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Capítulo 4 – Aminoácidos, Peptídeos e Proteínas

CAPÍTULO 4 – AMINOÁCIDOS, PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS

1 FUNÇÃO DAS PROTEÍNAS

As proteínas constituem o componente celular mais abundante e são as moléculas mais diversificadas quanto à
forma e à função. Elas desempenham funções tanto estruturais quanto dinâmicas. Proteínas são componentes do
citoesqueleto e de estruturas de sustentação, como, por exemplo, o colágeno, e participam de quase todos os processos
biológicos na forma de enzimas, que são proteínas que atuam como catalisadores1 de milhares de reações químicas que
ocorrem nos organismos. Outra função dinâmica das proteínas é o transporte de moléculas, por exemplo, o transporte de
oxigênio pela hemoglobina. Outra função é a defesa do organismo, que pode ser feita por tipos especiais de proteínas, as
imunoglobulinas (anticorpos) e o interferon, que atuam no combate a infecções bacterianas e virais.
Muitas proteínas participam do controle global do metabolismo, devido à sua ação hormonal, como é o caso da
insulina. São também responsáveis por mecanismos contráteis responsáveis, por exemplo, pelo movimento e força
executados pelos músculos, sendo de particular importância as proteínas actina e miosina, que atuam na contração
muscular. Até mesmo a atividade dos genes é controlada por proteínas: proteínas reguladoras ligam-se ao DNA em sítios
específicos, localizados próximo aos genes, alterando sua expressão2. Estas proteínas, no genoma de mamíferos, são
capazes de reconhecer o sitio regulador de um determinado gene, dentre dezenas de milhares de genes diferentes.
Em síntese, podemos listas as principais funções das proteínas:
 Estrutural – Formando o citoesqueleto que dá forma às células; o colágeno, um conjunto de proteínas fibrosas
que dá sustentação ao tecido conjuntivo, atua unindo e fortalecendo os tecidos e dá rigidez e forma à pele.
 Catalítica ou Enzimática – Enzimas são moléculas que atuam catalisando as reações químicas do metabolismo,
ou seja, as enzimas aceleram e controlam as reações metabólicas. As Enzimas atuam em milhares de reações e
sem elas as reações ocorreriam a uma velocidade inadequada ou nem ocorreriam, o que impossibilitaria a vida.
 Transporte – As proteínas também atuam no transporte de moléculas e íons nas células e fora delas. Por
exemplo, a hemoglobina, que atua no transporte de oxigênio.
 Defesa – As imunoglobulinas e o interferon são substâncias de natureza protéica que atacam proteínas estranhas,
vírus e bactérias que invadem o organismo.
As imunoglobulinas (Ig) também denominadas Anticorpos (Ac) são glicoproteínas3 sintetizadas e excretadas
por células plasmáticas derivadas dos linfócitos B, os plasmócitos, presentes no plasma, tecidos e secreções que
atacam proteínas estranhas ao corpo, chamadas de antígenos, realizando assim a defesa do organismo (imunidade
humoral). Depois que o sistema imunológico entra em contato com um antígeno (proveniente de bactérias,
fungos, etc.), são produzidos anticorpos específicos contra ele.
O Interferon é produzido por todos os animais vertebrados e por alguns invertebrados. Trata-se de uma
classe de proteínas produzidas pelas células do organismo para defendê-lo de agentes externos como vírus,
bactérias e células de tumores. Os interferons induzem um estado de resistência antiviral em células teciduais que
ainda não foram infectadas. O vírus, ao replicar-se, vai ativar o gene codificante do interferon. Após a síntese
protéica, a proteína sai da célula e entra na corrente sanguínea, até chegar às células vizinhas que ainda não foram
atacadas. A proteína liga-se à membrana celular dessas células e ativa o gene codificante de proteínas antivirais.
Estas proteínas virais, por sua vez, vão impedir a replicação do vírus, quando este tentar replicar-se nessas
células. Os IFN são produzidos na fase inicial da infecção e são a primeira linha de resistência a muitas viroses.
 Hormonal – Hormônios são substâncias que atuam no controle metabólico, transferindo informações e
instruções entre as células, em animais e plantas. Também chamados de “mensageiros químicos do corpo”, os
hormônios regulam o crescimento, o desenvolvimento, controlam as funções de muitos tecidos, auxiliam as
funções reprodutivas, e regulam o metabolismo (o processo usado pelo organismo para produzir energia a partir

1
Catalisadores são substâncias que aceleram a velocidade das reações químicas, sem participarem da reação como reagentes. As
proteínas, além de tantas outras funções, também atuam como catalisadores de reações do metabolismo. Essas proteínas são conhecidas
como enzimas.
2
Expressão é o termo usado para designar a manifestação de um gene, quando ele é ativado e traduzido em um RNAm para a produção
de uma proteína e esta é sintetizada nos ribossomos. Diz-se, nesse caso, que o gene foi expresso.
3
Glicoproteína é uma molécula formada por uma porção protéica e outra porção açúcar, ligados entre si por ligação covalente.
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dos alimentos). A maioria dos hormônios são proteínas ou peptídeos. Como exemplos, citamos a insulina e o
glucagon que atuam no metabolismo dos carboidratos.
 Contrátil e motora – As proteínas mais importantes responsáveis pelo movimento dos músculos são a actina e
miosina. Elas são proteínas fibrosas que se deslizam uma sobre a outra, graças à ação do ATP4, promovendo o
movimento dos músculos.

2 AMINOÁCIDOS E PROTEÍNAS

Já foi visto que as proteínas são de grande importância aos organismos vivos por exercerem tantas funções e
constituírem a maior classe de biomoléculas. Mas, o que são de fato proteínas?
As proteínas, apesar de apresentarem estruturas e funções tão variadas, são sintetizadas a partir de apenas 20
aminoácidos diferentes. Podemos definir proteínas como sendo polímeros de aminoácidos. E o que são polímeros?
Polímeros é toda molécula que é formada pela ligação entre duas ou mais moléculas menores, que chamamos de
monômeros. Os plásticos são exemplos de polímeros. Por exemplo, o polietileno é um polímero formado a partir de
monômeros do gás etileno, CH2=CH2, empregado na fabricação das garrafas PET
de refrigerante. As proteínas são polímeros naturais e seus monômeros são
moléculas de aminoácidos.
Para formar uma proteína, primeiramente os aminoácidos ligam-se uns aos
outros formando um cordão de aminoácidos que pode ser comparado com um colar
de contas, tais como o rosário dos católicos, ou um colar de pérolas (Figura 4-1).

Figura 4-1 – Os aminoácidos ligam-se uns nos outros formando uma espécie de cordão de aminoácidos. Cada aminoácido
faz duas ligações, cada uma delas com um aminoácido distinto. As ligações entre os aminoácidos são chamadas ligações
peptídicas.

São 20 diferentes aminoácidos (Figura 4-3) que unidos de diferentes formas e em diferentes combinações, formam
as proteínas. Ainda que o número de monômeros diferentes pareça pequeno, as possibilidades de existirem proteínas
distintas são espantosamente grandes. Para se ter uma idéia do grande número de possibilidades, vamos considerar a
formação de proteínas imaginárias contendo somente 20 aminoácidos, um de cada tipo. Mudando apenas a posição desses
aminoácidos uns em relação aos outros, poderiam ser obtidas 2,4 x 1018 moléculas diferentes, ou seja,
2.400.000.000.000.000.000 – 2 quintilhões e 400 quatrilhões de proteínas diferentes!
Como as proteínas são compostas por centenas de aminoácidos, cada um deles podendo estar presente mais de uma
vez, a probabilidade de construção de moléculas diferentes é praticamente infinita.

 Os aminoácidos diferem entre si pela estrutura da cadeia lateral

Os aminoácidos são compostos que apresentam, na sua molécula, um grupo amino (–NH2) e um grupo carboxila (–
COOH); a única exceção é o aminoácido prolina, que contém um grupo imino (– NH –) no lugar do grupo amino. Em pH
fisiológico, esses grupos estão na forma ionizada: –NH3+, –COO– e – NH2+–.
Os aminoácidos têm uma fórmula básica comum, na qual os grupos amino e carboxila estão
COO- ligados a um carbono central, denominado carbono . Também se encontram ligados ao carbono
 um átomo de hidrogênio e um grupo que varia de aminoácido para aminoácido, chamado cadeia
H3N+ C H lateral ou grupo R

R
Figura 4-2 – Estrutura básica de um aminoácido. Em cima está a carboxila, à esquerda o grupo amino e abaixo o grupo R.

4
ATP é a abreviação de Adenosina trifosfato, a principal molécula responsável pelo fornecimento e distribuição de energia nas células. É produzida a
partir das reações do metabolismo fornecem energia (o catabolismo).

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Há 20 diferentes tipos de aminoácidos porque existem 20 diferentes tipos de grupos R que, conforme suas
características estruturais, conferem aos aminoácidos diferentes propriedades. Por exemplo, alguns aminoácidos têm
afinidade pela água enquanto que outros não têm e são denominados, por causa disso, aminoácidos hidrofóbicos5. Essas
características são importantes para a conformação das proteínas e, portanto, para suas funções. Os aminoácidos podem
ser, então, classificados em dois grandes grupos: os aminoácidos polares (aqueles que apresentam grupo R hidrofílico) e os
aminoácidos apolares (grupo R hidrofóbico) (Figura 4-3).

Aminoácidos Apolares
(hidrofóbicos)

Aminoácidos Polares (hidrofílicos)

Figura 4-3 – Os aminoácidos são classificados em apolares e polares e, também, dentro de cada classe, como alifáticos e
aromáticos, e como sem carga, com carga positiva e com carga negativa de acordo com o grupo R que possuem.

5
Uma substância é hidrofóbica (hidro = água, fobia = medo) quando repele a água, não sendo, portanto, solúvel nela. São exemplos de líquidos
hidrofóbicos os óleos, o querosene e a gasolina.

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Os aminoácidos apolares têm grupos R constituídos por cadeias com caráter de hidrocarboneto, que não interagem
com a água. Quando a proteína assume sua forma espacial, eles ficam localizados no interior da molécula de proteína para
manterem-se afastados do contato com a água já que são hidrofóbicos.
Os aminoácidos polares apresentam grupos R com carga elétrica líquida ou grupos R sem carga, mas polares que os
capacitam a interagir com a água. Estes costumam ficar localizados na porção exterior das moléculas de proteínas.

Dentre os 20 aminoácidos, 19 apresentam dois isômeros


ópticos denominados isômeros L e D (Figura 4-4 ao lado). A
existência de pelo menos dois isômeros para cada aminoácido
deve-se ao fato de existirem carbonos assimétricos na estrutura.
O carbono  de todos os aminoácidos, com exceção da glicina, é
assimétrico, já que está ligado a quatro grupos diferentes: –NH3+,
–COO–, –H e –R.
Na glicina este carbono não é assimétrico porque o grupo
R é constituído por –H.
Os isômeros L e D são imagens especulares um do outro.
Apesar da existência dos dois isômeros ópticos para 19
aminoácidos, todas as proteínas encontradas nos seres vivos são
formadas por L-aminoácidos. Os D-aminoácidos aparecem
somente em certos antibióticos e em peptídeos componentes da
parede celular de algumas bactérias.

Figura 4-4 – Isômeros L e D da alanina, em três representações


moleculares diferentes. A linha pontilhada indica o plano de um
espelho.

3 AMINOÁCIDOS, PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS – A LIGAÇÃO PEPTÍDICA

Como já foi dito, os peptídeos e as proteínas são polímeros formados pela união de vários aminoácidos. Um
aminoácido liga-se a outro aminoácido através de uma ligação específica denominada ligação peptídica. Nessa ligação, o
grupo amigo ligado diretamente ao carbono  de um aminoácido liga-se ao grupo carboxila ligado diretamente ao carbono
 de outro aminoácido (Figura 4-5).
Na formação de uma ligação peptídica é liberada uma molécula de água. Esse tipo de reação química cai dentro
daquela classe de reações denominada condensação (ver página 25, Figura 2-22 e).

Figura 4-5 – Esquema simplificado mostrando a formação de uma ligação


peptídica entre dois aminoácidos. Nesta reação ocorre a eliminação de uma
molécula de H2O.

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Esta reação, como está escrito na figura acima, jamais ocorre. Nos seres vivos, a união dos aminoácidos por ligação
peptídica não é feita por reação direta entre eles, mas através de um complexo aparato de síntese protéica, envolvendo
ribossomos, ácidos ribonucléicos, várias proteínas e enzimas. A equação é apenas um esquema didático para descrever a
formação da ligação peptídica.

A união de vários aminoácidos forma uma cadeia que denominamos cadeia polipeptídica. Uma cadeia polipeptídica
pode conter de dois a milhares de aminoácidos (ou resíduos de aminoácidos, termo mais adequado para designar cada
unidade de aminoácido ligado na cadeia porque, na verdade, o que fica é o resíduo já que uma parte de dois aminoácidos
foi eliminada na forma de molécula de água).
Quando o número de aminoácidos é dois, a cadeia é chamada dipeptídio, quando são três, tripeptídio e assim por
diante. Polímeros contendo até 30 resíduos de aminoácidos são chamados de oligopeptídeos ou, simplesmente, peptídeos.
Quando o número é maior, são chamados polipeptídios.
Qualquer que seja o número de aminoácidos, peptídios e polipeptídios apresentam um grupo amino livre em uma
das extremidades – amino terminal – e um grupo carboxila livre na outra – carboxila terminal.
Muitos peptídeos encontrados na natureza desempenham funções importantes, atuando como hormônios
(encefalinas, oxitocina, vasopressina, glucagon), antibióticos (gramicidina), agentes redutores (glutationa) etc. (Tabela 4-1
e Figura 4-6). Peptídios com aplicação terapêutica são sintetizados em laboratórios industriais; um exemplo é o aspartame,
um adoçante artificial com alto poder edulcorante6. O aspartame e um dipeptídio modificado, formado por aspartato e
fenilalanina, esterificada a um grupo metila.

Tabela 4-1 – Peptídeos de importância biológica.


Numero de Glândulas/células
Peptídeos Efeitos principais
aminoácidos produtoras
Hipófise anterior e medula
Encefalinas 5 Analgesia
adrenal
Contração da musculatura uterina no parto e de glândulas
Oxitocina 9 Hipófise posterior
mamárias na lactação.
Aumento da pressão sangüínea e da reabsorção de água
Vasopressina 9 Hipófise posterior
pelo rim.
Glucagon 29 Células  do pâncreas Aumento da produção de glicose pelo fígado no jejum.
Gramicidina 10 Cepas de Bacillus brevis Antibiótico.
Proteção de grupos SH de proteínas, manutenção do Fe2+
Glutationa 3 Maioria das células
da hemoglobina e destruição de H2O2.

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Edulcorante é o nome que se dá às substâncias que apresentam sabor doce (substâncias que adoçam).

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Leucina Encefalina

Metionina Encefalina

GSSG Glutationa oxidada

Oxitocina

L-Aspartil-L-fenilanina (metiléster):
vasopressina
Figura 4-6 – Alguns peptídeos biologicamente importantes e suas seqüências de aminoácidos.

As proteínas podem ser formadas por uma ou mais cadeias polipeptídicas; contêm, geralmente, mais de 50
aminoácidos (Tabela 4.2) e desempenham uma função específica. Todas as proteínas, com poucas exceções (colágeno, por
exemplo), contêm todos os 20 aminoácidos, em proporções que variam muito de proteína para proteína.

Tabela 4-2 – Características de composição de algumas proteínas.


Proteína Número de aminoácidos Número de cadeias polipeptídicas
Insulina (bovina) 51 2
Lisozima (clara de ovo) 129 1
Mioglobina (eqüina) 153 1
Hemoglobina (humana) 574 4
Aspartato transcarbamoilase (E. coli) 2.700 12
RNA polimerase (E. coli) 4.100 5
Apolipoproteína B (humana) 4.536 1

4 ESTRUTURA DAS PROTEÍNAS

Cada proteína apresenta uma estrutura tridimensional definida e característica. Apesar de existirem inúmeras
conformações teoricamente possíveis, todas as moléculas de uma dada proteína, ao serem sintetizadas pela célula,
assumem a mesma conformação espacial. Esta configuração, entre tanto, não é permanentemente fixa, e, muitas vezes,
alterações estruturais transitórias estão relacionadas com o controle da função desempenhada pela proteína.
A conformação original de uma proteína, ao ser formada nos ribossomos, é denominada de conformação ou
estrutura nativa. Esta estrutura nativa pode sofrer alterações em função do pH do meio ou da temperatura. Uma proteína

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cuja estrutura nativa foi alterada pode ter sua função comprometida ou, inclusive, perder sua função. Diz-se, nesses casos,
que a proteína foi desnaturada.

 A seqüência de aminoácidos determina a estrutura espacial das proteínas

A organização espacial da proteína é resultante do tipo de aminoácidos que a compõem e de como eles estão
dispostos uns em relação aos outros. A seqüência dos aminoácidos irá determinar o tipo de interação possível entre as
cadeias laterais, que, como já exposto, apresentam características de carga elétrica, volume e interação com a água que
variam muito de aminoácido para aminoácido.

 Estrutura Primária, Secundária, Terciária e Quaternária

A organização tridimensional de uma proteína, desde a seqüência de aminoácidos, passando pelo enrolamento da
cadeia polipeptídica até a associação de várias cadeias, pode ser descrita em quatro níveis estruturais de complexidade
crescente, denominados estrutura primária, estrutura secundária, estrutura terciária e estrutura quaternária.

4.1 Estrutura Primária

A estrutura primária é a seqüência de aminoácidos ao longo da cadeia polipeptídica, que é determinada


geneticamente, sendo específica para cada proteína.
Por convenção, a estrutura primária é escrita na direção amino terminal  carboxila terminal. Exemplificando, os
peptídeos hipotéticos Ala – Ser – Lys e Lys – Ser – Ala são diferentes, porque no primeiro caso, é o grupo amino da
alanina que está livre e, no segundo caso, é o da lisina.
Além das ligações peptídicas, há um outro tipo de ligação covalente que costuma ser considerada também
responsável pela estrutura primária das proteínas. Tratam-se das pontes dissulfeto (–S–S–). Ela é formada entre dois
resíduos de cisteína, por uma reação de oxidação catalisada por enzimas específicas (Figura 4-7).

Figura 4-7 – Formação da ponte dissulfeto entre dois resíduos de cisteína.

4.2 Estrutura Secundária

A estrutura secundária descreve as estruturas regulares tridimensionais formadas por seguimentos de cadeia
polipeptídica. Duas organizações são particularmente estáveis: o enrolamento da cadeia ao redor de um eixo e a interação
lateral de segmentos de uma cadeia polipeptídica ou de cadeias diferentes. Estas conformações são denominadas,
respectivamente, -hélice e folha  pregueada, porque foram descobertas nesta ordem.
A extensão do trecho da cadeia polipeptídica que se organiza nessas duas conformações pode variar de alguns a
dezenas de aminoácidos, conforme a proteína. A -hélice e a folha  pregueada estabilizam-se por pontes de hidrogênio
entre o nitrogênio e o oxigênio dos grupos –NH e –C = O, constituintes das unidades peptídicas. Embora a ponte de
hidrogênio seja uma ligação fraca, o elevado número destas ligações confere grande estabilidade a essas estruturas.

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A -hélice é mantida por pontes de hidrogênio entre uma unidade peptídica e a quarta unidade peptídica
subseqüente; estas pontes de hidrogênio dispõem-se paralelamente ao eixo da hélice. A -hélice tem um passo de 0,54 nm
e apresenta 3,6 resíduos de aminoácido por volta. A folha  pregueada é uma estrutura também mantida por pontes de
hidrogênio entre as unidades peptídicas. Neste caso, entretanto, as ligações são estabelecidas entre cadeias polipeptídicas
diferentes ou entre segmentos distantes de uma mesma cadeia. Estas cadeias, ou segmentos de cadeia, exibem
conformação mais distendida que a -hélice e dispõem-se lado a lado, o que dá à estrutura formada o aspecto de uma
folha de papel pregueada. As pontes de hidrogênio são perpendiculares ao eixo das cadeias, e os grupos R dos aminoácidos
projetam-se para cima e para baixo do plano da olha pregueada (Figura 4-8).

(c)

Figura 4-8 – Modelos de folha  pregueada e de -hélice. (a) Disposição antiparalela da folha  e (b) paralela. As setas
apontam no sentido amino terminal  carboxila terminal. (c) Na -hélice, a cadeia polipeptídica forma uma espiral,
estabilizada por pontes de H entre os grupos –C = O e –NH das ligações peptídicas. As cadeias laterais dos resíduos de
aminoácidos (grupos R) dispõem-se no exterior da hélice.

4.3 Estrutura Terciária e Quaternária

As proteínas assumem ainda uma estrutura terciária, que se deve ao enovelamento da cadeia peptídica. Duas ou
mais cadeias peptídicas podem se agrupar dando origem a uma proteína mais complexa. A esse agrupamento
denominamos estrutura quaternária. As quatro estruturas estão ilustradas na figura a seguir:

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Figura 4-9 – Ilustração dos quatro níveis estruturais das proteínas.

Como podemos observar na figura, a estrutura quaternária é devida ao agrupamento envolvendo duas ou mais
subunidades polipeptídicas tridimensionais que atingiram sua estrutura terciária. Cada uma dessas subunidades se agrupa
de forma a gerar uma organização mais complexa à qual denominamos de estrutura quaternária.
Nem todas as proteínas apresentam estrutura quaternária. É importante frisar que uma cadeia polipeptídica não é
uma proteína. Proteína é a macromolécula formada por aminoácidos que apresenta uma função biológica.
A forma tridimensional de uma proteína, a qual denominamos estrutura terciária e, também, quaternária (quando
há), determina suas funções biológicas: estrutural, regulação, enzimática etc. Muitas vezes, podem-se distinguir na
estrutura terciária de uma proteína monomérica, ou na estrutura terciária das subunidades componentes de uma proteína
oligomérica, regiões diferenciadas, denominadas domínios. Cada domínio tem uma organização espacial compacta, com o
interior hidrofóbico e a superfície polar. Esses domínios estão associados a funções daquelas proteínas e são denominados
sítios de atividades.
A forma desses domínios determina o tipo de substrato que uma enzima irá catalisar. Por exemplo, a reação de
fosforilação da glicose na primeira etapa do seu metabolismo (que será visto mais à frente), ocorre mediante a ação de uma
molécula protéica, a enzima hexoquinase. A interação perfeita entre a glicose e o sítio de ação dessa enzima ocorre porque
a forma espacial desse sítio e as moléculas de aminoácidos (os resíduos de aminoácidos) que existem ali são muito
específicos e tais que permitem a atração entre a glicose e o seu encaixe perfeito no lugar certo. Qualquer mudança na
conformação espacial da enzima hexoquinase faz com que ela perca a capacidade de ligar a glicose e catalisar a reação.
Quando isso ocorre, dizemos que a enzima sofreu desnaturação.
Outra importante conseqüência da forma espacial das proteínas é sua especificidade. A estrutura da proteína
determina o que ela fará e qual reação irá catalisar, no caso de se tratar de uma enzima Assim, cada reação do metabolismo
é catalisada por uma proteína específica, da mesma forma que uma fechadura só pode ser aberta pela sua própria chave.

5 PROTEÍNAS GLOBULARES E FIBROSAS

As proteínas podem apresentar aspecto espacial semelhante a uma “bola” ou a um “bastão”. As proteínas do
primeiro tipo são denominadas proteínas globulares, enquanto as do segundo tipo são as proteínas fibrosas.
As proteínas globulares apresentam uma ou mais cadeias polipeptídicas organizadas em uma forma final
aproximadamente esférica. São geralmente solúveis e desempenham várias funções dinâmicas, como transporte e
enzimática.
As proteínas fibrosas têm forma alongada, são geralmente insolúveis e desempenham papel basicamente estrutural
nos sistemas biológicos. Diferentemente das globulares, são formadas pela associação de módulos repetitivos,
possibilitando a construção de grandes estruturas. O componente fundamental das proteínas fibrosas são cadeias
polipeptídicas muito longas com estrutura secundária regular: alfa-hélice nas alfa-queratinas, folha beta-pregueada nas
beta-queratinas e uma hélice característica no colágeno.

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 O Colágeno

O colágeno é a molécula mais abundante dos vertebrados. Suas fibras são responsáveis pelas funções mecânicas e
de sustentação do tecido conjuntivo, que se distribui por cartilagens, tendões, matriz óssea e pele; mantém, ainda, a
estrutura e a elasticidade do sistema vascular e de todos os órgãos.
O número de ligações covalentes do colágeno varia conforme a atividade fisiológica do tecido considerado e
aumenta com a idade do animal (o que explica a maior rigidez da carne de animais mais velhos). A estrutura do colágeno é
rompida por aquecimento, originando uma proteína desenrolada, mais solúvel, a gelatina. Este é o princípio da fabricação
industrial desta proteína, muito frequente na dieta humana.

6 PROTEÍNAS COM AMINOÁCIDOS MODIFICADOS E PROTEÍNAS CONJUGADAS

As proteínas podem apresentar aminoácidos modificados ou componentes não-protéicos.

6.1 Proteínas com Aminoácidos Modificados

Muitas proteínas contêm resíduos de determinados aminoácidos modificados, além dos 20 usuais. Esses
aminoácidos exóticos formam-se por alteração enzimática de aminoácidos comuns, após incorporação na cadeia
polipeptídica, durante a síntese da proteína.
No colágeno é frequente a hidroxilação da cadeia lateral de prolina A reação enzimática que produz essa
modificação requer a presença de ácido ascórbico (vitamina C), por isso que essa vitamina é importante na dieta humana e
sua deficiência causa enfraquecimento do colágeno levando a uma hipovitaminose denominada escorbuto, As
manifestações clínicas desta doença correlacionam-se com a síntese de moléculas de colágeno menos estáveis e com a sua
distribuição nos tecidos, causando: interrupção do crescimento dos ossos em crianças, má cicatrização de ferimentos e
aumento da fragilidade de vasos sanguíneos, o que resulta em hemorragias na pele e gengivas, principalmente.
Em outras proteínas, pode ocorrer acetilação do grupo amino ou fosforilação do grupo hidroxila de serina, treonina
e tirosina (Figuras 4-10 e 4-11 a seguir). A adição e a remoção de grupo fosfato é um fenômeno cíclico frequentemente
encontrado em proteínas com função enzimática. A fosforilação altera profundamente a atividade destas enzimas.

COOH COOH
H 2N C H + HPO42- H2 N C H O + H 2O
H C OH H C O P O
H H O

Figura 4-10 – Fosforilação de um resíduo de Serina.

COOH COOH
H2N C H H2N C H
CH2 CH2
O
CH2 CH3C CH2 + H2O
+
CH2 OH CH2
CH2 CH2
H N H N
CCH3
H
O
Grupo Acetil

Figura 4-11 – Acetilação do grupo amino presente na Lisina.

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6.2 Proteínas Conjugadas

As proteínas podem, ainda, apresentar moléculas não-protéicas ligadas à cadeia polipeptídica Estes componentes
são designados de grupos prostéticos e as proteínas, neste caso, são chamadas proteínas conjugadas.
O grupo prostético é de natureza variável, podendo ligar-se à cadeia polipeptídica covalente ou não-
covalentemente. Na mioglobina (Figura 4-12) a cadeia polipeptídica liga-se não-covalentemente a um grupo prostético
chamado heme, o mesmo acontecendo com cada uma das quatro cadeias da hemoglobina (Figura 4-13).

(a) (b) (c)

Figura 4-12 – Modelos da mioglobina mostrando: (a) os diversos trechos em alfa-hélice (representados por espirais),
alternados pos seguimentos desenrolados; (b) os dobramentos da cadeia da mioglobina, onde as esferas representam o
carbono alfa dos resíduos de aminoácidos; (c) O grupo heme, destacando o átomo de ferro ligado, em cima, a uma
molécula de oxigênio. A cadeia polipeptídica da mioglobina liga-se ao grupo heme - vermelho em (a) e preto em (b).

(a)

(c)
(b)

Figura 4-13 – Estruturas da hemoglobina representadas de duas formas: (a) com destaque às quatro subunidades
polipeptídicas que forma a estrutura quaternária; (b) com destaque a uma das duas subunidades alfa e a uma das duas
subunidades beta, destacando também o grupo heme. Ao lado, encontra-se a fórmula estrutural do grupo heme (c)
evidenciando a ligação ao resíduo Histidina.

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O grupo prostético pode ser um carboidrato ou um lipídio, covalentemente ligados, e a proteínas conjugada chama-
se glicoproteína ou lipoproteína, respectivamente.

 Glicoproteínas

Glicoproteínas são encontradas em todos os compartimentos celulares, mas constituem, principalmente, as proteínas
secretadas pelas células e aquelas localizadas na sua superficie externa. Exemplos de glicoproteínas secretadas são as
mucinas7 das secreções mucosas e muitas proteínas do sangue, como as que participam da coagulação sanguínea e as
imunoglobulinas8.
As glicoproteínas da membrana plasmática funcionam como marcadores biológicos, que permitem a comunicação
entre as células. Proteínas estruturais importantes, como o colágeno, contêm carboidratos; o interferon9 e alguns hormônios
também são glicoproteínas.
A própria hemoglobina pode ligar-se à glicose, formando a hemoglobina glicosilada; a reação de glicosilação é não-
enzimática, A concentração de hemoglobina glicosilada aumenta quando a concentração de glicose no sangue (glicemia) é
anormalmente elevada Esta condição (hiperglicemia) ocorre em pacientes com diabetes.

 Lipoproteínas

Podemos distinguir, dentro da classe das lipoproteínas, dois grupos de lipoproteínas: As lipoproteínas conjugadas
no sentido estrito, em que uma proteína encontra-se ligada covalentemente a algumas moléculas de lipídios, e as
lipoproteínas plasmáticas. Como exemplos do primeiro grupo, encontramos as lipoproteínas da parede celular de certas
bactérias que contêm moléculas de ácidos graxos unidos por ligações covalentes. Por outro lado, as lipoproteínas
plasmáticas são partículas de alto peso molecular, formadas por inúmeras moléculas de lipídios e algumas poucas
moléculas de proteína, associadas por ligações não-covalentes. Elas atuam no transporte de lipídios pelo sangue.

7 ALTERAÇÕES ESTRUTURAIS DAS PROTEÍNAS

Independentemente da função que desempenhe no organismo, uma proteína tem uma estrutura espacial e
conformação muito específicas para que possa exercer sua função. À essa estrutura e arranjo espaciais denominamos
estrutura ou arranjo nativo.
Quando uma proteína é sintetizada na célula, sua estrutura primária dobra-se espontaneamente, originando as
estruturas secundária e terciária Se a estrutura em questão possuir estrutura quaternária, esta também se organiza
espontaneamente, assim que a estrutura terciária das subunidades componentes é formada. A proteína assume sua
conformação nativa Esta é a conformação mais estável que a molécula pode assumir naquelas condições e reflete um
equilíbrio delicado entre as interações ocorridas no interior da molécula protéica e entre esta e seu meio ambiente.
As interações existentes no interior da própria molécula e entre esta e suas vizinhanças são interações ou ligações
do tipo não covalentes, denominadas de interações intermoleculares. Tratam-se de atrações devidas à existência de grupos
carregados (íons) ou dipolos nas moléculas (moléculas polares), ou pontes de hidrogênio (ligações hidrogênio) ou forças
de Van der Waals. Todas as interações somadas (são milhares por causa do tamanho da molécula protéica e da grande
quantidade de aminoácidos) levam à estabilização da forma nativa da molécula.
A desnaturação de uma proteína é a perda da sua forma espacial nativa, devido à ação de agentes físicos, químicos
ou biológicos. Os agentes físicos principais causadores da desnaturação de uma proteína são a temperatura e o pH. A

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Mucinas são compostos pertencentes a um grupo de glicoproteínas que são as principais constituintes do muco. Apresentam esqueleto peptídico rico em
serina, treonina e tirosina. São secretadas no estômago e apresentam a forma de gel que recobre a mucosa do estômago, protegendo-o contra a ação do
ácido clorídrico, HC, que é muito corrosivo.
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Imunoglobulinas são anticorpos.
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O interferon é uma glicoproteína produzida pelas células de todos os animais vertebrados e por alguns invertebrados e que tem como função defendê-los
de agentes externos como vírus, bactérias e células de tumores. Os interferons induzem um estado de resistência antiviral em células e tecidos não
infectados. O vírus, ao replicar-se, vai ativar o gene codificante do interferon. Após a síntese protéica, a proteína sai da célula e entra na corrente
sanguínea, até chegar às células vizinhas que ainda não foram atacadas. A proteína do interferon liga-se à membrana celular dessas células e ativa o gene
codificante de proteínas antivirais. Estas proteínas antivirais, por sua vez, vão impedir a replicação do vírus, quando este tentar replicar-se nessas células.
Os interferons são produzidos na fase inicial da infecção e constituem a primeira linha de resistência a muitas viroses.

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temperatura é uma medida da energia térmica do sistema, e essa energia está associada ao grau de vibração e
movimentação das moléculas. Quanto maior a temperatura, maior a agitação térmica das moléculas, o que pode deformar a
proteína alterando-lhe a forma espacial ativa. É por isso que se recomenda aquecer os alimentos, tais como o leite, para
matar possíveis agentes patológicos existentes. É por isso, também, que a febre preocupa tanto, porque acima de uma
determinada temperatura, as enzimas começam a desnaturar e perder sua capacidade catalítica, causando convulsões e
podendo levar à morte.
O pH também pode desnaturar porque a concentração de H+ no meio altera as cargas elétricas existentes nos
resíduos de aminoácido, alterando-lhes o perfil eletrostático e as interações entre eles. Como a estrutura espacial da
molécula depende das interações entre os arninoácidos, explica-se a mudança na forma nativa da proteína e consequente
perda da atividade.
A desnaturação pode ser reversível ou irreversível. Um exemplo de desnaturação irreversível é o que ocorre com a
albumina do ovo quando este é cozido. Quando aquecida, a albumina torna-se insolúvel. O mesmo ocorre com a caseína
do leite, quando este é acidificado por bactérias que crescem nele (fermentação do leite) e é por isso que se forma a
coalhada, alimento tão apreciado.
Retiradas as condições desnaturantes, muitas proteínas podem assumir sua conformação nativa - este processo
chama-se renaturação. A renaturação demonstra que a estrutura tridimensional de uma proteína é conseqüência de sua
estrutura primária, ou seja, é determinada, unicamente, por sua sequência de arninoácidos.

 Substituição de Aminoácidos pode Alterar a Função das Proteínas

A desnaturação, como descrito anteriormente, é o rompimento da estrutura nativa, que leva à perda da função da
proteína, Todavia, alterações menos drásticas da estrutura da proteína podem inativá-la, Uma mutação que resulte na
substituição de um aminoácido em uma posição crítica na molécula pode ter consequências danosas para o desempenho da
sua função.
O exemplo clássico é a substituição, nas cadeias beta da hemoglobina, de um resíduo de glutamato, cujo grupo
polar negativo localiza-se na superfície externa da molécula, por valina, com grupo R apoiar. As moléculas da
hemoglobina substituída, quando desoxigenadas, agregam-se devido a ligações hidrofóbicas envolvendo os grupos
apoiares da valina, Os agregados formam um precipitado fibroso que distorce as hemácias, que adquirem forma de foice -
sickle em inglês - e, por isso, a hemoglobina alterada é chamada de hemoglobina S, em contraposição à hemoglobina
normal, a hemoglobina A. Estas células deformadas obstruem os capilares, impedindo a oxigenação adequada dos tecidos;
também são mais frágeis que as normais, ocasionando anemia grave. A doença é conhecida como anemia falciforme, e
manifesta-se somente quando a mutação ocorre em homozigose: indivíduos heterozigotos são normais.

8 PURIFICAÇÃO DE PROTEÍNAS (Material Opcional)

A purificação ou o isolamento de uma proteína consiste em obtê-Ia, a partir das células onde é produzida, na forma
pura para identificação de suas estruturas e estudos posteriores. Como uma célula é um complexo organismo em que
existem, misturados, milhares de diferentes substâncias, e também devido ao fato de a proteína de interesse muitas vezes
existir em uma quantidade muito pequena, purificá-la não é tarefa das mais simples e normalmente envolve várias etapas.

 Etapas da Purificação de Proteínas – Passo 1: Liberação do Material Intracelular

A purificação de uma proteína inicia-se com a liberação da proteína do material biológico onde ela ocorre - órgãos,
tecidos ou células isoladas como hemácias, bactérias e leveduras - pelo rompimento destas estruturas, que pode ser obtido
por metodologias diversas, uma das quais denominada homogeneização mecânica.
A homogeneização mecânica em meio isotônico, por exemplo, produz o maceramento dos tecidos (ou órgãos) e a
lise das células, originando um extrato celular, constituído por pedaços de membrana plasmática, organelas (núcleos,
mitocôndrias etc.) e o citossol. Os diversos componentes celulares podem ser separados por um procedimento denominado
fracionamento celular, que consiste em centrifugar o extrato celular em velocidades progressivamente maiores.
Geralmente, quanto menor for uma estrutura, maior será a força centrífuga necessária para sedimentá-Ia; como os

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componentes celulares diferem em tamanho, eles sedimentarão em velocidades diferentes, podendo, assim, ser separados
uns dos outros. Quando a proteína desejada localiza-se apenas em uma das frações obtidas mitocôndrias, por exemplo - o
fracionamento celular propicia uma purificação inicial considerável.

 Passo 2: Separação Baseada em Propriedades Específicas

Uma vez consegui da uma preparação contendo a proteína, esta pode ser separada de outras proteínas e de outros
tipos de moléculas por métodos que se baseiam em propriedades específicas, tais como: solubilidade, tamanho, carga
elétrica e afinidade por determinados compostos. O método de purificação a ser escolhido depende da particular proteína
que se pretende isolar e, usualmente, empregam-se combinações sequenciais de diferentes métodos. Frequentemente, o
primeiro passo empregado para a separação de proteínas de extratos brutos e a precipitação por adição de sais (sulfato de
amônio, por exemplo) ou solventes orgânicos miscíveis com água - a separação, neste caso, baseia-se em diferenças de
solubilidade apresentadas pelas proteínas. Todavia, estas técnicas permitem apenas uma purificação parcial e devem ser
seguidas de outras, mais seletivas, como cromatografia e eletroforese.

 Cromatografia em Coluna

Na cromatografia em coluna, uma amostra da mistura de proteínas e aplicada no topo de uma coluna formada por
uma matriz hidratada, que pode ser constituída de diversos tipos de materiais, denominados conjuntamente resinas. A
coluna é, então, eluída (lavada) com uma solução apropriada para a separação da proteína de interesse. As diferentes
proteínas migrarão através da coluna com velocidades diferentes que dependerão do grau de interação com a matriz, o que
permite a sua separação. Os vários métodos de cromatografia em coluna disponíveis diferem quanto à matriz utilizada e
são classificados de acordo com a propriedade das proteínas que é discriminada pela matriz: tamanho (cromatografia de
exclusão), carga iônica (cromatografia de troca iônica) e especificidade de ligação (cromatografia de afinidade).

 Cromatografia de Exclusão

A cromatografia de exclusão, também chamada de


cromatografia por filtração em gel, separa moléculas que
diferem quanto ao tamanho, como acontece com as
proteínas, cuja massa molar varia de alguns milhares
(5.733 Daltons para insulina) a milhões (2.800.000 Daltons
para hemocianina, uma proteína transportadora de
oxigênio de certos invertebrados). A matriz, nesta técnica é
um gel constituído por esferas com poros de tamanho
definido. As moléculas menores do que o diâmetro dos
poros podem penetrar nas esferas, ao passo que as maiores,
não: são "excluídas". Deste modo, as moléculas menores
percorrem, ao longo de uma coluna com esse material, um
trajeto muito maior do que as moléculas maiores, que
sairão da coluna em primeiro lugar (Figura 4-14).

Figura 4-14 - Filtração em gel. Uma mistura formada por duas proteínas (A e B, bolinhas pretas e bolinhas vermelhas
maiores), com massas molares diferentes, é aplicada sobre uma coluna de gel formada por esferas porosas (polímeros
porosos). As moléculas da proteína menor podem penetrar nos poros das esferas, percorrendo a coluna mais lentamente. A
proteina maior é, então, eluída primeiramente e aparece logo nas primeiras frações, enquanto a menor elui depois.

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 Cromatografia de Troca Iônica

Tabela 4-3 – Algumas resinas utilizadas para cromatografia de troca


As resinas de troca iônica comum ente
iônica de proteínas.
utilizadas para proteínas são formadas por
celulose ligada covalentemente a grupos com Resina Grupo Ionizável
carga positiva ou negativa (Tabela 4-3 ao lado). Fosfocelulose – PO32 –
Moléculas com carga de mesmo sinal que a Carboximetilcelulose – CH2– COO–
resina são eluídas primeiramente, seguidas por Dietilaminoetilcelulose – CH2–CH2–N+ H(CH2CH3)2
moléculas com carga oposta, em uma ordem
definida pela magnitude da carga apresentada pela proteína nas condições da cromatografia. Geralmente, escolhem-se
valores de pH e de concentração salina que determinem a ligação da proteína de interesse à resina escolhida; seguem-se
alterações dessas condições que levem à eluição da proteína (Figura 4-15 a) .

 Cromatografia de Afinidade

Muitas proteínas ligam-se especifica e não-covalentemente a determinadas moléculas: enzimas, hormônios e


anticorpos ligam-se, respectivamente, a substratos, receptores ou antígenos. Tais proteínas podem ser purificadas por
cromatografia de afinidade. O princípio do método consiste em ligar a molécula pela qual a proteína tem afinidade
(ligante) a uma matriz insolúvel, sendo a mais utilizada a agarose, um polímero de açúcares encontrado em algas
vermelhas. A mistura de proteínas é passada por uma coluna preparada com esse material: a proteína de interesse fica
adsorvida a coluna, graças à interação com o ligante, e as outras proteínas passam livremente. A proteína adsorvida pode
ser eluída da coluna por adição de solução concentrada do ligante (Figura 4-15 b). Se a proteína for uma enzima, o ligante
pode ser o substrato, o produto ou o inibidor competitivo.
No caso de purificação de anticorpos, o ligante utilizado é o antígeno. O receptor de insulina, uma proteína da
superfície celular, foi isolado por cromatografia de afinidade em agarose contendo insulina covalentemente ligada A
cromatografia de afinidade tem, obviamente, um poder de resolução muito maior do que os outros métodos
cromatográficos, embora seja restrita a uma classe especial de proteínas.

Figura 4-15 – (a) Cromatografia de Troca Iônica; (b) Cromatografia de Afinidade.

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 Eletroforese

Em um mesmo pH, proteínas diferentes apresentarão cargas liquidas diferentes, o que determinará velocidades de
migração diferentes, se as proteínas forem submetidas a um campo elétrico. Este é o princípio da eletroforese. As
diferentes técnicas de eletroforese empregam, invariavelmente, um suporte sólido - como papel ou gel - que evita a mistura
das proteínas por convecção e permite utilizar pequenas quantidades de material.
A eletroforese em gel é um dos métodos mais utilizados para analisar misturas de proteínas ou outras
macromoléculas. Os géis utilizados como suporte - agarose e poliacrilamida - podem ser preparados com poros idade
variável, propiciando separação das moléculas segundo o seu tamanho, além da sua carga. Proteínas menores migram mais
depressa que as maiores, formando uma série de bandas definidas, que podem ser visualizadas por coloração específica
(Figura 4-16).

Figura 4-16 – Eletroforese em gel. As amostras são colocadas em pequenas depressões (poços) formadas na parte superior
do gel, contido entre placas de plástico e imerso em tampão. (a) O aparato é submetido a um campo elétrico e as proteínas
migram, formando bandas: quanto menor a massa molar da proteína, maior a distância migrada. Em (b), o resultado
obtido, após revelação das bandas formadas no gel por coloração específica para proteínas. Nesta eletroforese, foram
utilizadas amostras contendo diferentes misturas de proteínas.

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