu creio: vem em socorro da minha pouca fé."

A virtude que Nosso Senhor recompensa, a virtude que Ele louva, é quase sempre a fé. Por
vezes, louva o amor, como no caso de Madalena (Lc 7,47); por vezes a humildade; mas estes
exemplos são raros: é quase sempre a fé a que recebe d'Ele recompensa e louvores...
Porquê?... Sem dúvida porque a fé é a virtude, se não a mais alta (a caridade passa-lhe à
frente), pelo menos a mais importante porque é o fundamento de todas as outras, mesmo da
caridade, e também porque é a mais rara...

Ter verdadeiramente fé, a fé que inspira todas as acções, essa fé no sobrenatural que despoja o
mundo das suas máscaras e mostra Deus em todas as coisas; que faz desaparecer todas as
impossibilidades; que faz que as palavras inquietação, perigo, temor, deixem de ter sentido;
que faz caminhar na vida com uma calma, uma paz, uma alegria profunda, como uma criança
pela mão de sua mãe; que estabelece a alma numa distância tão absoluta em relação a todas as
coisas sensíveis cuja nulidade e puerilidade passa a ver com clareza; que dá uma tal confiança
na oração, a confiança de um filho que pede a seu pai uma coisa justa; essa fé que nos mostra
que, "excepto fazer o que é agradável a Deus, tudo é mentira"; essa fé que faz ver tudo a uma
outra luz - os homens enquanto imagens de Deus - dai-ma, meu Deus! Meu Deus, eu creio,
mas aumentai a minha fé! Meu Deus, fazei que eu creia e que eu ame, eu vo-lo peço em nome
de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amen!

Evangelho segundo S. Marcos 9,30-37. – cf.par. Mt 17,22-23; 18,1-9; Lc 9,43-50; 17,1-2

Partindo dali, atravessaram a Galileia, e Jesus não queria que ninguém o soubesse, porque ia
instruindo os seus discípulos e dizia-lhes: «O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos
homens que o hão-de matar; mas, três dias depois de ser morto, ressuscitará.» Mas eles não
entendiam esta linguagem e tinham receio de o interrogar. Chegaram a Cafarnaúm e, quando
estavam em casa, Jesus perguntou: «Que discutíeis pelo caminho?» Ficaram em silêncio
porque, no caminho, tinham discutido uns com os outros sobre qual deles era o maior.
Sentando-se, chamou os Doze e disse-lhes: «Se alguém quiser ser o primeiro, há-de ser o
último de todos e o servo de todos.» E, tomando um menino, colocou-o no meio deles,
abraçou-o e disse-lhes: «Quem receber um destes meninos em meu nome é a mim que recebe;
e quem me receber, não me recebe a mim mas àquele que me enviou.»

S. Siluane (1866-1938), monge ortodoxo


Escritos espirituais

«O que discutíeis vós pelo caminho?»

Ó humildade de Jesus Cristo! Dás uma alegria indescritível à alma. Tenho sede de Ti, porque
em ti a alma esquece a terra e eleva-se mais ardentemente para Deus. Se o mundo
compreendesse o poder das palavras de Cristo: «Aprendam de mim a doçura da humildade»
(cf Mat 11,29), deixaria de lado qualquer outra ciência, para adquirir esse conhecimento
celeste.
Os homens não conhecem a força da humildade de Cristo; e desejam as coisas da terra. Mas o
homem não pode chegar ao poder destas palavras do Senhor sem o Espírito Santo. Quem os
penetrou nunca mais os abandona, mesmo se todos os tesouros do mundo lhe fossem
oferecidos... Aquele que saboreou este amor de Deus infinitamente doce não pode pensar
mais nas coisas da terra; sente-se atraído sem cessar por esse amor.
Mas nós perdemo-lo pelo nosso orgulho e pela nossa vaidade, pelas nossas inimizades e pelos
nossos juizos em relação aos irmãos; abandonamo-lo pelos nossos pensamentos cúpidos e
pela nossa propensão para a terra. Então a graça abandona-nos, e a alma perturbada,
deprimida, deseja Deus e chama-O, como Adão expulso do Paraíso. A minha alma definha e
busco-Te em lágrimas! Vê a minha aflição, ilumina as minhas trevas para que a minha alma
esteja em alegria! Senhor, dá-me a Tua humildade, para que o Teu amor esteja em mim, e em
mim viva o Teu temor.

Santo Afraate (? – cerca 345), monge e bispo em Ninive, perto de Mossoul no actual Iraque

As Exposições, nº 6

Seguir o último de todos e o servo de todos

Meu amigo, tomemos a aparência daquele que nos deu a vida. Ele que era rico, empobreceu-
se a si mesmo. Ele que estava colocado no alto, abaixou a sua grandeza. Ele que habitava as
alturas, não teve sítio onde apoiar a cabeça. Ele que devia vir sobre as nuvens, montou um
jumento para entrar em Jerusalém. Ele que é Deus e filho de Deus, tomou a aparência de
servo.

Ele que é o repouso para todos os trabalhos, fatigou-se com o incómodo do caminho. Ele que
é a fonte que estanca a sede, teve sede e pediu água para beber. Ele que é a saciedade que
satisfaz a nossa fome, teve fome quando jejuou no deserto para ser tentado. Ele que é o
velador que nunca dorme, adormeceu e deitou-se no barco no meio do mar. Ele que é servido
na tenda de seu Pai, deixou-se servir pelas mãos de homens. Ele que é o médico de todos os
homens doentes, teve as suas mãos perfuradas pelos cravos. Ele cuja boca anunciava coisas
boas, deram-lhe a beber o fel. Ele que não tinha feito mal a ninguém, foi açoitado e suportou o
ultraje. Ele que tinha feito viver os mortos, entregou-se a si mesmo à morte na cruz.

Nosso Vivificador, ele próprio, experimentou todos estes abaixamentos; abaixemo-nos nós
mesmos, meus amigos.

Teofilato (cerca de 1050 - 1109), bispo


Comentário sobre o evangelho de Marcos

"Se alguém quiser ser o primeiro, há-de ser o último de todos e o servo de todos"

"Chegaram a Cafarnaum e, já em casa, Jesus perguntou-lhes: "De que faláveis peloo


caminho?" Os discípulos, que acalentavam ainda pensamentos muito humanos, tinham
discutido uns com os outros para saber qual deles era o maior e o mais estimado por Cristo.
O Senhor não lhes contraria o desejo de gozar da sua mais elevada estima. Com efeito, ele
quer que desejemos atingir a primeira fila. Contudo, não quer que nos apropriemos do
primeiro lugar mas que atinjamos tais alturas pela humildade. De fato, tomou um menino no
meio deles e quer que sejamos, também nós, semelhantes a esse menino. Porque a criança não
procura a glória, não tem inveja nem rancor. "Não só, diz ele, recebereis grande recompnesa
se vos assemelhardes a ele mas, se por minha causa honrardes também os que se lhe
assemelham, recebereis em troca o Reino dos Céus. Porque dessa forma é a mim que acolheis
e, acolhendo-me, acolheis Aquele que me enviou".
Vês então que imenso poder tem a humildade, junta à simplicidade de vida e à sinceridade:
tem o poder de fazer habitar em nós o Filho e o Pai e também, com toda a evidência, o
Espírito Santo.

Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897), carmelita, doutora da Igreja


Oração 20

"Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e o servo de todos"

Jesus!... Como é grande a vossa humildade, ó divino Rei da Glória, quando vos submeteis
assim aos vossos sacerdotes, sem fazer qualquer distinção entre os que vos amam e os que
são, pobres deles!, mornos ou frios no vosso serviço. Quando eles chamam, Vós desceis dos
céus; eles podem adiantar ou atrasar a hora do santo sacrifício: Vós estais sempre pronto. Ó
meu Bem-Amado, sob o véu da branca hóstia, como me apareceis manso e humilde de
coração! (Mt 11,29) Para me ensinar a humildade, não podeis abaixar-Vos mais; por isso, para
responder ao vosso amor, eu quero ser capaz de desejar que as minhas irmãs me ponham
sempre no último lugar e convencer-me de que esse lugar me pertence...

Eu sei, ó meu Deus, que Vós derrubais a alma dos orgulhosos, mas aos que se humilham dais
uma eternidade de glória; quero assim pôr-me na última fila, partilhar as Vossas humilhações
a fim de "tomar parte convosco" (Jo 13,8) no reino dos Céus.

Mas, Senhor, conheceis bem a minha fraqueza: cada manhã, tomo a decisão de praticar a
humildade e, à noite, reconheço que cometi ainda muitas faltas por orgulho. Perante isto,
sinto-me tentada a perder a coragem mas sei que o desencorajamento é também orgulho. Por
isso eu quero, ó meu Deus, fundar a minha esperança só em Vós; uma vez que tudo podeis,
dignai-Vos fazer nascer na minha alma a virtude que eu desejo. Para obter essa graça da vossa
infinita misericórdia, repetir-vos-ei muitas vezes: "Ó Jesus, manso e humilde de coração, fazei
o meu coração semelhante ao Vosso!"

Santo Ireneu de Lyon (cerca de 130 - cerca de 208), bispo, teólogo e mártir.
Contra as heresias

"Quem acolher em meu nome uma criança como esta, é a mim que acolhe"

Não teria Deus podido fazer o homem perfeito logo desde o princípio? Tudo é possível a
Deus, que desde sempre é idêntico a si mesmo e que não foi criado. Mas os seres criados,
porque a existência deles começou depois da de Deus, são necessariamente inferiores àquele
que os criou... Porque são criados, não são perfeitos; quando chegam ao mundo, são como
crianças e, tal como as crianças, não estão acostumados nem treinados para uma conduta
perfeita... Naturalmente que Deus podia dar ao homem a perfeição desde o princípio; mas o
homem era incapaz de a receber, porque era apenas uma criança.
Foi por isso que Nosso Senhor, nos últimos tempos, quando recapitulou em si todas as coisas
(Ef 1,10), veio até nós, não de acordo com o seu poder, mas tal como seríamos capazes de o
ver. Na verdade, Ele teria podido vir na sua glória inexprimível, mas não não éramos ainda
capazes de aguentar a grandeza da sua glória... O Verbo de Deus, que era perfeito, fez-se
criança para com o homem, não por su a causa, mas por causa do estado de infância em que o
homem se encontrava.

Pregador do Papa: Como ser o primeiro na «nova corrida» inventada por Cristo
Comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap., sobre a liturgia do próximo domingo

ROMA, sexta-feira, 22 de setembro de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe.


Raniero Cantalamessa, ofmcap. -- pregador da Casa Pontifícia -- sobre a liturgia do próximo
domingo, XXV do tempo comum.

***

Se você quiser ser o primeiro...

XXV Domingo do tempo comum (B)


Sabedoria 2, 12.17-20; Tiago 3, 16-4,3; Marcos 9, 30-37

«Jesus sentou-se, chamou os Doze e lhes disse: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o
último de todos e aquele que serve a todos”». Será que Jesus condena, com estas palavras, o
desejo de sobressair, de fazer grandes coisas na vida, de dar o melhor de si, e privilegia ao
contrário a apatia, o espírito de abandono, os negligentes? Assim pensava o filósofo
Nietzsche, que se sentiu no dever de combater ferozmente o cristianismo, réu, em sua opinião,
de ter introduzido no mundo o «câncer» da humildade e da renúncia. Em sua obra Assim
falada Zaratustra ele opõe a este valor evangélico o da «vontade de poder», encarnado pelo
super homem, o homem da «grande saúde», que quer levantar-se, não abaixar-se.

Pode ser que os cristãos às vezes tenham interpretado mal o pensamento de Jesus e tenham
dado ocasião a este mal-entendido. Mas não é certamente isso o que o Evangelho quer nos
dizer. «Se alguém quiser ser o primeiro...»: portanto, é possível querer ser o primeiro, não está
proibido, não é pecado. Jesus não só não proíbe, com estas palavras, o desejo de querer ser o
primeiro, mas o estimula. Só que revela uma via nova e diferente para realizá-lo: não às custas
dos outros, mas a favor dos outros. Acrescenta, de fato: «... seja o último de todos e o servidor
de todos».

Mas quais são os frutos de uma ou outra forma de sobressair? A vontade de poder conduz a
uma situação na qual a pessoa se impõe e os outros servem; e a pessoa é «feliz» (se é que
pode haver felicidade nisso), enquanto os outros são infelizes; só se sai vencedor, todos os
outros, derrotados; e se domina, os outros são dominados.

Sabemos com que resultados se levou a cabo o ideal do super homem por Hitler. Mas não se
trata só do nazismo; quase todos os males da humanidade provêm desta raiz. Na segunda
leitura deste domingo, Tiago se propõe a angustiosa e perene pergunta: «De onde procedem as
guerras?». Jesus, no Evangelho, nos dá a resposta: do desejo de predomínio! Predomínio de
um povo sobre outro, de uma raça sobre outra, de um partido sobre os outros, de um sexo
sobre o outro, de uma religião sobre a outra...

No serviço, ao contrário, todos se beneficiam da grandeza das pessoas. Quem é grande no


serviço, é grande ele e torna os outros grandes também; mais que elevar-se acima dos outros,
eleva os demais consigo. Alessandro Manzoni conclui sua evocação poética das empresas de
Napoleão com a pergunta: «Foi verdadeira glória? Na posteridade, a árdua sentença». Esta
dúvida, sobre se se tratou de verdadeira glória, não se propõe para a Madre Teresa de Calcutá,
Raoul Follereau e todos os que diariamente servem à causa dos pobres e dos feridos das
guerras, freqüentemente arriscando sua própria vida.

Resta somente uma dúvida. O que pensar do antagonismo no esporte e da competência no


comércio? Também estas coisas estão condenadas pela palavra de Cristo? Não; quando estão
contidas dentro de limites da concorrência esportiva e comercial, estas coisas são boas,
servem para aumentar o nível das prestações físicas e... para baixar os preços no comércio.
Indiretamente, servem ao bem comum. O convite de Jesus a ser o último não se aplica,
certamente, às corridas ciclistas ou às de Fórmula 1!

Mas precisamente o esporte serve para esclarecer o limite desta grandeza com relação à do
serviço: «Nas corridas do estádio, todos correm, mas um só recebe o prêmio», diz São Paulo
(1 Cor 9, 24). Basta recordar o que ocorre no término de uma final de 100 metros rasos: o
vencedor exulta, é rodeado de fotógrafos e levado triunfalmente; todos os outros se afastam
tristes e humilhados. «Todos correm, mas um só recebe o prêmio.»

São Paulo extrai das competições atléticas, contudo, também um ensinamento positivo: «Os
atletas -- diz -- se privam de tudo; e isso por uma coroa corruptível!; Nós, ao contrário [para
receber de Deus a], coroa incorruptível [da vida eterna]». Luz verde, portanto, à nova corrida
inventada por Cristo, na qual o primeiro é quem se torna último de todos e servo de todos.

[Tradução realizada por Zenit]


ZP06092202

Evangelho segundo S. Marcos 9,38-43.45.47-48.

Disse-lhe João: «Mestre, vimos alguém expulsar demónios em teu nome, alguém que não nos
segue, e quisemos impedi-lo porque não nos segue.» Jesus disse-lhes: «Não o impeçais,
porque não há ninguém que faça um milagre em meu nome e vá logo dizer mal de mim.
Quem não é contra nós é por nós. Sim, seja quem for que vos der a beber um copo de água
por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa.» «E se alguém
escandalizar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor seria para ele atarem-lhe ao
pescoço uma dessas mós que são giradas pelos jumentos, e lançarem-no ao mar. Se a tua mão
é para ti ocasião de queda, corta-a; mais vale entrares mutilado na vida, do que, com as duas
mãos, ires para a Geena, para o fogo que não se apaga, Se o teu pé é para ti ocasião de queda,
corta-o; mais vale entrares coxo na vida, do que, com os dois pés, seres lançado à Geena, E se
um dos teus olhos é para ti ocasião de queda, arranca-o; mais vale entrares com um só no
Reino de Deus, do que, com os dois olhos, seres lançado à Geena, onde o verme não morre e
o fogo não se apaga.

Pio XII, papa de 1939 a 1958


Encíclica Mystici Corporis Christi

"Quisemos impedi-lo porque não nos segue"

Imitemos a vastidão do amor de Cristo, modelo supremo de amor pela Igreja, sua Esposa;
contudo, o amor do divino Esposo é tão vasto, que a ninguém exclui, e na sua Esposa abraça a
todo o gênero humano; pois que o Salvador derramou o seu sangue na cruz para conciliar com
Deus todos os homens de todas as nações e estirpes, e para os reunir num só corpo. Por
conseguinte, o verdadeiro amor da Igreja exige não só que sejamos todos no mesmo corpo
membros uns dos outros, cheios de mútua solicitude (cf. Rm 12,5;1Cor 12,25), que se alegrem
com os que se alegram e sofram com os que sofrem (cf. lCor 12,26), mas que também nos
outros homens ainda não incorporados conosco na Igreja, reconheçamos outros tantos irmãos
de Jesus Cristo segundo a carne, chamados como nós para a mesma salvação eterna.

É verdade que hoje não faltam - é um grande mal - os que vão exaltando a rivalidade, o ódio,
o rancor, como coisas que elevam e nobilitam a dignidade e o valor do homem. Nós, porém,
que magoados vemos os funestos frutos de tal doutrina, sigamos o nosso Rei pacífico, que nos
ensinou a amar os que não são da mesma nação ou mesma estirpe (cf. Lc 10,33-37) até os
próprios inimigos (cf. Lc 6,27-35; Mt 5,44-48). Nós, compenetrados dos suavíssimos
sentimentos do Apóstolo das gentes, com ele cantemos o comprimento, a largura, a
sublimidade, a profundeza da caridade de Cristo (cf. Ef 3,18), que nem a diversidade de
nacionalidade, ou de costumes pode quebrar, nem a vastidão imensa do oceano diminuir, nem
as guerras, justas ou injustas, arrefecer.

Pregador do Papa: o que é mais libertador que a vontade de Deus de que todos se
salvem?
Comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap., sobre liturgia do próximo domingo

ROMA, sexta-feira, 29 de setembro de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe.


Raniero Cantalamessa, ofmcap. -- pregador da Casa Pontifícia -- sobre a liturgia do próximo
domingo, XXVI do tempo comum.

***

Quem não está conosco, está contra nós

XXVI Domingo do tempo comum (B)


Números 11, 25-29; Tiago 5, 1-6; Marcos 9, 38-43.45.47-48

Um dos apóstolos, João, viu expulsar demônios em nome de Jesus a um que não era do
círculo dos discípulos e o proibiu. Ao contar o incidente ao Mestre, ouve-se que Ele responde:
«Não o impeçais... Quem não está contra nós, está a nosso favor».

Trata-se de um tema de grande atualidade. O que pensar dos de fora, que fazem algo bom e
apresentam as manifestações do Espírito, sem crer ainda em Cristo e aderir-se à Igreja?
Também eles podem se salvar?

A teologia sempre admitiu a possibilidade, para Deus, de salvar algumas pessoas fora das vias
comuns, que são a fé em Cristo, o batismo e a pertença à Igreja. No entanto, esta certeza se
afirmou na época moderna, depois de que os descobrimentos geográficos e as aumentadas
possibilidades de comunicação entre os povos obrigaram a perceber que havia incontáveis
pessoas que, sem culpa sua alguma, jamais haviam ouvido o anúncio do Evangelho, ou o
haviam ouvido de maneira imprópria, de conquistadores ou colonizadores sem escrúpulos que
tornavam bastante difícil aceitá-lo. O Concílio Vaticano II disse que «o Espírito Santo oferece
a todos a possibilidade de que, na forma só por Deus conhecida, se associem a este mistério
pascoal» de Cristo e, portanto, se salvem [Constituição Pastoral Gaudium et spes sobre a
Igreja e o mundo atual, nº 22, ndt].

Então a nossa fé cristã mudou? Não, com tal de que continuemos crendo em duas coisas:
primeiro, que Jesus é, objetivamente e de fato, o Mediador e o Salvador único de todo o
gênero humano, e que também quem não o conhece se salva, salva-se graças a Ele e à sua
morte redentora. Segundo: que também os que, ainda não pertencendo à Igreja visível, estão
objetivamente «orientados» a ela, fazem parte dessa Igreja mais ampla, conhecida só por
Deus.

Em nossa passagem do Evangelho, Jesus parece exigir duas coisas destas pessoas «de fora»:
que não estejam «contra» Ele, ou seja, que não combatam positivamente a fé e seus valores,
isto é, que não se ponham voluntariamente contra Deus. Segundo: que, se não são capazes de
servir e amar a Deus, sirvam e amem ao menos a sua imagem, que é o homem, especialmente
o necessitado. Diz de fato, a prolongação de nossa passagem, falando ainda daqueles de fora:
«Todo aquele que vos dê de beber um copo de água pelo fato de que sois de Cristo, asseguro-
vos que não perderá sua recompensa».

Mas declarada a doutrina, creio que é necessário retificar também algo mais, e é a atitude
interior, a nossa psicologia de crentes. Pode-se entender, mas não compartilhar, a mal
escondida contrariedade de certos crentes ao ver cair todo privilégio exclusivo ligado à
própria fé em Cristo e à pertença à Igreja: «Então, de que serve ser bons cristãos... ?».
Deveríamos, ao contrário, alegrar-nos imensamente frente a estas novas aberturas da teologia
católica. Saber que nossos irmãos de fora também têm a possibilidade de salvar-se: o que
existe que seja mais libertador e que confirma melhor a infinita generosidade de Deus e sua
vontade de «que todos os homens se salvem» (1 Tm 2, 4)? Deveríamos apropriar-nos do
desejo de Moisés recolhido na primeira leitura deste domingo: «Quero de Deus que dê a todos
o seu Espírito!».

Devemos, com isso, deixar a cada um tranqüilo em sua convicção e deixar de promover a fé
em Cristo, dado que a pessoa pode salvar-se também de outras maneiras? Certamente não. Só
deveríamos pôr mais ênfase no positivo que no negativo. O negativo é: «Creia em Jesus,
porque quem não crê n’Ele estará condenado eternamente»; o motivo positivo é: «Creia em
Jesus, porque é maravilhoso crer n’Ele, conhecê-lo, tê-lo ao lado como Salvador, na vida e na
morte».
[Traduzido por Zenit]
ZP06092902

São João Crisóstomo (c. 345-407), bispo de Antioquia, depois de Constantinopla, doutor da
Igreja
3ª Homilia sobre a 1ª Carta aos Coríntios

“Não é daqueles que nos seguem”: as divisões fazem vacilar os pequenos

“Que digais todos o mesmo, e que entre vós não haja divisões” (1 Co 1, 10). As diversas
partes da Igreja deixam de estar completas quando uma delas sofre e morre. Se todas as
Igrejas fossem, por si mesmas, um corpo completo, haveria numerosas assembleias e
reuniões; mas ela forma um só corpo e a divisão destrói a sua unidade. […] Depois de ter
denunciado este mal utilizando essa amarga palavra – “divisões” –, o Apóstolo Paulo amacia
a sua linguagem ao acrescentar: “Sede perfeitos no mesmo espírito e no mesmo parecer”. Não
se trata apenas de um acordo de palavras, mas de uma união de pensamento e de sentimentos.
E, como pode acontecer que as pessoas estejam unidas em determinado ponto, mas divididas
noutros, Paulo insiste: “Estai unidos de maneira perfeita” […], sede perfeitos na caridade.

Podemos estar unidos em pensamento e divididos nas acções, ter uma mesma fé sem estar
ligados por uma mesma caridade. Era o que se passava em Corinto, onde uns se ligavam a um
mestre, outros a outro. Paulo não lhes censura as divergências na fé, mas as diferentes
maneiras de agir, as rivalidades humanas […]: “Soube que entre vós há contendas. […] Estará
Cristo dividido?” (1 Co 1, 12-13).

Evangelho segundo S. Marcos 9,41-50.

Sim, seja quem for que vos der a beber um copo de água por serdes de Cristo, em verdade vos
digo que não perderá a sua recompensa.» «E se alguém escandalizar um destes pequeninos
que crêem em mim, melhor seria para ele atarem-lhe ao pescoço uma dessas mós que são
giradas pelos jumentos, e lançarem-no ao mar. Se a tua mão é para ti ocasião de queda, corta-
a; mais vale entrares mutilado na vida, do que, com as duas mãos, ires para a Geena, para o
fogo que não se apaga, onde o verme não morre e o fogo não se apaga. Se o teu pé é para ti
ocasião de queda, corta-o; mais vale entrares coxo na vida, do que, com os dois pés, seres
lançado à Geena, onde o verme não morre e o fogo não se apaga. E se um dos teus olhos é
para ti ocasião de queda, arranca-o; mais vale entrares com um só no Reino de Deus, do que,
com os dois olhos, seres lançado à Geena, onde o verme não morre e o fogo não se apaga.
Todos serão salgados com fogo. O sal é coisa boa; mas, se o sal ficar insosso, com que haveis
de o temperar? Tende sal em vós mesmos e vivei em paz uns com os outros.»
S. João Crisóstomo (cerca 345-407), bispo de Antioquia e de Constantinopla, doutor da Igreja
Sermão sobre o diabo tentador

Caminhos para entrar na vida eterna

Quereis que vos indique os caminhos da conversão? São numerosos, variados e diferentes,
mas todos conduzem ao céu. O primeiro caminho da conversão é a condenação das nossas
faltas. “Aviva a tua memória, entremos em juízo; fala para te justificares!” (Is 43,26). E é por
isso que o profeta dizia: “Eu disse: «confessarei os meus erros ao Senhor» e Vós perdoastes a
culpa do meu pecado” (Sl 31,5). Condena pois, tu próprio, as faltas que cometeste, e isso será
suficiente para que o Senhor te atenda. Com efeito, aquele que condena as suas faltas, tem a
vantagem de recear tornar a cair nelas...

Há um segundo caminho, não inferior ao referido, que é o de não guardar rancor aos nossos
inimigos, de dominar a nossa cólera para perdoar as ofensas dos nossos companheiros, porque
é assim que obteremos o perdão das que nós cometemos contra o Mestre; é a segunda maneira
de obter a purificação das nossas faltas. “Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas,
também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós” (Mt 6,14).

S. Tomás de Aquino (1225-1274), teólogo dominicano, doutor da Igreja

"Tende sal em vós mesmos"

Concede-me, Deus misericordioso,


que deseje com ardor o que Tu aprovas,
que o procure com prudência,
que o reconheça em verdade,
que o cumpra na perfeição,
para louvor e glória do Teu nome.

Põe ordem na minha vida, ó meu Deus,


e permite-me que conheça o que Tu queres que eu faça,
concede-me que o cumpra como é necessário
e como é útil para a minha alma.

Concede-me, Senhor meu Deus,


que não me perca no meio da prosperidade
nem da adversidade;
não deixes que a adversidade me deprima,
nem que a prosperidade me exalte.

Que nada me alegre ou me entristeça


para além do que conduz a Ti
ou de Ti me afasta.
Que eu não deseje agradar nem receie desagradar a ninguém,
excepto a Ti.

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