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Princípios de Ecologia Humana:


ecologia, sociedade e saúde

Fernando Dias de Avila-Pires

2ª edição

Todos os direitos reservados.


Em conformidade com o movimento OPEN ACCESS é permitida cópia.
Venda proibida.

Florianópolis
2020
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À Adriana
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SUMÁRIO

Apresentação da primeira edição .................................................................................... 7


Prefácio da primeira edição ............................................................................................... 8
Agradecimentos da primeira edição ........................................................................... 10
Advertência da segunda edição .................................................................................... 11
Agradecimentos da segunda edição ........................................................................... 13
À guisa de prefácio: do que se trata .......................................................................... 14
Introdução ............................................................................................................................... 19

Capítulo I: Fatores do meio físico e biótico ................................................ 22


1.1 A economia da natureza.............................................................................. 22
1.2 O homem e a biosfera ................................................................................. 35
1.3 O homem e a fauna: zoonoses................................................................. 44
1.4 O meio interior ................................................................................................ 51
1.5 Estratégia da diversidade ............................................................................ 58

Capítulo II: Ecologia humana: primórdios e origens ................................. 64


2.1 Geografia, clima e saúde ............................................................................. 64
2.2 Da geografia médica à medicina tropical ............................................ 69
2.3 Biogeografia e patogeografia .................................................................. 76
2.3.1 Disseminação e dispersão .......................................................... 78
2.3.2 Colonização ...................................................................................... 83
2.3.3 Barreiras.............................................................................................. 88

Capítulo III: Ecologia, infecção e doença ..................................................... 91


3.1 A estrutura das comunidades.................................................................... 98
3.2 Focos e demes ............................................................................................... 106
3.3 Epidemiologia e ecologia .......................................................................... 108
6

Capítulo IV: As particularidades da ecologia humana ............................ 116


4.1 O complexo tema da cultura ................................................................... 116
4.2 Evolução, ecologia e cultura .................................................................... 125
4.3 Sociedade e cultura ..................................................................................... 126
4.4 Ecologia humana saúde ............................................................................. 128
4.5 Taxonomia e ecologia humana............................................................... 130
4.6 Referenciais taxonômico e ecológico................................................... 139
4.6.1 Condições primitivas................................................................... 143
4.6.2 Condições rurais ........................................................................... 151
4.6.3 Condições urbanas ...................................................................... 155
4.6.4 Condições marginais .................................................................. 166

Capítulo V: Ecologia no Brasil ...................................................................... 172


5.1 A contribuição brasileira ............................................................................ 172
5.2 Ecologia do controle biológico............................................................... 177
5.3 Ecologia médica no Brasil ......................................................................... 179

Capítulo VI: Finalizando ................................................................................. 202


Perspectivas e advertência dos acontecimentos .................................... 202
Conclusão ................................................................................................................. 206
Referências bibliográficas .................................................................................. 214
Ilustrações ................................................................................................................ 234
Condições primitivas.............................................................................. 234
Condições rurais ...................................................................................... 238
Condições urbanas ................................................................................. 240
Condições marginais.............................................................................. 242
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APRESENTAÇÃO DA PRIMEIRA EDIÇÃO

Tão logo soube da existência dos originais de Princípios de Ecologia


Humana, pedi ao Dr. Fernando que o publicasse. A primeira ideia foi a de
colocá-lo em partes, numa sequência de artigos nos Arquivos de Medicina
Preventiva, periódico que organizei com meus companheiros do Departamento
de Medicina Preventiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Depois a
referida ideia foi evoluindo no sentido de um número especial da revista e,
finalmente, publicação em forma de livro, o que me pareceu mais apropriado.
A folha científica pessoal de Avila-Pires é impraticável de esmiuçar no
início do livro, pelo tamanho e complexidade enormes. Mas alguns de seus
marcos mais pertinentes posso mostrar ao leitor: atual Professor titular de
Zoologia da UFRGS, atividade que exerceu como adjunto na UFRJ, o autor foi
um dos pesquisadores do Museu Nacional, no Rio de Janeiro; justamente nesse
período, esteve sempre ligado aos investigadores de grande vulto do Instituto
Oswaldo Cruz – Manguinhos – com os quais desenvolveu intensa troca de
contribuições, até formar uma escola de pensamento que não aceita os limites
artificiais impostos pela sistematização rígida de disciplinas. Em sua trajetória
brilhante, Avila-Pires – membro da Academia Brasileira de Ciências – foi
consultor da OMS para problemas de saúde pública e teve livro de Ecologia
Médica editado no México.
Porém, é no dia-a-dia do laboratório, das aulas de fala simples e das
orientações descontraídas dos pós-graduandos que esse homem de ciência vem
erguendo uma obra indelével no preparo dos pensadores de hoje e de amanhã.
Não é necessário explicar o mundo de portas que este trabalho abre à
pesquisa, não só de ecologia, mas de medicina preventiva, além de
antropologia social, sociologia, etc. Bastará ao leitor examinar os títulos dos
capítulos para sentir a necessidade de ler e meditar sobre o conteúdo do livro.
Para meu grupo multidisciplinar ligado ao ensino e à pesquisa da saúde
pública e da medicina preventiva, Princípios de Ecologia Humana trouxe pronto
o programa de trabalho e seu necessário respaldo filosófico, pelo que o
apresento com segurança e reconhecimento.
Ernesto de Freitas Xavier Filho
Professor Regente de Medicina Preventiva
Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina - UFRGS
8

PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO

Empreendi pois a execução deste plano e,


depois de empregadas nele as minhas horas de
descanso, saiu ultimamente este pequeno sinal
do meu zelo e não do meu Instituto.
Alexandre Rodrigues Ferreira (1791)

Este volume reúne cinco capítulos sobre temas atuais de ecologia


humana, analisados do ponto de vista de um ecólogo. Destinado a
estudantes de pós-graduação, pode ser, também, utilizado em cursos de
graduação, desde que complementado com um texto fundamental que
introduza e clarifique definições, princípios e conceitos ecológicos.
As relações do homem com o ambiente físico e biótico que o cercam
são, ainda, mal compreendidas. A ecologia é um ramo relativamente novo
da biologia e a generalidade de seus princípios e leis está por ser
demonstrada. Por sua vez, a antropologia cultural e a sociologia, que se
preocupam com certos aspectos da ecologia humana, utilizam metodologia
própria e terminologia específica e particular, dificultando a comparação de
seus conceitos com os dos ecólogos. Daí minha decisão de incluir um
capítulo sobre o tema, onde procuro analisar a evolução e o papel da
cultura dentro de um contexto ecológico.
No primeiro capítulo são abordados certos aspectos fundamentais das
relações dos organismos com o ambiente biótico e abiótico, que servem de
introdução ao pensamento ecológico.
"Ecologia, infecção e doença" reúne os conceitos aplicados ao estudo
de surtos epidêmicos e à transmissão de enfermidades infecciosas e
parasitárias. Os princípios ecológicos são estendidos às comunidades de
microrganismos endógenos: parasitos, comensais e simbiontes.
No estudo da geografia médica, os princípios da biogeografia clássica
são aplicados ao estudo das zoonoses, doenças transmissíveis que afetam o
homem e outras vertebrados. Esses princípios são estendidos à distribuição
de microrganismos no corpo de seus hospedeiros.
O quarto capítulo trata da história da ecologia médica no Brasil, que
deixa evidente o absurdo da divisão da ciência e da pesquisa em pura e
aplicada, mesmo quando as intenções de quem a faz sejam puras.
9

No quinto capítulo, a colonização é analisada em termos ecológicos e


o impacto do homem sobre a fauna e a flora nativas é discutido.
O panorama sanitário constitui um dos indicadores mais valiosos para
o biólogo e revela o grau de integração harmônica que se estabelece nas
áreas geográficas recém-ocupadas. O bem-estar das comunidades depende,
em última análise, do tipo de equilíbrio que se estabelece entre as
populações humanas e o ambiente físico o biótico. Saúde e doença não
constituem estados definidos ou entidades individualizadas.
A ecologia apenas começa a dar seus primeiros frutos e a apontar
caminhos os, reformulando velhos conceitos empíricos. Sua influência,
contudo, já se faz sentir em muitas áreas do conhecimento humano.

Porto Alegre, 1983.


10

AGRADECIMENTOS DA PRIMEIRA EDIÇÃO

As primeiras notas para este volume e, em especial, para o último


capítulo, foram escritas em 1969, após um período de consultoria prestada à
Organização Panamericana de Saúde, no Peru. Pouco depois, de volta a
Lima, tive a oportunidade de discutir o tema com Fortunato Vargas Tentori,
que, sem o saber, contribuiu para que eu me interessasse em desenvolver as
ideias embrionárias do primeiro rascunho.
Ao mestre e amigo Luiz Emygdio de Mello Filho agradeço a sugestão
de escrevê-las em forma definitiva para concorrer, em 1978, ao Prêmio IPES,
patrocinado pela Fundação Getúlio Vargas, tendo obtido Menção Honrosa.
A José Rodrigues Coura e Lea Camilo-Coura sou grato pela leitura do
manuscrito e pelas referências favoráveis, que me animaram a completá-lo.
E, também, pela amizade e incentivo constantes.
Mário Beaurepaire Aragão e Henrique Pimenta Veloso forneceram-me
informações de primeira mão sobre a história da ecologia médica no Brasil,
especialmente sobre fatos de que participaram.
Marta Fabián, Flávia Joni, Katharina Esteves e Alan Jensen
participaram, como alunos, do curso sobre Ecologia Humana que ministrei
na UNICAMP em 1979, do qual resultaram os conceitos resumidos no
capítulo primeiro, sob o título de Ecologia Cultural.
Rita Maria Feeburg, da UFRGS, reviu a redação. Evidentemente, não
cabe responsabilidade a nenhum deles pelas ideias expressas ou pela forma
com que estão conceituadas nesta obra, mas muito lhes devo por sugestões
diretas ou subliminares que recebi.
Finalmente, ao CNPQ sou grato pelo apoio constante, sem o qual não
poderia ter-me dedicado à pesquisa.
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ADVERTÊNCIA DA SEGUNDA EDIÇÃO

Hesitei muito entre reeditar os Princípios de Ecologia Humana,


publicado em 1983 ou escrever um novo livro. Aquele texto, há muito
esgotado, continua a ser utilizado em cursos de diferentes áreas do
conhecimento, das ciências naturais às ciências humanas, malgrado os
avanços consideráveis ocorridos nesse período. A atualização da bibliografia,
frente ao enorme volume de publicações surgidas nesse intervalo, exigiria
um novo livro. Decidi-me pela solução intermediária. Esta edição, sob
diferente título, foi consideravelmente modificada, com a inclusão de novos
capítulos, revisão dos que resolvi manter. Incluí referências bibliográficas no
texto, algumas longas, no estilo dos artigos científicos para estimular a
leitura dos trabalhos originais, hoje facilmente encontrados na internet.
Entretanto, não incluí a enorme quantidade de trabalhos sobre ecologia
humana surgidos nos últimos 35 anos e as informações então vigentes sobre
estrutura e população do Brasil foram mantidos como eram na época. O
meu objetivo foi o de oferecer uma introdução ao tema da ecologia
humana e não um tratado atual da área.
A ecologia humana evoluiu consideravelmente, em termos de escopo
e de métodos durante os últimos trinta anos. Em Fundamentos Históricos da
Ecologia (Holos, Ribeirão Preto, 1999) tive oportunidade de descrever o
desenvolvimento históricos dos conceitos da ecologia e, em particular, da
ecologia humana, utilizando textos originais. Muitas das observações aqui
resumidas sobre determinismo climático/ecológico foram desenvolvidas
naquela obra, com mais detalhes.
A partir de 1992 passei a lecionar um curso anual de 30 horas no
International Masters Programme in Human Ecology da Universidade Livre
de Bruxelas (VUB), tendo tido a oportunidade de conviver com professores e,
principalmente, estudantes de diversos países, de formações acadêmicas
diversas e de todos os continentes. Esse programa foi descontinuado em
2005.
No Brasil, participei de vários programas de pós-graduação,
dedicando-me aos problemas de ecologia da saúde ou ecologia médica, que
analisei em muitos artigos, capítulos de livros e em Princípios de Ecologia
12

Médica (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2000).


Márcia Grisotti, da Universidade Federal de Santa Catarina estabeleceu
um Núcleo de Ecologia Humana no Departamento de Sociologia e Ciência
Política. Ex-alunos de cursos que ministramos integraram o Núcleo. Esta foi
outra razão para que eu me decidisse a reeditar estes Princípios de Ecologia
Humana.
Espero que esta nova versão tenha a mesma aceitação da primeira
edição.
Florianópolis, 2020.
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AGRADECIMENTOS DA SEGUNDA EDIÇÃO

Adriana, companheira, crítica, colaboradora no preparo da Ecologia


Médica na Lagoa da Conceição e em toda uma vida.
José Rodrigues Coura que, em 1970 convidou-me a lecionar uma
disciplina de Ecologia Médica no Programa de pós-graduação em Doenças
Infecciosas Parasitárias no Pavilhão Carlos Chagas da Universidade Federal
do Rio de Janeiro e que me proporcionou a oportunidade de desenvolver,
junto com mestrandos e doutorandos, conceitos básicos de Ecologia
Humana.
Felipe A.P.L. Costa incentivou-me a rever o livro, tarefa
constantemente adiada.
Sou grato aos colegas e alunos com quem convivi, discuti e trabalhei
durante todo estes anos, em várias instituições no Brasil e no exterior.
Continuo grato a aqueles a quem agradeci na primeira edição, por
terem contribuído para que eu pudesse, agora, publicar a segunda.
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À GUISA DE PREFÁCIO: DO QUE SE TRATA

H[Herbert] G[George] Wells, um dos pioneiros da novela de ficção


científica, definiu os motivos que levam alguém a abraçar a atividade de
pesquisador profissional: A motivação que levará à conquista do câncer não será a
piedade nem o horror: será a curiosidade de saber como e por quê.
Segundo Poincaré, o cientista não estuda a natureza pela utilidade de
suas descobertas, mas por sua beleza e pelo prazer que isso lhe traz.
Engana-se quem pensa que a dedicação à pesquisa científica embota
o sentimento do belo e substitui a prazer de apreciar pela frieza da análise.
O conhecimento da natureza íntima dos fenômenos revela facetas
extraordinárias, onde o leigo enxerga, apenas, o aspecto exterior. Uma
viagem pelo cerrado tem significação diversa para quem vê a vegetação
seca, retorcida, uniforme e monótona, e para a ecólogo que, nele, vê toda a
trama de um bioma variado e complexo, de características próprias e de
origem discutida. E a especialização, ao contrário do que se afirma, não
reduz a visão do mundo, mas sim permite enxergar o universo.
Se, no nível individual, os pesquisadores são curiosos profissionais,
repousa em suas mãos, corno integrantes de uma comunidade internacional,
uma enorme responsabilidade social, pois as leis e hipóteses que propõem
permitem-lhes enxergar além dos fatos cotidianos. O conhecimento do
passado e a previsão do futuro deixam de pertencer ao mundo fantástico de
profetas e cartomantes quando temperados pela metodologia rígida,
despida de emoção e personalismo do pesquisador científico. A finalidade mais
elevada da Ecologia é a predição, afirma o ecólogo planetário da novela Dune
(Herbert, 1969). A atuação do ecólogo na sociedade moderna tem sido
marcada por atitudes polêmicas e contraditórias. O pequeno número de
profissionais e a grande quantidade de amadores e curiosos que assim se
intitulam, aliados ao reduzido corpo de princípios e conhecimentos
imediatamente aplicáveis aos problemas diários e convencionais são alguns
dos fatores responsáveis pela aura de emotividade e, mesmo, de suspeita
que cerca a ecologia, confundida com ecologismo. Um paralelo interessante
e revelador pode ser traçado entre esta ciência, no período que vai de 1960
a 1980, e a antropologia social britânica, no início do século 20. Naquela
15

época, tentavam os antropólogos desvendar os princípios fundamentais de


sua disciplina e conquistar, simultaneamente, reconhecimento público, lugar
na comunidade acadêmica e a atenção das autoridades governamentais, o
que lhes garantiria prestígio e recursos para trabalhar. Segundo Kupper
(1978), a antropologia britânica tentou demonstrar sua utilidade para a
administração colonial. As razões são óbvias. Os governos e as colônias
ofereciam melhores perspectivas de apoio financeiro, sobretudo nas décadas
anteriores ao reconhecimento da disciplina pelas universidades. De fato, já
em 1908, ao tomar posse no Departamento de Antropologia, em Liverpool,
Frazer (segundo Kupper) prevenia que não deveriam esperar que o
antropólogo fosse seu cúmplice. Ele não é vidente ou profeta nem tem
soluções mágicas e imediatas para todos os males da civilização.
Na tentativa de obter recursos financeiros para pesquisas básicas,
aproveitaram-se os antropólogos da crise política e social que se avizinhava,
anunciada pelas agitações populares nas colônias africanas e asiáticas.
Cientistas treinados e amadores bem intencionados afirmavam dispor de
fórmulas mágicas capazes de resolver todos os problemas. Os projetos
formulados, entretanto, revelaram-se inadequados e não forneceram
respostas rápidas e adequadas para a solução das crises sucessivas. As
teorias evolucionistas e difusionistas, em voga na antropologia da época
dificilmente poderiam gerar diretrizes necessárias para a ação do dia-a-dia
dos administradores coloniais que, por sua vez, julgavam-se conhecedores
profundos de suas áreas e das sociedades que procuravam controlar. Por
essa época, programaram-se cursos rápidos para treinamento de
funcionários civis que se destinavam ao serviço colonial e que trouxeram, a
prazo longo, resultados compensadores. Alguns antropólogos foram, por sua
vez, contratados como consultores e enviados ao campo, mas em poucas
ocasiões eram consultados e raramente suas opiniões foram acatadas.
A política de desenvolvimento social e econômico, adotada após 1930
ofereceu maiores oportunidades de trabalho, mas a ação dos antropólogos
foi sempre limitada, mesmo após a criação de um departamento de
antropologia na London School of Economics. As críticas à sua atuação eram
candentes, como as de Sir Phillip Mitchell (segundo Kupper) que mostrava a
16

incapacidade dos estudos minuciosos de obscuras práticas tribais para


solução dos problemas do dia-a-dia do governo.
A solução foi um acordo em que o antropólogo agia como consultor
e o administrador utilizaria o que lhe aprouvesse.
Por sua vez, têm os ecólogos uma tarefa que ultrapassa as fronteiras
dos interesses individuais e de suas especialidades profissionais, qual seja a
de sintetizar dados e informações, colhidos em diferentes áreas de maneira a
poder analisar a estrutura e funcionamento dos ecossistemas naturais e
planejar novos ecossistemas viáveis que garantam a continuidade das
condições necessárias à existência da espécie humana, com aceitável grau de
qualidade de vida.
Em 1974 realizou-se, em Haia, o 1º Congresso Internacional de
Ecologia, quase dois milênios e meio depois de Hipócrates propor algumas
protoideias que seriam utilizadas na Ecologia Médica. Das centenas de
contribuições individuais, de um milhar de participantes daquele Congresso
emergiu uma nova filosofia de trabalho e cristalizou-se a moderna visão
integrada do Universo. O homem, finalmente, ganhou consciência de sua
posição e do papel que desempenha na biosfera e compreendeu a sua
responsabilidade para com sua própria espécie e para com a natureza que o
cerca. Se utilizou, ou não, essa nova visão é outra coisa.
Nos últimos cem anos o homem adquiriu o poder de influir
decisivamente na constituição e equilíbrio dos biomas, de alterar os padrões
de distribuição geográfica de animais, plantas e micro-organismos e de
alterar os ritmos naturais da biosfera. Erosão, poluição e extinção de
espécies animais e vegetais constituem eventos ou processos naturais: sua
aceleração e desorganização como subproduto da atividade humana
descontrolada é o que compromete a estabilidade dos sistemas ecológicos e
dos ciclos naturais.
A colonização tem-se revelado um processo desordenado de
desagregação de ambientes e a imposição de modelos de desenvolvimento,
que não levam em conta as peculiaridades regionais e as vocações
ecológicas e falha que na tentativa de criar novos sistemas estáveis.
A agricultura itinerante, o desflorestamento irracional e o
reflorestamento empírico contribuem para a desorganização dos sistemas
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naturais e provocam reações em cadeia cujos efeitos serão sentidos à


distância, no tempo e no espaço.
As levas de retirantes que deixam o interior, atraídos pelas facilidades
da civilização industrial urbana, ou que colonizam novas áreas, cujo acesso
vem sendo oferecido pela construção de rodovias pioneiras, são
responsáveis pela expansão das áreas de distribuição geográfica das grandes
endemias, em especial de zoonoses.
Os desequilíbrios ecológicos traduzem-se em problemas sanitários,
uma vez que a saúde resulta de um equilíbrio homeostático entre um
organismo e o meio físico e biótico em que normalmente vive.
Somente a tecnologia baseada em conhecimentos avançados de ecologia
pode criar sistemas artificiais viáveis.
Nas comunidades pobres, os índices de qualidade e expectativa de
vida são muito baixos. Saúde, educação e integração social não atingem os
padrões mínimos aceitáveis e os dados estatísticos disponíveis para sua
avaliação correta são falhos.
Em alguns casos, programas específicos de melhoramento ambiental,
que visam à correção de situações problemáticas provocadas pela
colonização empírica, dão bons resultados. Em outros, somente a elevação
das condições socioeconômicas trazem a solução. Assim, Schad e Rozeboom
(1976) afirmam que a melhoria das condições de saúde decorrem da
elevação dos padrões socioeconômicos, mas somente a atenção direta a
esses problemas, o amparo à pesquisa e aos programas sanitários
dimensionados e projetados racionalmente poderão trazer resultados
duradouros.
Quando se escrever a história da ecologia moderna, um capítulo
especial será dedicado à região amazônica. Primitivamente, seu povoamento
foi esparso e intermitente. Os biótopos ocupados pelo homem
encontravam-se isolados por extensas áreas virgens, que funcionavam, com
efeito-tampão, limitando o curso das pragas agrícolas e das zoonoses a
incidentes de repercussão local. A destruição da cobertura vegetal, além dos
problemas que acarreta ao solo superficial, exposto à erosão pelas chuvas
diluviais, interliga as ilhas de povoamento e permite livre curso a
18

hospedeiros, vetores e pragas, que afetam o panorama sanitário do homem,


do gado e das culturas.
A ocupação territorial deve constituir um processo integrado que
garanta as condições mínimas de qualidade de vida e de equilíbrio
ambiental. Tanto é inaceitável o conservadorismo poético como o
desenvolvimento imediatista.
A tarefa que nos cabe a todos não é simples, mas, em longo prazo,
compensadora. Se a meta do desenvolvimento é o homem, não há por que
sacrificá-lo no processo.
19

INTRODUÇÃO

A Ecologia, como disciplina, tornou-se independente no século 20,


com a fundação de associações acadêmicas, publicação de periódicos
especializados e a realização de congressos internacionais.
Nem sempre é fácil reconhecermos o germe de uma antiga ideia que
evoluiu para uma teoria moderna. Qual a contribuição de Linnaeus e de
Darwin à ecologia atual? E a de Haeckel que propôs o nome ecologia para
que se denominava economia da natureza, mas que não a desenvolveu?
Que repercussão teve a nova disciplina no pensamento de autores
brasileiros do século 19? Por que os historiadores da ecologia não
mencionam os trabalhos de Pasteur e de Claude Bernard?
O conceito de ecossistema constitui a pedra fundamental da ecologia.
Este modelo só foi possível depois que se esclareceu o papel da fotossíntese
na síntese dos compostos orgânicos e o dos micro-organismos em sua
degradação, constituindo uma teia de relações que permitem a transferência
de energia e a circulação de nutrientes ao longo da cadeia trófica.
Questões que preocuparam naturalistas e filósofos foram
fundamentais para o nascimento da ecologia como o vitalismo, a geração
espontânea, a química do carbono (antiga química orgânica) e o conceito de
unidade biológica, nascido da teoria celular. Finalmente, o nascimento da
biologia, no início do século 19.
Na Origem das espécies, Charles Darwin chamou a atenção para o
fato de que a abundância de vespas que polinizam o trevo vermelho, na
Inglaterra, tinha relação com a população de roedores que destruíam seus
ninhos. Lembrou que roedores, como todos sabem, são controlados pelos
gatos que vivem nas vizinhanças. Um crítico de Darwin concluiu que se
poderia concluir que a produção do trevo dependeria do número de
senhoras idosas habitando a região, uma vez que havia uma correlação
entre o número de gatos e o de senhoras que os criavam.
Essas correlações ingênuas dariam lugar, no século 20, à teoria das
pirâmides tróficas de Charles Elton.
Existe uma confusão em torno do conceito de ecossistema, proposto
por Tansley (1945). O que observamos a nosso entorno são comunidades
20

bióticas, constituídas por populações de diferentes espécies, animais,


vegetais, microbianas, interagindo. Um ecossistema é um sistema virtual de
transferência de energia nas comunidades bióticas, que se caracteriza pela
reciclagem de nutrientes. Este sistema aberto mantém-se em equilíbrio
dinâmico graças ao processo de fixação de energia solar pelas plantas
verdes, através de fotossíntese e de sua transferência através dos níveis
tróficos sucessivos.
Para se chegar ao conceito enunciado claramente por Claude Bernard
em 1878-1879 e finalmente estabelecido, em detalhe em 1935 por Tansley,
certas descobertas em diferentes áreas do conhecimento foram necessárias,
assim como a proposição de novas teorias.
Conhecimentos detalhados sobre nutrição vegetal dependeram da
compreensão do processo de fixação de energia solar e sua transformação
em energia química, o que ocorreu ao longo dos séculos 17-18. François
Delaporte, em seu livro sobre a história da fisiologia vegetal mostra como
ela adotou como modelo a fisiologia animal, ao considerar como análoga a
circulação da seiva à do sangue. No caso da ecologia ocorreu o inverso. A
ecologia vegetal, originária da descrição e classificação das formações e
sinúsias veio a servir de modelo à ecologia animal.
Na Europa do século 18 ainda não existia a concepção de uma
organização geral dos seres vivos e nem mesmo o próprio conceito de vida,
como resultante da organização da matéria.
No início do século 19 Lavoisier, um dos fundadores da química
moderna, contribuiu para a futura ciência da biologia ao estabelecer relações
entre o oxigênio absorvido na respiração, a oxigenação do sangue e a
queima dos elementos nutritivos resultantes da digestão. Demonstrou, além
disso, a identidade da natureza dos elementos e compostos inorgânicos e
orgânicos, que se supunha, até então, essencialmente distintos. A
organização dos seres vivos foi reconhecida e Vicq D’Azyr admitiu que não
existem senão dois reinos na natureza, um deles caracterizado pela vida e
outro inerte. Caberia a Wöhler realizar a primeira síntese de um composto
orgânico e a seu discípulo, Liebig estabelecer os fundamentos da química
agrícola e comprovar a síntese da matéria orgânica pelos vegetais a partir de
elementos minerais do solo e da fotossíntese.
21

O outro processo necessário para concepção da reciclagem era o de


degradação da matéria orgânica, após a morte. Coube a Louis Pasteur fazê-
lo, quando negou a geração espontânea e demonstrou a natureza orgânica
dos processos de fermentação e de putrefação.
Lamarck, em 1809, foi o primeiro a formular uma teoria da evolução
orgânica que atribuiu à ação direta dos fatores abióticos do meio ambiente
e da herança das alterações fenotípicas adquiridas. Darwin, por sua vez,
fundou sua teoria na seleção natural, onde predominariam fatores bióticos
tais como a adaptação, competição e a cooperação entre organismos. Estas
foram as diretrizes que marcaram o desenvolvimento da ecologia,
classicamente definida como o estudo das relações dos organismos com o
meio físico e com o meio biótico.
A ecologia humana deriva da integração de conhecimentos das
ciências naturais e das ciências humanas como a geografia, antropologia,
medicina e da sociologia. É sabido que o desenvolvimento socioeconômico e
tecnológico tende a provocar alterações rápidas e radicais na biosfera, com
repercussões sobre a saúde humana. Assim, ecologia humana e saúde
constituem uma área de conhecimento de grande importância e elevada
complexidade, o que este livro pretende explorar.
22

CAPÍTULO I
FATORES DO MEIO FÍSICO E BIÓTICO

O Desenvolvimento é um processo global e


não exclusivamente econômico, a despeito da
opinião dos economistas.
Gunnar Myrdal

1.1. A ECONOMIA DA NATUREZA


O século 16 assistiu ao nascimento da ciência, definida como
conhecimento cumulativo, lógico e ordenado de fenômenos naturais que se
repetem regularmente. Esse conhecimento pode ser adquirido e testado
através da observação, experimentação, indução e dedução, que permitem o
estabelecimento de hipóteses, princípios gerais e leis. Ciência não é acúmulo
de dados: é a análise e explicação coerente e verificável das regularidades
nos fenômenos naturais. Mas nem todos os fenômenos permitem a
reprodução em laboratório para serem testados, como na cosmologia e
paleontologia. No caso da epidemiologia, não podemos submeter uma
população a experimentos, por razões éticas, para demonstrar que a
explicação proposta se confirma.
Fenômenos que aparecem uma só vez não podem ter as explicações
testadas.
Durante o Renascimento dos séculos 12-13 a Europa teve acesso ao
conhecimento clássico antigo através da tradução latina dos textos gregos
feitas pelos árabes. Nesse período ressurgiram os núcleos urbanos e
surgiram a arquitetura gótica e as universidades (Brooke, 1969; Wolff, 1971).
Ao mesmo tempo em que as ciências da natureza progrediam,
surgiram ideias fundamentais no campo das chamadas ciências exatas que
influenciaram profundamente a evolução da futura biologia. O progresso da
técnica e da fabricação de instrumentos teve tanta importância para o
desenvolvimento da pesquisa e ensino das ciências biológicas quanto as
novas ideias.
A descoberta do Novo Mundo no século 16 revolucionou o
conhecimento geográfico e biológico e exigiu uma reforma na taxonomia
primitiva dos Bestiários.
23

Na Bula Veritas Ipsa de 1537 o Papa Paulo III Considera os índios seres
racionais, capazes de se salvarem e livres por natureza. Foi o primeiro passo para
definir a posição do homem na escala zoológica, defendida por Thomas
Huxley (1863; 1896) e que seria definida por Linnaeus no Systema Naturae
de 1735. Com eles o homem desceu do paraíso para os livros de história
natural.
Os três reinos da natureza eram, naquela época considerados como
criações independentes de uma entidade divina, e naturalmente distintos em
sua essência. Com a invenção do microscópio, abriu-se um mundo novo e
foi possível investigar a intimidade de numerosos processos e fenômenos
até então mal conhecidos ou ignorados.
A tendência mais característica do desenvolvimento científico no
século 17 foi marcada pelo progresso das ciências exatas. O matemático
René Descartes defendeu a ideia de que toda a filosofia derivava do seu
Método Racional, que buscava o conhecimento verdadeiro nas ciências. A
noção da separação do corpo e a alma permitiu a investigação objetiva da
natureza e do homem, sem ofender demasiadamente a visão cristã do
mundo. Como resultante, romperam-se os limites artificiais que distinguiam
os fenômenos bióticos dos abióticos. O mecanicismo de Descartes, Galileu e
Leibnitz conduziu, inesperadamente, à revolução nas ciências morfológicas e
fisiológicas e abriu caminho para a evolução da farmacologia química do
século 19. Seus seguidores esforçaram-se por avaliar quantitativamente os
fenômenos biológicos, aplicando-lhes os métodos e princípios da física e da
mecânica, já bastante avançados. No século 17 Santorius construiu uma
balança fisiológica para medir a perspiração insensível, além de
termômetros, esfigmômetros e higrômetros fisiológicos. Estatísticas vitais
passaram a ser computadas na Inglaterra antes do Renascimento e, após o
século 18 foram interpretadas e analisadas com vistas à adoção de medidas
preventivas de epidemias e catástrofes, se bem que muitas vezes de maneira
imprópria.
Castiglioni (1947) considera Jean Baptiste van Helmont como o
fundador da iatroquímica, onde tentou reconciliar a farmacologia
embrionária com as teorias vitalistas em voga na época. Nascido em
Bruxelas, estudou medicina e química. Posteriormente, desencantado com a
24

clínica, tornou-se padre capuchinho. Dentre os problemas que então


desafiavam a curiosidade dos naturalistas estava o do crescimento das
plantas. Van Helmont tentou resolvê-lo plantando uma muda de salgueiro,
com cinco libras de peso (2,2 kg) em um barril que continha 200 libras
(cerca de 90,7 kg) de terra. Durante cinco anos van Helmont regou sua
árvore com água pura de chuva. Decorrido este prazo pesou a planta, que
alcançara nove libras e três onças (74,3 kg); pesou a terra do barril e
encontrou dois onças (56,7 g) a menos. Daí deduziu que a água
transformara-se em ramos e folhas e representara o único alimento da
planta.
Caberia a Lavoisier encontrar o erro na explicação singela para o
problema de van Helmont.
Até meados do século acreditou-se que tanto o ar atmosférico quanto
a água eram substâncias simples e elementares, concepção essa herdada
dos filósofos da antiguidade clássica, tanto do ocidente como do oriente.
Entre 1770 e 1778, Priestley realizou, na Inglaterra, diversos experimentos
decisivos e conseguiu estimar, com bastante aproximação, a composição
qualitativa e quantitativa da água. Verificou, ainda, que as plantas verdes
têm a capacidade de tornar novamente respirável o ar expirado. Na mesma
época, trabalhando independentemente, Priestley e Scheele dedicaram-se ao
estudo do ar atmosférico. Ambos conseguiram isolar o oxigênio, Priestley
isolou o hidrogênio, que denominou ar inflamável, e Scheele isolou o
nitrogênio, então denominado azoto, isto é, ar irrespirável, incapaz de permitir a
vida. Priestley descobrira que as plantas verdes, quando imersas em água,
eliminam oxigênio, fluido vital, indispensável à vida animal e vegetal. Na
França, Lavoisier, seu contemporâneo, estudou as variações quantitativas que
se verificam durante o processo da respiração pulmonar e concluiu que o
gás carbônico e a água constituiriam os produtos normais resultantes desse
processo fisiológico.
Em 1779, lngenhousz, engenheiro holandês radicado em Londres,
publicou uma obra cujo título sugeria a ideia, hoje tão popular quanto
errônea de que as plantas, à luz do dia purificam o ar e o poluem à noite,
ou à sombra. Ingenhousz demonstrou que as partes verdes dos vegetais,
quando expostas à luz solar, fixam o gás carbônico livre do ar, enquanto
25

que, no escuro, eliminam certa quantidade deste gás. E que, somente em


presença da luz, liberam oxigênio. Daí a recomendação para que não se
mantenha plantas no quarto de dormir.
Passaram-se várias décadas antes que se descobrissem as relações
entre fotossíntese e respiração. Na verdade, a respiração processa-se
ininterruptamente, na luz ou na sombra, com a eliminação de gás carbônico,
enquanto que, em presença da luz, a fotossíntese mascara o fenômeno.
Pelletier e Caventou, em 1818 denominaram clorofila a substância
verde que se podia extrair das folhas dos vegetais com o auxílio do álcool.
Foi um francês, Dutrochet, quem estudou em maior detalhe o processo da
fotossíntese e, em 1832, descreveu o papel dos estômatos das folhas. Em
1837 demonstrou que somente as células que contêm clorofila são capazes
de absorver o gás carbônico.
Lavoisier provara que a respiração é um fenômeno de oxidação e que
o calor animal não difere, em essência, daquele que é gerado por reações e
processos abióticos ou inorgânicos. Descartes, Copérnico, Leibnitz e Galileu
completaram a revolução nos conceitos básicos que vieram permitir o
desenvolvimento de uma nova era científica, com a concepção
contemporânea do universo, o método cartesiano, a mecânica racional e a
química moderna, despida do mistério e do empirismo e segredo que
caracterizaram a alquimia. Mostraram, finalmente, que o conhecimento
deveria ser buscado na observação e na experiência e não nos textos
bíblicos.
Na época em que Schwann dedicava-se aos estudos que o levariam a
propor, em 1839, a teoria celular - a primeira grande generalização da
biologia - um químico alemão, Friedrich Wöhler vibrava um golpe decisivo
nas ideias vitalistas. Em 1824, quando aquecia uma solução de cianato de
amônia, observou a formação de cristais alongados como agulhas, e de cor
branca. Wöhler estudara medicina no início de sua carreira e, certa vez,
competira por um prêmio com um ensaio sobre a composição da urina.
Reconheceu os mesmos cristais que obtivera naquela ocasião, idênticos aos
que o francês Rouelle isolara em 1873 e que seu compatriota Fourcroy
denominara ureia, o principal composto nitrogenado excretado pelos
mamíferos.
26

Em 1828 Wöhler publicou o primeiro relato da síntese de um


composto orgânico. Na verdade, partira já de um composto orgânico, mas
obtivera também cristais de ácido oxálico, que é produzido pelos vegetais,
do que Wöhler não se deu conta. Seu trabalho mereceu, na época, apenas
uma discreta menção de Cuvier, responsável pela publicação de uma
resenha anual sobre pesquisas e progressos na biologia.
Seu mestre, Berzelius, a quem devemos a proposição dos símbolos
hoje utilizados em química para substituir as notações figurativas,
personalizadas e cabalísticas herdadas dos alquimistas medievais costumava
classificar todas as substâncias em orgânicas e inorgânicas. As primeiras
acreditava-se, requeriam a interferência de uma força vital para sua
produção e eram formadas somente pelos seres vivos. A química orgânica,
para os vitalistas, tinha suas leis próprias, distintas daquelas dos compostos
minerais.
Vinte anos após a descoberta de Wöhler, um outro químico francês,
Marcelin Pierre Eugène Berthelot, derrubava definitivamente as barreiras que
separavam as duas químicas, ao mesmo tempo em que Claude Bernard
aplicava os métodos da química à fisiologia, que a transformou em uma
disciplina verdadeiramente científica (Avila-Pires, 1978).
A descoberta dos isômeros por Berzelius, ao ler dois trabalhos
publicados de maneira independente por outro químico alemão, Justus Von
Liebig, aproximou estes dois pesquisadores pelo resto de suas vidas.
Justus von Liebig tornou-se a maior autoridade em química de seu
país e foi agraciado com o título de barão. Desde 1838 dedicou-se à
elucidação das bases químicas dos processos fisiológicos. Conseguiu
demonstrar que o calor do corpo deriva da energia liberada pela oxidação
dos alimentos, especialmente dos carboidratos e gorduras, e não do
carbono e hidrogênio da atmosfera como imaginara Lavoisier. Liebig é o
fundador dos processos de adubação química traduzidos atualmente pela
sigla NPK e tornando a agricultura independente da pecuária. Entretanto,
ainda em 1858 Robert Avé- Lallemant, viajando pelo sul do Brasil comentou
que não se podia pensar em agricultura sem rebanhos de gado para
fertilizarem o solo.
27

Solicitado pela Associação Britânica para o Progresso da Ciência a


preparar um relatório sobre problemas ligados à agricultura, Liebig passou a
se interessar pela questão, criando uma nova especialidade, a Química
Agrícola. Demonstrou que a redução progressiva da fertilidade dos solos
cultivados deve-se ao consumo, pelas plantas, de elementos minerais
essenciais à vida, isto é, à síntese dos compostos orgânicos. Esses elementos
- sódio, cálcio, potássio e fósforo - foram os que, na experiência do
holandês van Helmont haviam sido consumidos durante o processo de
desenvolvimento do salgueiro.
Liebig rejeitou a ideia de que as plantas cresceriam pela absorção de
húmus e concluiu que o gás carbônico, a amônia e a água contém o
necessário para a elaboração da matéria vegetal e constituem os produtos
finais de sua decomposição. Afirmou que as plantas utilizam o gás carbônica
e o nitrogênio do ar, e a água do solo, devolvendo essas substâncias à
atmosfera, durante o processo de putrefação. Veremos adiante a importância
de sua contribuição, insuspeita, à ecologia.
Julius von Sachs descreveu o papel da luz na ativação da clorofila e,
juntamente com Liebig tornou compreensíveis os processos de nutrição e
crescimento dos vegetais.
Um engenheiro de minas e químico, Jean-Baptiste Boussingault,
mostrou que as plantas absorvem o nitrogênio de compostos nitrogenados
do solo, e não do ar e que podem crescer em solos pobres em carbono,
desde que contenham nitratos. Concluiu que o carbono é absorvido do ar
atmosférico. Descreveu, em grandes traços, o ciclo do nitrogênio na biosfera.
Hoje sabemos que os organismos necessitam de carbono, hidrogênio,
oxigênio, fósforo, enxofre, sódio, potássio, cálcio, magnésio, cobalto, cobre,
zinco e cloro. Para certas funções, alguns animais exigem alumínio, boro,
bromo, iodo, selênio, cromo, molibdênio, vanádio, silício, estrôncio e bário. E,
assim com existe um limite mínimo há, em certos casos, um limite máximo
tolerável de concentração de minerais. Solos excessivamente aluminizados,
por exemplo, tornam-se estéreis. O empobrecimento ou cansaço dos solos
cultivados pela exaustão de elementos minerais retirados pelas plantas levou
à prática da agricultura itinerante. Os solos recém-desflorestados mostram-
se férteis, enquanto as chuvas e os cultivos não carreiam, lixiviam e esgotam
28

os elementos presentes em menor concentração. Nos ecossistemas naturais,


esses elementos são devolvidos ao solo, após a desagregação e
decomposição dos organismos que morrem.
Todo o ciclo da vida na biosfera depende da fixação e transferência
de energia, cuja fonte principal (99,9998%) é o sol, e de sua irradiação final
sob a forma de calor. Se não houvesse reciclagem, a superfície total da terra
transformar-se-ia um deserto.
Na verdade, os ciclos biogeoquímicos constituem um exemplo
evidente da lei de Lavoisier.
Através da fotossíntese, cerca de 0,1 % da energia radiante que chega
à superfície da terra é fixada pelos vegetais terrestres ou aquáticos. O total é
estimado em 21,3 x 10 cal /ano nas terras emersas e um pouco menos nas
águas. Isto corresponde a 108 ou 109 toneladas de elementos minerais
diversos, por ano. Calcula-se que a biomassa, isto é, o peso da matéria
orgânica viva, das terras emersas é de 3 x 10 ou três x 10t; a quantidade de
zoobiomassa é menor que 1% da fitobiomassa, sendo que os invertebrados
representam 90 a 95% do total: em média, 105kg/km2. Evidentemente,
florestas, cerrados, caatingas, estepes e desertos têm produtividade distinta,
como acontece com os oceanos, quando se compara a zona da plataforma
continental com a abissal.
Na segunda metade do século 19 a microbiologia recebeu um grande
impulso graças às ideias de Pasteur e às técnicas bacteriológicas
desenvolvidas por Koch. Na segunda metade do século 19, Pasteur
demonstrou a natureza biológica dos processos de fermentação e
putrefação, que seus colegas químicos, incluindo Berzelius e Liebig
acreditavam, erradamente, serem puramente inorgânicos. Como
consequência do desenvolvimento da bacteriologia esclareceu-se o papel da
microbiota saprofítica, tanto anaeróbia quanto aeróbia, na desagregação da
matéria orgânica e na restituição ao substrato dos elementos e radicais
minerais, na fase telúrica do seu ciclo ecológico, o que denominamos
reciclagem dos nutrientes. Descobriu-se, igualmente, a existência de relações
simbióticas entre bactérias nitrificantes e certas plantas, em cujas raízes
vivem. O progresso dos estudos sobre a circulação da água, da energia e
29

dos nutrientes nos sistemas ecológicos foram revelando a complexidade das


relações dos organismos com o meio ambiente físico e biótico.
Desde a antiguidade admitiu-se a influência direta dos elementos e
dos fatores do meio sobre os organismos. Hipócrates de Cós correlacionou a
ocorrência de epidemias a certos fatores do solo e do clima. Brandão, autor
anônimo dos Diálogos das Grandezas do Brasil escrevendo em atribuiu a cor
escura da pele dos africanos à ação do sol equatorial.
As especulações sobre as relações dos organismos com o ambiente
culminaram na Filosofia Zoológica de Lamarck, em 1809, que propôs a teoria
da transmissão aos descendentes dos caracteres adquiridos através do uso
ou não uso dos órgãos e das modificações fenotípicas resultantes da ação
dos fatores ambientais.
A teoria da seleção natural de Darwin e Wallace abriu novas fronteiras
à especulação filosófica e à pesquisa científica. Vários capítulos da Origem
das Espécies tratam de diferentes aspectos das relações ecológicas. Os
conceitos de adaptação, competição, seleção, e os problemas de distribuição
e dispersão geográficas são de natureza essencialmente ecológica. Também
o são seus estudos sobre o papel das minhocas na fertilidade das terras
cultivadas, a polinização das flores por insetos e a fecundação cruzada. A
teoria do mimetismo, proposta por Bates e da convergência mulleriana, por
Fritz Muller constituiu outro aspecto da nova disciplina, cujos contornos já
então se delineavam (Avila-Pires, 1968).
A ampla divulgação, no início do século 20, do trabalho publicado em
1865 por Mendel que embasou a genética moderna fez recrudescer a
polêmica entre os que pesquisavam os mecanismos da origem e
diferenciação das espécies.
Em 1802, Lamarck, Tréviranus e Vicq D’Azir introduziram, de maneira
independente, o termo biologia em sua acepção moderna. Em 1838,
Augusto Comte utilizou mesmo nome para designar a ciência das relações
dos organismos com o ambiente, conhecida, então, como economia da
natureza. Finalmente, o grande divulgador contemporâneo da obra de
Darwin, Ernst Haeckel (1868), propôs, em 1866, o termo ecologia para essa
nova disciplina, que então se individualizava.
30

Durante os primeiros decênios do século 20 a ideia fundamental


nascida do conceito de produção de matéria orgânica pelos vegetais, seu
consumo pelos animais e decomposição pelos micro-organismos saprofíticos
foi desenvolvida, detalhada e finalmente quantificada. Na verdade ela
representa fielmente o conceito básico da economia, isto é, a relação entre
produção e consumo. Nos sistemas ecológicos ou ecossistemas, a
capacidade de manter o ciclo de energia é mais importante do que a
quantidade de produto final. A elasticidade dos ecossistemas constitui uma
das suas características mais importantes. Entretanto, há um limite às
pressões que podem suportar, sem comprometer seu equilíbrio, resultando
na extinção de espécies, redução da biodiversidade, poluição.
O desenvolvimento histórico detalhado dos conceitos que embasam a
ecologia moderna é o tema de Fundamentos Históricos da Ecologia (Avila-
Pires, 1999).
A teoria de que existem fenômenos que emergem no nível social de
integração ou complexidade foi sugerida por Émile Durkheim em 1895 e por
outros autores contemporâneos como Stuart Mill, Auguste Comte e Herbert
Spencer (Brooks et al. 2020). A importância da fábrica da estrutura social
como um dos fatores condicionantes da evolução e do comportamento
humano levou Claude Levy-Strauss a propor, a teoria Estruturalista.
À medida que aumenta a complexidade da organização biológica,
surgem propriedades novas o distintas daquelas encontradas nos níveis
inferiores. Este é o conceito fundamental da teoria da complexidade que
seria desenvolvido, na década de 1950, por Ludwig von Bertalanffy. Segundo
ela, cada nível de organização, dos átomos às comunidades bióticas constitui
uma unidade própria, com características próprias e exclusivas.
As células constituem a unidade de matéria viva, isto é, neste nível de
organização da matéria surgem os fenômenos vitais: respiração, nutrição,
motilidade reprodução. Tecidos e órgãos são níveis intermediários,
individualizados, mas sem independência. O indivíduo ou organismo nasce,
cresce, pode reproduzir-se assexualmente, ou sexualmente, morre; se for
uma planta clorofilada, pode realizar fotossíntese e sintetizar matéria
orgânica. Estes fenômenos de nutrição, respiração, reprodução, no nível
individual, são muito mais complexos do que o somatório dos realizados
31

pelas suas células. Populações e sociedades possuem taxas de flutuação,


variabilidade genética e somática (polimorfismo), área de distribuição,
organização hierárquica e social, competição intraespecífica, estratificação.
Nas comunidades, compostas por populações de diferentes espécies que
compartilham um mesmo biótopo surge a competição interespecífica,
organização trófica complexa, circulação de nutrientes, transferência de
energia, sucessão, evolução.
Os ecossistemas estruturam-se como pirâmides, em cuja base estão
os vegetais clorofilados, que fixam a energia solar e sintetizam matéria
orgânica a partir dos elementos minerais do substrato, como organismos
autotróficos que são. Este primeiro nível trófico sustenta, diretamente, os
consumidores primários, que são os animais fitófagos e herbívoros:
protozoários que se alimentam de algas; insetos que sugam plantas ou
devoram folhas, frutos, sementes; aves que se alimentam de sementes e
frutos; mamíferos que vivem de raízes, caules, folhas, frutos ou néctar. Além
destes, sustenta os vegetais que são parasitos verdadeiros. Pequenos
predadores vivem dos animais fitófagos: protozoários que vivem de outros
protozoários, artrópodes caçadores, peixes, aves, répteis, mamíferos de porte
médio, os quais, por sua vez, podem ser presa de organismos maiores, que
ocupam o quarto e quinto níveis da cadeia trófica. Parasitos ocupam o
quinto ou sexto níveis, quando vivem dos grandes predadores.
Paralelamente, os animais necrófagos se encarregam de desagregar os
cadáveres, preparando o caminho para as bactérias, fungos e outros
decompositores saprofíticos, que fazem retornar ao substrato a matéria
orgânica sob a forma de radicais e componentes inorgânicos - os elementos
minerais que completam um cicio ecológico.
Os animais geralmente não se limitam a um único nível, pois poucos
são os que têm uma especificidade alimentar estrita. Mas este esquema nos
dá uma ideia da estrutura teórica dos ecossistemas. É evidente que a perda
de energia envolvida em cada transferência de um nível a outro faz com que
a estrutura trófica tenha a forma piramidal. A capacidade de suporte de uma
região é, portanto, limitada, em termos de produtividade.
Quando se analisa uma comunidade por meio de um censo do
número de indivíduos que integra cada nível tráfico, nota-se uma inversão
32

na passagem dos penúltimos para o últimos nível – dos parasitos- uma vez
que cada hospedeiro suporta um elevado número de parasitos - e esse é
um dos critérios propostos para distinguir o parasitismo da predação.
Melhores resultados são obtidos usando-se estimativas e respectivas
pirâmides de biomassa e de transferência de energia, para caracterizar os
níveis. Em lugar de contarmos indivíduos, utilizamos sua massa, ou peso, no
primeiro caso e seu metabolismo basal, no segundo.
Não se deve esquecer que, em diferentes estágios de
desenvolvimento, um organismo pode ocupar distintos nichos e níveis e
participar de comunidades e ecossistemas distintos. Machos e fêmeas
podem ter regimes alimentares diferentes e uma mesma espécie pode
ocupar posições distintas, em diferentes épocas do ano.
Também é importante lembrar que, mesmo ocupando um mesmo
nicho ecológico, em um mesmo nível trófico, espécies diferentes têm
rendimentos fisiológicos distintos. Assim, uma ave despende mais energia
para procurar alimento que um anfíbio. Em compensação, este suporta
melhor a escassez de alimento. Por esta razão, a pirâmide de energia é a
que mais se aproxima da realidade. Assim falham muitos programas de
controle de pragas e parasitos, pois só a supressão de um nicho ecológico
pode resolver definitivamente o problema.
A energia fixada pelas plantas é, em parte, utilizada no processo de
respiração e novamente liberada, e, em parte, usada na renovação de
tecidos e armazenada durante o processo de crescimento e
desenvolvimento.
Há quase quatro bilhões de anos alguns compostos de carbono
conseguiram realizar o processo de fixação da energia solar e dissociação da
molécula de água, liberando oxigênio. Cadeias longas de carbono, o qual
tem a propriedade de formá-las, com facilidade passaram a se duplicar ou
reproduzir. O silício também tem essa capacidade de formar polímeros e a
evolução desses compostos poderia ter levado a resultados imprevisíveis,
isto é, a um tipo distinto de organização, com propriedades diferentes das
dos seres vivos que povoam a terra.
Ignora-se quanto tempo decorreu antes que as cadeias simples de
carbono realizassem a passagem para o estado que reconhecemos como
33

vivo. O oxigênio liberado pela decomposição da água formou a atmosfera,


que passou a filtrar as radiações solares e cósmicas que até então incidiam
diretamente na superfície do planeta. O gás carbônico da respiração e da
combustão de material inorgânico, oriunda de erupções vulcânicas,
incorporou-se ao ar. A evolução de um sistema genético, pouco acessível às
influências diretas do ambiente permitiu, mais tarde, a perpetuação de certas
fórmulas orgânicas bem sucedidas e tornou-se a base, tanto da manutenção
das espécies como da origem de novas fórmulas, por mutações e
recombinações de seus genes e cromossomos e que são testadas através
dos mecanismos de competição e resiliência ambiental no que se entende
por seleção natural.
Há cerca de 500 milhões de anos surgiram os primeiros vegetais
terrestres, que, integrando com o substrato e com a atmosfera, prepararam
o caminho para a replicação das cadeias tróficas aquáticas.
Como vimos, nenhum processo que resulte em transformação de
energia ocorre espontaneamente, a não ser quando ocorre degradação de
energia concentrada em energia dispersa e cada transferência de energia de
um nível trófico a outro implica grande perda, calculada em 80 a 90%, sob a
forma de calor. Todo fazendeiro sabe que é necessário, em média, um
hectare de pasto para manter quatro cabeças de gado. A diferença de
biomassa da quantidade de forrageira (avaliada em peso seco) existente em
um hectare para a biomassa das quatro reses traduz a perda de energia
envolvida na produção de proteína animal. Para manter um predador - uma
onça ou um homem - as quatro cabeças de gado de um hectare não seriam
suficientes. É, portanto evidente que, quanto mais longa a cadeia, menos
eficiente e mais deficitária será a pirâmide trófica. Nas planícies dos Estados
Unidos, os índios que viviam da caça ao bisão constituíam um exemplo
desse tipo de cadeia. Sua alimentação era bastante rica, mas as populações
tinham que ser, necessariamente, reduzidas. O extermínio do bisão, no
século passado determinou, igualmente, a extinção das populações humanas
que dele viviam. Na verdade, basta que se reduza uma espécie a um limite
de densidade crítica para comprometer toda a cadeia. Muitas vezes, a
biomassa de herbívoros pode ser suficiente para manter os carnívoros, mas
os animais encontram-se tão dispersos na área que os predadores não
34

conseguem caçá-los a tempo de não morrerem de fome. O desgaste em


energia durante o processo de busca e de caça não é compensado pela
energia adquirida do seu consumo.
Uma fórmula simples exprime a economia dos ecossistemas. Os
parâmetros são o dispêndio de energia no processo de respiração e a taxa
de armazenamento do restante, sob a forma de novos tecidos: PB-Rsa = PL,
onde PB é a produção bruta ou total de energia fixada, Rsa é a quantidade
de energia consumida em respiração e PL é a produção líquida ou real.
Os vegetais clorofilados são responsáveis, portanto, pelo fornecimento
da energia necessária à manutenção de todo o processo vital. Além disso,
mantêm as condições de habitabilidade da terra por sua influência na
composição do ar atmosférico. Influem, igualmente, na constituição do
substrato - solo ou água.
O processo de sucessão ecológica leva à organização de ecossistemas
ditos clímax. Neste estágio, os organismos que os integram exploram ao
máximo o que o substrato oferece e o clima permite. O número de
consumidores aumenta, incrementando, em consequência, o consumo de
energia para respiração, por parte dos organismos heterotróficos.
Dependendo da natureza dos fatores limitantes podemos ter clímaces
edáficos e climáticos.
Nos clímaces existe equilíbrio econômico entre produção e consumo e
o sistema funciona com um máximo de eficiência. A energia que entra é
consumida em respiração e a produção líquida tende para zero. A renovação
dos organismos que morrem compensa-se com a atividade dos
decompositores.
Nos ecossistemas que se encontram a meio caminho no processo de
sucessão, a produção bruta supera a energia despendida em respiração. O
excesso irá constituir as novas estruturas e aumentar o volume de biomassa
do sistema.
Na produção agrícola, cujo ciclo termina com a retirada do produto
do campo para comercialização, não existe reciclagem. Para isso, o homem
precisa contribuir com a energia de insumos, sob a forma de sementes,
adubos, trabalho e combustíveis fósseis, que são recursos naturais não
renováveis. Essa energia se dispersa no processo de fabricação e utilização
35

de instrumentos, implementos, veículos, transporte, fertilizantes, pesticidas,


sistemas de irrigação e demais insumos.
Na avaliação do rendimento das formações naturais, como florestas e
cerrados, em geral só se considera a cubagem de madeira, deixando-se de
lado o valor econômico da fauna, que muitas vezes excede o da flora, e
cujos censos requerem métodos especializados, Assim, os prejuízos causados
por essa utilização irracional dos recursos naturais são extraordinariamente
elevados.

1.2. O HOMEM E A BIOSFERA


É costume datar os primórdios da ciência ocidental do século 7 a.C.,
quando foi fundada a Escola de Cnidos. Cerca de cem anos mais tarde
surgia a Escola de Cós, que teve seu maior expoente em Hipócrates (460-
377 a.C.), pai da medicina moderna. A civilização grega soube reunir e
ordenar as ideias empíricas dos babilônios e egípcios sobre a natureza e os
princípios naturais. Aristóteles (384-322 a.C.) legou-nos um repositório de
conhecimentos da época, além de ideias próprias que sobreviveram a mais
de dois mil anos de evolução social e cultural. Entretanto, ciência como a
entendemos hoje, não existiu antes do século 16.
O início da dinastia Ptolomaica, após a morte de Alexandre o Grande,
que durou 300 anos e terminou com o reinado de Cleópatra, marcou o
predomínio da famosa Escola de Alexandria, centro cultural integrado por
um museu, uma importante biblioteca, um jardim zoológico, um jardim
botânico, um observatório astronômico e um centro de anatomia.
Juntamente com Pérgamo e Siracusa constituíram os grandes centros
científicos da antiguidade clássica.
O Império Romano caracterizou-se pelo predomínio da técnica e teve
seus maiores expoentes em Plínio, o Velho (23-79 d.C.), e Galeno (129-217?),
reformador da prática médica, cujos conceitos sobreviveriam por 800 anos
até o advento de Pasteur.
A queda do Império Romano e a conquista berbere e islâmica da
maior parte da Europa marcaram profundamente a cultura ocidental. Do
século 7 ao século 13 traduziram-se os manuscritos gregos para o árabe
enquanto que, nos mosteiros cristãos, vertia-se para o latim os pergaminhos
36

originais de Alexandria, Atenas e Roma, que escaparam a incêndios, guerras


e conquistas. A redescoberta das contribuições da cultura grega foi
responsável pelo Renascimento do século 12, resultando na criação das
universidades e, principalmente das universidades livres de Pisa e Bolonha,
independentes da Igreja católica. Trezentos anos mais tarde, com a invenção
da imprensa, o conhecimento deixou de ser privilégio de uma minoria
educada e deu lugar ao Renascimento do século 16 (Wolff, 1971, Brooke,
1972; Aston, 1968).
Ciência e superstição diferem quanto ao tipo de relações que
admitem existir entre causa e efeito e quanto à natureza das causas, mas
ambas almejam explicar os fenômenos naturais e prever o futuro. Durante
muitos séculos seguiram entrelaçadas: a astrologia evoluiu para a
astronomia, a alquimia para a química. As grandes conquistas do
pensamento racional marcaram vitórias significativas contra as concepções
de natureza supersticiosa ou revelada. A ciência deve sua origem no
mecanicismo e no método de Descartes, na física de Galileu, na cosmologia
de Copérnico, nas leis universais de Newton, na química de Lavoisier, na
biologia de Spallanzani e Redi na fisiologia de Harvey e Claude Bernard, no
evolucionismo de Darwin e Wallace. Ciência, como resultado da aplicação do
seu método próprio, fundado na observação, na experiência, na indução e
dedução, rejeitando o escolasticismo medieval-cristão resultou do
Renascimento iniciado no século 16.
Entretanto, a crença na existência de seres fantásticos, meio-homens
meio-animais, tais como sereias, centauros e ciclopes, ou dos homenzinhos
verdes de Marte deu origem a uma literatura mitológica em prosa e verso
que chegou até nossos dias através de recopilações e traduções sucessivas.
Heródoto, o primeiro historiador e antropólogo ocidental reconhecia a
existência de várias espécies de homem, no que foi seguido por outros
autores da antiguidade clássica. Os filósofos cristãos, por sua vez,
ressaltavam a humildade da criatura humana, mas, ao mesmo tempo,
consideravam o homem como o senhor do universo.
Nos séculos 16 e 17 navegadores portugueses e espanhóis, seguindo
as pegadas de Vasco da Gama e Colombo, alargaram as fronteiras do
mundo conhecido pelos europeus e pelos habitantes dos outros continentes,
37

e levaram para a Europa, notícias, troféus e despojos de um Novo Mundo,


povoado por animais, plantas e homens estranhos. Juntamente com os
relatos sobre civilizações primitivas e avançadas, até então desconhecidas,
legaram-nos crônicas de viagem onde desacreditavam algumas das lendas
simplistas e as concepções absurdas do mundo e da geografia dos
continentes. Novas lendas foram criadas por cronistas de muita imaginação
e pouco espírito científico, cujas fantasias eram aceitas prontamente e sem
reservas pelo homem do povo de seu tempo, com a mesma credulidade
com que o de hoje admite a existência de óvnis, de meninos-lobos criados
por animais silvestres e de populações isoladas de grande longevidade, onde
inexistem registros de nascimento.
No século 21 persistem crendices supersticiosas e crenças religiosas
que figuram na rica literatura mitológica de sociólogos e psicólogos da
atualidade.
A América, no século 16 constituía um mundo tão desconhecido e
misterioso como a Lua ou Marte no século 19. O homem comum estava tão
pronto a acreditar nas histórias do Eldorado, da lpupiara e de outros
monstros da zoologia fantástica dos primeiros cronistas e exploradores
como o homem de hoje nas especulações a respeito de naves extraterrenas
tripuladas e de androides de outras galáxias.
O primeiro passo no sentida da popularização da cultura foi dado na
Renascença do século 16. Durante a Idade Média, ao povo e à burguesia era
vedado o acesso ao acervo bibliográfico cuidadosamente preservado nos
conventos, como Umberto Eco descreveu em O nome da Rosa, e a instrução
era deficiente quanto à informação criteriosa. Os nobres, por sua vez, não se
preocupavam com a leitura e a escrita. As obras dos copistas, os herbanários
e bestiários que descreviam as propriedades de plantas e animais
conhecidos e imaginados eram, portanto, de consulta limitada. Os
alquimistas utilizavam simbologia secreta e pessoal por razões de ciúme
profissional e de segurança pessoal, o que tornava seus manuscritos
ininteligíveis, mesmo para os que sabiam ler e escrever.
As universidades medievais, nascidas da Igreja, evoluíram lentamente
e só se popularizaram após a revolução industrial, quando assumiram caráter
leigo e passaram a incluir em seus currículos matérias técnicas, reduzindo a
38

ênfase nos estudos teológicos e clássicos. O trivium medieval incluía Lógica,


Gramática e Retórica e o quadrivium, Aritmética, Astronomia, Música e
Geometria herdados da organização do ensino implantada por Carlos
Magno no século 9. Com a reurbanização na Europa a partir do século 11,
tanto a Igreja quanto a burguesia precisavam de gente instruída, capaz de
satisfazer às exigências da administração.
Somente no século 19 a ciência passou a ser considerada como parte
integrante do currículo escolar, tendo sido uma das críticas de Darwin ao
programa escolar quando enviou seu filho mais velho à escola local.
A tradução da Bíblia pelos huguenotes e anglicanos tornou, por sua
vez, a religião cristã menos hermética e estimulou a alfabetização geral. A
divulgação dos clássicos nas traduções latinas e sua difusão, após a invenção
da imprensa, correspondeu a uma nova descoberta das ideias dos sábios da
antiguidade.
No século 16 a descoberta das civilizações americanas deu lugar à
discussão acerca da origem do homem do Novo Mundo. A crença
generalizada no Dilúvio universal obrigou a prodígios de imaginação, nas
tentativas de se descobrirem as possíveis rotas de dispersão seguidas pelos
descendentes de Noé e dos animais da Arca a partir do Monte Ararat para
atingirem o continente americano. Alguns cronistas como Espinosa
recorreram à protoideia, então sem fundamento concreto, do deslize
continental. Alegavam que, na época do Dilúvio, os continentes ocupavam
posições diferentes das que ocupam agora.
A semelhança anatômica do homem com os outros primatas fora
ressaltada por Aristóteles e Galeno, seguidos por todos os anatomistas da
antiguidade. Esta semelhança é evidente a qualquer pessoa que visite um
jardim zoológico. No Bestiário medieval de Guilhaume, o macaco é descrito
como um anjo decaído. Ainda no século 19 os remanescentes da escola
alemã dos filósofas da natureza propunham o reconhecimento de um quarto
reino da natureza para a espécie humana, com a alegação de que as
manifestações morais e religiosas do homem separam-no dos animais
inferiores ou irracionais. Do ponto de vista filosófico, pouco importava que
o modelo para o corpo humano houvesse sido um macaco, uma vez que o
39

homem recebera o sopro divino que lhe conferira uma alma imortal e o
direito de dispor, como lhe aprouvesse, do restante da natureza.
Hoffer, em sua História da Zoologia, publicada em 1873, ainda
adotava essa posição, ao afirmar que Linnaeus deveria ter considerado um
quarto reino. Em 1758, na décima edição do Systema Naturae sua
classificação de inspiração fixista do reino animal, ponto de partida oficial do
sistema internacional de nomenclatura zoológica, Linnaeus colocou o
homem na ordem dos Primates, em uma família exclusiva. Ainda se admitia
existência de homens macacos, na África. O orangotango, por sua vez é
listado como Homo nocturnus.
Na primeira edição da Origem das Espécies, publicada em 1859,
Darwin evitou levar a sugestão implícita na sua teoria da seleção natural à
conclusão lógica de que a espécie humana é subordinada às leis da
evolução orgânica e que emergiu de um grupo ancestral de primatas
inferiores. Disse, apenas, que sua teoria iria lançar luz sobre a origem do
homem e de sua história. Na década seguinte eclodiu uma grande polêmica
sobre a posição do homem na natureza. A reação da Igreja católica e o
impacto da teoria de Darwin, não só na ciência como na filosofia, na
economia, na sociologia e na política trouxeram a público a questão das
relações filogenéticas do homem com os outros animais, explorada nas
conferências e cursos públicos ministrados, tradicionalmente, na Inglaterra e
mais tarde introduzidos por Agassiz nos Estados Unidos e no Brasil, quando
de sua expedição em 1865.
Blumenbach, reformador do ensino da História Natural no século 19
foi um dos primeiros cientistas a considerar o homem como objeto válido
de pesquisa dos naturalistas. Em 1871 Darwin publicou a Descendência do
Homem. Nesta obra não se preocupou em apresentar a coleção exaustiva de
fatos e observações que caracterizou a Origem das Espécies. Tais dados
eram, ainda, escassos e Darwin preferiu argumentar em favor da origem e
natureza animais não só do corpo como dos atributos e características
considerados essencialmente humanos.
Por aquela época, morto Georges Cuvier, fundador da paleontologia e
da anatomia comparada e opositor às teorias darwinistas, começavam a
acumular-se os achados de restos humanos fossilizados e a arqueologia
40

deixava de ser mera atividade de curiosos, de amadores e de charlatões para


adquirir foros de ciência natural. A época admitida para o aparecimento do
homem sobre a terra foi sendo recuada, ao passo que o estudo da
estratigrafia se tornava uma ciência mais exata. Entretanto, teorias, práticas,
preconceitos e interesses pessoais, sociais e nacionais apoiavam a ideia do
polifiletismo, isto é, a teoria segundo a qual o gênero Homo teria várias
espécies e as raças humanas contemporâneas descenderiam de ancestrais
distintos. Tal posição justificava a escravatura, as conquistas coloniais e o
extermínio de grupos étnicos minoritários. A história da colonização dos
novos continentes documenta, fartamente, essa atitude revivida
recentemente, pelo nazismo, como comentam Lévi-Strauss e Michener.
Como resultado das tentativas levadas a cabo por alguns autores no
sentido de reunirem argumentos em apoio à teoria de Darwin e por outros
com a intenção de refutá-la, tornou-se a ecologia uma disciplina
independente. Investigações sobre adaptações de animais e plantas aos
diferentes tipos de ambientes da biosfera, da dispersão biogeográfica, das
relações entre organismos de distintas espécies, como as que se verificam
entre parasitos e hospedeiros, entre flores e os insetos e morcegos que
asseguram a polinização cruzada, a competição entre indivíduos da mesma
espécie e de espécies distintas revelaram, pouco a pouco, a
interdependência do mundo orgânico e as suas relações com o ambiente
físico.
O estudo dos fundamentos ecológicos da biogeografia, da reciclagem
dos elementos que entram na constituição orgânica, do papel das plantas
verdes como sintetizadores de compostos orgânicos, da transferência de
energia ao longo da cadeia alimentar e do papel dos micro-organismos
decompositores, levou aos conceitos, hoje clássicos, de biogeocenose ou
ecossistema.
Nos últimos cem anos o homem adquiriu o poder de alterar o
equilíbrio natural da biosfera em escala planetária. A expansão da
agricultura, a exploração predatória de produtos naturais, além das grandes
obras de engenharia provocaram impactos em todos os biomas e resultou
no encurtamento de cadeias tróficas e na desorganização das relações de
produção e consumo nos ambientes naturais.
41

A influência humana fez-se sentir à distância, uma vez rompidos os


padrões de distribuição natural de organismos e micro-organismos, pelo
transporte e introdução proposital ou acidental de plantas, animais e micro-
organismos visando seu cultivo ou utilização econômica.
Através das práticas de agricultura e pecuária intensivas o homem
buscou suprir as populações crescentes, preocupando-se em conseguir ciclos
rápidos de elevada produção, mas de produtividade nula, isto é, sem taxa
de reposição natural. Além disso, não foram levadas em consideração, na
maioria dos casos, as vocações ecológicas das áreas colonizadas. Modelos
bem sucedidos em certas regiões foram transplantados a outras,
independentemente de estudos de viabilidade e de diagnóstico ecológico,
revelando-se pouco viáveis e, em muitos casos, desastrosos.
É certo que as comunidades naturais apresentam elevado grau de
plasticidade e se mantêm em relativo equilíbrio dinâmico, graças à sua
diversidade, mas os limites desse equilíbrio não devem ser rompidos sob
pena de se provocar reações em cadeia de efeitos imprevisíveis e de grande
comprometimento geográfico.
A espécie humana manteve sempre um notável grau de uniformidade
genética nos últimos 100.000 anos e viveu, constantemente, entre limites
estreitos de condições ambientais, as quais governaram suas migrações e
impactos colonizadores. Nossa espécie não se diferenciou em subespécies e
esta mesma uniformidade limita as possibilidades de sucesso em um meio
profundamente alterado, onde inexistem os fatores condicionantes de seu
sucesso evolutivo.
Na biosfera, a variabilidade é a chave da sobrevivência das espécies,
uma vez que permite a seleção de genótipos e fenótipos pré-adaptados a
condições ambientais. O que, em uma dada situação e momento é
considerado anormal ou discrepante da média, poderá vir a ser o normal e
viável em condições distintas. Requisitos necessários à sobrevivência e
desempenho ecológico em certas situações são dispensáveis ou prejudiciais,
em outras. Um exemplo literário esclarecedor é o conto de H.G. Wells O país
dos cegos.
Os processos de colonização e ocupação da terra têm seguido uma
sequência constante. Os núcleos de colonização constituem sempre áreas de
42

atrito e impacto ecológico. As espécies animais e vegetais que o homem


elimina e as que introduz alteram o razoável equilíbrio precedente. Ao
mesmo tempo, o homem é o vetor de uma microbiota variada, que passa a
colonizar os hospedeiros potenciais da região afetada. Um estudo prévio
desses possíveis reservatórios permitiria prever os problemas mais sérios e
adotar medidas efetivas de proteção das populações originais.
A sobrevivência do homem só pode resultar do correto manejo das
comunidades naturais e a prevenção das doenças só se consegue através
dos cuidados dispensados à saúde, isto é, através do equilíbrio ecológico
endógeno e exógeno. Este equilíbrio não implica a ausência de parasitos e
predadores, mas na sua limitação dentro de níveis toleráveis ao bem-estar
humano.
Os ecólogos repudiaram a ideia antropocêntrica do homem como a
obra-prima da criação e negaram-lhe uma posição especial na biosfera.
Alguns autores, ao mesmo tempo o colocam no topo da cadeia trófica,
como um arquipredador consideram suas ações e intervenções na natureza
como de caráter artificial. O homem seria, assim, um elo a mais nas cadeias
biogeoquímicas e, simultaneamente, um agente capaz de modificar as
paisagens naturais, sintetizar matérias artificiais e de interferir na dinâmica
das comunidades. Grande parte das divergências entre ecólogos,
economistas e conservacionistas deriva do fato de o homem ocupar,
realmente, uma posição ambígua na biosfera. No século passado, essa
ambiguidade era caracterizada por sua anatomia simiesca e a alma divina,
hoje, por sua posição de integrante e, ao mesmo tempo, de agente
modificador da biosfera.
Do ponto de vista cronológico, a humanidade, no curso da evolução
descendo do alto das árvores para as cavernas, do nomadismo, caça e coleta
à agricultura semissedentária, à metalurgia, à tecnologia o à ciência, teve a
oportunidade de aprender a dominar, compreender e respeitar as leis da
natureza. Para desenvolver as técnicas relativas aos processos agrícolas e
silviculturais mais avançados teve que imitar e melhorar os mecanismos
naturais descobrindo meios de regularizar o suprimento de água pelo
represamento e irrigação. Aprendeu a selecionar e cultivar espécies
consideradas úteis. Aprendeu a defender as monoculturas e os cultivos do
43

ataque das pragas, cujas populações são estimuladas pela eliminação dos
predadores naturais e pela fartura de alimento em uma área concentrada.
Por sua vez, sem ampla disponibilidade de alimento a existência de
comunidades humanas densas é impossível. A proteína animal provê uma
dieta mais rica em energia e, em certas épocas e em diferentes lugares,
comunidades privilegiadas aproveitaram-se da abundância da caça.
Ao mesmo tempo, a caça requer dispêndio de energia e é fonte de
agravos de várias naturezas. No oriente, o arroz, nas Américas, o milho e, na
Europa, o trigo permitiram o incremento populacional. Algumas cidades da
América pré-colombiana chegaram a abrigar 300.000 pessoas. Entretanto, a
atividade agrícola não mecanizada exige dedicação integral do agricultor. A
concentração humana em grandes comunidades, por sua vez, demanda a
adoção de medidas sanitárias que previnam a contaminação ambiental e o
contágio epidêmico.
Se, do ponto de vista cronológico podemos seguir e ordenar as
conquistas da espécie humana da caverna ao arranha-céu, da pedra lascada
à bomba atômica, dos símbolos rupestres à escrita e ao computador, e da
roda ao satélite artificial, uma análise horizontal ou contemporânea revela
que a humanidade, como unidade cultural, é uma abstração. Em qualquer
época histórica coexistiram culturas distanciadas como as que se verificam
entre indígenas vivendo em condições primitivas e um cientista moderno. A
importância desse fato é ressaltada no próximo capítulo. O distanciamento
se agrava à medida que nos aproximamos dos dias atuais.
Esses foram, na realidade, os argumentos utilizados na década de 1860,
quando se discutia a posição do homem na escala zoológica, ou seja, a
discrepância entre a semelhança morfológica com os demais primatas e a
dessemelhança cultural das diferentes populações humanas. Isto constituiu o
principal ponto de discórdia que envolveu zoólogos, antropólogos e
filósofos em uma polêmica interminável, onde argumentos naturalísticos,
morais e religiosos encontraram-se embaralhados de modo inextricável.
Em todos os tempos, apenas uma pequena parcela das populações
realizou um desenvolvimento razoável de suas potencialidades intelectuais.
Muitos gozaram e gozam os resultados das conquistas da arte, das ciências,
e de suas aplicações tecnológicas, mas poucos partilham de sua conquista,
44

ou sequer compreendem o seu funcionamento. Dentro de uma mesma


população, aliás, o desnível também é grande.
Na verdade, Homo sapiens é um mamífero da ordem dos primatas
que, ao lado de certas características anatômicas próprias, desenvolveu uma
estrutura social caracterizada por mecanismos complexos de relações
intraespecíficas, e que aperfeiçoou métodos e técnicas para armazenar e
transmitir as experiências adquiridas sem assistência de um mecanismo de
herança genética. Por outro lado, o homem, através de sua capacidade de
raciocínio abstrato desenvolveu um vasto repertório de conhecimentos que
lhe permitiu descobrir as leis que regem o universo. Tornou-se o arquiteto
planetário, capaz de modificar as paisagens da crosta terrestre e de influir
nos padrões de distribuição de organismos, determinando novos padrões
biogeográficos. Ao mesmo tempo provocou distúrbios e desequilíbrios nos
sistemas naturais capazes de modificar o clima em escala planetária.
As divergências sectárias que encontramos entre antropólogos
clássicos e os defensores da ecologia cultural constituem radicalismos
inaceitáveis. Tanto a ideia do determinismo ecológico quanto a de
independência cultural pecam pela base. O homem é o resultado de urna
herança genética, do meio ecológico e social em que vive e da herança
cultural de seu grupo social. No curso cronológico de seu desenvolvimento,
o homem adquiriu o poder de alterar os processos ecológicos naturais e de
desencadear reações imprevisíveis e irreversíveis. Mas os conhecimentos que
reuniu e a tecnologia que desenvolveu permitem-lhe evitar os erros e
reparar os danos causados por sua própria imprevidência. Se não utiliza tais
conhecimentos, por razões econômicas ou por simples descaso, não significa
que os problemas surgidos com a civilização industrial sejam inevitáveis
consequências do processo material. O verdadeiro perigo e a culpa residem
na improvisação, na imprevidência, na ignorância e no empirismo.

1.3. O HOMEM E A FAUNA: ZOONOSES


No final do século 19 as doenças infecciosas passaram a ser
caracterizadas e classificadas segundo seus agentes patogênicos e não mais
pelos sinais e sintomas que provocam. Aliás, mesmo antes que Pasteur e
Koch desvendassem sua origem, sabia-se que certas enfermidades eram
45

transmitidas ao homem por outros animais. Utilizava-se, no Oriente, o


processo de variolização de braço a braço como prática corrente antes que
Jenner utilizasse material infectante retirado de vacas infectadas com o vírus
vaccinia para imunizar pessoas. No Brasil, La Condamine relatou o uso da
variolização por volta de 1730 em uma comunidade Amazônica, por um
padre carmelita (Gurgel et al., 2012).
O termo zoonose, incorretamente atribuído a Virchow foi utilizado,
originalmente, por autores alemães, para designar doenças dos animais em
oposição a doenças humanas (Fiennes, 1978). Posteriormente passou a ser
aplicado às doenças transmitidas por animais ao homem. Em 1951, um
Comitê Conjunto de Especialistas em Zoonoses da Organização Mundial de
Saúde e da FAO propôs a definição atual, para doenças que são
naturalmente transmitidas entre o homem e outros vertebrados. A
Organização Pan-americana de Saúde (Acha e Szyfres, 1986) mantém esta
definição, porém inclui, em seu catálogo, enfermidades infecciosas veiculadas
por alimentos (Avila-Pires, 2015; 2017).
Muito tempo antes da proposição da teoria microbiana e consequente
especificidade das infecções, observações empíricas levantaram a suspeita de
que certos animais seriam os responsáveis pela ocorrência de enfermidades
e, principalmente, de epidemias. A correlação de ratos com a peste bubônica
teve origem em épocas bíblicas, mas sem qualquer base científica. No Brasil
colonial, o cronista seiscentista Gabriel Soares de Sousa descreveu, em 1587,
a existência e mosquitos parecidos com moscas, denominados nhitinga, que
não picam, mas metem-se nos olhos, e especulou que poderiam transportar
a peçonha da bouba de um indivíduo para depositá-la nas feridas de outro,
como registrou Artur Neiva (1940). No Peru do século 18 havia a crença
popular de que certos insetos conhecidos como uta seriam responsáveis pela
transmissão da leishmaniose tegumentar e da bartonelose, como relatam
Herrer e Christensen. Na África, uma tripanossomíase que afeta mamíferos
silvestres e o gado doméstico era popularmente denominada nagana e,
apropriadamente, fly disease. Foster, na sua história da parasitologia,
mencionou um trabalho publicado pelo médico inglês John Kirk em 1865,
quando pesquisava a biologia das moscas africanas tsé-tsé e que tinha o
hábito de registrar os conhecimentos dos nativos, e que anotou a distinção
46

que eles faziam entre a doença das moscas, considerada não contagiosa e
outras afecções do gado que o seriam. No Punjab, o médico veterinário
militar Griffith Evans isolou, em 1880, um flagelado encontrado no sangue
de cavalos, mulas e camelos, que sofriam de uma enfermidade conhecida
como surra. A crença local era de que a doença seria causada por moscas
hematófagas tabanídeas, fato devidamente registrado por Evans, que o
considerou como uma possibilidade viável.
Na região meridional da América do Sul, um médico da marinha
francesa Bourel-Roncière registrou, em 1872, uma interessante observação
sobre a possível transmissão da leishmaniose tegumentar (Avila-Pires, 2014).
Nos Estados Unidos, Theobald Smith (Smith e Kilbourne, 1893), por
sua vez, receberam a informação de criadores de gado de que a febre do
Texas estaria relacionada à presença de carrapatos. Na ilha caribenha de
Trinidad, Andrew Balfour recolheu relatos de antigos habitantes que previam
o aparecimento de surtos de febre amarela pela ocorrência de mortandade
natural de macacos do gênero Alouatta, mais tarde confirmados como
reservatórios silvestres do vírus amarílico. E, em Santa Catarina, lavradores
culpavam morcegos hematófagos pela transmissão da raiva, quando se
acreditava que a enfermidade afetava apenas carnívoros. Carini e Parreiras
Horta decidiram investigar a crença e demonstraram, experimentalmente, a
transmissão do vírus por Desmodus, 300 anos após o médico holandês
Willelm Piso, trazido para Pernambuco por Mauricio de Nassau levantar essa
mesma dúvida, ao descrever os morcegos andirá.
Em 1877 Manson demonstrou o papel de insetos hematófagos na
transmissão de doenças, pouco depois de Pasteur estabelecer a teoria da
origem microbiana das doenças infecciosas. Manson descreveu o ciclo de
Wuchereria bancrofti, causadora da filariose e abriu uma nova era para a
parasitologia e para a ecologia médica.
Naquela época, a malária constituía flagelo de importância igual à da
febre amarela. Coube a um médico militar francês, Laveran descrever, em
1880, um protozoário flagelado encontrado no sangue de um doente de
malária. Em 1892, Manson relacionou as diferentes formas de plasmódios,
isolados do sangue de marinheiros chegados de áreas endêmicas, com as
distintas manifestações clínicas da doença, como aquelas denominadas
47

popularmente febre terçã e quartã. Em fins de 1894, um médico do exército


colonial inglês, Ronald Ross, foi estimulado por Manson a dedicar-se ao
estudo do ciclo desses parasitos. Manson sugeriu a possibilidade de serem
mosquitos os vetores da malária e que o mecanismo de contaminação do
homem seria através da ingestão de água em que houvesse morrido esses
insetos. Não sendo entomólogo, interpretou a associação de malária com
águas contaminadas, como acontece no caso do cólera e não como parte de
um sistema onde coexistiam vários cicios biológicos inter-relacionados.
Em 1897, Ross publicava o encontro de células pigmentadas no
aparelho digestivo de certos mosquitos, que interpretou como sendo
distintos estágios do parasito. Entretanto, falharam as tentativas
experimentais de infectar o homem. Em julho do ano seguinte, trabalhando
com pombos em área não endêmica, Ross encontrou parasitos nas glândulas
salivares de mosquitos e comprovou sua transmissão pela picada dos
insetos. Entretanto falhou mais uma vez na tentativa de demonstrar o
mecanismo de transmissão da malária humana. Entretanto, seus resultados
com a malária de aves levou-o a preconizar, por analogia, o mesmo
mecanismo para o caso do homem.
Enquanto isso, na Itália, Bignami procurou comprovar, em 1896, a
transmissão por mosquitos, no que foi seguido, em 1898, por Koch. Nos
Estados Unidos, King, em 1880 já se pronunciara a favor da teoria, mas não
pode defendê-la por falta de provas. Também neste caso, a ignorância da
taxonomia dos possíveis vetores e da biologia dos complexos de espécies
existentes em regiões endêmicas prejudicava o sucesso dos experimentos,
como o demonstrou Hackett. Coube a Grassi, zoólogo italiano, a glória de
obter a resposta esperada, utilizando, para isso, o método epidemiológico.
Mapeou os focos recorrentes, analisou, cronologicamente, os casos humanos
e comparou esses dados com os mapas de ocorrência das distintas espécies
de mosquitos existentes nas áreas endêmicas e indenes. Chegou à conclusão
de que Anopheles maculipenis seria o responsável pela transmissão e
determinou as horas em que está ativo e pica o homem.
Posteriormente, a inexistência de malária em áreas onde se assinalava
a presença dessa espécie de mosquito levou ao aprofundamento dos
estudos taxonômicos. o que revelou que sob o nome de Anopheles
48

maculipenis confundia-se um complexo de subespécies crípticas, possíveis


de serem distinguidas pelo exame das larvas, mas não dos adultos. (Hackett
e Missiroli, 1931; Hackett, 1937)
Em sua exposição do método epidemiológico, Peller (1967) ressaltou
que, no caso da malária, a solução foi encontrada graças à combinação de
um raciocínio lógico baseado em dados simples de aritmética e de
zoogeografia e não em experimentos de laboratório que não ajudaram nem
mesmo a Koch,
No mesmo ano de 1898 elucidava-se a transmissão da peste bubônica
que, então, grassava em uma grande pandemia a qual, tendo-se iniciado no
oriente, chegou às Américas e à África no início do século 20. Desde os
tempos pré-cristãos fazia-se a associação empírica da ocorrência de surtos
de peste com a presença de ratos. Certas situações críticas, como as
convulsões da guerra e das revoluções armadas eram sempre acompanhadas
por epidemias, que foram descritas e ilustradas por literatos, poetas pintores
e cientistas em todos os tempos. O estado primitivo do conhecimento
sistemático das pulgas dificultou o reconhecimento das conclusões acertadas
do autor. Somente alguns pulicídeos podem transmitir Y. pestis e estas eram
confundidas, na época, com outras espécies de ocorrência comum. Assim,
Simond utilizou pulgas de cães e gatos, juntamente com Xenopsylla cheopis
na tentativa de infectar animais de laboratório, obtendo, evidentemente,
resultados contraditórios e inconclusivos. Poucos anos depois, devido ao
interesse despertado pelo problema, várias espécies de pulgas foram
reconhecidas e descritas. Mais tarde descobriu-se o mecanismo especial de
bloqueio que ocorre no aparelho digestivo ingurgitado de certas pulgas,
especialmente em X. cheopis, o qual permite a multiplicação da bactéria no
pro ventrículo e que explica seu papel destacado na transmissão da peste.
Ainda em 1906, Oswaldo Cruz aceitava com reservas a teoria, já
comprovada, de Simond, ao admitir que, além de pulgas, a peste poderia ser
transmitida pela poeira e por outros animais como moscas e formigas.
Muito se especulava, então sobre a possibilidade e a forma de
contágio da febre amarela e o vômito negro, característico, parecia ser a via
mais evidente. Entre 1900 e 1904, Cathrali e Firth haviam demonstrado,
através de experimentos neles mesmos, a inviabilidade da teoria.
49

Em 1880 o cubano Juan Carlos Finlay, em Havana, utilizou o método


epidemiológico para investigar a doença e comprovou a sazonalidade dos
surtos, notando as particularidades relativas aos domicílios afetados e as
características dos peri-domicílios. Coletou mosquitos encontrados em
diferentes épocas e locais e terminou por identificar uma espécie
denominada, sucessivamente Culex mosquito, Stegomyia fasciatus e,
finalmente, Aedes aegypti como o único vetor, por ser a espécie comum a
todas as áreas em que a doença havia sido diagnosticada, e ausente onde a
febre amarela não ocorria. Em fevereiro de 1881, por ocasião da Conferência
Sanitária Internacional realizada em Washington, Finlay, representando Cuba
e Porto Rico, apresentou suas teorias e, em de agosto, repetiu sua
conferência perante a Academia de Ciências Médicas de Havana, sob o título
O Mosquito Hipoteticamente Considerado como Agente Transmissor da
Febre Amarela.
Em 25 de junho do mesmo ano, uma comissão do Serviço de Saúde
do Exército Americano integrada pelo Major Walter Reed, Jesse W. Lazear,
James Caroli e pelo cubano Aristides Agramonte iniciou o trabalho de
verificação da teoria de Finlay, na ilha de Cuba. O relatório final foi aprovado
durante o Congresso Pan-Americano de Havana, realizado entre quatro e
sete de fevereiro de 1901. Em 1954, uma resolução do XIV Congresso
Internacional de História da Medicina reconhecia a prioridade de Finlay na
descoberta do vetor da febre amarela, feito que possibilitou o controle
efetivo da doença em todo o mundo. Coube, entretanto, à missão norte-
americana demonstrar a natureza viral do agente.
A história da febre amarela reproduziu a disputa por prioridade na
descoberta de sua história natural que marcou a rivalidade entre Ronald
Ross, ganhador do prêmio Nobel em 1902 e de Grassi, o verdadeiro pioneiro
na demonstração da transmissão da malária humana. Como ressaltou
François Delaporte na sua história da febre amarela, Ross não mencionou a
contribuição de Manson para a teoria da transmissão vetorial de doenças e
Walter Reed não se referiu ao pioneirismo de Finlay e de outros precursores.
Além disso, Peller (1957) observou que os resultados obtidos pelos
experimentos de Walter Reed sobre a contagiosidade da febre amarela eram
50

conhecidos há mais de um século. Seu maior mérito foi o de conseguir que


as autoridades se empenhassem em campanhas de erradicação do vetor.
O interesse despertado por essa via de investigações levou à descoberta dos
ciclos biológicos e epidemiológicos de várias doenças envolvendo
hospedeiros não humanos e vetores.
No ano de 1893, Bruce Smith demonstrava, nos Estados Unidos, o
papel de carrapatos em um complexo ciclo de transmissão de uma doença
infecciosa que afeta o gado, conhecida como febre do Texas. Dois anos mais
tarde, Bruce comprovou a transmissão de Trypanosoma brucei por moscas
do gênero Glossina, conhecidas na África por tsé-tsé. O ciclo completo da
doença do sono foi finalmente descrito por Kleine em 1909.
Em 1899, Nuttall publicava, nos Estados Unidos, um resumo do que se
sabia sobre as relações entre hospedeiros e vetores de enfermidades,
intitulado: On the role of insects, arachnids, and myriapods as carriers in the
spread of bacterial and parasitic diseases of Man and Animals - a critical
historical study [O papel de insetos, aracnídeos e miriápodos como
portadores na disseminação de doenças bacterianas e parasitárias do
homem e de animais – um estudo histórico-crítico]. O artigo constituiu uma
das tentativas pioneiras para se estabelecer uma nova disciplina ecológica,
eminentemente aplicada ao estudo das doenças, as zoonoses.
O acúmulo de conhecimentos sobre a ecologia das zoonoses permitiu
a Charles Elton estabelecer, definitivamente, os fundamentos da ecologia
animal e publicar, em 1927 o primei rio livro texto, no qual firmou os
conceitos de pirâmide trófica e de nicho ecológico como função da espécie
e não como local de ocorrência. Elton dedicou-se a pesquisas no campo da
ecologia médica, especialmente da peste bubônica e ressaltou o papel dos
roedores silvestres no seu ciclo, quando a literatura médica somente
mencionava os ratos urbanos cosmopolitas. Em 1931 investigou o
periodismo nas variações de densidade de populações de pequenos
mamíferos e sua possível relação com o aparecimento de manchas solares,
além de investigar o papel das alterações climáticas sobre a dinâmica
populacional de roedores silvestres.
Na União Soviética, um epidemiologista russo, Pavlowski, publicou sua
teoria dos focos naturais de doenças, mas, como mostrou Audy (1958), o
51

conceito fundamental por trás da ideia de nidalidade não era novo para os
epidemiologistas. Charles Elton, autor do primeiro texto básico de ecologia
animal e das pesquisas sobre saúde e dinâmica de populações de mamíferos
silvestres dedicou-se, igualmente, à aplicação de suas teorias ao estudo das
zoonoses, e seus focos naturais, precedendo Pavlovsky, promovido a
pioneiro pela política soviética da época de reescrever a história. Pavlovsky
reforçou a ideia de que as zoonoses possuem, não só localização definida
no espaço e no tempo, como relações complexas com os elementos de um
biótopo. E, mais importante, que o aspecto paisagístico de um biótopo pode
servir de indicador da possível presença de um ciclo zoonótico. As relações
que se estabeleciam anteriormente entre geografia e doença eram baseadas
em teorias nem sempre ecologicamente corretas.
Pesquisas desenvolvidas durante a Segunda Guerra Mundial
contribuíram para o progresso da ecologia médica e sua identificação como
uma disciplina autônoma. Mostraram que as relações do homem com os
elementos da fauna silvestre, comensal e doméstica são determinantes dos
padrões epidemiológicos das zoonoses e das doenças infecciosas e
parasitárias que dependem de hospedeiros e vetores não humanos.

1.4. O MEIO INTERIOR


[...] em fisiologia, existem dois meios a
considerar: o meio macrocósmico geral e o
meio microcósmico, particular dos seres vivos.
Claude Bernard

O século 19 assistiu ao final do debate científico entre os defensores


do vitalismo e do mecanicismo. O vitalismo sobreviveu no imaginário
popular e em certas crenças persistentes como a homeopatia.
Nas ciências naturais, Étienne Geoffroy de Saint-Hilaire, professor do
Museu Nacional de História Natural de Paris propôs a teoria da unidade de
plano da natureza e defendeu o transformismo lamarckista, que privilegiava
a influência dos fatores do meio físico sobre os organismos e a herança de
caracteres somáticos adquiridos. Se, por um lado, ampliou demasiadamente
o conceito de homologia, por outro, subordinou as funções orgânicas às
estruturas morfológicas, isto é, a morfologia precederia a função,
52

contrariando a opinião de Lamarck. J. Guérin, outro dos seguidores de


Lamarck criou o aforisma a função faz o órgão, muitas vezes atribuído a
Lamarck, para quem não só a necessidade, mas a própria função precederia
a estrutura anatômica necessária para seu desempenho. Charles Bonet, por
sua vez defendia a antiga ideia da existência de uma escala linear dos seres,
partindo dos organismos imperfeitos para chegar ao homem.
Para explicar as descobertas da paleontologia e da estratigrafia, e a
sequência dos períodos geológicos com seus fósseis característicos, os
anatomistas e paleontólogos franceses Georges Cuvier e Alcides D'Orbigny
admitiam uma sequência de catástrofes geológicas, e admitiam a origem
independente dos grupos animais no nível de filo. Além disso, subordinavam
as funções às estruturas anatômicas, no que seria alvo, mais tarde, das
críticas de Claude Bernard.
A zoologia e a botânica do final do século 18 e início do 19
guardavam muito do caráter anedótico e episódico, por vezes fantástico da
Idade Média e do Renascimento e eram, fundamentalmente, classificatórias.
A embriologia preocupava-se mais com o desenvolvimento ontogenético
teratológico do que com o estudo do desenvolvimento normal dos
organismos.
Claude Bernard, em meados do século 19 pronunciou-se claramente
contra o vitalismo animista e a favor de uma fisiologia racional, autônoma,
construída sobre bases rigidamente científicas. Tinha, contra si, os
organicistas, os quais afirmavam que o isolamento de órgãos para estudo de
suas funções rompia a unidade orgânica, uma vez que o organismo era um
todo indivisível. Os anatomistas, seguidores de Cuvier, mantinham, por sua
vez, a precedência da organização estrutural corno antecedente e
determinante da função.
No contexto de sua época, Claude Bernard classificava as ciências
biológicas em função das metodologias utilizadas em cada área. A zoologia,
a botânica e a anatomia eram equiparadas à geologia e à mineralogia, como
ciências de caráter descritivo e classificatório, que utilizavam o método
contemplativo ou de observação. Por outro lado, a fisiologia, a química e a
física seriam suas contrapartes, situadas em um nível superior de importância
e teriam caráter eminentemente experimental: eram ciências autônomas e
53

independentes: a fisiologia experimental em relação à zoologia a botânica,


como a química o era da geologia e mineralogia.
Para ele, a fisiologia deveria visar a elucidação das manifestações dos
fenômenos vitais e constituir a base da medicina experimental. Ao mesmo
tempo em que reconheceu em Bichat o criador do método fisiológico,
reivindicou para si mesmo o reconhecimento da autoria da primeira: Sou eu o
fundador da medicina experimental, em seu verdadeiro sentido científico: esta é minha
pretensão. Revelou-se reducionista ao destacar, dentro da biologia, a fisiologia
como sendo a ciência principal, à qual caberia descobrir os segredos da
atividade vital.
A complexidade dos fenômenos biológicos dificulta a sua análise e
levou os cientistas do passado a admitirem, como características intrínsecas,
sua inconstância, variabilidade e imprevisibilidade, Por outro lado, apesar dos
estudos de Lavoisier sobre a natureza do calor animal e da síntese de uma
substância orgânica - a ureia - por Wöhler, em 1828, ainda se erguia uma
barreira metafísica entre o mundo orgânico e o reino mineral.
Para colocar a fisiologia entre as ciências exatas, empenhou-se Claude
Bernard em demonstrar a previsibilidade dos fenômenos fisiológicos e,
portanto, a viabilidade de sua análise pelos métodos utilizados
correntemente na física e na química. A essa previsibilidade, denominou
determinismo. Reconhecemos, hoje, que as leis biológicas são, apenas,
estatisticamente válidas, por se basearem em induções que, por sua vez, são
válidas estatisticamente. Mas, ao contrário de algumas opiniões de
historiadores, Claude Bernard não se colocou contrário à aplicação da
estatística aos fenômenos biológicos, mas criticou certas pesquisas
esdrúxulas como a do exame de urina obtida de mictórios de estações
ferroviárias com o objetivo de determinar a composição média da urina dos
europeus. A ideia de determinismo foi aplicada, também, às influências da
geografia e das condições do meio abiótico ao comportamento humano e a
epidemiologia, como veremos.
Por um lado, Claude Bernard reconhecia a particularidade da natureza
dos fenômenos biológicos, mas recusava-se a admitir o finalismo dos
vitalistas. Propôs-se, portanto, a demonstrar que as relações de causa e
efeito são determinantes tanto nos fenômenos inorgânicos quanto naqueles
54

que se processam na intimidade dos organismos: a ciência da vida não pode


empregar outros métodos nem outras bases que não os das ciências minerais.
Dentro da lógica cartesiana, avançava até onde pudesse comprovar os
resultados de suas hipóteses pela experimentação, e considerava as questões
que se propunham além deste limite como impertinentes à investigação
científica. Claude Bernard apoiava-se na filosofia de Descartes, Leibnitz,
Lavoisier e Laplace e relegava a pesquisa das origens e causas primárias para
além dos limites possíveis da investigação científica. Negava o animismo
cartesiano, o que deixou claro quando analisou a contribuição de Bichat à
fisiologia, lembrando que, antes de Bichat, as doutrinas filosóficas animistas
e vitalistas impediam o progresso das ciências biológicas. Restringiu-se
Claude Bernard ao que pôde observar, analisar, testar e comprovar pela
metodologia racional das ciências experimentais no nível da fisiologia, isto é,
às causas imediatas.
Claude Bernard distinguiu o determinismo do fatalismo, onde não
existe relação necessária entre causa e efeito. Como consequência prática,
rejeitou o conceito de doença como entidade mórbida e admitiu a
possibilidade de previsão de seu curso e de intervenções para alterá-lo.
A noção de determinismo levou-o à do desenvolvimento
ontogenético programado. Na época em que Mendel cruzava suas ervilhas e
propunha as leis da herança, Claude Bernard, sem o saber, chegou muito
próximo da concepção do que, hoje, denominamos código genético. Para
ele, o mecanismo fundamental do desenvolvimento ontogenético - que
denominava evolução - seria o processo de nutrição, permitindo ao germe
desenvolver suas potencialidades e reparar as perdas, substituindo a matéria
degradada. Em verdade, Claude Bernard substituiu o conceito de pré-
formação pelo de determinação genética.
A causa primeira da vida e, portanto, do desenvolvimento, seria diretora,
mas a causa próxima seria de natureza físico-química. Tudo estaria esboçado
ou, como dizemos hoje, programado no ovo, mas não pré-formado.
Inclusive, como ele exemplifica, as doenças hereditárias de manifestação
tardia sob a influência de condições puramente físico-químicas.
Ao definir o ovo como uma fórmula orgânica que encerra um plano
de cada órgão, como uma planta ou mapa, demonstrou sua percepção
55

intuitiva do processa de determinação genética. A nutrição forneceria as


condições para a realização da ideia criadora, transmitida por
hereditariedade ou tradição organogênica.
Em 1878-1879 Claude Bernard publicou um dos primeiros textos
didáticos sobre a Biologia moderna e descreveu o que viria a ser
denominado ecossistema.
A teoria celular de Schwann e Schleiden, defendendo a ideia da célula
como a organização primária da vida foi a primeira grande generalização da
biologia. Aceita por Claude Bernard, ter-lhe-ia sugerido a ideia de que as
funções e os fenômenos naturais resultam da própria organização da
matéria, em níveis crescentes de complexidade, que apresentam
características próprias, intransferíveis e não redutíveis a outros níveis.
Quando se reúnem duas moléculas de hidrogênio com uma de oxigênio
resulta a água, com propriedades distintas das dos seus componentes, e
imprevisíveis a partir do conhecimento das propriedades de cada um deles.
Assim, a função do fígado é mais do que a soma das funções das células
que o constituem. E, quando se reúnem proteínas, aminoácidos e os demais
componentes celulares, resulta uma unidade orgânica com características
próprias derivadas de sua organização, entre as quais, as de se nutrir,
reproduzir, em resuma, viver.
Em 1939 Shelford comparava a ecologia à fisiologia, sendo a ecologia
um ramo da fisiologia geral que vê o organismo como um todo, em relação
com o ambiente natural, distinta da fisiologia dos órgãos. Em 1931
Chapman denominaria esta área autoecologia, que se desenvolve nos
limites da fisiologia.
Claude Bernard foi responsável por propor a noção de meio interior
ou endógeno: A medicina experimental ou científica será baseada, sobretudo, no
conhecimento das propriedades do meio interior.
A ecologia médica preocupa-se, por um lado, com os problemas
médico-sanitários resultantes das interações do homem com o ambiente que
o cerca e, por outro, com as relações do indivíduo com sua microbiota
endógena, para a qual o seu corpo constitui o ambiente exterior.
Desde Hipócrates aprendemos a reconhecer a influência de certas
condições do meio ambiente sobre a saúde, mas somente depois de Pasteur
e, em especial, após o desenvolvimento da microbiologia médica no século
56

20 tivemos a atenção voltada para o equilíbrio da microbiota individual e


para certas particularidades da ecologia microbiana como fatores
importantes na determinação da condição de saúde ou doença. Jan Sapp
descreveu a polêmica resultante da proposição da ideia de que a simbiose
seria regra geral e que muitas estruturas celulares, como as mitocôndrias,
teriam origem na incorporação de bactérias ao citoplasma ou ao núcleo de
células. Bacteriologistas pastorianos viam as bactérias como sendo
essencialmente patogênicas. As dificuldades técnicas em se tentar cultivar
isoladamente o que se supunha serem bactérias simbiontes provocou uma
longa polêmica e dificultou a solução do problema.
Ainda hoje os estudos sobre microfauna e microflora endógenas,
vistas como comunidades bióticas, merecem menos atenção do que os que
se preocupam com as consequências de suas relações com o hospedeiro, do
ponto de vista clínico-patológico.
Segundo Canguilhem, o conceito de meio, até o século 18 era apenas
discutido na mecânica e na física. Negavam os defensores do vitalismo que
o ambiente pudesse exercer influências mercantes sobre os organismos, uma
vez que admitiam que os compostos orgânicos e inorgânicos fossem de
natureza essencialmente distinta.
Lamarck fundou, em 1809, sua teoria evolucionista nas influências
diretas dos fatores do meio ambiente, que seriam mais acentuadas sobre
animais inferiores e vegetais. Possivelmente inspirou Claude Bernard na
admissão da maior independência dos animais homeotérmicos frente ao
meio ambiente. Calor umidade e luz são mencionados, especificamente, por
Claude Bernard, como fatores ambientais importantes. Julgou os animais
homeotérmicos livres mesmo, das influências sazonais, mantendo um meio
interior com condições de calor necessárias às manifestações dos fenômenos
vitais, isto é, mantendo os órgãos em banho-maria.
Dessa maneira, enquanto o ambiente exterior é extra orgânico ou
exógeno e comum aos seres organizados e às substâncias inorgânicas, o
meio interno é exclusivo dos organismos: é o que está em relação com os
músculos, nervos, glândulas etc.
Ao negar a influência do meio exterior sobre animais homeotérmicos,
Claude Bernard levou ao extremo a negação das ideias de Hipócrates,
57

dizendo que [...] a medicina antiga considerava a influência do meio cósmico, das águas,
dos ares e dos lugares [...]. Mas o que caracterizará a medicina experimental moderna, será
o fato de basear-se, sobretudo, no conhecimento do meio interior.
A elucidação do papel dos micro-organismos na etiologia das
doenças infecciosas e parasitárias trouxe, como consequência imediata, a
noção de que essas doenças constituem entidades definidas e resultam das
relações determinantes de causa e efeito, entre um agente e um paciente. A
pesquisa e identificação dos agentes causais dominou o panorama da
medicina no final do século 19 e no início do século 20. Uma nova
classificação nosológica, baseada na identidade dos agentes substituiu as
antigas, fundadas na descrição dos sintomas.
As técnicas microbiológicas modernas e as possibilidades abertas
pelos progressos da microscopia no século 19 descobriram novos horizontes
conceituais. A indústria química dos corantes para a moda foi aplicada à
preparação de corantes para a visualização de micro-organismos e de suas
estruturas. A ecologia dos micro-organismos implicados nas infecções
subclínicas, a pesquisa de suas relações com os hospedeiros, e a descoberta
dos fatores múltiplos, extrínsecos e intrínsecos que condicionam a doença
levaram-nos a admitir, finalmente, a multicausalidade das enfermidades.
A infecção parasitária por ancilostomídeos, por exemplo, atinge cerca
de um bilhão de indivíduos. Mas a doença afeta uma porcentagem mínima
desse total. Normalmente, a anemia decorrente das hemorragias provocadas
pelas escarificações da parede intestinal pelos parasitos é compensada
quando a alimentação é rica em ferro e proteínas. Em regiões onde o solo é
pobre em ferro, como sucede na Bacia Amazônica, a doença é prevalente.
Em outras regiões do globo, processos primitivos de colheita e cozimento,
com auxílio de instrumentos rústicos de ferro, incorporam partículas de
metal ao alimento consumido e a infecção permanece sub clínica.
Fatores culturais, sociais e econômicos exercem importante papel no
complexo causal, como infecções prévias; resistência, ou imunidade genética,
adquirida ou cruzada e estado geral atuam como fatores intrínsecos. O
reconhecimento da causa imediata de determinados processos mórbidos
que se detectam nos órgãos ou tecidos e que perturbam certas funções
orgânicas pode satisfazer o fisiologista, mas, do ponto de vista da ecologia e
da epidemiologia, todo o complexo causal precisa ser investigado.
58

No nível da comunidade biótica, a ecologia médica preocupa-se com


o estudo das inter-relações entre hospedeiros humanos e não humanos
como vetores e fatores ambientais. Dubos, em várias de suas obras chamou
a atenção para um aspecto importante da ecologia do meio interior ao
mostrar que à medida que os processos infecciosos agudos exógenos vão sendo postos
sob controle, torna-se mais fácil reconhecer-se as doenças microbianas de origem
endógena.
No meio endógeno, as relações ecológicas entre os elementos
integrantes das micro comunidades que colonizam os distintos biótopos ou
micro-habitats do corpo dos hospedeiros são as mesmas que regem as
interações dos componentes das biotas exógenas. A similitude de
propriedades dos ambientes externo e interno fica evidente quando
comparamos as citações, escritas com um século de diferença, por Claude
Bernard e as de um documento da UNESCO sobre o equilíbrio na biosfera:
Bernard escreveu que Os fenômenos vitais têm uma elasticidade que lhes permitem
resistir, dentro de limites mais ou menos amplas, às causas de perturbações que se
encontram no meio ambiente. Recentemente enquanto que a UNESCO (1970)
prevenia que De um modo geral, a biosfera é caracterizada por uma grande estabilidade
frente às influências externas, a que se reflete no fato de que ela pode suportar sem que os
processos essenciais sejam inibidos, modificações profundas em sua estrutura. Dito de outra
maneira, ela é dotada de uma grande plasticidade estrutural.

1.5. ESTRATÉGIA DA DIVERSIDADE


As regiões tropicais sempre despertam particular interesse dos
habitantes das zonas temperadas. A riqueza da vegetação e a velocidade
dos processos de regeneração e de sucessão ecológica, que se desenvolvem
sem as interrupções sazonais características dos climas temperados,
constituem seus aspectos mais mercantes.
Nas regiões temperadas, as florestas mostram-se mais abertas, menos
variadas, mais uniformes e ordenadas. Os rigores do verão e do inverno
condicionam os ciclos biológicos e verifica-se uma renovação periódica da
paisagem e dos seus componentes.
Na Europa e na América do Norte, o excursionista de fim de semana
encontra, no contato direto com a natureza, as compensações que busca
quando foge ao ritmo da vida urbana. Seu interesse pela fauna e flora é
59

suportado por uma abundante literatura que lhe permite observar aves,
identificar espécies de plantas e animais com facilidade. A diversidade é
reduzida, em comparação com o que se vê nos trópicos.
O homem dos trópicos que o imita se vê frustrado. O que conhece da
mata veio-lhe de leituras superficiais, de livros infantis onde figuram animais
estrangeiros e do cinema; o contato direto com ela o decepciona e
amedronta; a confusão da vegetação arbórea e escansora dificulta-lhe os
passos e as árvores, literalmente, o impedem de ver a floresta, Os poucos
animais que enxerga são incômodos ou fugidios. Por outro lado, seu
interesse pela biologia não lhe permite apreciar o que há de interessante e
belo nas paisagens abertas dos cerrados e caatingas.
A ideia dominante é a de limpar o mato e ordenar o caos. As casas
dos colonos primam pelo aceiro limpo e varrido que as isolam e protegem
do avanço sucessional das capoeiras.
O viajante nos países altamente industrializados e nas regiões
progressistas dos trópicos tem a impressão de que dentro de algum tempo
toda a superfície da terra deverá estar ocupada por campos cultivados,
florestas homogêneas, asfalto e edifícios. A natureza estará dominada e a
vontade do homem substituirá as leis biológicas naturais.
Na Bélgica e Holanda já não existe lugar de onde não se enxergue
uma construção humana e, talvez, por esta razão, os parques nacionais que
esse país implantou na África estejam entre os melhores e mais bem
manejados.
Bremaeker, em 1974, ao analisar a distribuição da população segundo
o censo de 1970 assinalou o aspecto irregular da distribuição da população
como se fosse possível e ecologicamente desejável espalhá-la, como a
cobertura de um bolo, igualmente por toda a superfície, sem levar em conta
as peculiaridades e as vocações regionais.
A redução à uniformidade, contrariando a estratégia da diversidade
natural que culminou no aparecimento da nossa espécie na África tropical
constitui um dos problemas que nos reserva o futuro.
O processo seguido pela evolução orgânica parece, à primeira vista,
não ser econômico. A recombinação e as mutações gênicas que ocorrem ao
acaso, não surgindo em resposta a solicitações naturais diretas do ambiente
60

oferecem uma enorme soma de opções; dentre as quais, muito poucas são
selecionadas por seu valor adaptativo. Essa falta de direção e de sentido,
que implica na inexistência de finalidade ou destino, constituiu, na verdade,
o ponto crucial da teoria da seleção natural que mais dificultou sua
aceitação generalizada.
Vistas em retrospectiva, as linhagens filogenéticas parecem ordenadas,
encadeadas e ortogenéticas, e esse argumento foi utilizado por filósofos,
cientistas e políticos que não queriam admitir as evidências contrárias às
suas tendências, teorias e interesses.
A teoria proposta por Darwin aplica-se a vários níveis de organização
e permaneceu válida mesmo depois que se verificou que seu autor ignorava
a verdadeira causa das variações individuais. Realmente, a ideia de seleção
independe da natureza da variação demonstrada, a partir dos trabalhos de
Mendel, pelos geneticistas do século 19.
A seleção age diretamente sobre os fenótipos, o que resulta na
seleção indireta dos genótipos mais viáveis, cuja tradução em caracteres se
faz por estímulo dos fatores ambientais.
Para o leigo, como vimos, a teoria de Lamarck é mais simpática e
intuitiva, uma vez que ele vê na resposta imediata e hereditária às pressões
e influências ambientais, um mecanismo mais simples, direto e econômico.
Na verdade, o próprio processo evoluiu por seleção. Alguns milhões
de anos se passaram antes que um sistema genético, protegido das
oscilações de um meio instável viesse manter a unidade das espécies
incipientes. Os coacervados iniciais devem ter sofrido as influências diretas e,
ao se reproduzirem, transmitiram informações assim adquiridas - e isso deve
ter resultado na falha de inúmeras tentativas de síntese orgânica.
Um exemplo da eficiência do processo adotado ou selecionado pelo
próprio processo evolutivo é o sistema antígeno/anticorpo, onde a
informação que permite aos anticorpos reconhecerem os antígenos é
geneticamente determinada e os anticorpos são selecionados pela
estimulação dos antígenos.
Nos postulados em que Darwin baseou sua conclusão em favor da
seleção natural está referido o problema ecológico da produtividade: em
certas espécies, onde o número de ovos de larvas ou filhotes está na ordem
61

dos milhões, enquanto que as populações de adultos oscilam relativamente


pouco. O material oferecido à seleção garante a manutenção das
características das espécies.
Em qualquer população os indivíduos diferem entre si, nos pequenos
detalhes. Essas diferenças são em parte genéticas e em parte fenotípicas. A
capacidade de acomodação de cada indivíduo é um exemplo, e
corresponde, na espécie, à capacidade de adaptação. Resistência ao frio ou
calor, à altitude, às variações do pH diferem de um para outro indivíduo e
de uma espécie para outra. Isso assegura a sobrevivência de parte da
população, quando ocorrem alterações ambientais sensíveis e duradouras.
Os fatores para os quais o limite de acomodação ou de adaptação é
reduzido são considerados fatores limitantes. Muitas vezes esses fatores são
pouco conspícuos, como é o caso de elementos-traço no substrato; isso
explica a ausência de uma espécie de uma região que parece propícia â sua
ocorrência. A história da biosfera retrata o resultado das modificações
causadas pelas interações dos organismos com o substrato e a atmosfera.
No curso da evolução geológica, modificou-se a composição da atmosfera e
dos solos, o pH das águas, a quantidade e a qualidade das radiações
incidentes. Se não houvesse a elasticidade homeostática da acomodação e a
possibilidade da adaptação, através da variação individual, populacional e
específica, a vida ter-se-ia extinguido. De fato, milhares de espécies se
extinguiram. Grupos inteiros desapareceram, alguns sem deixar
descendentes.
Apesar da aparente fragilidade dos sistemas biológicos, existem
espécies que consideramos nocivas e que tentamos erradicar por todos os
meios, utilizando os mais avançados recursos da tecnologia moderna, sem o
conseguir. Por outro lado, adotamos medidas extraordinárias para salvar
espécies que se encontram ameaçadas de extinção ignorando que a
unidade biótica é a comunidade e não a espécie isolada do seu
ambiente.
Além do potencial biótico ou potencial de reprodução e da
manutenção dos ambientes naturais, outro fator se destaca, em relação à
permanência e extinção de espécies.
62

De um modo geral podemos classificar os organismos segundo o tipo


de dinâmica populacional e consequente seleção em r e k. A produtividade
elevada é incompatível com um grau elevado de eficiência: a conversão
rápida, mesmo com desperdício, de energia ou alimento em material de
reserva não se harmoniza com a eficiência ecológica. A eficiência é expressa
pela fórmula produtividade/energia que entra no sistema e é independente
do tempo, ao contrário do que acontece com a produção. Assim, a
velocidade do processo não aumenta sua eficiência e pode levar o sistema
ao desequilíbrio.
Nas regiões tropicais, a seleção favorece a eficiência e, nas regiões
temperadas, a produtividade. A seleção em k favorece, realmente, a
independência da produção frente à densidade de população.
Durante o processo de sucessão ecológica, as espécies pioneiras são
aquelas favorecidas pela seleção r mostram um elevado potencial biótico,
mas têm pequena capacidade de competir, desaparecendo à medida que o
habitat se torna propício à colonização sucessora. Além das pioneiras, a
biota das regiões temperadas e os comensais caseiros são exemplos típicos
de seleção em r.
Aqueles que são favorecidos pela seleção em k têm reprodução lenta,
grande capacidade de competição, maior estabilidade populacional;
preferem ambientes estáveis, sem as oscilações climáticas sazonais, e,
portanto, são típicas das regiões tropicais. Os indivíduos encontram-se
esparsos pela área de distribuição; há uma economia energética, ao
contrário do que se verifica no caso da seleção em r. O aproveitamento
máximo dos recursos leva à competição.
Quando o potencial biótico é elevado, a competição intraespecífica
leva a espécie a ocupar maior variedade de habitantes, inclusive os
marginais ou ecótonos.
A competição interespecífica faz com que as espécies se retraiam a
nichos e habitats específicos, para os quais está mais bem adaptada.
Somente no caso de nichos ecológicos vazios, outra espécie, sem as devidas
qualificações, poderá ocupá-lo, como sucede com os Alouatta ou guaribas,
na América tropical: macacos especializados para a vida arborícola ocorrem
63

nos cerrados, na ausência de espécies vicárias dos babuínos e mandris, que


vivem nas savanas africanas.
Os ratos comensais cosmopolitas apresentam as características de
seleção em r. Por esse motivo, fracassam as tentativas de controle que não
conseguem reduzir, imediatamente de 90% a população local. A redução por
veneno, por exemplo, de 50% a 90% da população faz com que a taxa de
incremento populacional do remanescente seja de 2% a 6% mês. Se for
reduzida de mais de 90%, a recuperação é de 1 % a 3% mês até atingir 10%
do nível original e, então, se acelera.
Esses fatores devem ser levados em conta por todos os responsáveis
pelo planejamento do ambiente em que vamos viver, no futuro. À
engenharia ambiental e à ecologia do desenvolvimento cabe a
responsabilidade de assegurar as características do meio e a continuidade
dos fatores que permitiram ao homem atingir a posição de domínio da
biosfera.
A variabilidade ecológica - tanto do ambiente como da própria
espécie humana - constitui o elemento fundamental da fórmula da
sobrevivência. A preservação e o estudo minucioso dos ecossistemas
naturais constituem, portanto, as bases da própria antropologia ecológica.
64

CAPÍTULO II:
ECOLOGIA HUMANA: PRIMÓRDIOS E ORIGENS

2.1. GEOGRAFIA, CLIMA E SAÚDE


O interesse pela adaptação das populações humanas ao seu ambiente
data de longa data. Historiadores, geógrafos, antropólogos, etnólogos,
sociólogos, psicólogos e pesquisadores das áreas das ciências naturais
preocuparam-se muito cedo com a análise das relações do homem com o
meio físico e biótico.
A Geografia Médica nasceu das observações empíricas dos viajantes,
durante a antiguidade clássica. Hipócrates, por sua vez, correlacionou certos
padrões epidemiológicos e determinadas características ambientais de
caráter regional e sazonal, que seriam responsáveis por sua ocorrência e
recorrência.
Desde a antiguidade, as influências do clima sobre as atividades
humanas e a saúde receberam atenção especial e ocuparam lugar de
destaque nos estudos de geografia humana, como ressalta a obra de
Brunhes (1934), que contém uma importante revisão bibliográfica sobre o
tema. Entretanto, como alertam os historiadores e filósofos da ciência, é
necessário distinguir ideias de protoideias a fim de não se correr o risco de
identificar como pioneiros, autores que não chegaram a compreender os
fundamentos básicos da nova disciplina.
Médicos-naturalistas engajados em viagens de circunavegação
descreveram, ao lado de aspectos paisagísticos das regiões exóticas
visitadas, particularidades de sua flora, fauna e habitantes. Animais e plantas
curiosos, reais e imaginários ou mitológicos, receberam atenção especial nos
bestiários e herbolários medievais e renascentistas, como vimos. O almirante
cartaginês Hannon, no início do século 5 a.C., descobriu em uma ilha
próximo a Serra Leoa, gorilas ou chimpanzés, que descreveu como selvagens
que apresentavam o corpo coberto de pêlos e Linnaeus (1758) incluiu, na décima
edição do Systema Naturae, ao lado de Homo sapiens, um Homo sylvestris.
A ideia da insalubridade da zona tórrida ou equatorial persistiu por
muito tempo como uma das consequências de um determinismo ecológico
infeliz e, ao lado das produções naturais das Américas foram descritas as
65

doenças encontradas e os primeiros surtos provocados pela introdução de


enfermidades do velho mundo nas populações suscetíveis. Por outro lado,
no Dialogo das Grandezas do Brasil, escrito por Ambrosio Fernandes
Brandão, médico português que se radicou na Paraíba tentou desfazer os
preconceitos de insalubridade da terra e do clima e que considerou a nova
terra tão conforme para a humana natureza, que bem se puderam largar as outras duas
temperadas pelas incomodidades das injúrias, que nellas faz a mudança dos tempos e seus
habitadores, causa de tantas enfermidades.
Antes de se saber como são herdadas as doenças de origem genética,
e como são adquiridas as transmissíveis, firmara-se a noção de distribuição
limitada e da preferência de certas enfermidades por certas etnias. A
atribuição da peste aos judeus, na Idade média, o mal francês, italiano,
polonês ou sífilis, supostamente introduzido por soldados em várias guerras,
e as doenças tropicais, de que ainda se fala nos dias de hoje constituem
designações estigmatizantes e falsas ou imprecisas.
O estudo da origem e da distribuição geográfica original das doenças
é dificultado pelo papel do homem como agente voluntário ou acidental
primordial de dispersão de animais, plantas e micro-organismos. Além disso,
existe a dificuldade em identificar-se com precisão, nas descrições
superficiais, imprecisas e às vezes, fantasiosas dos autores antigos, sintomas
que permitam chegar a um diagnóstico seguro. Por outro lado, certas
técnicas modernas permitem-nos analisar DNA em tecidos orgânicos e
coprólitos ou fezes fossilizadas e nelas identificar ovos de endoparasitos
(Gonçalves et al., 2002).
Ainda hoje prevalece a ideia de que o viajante, turista ou colonizador
expõe-se ao risco de contágio quando deixa a sua civilização. Poucos se dão
conta de que, muitas vezes, ele é o vetor de micro-organismos que vão
contaminar populações humanas ou animais de hospedeiros potenciais
suscetíveis de zoonoses, em áreas indenes. A América do Sul recebeu, na
verdade, maior número de agentes patogênicos provenientes da Europa e
África do que exportou (Crosby,1991;Crosby,1993; Governo Regional da
Madeira, 1999).
Podemos identificar as origens da moderna ecologia humana nas
tentativas feitas para relacionar a ocorrência de doenças com os padrões
climáticos determinados pela distribuição geográfica das populações
66

humanas. Até a segunda metade do século 19 considerava-se o clima como


o principal fator determinante da ocorrência de enfermidades. Entretanto, a
geografia médica deve ser analisada juntamente com a evolução da
biogeografia, da fitogeografia e da zoogeografia. Para isso, o leitor poderá
consultar o artigo publicado por Larson em 1986.
Entre 1792 e 1795, após uma longa série de imprevistos, foram
publicados os três volumes da obra de Leonhard Ludwig Finke que marcou
o nascimento da geografia médica, por ele, então denominada topografia
médica e definida como o estudo das influências do solo, clima e atividades
sobre as doenças. Além dos fatores ambientais, Finke chamou a atenção
para a importância do estilo de vida, hábitos e costumes nos diferentes
países. As expressões topografia médica e corologia passaram a ser usadas
por autores subsequentes.
Segundo Barrett, dez anos antes, um médico francês, Dehorne, usara a
expressão geografia médica e, em 1884 propôs um projeto para que se
publicasse uma geografia médica da França, o que havia sido objeto de
discussão no Journal de Médécine Militaire em 1786.
Seguindo a tradição hipocrática, a teoria da correspondência da
ocorrência e distribuição das doenças com as latitudes e altitudes do globo
terrestre foi defendida, a partir do século 19 por vários autores. Um dos
pioneiros foi Jean Boudin, na França, que, em 1843 defendeu a ideia de que,
como as plantas e os animais, as doenças têm padrões e limites definidos de
ocorrência. Descreveu as mudanças que ocorrem nos padrões das doenças
ao longo do tempo, para o que propôs o nome de cronologia médica. Na
Suíça, Lombard, em uma obra sobre climatologia médica publicada entre
1877 e 1880 começou por listar as doenças que eram características de cada
estação do ano na Europa, como a hiperemia, no inverno, pletora na
primavera, hipoemia no verão e anemia no outono. Em seguida, realizou
uma comparação minuciosa da ocorrência das doenças de cada estação do
ano europeu com sua prevalência nas zonas climáticas correspondentes do
globo, estabelecendo uma relação entre a ocorrência sazonal e as
circunstâncias geográficas ou climáticas responsáveis por elas. Além disso,
propôs-se a analisar as questões de raça, habitação e outras, que constituem
o campo da etnografia. Lombard mencionou como predecessoras de suas
67

ideias uma série de autores de obras clássicas que o precederam e


influenciou gerações que o sucederam.
A necessidade de conhecer as doenças que ocorriam nas colônias das
potências europeias fez com que esse tema adquirisse importância
crescente, como o atenta o grande número de artigos publicados nos
Archives de Médécine Navale, na França a partir de 1864, em Jahresbericht
über die Leistungen und Fortschritte in der gesamten Medizin, editado por
R. Virchow e A. Hirsch, e em outros periódicos da época. No final do século
daria origem à Medicina Tropical.
Em 1897, Ratzel propôs a expressão Antropogeografia para o estudo
da geografia humana, que passou a ser geralmente utilizado até
recentemente, inclusive no Brasil por Raimundo Lopes, do Museu Nacional,
Rio de Janeiro.
Entre nós, Samuel Pessoa foi quem melhor definiu e historiou a
geografia médica.
Entretanto, a teoria climática das doenças, originária da escola de
Hipócrates, que vigorou na medicina até o século 19, persiste no imaginário
popular até os dias de hoje.
No relatório de 1862 da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
consta uma referência à instalação dos aparelhos adquiridos para uma
estação meteorológica na sala das sessões não havendo lugar para eles
onde seriam úteis para observações clínicas.
Na Imperial Academia de Medicina do Rio de Janeiro, Nicoláo Moreira
leu uma memória sobre climatologia que foi criticada por Torres Homem
(1863): Os indivíduos que vivem debaixo da influencia de um clima tropical são quase
todos debeis, pouco activos, languidos, em virtude da abundancia das exhalações pulmonar
e cutanea, da secreção biliar e espermatica; suas forças são tambem esgotadas pelos abusos
frequentes do coito a que elles se entregão, como que forçados pelas exigencias do
organismo [...].
Poderíamos ilustrar caricaturalmente as mudanças ocorridas na época,
pelas figuras de um médico de fraque e lorgnon discursando ao pé do leito
de um paciente e a de seu sucessor, em mangas de camisa e jaleco, ao lado
de um microscópio e cercado de amostras de sangue, fezes e urina.
A bacteriologia médica e a imunologia nascente combinadas
ofereciam, à primeira vista, a solução para todos os problemas. Bastava
68

identificar um organismo patogênico e preparar um soro ou vacina. Além


disso, Pasteur propôs a teoria da antibiose. Entretanto, como veremos, não
se podem fazer correlações simples de causa/efeito quando os problemas
são multicausais. Apesar do reducionismo pastoriano, criticado por
médicos clínicos como Charles Bouchard, cuja vida e obra foram analisador
por Contrepois (2002) (Ackerknecht, 1986), as contribuições de Pasteur às
teorias médicas, à imunologia e à ecologia, sua influência mudaria o curso
da biologia e da medicina. Críticas também vieram de Virchow, apologista
das influências políticas e sociais sobre a ocorrência de doenças nas
populações humanas.
A política colonial necessitou, por um lado, estabelecer condições de
vida aceitáveis para a legião de funcionários civis e militares destacados para
servirem em regiões tropicais e administrar impérios coloniais com
características étnicas, culturais e históricas diversas e, por vezes,
incompreensíveis para os colonizadores.
A geografia humana e a geografia médica, por sua vez, estão na
origem da medicina tropical e, em consequência, da ecologia humana.
Os primórdios da medicina científica moderna, ou seja, da medicina
baseada em evidências datam dos trabalhos de Rudolf Virchow, criador da
patologia celular e defensor da noção da importância dos fatores
econômicos, políticos e sociais para a saúde coletiva; de Claude Bernard, que
estabeleceu os fundamentos da fisiologia médica; de Louis Pasteur, que
fundou a microbiologia médica, a teoria da especificidade das doenças e da
origem microbiana da fermentação, putrefação e das infecções, e de seu
contemporâneo Robert Koch que desenvolveu as técnicas de laboratório
utilizadas até hoje. A bacteriologia pastoriana introduziu o laboratório nos
hospitais e no currículo da medicina e os aparelhos de análise clínica e
microbiológica substituíram as estações meteorológicas utilizadas para
prever surtos epidêmicos. (Contrepois, 2002) Ao mesmo tempo, abriu
caminho para a futura ideia de reciclagem de nutrientes que fundamenta o
modelo teórico do ecossistema.
69

2.2. DA GEOGRAFIA MÉDICA À MEDICINA TROPICAL


Perdura até hoje, para muitos, uma imagem paradisíaca dos trópicos
reminiscente daquela retratada por Sir Walter Raleigh, almirante da rainha
Elizabeth I, em sua obra History of the world, publicada em 1614. Ainda em
2005 o Instituto Goethe da Alemanha divulgava na internet um site
intitulado Visões a partir do centro do Globo ou O Paraiso na outra esquina,
onde se lia que, 23 graus de latitude é um limite incisivo, em que o sentimento da
vida, a contemplação da natureza e a concepção de arte se transformam radicalmente. [...]
Os trópicos são um lugar onde o paraíso e o inferno demonstram estreita vizinhança, onde
o luxo perdulário e a miséria mais amarga estão em casa, onde a fantasia cativante e o
desespero se casam no realismo mágico, onde a desmesura e o tédio se revezam. As
poucas ilhas artificiais de prosperidade econômica, como Cingapura e Hong Kong, onde os
homens pensam ter superado os trópicos, são raras exceções.
No Dialogo das Grandezas do Brasil, do século 16, Ambrosio
Fernandes Brandão, seu autor que permaneceu anônimo até o século 20 fez,
por sua vez a apologia do clima tropical. O livro foi escrito sob forma de
diálogo e, após longa discussão sobre a origem dos homens, animais e
plantas americanos, os interlocutores abordam o ponto principal da
discórdia: Não discutamos mais sobre essa matéria, porque com ella nos havemos
desviado muito de nossa prática, que era havermos de tratar dos bons céos, ares e caridade
de que goza a terra do Brasil. Os nativos que são levados à Europa não resistem ao clima
ruim de lá [...] mas no Brasil se acha isto ao revéz, porque toda gente de qualquer nação
que seja prevalece nelle com saude perfeita, e os que vêm doentes cobram melhoria em
breve tempo. E a razão é o serem estas terras do Brasil mais sadias e de melhor
temperamento que todas as demais.[...] Eu não disse absolutamente que no Brasil não havia
doenças, porque isso seria querer encontrar a verdade; mas o que quiz dizer é que as
doenças, que há nelles, são tão leves e faceis de cura.
As opiniões dos viajantes dos séculos seguintes variaram entre o
exagero dos perigos do inferno verde e a apologia do paraíso tropical, e,
com poucas variações, chegaram aos nossos dias.
Em 1791 Alexandre Rodrigues Ferreira ao descrever as enfermidades
endêmicas da Capitania de Mato Grosso observou que os habitantes da
Capitania do Rio Negro, [...] pela sua cor e fisionomia, pelas suas vozes e outros
visíveis efeitos da influência do clima, pode-se logo ajuizar das qualidades do céu e do
terreno em que vivem. A cor, em quase todos os filhos dos brancos, ou sejam tais ou
mamelucos, é macilenta; as vozes, débeis e desentonadas, e todos eles ociosos e
negligentes.
70

E, em seguida, estende essas características devidas ao clima, aos


habitantes das outras colônias tropicais situadas em regiões de rios
caudalosos e densamente florestadas.
Em 1844, Sigaud, vindo da França, discutiu o condicionamento ou
determinismo ecológico, que dominou o pensamento científico até os
nossos dias.
Brasileiro, médico da família imperial, José Mariano da Cruz Jobim
doutorou-se na França com uma tese sobre vacinas. Em meados do século
19, Jobim dedicava-se à patologia intertropical e, segundo seu biógrafo
Reginaldo Fernandes acreditava que tanto o meio interior quanto o meio
cósmico determinam a nosologia de cada país. Em seu discurso pronunciado
na sessão inaugural da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1839,
hoje Academia Nacional de Medicina, Jobim propôs como um dos seus
objetivos o método das topografias médicas já estabelecido na Europa.
Através desse método, viriam a ser conhecidas [...] todas as condições físicas
apreciáveis da atmosfera e do solo, a umidade, a temperatura e eletricidade, as estações, a
natureza do terreno, as suas produções e [...] o número de indivíduos que nascem, os que
morrem, de que moléstias e com que relação entre os sexos, as idades, os temperamentos,
os ofícios e, assim, poderíamos obter a solução de várias questões relativas às epidemias ou
endemias que existem ou podem existir no nosso País.
Uma Noticia dos trabalhos de Pasteur sobre as fermentações assinada
por Francisco Freire Alemão de Cisneiros, conhecido dos botânicos e
zoólogos, tendo sido diretor do Museu Imperial Nacional foi publicada, em
1862 na Gazeta Médica do Rio de Janeiro. O leitor interessado encontrará
também, nos tomos da Gazeta Médica da Bahia (1866-1867), uma a rica
discussão das relações clima-saúde pouco antes da popularização daquelas
ideias de Pasteur e Koch que deram origem à moderna microbiologia
médica.
Em 1864 Nicoláo Moreira apresentou à Imperial Academia de
Medicina uma série de Memórias sobre a tuberculose. Na primeira há um
capítulo sobre Influencia dos climas, onde diz: A questão dos climas como agentes
modificadores das affecções tuberculosas tem sido e ainda é motivo de controversia entre
distintos clinicos, e no campo da luta se encontrão aquelles que sustentão que a phtysica
pulmonar se arrefece e mesmo desaparece debaixo da influencia dos climas quentes, e de
outro lado os que julgão que esta molestia não só é modificada por esses climas, como
tambem querem que elles sejão cauza favoravel e provocadora da tuberculização.
71

Em 1871, Demetrio Cyriaco Tourinho iniciou sua tese de concurso


para professor da cadeira de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da
Bahia retomando o texto do Conselheiro Jobim afirmou, citando a
Géographie Médicale de Boudin que nascimento, modo de vida, sofrimento
e morte dependem da natureza do solo e do clima, modificando-se
conforme a raça e a nacionalidade.
Ao contrário de muitas teorias que passaram a ser aceitas somente
passada uma geração, as de Pasteur foram adotadas em um decênio.
Em 1907 Afrânio Peixoto publicou Clima e doenças do Brasil. Dez anos
mais tarde seu novo objetivo foi o de desenvolver, a partir de 1917, o tema
Clima e salubridade do Brasil nas aulas ministradas na disciplina de Higiene
da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, no qual focalizava aspectos do
que denominava Introdução biogeográfica à civilização brasileira, lançando
as bases do que viria se chamar de tropicalismo. Afrânio Peixoto não
admitia o determinismo climático, criticando a designação de medicina
tropical.
Na Amazônia, Hermenegildo Lopes de Campos defendia a salubridade
do clima do Amazonas, publicando, em 1909 a Climatologia médica do
Estado do Amazonas, seguindo o método de Lombard.
E nosso contemporâneo Lévi-Strauss abordou, em 1955, a questão da
vida nos trópicos do ponto de vista de um sociólogo em Tristes tropiques,
escrito com base em observações que fez em viagem ao Brasil.
Começam aqui as dificuldades para se definir medicina tropical, frente
ao emaranhado de conceitos que envolvem aspectos de geografia, ecologia,
fantasia, e noções ultrapassadas de determinismo ecológico.
O primeiro ponto fraco em toda essa literatura consiste em um erro
fundamental: de acordo com as classificações dos climatologistas, não existe
clima tropical. Muito menos em uma área de extensão continental, com
altitudes e topografia variadas. Por outro lado, ao combater o conceito de
doenças tropicais, alguns autores defenderam o de saúde tropical. Afrânio
Peixoto, por exemplo, que afirmava que não há doenças climáticas e portanto não
há doenças tropicais, em outro trecho de sua obra reconheceu que a
poliomielite ocorre nos climas frios. Em seguida, admitiu que a influência do
clima não fosse determinante, mas coadjuvante. Por outro lado, é certo, que
72

determinados padrões de distribuição geográfica de hospedeiros e vetores


delimitam a ocorrência das zoonoses.
A medicina tropical tem suas raízes mais remotas na escola
hipocrática, quando discute a influência de Ares, águas e lugares sobre
doenças epidêmicas.
Em consequente da expansão colonialista, o comércio marítimo e a
medicina naval de ingleses, franceses e holandeses foram responsáveis pelo
desenvolvimento de conhecimentos e práticas que se podem chamar de
periféricas. Mas a expansão das colônias na África, Ásia, Índias Orientais, e
Antilhas passaram a exigir o desenvolvimento de conhecimentos específicos
e a permanência de médicos residentes nas colônias. Por sua vez, as
colônias Ibéricas, dependiam de metrópoles onde as ciências tardaram a se
desenvolver. A moderna medicina tropical surge, assim, no auge da era dos
impérios coloniais, onde em lugar do G-8 e dos grandes bancos, exércitos
de militares e de funcionários administrativos controlavam o comércio, a
indústria e a riqueza das nações.
Noções empíricas de higiene haviam tornado as cidades europeias
mais saudáveis e dilatado os índices de expectativa de vida. Mas não o
suficiente para dar razão a Semmelweiss, quando se tratava de admitir que
médicos e enfermeiras pudessem contaminar seus pacientes (Salomon-Bayet,
1986). Entretanto, as estatísticas médicas no século 19, ainda incipientes e
muitas vezes viciadas mostravam diferenças consideráveis na expectativa de
vida na Europa e nos trópicos, tanto entre as populações nativas quanto de
europeus.
A maioria das doenças que ocorriam nas regiões tropicais eram
originárias do continente europeu e algumas flagelavam periodicamente
regiões da Europa, onde a malária, por exemplo, permaneceu endêmica até
a década de 1940 e o cólera ressurgiu no início da década de 1970. Primeiro
a história e depois a paleopatologia, mais recentemente a paleoparasitologia
vêm esclarecendo a origem geográfica das doenças, antes atribuídas a
outros como o mal francês, napolitano e gálico. Mas o interesse pelas
doenças que ocorriam nas colônias com características próprias ou com
exclusividade, tinham interesse estratégico. Especialmente aquelas, de
origem parasitária, para as quais não existiam vacinas.
73

Costuma-se associar o advento da medicina tropical às pesquisas de


Manson sobre filariose, realizadas fora dos trópicos e às de Ronald Ross
sobre malária, sob a orientação de Patrick Manson que se mostrava cético
sobre a individualidade deste campo de especialização. Por outro lado
justificava, como de utilidade prática, a denominação de medicina tropical,
título de sua importante e duradouro tratado.
Se, do ponto de vista bioecológico a infecção constitui um fenômeno
de associação trófica entre organismos, do ponto de vista nosológico
distinguem-se tradicionalmente as infecções bacterianas e virais das
parasitoses. Ora, eram principalmente as parasitoses que preocupavam as
autoridades coloniais e os médicos militares. Estabeleceu-se, por outro lado,
uma tradição de trabalhos de campo buscando compreender a história
natural das doenças, o que hoje denominamos sua ecologia.
Disputas acirradas por prioridade nas descobertas como as que
envolveram Ross e Grassi no caso da malária associadas a rivalidades
nacionalistas que opunham pesquisadores franceses, ingleses, alemães e
italianos em campos opostos resultaram, por vezes, em falsas descobertas,
mas por outro lado, em um progresso rápido da parasitologia, da zoologia e
da ecologia das doenças infecciosas e parasitárias.
Enquanto isso, outro filão de descobertas contribuiria para a
integração futura de conhecimentos originários da antropologia, da
medicina, das ciências naturais e da ecologia nascente.
Muito antes da proposição dos postulados da pesquisa experimental
por Henle e Koch que permitiram tirar conclusões objetivas e seguras sobre
os patógenos responsáveis por doenças infecciosas, e da formulação das
teorias de Pasteur, observações empíricas levantavam suspeita sobre o papel
de animais não humanos na transmissão de doenças ao homem. Talvez o
episódio mais conhecido fosse o que levou ao uso generalizado da
variolização que, no ocidente, data das observações e do método
introduzido por Edward Jenner, na Inglaterra, em 1796.
Para os leitores de língua portuguesa a melhor fonte accessível para
quem desejar explorar o tema das relações do clima e saúde é a obra de
Edler sobre a medicina no Brasil Imperial.
74

Entretanto, observações singelas sobre a origem de doenças foram


registradas no folclore popular, desde a antiguidade. A ideia de contágio,
por exemplo, é muito antiga e levou à adoção de práticas de isolamento de
pessoas e de localidades, como a da quarentena, instituída em Veneza como
medida prática para evitar a entrada da peste na cidade, por ocasião da
grande epidemia que assolou a Europa no século 14 e adotada em Ragusa
em 1377.
A observação de fenômenos menos evidentes, mereceu registro ao
longo da história da medicina e das doenças, como vimos anteriormente.
Leonídio Ribeiro, em seu estudo histórico da medicina no Brasil publicado
em 40, já mencionado, incluiu na coletânea um artigo de Arthur Neiva sobre
o Tratado Decriptivo do Brazil de Gabriel Soares de Souza, escrito em 1587,
mencionado anteriormente, sobre a possível transmissão da bouba por
insetos.
Os naturalistas viajantes que percorreram as Américas tiveram
oportunidade de entrar em contato com numerosas espécies de parasitas e,
em certos casos, de descrevê-los. Assim, La Condamine, em 1745 mencionou
o encontro, na Amazônia do berne, conhecido como Nahias suglacuru e em
Caiena como verme-macaco que cresce na carne dos animais e que, ao que
diziam, nasce do ovo depositado na chaga deixada pela picada de uma
espécie de mosquito.
Outro médico, Antoine Joseph Pernetty, membro da expedição de
Louis Antoine de Bouganville, descreveu corretamente em 1870 os
sofrimentos causados pelo bicho-de-pé, e o perigo de descuidar-se das
feridas por ele causadas, as quais deveriam ser tratadas com aplicações de
tabaco e era necessário evitar a umidade, nos dias de grande calor: Sem esta
preocupação a experiência nos mostrou que o paciente fica ameaçado de espasmos do
tétano, mal tão perigoso que pode levar à morte.
A possibilidade de veiculação mecânica de enfermidades começava a
ser admitida no século 19. John Snow, conhecido pela contribuição pioneira
ao conhecimento da transmissão do cólera pela água sugeriu, também, a
possibilidade da intervenção de moscas no seu ciclo. Nesta categoria
inscrevem-se os trabalhos de Josiah C. Nott, publicado em 1843 nos Estados
Unidos.
Theobald Smith e Griffith Evans, mencionados como pioneiros da
75

medicina tropical teriam suas descobertas confirmadas após a contribuição


de Patrick Manson, em 1877, elucidando a transmissão, por mosquitos, das
larvas de filarias, responsáveis pela doença popularmente conhecida como
elefantíase, em referência aos enormes edemas provocados pelo bloqueio
dos vasos sanguíneos, principalmente nas pernas.
No caso das fermentações, Pasteur também enfrentara a questão da
taxonomia de bactérias, então rudimentar a das pulgas de Simond e que foi
obrigado a aprofundar.
Ross seria pioneiro no estudo do controle indireto de doenças
transmissíveis por mosquitos, através do combate aos vetores. Calculou,
além disso, os índices de infestação necessários para que a transmissão ao
homem fosse possível.
Um interesse crescente pela origem e distribuição geográfica de
doenças infecciosas e parasitárias teve lugar, envolvendo médicos e
naturalistas viajantes, e acendendo disputas por prioridades, acirradas por
rivalidades nacionalistas. A criação de escolas e institutos dedicados ao que
se denominou medicina tropical resultou em progressos notáveis no campo
da parasitologia, entomologia, zoologia e da ecologia.
A expressão medicina tropical sobrevive nos dias atuais, malgrado
sua impropriedade já reconhecida pelo próprio Manson, que a utilizou no
título de sua obra, que já ultrapassou a vigésima edição. (Coura, 1974). A
conotação original de medicina colonial evoluiu, com o passar do tempo. O
conceito de medicina tropical contem, portanto, uma fundamentação
biogeográfica que permite distinguir o estudo das doenças nos trópicos
das doenças tropicais:
Do ponto de vista biológico e ecológico, a medicina tropical apoia-se
na biogeografia geográfica quando estuda a distribuição corológica a fim
de mapear a ocorrência de doenças. Na biogeografia histórica quando
pesquisa os centros de origem das enfermidades e sua distribuição primitiva,
lançando mão da análise de documentos históricos, da paleopatologia e da
paleoparasitologia; na biogeografia ecológica, quando investiga as
condições regionais e locais que permitem a ocorrência de doenças,
toleradas pelo meio físico e biótico (Allee, and Schmidt, 1950); e na ecologia
humana, quando recorre à antropologia cultural ou social para analisar a
76

influência das organização social e das tradições culturais que constituem


fatores de exposição aos riscos.

2.3. BIOGEOGRAFIA E PATOGEOGRAFIA


A etapa inicial de um estudo biogeográfico é a corografia, que se
preocupa com o mapeamento de ocorrências de espécies ou grupos supra
específicos de animais e plantas, do qual ressaltam indicações da existência
de padrões regionais. Os mapas são preparados a partir de listas ou relações
florísticas e faunísticas e são, necessariamente, estáticos e de interesse
limitado, pois não explicam os endemismos e as ausências.
Hershkovitz (1958) lembra que endérmico não se aplica a grupos ou
táxons de categoria inferior a espécie, como a um deme ou população
mendeliana local. Assim é vedado seu uso em termos de micro habitats
como os da microbiota intestinal. Simpson (1953b), por sua vez, define
nativo como sendo o grupo ou táxon que vive naturalmente em uma
região, não tendo sido ali introduzido proposital ou acidentalmente pelo
homem; e autóctone como aquele que se originou, por evolução, na região
em que vive. Os conceitos de Simpson foram discutidos por Dubos para a
microbiota endógena de parasitos e simbiontes. Entretanto, Hershkovitz
sinonimiza nativo, autóctone e indígena com o sentido de autóctone de
Simpson.
Os estudos destinados ao preparo de mapas corográficos devem levar
em conta dados contemporâneos, uma vez que os padrões biogeográficos
não são estáticos, mas evoluem juntamente com as comunidades bióticas e
humanas que pretendem representar. A biogeografia histórica ou
paleogeografia estuda os padrões de distribuição de floras e faunas em
épocas geológicas passadas. Apoiando-se na estratigrafia, na geologia
histórica, na paleontologia e na paleobotânica, tenta reconstruir a
distribuição de organismos na superfície dos continentes e nas águas
oceânicas e continentais, como estas se configuravam em períodos
geológicos pretéritos. A origem e as migrações de animais e vegetais
ajudam a compreender a evolução das comunidades bióticas atuais. Muitas
vezes as afinidades taxonômicas entre grupos, agora isolados, constituem o
ponto de partida para a pesquisa de ligações continentais no passado, como
77

sucedeu com o estudo dos mamíferos fósseis das Américas e África. Outras
vezes a geologia ou a tectônica revelam continuidade de áreas, atualmente
disjuntas, como sucedeu com a teoria do deslize continental de Wegener.
A biogeografia ecológica trata do estudo da influência dos fatores do
meio ambiente sobre a distribuição das comunidades bióticas. Em geral,
distinguem-se os fatores abióticos ou físicos (altitude, clima, pH, ventos,
chuvas) dos bióticos (cooperação, competição, simbiose, com elementos da
fauna e flora). A influência do homem, por sua vez, constitui capítulo
especial da ecologia humana (Thomas Jr, 1956; Garlick and Keay, 1970;
Moran, 1990).
O clima influi direta e indiretamente sobre as condições fisiológicas
dos organismos. A temperatura afeta a velocidade das reações físicas,
químicas e biológicas; a água é indispensável à vida; a luz constitui a fonte
de energia para a síntese da matéria orgânica, através da fotossíntese; o
fotoperiodismo determina migrações, mudas de pelagem, ovogênese. As
relações alelobióticas, isto é, entre organismos, envolvem plantas, animais e
micro-organismos, em associações e relações complexas e em cadeias
tróficas e delas resultam o equilíbrio instável e a seleção natural.
Se a paleobiogeografia explica porque certas espécies ou grupos de
hierarquia mais elevada não ocorrem em regiões onde as condições
ambientais lhes seriam propícias, a biogeografia ecológica justifica a sua
ausência quando devida à ação de fatores ambientais limitantes ou adversos.
Assim, leões encontrariam condições ambientais favoráveis nas savanas sul
americanas, mas nunca chegaram lá. Por outro lado, são necessárias
condições propícias para que um organismo sobreviva em um determinado
ambiente.
O estudo da distribuição das doenças deve obedecer à mesma
orientação, uma vez que hospedeiros, vetores, micro-organismos e o homem
têm sua distribuição geográfica condicionada por sua história evolutiva e
pela influência dos fatores do ambiente. Dessa maneira, a etapa inicial de
um estudo de geografia médica é a patogeografia corológica ou
cartografia médica e consiste no registro de ocorrências e descrição das
características locais ou regionais das áreas onde ocorrem as doenças que
pretendemos estudar e sua distribuição geográfica.
78

A facilidade de comunicação e os meios rápidos de transporte a


partir do século 19 encarregaram-se de diluir os contornos das áreas
endêmicas da distribuição geográfica original.
A patogeografia histórica ou paleopatogeografia estuda as origens e
a evolução das patocenoses, isto é, das comunidades bióticas que envolvem
os ciclos de reservatórios, hospedeiros e vetores de doenças, especialmente
das zoonoses. Investiga, também, a origem das enfermidades não infecciosas
A paleoetnologia investiga os fatos ocorridos em tempos pré-
históricos, proto-históricos e históricos. O exame de sítios arqueológicos,
múmias, documentos antigos e artefatos pré-históricos como os célebres
huacos ou cerâmicas pré-incaicas, do Peru e Bolívia, revela a existência e,
muitas vezes, permite avaliar a importância de certas doenças.
A patogeografia ecológica preocupa-se em elucidar os aspectos
geográficos dos fatores ecológicos da prevalência, incidência e características
regionais das doenças. A ecologia humana constitui a base da sociologia e à
sociologia médica cabe investigar as influências do comportamento social
sobre as enfermidades.

2.3.1 Disseminação e dispersão


Os organismos disseminam-se dentro de suas áreas de ocorrência ou
de distribuição geográfica e dispersam-se além daqueles limites para
colonizar novos biótopos, por diversos meios: utilizando-se dos próprios
recursos de locomoção, usando o poder locomotor de outros organismos
(forésia), das correntes aéreas ou das águas. Micro-organismos e alguns
macro organismos movimentam-se através dos estratos do solo e das águas,
em ciclos circadianos e sazonais determinados. Podem ser ingeridos
juntamente com alimentos e excretados por seus hospedeiros temporários
em locais distantes. Podem atravessar a epiderme, as mucosas ou colonizar
as cavidades naturais e serem transferidos de um hospedeiro para outro por
contato direto ou por vias indiretas.
A distribuição das diferentes espécies de organismos na biosfera
obedece a padrões determinados, como vimos, pelas condições ecológicas e
por determinantes históricos ou paleogeográficos. Algumas espécies são
cosmopolitas e poucas regiões do globo são suficientemente inóspitas para
79

não permitirem a existência de alguma forma de vida. Mesmo as fumarolas


terrestres e marinhas abrigam bactérias e archea que vivem na ausência de
oxigênio, metabolizando compostos, por exemplo, de enxofre. Esses
aspectos foram discutidos em detalhe por Lynn Margulies e Dorian Sagan
(1986) e por Kolton e Maloy (2012).
Apesar de sua grande capacidade de dispersão ativa e passiva
(vagilidade), os micro-organismos organizam-se em comunidades bem
definidas e limitadas que ocupam habitats característicos em biótopos
típicos como as microbiotas do solo, dos oceanos, das águas doces lênticas
e lóticas, de certos tecidos e outros biótopos do corpo de vertebrados e
invertebrados como o trato respiratório superior, o aparelho digestivo e a
epiderme.
Os métodos e a capacidade diferenciada de dispersão e a tolerância
ecológica, assim como os atributos e exigências de cada espécie constituem
fatores importantes no processo de dispersão e, em consequência, de
colonização e de infecção.
No caso dos parasitos, comensais e simbiontes que vivem nos seus
hospedeiros, além dos mecanismos físicos e mecânicos de dispersão e
disseminação, sua distribuição geográfica está intimamente relacionada com
a dos hospedeiros. Nos casos em que o ciclo biológico é complexo,
heteroxênico, e envolve fases de vida livre, o processo e os padrões tornam-
se muito complicados.
Alguns micro-organismos são restritos em habitat e área, enquanto
que outros têm um padrão biogeográfico descontínuo, sendo que a
descontinuidade é a regra geral. Seus padrões de distribuição têm sido
explicados com o auxílio da teoria de biogeografia de ilhas de Mac Arthur e
Wilson (1967). Entre eles encontramos saprófitos estritos, autotróficos,
saprófitos intermediários ou semissaprófitos, corno os bacilos difteróides,
sarcinas, Bacillus subtilis e espécies do gênero Serratia, todos heterotróficos
e não-patogênicos, mas que podem ser encontrados, como oportunistas em
infecções humanas. Bactérias não-patogênicas estritamente ligadas à matéria
orgânica residual ou viva, como Staphylococus albus, Gaffkya spp, Neisseria
catarrhalis e outros mutantes de bactérias patogênicas para o homem,
sobrevivem nos hospedeiros naturais assim como patógenos de baixa
80

patogenicidade, como Pseudomonas aeruginosa, Streptococus salivarius, e


bactérias dos gêneros Moraxella, Mima e Herellea.
Comensais que vivem de matéria orgânica, em equilíbrio com o
hospedeiro transformando o biótopo em que vivem no seu habitat normal,
quando o abandonam, podem transformar-se em patógenos.
Há micro-organismos mutualistas, bactérias que produzem toxinas
que podem destruí-las, mas que vivem associadas e dependentes de outras
que se desenvolvem com o auxílio dessas substâncias, metabolizando-as e
evitando a autodestruição das primeiras. Entre os mutualistas estão os
lactobacilos, bactérias produtoras de vitaminas K e do complexo B, as
bactérias do rúmen dos ruminantes e as micorrizas.
Por esses poucos exemplos pode-se entender que, no sentido
ecológico a homeostase traduz as relações de equilíbrio entre os membros
da microbiota normal e entre o hospedeiro e suas micro comunidades
endógenas. Ao mesmo tempo, este sistema está relacionado com o conjunto
de interações do hospedeiro com os elementos da micro e macrobiotas
exógenas. Portanto, não é difícil deduzir que saúde e doença constituem a
expressão das variações nas condições de equilíbrio nesses sistemas.
Os estudos de ecologia da malária e da esquistossomose com vistas à
construção de modelos matemáticos revelam as dificuldades encontradas
pelos parasitos heteroxênicos para completarem seu ciclo biológico.
Migrações de um tecido ou órgão para outro, disseminação pela água em
busca de hospedeiros viáveis, em curto espaço de tempo, exposto aos
azares do ambiente aberto e desprotegido, são eventos que levam à
destruição um número enorme de ovos, larvas, esporos e outras formas
intermediárias. As cercarias de Schistosoma mansoni, por exemplo, ao
penetrarem a epiderme do hospedeiro, devem adaptar-se, em poucos
segundos a um novo ambiente, onde as condições de temperatura, luz,
velocidade de fluxo, pH, etc. são muito distintas das do meio exterior em
que viviam,
No caso das zoonoses, os hospedeiros permanentes ou definitivos são
chamados reservatórios e constituem verdadeiros centros de disseminação e
dispersão dos micro-organismos que abrigam. Nem sempre são fáceis de
81

serem identificados, pois podem ser portadores inaparentes, como acontece


com os de Salmonella tiphosa e Neisseria meningitidis.
A disseminação é regulada por estímulos intrínsecos e extrínsecos. Em
muitos casos ocorre apenas em uma determinada fase ou estádio do
desenvolvimento ontogenético. Fatores ambientais como temperatura e grau
de umidade estão envolvidos no fenômeno, como se observa facilmente em
cupins e formigas, cujos voos nupciais são presenciados com frequência,
mesmo nas áreas urbanas. Em geral, obedecem a ciclos determinados. Em
muitos casos existe uma correlação estreita entre a fisiologia e o
comportamento do hospedeiro e a época de disseminação de seus
parasitos, simbiontes e comensais.
Movimentos periódicos - circadianos, sazonais, anuais - de
disseminação, além dos padrões de comportamento das populações de
hospedeiros potenciais em termos de duração de imunidade adquirida são
responsáveis pelos surtos recorrentes e sazonais de certas enfermidades
epidêmicas ou epizoóticas. No caso de arboviroses e arbobacterioses, os
ciclos sazonais dos hospedeiros têm importância fundamental na
disseminação e dispersão dos micro-organismos responsáveis; a distribuição
geográfica o ecológica dos hospedeiros e vetores determina as
características epizootiológicas e epidemiológicas da doença.
Disseminação e dispersão em microrganismos, plantas e animais,
incluindo o homem constituem o primeiro passo no complexo problema de
sobrevivência: levam à colonização vencendo condições abióticas locais
muitas vezes de natureza adversa, bem como a competição dos organismos
já estabelecidos no local atingido. A colonização abre caminho, por sua vez,
à sucessão ecológica, quando os organismos pioneiros preparam o caminho
e criam condições propicias aos que lhes sucedem.
Disseminação e dispersão por vetores, por transmissão direta,
congênita ou venérea e a ocorrência de formas de resistência reduzem os
riscos a que se expõem os organismos durante as épocas de migração de
um hospedeiro a outro no ambiente exterior ou exógeno. Flagelados
simbiontes dos cupins, Herpes simplex e muitos componentes da flora
intestinal humana são transmitidos aos jovens pelos pais.
82

Como acontece comumente na natureza, um método pouco eficiente


e seguro de dispersão, pelo ar, por exemplo, é compensado pelo enorme
número de propágulos produzidos e lançados no ambiente.
Tactismos e tropismos de naturezas várias são responsáveis pela
orientação do movimento de disseminação, dispersão ou migração:
fototropismo, quimiotaxia, tigmotaxia ajudam a conduzir os propágulos a um
destino seguro. Várias substâncias orgânicas e inorgânicas atraem ou
repelem microrganismos: ferimentos provocam quimiotactismo positivo para
zoósporos de alguns fungos parasitos de plantas; zoósporos de Phytophtora
e Phytium orientam-se na direção das raízes da planta hospedeira, em
resposta à presença de compostos exsudados pela região do ápice.
Muitos parasitos apresentam um padrão de movimentos migratórios
cíclicos no corpo dos hospedeiros, como as microfilárias, cuja presença na
circulação periférica e interna coincide com as atividades motoras do
hospedeiro e com os ritmos de atividade dos vetores diurnos e noturnos.
Outras passam de um tecido a outro em fases distintas de sua ontogênese,
como Plasmodium e Schistosoma. No caso dos endoparasitos, simbiontes e
comensais da microbiota endógena, os métodos de dispersão ativa e passiva
são os mesmos utilizados no ambiente externo: órgãos locomotores, fluxos
ou correntes de fluidos, movimentos do substrato como os movimentos
peristálticos.
A disseminação e dispersão de micro-organismos transportados por
outros organismos constitui um capítulo de grande interesse para a
biogeografia da doença e da saúde (Avila-Pires, 1997). Em alguns casos, o
agente de transporte é, apenas, um disseminador mecânico ou forético
como acontece com os mamíferos e aves que transportam sementes que se
grudam a seu pelo ou penas. Em outros, o micro-organismo transportado
evolui de um estádio ontogenético para outro no corpo do hospedeiro ou
vetor, ou passa através de seu aparelho digestivo, juntamente com o
alimento: é o caso da alga Chara zeylanica cujos zoósporos são assim
transportados. E o caso, também, dos hemoparasitas, transportados por
insetos e mamíferos, corno Plasmodium e Trypanosoma cruzi: os primeiros
são inoculados pela picada de mosquitos e os últimos são eliminados por
percevejos hematófagos juntamente com as fezes; o vírus rábico, transmitido
83

pela mordida de mamíferos carnívoros ou hematófagos, juntamente com a


saliva; Yersinia pestis multiplica-se no pro ventrículo de certas pulgas,
bloqueando-as e são inoculadas durante a picada.

2.3.2 Colonização
O sucesso ou insucesso da colonização dependem de uma série de
fatores tanto bióticos como abióticos. O estabelecimento de populações de
organismos em um biótopo pode ser facilitado ou dificultado por condições
de clima, substrato, pH e pela cooperação ou competição com outras
espécies já instaladas. Nos habitats desocupados, a colonização constitui o
primeiro passo no caminho da sucessão ecológica, que é a sequência de
alterações na constituição de uma biota clímax.
As comunidades bióticas são organizadas etapa a etapa ou de sere a
sere pela harmonização ecológica das populações que se estabelecem em
um biótopo, terminando por se constituírem comunidades clímax.
Cada novo elemento que se estabelece prepara o terreno para o
seguinte, pelas alterações que provoca no ambiente. Ao mesmo tempo, as
espécies já instaladas podem dificultar seletivamente a instalação de outras,
competindo por alimento ou espaço. Podem lançar metabólitos inibidores
no substrato, sombrear o solo, produzir prole mais abundante ou
metabolizar alimento com maior rapidez.
Na perspectiva histórica, o processo de sucessão se confunde com o
de evolução: sem os autótrofos não podem existir heterótrofos, sem os
fitófagos não haveria carnívoros e sem os saprófitos não haveria reciclagem
dos compostos orgânicos.
O primeiro estágio no processo de sucessão é marcado pelo
aparecimento de populações de espécies pioneiras, as quais se caracterizam
pela grande capacidade de dispersão, e valência ecológica. A ocupação do
novo habitat acarreta modificações ambientais que o tornam adequado a
outras espécies, enquanto que as populações pioneiras vão sendo, pouco a
pouco, eliminadas em virtude dessas próprias alterações. No caso dos
vegetais, as espécies pioneiras são heliotrópicas e a sombra da vegetação
subsequente as elimina. Por sua vez, criam-se condições propícias às
espécies ombrófilas.
84

A decomposição de matéria orgânica promove uma sucessão de


comunidades macro e microbióticas saprofíticas que se repete sempre na
mesma ordem, o que é fácil de ser observado em um jardim.
Se os pioneiros contam com abundante quantidade de alimento e
competição incipiente, por outro lado carecem da cooperação de outras
espécies: a cooperação é tão importante como fator de evolução como a
competição.
Para o estabelecimento de uma espécie pioneira, os fatores limitantes
de seu crescimento populacional são aqueles que regulam o tamanho dos
demes: suprimento alimentar, competição intraespecífica, acumulação de
toxinas, redução de oxigênio, redução ou aumento do pH e resposta do
hospedeiro no caso dos micro-organismos endógenos. O predomínio de
uma única espécie deve-se à existência de condições limitantes do ambiente,
as quais vão sendo alteradas por ação biótica.
A qualidade e a natureza do habitat determinam o sucesso ou o
insucesso dos pioneiros. O tipo de alimento disponível serve de fator
seletivo. Quando se trata de ambiente endógeno, como o aparelho digestivo
de um animal, o alimento ingerido pelo hospedeiro condiciona a natureza
da colonização pioneira.
Nos ambientes abertos, as algas fixam-se em primeiro lugar, após as
bactérias e archea, por sua capacidade autotrófica produzindo carbono e
material protoplásmico, para os que as sucedem.
No corpo dos hospedeiros, os microbiótopos são colonizados por
comunidades microbianas heterotróficas, que se aproveitam da grande
quantidade de nutrientes orgânicos disponíveis. A ocupação dos nichos, no
ambiente endógeno do corpo por uma microbiota inócua, impede a
colonização por patógenos, corno tem sido frequentemente observado.
O estudo da composição e distribuição das comunidades microbianas
que habitam o aparelho digestivo dos animais tem sido realizado,
ultimamente, com vistas à determinação das características ecológicas dos
diferentes microbiótopos e das inter-relações entre os componentes das
microbiotas.
Entretanto, as técnicas envolvidas na determinação precisa dos sítios
preferenciais, das características ecológicas desses habitats, dos movimentos
85

migratórios, das barreiras à disseminação e dispersão e na identificação dos


fatores ecológicos que condicionam os padrões de distribuição micro
geográfica não foram suficientemente aperfeiçoadas. As observações
disponíveis não nos permitem, ainda, chegar a conclusões comparáveis às da
ecologia e biogeografia da epiderme.
O aparelho digestivo oferece um modelo ideal para esses estudos.
Barreiras físicas e químicas, alterações periódicas e cíclicas, biótopos
definidos, permitem a instalação e desenvolvimento de comunidades
microbianas simbiontes, comensais e parasitas. Sua colonização tem início
logo após o nascimento, através do alimento e dos contatos com pessoas e
elementos do ambiente físico e biótico. A microbiota do aparelho digestivo
sofre a influência dos ciclos circadianos de alimentação e fastio dos
hospedeiros. Não só a passagem dos alimentos ingeridos altera as condições
micro ambientais, como as modificações intrínsecas fisiológicas, nos micro-
habitats, provocadas durante o processo digestivo modificam
periodicamente as condições do meio. Não há oxigênio e o pH varia de 1,5
a 8,4 no estômago humano.
Segundo Crompton (1973), ainda não existem evidências seguras de
que a distribuição dos helmintos ao longo do trato digestivo dos
hospedeiros vertebrados seja determinada pelas condições de cada micro
biótopo. Apesar de se haver demonstrado, experimentalmente, que várias
espécies de helmintos parasitos locomovem-se ativamente para locais
determinados, e a eles retornam quando removidos propositalmente. O
transplante cirúrgico de Hymenolepis diminuta, Nippostrongylus brasiliensis,
Ancylostoma caninum, Moniliformis dubius e Acaris lumbricoides permite
constatar a migração voluntária de retorno os seus micro-habitats preferidos.
Nos vertebrados que sofrem metamorfose, como os anfíbios, e que
passam de urna dieta herbívora ou filófaga para uma carnívora, verifica-se
urna alteração no comportamento do intestino delgado, que afeta a
microbiota individual, inclusive os helmintos parasitos.
O intestino grosso é a região onde a matéria vegetal é digerida, nos
animais não ruminantes. Sem dúvida, existem relações interessantes entre os
helmintos que habitam esse trecho, e a microbiota individual do hospedeiro.
86

Nos ruminantes pode haver até 109 células microbianas por grama de
conteúdo de rúmen.
A razão da especificidade parasitária pode depender, até certo ponto
e em certos casos, da correspondência morfológica entre a topografia da
mucosa intestinal e o escólex de alguns cestoides: nos casos em que a
forma e o tamanho são iguais tanto no jovem como no adulto, essa pode
ser a razão. William sugere essa hipótese, em vista do exemplo do espiráculo
de três espécies de Raia. Tal fato explicaria, ainda, a razão da distribuição
micro geográfica e a localização desses helmintos em outros vertebrados.
Certos parasitos, como Hymenolepis nana, têm um movimento
migratório circadiano, enquanto que outros migram de acordo com as
atividades alimentares do hospedeiro.
Alguns dos fatores que determinam a presença e a distribuição dos
helmintos foram identificados: a chegada de formas jovens diretamente ao
sítio habitado normalmente pelo adulto; a emigração de formas imaturas na
direção do fluxo gastrointestinal e a migração contra o fluxo.
As informações disponíveis são escassas e as que existem baseiam-se
na interpretação de dados de hospedeiros mortos a intervalos regulares,
após o início de urna infestação experimental.
O estudo das migrações deve levar em conta o fato de que se pode
correr o risco de interpretar o desaparecimento de alguns indivíduos como
emigração: nesses casos, a população total deve ser observada e estimada, o
que torna a análise mais difícil e trabalhosa.
A Geografia Médica, como, vimos, pode ser estudada, igualmente, na
escala do macrocosmo exógeno e do microcosmo endógeno.
A coincidência de certos padrões biogeográficos com os de
ocorrência de algumas zoonoses levou à teoria da focalização: esta nada
mais é que a tradução, em termos epidemiológicos, dos conceitos de
biogeografia ecológica desenvolvidos no século 19. Em 1939 Pavlovsky
reformulou a teoria da nidalidade natural das zoonoses, em termos de
biocenoses e parasitocenoses. Segundo Galuzo (1968), o nascimento da
teoria da nidalidade natural de doenças é urna prova da fecundidade do
terreno entre dois campos ou disciplinas científicas - uma área onde, corno
sucede entre dois polos elétricos, uma fagulha ilumina um novo caminho.
87

Galuzo citou Pavlovsky, que afirma que o problema das zoonoses deve ser
investigado à base de pesquisas zoológicas, parasitológicas, combinadas
com projetos de natureza microbiológica e com a participação de
epidemiologistas, o que a Organização Mundial de Saúde (1973)
recomendou, para os estudos da peste, no campo. Como sucedeu com os
estudos zoogeográficos, as pesquisas sobre micro distribuição e ecologia de
parasitos, em relação aos hospedeiros, é dificultado pela ausência de dados
e observações precisos.
Antes do desenvolvimento da teoria moderna da evolução orgânica,
que atribuiu importância capital ao isolamento geográfico como fator de
especiação (Mayr, 1942; Simpson, 1953a), pouca atenção era dada à
procedência exata de espécimes coletados para estudos taxonômicos.
Wallace e Agassiz no século 19 inauguraram uma nova era: Agassiz, fixista,
contribuiu paradoxalmente para o esclarecimento de muitos pontos de
obscuros da teoria evolucionista (Avila-Pires, 1965). Em 1865, a bordo do
navio que trouxe os membros da expedição Thayer-Agassiz ao Brasil
(Agassiz e Agassiz, 1869), traçou os rumos das pesquisas zoogeográficas que
deveriam ser desenvolvidas, ao ressaltar que a descrição de novas espécies
constituía um objetivo importante, mas que, desde então, a distribuição
exata de plantas e animais e suas relações com o ambiente físico passara a
ser primordial. Ressaltou o fato de que, 50 anos antes, não era importante
precisar exatamente a procedência de um espécime. Bastava anotar se
provinha da América do Sul ou África. De fato, encontramos nas antigas
coleções, localidades de procedência registrada como Caiena ou Pará [Belém]
que foram os portos de embarque.
Crompton, em 1973, ressaltou esta situação, ao estudar a distribuição
micro geográfica de helmintos parasitos no trato alimentar de vertebrados.
Referiu-se a um estudo pioneiro de Neuman que reconhecia, em 1892, que
existem parasitos que se localizam em um trecho determinado do trato
digestivo, mas que muitos helmintologistas ignoram este fato. Quando
sobrevém a morte do hospedeiro, migram para outros sítios, o que é
desconsiderado, e impede o conhecimento da sua densidade populacional,
nutrição, reprodução e outros aspectos de sua biologia. Assim, no passado,
muitos taxonomistas assinalavam a localização de um helminto como
88

intestino, a despeito das instruções de Barun e Luhe (1910) que afirmavam


que muitas espécies localizam-se em seções particulares do intestino
delgado e que a distribuição indistinta da mesma espécie ao longo de toda
a extensão do intestino delgado é raramente verificada em hospedeiros
mortos recentemente. Alguns autores responsáveis por descrições inacuradas
receberam material já fixado, retirado do hospedeiro, porém investigadores
futuros que coletam espécimes pessoalmente devem realizar descrições
cuidadosas. Informação sobre sítios (micro biótopos) nunca será conseguida
se o intestino delgado é espremido e esvaziado, e seu conteúdo lavado e
recolhido em um recipiente, como apresentado em estudo muito recente,
publicado sobre 154 hospedeiros.
Existe, assim, um largo campo aberto à investigação: a ecologia e
biogeografia das biocenoses que os animais abrigam e as inter-relações
dessas comunidades endógenas com o hospedeiro.
Vimos, de passagem, que sob certas circunstâncias verificam-se
desequilíbrios entre parasitos ou agentes infecciosos e o organismo
hospedeiro. Esses desequilíbrios produzem sinais característicos, que são
devidos, ora à ação de toxinas produzidas pelos micro-organismos, ora à
própria resposta do hospedeiro. Tais sinais, quando clinicamente detectáveis,
caracterizam as doenças infecciosas e parasitárias. Entretanto, os limites
entre o estado de infecção subclínica ou inaparente e o de enfermidade
declarada são convencionais e dependem das facilidades de diagnóstico
disponíveis.

2.3.3. Barreiras
Barreiras à disseminação e à dispersão estabelecem os limites de
distribuição geográfica e ecológica dos organismos. As barreiras podem ser
de naturezas diversas: topográficas, espaciais, climáticas.
Os biótopos endógenos, no corpo dos hospedeiros, podem ser
isolados por barreiras semelhantes àquelas que limitam a distribuição dos
organismos no ambiente exterior, de natureza topográfica (válvulas, tecidos
corticais), químicas (pH, enzimas), espaciais, bióticas (competição) e outras
como fagócitos.
89

A epiderme e as mucosas intactas constituem barreiras eficientes que


impedem a penetração de bactérias que vivem ou que chegam à sua
superfície. O suco gástrico atua corno bactericida impedindo o acesso ao
intestino delgado, de bactérias ingeridas com o alimento, Ao mesmo tempo,
o piloro age como barreira topográfica. O elevado grau de acidez da vagina
seleciona a microbiota local de maneira eficiente.
Uma comunidade biótica equilibrada constitui uma das barreiras mais
eficazes contra micro-organismos invasores.
Quando um indivíduo adoece, a queda da resistência orgânica, isto é,
a redução da eficácia dos mecanismos de defesa que dificultam a
colonização permite a invasão de micro-organismos patogênicos. Ao mesmo
tempo, a desorganização das microcomunidades indígenas compromete
ainda mais o estado de saúde do hospedeiro. Micro-organismos invasores
podem encontrar vazios, nichos ecológicos normalmente ocupados por
espécies não patogênicas com as quais não poderiam competir. Por outro
lado, o hospedeiro pode beneficiar-se do mecanismo de imunidade cruzada.
No caso das infecções, além das barreiras específicas como a
imunidade celular e humoral existem as barreiras circunstanciais, como a
resistência orgânica, e aquelas opostas pela resposta que sobrevêm após
uma primeira tentativa de colonização que conferem imunidade adquirida.
Esta condição é típica dos habitats orgânicos e não se verifica nos biomas
terrestres e aquáticos. Assim, urna tentativa de colonização pode alterar
profundamente o habitat e provocar uma reação ativa, de caráter
permanente às tentativas posteriores de invasão. Os mecanismos de defesa
podem ser específicos ou inespecíficos como anticorpos, fito-alexinas e
interferons e podem ser localizados ou sistêmicos.
A variação nas respostas do habitat orgânico devido a condições
individuais e circunstanciais influi no processo de colonização e sucessão: daí
a variedade de res- postas às infecções.
O processo de sucessão microbiana endógena como a sucessão
exógena evidencia o pequeno número de nichos ecológicos que existem
originalmente em um biócoro, e que são viáveis apenas para as espécies
pioneiras. À medida que o processo progride, a variedade de nichos
aumenta à medida que as comunidades se tornam mais complexas.
90

A sequência do aparecimento dos micro-organismos que colonizam


normalmente certos habitats como ferimentos em animais e vegetais,
tecidos expostos, queimaduras, a boca dos recém-nascidos, cabelo, rúmen,
solos naturais e fumigados, lagos, riachos, estuários, esgotos, excrementos e
matéria orgânica em decomposição têm sido estudada exaustivamente.
Entretanto, as condições que determinam as sequências ainda são pouco
conhecidas.
Nos habitats orgânicos, a sucessão pode ser autogênica ou
halogênica. No primeiro caso, é determinada pelas alterações provocadas
por populações e comunidades pioneiras. No segundo, por modificações dos
fatores físicos do habitat, provocadas por condições abióticas. Algumas
dessas alterações são cíclicas ou periódicas: circadianas, ou sazonais. Em
geral, os dois tipos ocorrem associados.
As comunidades clímaces mantêm uma composição taxonômica
específica constante e as densidades das populações que as compõem
permanecem aproximadamente estáveis, nas diferentes fases de seus ciclos.
As alterações que ocorrem nos clímaces são transitórias e, graças à
elasticidade das relações dinâmicas que existem entre os componentes de
uma biota, o equilíbrio retorna depois de cessada a ação dos fatores
ambientais que o perturbaram.
Os hospedeiros, que constituem o ambiente externo das comunidades
microbianas endógenas oferecem, no curso de seu desenvolvimento
ontogenético, condições que variam, por vezes, bruscamente, às vezes
gradualmente, isto é, durante as metamorfoses e durante as fases de
crescimento gradual. Suas microbiotas evoluem, também, de um clímax para
outro, em resposta às alterações sofridas. Nos biótopos exógenos a evolução
é mais lenta, exceto por ocasião das catástrofes naturais como a explosão
do Krakatoa e nas áreas sob intensa modificação causada pela ocupação ou
ação do homem.
91

Capítulo III
ECOLOGIA, INFECÇAO E DOENÇA

Quem quiser dedicar-se ao estudo da medicina


deve investigar os seguintes aspectos. Primeiro,
deve considerar as influências de cada urna das
estações do ano e as diferenças entre elas. Em
segundo lugar, deve estudar os ventos quentes
e frios, tanto os que são comuns a todos os
países quanto os que são peculiares a
determinadas regiões. Por fim, o efeito das
águas sobre a saúde não deve ser esquecido.
Hipócrates

A Antiguidade clássica ocidental, conhecida graças aos registros


escritos que nos chegaram, poucos no original, muitos através das traduções
árabes posteriormente retraduzidas para o latim, desenvolveu-se em torno
do Mediterrâneo. O comércio, as peregrinações, as invasões bárbaras e a
expansão viking revelaram, durante a Idade Média, imagens de outras terras
e outras gentes, que apareciam aos olhos europeus envoltos em mistério,
admiração, feitiçaria, terror, e fantasia, onde a realidade misturava-se às
lendas que inflamavam a imaginação e a memória distorcida de incidentes e
feitos vividos ou sonhados. Como retrata, com fidelidade literária, e
verossimilhança histórica, Umberto Eco em Baudolino. Realidade misturada a
superstição e mito não foi privilégio da Antiguidade e da Idade Média. Ainda
hoje persistem no imaginário popular, assim como a noção de pecado e
castigo associados à de doença e morte.
O tratado de Hipócrates sobre Ares, Águas e Lugares marca um
considerável avanço sobre a concepção de saúde e doença por considera-las
como fenômenos naturais e não como dádiva ou castigo divinos. Seriam
determinadas pela constituição do solo, predominância e variações dos
ventos e da qualidade das águas, fatores que, uma vez conhecidos,
permitiriam ao médico realizar diagnósticos e prognósticos sobre a origem e
natureza dos males e a salubridade dos lugares. Contudo, a despeito da
opinião de vários autores, não se pode considerar Hipócrates como
precursor da moderna ecologia.
92

O Renascimento foi marcado pela descoberta de novos continentes


seguida da expansão colonial e territorial europeia. As ondas migratórias
foram acompanhadas pela exportação e importação, tanto proposital como
também pela dispersão involuntária de animais, plantas e micro-organismos
entre o Velho Mundo e o Novo (Crosby, 1993, Crosby,1994; Governo
Regional da Madeira,1999). Com os europeus chegaram vetores,
reservatórios e parasitas das doenças que grassavam na Europa e Ásia e,
com os escravos, as da África.
As modernas técnicas da paleoparasitologia permitem-nos,
atualmente, certificar a presença de micro-organismos em tempos pré
colombianos nas Américas e esclarecer, definitivamente, as dúvidas sobre a
origem de nossas parasitoses. Até então, os historiadores da medicina
estavam restritos à interpretação duvidosa dos relatos de sintomas e
doenças descritos por naturalistas viajantes e cronistas.
O Renascimento introduziu profundas reformas no pensamento e na
metodologia científica. Com o método de Descartes e o raciocínio científico
e matemático abstrato de Galileu nasceu a ciência, como hoje a definimos.
Descartes defendeu a ideia de que o conhecimento vinha da observação
direta dos fenômenos naturais e não do texto da Bíblia e que, em lugar de
buscar respostas para as grandes questões filosóficas e existenciais,
podíamos aprender com as pequenas questões, cuja solução estaria ao
nosso alcance. Para ele, o conhecimento nasce da dúvida e não do dogma e
da certeza. Ao preconizar a divisão de grandes questões em suas partes
constituintes introduziu o reducionismo como método para a solução de
problemas. A necessidade de preparar quadros de administradores civis para
o comércio e para a administração civil abriu caminho ao ensino leigo, que
divergiu da educação escolástica da Igreja, que vigorou durante toda a Idade
Média.
A biologia evoluiu subordinada ou associada à medicina, sofrendo
restrições das autoridades religiosas que, durante séculos proibiram a
realização de autópsias e restringindo a liberdade de pensamento.
Três séculos de lento progresso criaram as condições necessárias para
o surgimento de uma das poucas teorias unificadoras na biologia, depois da
teoria celular.
93

Na segunda metade do século 19, Charles Darwin e Alfred Russel


Wallace (1958) enunciaram juntos os princípios fundamentais que regem as
relações recíprocas entre os organismos e o ambiente o identificaram os
fatores responsáveis pelo equilíbrio natural e pela evolução orgânica. Ambos
tiveram a atenção despertada para o problema pela leitura de um ensaio
escrito por Malthus em 1789. Thomas R. Malthus (1951, 1965) foi um dos
pioneiros no campo da demografia e da biometria que, juntamente com a
estatística, servem de base ao estudo da dinâmica de populações.
Competição, adaptação e seleção natural emergiram como conceitos
básicos de um sistema natural e filosófico, cujas implicações foram
exploradas e desenvolvidas - e muitas vezes distorcidas - por biólogos,
filósofos, teólogos, economistas e políticos.
Divulgador das ideias de Darwin e Wallace, Ernest Haeckel considerava
a adaptação e a hereditariedade como duas grandes leis governantes da
organização vital. Em 1866, propôs o termo Ecologia para designar o estudo
das relações dos organismos com o ambiente. Em sua História de Criação,
entre as provas da vitalidade da teoria de Darwin, Haeckel definiu: A ecologia
ou distribuição geográfica dos organismos, a ciência do conjunto de relações do organismo
com o mundo ambiente exterior, com as condições orgânicas e inorgânicas da existência; é
o que se chama economia da natureza, as relações mútuas entre todos os organismos que
vivem em um mesmo local, sua adaptação ao meio que os cerca, sua transformação pela
luta pela vida, sobretudo os fenômenos do parasitismo, etc. Exatamente, os aspectos da
economia da natureza [...] resultam necessariamente de causas mecânicas. São exemplos de
adaptação.
Os dois tipos fundamentais de interações ecológicas: as de
organismos com o ambiente físico (ecotópicas) e as de organismos entre si
(alelobióticas) serviram de base às duas grandes teorias evolucionistas do
século passado (Avila-Pires, 1963).
Lamarck, em 1809 foi autor da primeira teoria, pioneiro em sugerir um
mecanismo natural para explicar o fenômeno da evolução ou transformismo
- como se preferia dizer, na época - e que admitia a herança das alterações
orgânicas somáticas ou fenotípicas sofridas por influência direta do ambiente
e em decorrência do uso ou não uso dos órgãos. Atribuía destacada
importância às influências mesológicas - ecotópicas -, especialmente sobre
as plantas e animais inferiores.
94

Darwin, em 1859 propôs uma teoria coerente e muito bem


documentada, que ressaltava, por outro lado, o papel das relações
alelobióticas reguladas pela ação da seleção natural, que seria o mecanismo
fundamental e diretor da evolução orgânica. Admitiu, também, em certa
medida e mais enfaticamente nas primeiras edições da Origem das Espécies,
a herança do tipo lamarckiano, influenciado que foi pela leitura da Filosofia
Zoológica de Lamarck quando, a bordo do veleiro Beagle, reunia as
primeiras notas e impressões para sua própria obra. Alelobiose é o termo
usado por Mello-Leitão em seu dicionário, para designar as relações entre
espécies. Ecobiose foi proposto por Huxley para designar adaptação a um
modo de vida particular ou nicho. Em grande extensão, ambos os termos
são sinônimos, porém, em certos casos, existe diferença em especial no que
toca aos produtores primários ou vegetais clorofilados.
Darwin discutiu, em detalhe, o problema das adaptações
interespecíficas e da competição intraespecífica, ao expandir sua teoria, em
obras posteriores à Origem. Caberia a Mendel, em 1865, reunir os dados
experimentais que permitiram refutar a hipótese da herança de modificações
somáticas, adaptativas ou não, e a resumir, em duas leis, os princípios da
hereditariedade. Os estudos sobre as influências ambientais e as relações
entre organismos prosseguiram com êxito e deram origem à Ecologia
moderna.
Na década de 1940, paleontólogos, taxonomistas e geneticistas
reuniram-se para estabelecer as bases de uma nova teoria - neodarwinista -
da evolução, plasmada nos mecanismos da herança mendeliana e
fundamentada na moderna genética, na bioquímica e na biologia celular,
que revelaram a origem das variações individuais. Admite a teoria sintética a
seleção natural como mecanismo criador, que age através da seleção de
fenótipos e, portanto, de genótipos mais viáveis, levada a efeito pelos
fatores do ambiente físico e do meio biótico (Dobzhansky,1937; Grant, 1963;
Huxley, 1942; Jepsen, 1949; Mayr, 1942; Rensch, 1959; Simpson, 1953;
Stebbins, 1950).
Em sua essência, tanto a hipótese lamarckista quanto a darwinista
baseavam-se na ação decisiva do ambiente: Lamarck advogando a ideia da
influência direta do meio físico corno causa da variação individual e
95

específica e, portanto, da evolução dos organismos; Darwin e Wallace


defendendo a prioridade da competição e da seleção natural sobre
variações individuais e específicas, cuja ocorrência admitia corno postulado e
sobre cuja origem não possuía ideia perfeitamente definida, mas que
conduziam à adaptação ao meio.
Sucederam-se, em consequência, trabalhos sobre etologia e ecologia,
a princípio com abordagem informal, pouco metódica e muito desordenada,
descrevendo o conjunto de fenômenos que foram, finalmente, integrados
em um campo científico autônomo. Mimetismo, parasitismo, sinúsias,
polinização cruzada e outros tipos de relações bióticas, que incluem a
antibiose e o amensalismo, possuem um denominador comum quando
analisados do ponto de vista ecológico. Darwin, Wallace, Bates, Pasteur e
outros abriram caminho a novas pesquisas e estabeleceram a metodologia
apropriada à coordenação das ideias numa nova linha de investigações.
O papel e a importância das relações de competição e de cooperação
na biosfera foi logo reconhecido, mas devido ao impacto social das obras de
Malthus, Darwin, Spencer e Wallace, a luta pela vida e a competição seletiva
receberam mais atenção que as relações de cooperação entre organismos
(Allee, 1957; Espinas, 1978).
Na Origem das Espécies, antes mesmo que Pasteur revelasse o papel
dos micro-organismos na origem das infecções, Darwin propôs a noção do
controle biológico natural: Quando uma espécie, devido a circunstâncias muito
favoráveis, aumenta desordenadamente em números em uma área reduzida, epidemias –
pelo menos é o que parece ocorrer com nossos animais de caça – comumente se declaram
e aqui temos um controle limitante independente, na luta pela vida. Porém mesmo algumas
dessas chamadas epidemias parece serem devidas a vermes parasitas, que, por alguma
razão, possivelmente em parte devido à facilidade de dispersão entre as populações densas
de animas, foram desproporcionalmente favorecidas e sobrevém, então, uma espécie de luta
entre parasitas e seus hospedeiros.
Em sua história da simbiose, Jan Sapp descreveu, em 1994, em
detalhe, a polêmica em torno da origem das organelas celulares. Para alguns
autores elas seriam originalmente bactérias de vida livre, incorporadas ao
citoplasma de plantas e animais, teoria atualmente aceita.
Na escala dos micro-organismos, as observações sobre competição
tiveram início com Pasteur. Quando estudava o carbúnculo ou antrax,
deixou, certa vez, uma cultura exposta ao ar. Na manhã seguinte, verificou
96

que os bacilos estavam mortos. Pasteur concluiu que alguma coisa levada
pelo ar havia sido responsável pela destruição dos micro-organismos,
concluindo que seria possível, um dia, utilizar micróbios inócuos no combate
aos patógenos.
Metchnikoff, seu assistente, pesquisou o antagonismo entre micro-
organismos quando trabalhava com Lactobacillus acidophilus, que existe em
grande quantidade no intestino grosso. Descobriu que seu número se
reduzia quando sobrevinham certas infecções intestinais. Atribuiu este fato à
destruição dos bacilos por patógenos invasores e passou a recomendar a
ingestão de grandes quantidades de lactobacilos, que estão presentes no
leite talhado. Na verdade, os bacilos ingeridos são destruídos durante a
processo de digestão e poucos chegam vivos ao intestino grosso.
Além do impulso à indústria do iogurte, sua ideia despertou a atenção
de outros bacteriologistas. Em 1888, Freudenreich preparou uma cultura com
propriedades antibióticas. Emmerich e Low a purificaram e isolaram a
piocianase, Na segunda década do século 20 Waksman publicou um volume
sobre microbiologia de solo, focalizando o estudo dos actinomicetos e, na
Bélgica, em fins de 1920, Gratia e Dath isolaram a actinomicetina. Em 1928,
René Dubos isolou um antibiótico de solo, utilizando um raciocínio
ecológico. Partindo da noção de reciclagem deduziu que as cápsulas de
pneumococos de pulmão de tuberculosos deveriam ser desagregados e
decompostos no solo. Em consequência isolou uma enzima que daria
origem à gramicidina, o primeiro antibiótico a ser comercializado, mas que
se revelou tóxico para uso interno. No mesmo ano, a contaminação de uma
placa de Petri no laboratório de Flemming levaria à descoberta da penicilina.
Finalmente, em 1932 Dubos isolou a tirotricina iniciando a era da
antibioticoterapia.
Com o início das investigações sobre dinâmica e equilíbrio de
populações silvestres, especialmente com Charles Elton voltou-se a discutir a
prioridade dos fatores bióticos: competição, predação, parasitismo,
amensalismo, e abióticos, o clima, na estabilidade das comunidades. Na
verdade, estão eles de tal forma inter-relacionados que é difícil considerar
isoladamente a ação de cada um. Como em geral acontece, a razão
97

encontra-se dividida entre os argumentos dos defensores de ambas as


hipóteses, como reconheceu Bodenheimer em 1938.
A ideia de associação biótica data dos gregos, mas existiu, informal e
empírica, desde a mais remota antiguidade, como existe entre índios e
caçadores. Em sua concepção moderna foi formulada na década de 1930.
Coube a Edward Forbes propor a primeira conceituação precisa de biocenose
e, em 1877, Möbius lançou os fundamentos da ecologia contemporânea, ao
descrever a estrutura e a dinâmica de uma comunidade de ostras. Em 1939,
Clemens e Shelford estabeleceram o conceito de bioma como um
organismos social. Schroter propôs os termos autoecologia, em 1896, e
sinecologia, em 1902, para designar os dois níveis de complexidade em que se
desenvolvem os fenômenos ecológicos. O primeiro trata de populações de
uma única espécie, o segundo refere-se à ecologia de comunidades e ao
equilíbrio biológico dos integrantes de um ecossistema. No nível individual,
ecologia confunde-se com fisiologia, etologia e psicologia. Segundo
Chapman (1931), no estudo da autoecologia, é evidente que o trabalho se
desenvolve nos limites do campo da fisiologia. Esse autor, aliás, só
reconhece o estudo das comunidades como sendo verdadeiramente
ecológico. Victor Shelford, em 1913 tinha opinião semelhante, quando
definiu a ecologia como o ramo da fisiologia geral que trata do organismo
como um todo, com seus processos vitais, e que se distingue da fisiologia
especial dos órgãos e que também trata das relações do organismo com o
seu ambiente habitual. Na verdade, exprimiram ambos os autores citados a
ideia de que o funcionamento ou fisiologia de órgãos, organismos ou
populações merecem um lugar de destaque e têm muito em comum, como
fenômenos biológicos. Entretanto, os órgãos são um nível de integração ou
degrau intermediário e as populações, subdivisão das comunidades, e não
têm existência independente, de vez que nenhum organismo vive isolado.
A comunidade biótica ou biota é a unidade funcional no nível do
ecossistema, isto é, da sinecologia, enquanto que o deme constitui a
unidade no nível social, populacional ou da autoecologia.
98

3.1. ESTRUTURA DAS COMUNIDADES


Toda comunidade estrutura-se em níveis tróficos, cujo número é
limitado pela perda de energia considerável que se verifica na passagem de
um nível a outro, Na base do sistema estão os organismos produtores,
vegetais clorofilados, que fixam energia solar e sintetizam compostos
orgânicos por fotossíntese, a partir de elementos minerais do substrato,. Em
sucessão vertical estratificam-se os organismos consumidores primários,
fitófagos, os micro-organismos, vertebrados e invertebrados herbívoros,
frugívoros e plantas parasitas aclorofiladas. No nível acima, os pequenos
predadores, carnívoros, incluindo os insetívoros, vertebrados e invertebrados
que se alimentam de proteína animal, caçando a presa. Em seguida, os
grandes predadores e, finalmente, os parasitos. No substrato, os saprófitos e
decompositores, que fazem retornar ao substrato, desagregada em seus
elementos inorgânicos a matéria orgânica morta, para reiniciar-se o ciclo que
constitui a teia da vida, caracterizada pela circulação de nutrientes e
transferência de energia ao longo da pirâmide.
Produtores e consumidores, animais e plantas, macro e micro-
organismos, competem e cooperam direta ou indiretamente no processo de
exploração dos distintos nichos ecológicos - que são as oportunidades
abertas à sua existência, dentro da estrutura trófica.
Numa comunidade, para que o sistema de circulação de nutrientes e
transferência de energia se mantenha, devem-se preservar os nichos, não
importa que espécie ou táxon os ocupem. Dessa forma, se queremos
eliminar urna espécie que nos causa problemas sanitários ou econômicos,
devemos procurar alterar o sistema a fim de fazer desaparecer o nicho que
explora, ou então, tentar substituí-la por outra, inócua, que ocupe o mesmo
nicho.
O fenômeno do vicarismo fundamenta-se nesse fato, isto é, na
equivalência ecológica, que permite a espécies muito distintas ocuparem
nichos equivalentes, em regiões diferentes (Dubost 1968; Meggers et al.,
1972).
A competição, que pode ser interespecífica ou intraespecífica, reveste-
se de formas várias, nem sempre ativas e de imediato apercebidas por nós,
nem dramáticas como o termo sugere. Pode traduzir-se na taxa de
99

reprodução diferencial, na taxa de reposição, no amensalismo e antibiose, na


preferência alimentar, na taxa de metabolização diferencial, na valência
ecológica, na disputa de locais para abrigo ou no comportamento territorial.
Fischer, em 1958, Wright, em 1931, D'Ancona, em 1954 e outros se
dedicaram a investigar os aspectos matemáticos da seleção natural,
demonstrando que pequenas vantagens seletivas podem resultar na
sobrevivência de uma população e no desaparecimento de outra.
A cooperação resulta em vantagens que podem advir de associações
de tipos vários, que vão desde o frouxo grupamento acidental ou agregado
ocasional ou temporário de indivíduos independentes ou pertencentes a
espécies distintas, à organização familiar, com a transmissão de elementos
culturais adquiridos, e à coexistência necessária e indispensável dos
simbiontes estritos (Espinas, 1978; Allee, 1957; Sapp, 1994).
O historiador da biologia Charles Singer, em 1958, discutindo as
influências orientais no pensamento ocidental, descreveu como Donolo
dedicou-se ao estudo dos conhecimentos árabes, quando prisioneiro dos
sarracenos e, em seu Livro de Criação, publicado no ano de 946,
desenvolveu [...] a antiga doutrina encontrada no Timaeus, de Platão, de macrocosmo e
microcosmo ou paralelismo entre o meio exterior da natureza e o meio interior do corpo
humano, ideia muito popular entre os autores árabes.
Sêneca, Alberto Magno, Paracelso, Roberto Boyle, Leibnitz, Harvey,
Oken, Goethe e muitos outros foram adeptos de suas ideias.
De certa forma, esta concepção dualista é real. Em um bioma como a
savana, o macroclima condiciona a existência de comunidades próprias ou
características; em cada biótopo, o mesoclima cria condições particulares, e
nos micro-habitats o microclima faz o mesmo. Um cupinzeiro constitui um
pequeno mundo à parte, onde cupins e seus comensais exógenos
compartilham das condições específicas de temperatura, umidade,
iluminação prevalentes, e ali cooperam e competem em um micro
ecossistema independente, em boa medida, daquele do biótopo em que se
situa, no meio da savana. Desta maneira formam-se ecossistemas dentro de
ecossistemas, como círculos dentro de círculos (Geiger, 50; Platt e Griffiths,
64; Sutton, 53).
Do mesmo modo, o corpo de um animal oferece micro-habitats
especiais, com microclimas próprios, onde vivem micro-organismos
100

saprófitos, simbiontes, comensais e parasitos, os quais constituem a


microbiota individual.
O estudo da distribuição geográfica o ecológica dessas comunidades
é complicado pelo fato de termos que levar em conta tanto os padrões
biogeográficos dos hospedeiros na biosfera, como os padrões micro
geográficos dos micro-organismos dentro do micro-habitat, isto é, do corpo
do hospedeiro que as abriga. Sua distribuição micro geográfica é
influenciada pela dos hospedeiros o a história paleogeografia de ambos está
intimamente relacionada (Metcalf, 1929).
René Dubos, em 1965 classificou a microbiota endógena em
categorias distintas. A microbiota indígena inclui os micro-organismos
simbiontes que evoluíram no hospedeiro e que são, portanto, autóctones.
Hoje em dia caberia discutir a posição de inclusões citoplasmáticas que se
admitem terem origem bacteriana, como mitocôndrias. Aqui também se
incluem micro-organismos que podem estabelecer-se em diferentes tecidos
e viverem como saprófitos ou comensais e que, em certas circunstância,
tornarem-se patogênicos. Fazem parte da microbiota normal aqueles micro-
organismos que ocorrem em uma região determinada e estão presente na
maioria dos hospedeiros. A diarreia dos viajantes, comum quando mudamos
de cidade, deve-se à modificação da flora intestinal normal. A microbiota
normal pode incluir espécies patogênicas, como as do gênero Plasmodium,
que causam as malárias, e diversos helmintos.
Ainda são de uso corrente e, de certa forma convenientes, as
categorias de relações interespecíficas mutualísticas como parasitos,
comensais, inquilinos, escravagistas, simbiontes estritos que levam em conta
possíveis benefícios ou prejuízos causados aos hospedeiros ou parceiros. Em
certa época imaginou-se que haveria uma evolução adaptativa, iniciando
com o parasitismo e terminando pela convivência vantajosa para ambos,
como entre simbiontes. Isto se revelou falso, como discutiu Audy em 1958.
O parasito ou predador que funciona como agente de controle demográfico
de uma população de hospedeiros ou presas sacrifica certos indivíduos, mas
contribui para assegurar a sobrevivência da população em boas condições
sanitárias e em equilíbrio com os recursos tróficos e espaciais da área.
101

Apesar de permanecerem de uso corrente, essas categorias são artificiais e,


no máximo, temporárias.\
Dada a dificuldade de se determinar tanto o hospedeiro como o
micro-habitat em que se originaram comensais, parasitos e simbiontes,
deve-se restringir o uso de autóctone aos casos evidentes em que a
especificidade e o grau de adaptação o ao hospedeiro indiquem claramente
a origem evolutiva de um táxon. Pode-se admitir que simbiontes estritos e
parasitos profundamente modificados tivessem sofrido longo processo de
coadaptação com o hospedeiro, mas nem sempre é fácil reconhecer o grau
de evolução da associação.
Hershkovitz denomina regionalista um táxon nativo em uma região, à
qual pode estar confinado ou de onde partiu para invadir e colonizar outra
área, geralmente contígua ou excurrente. Em termos de micro geografia, é
vedado o uso de endêmico para unidades taxonômicas intraespecíficas, e
levando em consideração que a localização ou ubiquidade de um micro-
organismo no corpo de um hospedeiro depende da espécie deste, podemos
utilizar os termos euriécio para os microbiontes ubíquos e estenoécio para
aqueles de micro-habitat limitados. Indígena e nativo devem ser
considerados sinônimos: traduzem o grau de intimidade da adaptação da
microbiota ao hospedeiro.
Aparelho digestivo, aparelho circulatório, trato respiratório, dobras da
epiderme constituem alguns dos microhabitats principais nos vertebrados e
abrigam comunidades características, cujas estruturas repetem as dos
ecossistemas externos e, cuja dinâmica depende de fatores ecológicos
semelhantes aos que condicionam os grandes biomas: temperatura, luz,
umidade, pH, velocidade de fluxo, tensão osmótica e gravidade, que variam
em escala milimétrica ou micrométrica no corpo do hospedeiro.
As microbiotas podem sofrer desequilíbrios em virtude de alterações
que se verificam nas condições micro ambientais, isto é, no corpo do
indivíduo que as abriga. Algumas eliminam substâncias inibidoras do
crescimento e outras, catabólitos favoráveis ao desenvolvimento. Podem
sofrer a competição de espécies invasoras ou imigrantes ou terem seu
equilíbrio comprometido pela extinção ou redução das populações de certos
componentes da microbiota individual, que desencadeiam efeitos fisiológicos
102

recíprocos. O uso de antibióticos, raios X e imunossupressores provoca tais


resultados. Segundo Alexander (1971): Não há dúvida de que muitos surtos
patogênicos ocorrem como resposta direta à redução dos mecanismos de defesa do corpo,
mas também é possível que a causa seja, com frequência, um desequilíbrio entre as
populações microbianas indígenas.
Bactérias como Escherichia, Alcaligenes, Proteus, Pseudomonas,
Staphylococcus e as do grupo Klebsiella-Aerobacter não eram consideradas
particularmente patogênicas antes da era dos antibióticos e hoje podem
provocar bacteremias e infecções clínicas em pacientes submetidos à
antibioticoterapia.
A patogênese não constitui um atributo, mas uma circunstância.
Depende da espécie do hospedeiro, isto é, de respostas específicas dos
diferentes hospedeiros a um mesmo agente, de fatores momentâneos como
o stress, de condições do micro biótopo que o micro-organismo invade ou
ocupa, como no caso da febre reumática, de meningoencefalites, de
tuberculoses, ou de certos tecidos onde o invasor se multiplica ou enquista,
e, ainda, da ação inibidora ou modificadora como fagos e de outros micro-
organismos.
O estudo das micro comunidades individuais obedece aos mesmos
princípios que regem o das comunidades exógenas. Os desequilíbrios que
afetam as condições sanitárias desses micro-organismos são objeto de
investigação de uma microepizootiologia. Como acarretam alterações no
ambiente que, no caso, é o corpo do hospedeiro, podemos usar o termo
microepidemiologia ou autoepidemiologia, quando a preocupação
fundamental é focalizada em sua ecologia.
A doença pode ser estudada em todos os níveis de complexidade
biológica: o patologista preocupa-se com as alterações que se verificam nos
níveis celular e histológico; o clínico no nível organismal ou individual; o
médico previdenciário, na medicina social e ocupacional, e o epidemiologista
no nível do ecossistema, isto é, da ecologia médico sanitária.
Sob o título de Ecologia das Doenças, dois aspectos distintos devem
ser considerados separadamente, mas que são, em geral, confundidos. Em
primeiro lugar, pode-se estudar a autoecologia dos agentes, seu cicio
biológico, suas exigências em termos de condições ambientais, seus ritmos,
seu comportamento. Em segundo lugar, podemos pesquisar a ecologia da
103

transmissão, o que envolve a investigação das relações parasito-hospedeiro


e dos fatores que contribuem para a infecção daquele, incluindo
contingências socioeconômicas, comportamentais e outras.
Exemplificando, podemos estudar o comportamento ecológico das
filarias, seu cicio circadiano e os fatores que o condicionam. Por outro lado,
em termos de sinecologia, investigamos o complexo de relações dos
hospedeiros com os mosquitos transmissores. O estudo da ecologia da
peste envolve, por um lado, a investigação da autoecologia de pulgas, de
roedores e de bactérias, por outro, das condições resultantes da associação
dos três, nos distintos biótopos onde se encontram juntos, dentro das
respectivas áreas de distribuição geográfica. Assim, em alguns lugares a
peste se manifesta como um problema urbano, em outros é ruderal e pode
ser, em certas áreas, um problema ocupacional.
Elton, em 1931 foi um dos pioneiros na pesquisa dos aspectos
ecológicos das epizootias e epidemias e em Golvan e Roux, trinta anos mais
tarde encontramos exemplo clássico de trabalho meticuloso e detalhado
nesse campo especializado da Ecologia.
A premissa básica da ecologia médica é a homeostase ambiental,
onde o equilíbrio natural depende de um sincretismo ecológico e a saúde
traduz o ponto de equilíbrio. Ela resulta, portanto, de um ajuste do
organismo com o meio em que vive.
Para os ecólogos, infecção o é um aspecto particular dos fenômenos
da alelobiose e da ecobiose quando envolvem micro-organismos e macro
organismos. Resulta da ocupação de um micro-habitat em um organismo
hospedeiro por um micro-organismo invasor ou colonizador, o que explica a
presença ocasional de micro-organismos de vida livre no corpo de
hospedeiros fortuitos. As relações entre eles podem ser harmônicas ou
desarmônicas, conforme o local de entrada, o inoculo, a virulência do
invasor, a resistência orgânica e o estado de stress ou tensão do hospedeiro
(que pode auto agredir-se), as reações de outros elementos da microbiota já
instalados, e de circunstâncias diversas ou fatores que atuam no macro
ambiente e nos microambientes dos organismos envolvidos. Dependendo do
grau de especificidade parasitária e das relações entre hospedeiro e parasito,
o resultado pode ser variável.
104

Para o ecólogo, a doença é qualquer condição estrutural ou funcional


que comprometa a sobrevivência ou prejudique o desempenho de um
indivíduo em seu ambiente natural. As doenças infecciosas e parasitárias
traduzem, por sua vez, um desequilíbrio no sistema constituído pelo
hospedeiro à microbiota endógena e exógena.
Para o clínico, a infecção só interessa quando pode ser detectada
pelos métodos diagnósticos à sua disposição. Mas para o geneticista, o
sanitarista e o epidemiologista, que atuam no nível social ou no do
ecossistema, o portador inaparente é mais importante e o paciente
declarado está fora de sua jurisdição, a não ser como dado estatístico e
indicador. Para o ecólogo, o doente não importa como tal, mas sim a
doença como um sintoma de desequilíbrio no ecossistema.
Do ponto de vista evolutivo, admite-se que a infecção parasitária se
origina da colonização de um micro-habitat no corpo de um animal, por
organismos de vida livre, que encontram ali condições semelhantes às de
seu habitat normal ou que adquire de outros hospedeiros ou reservatórios. É
o que acontece com micro-organismos saprófitos, que vivem na matéria
orgânica em putrefação no meio exterior e que encontram condições
similares no intestino.
Para Alexander (1971), [...] a doença infecciosa representa uma categoria de
interações de populações com o meio ambiente que envolvem um hospedeiro e um micro-
organismo com potencial para colonização e patogênese.
Do ponto de vista ecológico, a endemia indica uma condição de
equilíbrio, enquanto que a epidemia e a epizootia traduzem perturbações no
equilíbrio das comunidades.
Um século após o início da medicina científica inaugurada por Pasteur
e Koch podemos avaliar, com mais segurança, o impacto causado pela
comprovação da teoria da especificidade das doenças e da origem
microbiana das infecções.
Como consequência imediatamente positiva, contamos com o
nascimento e evolução vertiginosa e radical das disciplinas microbiológicas,
as quais pouco teriam progredido menos se interessadas apenas no estudo
acadêmico ou fundamental do mundo microbiano. Impulsionadas pelo
interesse imediato e pelas perspectivas de aplicação a problemas de suma
importância individual, social e econômica, as pesquisas na área da
105

microbiologia médica, veterinária, agrícola e industrial avançaram de maneira


notável, dominando o panorama científico do final do século 19 ao século
21. Foi essencial para a teoria da antibiose anunciada por Pasteur e para a
produção de antibióticos. A investigação dos agentes causais passou a ser
considerada a meta prioritária da medicina, em todos os seus níveis. O
aprimoramento das técnicas de laboratório reverteu em proveito da
pesquisa, que se ampliou em extensão e escopo. A medicina como arte
passou a sofrer competição por parte da ciência médica. A arte de curar
cedeu, pouco a pouco, lugar às técnicas de diagnosticar e à segurança e
precisão no prescrever, graças ao auxílio de laboratórios cada vez mais
sofisticados e complexos – e caros.
Após a Primeira Guerra Mundial os problemas de epidemiologia
propuseram novos desafios aos pesquisadores e administradores. A Segunda
Guerra Mundial transformou esses desafios em demandas urgentes. As
revoluções sociais que se iniciaram traziam revelações desconcertantes. As
mudanças provocadas pela facilidade de comunicação e transporte, que
culminariam na panmixia potencial da aldeia global permitiram a circulação
mundial de micro-organismos e parasitos e a pandemização de muitas
doenças, antes regionalizadas. Expuseram, ainda, novos problemas cruciais,
que não podiam ser reduzidos à simplicidade da proveta, da placa de Petri e
do microscópio.
Entre a solução ou a informação teórica e a aplicação prática, em
escala mundial, ou mesmo continental ou nacional, vai grande distância e a
descoberta ou invenção de métodos capazes de permitir-nos atuar em
escala que possibilite prevenir ou controlar uma epizootia ou epidemia vale
tanto e às vezes mais do que a descoberta de seu agente etiológico.
Os problemas de superpopulação, de aumento do contingente de
enfermidades crônicas e degenerativas e da preservação de genes deletérios
exigem a tomada de posições novas. Por outro lado, a assistência individual
não garante a saúde pública (Stalones, 1971) e acarreta maiores
responsabilidades sociais. Pouco a pouco firma-se a ideia de que a teoria da
agência unicausal, determinística das doenças é simplista e reducionista.
Durante a Segunda Guerra Mundial, as pesquisas sobre a
epidemiologia do tifo, da tuberculose e da malária vieram mostrar a
106

importância da investigação dos complexos causais ou complexos de


relações ecológicas como base dos programas de vigilância e controle de
problemas médico-sanitários. As pesquisas sobre zoonoses deram maior
ênfase às componentes ambiental e sociocultural para explicar e permitir
controlar situações de risco. A evolução da ecologia trouxe novos elementos
conceituais para esclarecer dúvidas e colocar em foco uma nova
problemática. Em parte, foi a fragmentação das especialidades,
compartimentando as profissões por força da necessidade de especialização
profissional e de mercado de trabalho, o responsável pela evolução
divergente ou paralela nas ciências biológicas e biomédicas.
A integração de conceitos desenvolvidos isoladamente e a aplicação
recíproca de metodologias e técnicas desenvolvidas em diferentes áreas foi
sempre fonte de progresso rápido. Mas, Clemens e Shelford advertiram, em
1939, que estudantes de ecologia continuarão a ser treinados, basicamente, como
botânicos, sociólogos ou economistas, ainda por muito tempo presumivelmente enquanto
os departamentos universitários forem organizados na base dos atuais
Ao mesmo tempo, a investigação da ecologia das doenças deve ser
feita de maneira a permitir-nos formar uma imagem da complexidade dos
processos envolvidos e das condições de sua ocorrência. Para isso é
necessário conhecer o comportamento, a dinâmica e as relações dos
diversos componentes das biocenoses e patocenoses, quando em equilíbrio,
para podermos isolar os fatores condicionantes dos desequilíbrios que
traduzem a doença, a epidemia e a epizootia.
Em termos de ecologia humana, entretanto, a descoberta ou invenção
de uma nova vacina tornou-se mais fácil do que convencer os indivíduos a
usá-las

3.2. FOCOS E DEMES


A ocorrência e localização de uma enfermidade, em termos de
distribuição geográfica ou ecológica, pode ser ocasional, periódica, ou
duradoura. No primeiro caso, depende do número de indivíduos suscetíveis
existentes na população de hospedeiros potenciais; no segundo caso, da
sucessão de gerações de novos hospedeiros suscetíveis incorporados à
população; no terceiro, do estabelecimento de um estado de equilíbrio entre
107

parasitos e reservatórios, que caracteriza a endemia, no sentido


epidemiológico do termo.
Encontramos focos localizados em órgãos e tecidos, com
características ecológicas semelhantes às que identificamos nas comunidades
exógenas.
A observação dos padrões de distribuição geográfica de macro e
micro-organismos nos revela a descontinuidade como uma constante. As
comunidades bióticas exógenas concentram-se em bolsões, nos biótopos
onde se verificam as condições ecológicas coincidentes para vetores,
hospedeiros e micro-organismos. Isto é o que define a distribuição ecológica
dentro da área de distribuição geográfica. Assim, a população brasileira
distribui-se irregularmente em núcleos populacionais, que se localizam onde
há água e outras condições necessárias à subsistência. No caso das
microcomunidades endógenas, o organismo que as abriga constitui o meio
ambiente exterior e elas se localizam também de maneira irregular, nos
biótopos favoráveis, isto é, aqueles que oferecem as condições necessárias à
sua sobrevivência.
Sistematas e epidemiólogos referem-se ao fenômeno da localização
ou distribuição descontínua de maneira independente, mas basicamente
coincidente. Hershkovitz descreveu um bolsão de população como uma
pequena população isolada onde a taxa de reprodução, predação, doenças,
alterações sazonais no clima e no substrato são os fatores que a controlam.
Em épocas de abundância extraordinária de alimento, a população de um
bolsão pode aumentar e exceder, de muitas vezes, a capacidade de suporte
normal da área.
Um bolsão de população corresponde, na maioria das vezes, a um
deme, que foi definido por Julian Huxley, em 1942, como sendo uma
população local mendeliana que reúne, portanto, indivíduos estreitamente
relacionados.
Para Pavlovsky, existe um foco natural de doença quando um biótopo
reúne um clima específico, com vegetação, solo e microclima especiais, em
lugares onde vetores, hospedeiros e indivíduos suscetíveis subsistem. Para
ele, um foco natural de doença relaciona-se com uma paisagem geográfica
108

específica, isto é, com uma biogeocenose ou ecossistema. O agente causal


de uma enfermidade transmissível é, também, um dos seus componentes.
Portanto, é evidente a relação necessária e fundamental que existe
entre demes e focos, isto é, entre bolsões de população, os pockets of
population, dos taxonomistas e ecologistas e bolsões de infecção, os pockets
of infection, dos epidemiologistas.
Ao discutir a teoria da focalização de Pavlovsky, Galuzo reuniu, em
1968, estes conceitos, afirmando que a teoria da nidalidade natural constitui,
acima de tudo, uma questão biológica. Ela se baseia no reconhecimento das
leis naturais e nos princípios do desenvolvimento das biogeocenoses. Não
pode existir um foco natural sem uma associação animal, pois não se pode
admitir a existência independente dos componentes do foco fora de um
mesmo ecossistema. Galuzo chamou a atenção para o fato de que pouca
atenção tem sido dada, pelos ecólogos, aos agentes de doenças infecciosas
como componentes de biogeocenoses. Note-se que biocenose é o termo
utilizado nos países do leste europeu, em lugar de ecossistema.
Esta teoria é, sem dúvida, uma prova evidente da fertilidade do
terreno que separa duas disciplinas científicas, e onde o progresso é mais
rápido, quando esse terreno é cultivado: um lugar onde, como acontece
entre dois polos elétricos, uma faísca ilumina um novo caminho para o
desenvolvimento científico.

3.3. EPIDEMIOLOGIA E ECOLOGIA


Na antiguidade clássica, Hipócrates de Cos (460 AC – 377 DC)
preocupava-se com a ocorrência de surtos de incidência e prevalência
anormais que foram atribuídos, por ele, à ação de fatores ambientais,
especialmente às mudanças de estações e às influências das Águas, Ares e
Lugares.
Da ênfase no ambiente seguiu-se a preocupação com o paciente,
objetivo principal da medicina galênica (Galeno de Pérgamo, 129 DC - 217).
Nos séculos seguintes surgiu a preocupação com os fatores sociais como
causas coadjuvantes. As disputas sobre a ação dos miasmas e do contágio
prolongaram-se até o século 19 quando Pasteur e Koch resolveram,
finalmente, a questão da especificidade das doenças e determinaram a
109

natureza microbiana das infecções e as pesquisas médicas concentraram-se


na identificação dos agentes.
A epidemiologia, por sua vez, preocupa-se com as alterações nos
índices regionais de morbidade e mortalidade em populações humanas. Suas
inúmeras definições têm, em comum, a referência a fenômenos que se
passam nos níveis da população e do ecossistema. A Organização Mundial
de Saúde definiu, em 1973, epidemia em função das taxas normais ou
esperadas de ocorrência de uma doença em um determinado período de
tempo e em uma região definida. Reconhece que, em uma região onde não
ocorrem casos de uma doença, o aparecimento do caso índice caracteriza,
tecnicamente, uma epidemia.
Enfermidades e agravos de natureza genética e os não transmissíveis,
assim como os acidentes e as causas externas de morbidade e mortalidade
provocam alterações nos índices sanitários e vitais e, para efeito de
investigações epidemiológicas são comparáveis às transmissíveis, exceto
quanto à questão de imunidade, o que permite prever a marcha e a
velocidade de propagação de um surto, no caso destas últimas. As doenças
ocupacionais e as não transmissíveis podem apresentar, igualmente, padrões
regionais e temporais de distribuição, relacionados com a influência de
fatores ambientais ou sociais.
No nível do ecossistema, ocorrem as doenças infecciosas e
parasitárias, que envolvem, pelo menos, um micro-organismo, o homem, os
fatores abióticos e, nas patocenoses complexas incluem hospedeiros
intermediários, reservatórios e vetores.
Quanto à microbiota endógena ou individual, constituída por
comensais, simbiontes estritos e parasitos, os padrões de distribuição no
corpo do hospedeiro mal começam a ser descritos (Dubos, 1965;
Crompton,1973; Marples,19 65). Como vimos, eles ocupam micro-habitats
em órgãos e tecidos dos animais e plantas que os abrigam habitual ou
ocasionalmente. Como vimos, os processos de dispersão, colonização e
sucessão ecológica de micro-organismos parasitas e comensais obedecem
aos mesmos princípios gerais da ecologia e biogeografia exógenas.
Uma vez que fatores sociais, econômicos, genéticos e culturais
exercem influências importantes, deve-se ter o cuidado de não atribuir a
110

condições regionais de natureza ecológica a ocorrência de enfermidades que


não dependem primordialmente delas. Se o fizermos, incorremos ao erro de
subscrever a ideia falsa do determinismo ambiental ou ecológico, que levou
certos autores do século 19 a postular a limitação do desenvolvimento da
civilização nos trópicos.
As comunidades microbianas que incluem micro-organismos de
interesse médico ou fitossanitário têm sido investigadas e analisadas em
maior detalhe. Na verdade, do seu estado de equilíbrio ou desequilíbrio
dependem as condições de saúde ou doença do hospedeiro que as abriga.
A doença infecciosa no nível individual é um sintoma de desequilíbrio
ecológico que se verifica no meio interior, entre certas populações
endógenas de micro-organismos e seu meio circundante. Com as técnicas
de controle biológico hoje conhecidas e que utilizam os princípios do
amensalismo e da antibiose, tanto na epidemiologia clássica como na
microepidemiologia ou epidemiologia endógena, o aparecimento de
consequências inesperadas revela os perigos dos desequilíbrios ecológicos,
que levam à superpopulação de certas espécies, endógenas ou exógenas, as
quais se aproveitam de nichos ecológicos momentaneamente inexplorados
ou vazios ou da falta de com- petição e provocam as superinfecções.
Em uma comunidade, o equilíbrio é mantido de forma dinâmica.
Certas espécies podem impedir a multiplicação excessiva e a sobrevivência
de indivíduos de outras espécies pela produção de toxinas ou substâncias
inibidoras, assim corno pela competição por espaço e alimento. A liberação
de metabolitos, orgânicos ou inorgânicos, deletérios a outras espécies, isto é,
substâncias que podem agir como reguladores químicos ou bioquímicos da
composição da comunidade caracteriza o amensalismo. Esses produtos
podem ser de natureza inorgânica, como ácidos, amônia, água oxigenada,
nitritos, gás sulfídrico, gás carbônico, oxigénio; podem ser de natureza
orgânica, como os antibióticos, que constituem metabolitos de estrutura
bastante complexa e de ação muito potente, excretados por organismos
autotróficos e heterotróficos.
Os antibióticos reduzem a competição interespecífica por nutrientes,
luz ou espaço. Em lugar de eliminarem toda a competição, contribuem para
selecionar a composição da comunidade biótica, uma vez que as espécies
111

para as quais são inócuos podem reproduzir-se abundantemente, graças à


sua ação inibidora vicariante. Seu raio de ação é definido e restrito e os
antibióticos defendem a célula contra a invasão por parasitos e por
heterótrofos, os quais podem secretar enzimas capazes de destruírem a
parede celular. Os antibióticos são produzidos em culturas axênicas de
bactérias, fungos, actinomicetos e algas. Seu papel na competição biológica,
em condições naturais, segundo Alexander (1971), é ainda bastante
discutido.
Os fundamentos da ecologia geral foram finalmente estabelecidos ao
longo do século 20. Botânicos e zoólogos, dedicados ao estudo das
comunidades bióticas propuseram os princípios básicos da moderna
ecologia e aperfeiçoaram métodos próprios de trabalho. Simultaneamente
surgiu uma nova epidemiologia, com bases firmes na ecologia. O método de
comparação de áreas de ocorrência de doenças com as de possíveis vetores,
por exemplo, utilizado com êxito por Simond, por Grassi, por Lutz e, como
mostrou Delaporte em 1989, por Finlay foi aperfeiçoado, como mostrou
Swynerton em seu estudo publicado em 1921 sobre a ecologia das moscas
tsé-tsé na África e seu papel na transmissão de zoonoses.
Criador do Bureau of Animal Population na Universidade de Oxford,
Charles Elton interessou-se também pelos aspectos sanitários das
populações silvestres, mostrando que, ao contrário do que muitos supunham
na época, e do que ainda hoje se imagina, animais silvestres não são
particularmente sadios. A biografia de Elton, publicada por Crowcroft, ilustra
um período profícuo da história da ecologia quando os seus fundamentos
modernos foram formulados e estabelecidos. Além de contribuir para a
teoria ecológica de maneira geral, propondo muitos dos conceitos atuais
como os de nicho e de pirâmide de números, Elton atuou nas áreas
aplicadas relacionadas com o comércio de peles de animais silvestres.
Muitos dos seus trabalhos realizados entre 1924 e 1966 abriram novas
perspectivas para a compreensão da ecologia e epidemiologia das zoonoses.
Elton manteve, na época, correspondência com jovens pesquisadores
soviéticos interessados em pesquisar métodos de estudo da dinâmica de
populações de pequenos mamíferos silvestres. A troca de correspondência
foi interrompida por ocasião da Segunda Guerra Mundial e, em seguida,
112

pelas restrições impostas durante o período Stalinista. Durante a guerra, os


pesquisadores do Bureau de População Animal foram requisitados para
trabalhar em programas aplicados à saúde pública e à agricultura, quando
estabeleceram métodos de estudo de populações de roedores, tanto dos
ratos e camundongos cosmopolitas quanto de murídeos silvestres
responsáveis prejuízos aos cultivos no campo e aos produtos agrícolas
armazenados.
Para Elton, ecologia é o estudo da dinâmica das populações em
relação ao ambiente. Naquele período colaboraram com especialistas norte-
americanos que estudavam, em Baltimore, a sociologia das ratazanas de
esgoto, Rattus norvegicus.
A epidemia de peste que teve início na Mongólia no final do século
19 e que se tornaria pandêmica, chegando, no início do século 20 à África e
às Américas atraiu a atenção e a preocupação das nações mais
desenvolvidas da Europa. Ásia e da Austrália. Os relatórios dos membros das
sete comissões mais destacadas enviadas à Índia, somaram milhares de
páginas. Dentre os pesquisadores destacaram-se, como vimos, Yersin e
Kitasato, que identificaram a bactéria responsável e Simond que, elucidou a
cadeia de transmissão demonstrando, inequivocamente, a participação de
Rattus rattus e suas pulgas. O chinês Wu Lien The teve ocasião de investigar
os surtos que ocorreram na Manchúria, na década de 1920 e o envolvimento
de roedores silvestres no ciclo e seu papel como reservatórios. Seu trabalho
despertou o interesse de Charles Elton que, em 1924 publicou um artigo
sobre as flutuações populacionais de mamíferos silvestres, no qual ressaltou
que o conhecimento dos padrões de periodicidade permite o estudo da
seleção natural no campo. Foi quando chamou a atenção para os trabalhos
de Wu Lien The e sua importância para o conhecimento das zoonoses.
Ressaltou a influência dos fatores do meio físico sobre a dinâmica das
populações, bem como das relações predador-presa e parasito-hospedeiro
como fatores do meio biótico. Sete anos mais tarde Elton considerava o
estudo sistemático das doenças em animais silvestres como uma das mais
recentes preocupações da ecologia animal, e que ainda não permitia que se
fizessem generalizações. Ressaltou o papel da doença como um fenômeno
natural e que constitui um dos mecanismos de controle populacional,
113

especialmente para os mamíferos e não menos importante que predadores,


clima, suprimento alimentar e outros fatores de regulação. O controle
populacional por parasitos foi mencionado por Charles Darwin, já na
primeira edição da Origem das Espécies, mas não foi seriamente investigado
até que Elton chamasse a atenção para ele.
Enquanto isso, do pano de fundo da geografia humana emergiram as
ideias que se concentrariam no estudo da trama de interrelações das
populações humanas com o ambiente físico e biótico, mediadas pelas
estruturas sociais e patrimônios culturais próprios de cada uma delas.
Saúde, doença e morte figuram proeminentemente em nossas
preocupações e, em consequência, ocupam lugar privilegiado nas
preocupações de antropólogos, sociólogos, historiadores e de todos os
pesquisadores que contribuem para o conhecimento interdisciplinar das
populações e de sua ecologia.
Em 1910 surgiu a primeira edição de La Géographie Humaine de Jean
Brunhes, mencionado anteriormente. Na última edição, publicada em 1934,
ele define geografia humana, designação que prefere à de antropogeografia de
Frédéric Hatzel, como o estudo das relações entre a terra e o homem. Em
um capítulo onde discute as relações da geografia das doenças infecciosas
endêmicas e epidêmicas com a geografia humana, questiona a propriedade
de aceitar-se a individualidade de um campo específico de geografia
médica. Reconhece a existência de uma geografia das doenças, assim como de
uma geografia dos roedores, dos insetos, dos ácaros, que transmitem a
malária, a febre amarela, o tifo, a peste e todas as tripanossomíases.
Reconheceu a importância dos mapas corológicos, que indicam, por
exemplo, a correspondência entre as áreas em que ocorrem as
tripanossomíases africanas e a distribuição geográfica das tsé-tsé. Brunhes,
por sua vez, definiu foco [foyer] de zoonoses dizendo que [...] se os micróbios
que causam as doenças do homem parecem estar localizados em certos focos, não é
apenas porque, como se acreditou durante muito tempo, eles encontram as condições
climáticas necessárias a seu desenvolvimento. A geografia dessas doenças não é
determinada em função da dependência direta dos seus agentes patogênicos frente às
condições atmosféricas, mas ela é regida pela biologia dos insetos que são seus
hospedeiros secundários de seus vírus.
114

No final da década de 1930, Eugeny Pavlovsky, na União Soviética,


propôs o termo patobiocenose para definir comunidades bióticas integradas
por hospedeiros de recipientes de agentes causais de uma doença
transmissível ou parasitária, o próprio agente e seus vetores. Os integrantes
dessa comunidade são parte de um biótopo específico de uma paisagem
geográfica particular, ou seja, de uma biogeocenose, conceito que atribuiu a
seu colega na Academia de Ciências, Vladimir Nikolaevich Suckachev.
Em um simpósio realizado em 1968, editado por Norman Levine, do
qual o próprio Pavlovsky participou, suas ideias foram discutidas e
esclarecidas certas peculiaridades na definição de termos que são utilizados
com significado distinto entre pesquisadores da antiga União Soviética e da
Europa ocidental.
Como vimos, o termo biogeocenose é sinônimo de ecossistema,
como foi definido em 1935 pelo botânico inglês Arthur George Tansley,
enquanto que. a teoria dos focos naturais ou da epidemiologia paisagística
constituiu, na verdade, uma reformulação das ideias originais de Jean
Brunhes e de Charles Elton.
Nem nas obras de Pavlovsky nem no simpósio de Alma Ata, editado
por Levine encontramos referência ao patologista, bacteriologista e
higienista social Max Kuczynski (1890-1967), ou à sua teoria da patologia étnica
ou cultural proposta no período de 1940 a 1950. Sua síntese, como descreveu
Kniper, envolvia o estudo das doenças, combinando aspectos clínicos,
sociais, culturais e geográficos. Nascido na Alemanha, professor de patologia
na Universidade de Berlim, realizou expedições à Polônia, Rússia, Ásia
Central, e Brasil com o fim de pesquisar a influência da geografia, clima,
condições sociais e características étnicas sobre a ocorrência de doenças.
Usou métodos e técnicas diversas que iam da necrópsia às análises
bacterianas e clínicas, combinadas com observações de caráter geográfico.
Em 1933, em virtude de sua origem judaica, foi forçado a deixar a Alemanha
e, em 1936 radicou-se no Peru, onde adotou o nome de Maxime Kuczynski-
Godard.
A geografia médica, portanto, firmemente ancorada na ecologia, e nas
ciências sociais, que deu origem à moderna epidemiologia expandiu-se
consideravelmente após a Segunda Guerra Mundial, como atestam os
115

trabalhos de síntese de M. Lanou, Maximilian Sorre, Jacques M. May, Calvin


W. Schwabe, René Dubos e, de formações profissionais e tradições culturais
distintas.
Ecologia humana, ecologia médica e epidemiologia abordam temas de
interesse compartilhado. A ecologia humana, muito mais abrangente e
ambiciosa, ultrapassa o interesse pela saúde e doença. A ecologia médica e
a epidemiologia, sim, preocupam-se com estes aspectos e investigam os
fatores físicos, bióticos, sociais e culturais que interferem no complexo
saúde-enfermidade. A ecologia focaliza sua atenção imediata nas redes de
relações dos fatores ecológicos, enquanto que o foco de atenção do
epidemiologista é a população humana.
116

CAPÍTULO IV
AS PARTICULARIDADES DA ECOLOGIA HUMANA

4. 1. O COMPLEXO TEMA DA CULTURA


Nos séculos 15 e 16, quando os habitantes do Continente Americano
descobriam a existência da Europa, seguido pela conquista e tentativas de
substituição das culturas locais pelas dos invasores surgiu o interesse pelas
questões relativas às influências do meio sobre a cultura. A Igreja cristã,
unida ao Estado e, muitas vezes ditando decisões políticas, preocupava-se
com o paganismo das crenças autóctones no Novo Mundo. Os partidários
do determinismo ecológico atribuíam as características físicas, os
comportamentos e as possibilidades de progresso material, social e espiritual
às imposições do clima. Esta teoria foi adotada e explorada por economistas,
sociólogos, naturalistas e estadistas e encontra alguns adeptos ainda hoje.
Os defensores da teoria do determinismo dividiam-se entre os que
consideravam os fatores predominantes nas regiões tropicais impróprios ao
desenvolvimento de uma civilização avançada e os que consideravam tais
condições como propícias ao progresso.
O estudo objetivo da ecologia cultural encontra seu o primeiro
obstáculo na conceituação de cultura. O termo é empregado em vários
sentidos, com significados distintos e com pouca precisão. Laraia, 1986 listou
mais de uma centena de definições propostas. Em sua concepção popular
designa um conjunto de atividades intelectuais, de natureza histórica,
artística ou sociológica que inclui o folclore e outras manifestações de
cultura popular, mas exclui a ciência. Na visão do povo, a ciência não é
caracterizada pelo seu método, mas pelos seus resultados e a técnica é
confundida com a ciência. A própria revista publicada pela Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência intitula-se Ciência e Cultura. C. P.
Snow discutiu em 1965 essa atitude em um livro atual até hoje, no qual
reconheceu que cientistas e humanistas coexistem como duas culturas
distintas.
Os antropólogos que consideram a cultura como atributo
exclusivamente humano não esclarecem em que ponto da evolução do
homem ela surgiu: com o aparecimento do Homo sapiens herdada de Homo
117

erectus dos Austrelopithecus. Por outro lado, os biólogos exibem evidência


que sugerem encontrarem-se os fundamentos da cultura nos padrões mais
complexos de comportamento social dos mamíferos superiores e que ela
evoluiu a partir de comportamentos biológicos mais simples, encontrados
em seus ancestrais, como demonstra Ruffié na sua análise da evolução
humana, no seu livro De la Biologie à la Culture de 1983.
Um dos problemas mais importantes relacionados com a conceituação
de cultura reside no fato da definição taxonômica da espécie humana
basear-se em caracteres morfológicos. As pesquisas sobre sua origem são
feitas a partir da análise de restos fossilizados, especialmente fragmentos de
crânio e dentes, mais raramente de esqueletos mais ou menos completos.
Por outro lado, os antropólogos correlacionam a existência da espécie
humana com a fabricação e acúmulo de artefatos. Entretanto, a utilização de
instrumentos e a indústria lítica exigiram um processo/tempo demorado de
evolução.
Um exemplo analógico ajudará na compreensão da questão. Quando
estudamos a origem e evolução dos mamíferos, contamos com evidências
paleontológicas seguras que permitem acompanhar, em fósseis de idades
sucessivas, a redução do osso quadrado e sua transformação nos ossículos
do ouvido médio, o aparecimento do segundo côndilo occipital e a
diversificação e evolução dos dentes. Entretanto, não podemos acompanhar
o surgimento dos mecanismos de controle de temperatura, que levaram à
homeotermia, característica importante que os mamíferos partilham com s
aves. Seguramente, todos esses caracteres evoluíram em ritmos ou taxas
diferentes. Certamente houve répteis, que assim consideraríamos pela
presença do osso quadrado, já com diferenciação rudimentar da dentição e
com possibilidade de regulação, reduzida, da temperatura corporal. Desta
forma, nos répteis mamaliformes e os mamíferos reptiliformes certos
caracteres surgiram, em combinações variadas, fazendo com que os
paleontólogos discordem quanto à sua correta posição taxonômica.
Quando definimos Homo sapiens em função de sua morfologia,
torna-se difícil associar seu aparecimento com o surgimento da cultura
material e a fabricação de artefatos.
118

Não resta dúvida de que a evolução cultural constituiu um dos fatores


mais importantes para o predomínio do homem na biosfera e que é uma
das características diagnósticas da espécie humana. Mas isso não significa,
necessariamente, que as origens da cultura coincidiram com a do Homo
sapiens. Na pesquisa de suas origens, é preciso evitar o erro de confundir
sistemas ou padrões meramente análogos, que não encontram
correspondentes homólogos na espécie e que, portanto, não podem ser
considerados ancestrais ou rudimentares.
Em antropologia, cultura tanto pode ser aplicado a valores abstratos
quando se refere a conquistas intelectuais, normas de conduta, instituições
sociais e sistemas econômicos de um grupo, como pode ser substantiva,
quando se aplica aos aspectos materiais dessas conquistas, quais sejam os
artefatos, construções, edifícios e estilos que caracterizam e distinguem uma
comunidade humana em uma determinada etapa de sua evolução.
Herskovits já reconhecera em 1963 o aprendizado e a transmissão de
conhecimentos como características fundamentais da cultura, mas
considerou-a como sendo exclusivamente humana: Fora alguns poucos casos cuja
significação não é muito clara, o homem é a única criatura que conseguiu cultura, isto é,
cujos modos de responder às exigências da vida são do tipo acumulativo [...].
Para Malinowski, que propôs uma teoria científica da cultura, no início
do século 20, ela [...] obviamente é o conjunto total de artefatos e bens de consumo, de
normas de comportamento para os diferentes grupos sociais, de ideias e habilidades,
crenças e costumes.
Em resumo, um vasto repositório, em parte material, em parte teórico
e em parte espiritual, com o auxílio do qual o homem está apto a enfrentar
os problemas concretos e específicos com que se defronta.
Edward Tylor, um dos sistematizadores da antropologia cultural
definiu, em 1891 a cultura como [...] aquele todo complexo que inclui conhecimento,
crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras funções ou hábitos adquiridos pelo
homem como membro de uma sociedade.
Isto é, inclui o conjunto de atividades que são aprendidas e
transmitidas de geração em geração, por diferentes processos. Não nos
esclarece, entretanto, como ela surgiu.
Beattie acrescentou, em 1964, outros atributos ao conceito de cultura
ao reconhecer que os homens vivem em um universo simbólico, tese
119

fundamental de sua obra sobre antropologia social. Considera que o


comportamento social dos animais é, apenas, análogo ao do homem. Dessa
maneira, atribui às instituições humanas, natureza puramente simbólica, sem
base ou origem biológica ou sociobiológica.
Por sua vez, McNetting, em seu estudo sobre ecologia cultural
reconhece que, durante muitas décadas, antropólogos físicos e antropólogos
culturais trabalharam de maneira independente. A antropologia cultural
preocupava-se em descrever padrões de comportamento sem levar em
conta os aspectos da natureza em cujo contexto se desenvolviam, ou seja,
os fatores ecológicos que neles influíam.
Para Steward, a ecologia cultural é o estudo dos processos
adaptativos através dos quais a natureza da sociedade e um número
incalculável de aspectos culturais são afetados pelas alterações ou ajustes
que permitem a exploração de um determinado tipo de ambiente. O que,
sem dúvida, pode ser aplicado a outras espécies animais.
A maior parte das definições propostas pelos antropólogos inclui
aspectos do comportamento encontrados em outras espécies de animais, Se,
como define Herskovits, cultura é a parte do ambiente feita pelo homem, todas as
construções e sistemas de organização social dos demais organismos, além
das alterações provocadas por plantas em seu substrato podem ser
consideradas, por extensão, como conquistas culturais.
Para podermos definir o campo da ecologia humana, no qual a
cultura tem lugar de destaque, é necessário analisarmos, com mais
profundidade, as características que a definem e identificar os aspectos
exclusivamente humanos.
Como ficou claro, certos aspectos de uma determinada cultura podem
ser inferidos do estudo de seus produtos e conquistas materiais. O estudo
dos artefatos, desenhos e construções encontrados em um sítio
arqueológico permitem-nos reconstituir, evidentemente com muitas
limitações, algo de seus padrões sociais, de seus mitos, crenças e símbolos.
Por esta razão, os testemunhos materiais são designados, por extensão,
como cultura. Quando se trata de povos contemporâneos, seu patrimônio de
conhecimentos, técnicas, normas, crenças e organização social podem ser
inventariados, analisados e correlacionados.
120

No primeiro caso, nem sempre as conclusões são válidas, nem as


inferências, fáceis. A própria maneira de se utilizar um instrumento nem
sempre pode ser deduzida do exame de sua forma: basta comparar o
manejo de um garfo por ingleses e por brasileiros. Enquanto que, nas
demais espécies, as relações entre edificações como ninhos, tocas
complexas, obras de arte como as represas dos castores e as funções são
óbvias, em vista do utilitarismo estrito da técnica e da pequena variação
individual, no caso do homem os aspectos simbólicos interferem e dificultam
a análise. Nem todos os aspectos de um artefato são exclusivamente
funcionais: pode-se analisar como foi fabricado um determinado artefato, ou
como foi feita uma pintura, mas não a razão ou motivo que levou alguém a
fazê-lo daquela maneira.
As relações que existem entre os atributos simbólicos da cultura e
seus aspectos materiais são semelhantes às que existem entre nicho ou
função de uma espécie na comunidade e as características do biótopo que
ocupa.
A técnica, ou know-how, não é invenção do homem, ao contrário da
ciência, ou know-why. Respostas adaptativas às exigências do meio
demandam o emprego de métodos apropriadas. Assim são a caça em bando
dos lobos, a utilização e preparo de instrumentos simples como espinhos,
por certas aves insetívoras, que com eles extraem larvas do interior de
ramos, os gravetos, desfolhados por chimpanzés para colherem formigas e
cupins, a engenharia dos abrigos que mantêm condições constantes de
microclima em climas temperados onde os invernos e verão são rigorosos, e
as demais técnicas, cujo estudo cai no âmbito da etologia. Entretanto, tais
instrumentos são descartados e seu preparo recomeça automaticamente, a
cada ocasião.
Ao longo da vida os organismos desenvolvem técnicas que são, em
parte, inatas ou geneticamente programadas e, em parte, aprendidas. Esta
aprendizagem se faz por tentativa e erro, por imitação e, em seu estágio
mais avançado, por modelos ou símbolos, permitindo a solução de
problemas e o enfrentamento de situações inéditas. A inovação, nos animais
não humanos, é limitada e não se incorpora ao patrimônio cultural da
espécie ou, mesmo, da população local ou deme. Um exemplo curioso foi
121

relatado por Schirch, do Museu Nacional, Rio de Janeiro, que descreveu um


ninho de ave construído nas proximidades de uma pequena indústria, no
qual o material utilizado foi o arame. Ainda que tenha sido uma inovação
serendíptica, ficou limitada àquele único exemplo.
Para que as experiências acumuladas em uma geração possam ser
transmitidas à geração seguinte, são necessários vários requisitos. Primeiro,
que exista um período de coincidência ou superposição temporal e
ecológica de gerações. Em muitas espécies, realizada a postura de ovos, os
adultos morrem e as larvas ou ninfas nascem após um período sazonal ou
de duração mais longa, que pode chegar a 17 anos em cigarras da Região
Neártica. Em outras, adultos e jovens vivem em ambientes distintos, como
sucede com os animais que sofrem metamorfoses radicais, cujos adultos são
terrestres, livres ou parasitos enquanto que os jovens são aquáticos, sésseis
ou de vida livre, Ainda em outras, adultos e jovens partilham o mesmo tipo
de ambiente, mas não existe uma estrutura social que envolva cuidados
paternos ou maternos prolongados, após a eclosão dos ovos ou após o
parto. A longevidade constitui um requisito essencial. Segundo, que exista
uma estrutura social coesa de tipo cooperativo, como a família, o bando ou
rebanho, onde se verifica a transmissão da experiência mediante um
aprendizado mais ou menos longo, durante o período de convivência com o
grupo parental ou comunal. Terceiro, que haja um sistema de comunicação
que torne possível essa transmissão ou transferência de técnicas e padrões
de comportamento. Em geral, o aprendizado, nas espécies não humanas
limita-se à imitação de atitudes, de táticas de ataque e defesa e à solução
de problemas simples. O acúmulo da experiência está limitado, entretanto, a
uma única geração. Os que herdam por aprendizagem só dispõem do
potencial reunido pela geração imediatamente anterior. Não existe tradição
ou história.
Como reconheceu Sarton em 1936, a aquisição e sistematização do
conhecimento objetivo são as únicas atividades que são verdadeiramente
cumulativas e progressivas. Além disso, certas contribuições individuais são
preservadas e tornam-se património da espécie, como experiências únicas.
Assim, Einstein lembrou que o cálculo infinitesimal teria sido descoberto
122

mesmo se não houvessem nascido Leibnitz e Newton, mas sem Beethoven


não existiria a Nona Sinfonia.
A transmissão da experiência adquirida constitui um importante
mecanismo de herança não genética, que opera nos organismos que vivem
em sociedades. Na transmissão, ocorrem modificações, introduzidas tanto
por quem transmite como por quem recebe e que interpreta a informação
de acordo com suas experiências prévias e seu património cultural ou
intelectual próprio.
Um outro aspecto importante da evolução cultural é o registro das
experiências. Somente com Homo sapiens a tradição oral passou a ser
complementada e preservada pelo registro pictórico e gráfico, fiel ou
alegórico. As primeiras manifestações conhecidas refletem o pensamento
simbólico, como a figura do feiticeiro da gruta de Trois Frères, desenhada há
cerca de 20.000 anos. A invenção da escrita tornou o registro permanente e
colocou as experiências adquiridas em uma geração ao alcance das gerações
sucessivas, dando origem à história. Assim, o património histórico passou a
complementar o patrimônio genético.
O registro das experiências facilitou e multiplicou o aprendizado e
permitiu o incremento progressivo de um repositório cumulativo, facilitando
a modificação dos padrões de comportamento através da rápida difusão da
informação. Está claro, entretanto, que somente existe cultura no nível
populacional ou social e não no nível individual, onde o conceito de
indivíduo culto tem outro sentido.
A complexidade do cérebro humano permitiu o desenvolvimento da
linguagem. A fabricação de artefatos, por sua vez, influiu na evolução
intelectual, sugerindo usos e funções distintos daqueles originalmente
planejados e visualizados. O passo seguinte foi a evolução do raciocínio
abstrato. Existe, portanto, uma grande diferença entre o uso de uma pedra
lascada e a visualização de uma forma definida antes do desbaste de um
bloco de pedra ou mármore. A linguagem adjetiva e figurativa influiu, dessa
forma, para a diferenciação da cultura humana como um estágio ou nível de
complexidade superior ao do simples acúmulo individual de experiências
derivadas do aprendizado por tentativa e erro e da transferência limitada e
123

parcial de experiências de uma única geração anterior, que encontramos nos


outros animais.
A ritualização e o simbolismo constituem outros aspectos importantes
resultantes da evolução cultural do homem. Suas raízes, contudo,
encontram-se nos padrões de comportamento de outros vertebrados,
especialmente naqueles ligados à reprodução e à defesa.
O raciocínio abstrato foi o primeiro passo para a criação de modelos
teóricos e para a proposição de soluções de problemas. Do raciocínio
indutivo, fundado na generalização dos resultados de análises de
experiências acumuladas, surgiram as leis científicas que deram ao homem a
capacidade de prever o futuro.
Os fundamentos biológicos da divisão do trabalho relacionados
socialmente com a idade e o sexo, são validos tanto para o homem quanto
para outros animais. Nos vertebrados, a construção de ninhos, o choco, a
gestação, a alimentação e proteção da prole recaem ora sobre a fêmea, ora
sobre o macho, ou são partilhados por ambos.
No homem, os sistemas de parentesco deram origem a um conjunto
de relações e de instituições sociais de fundo econômico. O patriarcado, o
matriarcado e os tabus de casamento condicionam a economia do dote e da
herança.
Os relatos históricos das conquistas culturais, como a história da arte
ou da ciência sugerem uma progressão ortogenética de conquistas e
aquisições sucessivas, numa progressão definida, marcada por feitos,
realizações e descobertas notáveis. Entretanto, essa visão é artificial e uma
linha ou sequência de desenvolvimento constante não existe. A progressão é
irregular, no tempo e no espaço e, em cada época, o grau de
desenvolvimento nos diferentes setores da cultura é distinto. Culturas
regionais constituem becos sem saída e não contribuem, necessariamente,
para o progresso da humanidade.
Ao longo da história evolutiva dos vertebrados ocorreram fenômenos
análogos. Certos peixes desenvolveram pulmões, que os habilitaram a
sobreviver em águas rasas, com elevado tear de gás carbônico. Não
constituem, entretanto, elos na cadeia evolutiva que levou ao aparecimento
das formas terrestres. De maneira semelhante, culturas isoladas podem
124

apresentar características avançadas, mas podem extinguir-se ou permanecer


como fósseis vivos, sem contribuir para o património cultural da
humanidade. Enquanto que a cultura greco-romana constituiu uma etapa
importante no desenvolvimento da civilização ocidental, as culturas inca e
asteca permaneceram americanas, malgrado suas notáveis conquistas em
certas áreas do conhecimento e da técnica. De qualquer maneira,
populações isoladas são importantes para a sobrevivência da espécie.
Se todas as reservas de petróleo se esgotassem de um momento para
outro, sobreviveriam as culturas primitivas, garantindo a permanência da
espécie humana.
Por outro lado, a reconstituição da evolução pré-histórica pode ser
falsificada quando se distribuem, em sequência cronológica, as conquistas de
povos isolados, se não houve transferência de conhecimentos de uma para
outra. Seria a equivalente a considerarem-se os peixes pulmonados como
um elo evolutivo entre os peixes e os vertebrados terrestres.
Assim, se por um lado o sucesso biológico do Homo sapiens dependeu de
sua evolução cultural, a destruição desse património não acarretaria,
necessariamente, sua extinção. Com o desenvolvimento dos métodos de
difusão cultural a contribuição individual passou a ganhar importância, na
medida em que pode afetar todo o patrimônio de conhecimentos
acumulados e de atingir as outras comunidades humanas.
Como sistema de transmissão não genética, a difusão cultural ou de memes
é mais dinâmico e de efeitos mais imediatos e radicais que o das pequenas
mutações selecionadas pelo ambiente físico e biótico, sendo capaz de
superar certas deficiências da transmissão hereditária de genes. É um erro
comum, portanto, admitir-se que somente a cultura humana evolui. Ela
própria resulta de um longo processo de evolução iniciado nas associações
de tipo cooperativo dos vertebrados superiores. Nos animais, a cultura
constitui um caráter rudimentar, cujo desenvolvimento dependeu de vencer
as limitações dos meios de comunicação e de transmissão das experiências
adquiridas.
Assim, o acúmulo e o registro permanente de informações constituem a
memória histórica; as instituições sociais permitem preservá-la e transmiti-la.
125

Por sua vez, o raciocínio abstrato e simbólico constitui a conquista máxima


da cultura humana.
Cultura pode ser definida, aqui, como o conjunto de conhecimentos e
experiencias, que constituem o patrimônio social, acumulados, modificados e
preservados, transmitidos através das gerações, por processos não genéticos,
e que podem afetar os padrões biológicos de comportamento.

4.2. EVOLUÇÃO, ECOLOGIA E CULTURA


Ao longo da história do homem, o padrão geral emergente foi de
independência progressiva em relação às restrições impostas pelos fatores
do meio ambiente, tanto físico como biótico. Hawley (1982) concorda em
que as limitações impostas pelo ambiente físico dependem do progresso
tecnológico. De fato, invenção, tecnologia e ciência fizeram toda a diferença.
A cultura medeia as inter-relações das populações humanas com o meio e
as relações intergrupos e é, por sua vez influenciada fisiologicamente,
psicologicamente e ecologicamente por ela. Podemos dizer que a cultura é o
nicho ecológico particular do homem. Mas, se a evolução cultural abriu o
caminho para a independência ecológica, trouxe um novo tipo de limitação
na forma de tabus e preconceitos que impedem o uso de possíveis produtos
tróficos disponíveis. Esses produtos não constituem recursos quando são
proscritos, por crença social ou individual, costume, religião ou preconceito.
McKeown (1988), por sua vez apresentou uma crítica cuidadosamente
documentada da medicina moderna, tentando mostrar como os
procedimentos e descobertas médicas foram responsáveis pelo aumento da
expectativa de vida e do controle de certas doenças. Ele sugeriu que, ao
longo do caminho da evolução humana, os padrões de doenças mudassem.
Antes da organização comunitária, a humanidade havia sofrido,
principalmente, com ferimentos e acidentes; em contraste, a domesticação
de animais e os primeiros grupos humanos passaram a ser afetados por
infecções de origem zoonótica; finalmente, com o advento da propriedade e
acúmulo de recursos, da higiene e da melhor nutrição, prevaleceram as
doenças degenerativas. O principal erro de McKeown em seu trabalho bem
documentado foi confundir ecologia e evolução. Ao longo da história da
humanidade, encontramos comunidades contemporâneas representando
126

todos os estágios que podemos discernir, desde a caça e coleta até a


urbanização e o acúmulo de posses. Além disso, o padrão da doença
responde à ecologia e não apenas à evolução. Indivíduos e comunidades
mostrarão uma prevalência daquelas doenças que ocorrem sob as condições
ecológicas em que vivem. Os acidentes ameaçam quem se envolve em
situações perigosas e o risco depende da exposição ao risco.
Acidentes ocorrem tanto a quem se dedica à caça de um tigre
quanto à corrida de um carro esportivo de Fórmula 1 e as infecções
zoonóticas são um dos perigos de se associar a animais doméstico ou
silvestres, tanto nos dias de hoje como há milênios.

4.3. SOCIEDADE E CULTURA


Até aqui vimos como a geografia, descrevendo generalidades e
particularidades do povoamento, os hábitos e costumes, os diferentes tipos
de organização e estrutura social, relações diversas entre populações e
nações, entre o homem e a flora e fauna, a distribuição geográfica das
doenças combinando conhecimentos de áreas como a ecologia, a
antropologia e sociologia, e as ciências da saúde, em seus diversos aspectos,
forneceu a base para o desenvolvimento da moderna ecologia humana.
Por sua vez, como o estudo interdisciplinar das relações da espécie
humana e os fatores do ambiente físico e biótico, a ecologia humana tem
justificada sua individualidade como campo especial de conhecimento e
pesquisa distinto da ecologia geral ao reconhecer o papel fundamental da
estrutura complexa e da cultura na organização das sociedades.
No curso de sua rápida evolução e, em especial, ao longo dos últimos
dez mil anos, a humanidade inventou e desenvolveu novos métodos para
preservar e transmitir conhecimentos acumulados em cada geração,
resultando em um sistema privilegiado de transmissão não genética de
informação adquirida. O fenômeno teve grande influência na organização
das sociedades. Para o leitor interessado, há dois artigos que, apesar de não
serem de data recente são importantes para a compreensão do papel da
cultura na evolução da humanidade. Foram publicados por Roberto Carneiro
(1970) e por Kent Flannery (1972).
127

Enquanto que as populações humanas primitivas tornaram-se


dominantes em ecossistemas e comunidades bióticas locais, as sociedades
tecnológicas modernas passaram a integrar um sistema global ou
geossistema, caracterizado pela extrema vagilidade humana, pela produção
e circulação de alimentos, bens e serviços e pela dispersão cosmopolita de
animais, plantas e micro-organismos. O impacto sobre a Terra tem sido
responsável por impactos profundos sobre a biosfera, comparável com o de
nenhuma outra espécie. Entretanto, embora Homo sapiens não seja o único
organismo capaz de alterar o ambiente físico e biótico, é o único que
desenvolveu a capacidade de compreender e, eventualmente, preservar as
condições de vida do planeta.
Observações empíricas, por sua vez, apontavam para uma
provável associação entre a ocorrência de certas doenças e condições sociais
particulares. Na Inglaterra, John Peter Frank publicou, em 1797, o primeiro
volume de um tratado no qual definia as responsabilidades e deveres do
Estado em relação à higiene pública, saúde individual, proteção materno-
infantil, educação, higiene mental, esportes, vestimentas, prevenção de
acidentes, hospitalização, epidemias, entre outras. Por essa obra, Frank é
considerado o fundador da medicina social. Na França, Foder publicou, em
1825, o Essai sur la Pauvreté des Nations, no qual atribui as enfermidades
morais e físicas do homem à desorganização social. Jules Guérin, propôs, em
1848, a designação de medicina social. Na Alemanha, 1848 Rudolf Virchow
defendeu, também em 1848, a ideia de que as epidemias são uma expressão
de desajuste social e cultural. Condições atmosféricas, perturbações cósmicas
e condições sazonais seriam responsáveis pela ocorrência natural de
epidemias, mas a falta de cultura, a pobreza e a eficiência da administração
política afetariam as classes incultas. Entre as doenças mais prevalentes
estariam o tifo, a tuberculose e o escorbuto, como história Ackernecht.
Analisando a história da epidemia de cólera que afetou a Europa na
década de 1830, François Delaporte relatou a polêmica entre os que
defendiam a origem miasmática da doença e os que a admitiam como
contagiosa. Mas todos concordavam que afetava mais os pobres.
Na Bahia, Otto Edward Henry Wucherer, John Ligertwood Paterson e
José Francisco da Silva Lima constituíram, em 1866, o que seria conhecido
128

mais tarde como Escola Tropicalista Bahiana, que rejeitava a ideia do


determinismo racial e admitia a universalidade das doenças. Estas poderiam
ser modificadas por condições climáticas particulares. Pobreza, deficiências
nutricionais, falta de saneamento e condições de vida ruins seriam
responsáveis pelas enfermidades que assolavam a população escrava negra.
Não só na ciência e na medicina a preocupação com as condições
sociais tornou-se o assunto do dia. Na literatura, por exemplo, Émile Zola
denunciou no romance Germinal, publicado em 1885, as condições precárias
de trabalho que levaram os mineiros a uma greve geral que abalou a França
entre 1860 e 1880.
Em relação aos fatores culturais, a antropologia médica e a
etnomedicina, originárias dos estudos no campo da geografia médica,
focalizavam seu interesse nos povos considerados primitivos. Malinowski e
Radcliffe-Brown trabalhando na África e Oceania no início do século 20
foram os pioneiros. A tradição familiar, os tabus sociais, as crenças e atitudes
levam às construções sociais dos fenômenos da vida diária e, em especial,
da saúde e doença. Durante o século 19 a educação era planejada como
meio de socializar e aculturar os jovens e os habitantes das colônias.
Coube a William Rivers estabelecer os métodos de aquisição de dados
relativos a estatísticas vitais e sociais e a demonstrar que as práticas médicas
locais não deviam ser vistas como uma coleção de costumes folclóricos, mas
que refletiam uma teoria causal das doenças.

4.4. ECOLOGIA HUMANA E SAÚDE


As ciências humanas e naturais têm muito a oferecer e a lucrar com a
teoria ecológica geral. A ecologia humana é essencialmente transdisciplinar,
mas até agora, nenhuma metodologia adequada está disponível para as
análises complexas necessárias. O prognóstico é que nenhum método
isolado será capaz de satisfazer as necessidades ou atender aos requisitos,
particularidades e diferenças de perspectiva dos distintos campos de
conhecimento envolvidos na pesquisa ecológica humana.
As tentativas de se reunir profissionais de distintas áreas para
abordarem problemas complexos falha sempre por razões diversas. A
primeira ´da linguagem Por exemplo, vetor para um físico, é distinto do que
129

um epidemiologista assim denomina. Endêmico para um zoólogo ou


botânico aplica-se a espécies de distribuição geográfica reduzida enquanto
que, para um epidemiolosta define uma doença persistente em uma dada
localidade. Por outro lado, cada especialista defende a primazia dos
conceitos e métodos da sua própria disciplina ou área profissional. A solução
está na formação do que se apelidou jocosamente de especialista em
generalidades. Na verdade trata-se de preparar consultores com uma
formação universitária e profissional em qualquer área, mas que conheça os
princípios fundamentais, os métodos e as técnicas utilizados tanto nas
ciências naturais como nas ciências humanas.
Deve aprender a manejar tanto um microscópio quanto uma
entrevista ou quetionário e de ler um projeto de engenharia quanto a
Origem das Espécies. Ele será capaz de identificar uma situação complexa e
o fator mais importante dentre os que ali incidem para, então, convocar um
especialista na área respectiva. Em síntese é capaz de manejar um canivete
suiço.
Os profissionais que trabalham na área de ecologia humana devem,
buscar adquirir uma compreensão global das questões ecológicas e seus
fatores em lugar de dominar apenas um conhecimento parcial especializado,
incapaz de permitir a compreensão e abordagem de problemas complexos
relacionadas aos impactos humanos sobre o meio ambiente. Aqueles
profissionais devem ser capazes de formular visões globais, identificar fatores
relevantes e, então sugerir cursos de ação apropriados para eliminar ou
minimizar tais problemas, que devem ficar, a cargo de especialistas nas áreas
específicas.
O que devemos esperar é desenvolver um conjunto de métodos
complementares, das diferentes áreas ou disciplinas, como um canivete suiço
e treinar uma nova geração de profissionais de mentes abertas capazes de
utilizar cada uma das ferramentas para abordar os complexos problemas de
ordem transdiscipinar.
130

4.5. TAXONOMIA E ECOLOGIA HUMANA


Do ponto de vista taxonômico, a espécie humana, Homo sapiens é
hoje monotípica. Muitas espécies de plantas e animais são politípicas, isto é,
encontram-se fragmentadas em populações semi isoladas geograficamente e
diferenciadas genética e taxonomicamente. Tais populações regionais são
denominadas subespécies e são cientificamente designadas por um terceiro
nome, acrescentado ao da espécie.
No caso do homem, as diferenças étnicas e o isolamento parcial das
populações, antes da era da circunavegação da Terra, com contatos
esporádicos, não são suficientes para autorizar o reconhecimento de raças
ou subespécies. O isolamento geográfico, cultural ou étnico resultou no
máximo na maior frequência de certas características genéticas, como os
grupos sanguíneos. Estas características são mais importantes e
fundamentais que as diferenças morfológicas e de cor da pele, forma do
crânio, do nariz e cabelo que se utilizavam no século 19 para diferenciar
supostas raças humanas (Dunn, 1958).
Nos relatos dos cronistas do período colonial brasileiro encontramos
referências à suscetibilidade diferenciada a doenças em europeus, nativos e
escravos africanos negros. La Condamine, por exemplo, descreveu a
epidemia de varíola que o reteve em Belém no ano de 1743, quando
tencionava retornar à Europa. Registrou que a doença era mais mortal nos
índios recém chegados às missões do que entre os gentios nascidos entre
os portugueses ou moradores nas cidades há muito tempo. Atribuiu a
resistência ao fato dos primeiros terem a pele mais espessa e pelo hábito de
a tingirem com urucum e jenipapo, obturando os poros. Em compensação,
os escravos trazidos da África, mesmo sem esse costume, resistiriam melhor.
Darwin (1871) ao tratar da formação das raças humanas, adota a
posição de Pallas e da maior parte dos antropólogos de sua época que
negavam a influência do clima como fator determinante da cor da pele,
característica mais visível e importante, segundo ele próprio. Mas, o que nos
interessa mais é a correlação que faz entre raça e imunidade. Assim, Darwin
registra que observou fatos que demonstram que a cor da pele e do cabelo
está, por vezes, correlacionada de modo surpreendente com a total
imunidade à ação de certos venenos vegetais e do ataque de certos
131

parasitos. E atribuiu a cor preta ou escura ao fato de indivíduos mais escuros


escaparem à ação mortal de miasmas de suas regiões nativas, durante uma
longa série de gerações. Dentre os argumentos que utilizou, menciona que
pretos e mulatos seriam resistentes à febre amarela na América tropical e
seriam imunes às febres intermitentes (malária) das costas africanas. E, em
uma longa discussão, especulou sobre os possíveis mecanismos de defesa
ligados à cor da pele.
Quatrefages, (1861; 1877) seu contemporâneo e crítico, reconhecia a
existência de enfermidades próprias de certos grupos humanos, mas
afirmava que a imensa maioria das doenças deve ser comum a todos os
homens e apresentar, apenas, pequenas alterações de um grupo para outro.
Reconheceu, porém, exemplos de imunidade relativa, quando uma certa raça
se mostra mais resistente a uma determinada doença. Em 1995 Stephen
Morse circulava uma crítica no correio eletrônico
(promed@usa.healthnet.org, agosto de 1995), em resposta a uma nota sobre
diferenças na susceptibilidade à tuberculose em indivíduos de raças distintas.
Dizia ele que é embaraçoso ver quantos membros da comunidade médica
desconhecem as definições de raça, etnicidade e cultura. Há, na verdade,
duas questões distintas envolvidas aqui: a primeira prende-se à definição de
raça e a segunda, aos procedimentos metodológicos para o estabelecimento
de correlações em epidemiologia.
Antropólogos e sociólogos, por um lado, zoólogos e geneticistas, por
outro, preocupam-se, primordialmente, com a definição de raça. Dunn
(1958), acima citado, publicou um pequeno volume sobre o assunto, cujos
argumentos, muito bem fundamentados em seus conhecimentos zoológicos
exemplificados de modo claro, permanecem válidos: não há raças humanas.
Geneticistas reconhecem que, na população humana existem
pequenas comunidades entre as quais ocorrem pouco ou nenhum
entrecruzamento, o que acarreta um isolamento parcial e, portanto,
frequência diferente na distribuição de certos caracteres biológicos. O
isolamento pode ser geográfico ou social, como um grande rio ou, no
segundo caso, crenças religiosas que desestimulam casamentos com pessoas
de outras crenças. Essas populações diferem tanto, como grupos, quanto os
indivíduos que as compõem.
132

Dunn ressaltou haver concordância entre biólogos a respeito do


conceito de raça em plantas e animais mas que o termo raça utilizado no
discurso popular não possui significado taxonômico definido ou científico
quando aplicado à espécie humana.
O mapeamento da maior ou menor frequência de certos genes é
importante para os pesquisadores de distintas especialidades. O fato de que
em certas populações indígenas no Brasil, no Peru e nos Estados Unidos
predominam indivíduos pertencentes ao grupo sanguíneo O é importante
para que se possa traçar suas relações, origem e evolução. Os bascos
diferem, na distribuição dos grupos sanguíneos, dos vizinhos franceses e dos
demais espanhóis. A frequência do gene responsável pela anemia falciforme
é maior nas áreas em que a malária por Plasmodium falciparum atua como
fator de seleção, preservando os indivíduos heterozigotos, portadores de um
gene para a anemia. E há maior incompatibilidade reprodutiva entre
indivíduos Rh positivo e negativo que entre indivíduos de cor diferente que,
entretanto, são identificados socialmente como pertencentes a raças
distintas. Populações isoladas podem diferir em caracteres somáticos, que
nem sempre traduzem o isolamento genético. Mesmo distribuídos dentro de
outras populações, os judeus, por exemplo, preferem os casamentos entre
seus membros, o que os torna mais suscetíveis a certas doenças de caráter
hereditário.
Susser (1973), ao discutir a metodologia utilizada nas ciências
biológicas para o estabelecimento de associações causais exemplificou
diversos tipos de erros cometidos quanto as variáveis não são bem definidas
e isoladas. Kohl, já citado acima, traz-nos um exemplo de falsa correlação,
em outro contexto. Refere-se ao fato de que, na década de 1960, o New
York City Board of Education preocupado com a questão do
multiculturalismo nas escolas públicas frequentadas por imigrantes porto-
riquenhos e por pretos, eufemisticamente denominados afro-americanos,
proibia o uso da língua espanhola nas salas de aula. Nas escolas
frequentadas por porto-riquenhos, os resultados dos testes de
conhecimentos, redigidos em inglês, indicavam melhor desempenho em
aritmética do que em leitura. Pesquisadores concluíram que as crianças de
língua espanhola tinham maior capacidade de abstração do que habilidade
133

linguística, e que aprendiam matemática de forma independente à da


linguagem. Ignoravam, porém, o fato de que os que se saíam bem em
matemática, também eram os mais proficientes na língua espanhola - mas
não, necessariamente, em inglês.
Em epidemiologia, o uso do fator raça em sua conotação social,
definida predominantemente pela cor da pele, é fonte comum de erros de
interpretação e leva a associações falsas. A indefinição do fator cor começa
pela impossibilidade de se estabelecer uma escala cromática que tenha
qualquer significado taxonômico e que permita reconhecer categorias
discretas. No entanto, ele aparece com grande frequência nas análises de
prevalência de doenças, como vemos nos seguintes exemplos. Silva e
colaboradores publicaram uma análise de 380 casos de leptospirose humana
observados no Hospital Estadual São Sebastião, Rio de Janeiro, Brasil, no
período 1966-1971,discriminando as variáveis sexo, idade, cor, ocupação, e
variação mensal da ocorrência de casos notificados. Na análise dos
resultados, concluíram os autores que os não-brancos constituíram 65% do
total de pacientes, e os brancos, 35%. Na população do Grande Rio, de
acordo com o censo demográfico de 1960, a proporção era de 29,6% de
não brancos e 70,1% de brancos. A conclusão foi de que os não-brancos
eram mais suscetíveis à infecção do que os brancos. A primeira dúvida
reside na questão dos critérios para determinar a cor utilizados pelos
autores da pesquisa, se seriam os mesmos usados pelos autores do censo. É
preciso, também, analisar o verdadeiro significado dessa variável. Fica clara,
aqui, a sinonimização de cor e raça e a associação da cor com o risco de
infecção, o que foi criticado, como vimos acima, por Stephen Morse, quando
se referiu à tuberculose. Finalmente, no resumo do trabalho, os autores
destacam que os não-brancos contribuíram com 65% dos internados, o que
era de se esperar, por se tratar de hospital público que atende maior
número de pacientes pobres e favelados. Os autores mencionam o fato de
que a maioria dos pacientes não exerciam profissões qualificadas e que
haveria a possibilidade de estar a doença associada às condições de moradia
inadequada, aglomeração e desorganização espacial das residências, mas
advertem que essas considerações são muito preliminares. A análise, mesmo
superficial do problema revela a correlação evidente entre condições de
134

moradia e exposição ao risco, assim como se verifica uma correlação entre


indivíduos com ocupação não qualificada e moradia inadequada. O fato de
que há maior proporção de não-brancos entre estes últimos não torna a cor
da pele um fator de risco.
Em 1986, Donald Cooper analisou a epidemia de cólera que atingiu
Belém em 1855 e comentou que poderia ser vista como uma página negra, em
mais de um sentido, e pretendia determinar se ela afetou maior número de
pretos que brancos, como no resto do hemisfério. Sua conclusão é que ela
atingiu brancos e pretos, mas que estes pagaram maior tributo à doença e
que não menos do que dois terços das vítimas eram pretos. A conclusão
não causa admiração, por ser a esperada, não em razão da cor da pele, mas
considerando-se as condições de vida da população escrava, na época. Os
pretos sofreram mais, não por serem pretos, mas por viverem em condições
que os expunham à infecção.
Malgrado os progressos da genética e da biologia molecular, a ideia
de raça permanece arraigada. O documento dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, em seu primeiro volume analisa o número médio de anos de
estudo no Brasil entre 1960 e 1990 e nota que cabe destacar a grande oscilação
deste indicador em relação à variável cor. E apresenta um quadro com a população
dividida em preto, pardo, branco e amarelo. Em 24 de maio de 1996 a Faculdade
de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul exarou um
parecer sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da
Educação. O documento critica a ideia de se buscar construir uma identidade
cultural nacional alegando a existência de pontos de vista e interesses
conflitantes num mundo social dividido e hierarquizado por classe, gênero, raça, entre
outros eixos, para concluir que o currículo proposto não contribuiria para
diminuir as diferenças de desempenho educacional ligados à classe, ao gênero, à raça.
Correlações espúrias dessa natureza podem ser igualmente
estabelecidas entre profissão e risco: Simond (1898) demonstrou que
médicos e enfermeiras eram poupados pela peste, na Índia, durante a
epidemia do fim do século 19, quando se pensava que a doença era
contagiosa. Na verdade, o fator responsável não era a profissão, mas a
exposição à picada de pulgas infectadas. O mesmo acontecia com europeus,
em relação à população nativa. Idêntico raciocínio se aplica à anemia
135

falciforme, que é mais comum em pretos do que em não pretos, não em


virtude da cor, mas da maior exposição ao risco nas zonas de ocorrência de
malária.
O principal argumento a favor da criação de uma disciplina
independente de Ecologia Humana reside na complexidade dos biomas, das
organizações sociais e das particularidades da herança cultural características
da espécie humana. No nível biológico, as diferenças diagnósticas que nos
distinguem de outros mamíferos, incluindo os primatas superiores são
pequenas. No século 19 Thomas Huxley já afirmava que encontram-se
diferenças maiores entre indivíduos de nossa espécie que entre nós e outros
primatas antropomorfos. Assim, compartilhamos 98% de nosso DNA com os
chimpanzés. Entretanto, no que se refere à estrutura social, a espécie
humana difere das dos demais primatas por estar fundada primordialmente
nas relações culturais que se estabelecem. Tradições, costumes, leis, mitos,
convenções, regulam as relações entre indivíduos e grupos familiares, sub
populacionais, nacionais. Existem analogias entre comportamentos humanos
e não-humanos, como, por exemplo, na demarcação e defesa de territórios e
domínios vitais, mas não podemos dizer que são homólogos, isto é, que
tenham uma estrutura conceitual ancestral comum.
Primatas superiores, chimpanzés e gorilas principalmente,
desenvolveram estruturas sociais complexas. Entretanto, as espécies atuais
cujo estudo revelou detalhes extremamente interessantes dessas estruturas
são nossas contemporâneas na escala evolutiva e não nossas ancestrais.
Após a divergência do tronco comum no terciário médio, a aquisição de
caracteres morfológicos, fisiológicos e comportamentais inatos seguiu
caminhos distintos. As semelhanças de alguns tipos de comportamento
entre seres humanos e dos demais primatas são convergentes, isto é, foram
adquiridos de maneira independente e não se desenvolveram a partir de um
comportamento ancestral comum.
A formação de núcleos sociais obedeceu, na sua origem, às
necessidades básicas de sobrevivência. No caso do homem, a evolução
cultural diferiu essencialmente da dos outros primatas. A fabricação e uso de
instrumentos e de artefatos, observada em chimpanzés e outros primatas é
de natureza semelhante àquela que ocorre em aves e em outros animais.
136

Não obedece a uma finalidade consciente, não envolve imaginação e a um


projeto teórico e o instrumento é descartado e não preservado após o uso.
Não há noção de posse e não ocorre transmissão deliberada de
conhecimento nem treinamento proposital nas habilidades requeridas para
sua fabricação e utilização.
A sociobiologia, por vezes, ultrapassa limites aceitáveis ao enxergar
similaridades homólogas onde existem, apenas, analogias (Hunt.1980).
Graças ao desenvolvimento da cultura, a espécie humana se destacou
pela rapidez do processo evolutivo que conduziu às sociedades modernas. O
processo de evolução cultural difere da evolução biológica em vários
aspectos. Ela é autodirigida, voluntária, econômica, deliberada, por assim
dizer, fenotípica, enquanto que a evolução biológica depende do surgimento
aleatório de mutações e recombinações genéticas, processo altamente
imprevisível e de enorme desperdício (Bonner,1988; Ruffié,1983).
Comunicação e linguagem permitiram, como vimos, a difusão de
conhecimentos adquiridos. Enquanto que a difusão na população local, de
uma alteração genética vantajosa é lenta e precária, exigindo um longo
tempo para finalmente atingir todos os indivíduos de uma espécie, a difusão
de uma invenção se processa rapidamente, com menor risco e perda.
A tradição oral que antecedeu o registro gráfico andou ao par com o
desenvolvimento cerebral e cognitivo. A maior complexidade dos artefatos
passou a exigir o treinamento e dedicação exclusiva de artesãos e a
capacidade de previsão de formas e de estruturas e, ao mesmo tempo
estimulando a imaginação e a conceptualização abstrata de inovações.
Muitos animais utilizam e fabricam instrumentos. A construção de
ninhos e abrigos exige o uso de material colhido e modificado do meio
ambiente. Aves e primatas usam estratégias de busca de alimento que
envolvem a escolha de espinhos e ramos desfolhados para atingirem
refúgios de insetos. Mas, uma vez conseguido o objetivo, os instrumentos
são descartados. Os artefatos encontrados em sítios arqueológicos, os restos
de oficinas de preparação de instrumentos indicam que há milhares de anos
constituíram-se verdadeiras indústrias de peças que eram guardadas para
uso posterior, sugerindo uma noção de finalidade e de futuro (Sperber,
1996).
137

A invenção da escrita contribuiu para a permanência e acúmulo do


que foi aprendido por cada geração. Para alguns historiadores, os tipos
móveis de impressão de Gutenberg e não a queda de Constantinopla
marcou o final da Idade Média. Permitiu a uniformidade das edições e o
barateamento dos livros, que se tornaram accessíveis, malgrado o controle e
a censura da Igreja. O ensino público, conquista que tardou muito em se
estabelecer constituiu-se no mais importante fator de desenvolvimento
cultural, social, político e econômico da humanidade. O registro escrito,
gravado e, finalmente, eletrônico constitui um repositório da história e da
experiência humana, hoje disponível a quem tenha acesso a um computador
e do interesse e capacidade para buscar e processar informação que levaria
um longo tempo sem esses meios.
A evolução cultural, entretanto, tem um preço. Deve ser readquirida
por cada indivíduo de cada geração. A herança se dá através do processo de
treinamento e da educação, isto é, da transmissão de memes e não de
genes. Enquanto que é possível conhecermos muita coisa sobre a evolução
orgânica através do estudo dos fósseis e dos restos preservados em sítios
arqueológicos, em comparação, pouca coisa pode se conhecer das culturas
que desapareceram.
Os principais fatores de ambiente físico ou abióticos que são
tradicionalmente listados e analisados nos textos de ecologia geral são
aqueles relacionados ao clima, ao solo, ao ar, à água, às radiações naturais, à
topografia, à latitude, à longitude, à altitude, às características físicas e
químicas do substrato, que condicionam a ocorrência e distribuição dos
organismos. Como sugeriu Elton, as plantas acomodam-se às condições do
ambiente enquanto que os animais selecionam, dentro de suas
possibilidades de locomoção e disseminação, os ambientes onde podem
sobreviver. No caso do homem, as populações humanas alteram e adaptam
o meio às suas necessidades através da cultura e da técnica, que passou a
substituir a necessidade de diversificação e a lenta adaptação biológica. Daí
a uniformidade da espécie humana. Um pigmeu das florestas equatoriais
africanas pode viver na Groenlândia desde que adote os hábitos culturais e
as técnicas de sobrevivência dos esquimós.
Populações humanas integram um ambiente biótico, partilhado com
138

plantas, animais e micro-organismos que vivem em nosso entorno domiciliar,


urbano e peri urbano. Além da flora e fauna exógenas, constituídas por
espécies silvestres, comensais e domésticas, integramos ciclos ecológicos de
que participam micro-organismos comensais, inquilinos e parasitos, que
colonizam biótopos da superfície e do interior do corpo humano.
Ao contrário do que já se pensou, a seleção natural age no nível da
população e não dos indivíduos ou dos genes. A variabilidade ou
polimorfismo genético é a matéria prima da evolução.
A ideia de uma estrutura subjacente e nem sempre aparente que
articula as diferentes partes de um sistema migrou das ciências exatas para
as ciências humanas sob a forma do estruturalismo social. O estruturalismo
em ciências sociais não trata de estruturas físicas ou objetivas e sim de
construções teóricas ou modelos que não possuem uma realizada física ou
concreta, mas que buscam refletir uma correspondência com a realidade.
O estudo da ecologia humana privilegia o papel das estruturas sociais
e dos elementos culturais que intermediam as relações das populações
humanas com o meio ambiente e que, finalmente, caracterizam os
geossistemas.
Da mesma maneira que Charles Elton definia a ecologia como o
estudo da dinâmica das populações de organismos em uma comunidade
biótica, a ecologia humana trata de populações e não de indivíduos.
No nível populacional ou social emergem fenômenos próprios que
não têm lugar no nível individual. São eles objeto da sociologia, da ética, do
direito, da ecologia populacional, da medicina social, da sociologia médica,
da demografia, da história, da genética populacional, da economia, da
taxonomia.
Os fatores do meio cultural têm importância destacada na ecologia
humana. As instituições têm base na cultura e não resultam apenas da
seleção natural. A transmissão da herança cultural constitui um mecanismo
não genético de herança que desempenha papel importante na evolução do
homem. Assim, frente às exigências e agravos do ambiente exterior como o
clima, os cataclismos, os predadores e parasitos, e do meio interior como as
disfunções anatômicas, genéticas ou fisiológicas, as respostas adaptativas na
espécie humana são, além de natureza biológica ou fisiológica, de natureza
139

cultural e técnica.
Enfim, toda a componente cultural, religiosa e supersticiosa contribui
para o delineamento dos padrões ecológicos e epidemiológicos, corno
ressaltou Flannery (1972) ao recomendar que as relações pessoais e sociais
devam não devem ser omitidas de qualquer investigação ecológica como se
fazia.

4.6. REFERENCIAIS TAXONÔMICO E ECOLÓGICO


A classificação dos organismos no sistema hierárquico proposta por
Linnaeus no século 18, o século dos sistemas, pretendia ser um inventário
dos tipos de organismos criados por Deus: uma espécie de manifesto dos
passageiros da Arca de Noé, além dos peixes e vermes, classificados como
inferiores, não permitidos a bordo. A alocação de organismos a escaninhos
em um sistema hierárquico de classificação pretende mostrar relações de
parentesco ou filogenéticas, isto é, sua origem ou descendência comum.
Procura revelar relações filogenéticas, mas não de afinidade ecológica. Para
atingir esse objetivo, precisamos identificar o nicho ou o papel de cada
organismo em sua comunidade. A unidade básica da ecologia não é a
espécie taxonômica e sim a comunidade biótica, mais o seu ambiente físico.
Nenhuma espécie vive isolada. E todas dependem da ação dos fatores do
meio físico. Assim, no estudo da ecologia humana, as unidades básicas
seriam as comunidades bióticas em que o homem está presente.
O conceito de espécie é baseado no potencial de cruzamento de
organismos bi-sexuais em uma população natural. Todos os estágios
ontogenéticos dos organismos são levados em consideração. Na prática,
certos estágios de desenvolvimento fornecem aos taxonomistas melhores
caracteres diagnósticos do que outros, mas ninguém - nem mesmo os
tipólogos estritos como Linnaeus - alocaria diferentes estágios de
desenvolvimento como girinos e sapos, ou sexos de um organismo, por
maior o dimorfismo sexual, a espécies distintas.
Durante o período histórico das explorações oceânicas ibéricas que
duraram do século 15 ao século 17, novas massas terrestres foram
descobertas, tendo plantas, animais e homens desconhecidos. O Novo
Mundo não tinha lugar nas Escrituras, e não havia explicação para a
140

presença do homem em continentes isolados, partindo do Monte Ararat,


onde a Arca de Noé teria encalhado. As respostas para esse enigma tiveram
que ser alcançadas com o tempo, buscando na natureza e não naqueles
escritos bíblicos que deram origem a teorias curiosas sugerindo uma
reconfiguração dos continentes e fazendo referência às tribos perdidas de
Israel (Vásquez, 1648). No século 16 o Papa Paulus III decretou, na encíclica
Veritas Ipsa, que os nativos do Novo Mundo eram seres humanos e não
deveriam ser maltratados ou escravizados. Entretanto não evitou que a
escravidão fosse praticada pela própria Igreja. Diferenças nas características
de cor da pele, do formato da cabeça e do contorno facial eram então
explicadas em termos de influência climática do tipo lamarckiano.
Muitas das discussões sobre as relações da ecologia humana com a
ecologia geral surgem de uma tentativa de diminuir as diferenças, ou de
uma falha em distinguir as relações ecológicas das taxonômicas. Rappaport
(1990) fez o possível para aplicar o conceito de ecossistema à antropologia,
sugerindo ao mesmo tempo a adoção de um conceito de sistema regional na
ecologia humana. Os sistemas regionais seriam compostos de interações entre
populações ecologicamente semelhantes, isto é, populações distintas da mesma espécie que
ocupam nichos ecológicos semelhantes ou equivalentes. Em sua argumentação,
existem duas importantes falhas parciais. Uma surge de sua definição,
quando ele considera os ecossistemas como essencialmente, sistemas de
matéria e trocas de energia entre espécies diferentes, independentes do
meio físico. O segundo diz respeito às populações locais e à transumância.
Em ecologia, indivíduos de diferentes sexos e idades podem integrar biomas
distintos especialmente quando passam por fases de desenvolvimento
ontogenético muito distintas, como os anfíbios e de muitos parasitos. Outro
fato é a distribuição geográfica e ecológica de uma espécie que é, na
maioria dos casos, descontínua, fragmentada em um tabuleiro de xadrez de
populações locais, mendelianas ou inter-reprodutivas, conhecidas como
demes (Gilmour & Gregor, 1939; Huxley, 1942). Os indivíduos se deslocam
de uma subpopulação para outra à medida que os jovens abandonam seus
pais, e os transumantes adultos buscam outros territórios para defender, e
novos lares para satisfazer suas necessidades tróficas e reprodutivas,
mantendo um fluxo genético entre suas populações.
141

Essas condições conduzem a um processo de evolução particular.


Girinos são principalmente animais aquáticos que respiram por guelras;
larvas de mosquitos também são de água doce e predadores. Os sapos
adultos respiram por pulmões e vivem em terra. Os mosquitos adultos
respiram através das traqueias; as fêmeas sugam o sangue enquanto os
machos se alimentam de sucos de plantas. Muitos invertebrados marinhos
têm larvas planctônicas e de natação livre, enquanto os adultos são sésseis e
bentônicos. Nesses casos, jovens e adultos da mesma espécie vivem em
biomas diferentes e fazem parte de comunidades bióticas e ocupam nichos
muito distintos levando-os a se adaptarem cada vez mais a seus respectivos
habitats e divergir em forma e hábitos. (Berrill, 1955; Jägersten, 1972;
Williamson, 1992; Williamson, 2013). Como descreveu de Beer em 1954, É um
corolário de tais adaptações que, quanto melhor a larva for adequada ao seu modo de vida,
maior será a diferença entre ela e seu adulto. Juntamente com a habilidade de se
reproduzir no estágio larval, esse é realmente um caminho para a
divergência e a evolução por um processo chamado pedomorfose, como
mostram Hardy (1954), De Beer (1954), Gould (1977), McNamara (1997).
Amundson (2005) e, em verso, Garstang (1951).
Todos os seres humanos pertencem à mesma espécie taxonômica,
mas populações humanas distintas impactam diferentemente sobre o meio
ambiente e podem ser considerados táxons ecológicos distintos.
Finalmente a antiga noção teológica do equilíbrio da natureza foi
substituída pela ideia das relações dinâmicas dos organismos com fatores
ambientais. O criacionismo postulou que as espécies seriam moldadas para
se encaixar em nichos naturais de um sistema planejado. As adaptações
mostrariam o plano divino e as variações eram consideradas
providencialmente fornecidas para ajustes minuciosos. Toda a natureza
viveria no estado permanente de um clímax. A ideia de um processo
evolutivo guiado pelos riscos da seleção natural de variações arbitrárias e
aleatórias e sem finalidade definida mudou toda a nossa visão da natureza e
levou, eventualmente, à nova ciência da ecologia. Como Charles Darwin
reconheceu apropriadamente: [...] a humanidade não está destinada a nada. A
evolução sempre esteve aberta a novas possibilidades, e é por isso que tem sido tão caótica
e desonesta.
A teoria do ecossistema é baseada na ideia da reciclagem de
142

nutrientes e transferência de energia em comunidades naturais, resultando


em relativa sustentabilidade. A ecologia humana, por sua vez encontra
justificativa como uma disciplina própria pelo fato de que as relações do
homem com o ambiente físico e biótico são mediadas pela cultura. A cultura
não é necessariamente adaptativa, pode mesmo impedir a sobrevivência,
mas permeia todos os relacionamentos através do comportamento individual
e social. Como foi perfeitamente resumido por Rappaport (1990), Estamos
preocupados com uma espécie que vive em termos de significados em um universo
desprovido de significado, mas sujeito à lei física.
Embora se aceite que existe uma disciplina reconhecível chamada
ecologia humana, não existe um ecossistema humano.
É usual se definir, figurativamente, o nicho ecológico de um
organismo como o papel ou a profissão de um indivíduo em uma
comunidade. O fundamento da hierarquia da comunidade biótica é a
pirâmide trófica, não as relações filogenéticas dos organismos. As espécies
intimamente relacionadas competem de fato, porque usam os mesmos
recursos, enquanto que espécies distintas de diferentes clados podem se
substituir e ocupar o mesmo nicho, como equivalentes ecológicos ou
vicários, embora não compartilhem nenhum ancestral comum próximo.
Ao longo de sua história evolutiva, o homem adquiriu o poder de ser
um dominante em suas comunidades e de tornar-se finalmente um
poderoso agente de mudança da biosfera.
Várias revoluções tecnológicas foram necessárias antes do
estabelecimento dos primeiros assentamentos humanos. A aquisição mais
importante, ao longo de seu caminho evolutivo, como vimos, foi a
capacidade de expressar, transmitir e armazenar – além da memória - as
experiências e a cultura adquiridas. Vários antropólogos sustentam que o
crescimento populacional nas populações humanas atua como um impulso
para a mudança tecnológica. Se isso for verdade, esse é um traço muito
distinto da cultura humana, não compartilhado por outros animais. A
linguagem articulada foi a primeira chave para o progresso, levando ao
conhecimento acumulado e à difusão da experiência aprendida. Essa
característica única foi responsável por um novo caminho na ecologia e
evolução humana, distinto da variação genética, mutação, associação de
recombinação e seleção. Isso levou à herança do conhecimento, experiência
143

e sabedoria adquiridos acumulados.


O aumento progressivo da taxa de difusão acelerou o ritmo da
evolução cultural eminentemente humana. Após a linguagem, o pensamento
abstrato desempenhou um papel importante na sua evolução. Portanto, a
chave da sobrevivência, progresso e evolução humana está na educação.
Especialmente no que se refere à saúde e à produção de alimentos, as
relações do homem com a comunidade biótica que o cerca - animais,
plantas, micro-organismos- nos levaram a reconhecer as quatro situações
básicas e típicas, que, por suas implicações, correspondem a quatro
categorias de relações ecológicas aqui analisadas.

4.6.1 Condições primitivas (ilustrações páginas 234 a 237)

All ethical systems that originated under tribal,


pastoral or other primitive conditions have become,
to greater or lesser degree, [mal] adaptative in the
extremely different social and other environmental
conditions of the present time.
Simpson, 1969.

É importante ressaltar que o termo primitivo, quando aplicado a


populações atuais, tem sentido figurado, como ressaltou Landy (1977).
Quaisquer que sejam os padrões sociais e as condições econômicas de uma
comunidade humana, seu patrimônio genético e cultural resultou de um
processo evolutivo tão longo quanto o que produziu o homem tecnológico.
Entre um bosquímano ou um xinguano de hoje e seu ancestral simiano há o
mesmo número de gerações que entre aquele ancestral e um agraciado com
o Prêmio Nobel. A simplicidade aparente de certas comunidades mascara a
complexidade subjacente da condição humana. Lévi-Strauss, por exemplo, ao
descrever as culturas primitivas do Brasil Central ressaltou que [...] os Caduveo e
os Bororo constituem aquilo que ... poderíamos chamar sociedades sábias; os Nambikwara
fazem regressar o observador àquilo que ele tomaria de boa vontade - mas erroneamente -
por uma infância da humanidade.
Adotamos aqui a designação de primitivo em relação a tecnologia e a
recursos técnicos e não a uma etapa da evolução social ou filogenética.
144

Do ponto de vista do estudo das populações humanas que se


encontram nesse estágio socioeconômico as zoonoses constituem
importante fonte de informação. Elas identificam o primeiro nível do
processo de colonização onde ecto e endoparasitos são adquiridos
diretamente de elementos da fauna silvestre.
Nessas comunidades, os animais silvestres desempenham papel
importante na vida diária, tanto material quanto espiritual: estão presentes
nas casas, nos terreiros, na cozinha, nos cultos, e constituem um dos fatores
determinantes de sua ecologia médico-sanitária. Algumas comunidades
indígenas de caçadores-coletores vivem, ainda hoje, utilizando os recursos
disponíveis durante os períodos neolítico e paleolítico, dependendo da
coleta de produtos vegetais, da caça e da pesca para sobreviverem, como o
fizeram nossos ancestrais. Praticam uma agricultura incipiente, sazonal e
itinerante, de nômades e situam-se entre o segundo e terceiro níveis
tróficos, com uma dieta basicamente vegetariana, completada por proteína
animal daqueles vertebrados e invertebrados cuja caça é permitida e não
tabu. Populações indígenas no estágio coletor-caçador podem se fundir e se
cindir com frequência, assegurando troca de genes e permuta de parasitos e
comensais. Lévi-Strauss descreveu em detalhe os ciclos sazonais alternados
de vida nômade e sedentária dos índios Nambikwara, que se estabelecem
no planalto árido, nas proximidades de um pequeno riacho, em palhoças
rústicas, durante a estação chuvosa para emigrarem no início da seca,
repartidos em pequenos grupos, em busca de meios de subsistência. A caça
torna-se a tarefa preponderante dos homens, e a coleta de plantas e de
pequenos vertebrados e invertebrados, das mulheres. Fonseca Filho (1974)
identificou grupos neste estádio, no oriente boliviano, em 1925: Esses índios
passam aqui a vida, no estado nômade e só quando deixados em completo sossego
constroem pequenas e baixas ramadas de palha, em torno das quais, aproveitando clareiras
deixadas pelas grandes queimadas anuais, plantam milho, algodão, melancias, abóboras,
mamões, permanecendo no local até a colheita, época em que tornam a partir.
Esta categoria compreende, além dos indígenas de vida tribal, os
núcleos provisórios tais como os acampamentos de caça e pesca e os
percursos de trilhas dos indivíduos citadinos, os núcleos populacionais e de
colonização avançada, semi isolados por imperativos tróficos e econômicos,
os quais mantêm contatos esporádicos com outras comunidades. Sob
145

muitos aspectos, as comunidades ditas civilizadas que vivem de atividades


extrativas apresentam problemas maiores que as das tribos nômades. Como
reconheceu Butt (1970), [...] qualquer comunidade permanente, por pequena que seja,
rapidamente esgota e espanta a fauna terrestre e aquática. ... Mesmo as populações de
pequenas aldeias, de menos de 100 habitantes, podem esgotar, em pouco tempo, os
recursos das vizinhanças.
Segundo Lee e Devore (1968), antes que o homem aprendesse a
cultivar plantas, a população do globo era menor que 0,5% da de hoje. Por
esta razão, as comunidades primitivas são reduzidas, o que resulta em outra
série de percalços. Malgrado o fluxo de fusão e cisão frequentes, reduz-se a
chance de casamentos heterogâmicos; a pequena densidade populacional
não pode manter um elevado grau de imunidade perante as doenças
infecciosas e parasitárias e os surtos epidêmicos passam como cataclismos,
sem encontrar resistência.
Neste estágio, o homem, vivendo em promiscuidade com elementos
da fauna e flora, participa, como um elo a mais, das cadeias e cicios
biológicos silvestres de ecto e endoparasitos. Uma fauna ruderal
essencialmente nativa, além de animais silvestres de estimação - xerimbabos
- convive em seu domicílio. Dos animais domésticos, o cão e o gato
encontram-se disseminados pelo interior de todos os continentes e vivem
em condições ferais, ou alçados, buscando seu próprio alimento e abrigo e,
por vezes, partilhando do pouco de que lhes oferece o homem. Dos
comensais cosmopolitas, o rato-preto, Rattus rattus, e o camundongo, Mus
musculus, podem ser encontrados em aldeias isoladas e distantes das áreas
urbanizadas e rurais, em todo o mundo.
As relações com a fauna são bem descritas por Lévi-Strauss (1955):
Não posso abandonar as crianças, sem dizer uma palavra acerca dos animais domésticos
que vivem em relações muito íntimas com elas e que são, eles próprios, tratados como
crianças- participam nas refeições, recebem os mesmos testemunhos de ternura ou de
interesse - despiolhagem, jogos, conversas, carícias - que os humanos. Os Nambikwara têm
numerosos animais domésticos: primeiro, os cães, depois, os galos e as galinhas que são
descendentes daqueles que foram introduzidos na região pela Comissão Rondon; macacos,
papagaios, pássaros de diversas espécies e, ocasionalmente, porcos e gatos selvagens ou
coatis. Apenas o cão parece ter adquirido um papel utilitário, junto das mulheres para a
caça com um pau [...] Os outros animais são mantidos com a fito de divertimento. Não são
comidos e não se consomem os ovos das galinhas que os põem, de resto, no mato. Mas,
não se hesitará em devorar um passarinho que morre depois de uma tentativa de
146

aclimatação. Em viagem, e com exceção dos animais capazes de caminhar toda a bicharada
é embarcada com as outras bagagens. Os macacos, agarrados às cabeleiras das mulheres,
cobrem-nas com um gracioso capacete vivo, prolongado pela rabo, enrolado em torno do
pescoço da portadora. Os papagaios e as galinhas empoleiram-se em cima dos cestos ou
dos animais que são levados debaixo do braço. Nenhum recebe uma alimentação
abundante; mas, mesmo nos dias de fome, a sua parte.
Polunin (1977) ressaltou que a vida tribal caracteriza-se pelo relativo
isolamento físico e cultural, pela simplicidade, tamanho reduzido dos grupos, baixa
densidade populacional e proximidade da natureza. Hoje em dia, entretanto,
dificilmente podemos encontrar uma comunidade sem história de contato
direto ou indireto com o mundo civilizado.
O isolamento ocorre, também, no nível individual; cada indivíduo
mantendo contatos intensos e frequentes com poucos outros, enquanto que
o homem urbano, em uma semana, mantém mais contatos que alguém, em
condições primitivas, em toda a sua vida. Tal fato é bastante significativo em
termos de transmissão cultural e explica, em parte, a lentidão das mudanças
que se verificam no estágio primitivo, a não ser quando se rompe o
isolamento.
Noel Nutels, o sanitarista brasileiro que dedicou sua vida à assistência
médico-sanitária das populações indígenas da região do Xingu, deu-nos seu
depoimento (Baruzzi, 1977): Um indicador de isolamento mais importante para este
estudo, contudo, é a ausência de transmissão de doenças de uma tribo para outra,
separadas por distâncias de cerca de150 km. Em1962, rubéola surgiu entre os Tiriyo,
introduzida de Suriname, mas estudos sorológicos mostram que não alcançou os
Ewarhoyana, seus vizinhos mais próximos, ao sul. No mesmo ano, sarampo foi introduzido
nos Garatirei alcançou os Kuben-Kran-Ken, mas não se espalhou entre os Xicrin ou os
Mekranoti. Em 1964 uma devastadora epidemia de sarampo afetou as tribos ao sul do
Parque do Xingu, mas não os Txukarramãe, na região setentrional do Parque.
Além do isolamento, as principais características das populações em
condições primitivas são: um contato intenso com elementos da fauna
silvestre no domicílio e na atividade diária. Ao contrário do homem urbano,
que passa a correr maiores riscos quando deixa a segurança de seu lar, as
populações no estádio primitivo participam de ciclos zoonóticos caseiros ou
domiciliares. Verifica-se menor mobilidade individual e maior do grupo;
menor impacto sobre o ambiente, tanto no nível individual, com respeito à
manipulação ou controle de fatores do meio, quanto em termos de impacto
populacional sobre os ecossistemas regionais. Existe menos possibilidade de
147

especialização e pouca diferenciação ocupacional, o que se reflete na


redução de doenças reconhecidamente ocupacionais. Dependem do
potencial trófico regional e dos ciclos circadianos e sazonais e sua utilização
ainda é limitada por crenças e tabus, que, igualmente ocorrem ao nível do
homem urbanizado e mais sofisticado.
Sob tais condições, a expectativa de vida ao nascer e a vida média do
homem é baixa e a prevalência de zoonoses, elevada, em relação à das
enfermidades degenerativas e crônicas.
Cowles (1963) admite que, nessas circunstâncias, as principais causas
de mortalidade humana sejam devidas às infecções parasitárias e bacterianas
adquiridas dos animais utilizados na alimentação e para obtenção de peles,
couros e outros subprodutos. Um fato verificado é que as presas mais
enfraquecidas são mais facilmente capturadas. Assim, Hirst (1953) verificou
que a eclosão de grandes surtos epidêmicos de peste, ocorridos na
Manchúria em fins do século passado surgiram entre caçadores
inexperientes, devido a este fato. Contudo, as condições sanitárias de grupos
nômades são, por outro lado, melhores do que as dos sedentários. As
mudanças frequentes de acampamentos interrompem os ciclos de
geohelmintos antes que se possam completar; a rarefação populacional não
permite, também, a contaminação do solo e da água, o que se verifica,
constantemente, entre as populações rurais e marginais. Os nômades
consomem maior número de itens alimentares, mas poucos comparecem na
dieta em grandes quantidades, por serem sazonais.
Os relatos dos naturalistas viajantes que acompanharam as expedições
do século 19 pelas Américas e ilhas do Pacífico forneceram dados valiosos
para o estudo das relações do homem, em diferentes condições com o
ambiente.
Fonseca Filho relatou (1970) como Soper verificou que, no Chaco
Paraguaio, a prevalência de Necator americanus diminuía, e a de
Ancylostoma duodenalis aumentava à medida que se examinavam
populações mais isoladas. Bruno (1978) encontraram, em 1957, taxas de
prevalência de 90,47% e 80% de ancilostomídeos nas comunidades
indígenas de Urucand e Cumarung, no município de Oiapoque (Amapá),
onde a deposição de material fecal sobre o solo se processa de maneira
148

constante, geral e aleatória. Mas a complementação proteica da dieta, pelo


elevado consumo de carnes de caça e peixe, impede que se caracterize o
quadro de anemia encontrado em outras comunidades marginais ou rurais,
onde a alimentação passa a ser pobre em proteínas.
Segundo Ford (1970) [...] os alemães na Tanzânia reconheceram que alguns
reinos africanos e áreas tribais eram, frequentemente, separados uns dos outros por uma
faixa de terra-de-ninguém, à qual davam o nome de 'Grenswildnis' - fronteira selvagem.
Essas zonas correspondiam a certos aspectos paisagísticos, os quais as tornavam inviáveis à
exploração pelo homem.
Aquelas zonas eram, por vezes, utilizadas para pastoreio do gado, mas
a ocorrência de zoonoses lhe davam a fama de exalarem gases venenosos.
Aquelas zonas constituem, os 'focos naturais de infecção' da escola russa.
Butt (1970), por sua vez, estudou o comportamento e a organização
social de três aldeias, de origens distintas, na Guiana. Todas tinham nível
tecnológico comparável e viviam em habitares semelhantes, mas adotavam
soluções distintas no que toca à organização, o que resultou na
conformação diferente de padrões epidemiológicos em relação à
esquistossomose. Fonseca Filho (1970) demonstrou também que [...] doenças e
parasitos estão presentes e ausentes em outros grupos desses indígenas [da Amazônia
brasileira]. Tal fato pode ocorrer mesmo quando eles habitam áreas geográficas vizinhas ou
limítrofes, sob condições sociais e ecológicas semelhantes, desde que constituam
grupamentos populacionais isolados.
De 1969 a 1973 tive a oportunidade de estudar os focos de peste
bubônica do norte do Peru. A vertente ocidental da cordilheira andina é
drenada por rios que correm para o Oceano Pacífico. Suas nascentes
localizam-se nos planaltos interandinos e, ao longo de seu curso médio e
inferior, em altitudes que vão até os 800m encontram-se pequenos núcleos
de populações agrárias, Os maiores e mais desenvolvidos são servidos por
estradas de rodagem de tráfego permanente. Nas encostas médias e
elevados, porém, existem pequenos povoados cujo acesso é difícil durante a
estação das chuvas, e que permanecem semi isolados por suas próprias
condições de pobreza e de dificuldade de acesso.
Guayaquil, no Departamento de Piura, era um desses núcleos, situado
a 500m de altitude, às margens do rio San Lorenzo. Constituía-se de 24
casas espalhadas em uma encosta íngreme, separadas umas das outras por
terrenos cultivados e por trechos de vegetação ruderal e nativa. Eram
149

construções de adobe feito com argila, à qual se agregava palha de arroz,


processada em morteiros colocados em frente às casas. Além desse cereal e
de mandioca, os moradores contavam com algumas cabeças de gado,
porcos, aves e com o peixe do rio. Preás ou cuys eram mantidos em casa,
soltos, ou em cuyeros cercados.
Durante a época de seca ou verão, que corresponde, realmente, aos
meses de inverno, as encostas permanecem quase despidas de vegetação,
permanecendo apenas os ceibos e cactáceas.
Em Guayaquil, capturamos roedores silvestres dentro das casas,
incluindo espécies dos gêneros Akodon, Oryzomys e Phyllotis - estes últimos
de hábitos menos caseiros. Vivem em companhia com os cuys (Cavia
tschudii), que foram domesticados nos tempos pré-incaicos como animais
domésticos e de estimação. Constituem boa fonte de proteína animal e bons
reservatórios de várias zoonoses. Por outro lado, servem de sentinelas ou
indicadores de epizootias pestosas, e a legislação sanitária permite sua
requisição para exame.
As pulgas capturadas dentro das casas eram parasitos da fauna
doméstica ou silvestre, praticamente inexistindo Pulex irritans.
Além da promiscuidade com os elementos das faunas domésticas e
silvestre facilitar a transmissão domiciliar da peste bubônica, certas tradições
sociais e religiosas contribuem para a ocorrência de surtos com infecções
múltiplas, que envolvem diversos moradores da mesma casa. Durante longas
novenas e velórios, que reúnem parentes e amigos no ambiente confinado
da casa do morto, as pulgas infectadas que abandonam os cadáveres e que
permanecem nas roupas de cama e de uso, passam para novos hospedeiros.
O padre Miguel Justino Ramírez A. (Ramírez 1943) descreveu, em detalhe,
essas cerimônias em um livro onde aborda o folclore religioso da região de
Huancabamba.
Nessas condições primitivas, o homem participa dos cicios silvestres
das zoonoses e serve de indicador, para o ecologista e o epidemiologista, da
atividade - no caso, pestosa, da região.
Os mapas dos serviços de saúde costumam representar os focos
como pontos isolados, mas, na verdade, mostram apenas as concentrações
150

humanas que revelam a ocorrência das zoonoses mas não dão ideia de sua
distribuição geográfica e ecológica real dos vetores e reservatórios.
A condição primitiva corresponde, portanto, à completa integração
com a natureza e implica participação natural em seus ciclos, incluindo os
dos parasitos e patógenos.
Outro exemplo interessante é o da reação imunológica positiva
verificada entre índios do alto rio Xingu a Schistosoma mansoni, parasito
inexistente na área. Supõe-se que se trate de reação cruzada, provocada por
tentativas abortivas de penetração na epiderme do homem por parte de
cercarias de peixes, ou outros vertebrados aquáticos.
Harian mostrou a coevolução de certos cultivos com o homem e
ressaltou as relações exclusivas entre cultivares e culturas humanas: as
margens do rio Baudama, na Costa do Marfim, estão povoadas, de um lado,
por consumidores de arroz e, do outro, por consumidores de mandioca
(yam). Cultivos sazonais e anuais (ou perenes) exercem grande influência
sobre a dinâmica das populações animais e, em consequência sobre a
epidemiologia das zoonoses.
O isolamento cria condições especiais para a manutenção de certas
doenças e para o desaparecimento de outras. Micro-organismos infecciosos
que não têm reservatórios não-humanos dependem, para sua manutenção,
de uma densidade populacional crítica bastante elevada. O estudo de
comunidades que habitam ilhas oceânicas ou bases polares, como a de
McMurdo, na Antártida, revelam a existência de um padrão interessante,
caracterizado pela ocorrência de virgin soil epidemics, que lavram como
incêndios e se extinguem por falta de indivíduos suscetíveis.
Além da densidade, a mobilidade determina a extinção dos parasitos
que, como os geohelmintos, necessitam de certo tempo para completarem o
ciclo extracorpóreo ou de ida livre. Ascaris e Necator estão entre estes.
Amebíases, por outro lado, dependem da existência de suprimentos de água
contaminada, podendo ocorrer em oásis, mas não entre os nômades das
regiões de florestas e savanas.
Em 1973 um grupo de indígenas Kren Akorore, na região do Xingu foi
contatado e Baruzzi (1977) nos deu uma boa descrição das condições
extremamente primitiva em que vivia. Não fabricavam nem possuíam
151

quaisquer utensílios, mesmo para transportar água. Cultivavam alguns frutos


e raízes. Alguns xerimbabos, como macacos e coates, mas gatos e cães eram
ausentes. Andavam nus e eram todos O do sistema ABO e Rh positivos.
Anticorpos para malária foram detectados em todos os indivíduos.
Do ponto de vista da saúde, alguns ciclos biológicos importantes de
que o homem participa são os dos tripanosomas que provocam a doença
do sono e o dengue, das leishmanias responsáveis pela uta e pelo calazar,
de diversas arboviroses transmitidas por mosquitos, entre elas a febre
amarela silvestre, cujos hospedeiros naturais são primatas, especialmente
espécies do gênero Alouatta, e as febres hemorrágicas, que têm mamíferos
ou aves como reservatórios.
Aragão, em 1938 mencionou, um surto de febre amarela silvestre que
ilustra a situação que descrevemos. Madeiras estavam sendo exploradas nas
matas virgens, juntamente com agricultura incipiente. Os habitantes viviam
em construções toscas, isoladas e afastadas dos núcleos de povoações mais
próximos.
Outros exemplos marcantes são um foco enzoótico de
tripanossomíase americana no litoral do Paraná, e a transmissão ao homem,
invasor da área; e um estudo de Baruzzi (1977) sobre toxoplasmose em uma
aldeia indígena, na região do rio Xingu.
A malária, tularemia, raiva, paragonimíase, triquinose, brucelose,
filariose, oncocercose, psitacose, carbúnculo são outras tantas enfermidades
que afligem essas populações. Tinea imbricara, do sudeste asiático e Nova
Guiné, e o kuru são característicos. C. tetani e diversas salmonelas são
encontrados, frequentemente em fezes de animais.
Acidentes provocados por encontros com animais silvestres,
agressivos, vulnerantes, venenosos e peçonhentos também devem ser
considerados, no estudo dos agravos característicos de sua ecologia médico-
sanitária.

4.6.2. Condições rurais (ilustrações páginas 238 e 239)


A agricultura e a domesticação de animais provocaram a segunda
grande revolução na história da humanidade e mudaram para sempre a
relação do homem com o meio ambiente. Uma fonte sustentada de proteína
152

animal e um suprimento constante de grãos melhoraram as condições da


saúde humana. Os arqueólogos concordam que nos últimos doze mil anos
uma forma primitiva de agricultura apareceu em várias partes do mundo. Há
evidências claras de pelo menos três principais centros de desenvolvimento
ativo da agricultura primitiva: as planícies aluviais entre o Tigre e o Eufrates,
ou Mesopotâmia, estendendo-se até a Síria, o Líbano e Israel de hoje;
Noroeste da China; e Mesoamérica. O rápido incremento das populações
humanas coincidiu com essa revolução e com a retração do gelo, e aumento
gradual da temperatura no final da última era glacial na Eurásia e pluvial no
continente americano. A consequente elevação do nível do mar submergiu
as planícies costeiras. O clima mais ameno permitiu a expansão das florestas.
A maioria das teorias que tentam explicar o nascimento da agricultura
envolve raciocínio circular ou explicações tautológicas. O cultivo implica
mudanças radicais nos hábitos de vida, na organização da comunidade e
nos hábitos derivados da adoção de um novo estilo de vida. Dos milhões de
espécies animais e vegetais existentes na biosfera, apenas um punhado de
formas terrestres foi domesticada, através de um longo processo empírico
de seleção artificial com a preservação de certas características privilegiadas.
(Zeuner,1963). Os procedimentos de seleção levariam eventualmente à
manipulação e engenharia genética da atualidade. Os caçadores geralmente
capturavam animais velhos, fracos ou doentes e um caçador prejudicado não
poderia sustentar sua família enquanto ele estivesse incapacitado. Como
consequência do alimento perene o nomadismo forçado se tornou
desnecessário. Os primeiros assentamentos permitiram novos tipos de
relacionamentos entre seus habitantes, como o estabelecimento de clãs,
hierarquia social, estratificação e divisão do trabalho e o acúmulo de riqueza
duradoura na forma de terras, plantações e rebanhos de animais. Artesãos,
artistas, feiticeiros e guerreiros tiveram a chance de se tornar profissionais
em período integral. A disponibilidade de grandes quantidades de alimentos
básicos foi equilibrada em relação ao acúmulo de resíduos, excessos
nutricionais e mudanças nos padrões epidemiológicos gerais (Nnochiri, 1968;
Cockburn, 1977; Tyrrell, 1977). Mas os sistemas de armazenamento e
irrigação se tornaram uma fonte de infecções parasitárias; geohelmintos
foram capazes de completar seus ciclos biológicos em hospedeiros humanos
153

sedentários. O solo agrícola ficaria empobrecido pelo cultivo repetido se um


sistema de corte e queima ou agricultura itinerante não fosse desenvolvido.
A rotação de culturas foi planejada, introduzindo mudanças periódicas de
residência. Mas o consumo de energia e combustível permaneceu baixo. A
invenção de métodos para preservar alimentos permitiu a regulação de
estoques, o fim da fome, o crescimento populacional e um passo importante
além da mera economia local de subsistência, ameaçada pela sazonalidade
natural e por caprichos periódicos das condições climáticas e desastres
naturais. Também permitiu viagens prolongadas e exploração de novas
terras e mares. Isso levou à produção excedente, acumulação de riqueza e
comércio, cooperação, intercâmbio e difusão de ideias, invenções e
descobertas. Com o tempo, afetaria sistemas distantes, por meio do
comércio e da importação de produtos estrangeiros.
Assim, novas técnicas, crescimento populacional e difusão de
conhecimento resultaram da revolução da agricultura.
A única explicação aceitável para que essa mudança tenha ocorrido é
a mudança nas condições ecológicas após o final da era do gelo: a expansão
de gramíneas de rápido crescimento e alto rendimento, que ofereciam
sementes facilmente coletáveis e que deveriam ser selecionadas
artificialmente para se tornarem os cereais de hoje.
Em um artigo sobre ecologia e desenvolvimento rural em Java,
Soemarwoto (1974) analisou alguns aspectos relacionados ao fluxo de
energia, ciclagem de minerais e biodiversidade. Alguns de seus comentários
são pertinentes à questão da delimitação de sistemas ecológicos. O
isolamento dos núcleos populacionais permitiu o desenvolvimento
sustentável (Avila-Pires, et al., 2000), o que é dificilmente conseguido, se
tanto, onde as comunicações são fáceis e frequentes.
Soemarwoto mostrou como a interrupção do ciclo anterior: homem -
peixe - homem, e onde excrementos humanos foram canalizados para as
lagoas, resultou na perda de proteínas, disposição de esgoto e eutrofização.
Além disso, a utilização de fertilizantes perturba o ciclo mineral natural,
levando à dependência de insumos estrangeiros.
Quanto à economia da produção e sua influência no tamanho da
população, Willis (1966) descreveu a situação na Tanzânia sobre a
154

constituição de uma rede de assentamentos rurais e a especialização de


confecção de produtos que se tornam elementos de comércio ou de
escambo.
A análise do papel das redes comerciais simples que ligam os
assentamentos rurais e suas implicações sobre os aspectos mais teóricos do
conceito de ecossistema foi adequadamente apresentada por Ellen (1970)
para povoações pré-colombianas na América do Norte.
Em termos de saúde humana e animal, as culturas sazonais, anuais e
perenes exercem um grande impacto sobre a ecologia das zoonoses.
Parasitas e agentes infecciosos que não possuem reservatórios animais
precisam de grandes densidades populacionais para se estabelecer e não
serem extintos devido à falta de indivíduos suscetíveis. O sedentarismo
provocou o aumento das populações locais humanas. A abundância de
culturas aumentou o potencial trófico da fauna ruderal, e os rebanhos de
animais domésticos ajudaram a aumentar as populações desses parasitas
comuns a hospedeiros não humanos e humanos. A eliminação de grandes
predadores resultou no aumento de comensais indesejados.
Nas comunidades rurais, devido ao contato íntimo com animais
domésticos e menos íntimos com animais silvestres predominam as
helmintíases, infecções fúngicas, bacterianas e virais devido à contaminação
do solo e da água, amebíase, toxoplasmose, hidatidose, filariose,
esquistossomose, dracontíase, paragonimíase, leptospirose, peste bubônica,
malária, doença de Chagas e acidentes causados por animais peçonhentos
(McKeown, 1988; Karlen, 1995).
Várias espécies são hospedeiros de Robovírus, um termo aplicado a
doenças virais transmitidas por roedores como febre hemorrágica viral e
hantaviroses causadas por Arenavírus e Hantavírus, respectivamente. O vírus
Sabiá é um Arenavírus associado a febres hemorrágicas virais no Brasil. Essa
febre foi identificada pela primeira vez em 1990 em um caso fatal no Estado
de São Paulo e em dois trabalhadores de laboratório que foram infectados
durante o manuseio do vírus e sobreviveram. Até agora, o reservatório
primário de roedores do vírus Sabiá é desconhecido e, em 2020 o vírus
ressurgiu em São Paulo.
155

O gênero Hantavírus da família Bunyaviridae, conquistou atenção após


1993, principalmente no hemisfério americano, quando foram descritos os
primeiros casos de Síndrome Cardio-Pulmonar (HCPS).
No Brasil, após a primeira identificação do HCPS, mais de 800 casos
foram registrado. Vírus Juquitiba transportado pelo rato de arroz
Oligoryzomys nigripes; o vírus Araraquara, transportado pelo camundongo
Necromys lasiurus; e o vírus Castelo dos Sonhos, cujo reservatório é
desconhecido, são genótipos associados a doenças humanas.
Não só os residentes em sítios e fazendas estão nesta condição, mas
também aqueles que os visitam na forma de turiamo rural.

4.6.3. Condições urbanas (ilustrações páginas 240 e 241)


O desenvolvimento da agricultura, a acumulação de riqueza através
do comércio e a permanência de densos assentamentos levariam,
eventualmente, a um novo nível de integração ecológica, a civilização urbana
altamente tecnológica. Alguns autores passaram a reconhecer a importância
dessa distinção, como Moran (1990), que lembrou aos antropólogos a
importância de reconhecermos as diferenças de escala entre as densidades e
tecnologias das sociedades contemporâneas e aquelas que foram objeto da
maioria de seus estudos se recomendações ingênuas fossem evitadas. Essas
diferenças são válidas hoje e dizem respeito à própria natureza dos
relacionamentos individuais e ao impacto do homem sobre o meio
ambiente. Um novo conceito surgiu para esse novo nível de integração - a
comunidade tecnológica urbana- o do geossistema.
Os assentamentos urbanos não são unidades ecológicas
autossustentadas e a expressão ecossistema urbano não faz sentido em
ecologia. Não existe estrutura trófica com um sistema de reciclagem de
nutrientes em operação nas cidades. Nutrientes e energia são importados de
áreas agrícolas, de centrais elétricas, de campos de petróleo,de minas de
carvão ou de usinas nucleares, como indicam as extensas linhas de
transmissão e de transporte que cortam os países. Podemos falar de uma
ecologia urbana, mas não de um ecossistema urbano. O papel ecológico, o
tamanho, a localização e os riscos envolvidos na criação ou manutenção de
espaços verdes naturais dentro dos limites urbanos é um tópico polêmico
156

nos dias de hoje. Box & Harrisson (1993) discutiram recentemente o papel e
as políticas relacionados ao que denominaram espaços verdes naturais.
Análises desse tipo não levam em consideração os aspectos particulares
relacionados às atitudes sociais locais, exigências ecológicas e implicações
para a saúde pública envolvidas na presença de habitats naturais dentro dos
limites das cidades. Parques em zonas temperadas são muito distintos de
florestas equatoriais, pântanos, manguezais e outros biomas.
Para os fins desta análise, nos preocuparemos com o ressurgimento
da urbanização na Europa e a generalização do comércio que ocorreu
durante o renascimento do século 10, e que deu origem à nossa civilização
urbana contemporânea.
O período da antiguidade clássica no ocidente constituiu a época
pioneira das cidades-estados. A estratificação social rígida em categorias e
castas, a concentração territorial da população o e as fortificações
elaboradas constituíam defesa contra as hordas bárbaras, de organização
frouxa e incipiente. A queda dos grandes impérios só foi possível em virtude
de desorganização interna por várias causas, incluindo grandes epidemias.
Por outro lado, a aglomeração humana em altas densidades
populacionais exigia a solução de problemas de caráter ecológico,
resultantes dessa condição. Destes, os mais importantes eram o suprimento
adequado de água e alimento, a higiene e a integração social. A engenharia
urbana, as técnicas de produção de alimento, os fundamentos do direito e
os princípios empíricos de saúde pública datam daquela época. As urbs
tornaram-se um novo ambiente, bastante distinto dos antigos burgs, que
eram meramente centros administrativos em uma sociedade
fundamentalmente agrícola. Entre as mudanças provocadas pela revolução
urbana estava a ascensão de uma economia mercantil baseada em um
sistema monetário de comércio; uma nova classe de cidadãos com
mobilidade social; desenvolvimento industrial com acumulação de
excedentes destinados ao comércio; e, eventualmente, a admissão do lucro
como uma prática aceitável, não como um pecado condenado pela religião.
A expansão da urbanização na Europa, após a Idade Média, trouxe o fim do
feudalismo e um aumento da agricultura intensiva para apoiar a crescente
demanda por alimentos por uma nova classe de cidadãos com os meios
157

para pagar por isso. As cidades fazem parte de unidades econômicas,


regionais, nacionais e/ou internacionais. A civilização urbana exige
quantidades crescentes de energia para transporte, armazenamento,
distribuição, embalagem e preparação de alimentos; para o descarte de
resíduos domésticos e industriais, para purificar a água que polui e para
permitir o curso da vida moderna diária. Fontes baratas de energia, como
força física, tração animal, vento e água, foram substituídas por motores a
vapor e a explosão, combustíveis fósseis, eletricidade e, mais recentemente,
pela energia nuclear.
O impacto dos assentamentos urbanos não é sentido apenas
localmente, pois interfere nas comunidades distantes. O homem tecnológico
muda o litoral, os biomas naturais, os cursos dos rios e seus regimes.
Modifica os padrões de distribuição geográfica e a dinâmica populacional de
plantas, animais e micro-organismos. Ele muda a paisagem, desflorestando,
reflorestando com flora uniforme para exploração econômica, drenando
terras, inundando vales, minerando, irrigando áreas secas. Polui o ar, a água
e o solo com substâncias orgânicas e inorgânicas. Cepas domesticadas e
altamente selecionadas de plantas e animais se tornam consumidores de alta
energia. Exigem fertilizantes, pesticidas como proteção contra concorrentes e
parasitas e são caras para manter, colher, armazenar, preservar e transportar.
A evolução cultural e a tecnologia avançada libertaram o homem de
algumas limitações impostas pelo ambiente, mas provocaram outras
restrições acarretam novas responsabilidades. É minha opinião que as
populações que vivem em condições urbanas devem ser responsabilizadas
pela quantidade de mudanças e pelos impactos que infligem aos
ecossistemas naturais, locais ou à distância, onde quer que esses impactos
sejam sentidos.
Os relatos históricos pecam, muitas vezes, por exaltarem certos fatos,
apresentando-os desvinculados do contexto cultural, social e econômico de
sua época. Ideias, palavras e expressões, isoladas do conjunto de uma obra e
independentes do contexto do seu tempo podem adquirir conotações e
intenção distintas do seu sentido original. Tanto a acumulação de dados
empíricos quanto a intuição daqueles que, sem base experimental,
avançaram certas ideias, posteriormente comprovadas, são válidas.
158

Entretanto, o papel de precursor é atribuído, com frequência, a


pseudoprofetas cujas teorias não passaram de pálidas analogias, distorcidas
por atuais biógrafos e que pouco têm a ver com a essência da ideia atual.
Assim, somente após a segunda metade do século 19 a concepção
cientifica do contágio e a teoria da origem microbiana das infecções
substituíram a ideia do desequilíbrio humoral e da influência direta do clima
como causas das doenças vindo permitir a adoção de medidas preventivas
racionais e intencionalmente fundamentadas. Desde a instituição da
quarentena no século 14 às obras de drenagem dos pântanos para
combater a malária, quando esta ainda era considerada como resultante das
emanações miasmáticas de águas estagnadas, todas as medidas de saúde
pública foram implementadas com base em crendices, em intuição ou em
dados empíricos pouco a pouco acumulados. Muitas vezes, medidas
acertadas foram adotadas com base em suposições e, teorias falsas. A
vivência profissional com certos problemas termina por permitir um
conhecimento bastante profundo de suas características e de muitos de seus
aspectos, mas as teorias correntes em certas épocas levaram a
interpretações errôneas e à adoção de soluções que se demonstraram
desaconselháveis no longo prazo.
Um dos aspectos da ecologia humana nas comunidades urbanas da
antiguidade clássica é o das condições de higiene e saúde pública. Plumb
(1935) tem razão, em parte, ao dizer que a ideia romântica que se faz da
vida em épocas passadas só é válida para quem tiver nascido em uma
família próspera. Contudo, mesmo as famílias reais foram afetadas pela
morte prematura, doenças crônicas e infecciosas e pela perda de muitos de
seus descendentes.
Burnet e White (1972) acreditam que as populações nômades eram
menos sujeitas a certos tipos de enfermidades e que os núcleos urbanos
primitivos mantinham sua densidade populacional, não apenas pela taxa de
reprodução natural, mas também pela imigração de gente do campo em
busca de condições melhores de vida. Entretanto, em épocas de epidemias,
era no campo que citadinos buscavam sobreviver ilesos.
As obras de engenharia hidráulica do antigo Império Romano
impressionam por suas dimensões, imponência e permanência. Tarquínio
159

Prisco iniciou a construção da Cloaca Máxima, em Roma, que ainda hoje


integra o sistema de esgotos da cidade. Banhos públicos e piscinas
particulares podem ser vistas em inúmeros sítios arqueológicos romanos
como muçulmanos. Tudo isso nos dá uma falsa primeira impressão de
limpeza e higiene. Entretanto, Roma mantinha relações de comércio e de
guerra com o resto do mundo conhecido. Tropas em acampamentos na Ásia
e África e navios nos mares do ocidente e oriente serviam de veículos de
transporte e de vetores, reservatórios e contaminantes, como o atestam as
grandes ondas epidêmicas que varreram o Império Romano de tempos em
tempos. Nas cidades, somente uma pequena parcela da população gozava
de melhores condições e facilidades sanitárias, enquanto que o povo e os
escravos viviam em promiscuidade com animais domésticos, e os despojos
eram lançados nos rios. A água de uso urbano vinha do próprio rio e de
poços primitivos.
Mesmo nas casas nobres, as piscinas, que hoje nos impressionam
constituíam focos de contaminação e de infecção e as grandes ondas
epidêmicas de varíola, tifo e peste não poupavam nobres e imperadores.
Gomes (1974) descreveu, por outro lado, o horror pelo banho na
Idade Média e das grandes epidemias de sífilis que assolaram a Europa
antes mesmo da descoberta da América e afirma, erradamente, que grande
mudança de hábitos produziu a sífilis. Tal era sua alarmante contagiosidade, que
determinou o fechamento dos banhos públicos [no século 16, em Portugal].
Por sua vez, Zinnsser (1935) atribuiu a derrocada social e política da
civilização romana urbana à falta d os conhecimentos modernos de higiene.
Rappaport (1969), por sua vez utilizou as expressões hiper coerência e
hiper integração para indicar o estágio de centralização extrema que pode ser
letal. Isto vale, não só para as populações humanas quanto para as de
outros organismos.
Durante a Idade Média, na volta da urbanização da Europa, as
condições de habitação urbana não eram adequadas a condições de saúde
aceitáveis na atualidade. As cidades abrigavam uma imensa quantidade de
animais domésticos, comensais e parasitos dentro de seus muros. Piolhos,
pulgas, mosquitos e ratos frequentavam as casas. O alimento, armazenado
sem maior cuidado, era contaminado ou destruído por roedores. A falta de
higiene pessoal estimulava a multiplicação de insetos hematófagos, vetores
160

de enfermidades, As ruas estreitas acumulavam lixo e dejetos orgânicos. As


casas eram mal ventiladas e as camas de palha contribuíam para a
manutenção da fauna comensal indesejável. As fontes de água, fator do
meio físico, veículo de inúmeras infecções quando não convenientemente
protegidas sempre foi responsável por surtos epidêmicos de doenças
infecciosas e parasitárias.
Corno nos relata Castiglioni (1947), excrementos eram lançados nas
ruas, não pavimentadas. Os banhos, populares durante o Renascimento
tornaram-se um luxo no século16. Nos dias de hoje subsistem, de forma
residual e higiênica em clubes, salas VIP de aeroportos e estações
ferroviárias e rodoviárias - e em bain-douches gratuitos e individuais de
Paris.
Na ausência de serviços de higiene pública e destinação de dejetos,
banhos e banheiros tornavam-se focos de infecção.
Sabe-se hoje que a transmissão da maioria dos helmintos que têm
insetos corno vetores, assim como dos geohelmintos, está relacionada com a
aglomeração ou com a contaminação do ambiente pelo homem, aliados ao
comportamento social e a crenças de todo tipo incluindo religiosas. Um
longo trabalho de observação realizado na Índia revelou que os
muçulmanos, que defecavam e se lavavam na água a fim de evitar contato
com as fezes eram afligidos por verminoses distintas das dos cristãos, que
defecavam no solo,
Muitas vezes a legislação, sabiamente inspirada, apesar de empírica,
deixou de ser cumprida. Em Portugal, a Carta Régia de 9 de fevereiro de
1453 ordenava, além da realização de procissões e preces pedindo a
clemência divina e a proteção da saúde do povo, a limpeza constante da
cidade, proibindo o lançamento de lixo nas vias públicas. Mas a Carta de 6
de janeiro de 1484 atribuiu o aparecimento de epidemias à vida pecaminosa
dos cidadãos e à grande sujeita existente, mandando que se limpassem as
estrebarias e os monturos existentes na cidade e que fossem varridas as ruas
e travessas. Como nos ensinam os antropólogos sociais, há uma grande
lacuna entre as determinações legais e o comportamento individual ou social
no sentido de seu cumprimento, fato que frequentemente confundem
historiadores levando-os a acreditar na eficácia das leis.
161

No século 18, sob a influência das grandes epidemias que devastaram


a Europa nos séculos precedentes e das quais existem relatos científicos
modernos como os de Zinnsser (1935) e Hirst (1953), surgiu, epitomozada
pela Escola Naturalística de Jean Jacques Rousseau um movimento que,
defendia a ideia da felicidade inerente à existência primitiva e da influência
perniciosa da civilização urbana. Em resumo, do bom selvagem.
Na Inglaterra, por exemplo, as condições sanitárias da população que
vivia nos grandes centros, atraída pela oferta de trabalho criada pela
revolução industrial, ajudaram a reforçar as ideias de Rousseau.
A fuga para os campos assegurava, nas épocas críticas, alguma
proteção contra os dois grandes flagelos, a peste e o tifo, agravados pala
aglomeração nas cidades. O relato literário, mas correto da grande peste de
Londres, de autoria de Daniel Defoe. Fugindo da ideia empírica da poluição
miasmática e do contágio, os emigrantes temporárias ou sazonais evitavam
a promiscuidade com ratos, pulgas e piolhos infectados, que pulavam na
insalubridade urbana e cujo papel na transmissão das doenças só seria
revelado e compreendido a partir da metade do século 19.
As duas grandes guerras mundiais recentes viram mais gente morrer
de doenças de caráter epidêmico, provocadas pela facilidade de contágio e
desorganização social, do que dos combates.
Ainda hoje, porém, mesmo em cidades mais desenvolvidas,
encontramos grandes parcelas da população vivendo em micro-habitats
ambientais inaceitáveis para os padrões modernos de segurança sanitária,
como ocorre no Brasil como veremos no capítulo seguinte.
Um simpósio promovido pela Organização Mundial de Saúde tendo
por tema o controle de piolhos e das enfermidades por eles transmitidas,
lançou um alerta, na década de 1970 contra a ameaça constante que paira,
mesmo sobre as comunidades mais sofisticadas. Participante do simpósio,
Snyder (1973) descreveu a situação em um grande centro, que conta com
assistência médica e social, fiscalização e prevenção sanitárias e elevado
padrão de higiene. Para convencer os possíveis participantes céticos relatou
uma experiência pessoal. Do capote de um paciente admitido a um grande
hospital da cidade de New York retirou quase meio litro de piolhos vivos e
162

massas de ovos férteis. Foi quantidade bastante para iniciar uma colônia em
seu laboratório.
Em 1973 verificou-se um surto de peste bubônica urbana no Equador
e a guerra do Vietnã desencadeou epidemias de grandes proporções, nos
últimos anos.
A facilidade dos meios de transporte modernos permite que um
indivíduo infectado, mas sem sintomas aparentes, viaje de um foco de
zoonoses para um centro urbano cosmopolita, em contato com inúmeros
companheiros que podem se contaminar durante o trajeto e na escala final
e servir de veículo de dispersão de patógenos por vários continentes.
Como vimos, no curso de sua evolução, o homem tecnológico
passou por todas elas. Mas, como vimos, a humanidade, como um todo,
constitui uma generalização teórica, do ponto de vista ecológico, por sua
heterogeneidade. Parcelas da população contemporânea atual encontram-se
em cada um dos estágios tecnológicos pelos quais passou o homem, o que
evidencia a ambiguidade das generalizações sobre o homem moderno.
Como todos os outros animais, o homem depende de produtores
primários, plantas verdes e micro-organismos simbiontes para sintetizar
nutrientes e permitir a sua transferência de um nível trófico a outro. As leis
da termodinâmica ainda governam a transferência de energia e, quanto
maior a cadeia ecológica, maior a perda para o ambiente. Como é a regra
da evolução orgânica, não há tendência ou objetivo na evolução humana. Há
variação genética aleatória, e diversificação da adaptação. A capacidade do
solo, do ar e da água para absorver, degradar e reciclar resíduos é limitada.
Uma questão sensível hoje em dia é a sobrecarga de resíduos que poluem o
meio ambiente. A mudança global é de responsabilidade do homem urbano
pela a conservação ou uso racional de recursos de onde eles vêm. Ele deve
estar ciente de onde os recursos que ele usa se originam e o que ele pode
fazer para contribuir para diminuir seu impacto na origem. Isso inclui a
questão da perda de biodiversidade através da recuperação de terras para
agricultura industrial e silvicultura, ocupação humana, degradação e
exploração de produtos naturais.
Nas cidades, fatores ecológicos devem ser analisados em meso e
microescalas. A micro distribuição mesoclimática, microclimática e geográfica
163

fornece e explica diferenças nos padrões epidemiológicos de incidência e


prevalência de doenças e na avaliação de riscos. Há uma taxa crescente de
mortes por assaltos, terrorismo e drogas.
Um estudo epidemiológico da hipertensão em uma área suburbana
do Rio de Janeiro na década de 1990 (Ilha do Governador) mostrou que
enquanto em 80 doenças cardiovasculares (AVC) foram responsáveis por
40,7% de todas as mortes, em 1991 causas externas como acidentes de
carro, violência e homicídios, tornou-se o principal causa de morte em
homens com menos de 50 anos de idade. (Klein et al., 1995).
Ocorrem, também, estresse, desnutrição e obesidade. A aglomeração
é responsável pelo acúmulo de resíduos, poluição, contato interpessoal
próximo, transmissão de agentes de infecção de hospedeiro para hospedeiro
e para o aumento do número de vetores e reservatórios de doenças, como
ratos, camundongos, moscas, insetos nocivos, pombos, cães e gatos vadios.
É evidente que indivíduos que viajam com frequência também
incorrem no risco de adquirir doenças não prevalentes no local de
residência. Os parques urbanos, por sua vez, oferecem condições para a
colonização de micro-organismos, incluindo helmintos, que ali podem
desenvolver e completem seus ciclos biológicos. A urbanização de doenças
rurais pode mudar seu caráter e formas de transmissão. Os parasitos do
sangue podem ser transmitidos por transfusão de sangue, em vez de vetores
como é o caso da malária e da doença de Chagas. Mott et al. (1990)
mostraram que as taxas de sangue infectado com parasitas da doença de
Chagas nos bancos de sangue eram elevadas 63% na Bolívia, em
comparação com o Brasil e a Argentina.
O contato com animais silvestres, por sua vez, reservatórios ou vetores
de micro-organismos patogênicos é reduzido ou propositalmente eliminado.
As zoonoses de espécies domésticas e de comensais cosmopolitas tornam-
se importantes, especialmente para aqueles grupos de indivíduos de maior
risco, como crianças, idosos e imunologicamente comprometidos. Aves de
gaiola, pardais, pombos estão presentes em grande número nas vilas e
cidades. Os mercados públicos, como encontramos em todos os lugares,
podem ser a fonte de muitas zoonoses. Na Ásia, a promiscuidade entre
porcos e aves e animais silvestres para consumo humano deu origem
164

recentemente pandemias virais.


As doenças endógenas, hereditárias e degenerativas tornam-se
predominantes. Também são importantes as doenças infecciosas como raiva,
transmitidas por cães, gatos e morcegos, psitacose, toxoplasmose, sarna,
piolho, larva migrans nas praias e parques infantis, leishmaniose e calazar,
dengue e risco de febre amarela urbana, ambos transmitidos pela mosquito
urbano Aedes aegypti. Em 1993, o Diretor Geral da Organização Mundial da
Saúde abriu a 46ª Assembleia Mundial da Saúde em 1993 reconhecendo o
grande risco das arboviroses e, em especial a dengue. A recente expansão
de arbovírus como mayaro, zika, chikungunya e vírus respiratórios como os
das influenzas como H1N1 e COVID 19 cumpriu o vaticínio e o demonstrou
modesto em sua estimativa.
Entre os fatores culturais, listamos o choque cultural, à medida que
novos migrantes chegam à cidade, rompendo padrões sociais e laços
familiares. Hábitos trazidos das áreas rurais para a cidade podem ser
responsáveis por problemas de saúde relacionados a animais de estimação
não controlados, disposição de dejetos e resíduos, recipientes descartados,
reservatórios de águas abertos, que oferecem um terreno fértil para vetores.
A capacidade de reciclagem e de resiliência do ambiente urbano e marginal
não é a mesma do ambiente primitivo ou rural principalmente em virtude
das alterações do solo e dos cursos d’água e da densidade populacional e
habitacional.
Devemos ter em mente que os meios de transporte modernos
permitem a rápida circulação de germes de áreas silvestres ou insalubres
para grandes cidades, mesmo antes que os sintomas se tornem evidentes,
ameaçando trazer de volta velhos flagelos, como atestam o recente
ressurgimento de várias doenças como o cólera.
Aspectos favoráveis incluem menor taxa de nascimento, acesso a
melhor educação, assistência médica, incluindo melhores instalações de
diagnóstico e tratamento hospitalar que aumentam a expectativa regional de
vida.
A compressão das dimensões temporal e espacial conhecidas como
globalização afetam múltiplos aspectos da vida humana, incluindo a
transmissão de doenças infecciosas. A doença de Chagas ou a
165

tripanossomíase americana, embora descoberta há um século, ainda


permanece como uma das importantes ameaças à saúde pública na América
Latina e vários aspectos de sua epidemiologia foram profundamente
influenciados pelo fenômeno da globalização ancestral ou atual. Ao longo
dos anos, várias mudanças epidemiológicas distintas relacionadas à sua
transmissão e distribuição geográfica foram observadas; a maioria delas foi
influenciada principalmente por mudanças ambientais rápidas e dramáticas,
padrão ecológico dos vetores de insetos triatomíneos e migração de
populações humanas. Nas áreas urbanas a transmissão por transfusão de
sangue que se observa em países onde o vetor não ocorre constitui uma
adaptação da parasitose a novas condições ecológicas.
À medida que o controle das zoonoses e enfermidades transmissíveis se faz
sentir mais efetivamente, através de programas preventivos, os agravos e as
doenças de origem endógena, hereditária, degenerativas, não transmissíveis
passam a preponderar nos índices vitais. Das zoonoses, permanecem a raiva,
transmitida por cães, gatos e morcegos, a psitacose, toxoplasmose,
escabiose, tinhas, larva migrans, giardíase, teníase, raras geohelmintíases e,
em certas circunstâncias, podem ocorrer casos de leishmaniose e calazar.
Outros parasitos, como piolhos, mantidos nas populações marginais,
ocorrem em indivíduos de condições socioeconômicas mais elevadas em
virtude de hábitos de higiene e modismos particulares.
Mais do que os avanços da medicina, o incremento da tecnologia da
produção, conservação e distribuição de alimentos, aliado ao acesso a água
potável, controle de temperatura e de condições de higiene pública e
individual fez mais pelo aumento da expectativa de vida do que o combate
à doença.
Em seu ambiente doméstico, o homem urbano encontra-se protegido
dos cicios silvestres das zoonoses e parasitoses silvestres, uma vez que o
contato com a fauna nativa, mesmo ruderais e comensais, é restrito e
ocasional. Medicamentos, pesticidas, detergentes, vacinas humanas e animais
aliados a um sistema eficiente de saneamento ambiental asseguram
condições sanitárias aceitáveis e garantem o incremento da expectativa de
vida ao nascer e da longevidade média da população. Infecta-se quando sai
166

do domicílio ou Peri domicílio e, em casa, por contato com animais


domésticos.
Como reconhecem Erik Orsenna e Isabelle St. Aubin (2017), Se
construímos cada vez mais cidades no campo, devorando-o com apetite, o campo se vinga:
ele invade gostosamente os interstícios dos edifícios.

4.6.4. Condições marginais (ilustrações página 242)


Fatores socioeconômicos e políticos contribuem para a incidência
diferenciada das doenças. Acesso restrito à educação e renda formam
bolsões marginais, favelas, barreadas, seja na periferia ou nos centros
urbanos pode ser responsável pela existência de condições distintas
daquelas prevalecentes nos distritos da classe alta ou nos subúrbios das
cidades. Deve-se notar que o termo subúrbio tem significados opostos em
certos países. No Brasil, descreve o local onde as populações que vivem em
condições marginais se concentram. No segundo, onde a urbanização
oferece melhores condições de vida, sem que as facilidades da zona central
se percam.
Na zona urbana, grupos de adultos e crianças, muitos com casa e
família, passam dias e noites em parques ou desabrigados nas calçadas são
ignorados pelas autoridades de saúde. No Brasil, eles podem recorrer às
unidades de saúde públicas, geralmente usando identidades falsas e
declarando um endereço inexistente. Se as crianças e os trabalhadores em
idade escolar são obrigados pela lei brasileira a apresentar um cartão de
vacinação, existe um grande setor da população que é ignorado por
pesquisas epidemiológicas e há uma quantidade desconhecida nas
estatísticas de saúde.
As populações marginais urbanas de posseiros que vivem em favelas
são urbanas no sentido geográfico, mas não em termos de impacto
ambiental. Comparadas às comunidades que vivem em condições rurais, elas
estão em desvantagem quando consideramos o acesso a alimentos, água e
saneamento. A contaminação do solo e da água devido à drenagem
insuficiente ou inexistente e o acúmulo de dejetos e de lixo é a regra.
Vetores e reservatórios de parasitas e micro-organismos patogênicos são
abundantes. O escoamento das encostas termina nas ruas e avenidas,
especialmente durante fortes chuvas, carregando lixo, fezes e solo noturno.
167

Contaminação de cursoa dágua e valões é a regra.


As populações em condições marginais estão privadas de recursos
naturais para suplementar sua dieta. Subsistem poucos animais da fauna
nativa. Os predadores foram eliminados e espécies da fauna e flora ruderal,
comensal e cosmopolita são abundantes sem o controle natural ou
planejado. Cães e gatos andam livres e em grande número, vivendo em
promiscuidade nas casas.
Os cicios silvestres perdem a importância, mas os ciclos domiciliares e
urbanos de geohelmintos, zoonoses de cães e gatos são comuns:
toxoplasmose, leptospirose, raiva, brucelose. Leishmaniose, malária e filariose
ocorrem com frequência e, nas transições para as comunidades rurais, a
doença de Chagas.
Enquanto que, nas comunidades que vivem em condições rurais, elementos
da fauna silvestre que têm hábitos ruderais adquirem grande importância,
aqui este destaque cabe aos animais domésticos que vivem soltos,
abandonados e vadios. Também aqui se verificam as concentrações mais
elevadas dos comensais ou sinantrópicos, como baratas, ratos cosmopolitas,
camundongos, moscas e mosquitos urbanos.
Nas áreas administrativamente classificadas como urbanas, encontramos
núcleos com características nitidamente rurais e marginais.
Mesmo em bairros de classe média de localização periférica podem ocorrer
problemas inesperados como a presença de triatomíneos em edifícios como
no bairro de Santa Tereza, Rio de Janeiro, encravado no centro urbano, mas
com características ecológicas próprias como clima, altitude, revestimento
florístico ruderais. Um levantamento feito por Moojen em 1977na Favela
Dona Martha no Rio de Janeiro, revelou a taxa de 100% dos sítios e
moradias infestadas por Rattus norvegicus. Contatos com ratos no domicílio,
no quintal ou em ambos os locais foram referidos por 142 pessoas ou
43,7%. Não são raros os ataques por ratazanas a crianças e inválidos em
barracos de favela. Reconheceu Moojen que [...] o índice percentual de ratazanas
(Rattus norvegicus) na favela, 100%, reflete o fato de os próprios sítios habitacionais
estarem sobre um meio ruderal (lixo) uniforme, comumente estendendo-se até o interior
dos habitáculos.
168

Em São Paulo, Jamra entrevistou, em 1964, 100 famílias, em um


estudo minucioso da situação sanitária da cidade. A maioria criava cães,
gatos, pássaros engaio- lados e galinhas.
Oliven forneceu em 1974 alguns dados e propôs parâmetros que
devem ser levados em conta para uma análise dessa natureza.
A situação atual (2020) é de que cerca de 50% da população brasileira não
dispõe de égua tratada nem de esgoto. Fossas sépticas mal construídas e
mantidas contribuem para a contaminação do solo, do lençol freático e de
poços artesianos. Nestas condições vive a população marginal em casas e
barracos precários, sem saneamento básico, sujeita a discriminação, violência,
ignorância, desnutrição e doenças que já deveriam estar controladas.
As zonas de diferenciação ecológica da população não são
concêntricas. No Rio de Janeiro as favelas - atualmente designadas
eufemisticamente comunidades- localizam-se nos morros do centro urbano.
Em outras cidades, bairros considerados nobres podem estar no centro e
favelas na periferia. Além disso, as mesmas condições que caracterizam as
populações faveladas repetem-se nos núcleos peri urbanos autônomos.
Batista (1976) descreveu esta situação na Amazônia, onde as
populações se interpenetram, da zona rural, quase silvestre, para as cidades
do interior. Perdem os recursos naturais de que dispunham e chegam
despreparados para a vida urbana.
Schad e Rozeboom (1976) concordam com a ideia de que essas
condições subsistem em todo o mundo e tendem a agravar-se com
movimentos emigratórios forçados pela guerra, violência e desamparo
oficial.
Bruno, em um inquérito sobre as condições de nutrição e saúde no
então Território Federal do Amapá, realizado em 1978, ressalta que um
levantamento sobre helmintíases em escolares no Amapá revelou a
prevalência elevada de Ascaris lumbricoides tanto no interior como na
capital Macapá. A elevada prevalência de Giardia em Macapá é explicada por
alguns autores em função da elevada densidade populacional dos bairros
periféricos.
Desenvolvendo projeto de pesquisa sobre doença de Chagas no Rio
de Janeiro, Guimarães e Jansen (1943) dedicaram-se a explorar as cafuas
169

existentes naquele bairro. Coletaram e receberam de moradores de vários


apartamentos de um edifício, exemplares de Panstrongylus megistus, que
provinham das matas que circundam o prédio. Nessa região, gambás
(Didelphis) são os principais reservatórios e seus ninhos se encontram nas
vizinhanças das casas ou em suas próprias dependências.
Na mesma cidade, outro fato teve lugar, que serve de exemplo das
condições prevalentes na categoria marginal. Em 1921, Aragão (1927)
interessou-se por estudar um foco de leishmaniose tegumentar que se
formou em plena cidade do Rio de Janeiro. Na época ignorava-se o ciclo
biológico do parasito e o vetor, que se suspeitava ser um psicodídeo,
hipótese sugerida por Pressat em 1904. Arthur Neiva, por sua vez, acreditava
na possibilidade de serem os flebotomíneos os possíveis transmissores. O
local distava-se em Águas Férreas, no morro do Corcovado, a cerca de 5 km
do coentro do Rio. De Janeiro. Bairro nobre com chácaras casas amplas
habitadas por brasileiros e estrangeiros atraídos pelas temperaturas mais
baixas especialmente no verão. Existem, igualmente, casinhas e barracos
espalhados pelas encostas. A hipótese de Neiva seria comprovada. Assim,
populações que vivem em condições urbanas e marginais se interpenetram
em muitas cidades.
Em geral, o homem urbano se esquece de que é parte de uma
comunidade biótica que a partilha com plantas e animais, dos quais
depende para sobreviver. Ignora que vive em contato com micro-organismos
de vida livre, de comensais e de simbiontes.
As características ecológicas são locais e temporais e os padrões
descritos são válidos para as condições ambientas e não são intrínsecas das
populações. No momento que um indivíduo se transfere de uma região para
outra, passa a integrar outra comunidade biótica. Carrega consigo sua
herança genética, sua história imunológica e muitas vezes, seus xerimbabos,
mas passa a usufruir das condições e das implicações relativas a seu novo
ambiente.
O homem se habitua às catástrofes e desastres. Pessoas que se
surpreendem com a atitude fatalista de povos em condições primitivas
frente a certas infecções endêmicas como malária, esquistossomose ou bócio
não se dão conta de que reagem passivamente à moderna epidemia dos
170

acidentes de trânsito, aos elevados índices de doenças venéreas e ao câncer


de pulmão por fumo nas áreas urbanas. Como os camponeses do antigo
Egito associavam doença à dor, a esquistossomose e outras infecções
parasitárias não são consideradas enfermidades, nem requerem tratamento.
Os Thonga da África, por exemplo, consideram que vermes intestinais são
necessários à digestão, como foi crença generalizada entre os médicos até o
século 19.
Entre nós, também consideramos que o elevado número de mortes e
mutilações por acidentes de tráfego são consequência necessária do
progresso e nos acostumamos com as estatísticas que são, verdadeiramente
alarmantes.
A ameaça de certas epidemias, cujas causas do desaparecimento não
estão bem explicadas e que poderiam retornar por reencontrarem condições
favoráveis, como é o caso do tifo, discutida no Simpósio da OPAS, (1973),
quais sejam, a promiscuidade e a desorganização socioeconômica, é bem
retratada em um romance atual de Cravens e Mart intitulado A Peste Negra.
Enfermidades degenerativas e endógenas passam a ter
preponderância. A tendência da epidemiologia moderna nas regiões
desenvolvidas é de ignorar os problemas das outras parcelas da
humanidade, esquecendo também que sua situação privilegiada é
circunstancial. Basta uma perturbação de ordem social ou a mudança de
certos hábitos e costumes para fazer retornarem as condições prevalentes
em outros estágios, como a recrudescência atual das populações de piolhos
demonstra. Por outro lado, Infecções de transmissão direta, como as
meningites, podem constituir ameaças sérias, pela promiscuidade e
facilidade de contágios.
Ao mesmo tempo, a facilidade e a rapidez dos transportes constitui
uma arma de dois gumes, como sugere a literatura científica e a de ficção
(Cravens e Mart).
171

Prevalentes nas condições urbanas são as helmintíases, toxoplasmose,


filariose, leptospirose, malária, leishmaniose e todas as doenças comuns
presentes nas grandes cidades e vilas que exigem uma taxa de reprodução
constante de maneira a oferecer regularmente gerações de indivíduos não
imunizados.
172

CAPÍTULO V
A ECOLOGIA NO BRASIL

Existem tantas obras de distintos tipos e


diferentes graus que se dizem ecológicas e que
podem, ou não, sê-lo, e tantas que são
verdadeiramente ecológicas, mas que não
trazem esse nome, que é necessário ao
estudante ser capaz de penetrar as aparências
externas e reconhecer seu caráter essencial.
Adams

5.1. A CONTRIBUIÇÃO BRASILEIRA


Em 1854 o ensino superior, inaugurado no país com a criação, por D.
João VI, das faculdades de medicina na Bahia e no Rio de Janeiro, foi
reorganizado por Luis Pedreira do Couto Ferraz. As ciências naturais
integravam os currículos de estudos da Escola Politécnica, criada no Rio de
Janeiro em 1792. Na década de 1870, a Escola de Minas de Ouro Preto viria
a contribuir para o ensino formal da botânica, da zoologia e, principalmente,
das ciências geológicas. (Carvalho, 1978). Mas foi nas escolas médicas que a
biologia recebeu maior atenção, especialmente a botânica farmacêutica ou
matéria médica e, posteriormente, a biologia dos animais parasitas e
venenosos.
Somente após a vinda de Brumpt para São Pauto passamos a contar
com um programa de ensino e pesquisa associados, dentro da estrutura
formal de educação superior. Foi ele um dos primeiros professores
contratados pela Faculdade de Medicina de São Paulo, fundada em 1934.
Algumas contribuições pioneiras à ecologia geral foram feitas no Brasil
no século 19 com as de Bates (mimetismo batesiano), Fritz Muller
(convergência mülleriana), Wallace (zoogeografia ecológica) e Warming
(ecologia vegetal). A Warming e Wilhelm Lund devemos o conceito de biota
ruderal, que engloba os organismos pioneiros que colonizam margens de
estradas e terrenos baldios.
Esses trabalhos foram de natureza fundamental, sem pretensões a
aplicações práticas imediatas.
173

Os primeiros trabalhos ecológicos foram realizados por botânicos,


inspirados nas ideias despertadas pela geografia botânica e pelo estudo da
composição e distribuição das associações de plantas ou sinúsias. Na
verdade, a ecologia vegetal nasceu com Eugene Warming, que trabalhou em
Lagoa Santa, Minas Gerais, de 1863 a 1866 e que, em 1862 publicou a obra
que viria a constituir o ponto de partida da fitoecologia. Arthur Neiva,
quando diretor do Museu Nacional (27/1/1923 a 27/9/1926) reiniciou as
pesquisas na região de Lagoa Santa, para onde enviou o paleontólogo
Padberg Drenkpol. Posteriormente, Gustavo de Oliveira Castro, do Instituto
Oswaldo Cruz, retomaria os estudos de ecologia vegetal naquela localidade,
como veremos adiante.
No Museu Nacional, Paulo Schirch, companheiro de Ernst Bresslau em
sua primeira viagem ao Brasil one se radicou, contribuiu para o
conhecimento da ecologia animal na Serra do Mar na década de 1930.
Em 1931, Alberto José de Sampaio, da Seção de Botânica do Museu
Nacional, participou do Congresso Internacional de Geografia, em Paris e, ao
regressar ao Rio de Janeiro manteve correspondência com o Office
International pour la Conservation de la Nature, sediado em Bruxelas. Em
memorial enviado à Sociedade dos Amigos das Árvores, criada no Rio de
Janeiro em 1931, Sampaio sugeriu a realização da Primeira Conferência
Brasileira de Proteção à Natureza, que teve lugar em 1934, cujo relatório foi
publicado no Boletim do Museu Nacional em março de 1935.
Em 1932, Sampaio ministrou, no Museu Nacional, um curso de
Extensão na recém-criada Universidade do Rio de Janeiro, sobre
Fitogeografia do Brasil. No texto do curso, publicado pela Editora Nacional
na coleção Brasiliana, o autor informou que Os estudos botânicos no Brasil, com
algumas excessões, têm sido essencialmente floristicos ou descritivos, no terreno da
Fitogeografia e Fitopatologia, principalmente. Muitos outros ramos da Botanica precisam ser
por igual desenvolvidos; já estão esboçadas varias especialidades, assim a Dendrologia,
Citologia, Genetica pura e Aplicada, Farmacognosia, Histologia Vegetal, Ecologia, Geografia
Botanica, Fitotecnia, e mesmo, Sistemática Experimental.
Em 1935, Sampaio publicou a Biogeographia Dynamica, onde discutiu
problemas de ecologia aplicada à conservação da natureza.
O movimento conservacionista da época resultou na legislação
especial baixada pelo governo de Getúlio Vargas: Código de Caça e Pesca,
174

Código Florestal, Código de Águas, Código de Minas, Lei das Expedições


Artísticas e Científicas. Alguns autores, entretanto, publicaram textos
anteriores, de natureza conservacionista, como Ihering, em 1902 e Sampaio,
em 1935.
Nas décadas de 1940 e 1950, Adolfo Ducke destacou-se pelos estudos
sobre ecologia florestal, na Amazônia. Posteriormente Takeushi, pelos
estudos sobre as caatingas do Rio Negro, que publicou no Boletim do
Museu Paraense Emilio Goeldi.
Encarregado, por Decreto Real de D. João VI, de inventariar os
recursos naturais do país, o Museu Nacional sempre participou do preparo
dos projetos de legislação de proteção à natureza. Em 1965 e 1967 o Museu
Nacional colaborou com a comissão chefiada por Victor Abdenur Farah, do
Ministério da Agricultura, para revisão da legislação. José Candido de Melo
Carvalho e Paulo Nogueira Neto integraram a missão brasileira que
representou o Brasil na Conferência de Estocolmo, em 1972, e tiveram
participação ativa na criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente, no
Ministério do Interior. No Museu Nacional nasceu a primeira instituição
conservacionista não governamental de atuação nacional, a Fundação
Brasileira para a Conservação da Natureza e, em 1966, fundou-se o Centro
de Conservação da Natureza de Minas Gerais, em Viçosa, inaugurando a
criação de núcleos regionais da FBCN. Pesquisadores do Museu integraram
comissões de especialistas da União Internacional para a Conservação da
Natureza e dos Recursos Naturais Renováveis (IUCN) sediada em Morges, na
Suíça. No Museu foi preparada a primeira Lista de Espécies Ameaçadas de
Extinção e pesquisaram-se dados para a inclusão de espécies no Red Data
Book, que relaciona as espécies ameaçadas de extinção no mundo.
Também no Museu Nacional, o serviço de Ecologia surgiu em meados
de 1951, tendo sido implantado efetivamente em 1953, anexo ao
Departamento de Botânica. Desde 1952 recebeu avultados recursos do
Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). No Relatório Anual de 1956, o
então Diretor do Museu, José Candido de Melo Carvalho, registrou: A atual
administração, mediante resolução da Congregação, longe de extinguir o serviço anômalo,
houve por bem subordina-lo à D.B., com divisão equânime das verbas do Museu Nacional e
do CNPq, concedidas para pesquisas em Botânica. Segundo relatório extenso fornecido pelo
Chefe da Equipe, as pesquisas ecológicas realizaram-se no estado do Rio de Janeiro e
175

Distrito Federal, mais intensamente na área de Cabo Frio, sob a forma de projetos de
pequena amplitude e duração limitada, visando o conhecimento da vegetação e das
condições ambientais, o levantamento dos recursos naturais renováveis, seu controle e
utilização e o treinamento de ecologistas. Abrangem as pesquisas a Dinâmica da vegetação
e a Autoecologia.
Em 1963, o Setor de Ecologia da então Divisão de Botânica funcionava
em instalações próprias, no antigo Horto da Quinta da Boa Vista, ao lado do
Museu. No relatório daquele ano, o Diretor, Newton Dias dos Santos
registrou que: [...] considerando que uma das metas da atual direção do Museu Nacional‚
a de desenvolver e incrementar as pesquisas ecológicas sensu latum, englobando tanto o
aspecto vegetal quanto animal.
No segundo semestre de 1957 funcionara um curso intensivo, com a
duração de cinco meses, de Ecologia Vegetal. Em 1961 foi oferecido, na
Faculdade Nacional de Filosofia, um Curso Avulso de Especialização, de
quatro meses, para 40 alunos, de Introdução à Ecologia.
Merecem destaque os trabalhos de pesquisadores do Museu como os
de Luiz Emygdio de Mello Filho sobre paisagismo e impacto ecológico e
aqueles de João Moojen, pioneiro nos estudos de ecologia de reservatórios
silvestres de peste bubônica no Brasil.
Na década de 1960 o Centro de Conservação da Natureza do Estado
da Guanabara, posteriormente incorporado à Fundação de Engenharia e
Meio Ambiente do Rio de Janeiro (FEEMA) também se destacou por oferecer
cursos e desenvolver pesquisas, em sua sede na Floresta da Tijuca.
Karl Ahrens, da Faculdade Nacional de Filosofia, Brade e Carlos Toledo
Rizzini, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro destacaram-se nos estudos de
ecologia vegetal. Rizzini seguiu a tradição famosa de Barbosa Rodrigues.
Em São Paulo, Herman von Ihering (1950-1930), que viera do Rio
Grande do Sul como Naturalista Viajante do Museu Nacional, foi convidado
a implantar um museu. Autor eclético, escreveu sobre temas científicos e
políticos. Foi, no entanto, seu filho, Rudolph von Ihering, que, patrocinado
pelo Departamento da Indústria Animal da Secretaria da Agricultura de São
Paulo, iniciou o estudo da biologia e ecologia de peixes de água doce, no
rio Mogi Guaçu. Chefiou uma comissão instalada em 28 e constituída por
Lauro Travassos, acadêmicos Clemente Pereira e Zeferino Vaz, além de André
Dreyfus, Arnoldo Rocha, Eduardo Etzel, Flavio da Fonseca, Ricardo
Guimarães, João Camargo Barros e Nelson Planeta, da Faculdade de
176

Medicina. Em 1930, publicou Ihering Notas ecologicas referentes aos peixes


d'agua doce do Estado de São Paulo, nos Archivos do Instituto Biológico.
Entre as iniciativas adotadas para o estudo da ecologia da febre
amarela, naquele Estado, destaca-se a de Henrique Beaurepaire Aragão,
quando diretor do Serviço de Febre Amarela do Estado de São Paulo, que
planejou uma rede de estações biológicas e construiu a de Perus, no final da
década de 1930: A estação, além de suas finalidades próprias para o estudo dos
mosquitos e dos outros animais por eles sugados, também oferecia campo para o trabalho
de quantos se interessassem por outros estudos faunísticos, botânicos, mineralógicos,
meteorológicos e de microclima, prestando-se assim a variadas observações que devessem
ser feitas no próprio local, e dispondo o investigador de uma instalação apropriada, embora
rústica e organizada com toda a simplicidade.
A estação ecológica de Perus constituiu um modelo de estação de
pesquisa ecológica.
Na década de 1940, destacaram-se, em São Paulo, os trabalhos de
Felix Rawitcher sobre ecologia e origem dos cerrados, sucedidos pelos de
Mario Guimarães Ferri, na Universidade de São Paulo.
No Ceará, Dardano de Andrade Lima; na Amazônia, Adolfo Duke e
William Black e em Pernambuco, Vasconcelos Sobrinho nortearam os
estudos de ecologia e biogeografia.
A preocupação com as inter-relações do homem com a flora, fauna,
clima, solo, água, ar, esteve sempre presente em Manguinhos. Mario
Beaurepaire Aragão (1974) ao analisar [...] o ecólogo Oswaldo Cruz reconheceu que
em diversas passagens de sua tese inaugural, apresentada em1893 –“A veiculação
microbiana pelas aguas" nota-se uma noção muito nítida de diversos conceitos só
recentemente consagrados pela ecologia.
Candido de Mello Leitão em A Biologia no Brasil menciona a tentativa
de Oswaldo Cruz de estabelecer uma Estação Biológica Marinha na Ilha
Grande.
Alipio de Miranda Ribeiro, em discurso pronunciado no Museu
Nacional, registrou que: Manguinhos que é de ontem e trata de medicina já tem mais
história natural que os próprios Archivos do Museu.
Enquanto que a taxonomia e a zoogeografia dependem de
observações e coletas extensivas, os estudos ecológicos exigem pesquisas
intensivas e localizadas no tempo e no espaço. Às primeiras, interessam as
relações entre espécies próximas, de filogenia e vicariância enquanto que na
177

ecologia, analisam-se relações entre grupos geneticamente distantes, mas


que mantêm relações tróficas estreitas e participam de uma mesma
comunidade.

5.2. ECOLOGIA DO CONTROLE BIOLÓGICO


Coube ao Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, um papel de
destaque no desenvolvimento dos aspectos práticos e teóricos do controle
biológico citado amplamente na literatura mundial.
Em 1922, Giuseppi Sanarelli, diretor do Instituto de Higiene da
Universidade de Siena, foi convidado a organizar um instituto semelhante
em Montevideo. Adquiriu alguns coelhos domésticos de origem
desconhecida para iniciar a produção de soros. No ano seguinte declarou-se
uma epizootia, com sintomas desconhecidos na Europa, que dizimou sua
criação. O fato consta da obra pioneira e importante de Fenner and Ratcliffe
(1965).
Por ocasião do 9º Congresso Internacional de Higiene e Demografia,
realizado em Madri, Sanarelli apresentou os resultados de suas observações,
sugeriu que o agente responsável fosse do grupo recentemente descrito
como vírus filtráveis e propôs o nome de Myxoma dos coelhos.
Em 1909, Splendore descreveu casos ocorridos em coelhos adquiridos
no mercado de São Paulo.
Em 1911, Arthur Moses, no Rio de Janeiro, descreveu a resistência de
leporídeos silvestres do gênero Sylvilagus. Henrique Beaurepaire Aragão, em
1927, mencionou sua ocorrência em diversas regiões, no Brasil, e verificou
que, em Sylvilagus submetidos à inoculação em laboratório, 60%
apresentavam resistência ou imunidade. Encontrou um exemplar de
Sylvilagus, procedente do estado do Rio de Janeiro, com lesão ocular, capaz
de transmitir a infecção a coelhos domésticos e concluiu que era o
reservatório natural.
Na Austrália, coelhos foram introduzidos no final do século 18, como
fonte de proteína e para produção de peles. Novas remessas chegaram ao
país no século 19, tornando-se uma praga. Inexistindo predadores
placentários capazes de controlá-los, multiplicaram-se de maneira a causar
enormes prejuízos aos agricultores.
178

Aragão, do Instituto Oswaldo Cruz, levou ao conhecimento do


governo australiano, através de Anton Breinl, primeiro diretor do Australian
Institut of Tropical Medicine, a possibilidade de se utilizar a mixomatose no
controle dos coelhos. A decisão foi contrária, levando em conta a
importância desses animais como produtores de artigos de exportação.
Em 1924, Herbert Robert Seddon, Director of Veterinary Research,
Agricultural Department, New South Wales, solicitou a remessa do vírus a
Aragão, recebendo-a em 1926. O vírus foi utilizado apenas em testes de
laboratório.
Em 1934, Jean Macnamara, especialista em poliomielite, visitou
Richard Shope no Rockfeller Institute, New York. Sem conhecimento dos
fatos antecedentes, escreveu a Londres, recomendando o uso do vírus na
Austrália. Em 1934-1935, em Cambridge, estudos foram realizados por
Charles Martin, que conseguiu eliminar uma colônia de coelhos em um
cercado, inoculando o vírus Myxomatosis cuniculi Sanarelli 1898. Uma
tentativa feita por ele em uma ilha de Estocolmo falhou em espalhar-se para
coelhos não inoculados.
Em 1944, Bull e Mules concluíram pela sua não utilização no controle
das populações silvestres, em larga escala. O vírus continuou em quarentena,
e as autoridades recusaram-se a liberá-lo para uso indiscriminado.
Em 1949, os coelhos causavam grandes estragos nas plantações, e
Randcliff resolveu retomar as pesquisas. No ano seguinte, foram feitas
tentativas de introduzi-lo em áreas úmidas e com grandes quantidades de
vetores. Os resultados não foram animadores, pois se declaravam epizootias
limitadas a populações locais. No final de 1950, entretanto, os esforços
foram coroados de êxito e a mixomatose espalhou-se pelo país. Em 1951,
cancelou-se a quarentena.
Há referências à construção de cercados para contenção das
populações de coelhos. Falhou no seu objetivo, pois, quando prontos, já
havia coelhos dentro e fora.
Em 1962 voltaram as restrições, permanecendo a autorização para
pesquisas e uso em laboratório, com o fim de proteger as coelheiras. o uso
para controle de coelhos alçados foi feito.
No Chile, em 1954, empregou-se para o controle de coelhos, com
179

bons resultados e, finalmente o vírus foi introduzido na Austrália.


O estudo da ecologia da transmissão representou um avanço no
conhecimento da ecologia da doença.
A contribuição do Instituto Oswaldo Cruz merece menção destacada
na bibliografia especializada, como uma das tentativas bem sucedidas de
controle biológico.
O final da década de 1960 trouxe grandes mudanças para a pesquisa
ecológica, com a instituição dos programas de pós-graduação e a
implantação de cursos de graduação e de associações de ecologia no país.
Popularizaram-se os temas relacionados à extinção de espécies, equilíbrio
natural, desenvolvimento e uso racional de recursos naturais. Hoje é difícil
traçar os limites ou definir um campo específico da ecologia.
Como vimos, há uma extensa bibliografia, que data dos tempos dos
cronistas do século 16, onde se discute a influência da situação geográfica e
do clima sobre a saúde dos nativos e imigrantes do continente americano.
Entretanto, se essa influência realmente se faz sentir, as explicações
correntes até o século 20 eram, em grande parte, destituídas de qualquer
fundamento empírico ou de prova experimental.
No Instituto Oswaldo Cruz, Adolpho Lutz já se convencera de que
cada doença infecciosa ou parasitária requeria um tratamento próprio,
baseado no estudo da biologia do parasito e dos seus vetores. E reconhecia
a importância dos estudos de geografia e distribuição das doenças para a
compreensão de sua natureza. Tornou-se taxonomista de mérito e encetou
pesquisas no campo do comportamento e ecologia. Preocupou-se com os
hospedeiros vertebrados e com as condições propícias à transmissão das
doenças.
Desse tipo de visão eclética ou holística nasceu a ecologia médica no
Brasil.

5.3. ECOLOGIA MÉDICA NO BRASIL


Na década de 1930, com a fundação da Universidade de São Paulo,
implantou-se uma nova mentalidade universitária no País. Professores vindos
da França, Itália e Alemanha desenvolveram pesquisas básicas e a Faculdade
de Filosofia, criada em 1934, foi concebida como centro de produção de
180

conhecimentos. Para o Departamento de Botânica veio Felix Kurt Rawitscher,


da Universidade de Freiburg, que em 1942 iniciou a publicação de suas
pesquisas sobre ecologia do cerrado e de outras formações vegetais
brasileiras. Juntamente com Rawitscher e Mario Guimarães Ferri, que o
substituiu na chefia, foi o responsável pela implantação das investigações
sobre ecologia vegetal, com métodos modernos, no Brasil.
Na década de 1950, a primeira contribuição à ecologia foi de
iniciativa, novamente, de Manguinhos. Por iniciativa de seu então diretor
Olympio da Fonseca Filho (1974): dada a importância que a ecologia vinha
assumindo, seria conveniente reestudar, cem anos depois, a própria região em que teve
origem aquele ramo da biologia, através da obra famosa de Warming intitulada apenas
"Lagoa Santa". E, assim, a directoria do Instituto resolveu naquele ano estabelecer um posto
de estudos ecológicos em Lagoa Santa. Para a dificil tarefa de restudar por metodos
modernos aquilo que Warming tinha observado e relatado havia um século, era preciso
encontrar um homem altamente qualificado e grande conhecedor da matéria a pesquisar.
Manguinhos dispunha desse homem na pessoa de Gustavo Mendes de Oliveira-Castro.[...].
Durante mais de 10 anos permaneceu Oliveira-Castro em Lagoa Santa [...].
Para dirigi-lo foi designado Gustavo de Oliveira Castro, que teve como
assistente Johan Becker, o qual, posteriormente, ingressou no Museu
Nacional como entomólogo. Oliveira Castro desenvolveu métodos especiais
para o estudo de associações vegetais e, mais tarde, trouxe ao Brasil o
botânico Stanley Cain, com quem publicaria, nos Estados Unidos, um livro-
texto de grande importância (Cain and Castro, 1971).
É curioso notar que, estabelecido para fins pragmáticos de produção
de vacinas, o Instituto Oswaldo Cruz decidiu, desde o início, ir além do que
estabelecia seu estatuto e desenvolveu a pesquisa básica e um programa de
formação de pesquisadores, o que lhe permitiu contribuir, decisivamente,
para a implantação de um novo núcleo de pesquisa científica entre nós,
ainda no raiar da república.
O Museu Nacional, por sua vez, desenvolveu trabalhos aplicados,
colaborando no equacionamento dos problemas da febre amarela e da
peste bubônica. O Museu recebeu, na década de 1950, um ecólogo
canadense, Pierre Dansereau, que veio ao Brasil com uma bolsa do
Ministério das Relações Exteriores. Ali tomou conhecimento dos trabalhos de
Henrique Pimenta Veloso sobre a vegetação de Teresópolis. Entusiasmado,
dirigiu-se a Manguinhos, onde Veloso trabalhava e onde travou relações
181

com Oliveira Castro e com Henrique Aragão. O Conselho Nacional de


Geografia contratou-o para ministrar um curso de Biogeografia e, dentre
aqueles que o assistiram ou que com ele colaboraram Dansereau escolheu
dois para levar ao Canadá: Edgar Kuhlman e Fernando Segadas Viana.
Em 1951 tiveram início as atividades de campo do Museu Nacional,
relacionadas com o estudo da ecologia de restingas. Em 1953 foi
oficialmente instalado o Setor de Ecologia, ligado à Divisão de Botânica e
que foi subvencionado por verbas do Conselho Nacional de Pesquisas
(Carvalho, 1956; Santos, 1964).
Alguns zoólogos desenvolviam no Museu Nacional trabalhos de
natureza ecológica, como João Moojen, Antenor Letão de Carvalho e Bertha
Lutz, Entretanto, a institucionalização da pesquisa ecológica na Universidade
de São Paulo e no Museu Nacional, este incorporado em 1952 à
Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, exerceu
pouca influência direta sobre o desenvolvimento específico da ecologia
médica. Verdade é que, em São Paulo como no Rio de Janeiro, o setor mais
interessado foi o de botânica. As pesquisas relacionadas com a ecologia de
reservatórios não humanos e vetores de várias doenças contribuiu,
entretanto, para o progresso da ecologia no Brasil.
A delimitação do campo da ecologia médica, para o estudo da
história do seu desenvolvimento tem muito de tentativo e arbitrário. Alguns
estudos de epidemiologia e de etologia ou comportamento podem ser
considerados como contribuições à ecologia, mas a descrição, pura e
simples, dos ciclos biológicos de parasitos e as estimativas de prevalência ou
incidência não chegam a qualificar-se como investigações de autoecologia e
de sinecologia ou ecologia de comunidades.
A ecologia médica caracteriza-se pela ênfase na descrição,
quantificação e análise das inter-relações dos micro-organismos e parasitos
infectantes com seus hospedeiros, inclusive humanos e das influências de
condições ambientais nessas associações. Trata dos ambientes endógeno e
exógeno e considera as alterações no estado de saúde do indivíduo ou da
população em termos de desequilíbrios ecológicos. O objetivo não é o de
diagnosticar doenças nem sintomas, mas o de investigar as relações
ecológicas entre os fatores do meio físico, biótico e social que levam à
182

doença clínica ou subclínica. Por sua vez, saúde pública e epidemiologia


utilizam métodos ecológicos na investigação das zoonoses, assim como
usam técnicas e conceitos da sociologia e da antropologia. A ecologia
médica exige, assim, a cooperação de profissionais e conhecimentos que
não são estritamente médicos.
A epidemiologia centra seu interesse no homem, enquanto que a
ecologia, nas relações entre organismos envolvidos em uma doença
potencial ou diagnosticada.
No Brasil, ecologia médica teve que aguardar o desenvolvimento da
parasitologia, que se processou fora dos currículos oficiais e das instituições
acadêmicas neste país. A fase pioneira estendeu-se do final do século 19,
quando a ameaça econômica e social representada pela peste bubônica e
pela febre amarela forçou a criação, no Rio de Janeiro e em São Paulo, de
instituições de pesquisa preocupadas com a saúde pública, aos dias de hoje.
No início do século 20 muitos trabalhos foram publicados no campo
da entomologia, por Lutz (1903), Neiva (1940), Aragão (1927) e outros, onde
são descritos hábitos e ciclos biológicos de mosquitos e outros artrópodes
vetores. Em contrapartida, a deficiência de conhecimentos taxonômicos
levou pesquisadores da medicina a dedicar-se ao estudo da sistemática e
biologia de grupos animais de possível interesse médico. Ignoravam, então,
o papel de alguns deles na transmissão de doenças ao homem, como
flebotomíneos e simulídeos, somente posteriormente revelados. Apenas o
fato de serem hematófagos despertava seu interesse. Tais contribuições,
malgrado fornecerem informações ecológicas, são do campo específico da
zoologia. Os relatos das viagens de Lutz e Machado pelo rio São Francisco, e
de Arthur Neiva ao interior da Bahia, estão repletos de observações de
natureza ecológica, onde a epidemiologia paisagística e o comportamento
animal receberam grande parte das atenções.
Em 1893 fundaram-se duas instituições em São Paulo que exerceriam
grande influência sobre o desenvolvimento dos estudos ecológicos: o Museu
Paulista, e o Instituto Bacteriológico. O primeiro diretor do Museu, Hermann
von Ihering, lutou pela conservação da fauna e flora, escreveu sobre ecologia
e legou-nos uma Reserva, estabelecida em 1909, que constitui, hoje, a
Estação Biológica do Alta da Serra, em Cubatão.
183

O Instituto Bacteriológico, estabelecido nos moldes do Instituto


Pasteur, alcançaria seus anos de glória por ocasião de duas grandes
epidemias: a de febre amarela, que assolou Campinas e a região Sorocabana
entre 1895 e 1898, e a de peste bubônica, iniciada em Santos, em 1899, que
aqui encontraria reservatórios e vetores silvestres e se estenderia pela costa
e, posteriormente, pelo interior do nordeste brasileiro. No início do século
20, seguindo as pegadas de Patrick Manson, Ronald Ross, Giovanni Battista
Grassi, Carlos Juan Finlay e Theobald Smith, Adolfo Lutz dedicara-se à
entomologia e sua visão ampla de naturalista levou-o a aceitar naturalmente
a existência da febre amarela silvestre poucos anos antes de sua verificação,
no Espírito Santo, depois de acirrada polêmica. Trabalhara no leprosário do
Havaí e em São Francisco, na Califórnia. em São Paulo e, posteriormente,
transferiu-se para o Instituto Oswaldo Cruz.
Em 1900 a peste bubônica chegou ao Rio de Janeiro. Para combatê-la
criou-se o Instituto Soroterápico Federal, em Manguinhos. Em 1902 Oswaldo
Cruz que, recém-chegado da França fora a São Paulo verificar a presença da
peste que havia sido diagnosticada em 1899 por Lutz, assumiu a direção do
Instituto. Em 1903 a febre amarela surgiu no Rio de Janeiro e Oswaldo Cruz
assumiu a direção da Saúde Pública.
Em Manguinhos formaram-se os primeiros entomólogos brasileiros.
Além do próprio Oswaldo Cruz, destacaram-se Arthur Neiva, que dirigiria,
mais tarde, o instituto Biológico de São Paulo e o Museu Nacional, Carlos
Chagas Henrique Beaurepaire Aragão, Antonio Moreira da Costa Lima, além
de Lutz. Teses da Faculdade de Medicina foram preparadas no Instituto,
como a de Antônio Gonçalves Peryassú, sobre os hábitos de culicídeos.
Olympio da Fonseca Filho abria um dos capítulos de sua tese de
doutoramento (1915) sob o título: Ecologia Geral. Na apresentação da
monografia intitulada Estudo sobre flagelados parasitos dos mammiferos do
Brazil registrou: Cumprindo a formalidade legal da defesa de these, nos é grato faze-lo
apresentando um trabalho sobre Historia Natural brazileira [...]. No laboratório de
História Natural da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro trabalhavam
Antônio Pacheco Leão, então Diretor do Jardim Botânico e Hildegardo de
Noronha, preparador da cadeira, que encaminharam Olympio da Fonseca ao
Instituto Oswaldo Cruz. No seu trabalho foi auxiliado por Arthur Neiva e por
184

Alipio de Miranda Ribeiro, que identificou os mamíferos. No ano seguinte,


Olympio apresentou à Sociedade de Ciências Naturais de Buenos Aires uma
comunicação sobre a ecologia dos flagelados parasitos.
Do interesse eclético demonstrado pela escola de Manguinhos,
resultaram as contribuições que se tornaram em fundamentos da ecologia
médica no Brasil. Segundo Simon Schwartzman (1979): A filosofia do Instituto era
atacar o problema pelos seus vários aspectos: alguns pesquisadores iam para o campo
levantar todos os dados relevantes da ecologia da região [...], enquanto que outros
desenvolviam técnicas de laboratório e investigavam novos métodos
terapêuticos. Em seguida às investigações sobre a febre amarela, a doença
de Chagas abriu um novo campo para a entomologia e, mais tarde, para a
ecologia. As viagens demoradas pelo interior do País, a instalação de postos
avançados e institutos associados em outros estados, voltados para a
elucidação epidemiológica das endemias, constituíram importante incentivo
para o desenvolvimento dos estudos biológicos. Entretanto, a formação
básica sólida e a metodologia de pesquisa racional da Escola de Manguinhos
muito contribuíram para que sua atuação não ficasse limitada, em
profundidade e escopo, ao atendimento imediato das necessidades urgentes
das populações que vivem em condições urbanas e rurais. A grande maioria
dos trabalhos publicados nas três primeiras décadas do Instituto versaram
temas de interesse fundamental. Os primeiros trabalhos sobre flebótomos e
simulídeos os consideravam como destituídos de interesse médico imediato
e, antes que se constatasse sua importância médico sanitária, conhecia-se o
essencial sobre sua taxonomia e biologia para permitir a implementação de
medidas de controle.
Ciclos biológicos de parasitos foram sendo descritos, e seus
hospedeiros identificados, contribuindo para o estudo da ecologia da
transmissão. O fenômeno do parasitismo passou a ser encarado em sentido
amplo e não restrito ao estudo das espécies de interesse médico. Em
Manguinhos concentrou-se a atenção em alguns grupos de interesse
potencial, mas não limitou a pesquisa à aplicação imediata.
O controle da malária, na Amazônia, por Chagas, somente foi
possibilitado pelos conhecimentos acumulados sobre os hábitos e ecologia
dos vetores. O interesse pelo estudo dos ciclos silvestres das zoonoses
endêmicas e a necessidade de se conhecerem aspectos da ecologia dos
185

hospedeiros não humanos e dos vetores para se controlarem tais endemias,


constituíram importante estímulo para o desenvolvimento da ecologia no
Brasil.
Pouco a pouco, as doenças deixaram de ser encaradas como
entidades independentes ou como resultantes obrigatórias ou deterministas
da associação de um patógeno e um hospedeiro, como defendera Pasteur.
Segundo o conceito biológico e ecológico, infecção traduz relação ecológica
entre dois organismos, em que um coloniza um microbiótopo no corpo do
outro. A doença é conceituada de acordo com os métodos e técnicas de
diagnóstico que permitam reconhecer certos sintomas clínicos. Nem sempre
a infecção evolui para a doença. Inúmeras espécies de microrganismos
comensais e simbiontes podem provocar doença quando invadem certos
microbiótopos, onde não são normalmente encontrados, como sucede na
febre reumática e nas encefalites, provocadas por vírus e bactérias, comuns e
frequentes no trato respiratório ou no aparelho digestivo.
Em 1865, Benjamin E. Cotting, secretário das relações estrangeiras da
Sociedade Médica de Massachussets, proferiu um discurso que foi
comentado em 1866 na Gazeta Medica da Bahia por Wucherer, intitulado A
moléstia como parte do plano da Creação, no qual defendia sua origem
divina. Por sua vez, Otto Eduard Heinrich Wucherer baseou-se em Charles
Lyel, Jean Baptiste de Lamarck, Charles Robert Darwin, William Bates, Alfred
Russel Wallace, Fritz Muller e Robert Hooker para estender a teoria da
evolução à medicina e afirmou: Ora, se as especies dos organismos não são typos
constantes, pensamentos acabados, definiveis do Creador, assim tambem não são os
differentes modos de soffrer, as differentes especies de moléstias. Se os symptomas das
moléstias apparecem em certos complexos, não é porque as moléstias sejam alguma coisa
de per si, individualidades, ou parasitas; isto provem da natureza da organização dos
viventes. A vida é só uma.
A ecologia médica teve que aguardar, assim, o desenvolvimento da
parasitologia, que se processou fora dos currículos oficiais e das instituições
acadêmicas neste país. O primeiro núcleo foi o da Escola Bahiana,
desvinculada da tradicional Faculdade de Medicina de Salvador. A Escola
Bahiana, na verdade, resultou da contribuição de um pequeno grupo de
pesquisadores que se destacaram pela utilização de práticas, técnicas e
teorias modernas, aplicadas à investigação médica e à clínica das doenças
186

tropicais. Seguiu-se o de Manguinhos, orientado no sentido de suprir as


deficiências do currículo da Escola de Medicina do Rio de Janeiro. Era um
curso independente, com programa e métodos próprios e com sistema
rígido de seleção iniciado em 1911, selecionando médicos recém-formados
que desejavam especializar-se na pesquisa e prática da medicina moderna,
dentro dos padrões europeus.
As expedições científicas organizadas pelos pesquisadores de
Manguinhos, muitas delas com a colaboração do Museu Nacional
realizaram-se sob a visão integradora que caracteriza a ecologia e revelaram
a importância das condições socioeconômicas no condicionamento dos
padrões sanitários das populações humanas. Foi, entretanto, na gestão de
Henrique Beaurepaire Aragão que a ecologia passou a constituir
preocupação prioritária em uma série de empreendimentos em que
colaboraram o Museu Nacional, o Serviço Nacional de Febre Amarela (criado
em 1939), o Serviço de Malária do Nordeste (1939-1942), o Serviço Nacional
de Malária (criado em 1939) e o Serviço Nacional de Peste (criado em 1939).
A adoção formal das técnicas ecológicas modernas deveu-se à
colaboração da Fundação Rockfeller que, a partir de 1930, introduziu novos
métodos e abordagens para o estudo das relações ecológicas entre vetores,
hospedeiros e reservatórios de arboviroses e de zoonoses. As pesquisas
sobre ecologia da febre amarela, da malária e da peste bubônica constituem
exemplos já clássicos.
A Fundação Rockfeller proporcionou a vinda ao Brasil de especialistas
de renome. Olivério Pinto (1945; 1979) mencionou os inventários
ornitológicos feitos no Espírito Santo por E.H. Holt, do American Museum of
Natural History, New York, o qual estivera no Itatiaia em 1921-1922 e que
trabalhara durante vários meses na parte baixa daquele Estado oriental a interesse do
Serviço de Febre Amarela, com o fito de investigar as relações provavelmente existentes
entre a avifauna e a propagação da forma silvestre da terrível doença. Três anos mais
tarde George S. Myers, da Universidade de Stanford, ministrou curso sobre
sistemática e biologia de peixes no Museu Nacional, com a participação do
Instituto Oswaldo Cruz. Fred Soper, J.A. Ker, Charles Cummings, Joseph R.
Bailey, Charles Wagley e outros colaboraram com pesquisadores brasileiros,
introduzindo novos métodos de pesquisa em zoologia, botânica, sociologia,
antropologia, ecologia e epidemiologia, sob o patrocínio da Fundação
187

Rockfeller.
Na década de 1940, o canadense Pierre Dansereau, da Universidade
de Montreal, sob o patrocínio do Conselho Nacional de Geografia, treinou
os primeiros especialistas e introduziu técnicas modernas de investigação em
biogeografia ecológica. Um curso ministrado por ele na Universidade do
Brasil, em 1946, constituiu a base de um livro texto publicado em 1949,
posteriormente ampliado, que se tornou um marco na história da ecologia e
biogeografia, Biogeography: an ecological perspective (Ronald Press, N.York,
1957).
A ecologia marinha e a ecologia de águas costeiras foram
desenvolvidas na Seção de Hidrobiologia do Instituto Oswaldo Cruz, que
contou com estações fixas e com embarcações e apoio da Marinha. Um
curso ministrado de agosto a dezembro de 1950 no Instituto Oswaldo Cruz,
sob a coordenação de Lejeune de Oliveira, formou os primeiros especialistas
em ecologia de águas, abordando Hidrobiologia Geral (Lejeune de Oliveira),
Hidroquímica (Rubem do Nascimento), Limnosociologia (Firmino Torres) e
Ficologia (Lejeune de Oliveira)
Lejeune dirigiu, durante muitos anos, as pesquisas na Estação de
Hidrobiologia da Ilha do Pinheiro, do Instituto Oswaldo Cruz.
A Ecologia Vegetal ficou a cargo de Henrique Pimenta Veloso, que
colaborou, como vimos, nas pesquisas sobre febre amarela, malária e outras
endemias importantes. Merecem destaque seus trabalhos sobre a ecologia
vegetal realizado na Serra dos Órgãos (Veloso, 1945; Soper et al., 1943).
Deixou-nos Oliveira-Castro um livro texto, escrito em colaboração com
Stanley A. Cain e publicado em 1959, Manual of Vegetation Analysis (Harper
& Brothers, N.York), além de uma série de artigos publicados nos Anais da
Academia Brasileira de Ciências e um estudo sobre os mosquitos do Vale do
Jequitaí, realizado em Engenheiro Dolabela, Minas Gerais e que apareceu na
Revista Brasileira de Malariologia e Doenças Tropicais.
Em vários Estados foram estabelecidos centros regionais de pesquisa,
dois dos quais se desenvolveram como filiais, o Instituto Ezequiel Dias, de
Belo Horizonte, Minas Gerais, e o Instituto Oswaldo Cruz de São Luiz,
Maranhão. Em Minas Gerais, os postos de Lassance e Bambuí destinaram-se
ao estudo da doença de Chagas. Um posto de investigações ecológicas
188

sobre cerrado foi estabelecido em Lagoa Santa, em 1950. Em Pedra Azul,


Minas Gerais, e na serra de Itatiaia, o Instituto manteve postos destinados ao
estudo da esquistossomose e da ecologia de zonas de média altitude,
respectivamente.
Mas foi em Santa Catarina que o Instituto desenvolveu, juntamente
com o Serviço Nacional de Malária, estudos ecológicos que incluíram o
controle de uma doença endêmica através do manejo do ambiente.
As primeiras tentativas cientificamente planejadas no sentido de se
controlar uma endemia agindo sobre seus vetores devem-se a Manson e
Ross, e foram levadas a cabo logo após a identificação dos anofelinos como
transmissores da malária humana, em 1897. A pesquisa e o desenvolvimento
de produtos químicos e de técnicas avançadas de aplicação de inseticidas
em grandes extensões receberam maior impulso durante a Segunda Guerra
Mundial.
Preocupações com a degradação da qualidade do ambiente e com a
pouca eficácia de certas ações de controle através do ataque direto aos
vetores levaram à busca de novos métodos e ao incentivo das pesquisas no
campo do controle biológico. Aparentemente mais seguro, o uso de
controladores naturais como predadores, parasitas ou micro-organismos,
envolve técnicas mais sofisticadas e riscos potenciais consideráveis,
resultante da introdução de espécies em áreas onde não ocorrem
naturalmente. Mutações e mudanças de hábitos em organismos introduzidos
podem acarretar consequências indesejáveis.
Em 1898, Adolfo Lutz fora comissionado para investigar um surto de
malária na serra de Cubatão, que atingiu funcionários e operários das obras
do segundo ramal da ferrovia Santos-São Paulo. Lutz, baseado em suas
observações no Havaí sobre organismos que colonizam a água retida por
plantas identificou o vetor e seus criadouros em situação particular: nas
bromeliáceas que são características da Serra do Mar. Lutz iniciou estudos
de ecologia das comunidades de bromélia, seguindo os passos do
naturalista Fritz Muller, que vivera em Santa Catarina no século 19.
Posteriormente, a associação malária-bromélia foi encontrada no litoral de
Santa Catarina, Paraná e na ilha de Trinidad. Outro episódio contribuiu para
a aplicação de técnicas de pesquisa ecológica a problemas de saúde pública.
189

Em São Paulo, por ocasião da construção da segunda linha de estrada de


ferro da capital, na serra a Santos, no litoral, ao atingirem os trilhos a região
florestada da encosta da Serra do Mar, na altura de Cubatão, verificou-se um
surto de malária que atingiu, principalmente, os trabalhadores, mas não os
engenheiros.
Em de março de 1893, Adolfo Lutz ingressara no Instituto
Bacteriológico de São Paulo e, em seu trabalho, publicado sobre o assunto
em 1903, relata os fatos que o levaram a uma das grandes descobertas da
época, assim interpretados por Flávio da Fonseca (1954): Em 1898, em rasgo
genial, quando ainda não estavam divulgados os trabalhos de Ross e da escola italiana
sobre transmissão da malária, ele, em época em que talvez não houvesse dez homens
capazes de distinguir um Anopheles de um outro Culicínae, acusa uma anofelina de ser o
transmissor da malária na serra do Cubatão. Era o hoje celebérrimo Anopheles (Kerteszia)
cruzi, que só 42 anos mais tarde, pondo fim a prolongada controvérsia, o Serviço de
Profilaxia da Malária do Estado de São Paulo provaria insofismavelmente ser de fato o
propagador da plasmodiose, e considerada hoje a terceira espécie em importância no Brasil.
Lutz dedicou-se, de início, ao estudo dos mosquitos da região, seus
hábitos, ritmos de atividade e taxonomia: Uma vez de posse da espécie suspeita e,
conforme verificou-se mais tarde, com razão, era preciso encontrar também os criadouros
das suas larvas. Já era de meu conhecimento que em todas as matas úmidas do nosso
torrão enxameiam grandes quantidades de mosquitos pertencentes a espécies que não são
encontradas em outros lugares. Também sabia que nestas matas os brejos e poças ocorrem
apenas em condições inteiramente excepcionais. Assistia-me pois o direito de esperar
peculiaridades biológicas quanto ao modo de vida larva. Não seria lógico duvidar de que as
larvas fossem aquáticas, como as dos outros mosquitos. O problema resumiu-se, pois, em
encontrar depósitos de água apropriados para a sua criação. À custa de alguma meditação
e aproveitando a experiência adquirida no campo, consegui, em breve, achar a solução.
A solução surgiu do conhecimento que tinha Lutz da microfauna que
habita as bromélias e outras plantas, e que teve oportunidade de estudar,
tanto durante sua estada no Havaí, quanto nas suas peregrinações pelas
matas brasileiras. Conhecia, igualmente, os trabalhos de Fritz Müller, em
Santa Catarina, que descrevera novas espécies encontradas nas águas que se
coletam nas folhas das bromeliáceas. Não se contentou em localizar os
criadouros dos mosquitos e passou a estudar a comunidade de água de
bromélias, que conseguiu manter ativa em laboratório.
Dez anos mais tarde, C. Picado, na Bélgica, caracterizou esse
ecossistema e, em 1926, Davis reavaliou o problema da malária transmitida
190

por mosquitos que se criam nessas pequenas coleções de água. Em 1929,


Peryassú, no Instituto Oswaldo Cruz, retomou os estudos de Lutz e
investigou a fundo as associações de insetos cujas larvas se criam em
plantas.
Nas décadas de 1940 e 1950, um grupo de pesquisadores daquele
Instituto dedicou-se à pesquisa do sistema bromélia-mosquito-malária
utilizando metodologia moderna, Malgrado a ampla distribuição da malária
nas regiões temperadas e tropicais do mundo, somente foram verificados
três casos em que sua endemicidade deve-se à transmissão por mosquitos
que se criam em bromeliáceas: o primeiro, descrito por Lutz, em São Paulo;
o segundo, em Trinidad, exaustivamente estudado na década de 1940; o
terceiro, em Santa Catarina.
Prosseguindo no estudo da sociologia vegetal, iniciado em função das
pesquisas sobre a ecologia da malária, Veloso e Klein (1957) dedicaram-se à
descrição da vegetação costeira de Santa Catarina, estimulados por Henrique
Beaurepaire Aragão. Os diferentes aspectos práticos e teóricos do problema
da malária, naquela região, foram analisados por uma equipe constituída por
Veloso, Pedro Fontana Jr., R. J. de Siqueira Jacoud, R. M. Klein e Mario B.
Aragão.
Em 1939 fora criado o Serviço Nacional de Malária, de estrutura
vertical, que iniciou, em todo território brasileiro, um programa sistemático e
eficiente de profilaxia. Instalaram-se postos em várias localidades, drenaram-
se pântanos, charcos e lagoas temporárias. Apesar dos bons resultados
obtidos, os índices de morbidade na região das encostas da Serra do Mar,
compreendida entre o norte do Rio Grande do Sul e o Paraná não caíram.
Pesquisas intensivas no campo da ecologia revelaram que as espécies de
anofelinos responsáveis pela transmissão da malária nessa região pertencem
ao subgênero Kerteszia, cujas espécies criam-se em bromélias.
Nas décadas de 1940-1950, o Instituto Oswaldo Cruz e o Serviço
Nacional de Malária levaram a bom termo um extenso programa de
pesquisas ecológicas básicas e aplicadas, com o objetivo de controlar os
focos malarígenos em Santa Catarina.
Ao contrário do que acontece na floresta Amazônica, a flora da Serra
do Mar é rica em espécies de bromeliáceas, os gravatás, que crescem
191

afixadas nas raízes, troncos , galhos de árvores ou sobre rochas nuas. A água
que se acumula entre as folhas imbricadas daquelas plantas é suficiente para
manter uma comunidade biótica complexa, que inclui desde invertebrados
microscópicos até anfíbios, répteis e pequenos mamíferos. Nessa água,
mosquitos depositam seus ovos e criam-se as larvas.
Uma campanha de destruição das bromeliáceas epífitas, rupícolas e
terrestres foi executada em três etapas. Na primeira experimentou-se
destruí-las manualmente, com o fito de preservar as florestas primárias. Esse
método, além de demorado, colocava em risco os trabalhadores. Em
seguida, tentou-se a aplicação de herbicidas, inclusive com o emprego de
aeronaves, o que implicava em custos elevados. Por fim, decidiu-se eliminar
as matas existentes nas zonas urbanas, nas cidades que apresentavam
maiores índices de morbidade. Foram assim destruídos cerca de 30 milhões
de metros quadrados de florestas.
Em 1949, o Serviço instalou um centro de estudo em Brusque, Santa
Catarina, que passou a constituir a Seção de Bioecologia do Instituto de
Malariologia, onde se desenvolveram pesquisas na área de ecologia,
biologia, química da água, microclimatologia, botânica, zoologia e ecologia.
Sua equipe incluía Henrique Pimenta Veloso e F. Torres de Castro (Instituto
Oswaldo Cruz), Mario B. Aragão, Joaquim Ferreira Netto, Casemiro Manoel
Martins, Pelagio Viana Calabria, Carlos Eugênio Azambuja, Roberto Miguel
Klein e Helio de Souza, do Serviço Nacional de Malária. Os trabalhos foram
interrompidos em 1953, mas o Herbário Barbosa Rodrigues, em Itajaí,
prosseguiu com os estudos de botânica e ecologia, publicando
recentemente um volume sobre o complexo malária-bromélia.
As epidemias de febre amarela igualmente impulsionaram
sobremaneira as pesquisas no campo da ecologia médica.
Em 1923 o governo brasileiro firmou convênio com o International
Health Board, um dos precursores da atual Fundação Rockefeller, visando a
melhoria das condições gerais de saúde pública no país. Em 1928 foi criado
o Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, que contava com a colaboração do
Instituto Oswaldo Cruz. Os trabalhos de controle da febre amarela
desenvolviam-se nos centros urbanos e eram orientados no sentido da
eliminação dos criadouros de Aedes aegypti, mosquito antropofílico
192

cosmopolita de hábitos urbanos e, então, o único vetor conhecido, o que


fazia com que a doença fosse considerada apenas humana e urbana.
Em 1930 Lutz identificou como de febre amarela, surtos ocorridos no
interior do Estado de São Paulo. Em suas reminiscências biográficas,
publicadas naquele ano, já predizia que Nestes, a existência de stegomyias tinha
pouca probabilidade cabendo possivelmente o papel de transmissor a mosquitos de matto,
mais ou menos parentes.
Na sua História do Instituto Butantan, Flávio da Fonseca ressaltou que
muitos anos se passariam antes que se acreditasse em surtos de febre
amarela silvestre, quando Lutz, que fora com Emilio Ribas e Pereira Barreto,
o primeiro a confirmar experimentalmente a doutrina cubana, já a havia
observado em São Paulo. Deve-se notar que Lutz esteve entre os primeiros
que aceitaram a teoria de Finlay da transmissão da febre amarela por
mosquitos, descartando a possibilidade do contágio. Na biografia de Lutz,
sua filha Bertha Lutz assinalou que, por ocasião da epidemia que assolou
Campinas, em 1899, Lutz recebera, diretamente de Cuba, a notícia de que as
experiências ali realizadas sobre a transmissão da febre amarela por
mosquitos tinham sido coroadas de êxito, já estava apto a indicar qual o
vetor provável, em consequência de suas observações sobre a distribuição
das diferentes espécies observadas entre nós.
No final da década de 1920 partiam do Espírito Santo, denúncias de
casos de febre amarela diagnosticados em pacientes provenientes do interior
do estado. Alvaro Melia, diretor do Serviço Estadual de Saúde, suspeitava da
existência de casos endêmicos em zonas tipicamente rurais, em desacordo
com as ideias vigentes de ser a doença urbana.
Em 1932, A. M. Walcott, da Fundação Rockefeller, visitou a região e,
não encontrando os vetores urbanos clássicos, recomendou a não instalação
de postos de coleta de amostras de fígado para inquérito epidemiológico.
Como comentaram posteriormente Soper e seus colaboradores (1932),
Walcott subindo ao topo do corte da estrada adiante de Santa Tereza, mirou o belo Vale
do Canaan, centenas de metros abaixo e, como o velho Moisés que olhou mas não
penetrou no Vale do Canaã, Walcott voltou.
Em seguida, porém, a existência de casos humanos foi
indiscutivelmente com- provada. Uma equipe enviada à região procedeu a
um levantamento minucioso dos casos suspeitos e caracterizou a existência
193

de um foco endêmico, sem que criadouros de Aedes aegypti fossem


encontrados. Lutz, membro da equipe, preparou uma lista de vetores
prováveis, dentre os quais Aedes scapularis ocupava o primeiro lugar.
Concluiu Soper que a descoberta fora, em grande parte, fortuita. O
agente de saúde pública local havia visto casos de febre amarela durante a
epidemia de 1928-1929, no Rio de Janeiro e. afortunadamente, não sabia
que Aedes aegypti não ocorria no Vale do Canaan. Das 1.258 amostras de
fígado com diagnóstico confirmado colhidas pelo serviço de viscerotomia
entre janeiro de 1932 e junho de1945, somente 78 eram provenientes de
localidades onde ainda existia Aedes aegypti.
É importante ressaltar que, para a visão de ecólogo de Lutz, a
existência de vetores silvestres seria esperada, e nada de se admirar,
enquanto que, para o conceito estereotipado dos demais, o quadro
epidemiológico não deixava lugar a dúvidas.
A descoberta da febre amarela silvestre viria a ter marcada influência
no desenvolvimento da ecologia, no Brasil.
O Serviço de Estudos e Pesquisas sobre Febre Amarela delineou, a
partir da descoberta da febre amarela silvestre e rural, um plano a ser
desenvolvido em profundidade e em longo prazo, com a finalidade de
avaliar a extensão do problema e desenvolver metodologia adequada para
sua solução.
Em 1942, o botânico Henrique Pimenta Veloso, estagiário do Museu
Nacional, foi comissionado para estudar a vegetação da região de
Teresópolis em conexão com a febre amarela. Seu trabalho de um ano foi
publicado em 1945. João Moojen (mamíferos), Herbert Berla (aves) e Antenor
Leitão de Carvalho (répteis) colaboraram no estudo sistemático dos
reservatórios e Nelson Cerqueira identificou os mosquitos.
David E. Davis (1945), chefe da Seção de Ecologia do SEPFA publicou,
em 1945, os resultados preliminares da investigação que visava,
primordialmente, explicar a ecologia da manutenção e transmissão do vírus
amarílico em zonas de florestas: O campo da investigação aqui relatada era o estudo
da ecologia animal nas regiões de florestas e o desenvolvimento de métodos e técnicas
apropriados ao estudo da epidemiologia da febre amarela silvestre. Uma vez que o
conhecimento da abundância e dos movimentos dos animais é fundamental para a
compreensão da manutenção e difusão do vírus, a pesquisa compreendia estes dois
194

aspectos, em mosquitos, aves e mamíferos. As plantas, na floresta, sofreram urna


investigação preliminar, para permitir um melhor conhecimento do habitat. As variações
durante um ano proporcionarão a base para comparação de um mês com outro e de um
ano para outro.
Corno resultado desse trabalho, o Museu Nacional teve suas coleções
notavelmente ampliadas. Novas técnicas de estudo de vegetação foram
desenvolvidas e a fitossociologia experimentou um grande progresso através
dos trabalhos de Braun-Blanquet e de Dansereau, no Canadá, Oliveira
Castro, em Lagoa Santa e Stanley A. Cain, nos Estados Unidos.
Ao contrário dos demais estados, São Paulo mantinha um órgão
independente, o Serviço Especial de Defesa contra a Febre Amarela do
Estado de São Paulo, o qual, de junho de 1937 a maio de1938, esteve sob a
direção de Henrique Beaurepaire Aragão, do Instituto Oswaldo Cruz. Uma
estação biológica foi construída em um trecho de mata situada a cerca de
três quilômetros de Água Fria, na extremidade da linha férrea de Perus e a
28 quilômetros dessa cidade. Era intenção de Aragão (1943) dotar o estado
de uma rede de tais estações, cuja construção justificava com os seguintes
argumentos: A adaptação, porém, em época que não parece muito distante, do vírus aos
mosquitos que vivem nas matas, dando lugar a modalidade silvestre, tornou necessário não
só o estudo destes novos transmissores, sob seus vá- rios aspectos ecológicos, como
também dos animais silvestres em que normalmente eles se alimentam e muitos dos quais
são sensíveis ao vírus da moléstia.
Em 1938 Aragão publicou, por sua vez, observações sobre febre
amarela silvestre no interior de São Paulo, em trabalho de natureza
ecológica. Como vimos, Lutz já suspeitava, desde 1930, da circulação do
vírus em ambientes florestais.
Podemos estabelecer que a institucionalização da ecologia no Brasil
data de 1932, quando o botânico Alberto José de Sampaio, do Museu
Nacional ministrou um curso de extensão na Universidade do Rio de Janeiro
sobre Fitogeografia do Brasil. Deste, resultou um livro, publicado pela Editora
Nacional. Em seguida, publicou a Biogeographia Dynamica, em cujo prefácio
escreveu Roquete Pinto: Os trabalhos de systematica botanica não conseguiram
esterilisar, na estreita especialização taxonômica, a alma de verdadeiro naturalista - que ha
de ser, sempre, essencialmente ecologica.
Três anos depois, o arqueólogo Alberto Childe (1935) criticava, no
Boletim do Museu Nacional, a tentativa de dois autores russos de
195

reivindicarem a prioridade de conceitos ecológicos, ciência cujo nome fora


proposto por Haeckel para uma preocupação vetusta.
Entretanto, foi, novamente, uma doença que se manifestava em surtos
epidêmicos graves, que contribuiu para o progresso das pesquisas na área
de ecologia básica e aplicada no Brasil.
Como em outros países, a peste desapareceu das cidades costeiras
onde era mantida por roedores cosmopolitas, ratos e ratazanas e surgiu em
localidades do interior, passando a ser mantida por espécies de roedores
nativos. Seu caráter urbano cedeu lugar à enzootia silvestre ou rural, que
passou a manifestar-se em surtos epizoóticos e epidêmico periódicos.
Entretanto, como acontecera com a febre amarela, a resistência em se
admitir a existência de situações distintas daquelas descritas na literatura
clássica retardou o correto equacionamento do problema em termos de
saúde pública. Ainda em 1945, uma revisão do assunto - Plague in the
Americas -, publicado pelo Pan American Sanitary Bureau, registra que Costa
declarou que os dados epidemiológicos até então obtidos eram em favor do rato
doméstico como reservatório e as observações de Macchiavello [então consultor da OMS]
tendem a minimizar a importância de outros roedores.
Em 1919 fora criado um serviço de prevenção rural, extinto no ano
seguinte. Em 1936 surgiu o Serviço Nacional de Peste, que dividiu o país em
circunscrições e setores regionais. Colaborando com o então Ministério da
Educação e Saúde, o Museu Nacional colocou à sua disposição João Moojen,
especialista em roedores. Das campanhas pioneiras também participou seu
colega e contemporâneo, Antenor Leitão de Carvalho.
Organizou-se um esquema exemplar de capturas de roedores
silvestres e domiciliados; foram montados laboratórios de campo e equipes
técnicas de capturadores e laboratoristas receberam treinamento especial.
Iniciou-se o registro exaustivo de todas as informações pertinentes aos casos
humanos e o mapeamento das unidades rurais nos setores em que surtos
eram verificados. Moojen instituiu um serviço de vigilância que permitia
prever a ocorrência de surtos humanos, pela observação do comportamento
e flutuações das populações de roedores silvestres, em áreas rurais.
As pesquisas sobre ecologia da peste realizadas no nordeste levaram
um grupo de investigadores brasileiros a solicitar outro consultor à
Organização Pan-americana de Saúde, J. M. de Ia Barrera e a romperem,
196

finalmente, com as ideias tradicionais implantadas em 1939-1940 por


Macchiavello.
Técnicas de estudo de mamíferos desenvolvidas por ocasião das
pesquisas sobre febre amarela foram utilizadas e cerca de 80.000 pequenos
mamíferos foram coletados, o que constituiu notável contribuição à
taxonomia, biogeografia e ecologia neotropicais. Lindolfo Guimarães e Flavio
da Fonseca, em São Paulo, estudaram os ectoparasitos, contribuindo, de
maneira decisiva, para o conhecimento dos aspectos ecológicos particulares
da peste, entre nós.
No campo da esquistossomose, em que foi pioneiro, Lutz abriu o
caminho seguido por Wladimir Lobato Paraense, também do Instituto
Oswaldo Cruz. Lobato Paraense dedicou-se ao estudo da sistemática e da
ecologia dos planorbídeos. Esses trabalhos foram realizados no Rio de
Janeiro, em Minas Gerais (Centro de Pesquisas Renê Rachou) e na
Universidade de Brasília e estimularam outros pesquisadores, que passaram
a aliar as investigações de laboratório com as de campo e as indagações
teóricas com as pesquisas aplicadas ao controle da doença.
Por essa época, nas páginas dos periódicos médicos, como a Revista
Brasileira de Malariologia e a Revista do Instituto de Medicina Tropical de
São Paulo, começaram a surgir artigos de caráter estritamente ecológico.
Com o apoio de zoólogos e botânicos do Museu Nacional, do Museu de
Zoologia de São Paulo e do Museu Paranaense Emílio Goeldi, expedições
demandaram o interior brasileiro. Dentre estas destacam-se as da equipe de
Lauro Travassos, do Instituto Oswaldo Cruz, que utilizou um vagão de
estrada de ferro, no qual instalou um laboratório para coleta de espécimes
da fauna e flora.
Entretanto, os primeiros naturalistas diplomados em cursos de História
Natural da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, no Rio de Janeiro e em
São Paulo, tiveram suas carreiras traçadas dentro dos moldes tradicionais,
com demasiada ênfase em morfologia e pouca em ecologia. A grande
maioria de licenciados e bacharéis encontrou colocação no ensino
secundário e a legislação restritiva da época impediu que assumissem
encargos de ensino superior nas faculdades de medicina ou agronomia,
mesmo nas cadeiras de zoologia, botânica ou genética.
197

A ecologia desenvolveu-se, portanto, a partir de necessidades


imediatas, de vocações e iniciativas individuais de autodidatas interessados e
da pouca orientação formal de colaboradores estrangeiros.
Leonidas M. Deane, no Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, dedicou-se ao estudo da malária de
primaras não humanos. Preocupou-se com as relações entre os parasitos,
vetores e reservatórios: [...] isso me permitiu encontrar e estudar também protozoários
e insetos sem importância médica, mas de interesse zoológico e biológico. Seus estudos
estenderam-se do Rio Grande do Sul à Amazônia e à Venezuela e
abordaram problemas de transmissão da leishmaniose e filariose.
Na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo,
Oswaldo Foratini dedicou-se à entomologia médica, estudando
principalmente a ecologia da transmissão da doença de Chagas e da
leishmaniose cutânea. Ao contrário da febre amarela, a leishmaniose era
considerada doença silvestre, que acometia os trabalhadores nas derrubadas
de matas. Como visto, seu aparecimento em 1927 no Bairro de Santa Tereza,
no Rio de Janeiro, surpreendeu os pesquisadores da época e levou Henrique
Aragão a descobrir o seu transmissor e a questionar sua natureza de
zoonose silvestre, uma vez que afetava os residentes de um bairro urbano.
Somente em 1958 foram identificados os primeiros reservatórios silvestres.
Na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Mauro Pereira Barreto
dedicou-se ao estudo dos reservatórios silvestres de Trypanosoma cruzi e
dos aspectos ecológicos que condicionam sua transmissão ao homem.
No Instituto Adolfo Lutz - antigo Instituto Bacteriológico -, Oscar
Souza Lopes desenvolveu pesquisas sobre arbovírus e seus reservatórios
silvestres.
Enquanto isso, em Belém, o Instituto Evandro Chagas manteve a
tradição firmada pela Fundação Rockefeller, que ali instalou um laboratório
para estudo de ecologia de arbovírus.
Em Minas Gerais, Amilcar Viana Martins dedicou-se à entomologia,
destacando-se como taxonomista e estimulando a realização de pesquisas
no campo da ecologia.
A análise ecológica de um ecossistema constitui tarefa complexa e
que exige uma equipe interdisciplinar para sua realização. A simples reunião
198

de dados mesoclimáticos e de informações superficiais sobre fauna e flora,


baseadas em coletas e observações ocasionais, não permitem que se chegue
a qualquer conclusão válida e definitiva sobre os processos ecológicos que
condicionam seu aparecimento e sua dinâmica.
No campo da ecologia médica, ultrapassamos a época das meras
descrições paisagísticas. Para que se possa explicar ou prever qualquer
fenômeno é indispensável evoluir das configurações estáticas para a análise
da dinâmica dos problemas. Certos índices utilizados em vigilância
epidemiológica podem ser estabelecidos de maneira empírica, mas o
conhecimento íntimo dos mecanismos das epizootias e epidemias só podem
ser conhecidos através de análises ecológicas detalhadas.
Assim como a febre amarela e a peste forçaram a introdução de
técnicas e métodos ecológicos nos estudos epidemiológicos, a
esquistossomose abriu uma nova etapa na pesquisa médico-sanitária.
Até 1952 acreditava-se que somente o homem o alguns primatas
seriam os únicos hospedeiros definitivos de Schistosoma mansoni. Naquele
ano foram encontrados roedores silvestres naturalmente infectados, tanto no
Brasil como na África. Durante os vinte anos subsequentes, novos registros
de espécies hospedadoras foram acrescentados, levando a crer que
existiriam reservatórios silvestres responsáveis pela manutenção de cicios
extra-humanos ou, pelo menos, que contribuíam para os ciclos que incluíam
o homem.
Em 1971, orientei minha primeira dissertação de mestrado. Carlos
Mauricio Figueiredo, em Belo Horizonte, conseguiu fechar o cicio de
transmissão enzoótica, em um terrário, utilizando um roedor de hábitos
semiaquáticos do gênero Nectomys e, como hospedeiro intermediário
Biomphalaria glabrata. Estudos posteriores feitos por Milward, Freitas, Ornar
Carvalho e Maria Inês. Cortês confirmaram o encontro frequente de ratos-
d'água infectados na região.
Ao mesmo tempo, em Campinas, Luiz Candido de Souza Dias e Urara
Kawazoe investigaram a ecologia de outro roedor, também semiaquático,
frequentador dos canaviais e arrozais do vale do rio Paraíba do Sul, em
região endêmica de esquistossomose.
199

As pesquisas prévias de Aluizio Prata e Frederico Simões Barbosa


permitiram que se levantassem várias questões e hipóteses:
1. Seriam os roedores bons reservatórios, capazes de se infectarem em
condições naturais e de manter focos de esquistossomose na ausência da
infecção humana?. Neste caso, as implicações nos programas de erradicação
e controle seriam graves, exigindo a adoção de medidas complementares
após o tratamento dos casos humanos.
2. Poderiam os roedores migrar e infectar criadouros de moluscos indenes?
3. Seriam os roedores apenas vítimas da infecção humana e incapazes de
manterem um ciclo enzoótico?
4. Em qualquer desses casos, qual a contribuição dos hospedeiros não
humanos para a manutenção do ciclo, em áreas endêmicas?
As respostas a essas indagações dependiam da aplicação de
metodologia ecológica apropriada ao estudo das populações animais em
liberdade.
Vencida a primeira etapa do trabalho, que exigiu a identificação
precisa dos elementos dominantes das biotas envolvidas, em uma área
delimitada, Souza Dias desenvolveu na década de 1970 um projeto
destinado a permitir avaliar a importância dos hospedeiros não humanos na
epidemiologia da esquistossomose. O dado inicial calculado foi a densidade
absoluta da população de Holochilus, um rato-d'água, em diferentes épocas
do ano. Variações sazonais de temperatura e umidade, que determinam os
períodos de abundância e escassez de alimento, nativo ou cultivado
disponível para os roedores constituem fatores que regulam sua densidade.
Dentre os métodos citados na literatura para a estimativa de populações
animais foram escolhidos de Lincoln-Petersen e o de Bailey.
Até então, as informações publicadas não permitiam uma ideia exata
da taxa de prevalência da infecção, malgrado a intenção e as afirmações dos
autores. Roedores e outros pequenos mamíferos, de espécies e famílias
distintas, eram analisados em conjunto, misturando-se espécies de hábitos
semiaquáticos com outras cujas infecções só poderia ser ocasional e
acidental. Os cálculos baseavam-se no número de animais encontrados
infectados em relação ao total de exemplares capturados, que constituía o
universo estatístico, mas não a população total, como deveria ser. As
200

capturas não seguiam, via de regra, um planejamento prévio adequado e as


amostras conseguidas não podiam ser consideradas estatisticamente
representativas das populações, mesmo para o cálculo de densidades
relativas.
Pela primeira vez foi estimada uma população natural de Holochilus,
que totalizou 32 indivíduos em um hectare, na época de maior abundância.
A contagem do número de ovos de Schistosoma mansoni por grama
de fezes permitiu estimar-se a quantidade máxima de ovos que poderia ser
depositada no terreno, em um dia, por toda a população infectada.
Entretanto, sabe-se que parte das fezes permanece no solo seco, longe da
água; parte dos que chegam a ela perde-se, e novas perdas são acumuladas
em cada fase do desenvolvimento ontogenético.
As distâncias percorridas por cada roedor, seus roteiros habituais e
seu domínio vital foram identificados por um sistema planejado de capturas
periódicas e de marcação individual, O estudo permitiu concluir a existência
de comportamento territorial, isto é, de defesa de uma área em redor do
ninho, contra o ingresso de indivíduos da mesma espécie.
O tempo de permanência média, que é limitado a poucos meses, e a
longevidade foram estimados, assim como a taxa de crescimento dos recém-
nascidos. O curso da infecção natural pode ser acompanhado. Confirmou-se
não ocorrerem migrações.
Kawazoe, em 1980, estudou, especialmente, a biologia de Holochilus,
prosseguindo no trabalho iniciado por Dias e concluiu, pela pequena chance
de existir um ciclo natural envolvendo Holochilus e B. tenagophila, sem
interferência humana: as populações de hospedeiros são pequenas, sofrem
flutuações de grande amplitude e, enfim, tudo indica serem esses roedores
vítimas de um problema humano. Além disso ocorre o fenômeno da
substituição de espécies. Em determinada época, Holochilus deixaram de ser
capturados, mais uma espécie vicária do gênero Nectomys, com hábitos
semi aquáticos semelhantes apareceu
Alguns trabalhos sobre ecologia de cercarias, realizados em
laboratório, foram publicados por Célio Valle, mas pouco existe feito sobre
sua ecologia no ambiente endógeno, do hospedeiro.
201

O ensino formal da ecologia médica iniciou-se com o estabelecimento


dos cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado, no Brasil, na década
de 1970. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, José Rodrigues Coura e
Lea Camillo-Coura organizaram um curso sobre Doenças Infecciosas e
Parasitárias, cuja filosofia foi resumida em uma conferência, na qual disse
que, em nosso meio, Medicina Tropical deve ser o tipo de atividade médica
desenvolvida por profissionais com sólida formação clínico-epidemiológica, sobretudo no
campo das doenças infecciosas e parasitárias e com ampla base de ecologia, parasitologia,
entomologia, microbiologia, imunologia e patologia. [...] O estudo da ecologia e da
epidemiologia proporcionam ao aluno urna abertura para os problemas do meio ambiente
e de sua importância no desenvolvimento da patologia tropical".
Em 1979, assumindo a direção científica do Instituto Oswaldo Cruz,
Coura reformulou o antigo curso de Manguinhos. Voltou, assim, o Instituto a
liderar a formação de pessoal e a pesquisa na especialidade que vira nascer.
Seguindo sua proposta, Coura editou um tratado sobre a Dinâmica
das doenças infecciosas e parasitárias onde já apareciam três capítulos sobre
ecologia médica.
202

CAPÍTULO VI
FINALIZANDO

PERSPECTIVAS E ADVERTÊNCIA DOS ACONTECIMENTOS


O advento dos novos pesticidas, de grande eficácia e de fácil
aplicação desenvolvidos a partir da Segunda Guerra Mundial, e de
quimioterápicos, vacinas e soros capazes de curar ou prevenir várias doenças
de grande distribuição geográfica e de elevada taxa de prevalência teve
impacto nas pesquisas de ecologia médica. As investigações, de qualquer
modo, sempre foram restritas a certos aspectos do problema, especialmente
aos reservatórios e vetores de doenças transmissíveis. As grandes potências
europeias perderam as suas colônias e, com elas, foi-se o interesse pelo
estudo das grandes endemias, que tanto preocuparam os governos coloniais
e em função das quais desenvolveram-se os centros de ensino e pesquisa de
medicina tropical. A redução das oportunidades profissionais naqueles países
influiu no interesse dos potenciais candidatos e restringiu os orçamentos das
escolas clássicas de Liverpool, Londres, Bruxelas, Leiden, Berlim, Hamburgo,
Roma. Pouco a pouco, a atuação da Organização Mundial de Saúde passou
a ocupar seu lugar.
Em 1956, H. Hoogstraal publicou um artigo contendo sérias
advertências contra a tendência de se abandonar a pesquisa básica,
especialmente no campo da taxonomia. O ciclo de muitas zoonoses ainda
não é perfeitamente conhecido; outras vêm sendo descobertas e existe a
ameaça constante de invasão ou reinvasão de áreas ruderais e urbanas,
sempre que a vigilância diminui. Os exemplos recentes do cólera, dengue,
zika e do coronavírus 19 são claros e preocupantes. Hoogstraal defendeu a
necessidade de se promoverem estudos amplos e profundos sobre a fauna
o a flora, prévios a qualquer investigação epidemiológica, de maneira
rotineira e com ênfase nos estudos de taxonomia e que Devemos conhecer a
biologia e ecologia não apenas de alguns elementos interessantes da fauna, mas da
totalidade da fauna, que nos pode afetar do ponto de vista médico.
Alguns problemas confirmam a preocupação de Hoogstraal.
A utilização de primatas como animais de laboratório vem sendo feita,
em ritmo crescente, a partir de 1945. Testes de novas drogas, fabricação de
203

soros e vacinas, órgãos para transplantes, voos espaciais, investigações


educacionais e psicológicas, todos requerem primatas, cuja demanda
implicou na captura e exportação descontrolada de animais silvestres. Os
macacos, frequentemente contrabandeados, nem sempre submetidos a
exames prévios e quarentena, passaram ainda a ser disputados como
animais de estimação e criados em casa, em promiscuidade com os
membros da família.
Em 1958, um surto de hepatite viral teve início na base militar de
Holloman, New México, nos Estados Unidos, após a importação de 22
chimpanzés capturados no Carnerum. Naquela época ignorava-se que esses
primatas pudessem infectar-se e transmitir a doença ao homem.
Em 1959, a localidade de San Joaquin, no interior da Bolívia entrou
para a literatura científica devido a um surto de uma doença desconhecida
ali ocorrido. Em 1962, na região de ltenez, eclodiu uma nova epidemia,
agora de grandes proporções resultando em cerca de cem óbitos e no
abandono da colônia agrícola de Orobaya por seus amedrontados
habitantes. No ano seguinte, um novo vírus, Machupo, foi isolado.
Apresentava certas características semelhantes ao causador da febre
hemorrágica de Junin, da Argentina. Um pequeno roedor, Calomys callosus,
que invade as casas pobres em promiscuidade com os moradores, foi
identificado corno seu reservatório e responsabilizado pela transmissão do
vírus ao homem, provavelmente através da urina.
No mês de janeiro de 1971, uma jovem estudante de enfermagem
regressou a Cochabamba, na Bolívia, após um período de descanso passado
em sua casa, no Departamento de Beni. Chegou doente e, poucos dias mais
tarde, faleceu no hospital onde estivera internada. Cinco pessoas que
tiveram contato com ela durante o período em que esteve hospitalizada
infectaram-se e quatro morreram. A esposa de um dos consultores da
Organização Pan-Americana de Saúde que estudara o caso, a qual não
estivera na Bolívia, também faleceu.
Em 1972 construiu-se um laboratório de ecologia para estudar os
aspectos enzoóticos e epidemiológicos da febre hemorrágica boliviana.
Entretanto, o desconhecimento da fauna de pequenos mamíferos e a falta
de manuais de identificação expedita roubaram um tempo precioso às
204

equipes de campo. O fato de não se haver capturado Calomys entre apenas


30 roedores capturados no local do caso-índice levou à suspeita da
existência de outra cepa do vírus. Posteriormente comprovou-se a
transmissão por Calomys.
Um fato curioso devido ao desconhecimento de aspectos elementares
de ecologia e etologia foi o de o governo da Bolívia haver enviado um avião
da força aérea com um carregamento de gatos para controlar os ratos.
Em 1967, sete pessoas que trabalhavam em um dos laboratórios do
Instituto Paul Ehrlich, em Frankfurt, Alemanha, e que haviam estado em
contato com macacos africanos em salas de cirurgia, apresentaram sintomas
de uma doença não identificada. Dezesseis casos envolveram pessoas que
tiveram contato com esses animais ou com culturas de suas células, em
Marburg. Em Biberach, um tratador de animais que trabalhava em um
laboratório, adoeceu e apresentou os mesmos sintomas dos demais
pacientes. Três médicos que atenderam esses pacientes e uma pessoa que
esteve presente a uma necropsia foram, também, atingidos. Dos 27
pacientes, sete faleceram entre sete a doze dias após o aparecimento dos
primeiros sintomas. Todos os casos foram, finalmente, relacionados com
primatas africanos, Cercopithecus aethiops, provenientes de Uganda e que
chegaram à Alemanha em duas remessas. Testes sorológicos realizados com
uma variedade de antígenos revelaram-se inconclusivos. Pouco tempo
depois, um veterinário na antiga Iugoslávia, que tivera contato com macacos
da mesma espécie e de igual procedência, adoeceu. Em vista da gravidade
desses fatos, a Alemanha restringiu drasticamente a importação de primatas
e, ainda em 1967, conseguiu isolar a novo vírus, que foi denominado
Marburg.
Em 1969 ocorreu o caso do vírus Lassa, cuja triste trajetória foi
reconstituída em detalhe através de entrevistas com pessoas envolvidas no
incidente e publicada em livro. Do Planalto de Jos, na Nigéria, aos Estados
Unidos o vírus, então desconhecido fez uma série de vítimas, antes que seu
reservatório natural e os métodos de transmissão ao homem fossem
conhecidos. Somente em 1973 descobriu-se que um pequeno roedor,
frequentemente encontrado no interior das casas, Mastomys natalensis, foi
identificado como seu reservatório.
205

Mesmo os países mais desenvolvidos encontram-se à mercê de


problemas criados dos pela importação de agentes patogênicos ou por sua
introdução em zonas urbanas a partir de reservatórios silvestres.
A criação caseira de animais de estimação e de companhia contribui
para a transmissão zoonótica mesmo em zonas urbanas.
A volta do cólera, do dengue, o surgimento de casos de zika e o
aumento de casos de febre amarela e de sarampo no Brasil constituem
alertas para a necessidade de vigilância constante e de manutenção dos
programas de prevenção e controle sanitários.
Em 1941 o paleontólogo dinamarquês Peter W. Lund, que fixara
residência em Lagoa Santa, Minas Gerais, descreveu um pequeno roedor,
sob o nome de Mus expulsus, hoje denominado Calomys expulsus. Afirmou
ter sido muito comum nas casas antes da imigração do rato-preto asiático,
Rattus rattus por volta de 1820. Todos essas fatos apontam para a
necessidade de se desenvolver técnicas mais modernas o de se ampliar as
pesquisas no campo da ecologia médica, para que se possa conhecer a
natureza intima das relações interespecíficas das cadeias enzoóticas e
epidemiológicas.
Somente através de estudos profundos, diversificados e demorados
pode isso ser conseguido: nunca através de campanhas de emergências e de
programas de curto prazo: Tentar, compreender a etiologia e a patogênese estudando
a doença já estabelecida é como tentar entender a anatomia de um crime, olhando para o
cadáver. (Hopps, 1971).
206

CONCLUSÃO
Não há economia em ir para a cama mais cedo
para poupar velas, se o resultado forem
gêmeos
Provérbio chinês

Saúde expressa a harmonia existente entre


o ambiente, o modo de vida e os vários
componentes da natureza humana.
Hipócrates

A Ecologia tornou-se, na década de 1960, a ciência da moda. Mais do


que isso, em seu nome têm sido emitidas opiniões, advertências, predições e
ameaças catastróficas, despidas de base científica e de senso crítico, por
pseudocientistas bem intencionados, porém mal informados.
Popper chamou a atenção, em obra recente, para o perigo da
transformação de teorias em ideologia intelectuais: Uma teoria, mesmo uma
teoria científica, de tornar-se moda intelectual, substituto para a religião e arraigada
ideologia
No Brasil, o naturalismo de Rousseau e de Diderot teve seus reflexos
nativos no indianismo de Olavo Bilac, José de Alencar e Carlos Gomes. De
tempos em tempos assistimos o renascer da ideia de que tudo quanto é
natural é essencialmente puro e bom e que todo o mal provém da
civilização tecnológica e da artificialidade da vida urbana. Menotti del
Picchia, em Kumunka, e Ribeiro Couto, em Cabocla, estão entre os autores
modernos que retomaram, tão magistralmente quanto Eça de Queirós, em A
Cidade e as Serras, a essa linha filosófica.
De certa forma, a filosofia hippie dos anos1960 aspira substituir o
panteísmo religiosa; entretanto, o primitivismo hippie correspondo mais à
simplificação vestigial dos parasitos que à simplicidade rudimentar dos
organismos singelos e, como aqueles, só podem sobreviver em um meio
ambiente afluente e tolerante.
Ao analisar o problema das intervenções do homem nos ecossistemas
naturais - que constitui o tópico preferido pela argumentação do
neopanteísmo. Cramer 1975 advertiu que poderíamos nos decidir a não influir
sobre o equilíbrio biológico dinâmico e natural e, neste caso, considerarmo-nos fazendo
parte dele, sujeitando-nos à enorme amplitude de suas oscilações. Nesse caso, teríamos que
207

nos conformar com a peste, a cólera, a fome e a reprodução periódica do número de


indivíduos de nossa espécie.
Ideologias e credos pseudocientíficos mas de grande apelo popular,
incorporam, frequentemente, distorções de teorias científicas. Curiosamente,
tanto o lamarckismo quanto o darwinismo foram utilizados,
simultaneamente, para apoiar posições político-sociais extremadas, migrado
representarem pontos de vista cientificamente conflitantes.
As ideologias, ao contrária das ciências, não evoluem
cumulativamente, mas são recorrentes. Ressurgem, de tempos em tempos,
sob novos disfarces; na novidade é aparente e superficial e a nova
roupagem reveste ideias desgastadas e antigas, que não resistem a uma
análise mais profunda.
Na acepção popular, Ecologia foi substantivado, e tem sido usado
como sinônimo de paisagem e ambiente. Para muitos, Ecologia é a ciência
da poluição. Entretanto, o estudo da poluição está para a Ecologia como a
Patologia está para a Biologia. Pode-se considerar esse estudo como a
Ecologia Patológica.
Certos temas controvertidos, que envolvem problemas econômicos e
sociais complexos, como a conservação da natureza pelo uso racional dos
recursos naturais, a destruição dos solos agriculturáveis pela erosão, a
substituição de ecossistemas naturais por cultivares florestais ou agrícolas, e
a poluição urbana, exigem a cooperação de profissionais de todas as áreas,
e especialmente da ecologia humana para seu equacionamento em bases
reais e operacionais.
O interesse popular pela ecologia é efêmero e adventício. Na verdade,
é também vicário por constituir uma válvula de escape para a insatisfação
pessoal ou social, além de símbolo de um ideal de vida. Por si só, não será
suficiente para assegurar a continuidade de atenção e de apoio necessário
ao desenvolvimento de estudos sérios e em longo prazo. A formação de
uma escola de pensamento ecológico, realmente científica, que seja capaz
de reunir dados e interpretá-los de maneira a fornecer análises teóricas
profundas, diagnósticos seguros e soluções racionais para nossos problemas,
merece todo o apoio e toda a atenção. As soluções para problemas
ecológicos não podem ser importados: a tecnologia ecológica deve ser
desenvolvida a partir de pesquisas básicas, realizadas no local de origem dos
208

problemas. Os princípios gerais devem ser antes testados nas regiões


tropicais, quando enunciados a partir de observações e experimentos
realizados em países de climas temperados.
Por sua vez, Rappaport (1990) reconheceu que análises anteriores em
antropologia ecológica, refletindo uma deficiência geral em antropologia cultural e social,
não prestaram atenção suficiente aos propósitos de motivar ações individuais [...] nem
prestaram atenção suficiente às variações comportamentais entre indivíduos e grupos aos
quais pertenceram.
Outra necessidade importante, como vimos, e uma tendência da
moda, é a do analista e consultor ser um ecologista humano capaz de
avaliar todos os aspectos de um problema com o mesmo grau de detalhe.
Ele deve saber como desenhar uma imagem composta de cenários naturais,
padrões climáticos, estrutura das biotas, elementos humanos, estrutura e
instituições sociais, padrões culturais e legais, antecedentes históricos,
imperativos econômicos, desenvolvimentos éticos e políticos. Ele precisa
contar com especialistas para aprofundar sua análise preliminar e
complementar seus dados, mas deve poder se comunicar com eles, fazer as
perguntas certas e entender suas respostas. Ele deve ter cuidado para se
afastar de ideias especulativas, como as do determinismo ecológico e do
catastrofismo ecológico. Em suma, ele deve ser capaz de adquirir uma visão
holística da questão. Ao abordar um problema específico, ele pode começar
sua análise do ponto de vista de seu conhecimento profissional especial.
Mas ele deve ser capaz de superar as limitações de seu campo de
especialização e delinear o quadro o mais completo possível da situação em
toda a sua complexidade. A partir de sua análise inicial, ele deve ser capaz
de determinar o quão detalhado ele deve fazer suas perguntas em cada
campo. Ele deve ser treinado para identificar o papel e o peso relativo de
cada fator contribuinte; e reconhecer o elo mais fraco da cadeia complexa
de eventos, onde a intervenção de especialistas trará os resultados
desejados. A imagem final que ele desenha deve mostrar a dinâmica das
relações sinérgicas, não um mosaico de elementos e fatores independentes.
Como ecologista, sua principal preocupação deve ser com as inter-relações
dos fatores distintos, mais do que com a lista e descrição de cada um deles.
Transdisciplinaridade significa a construção de uma visão geral,
sistêmica em essência, explicativa em seu objetivo, que vai além da mera
209

justaposição de análises parciais. Eles são importantes em áreas


especializadas do conhecimento e são necessários para esclarecer questões
específicas, e pesquisas gerais, por outro lado, carecem de detalhes e
precisão para permitir decisões políticas. Até o momento, porém, não existe
uma metodologia única para a realização de um estudo transidisciplinar, e
duvido que algum dia exista. O racionalismo estrito aplica-se à análise de
problemas físicos, mas não ao entendimento de escolhas pessoais ou
costumes e decisões sociais. Mitos, tradições e preferências individuais são
tão importantes para a saúde e sobrevivência das populações humanas
quanto suas necessidades e exigências tróficas fisiológicas - se não mais.
Fatores subjetivos são importantes no comportamento humano, mas são
difíceis de quantificar. Eles se encaixam mal, se é que existem, em modelos
matemáticos.
O melhor que podemos esperar é criar um conjunto de métodos
diferentes, mas complementares e treinar uma nova geração de profissionais
de mente aberta no uso competente de cada um, para atender às
necessidades distintas de uma investigação e ação transdisciplinares. .
O conceito original do ecossistema, expandido e popularizado por
Odum (1953), foi extremamente útil como modelo arquetípico e como
ferramenta didática. Era utópico e teórico. Da teoria ecológica geral, a ideia
de perene, dinâmica, ajustamento e não de equilíbrio é aplicável à ecologia
humana. A ideia de natureza equilibrada que permeou o pensamento
protoecológico por vários séculos foi incorporada à explicação e justificativa
das estruturas sociais e políticas até o século 10, e a serem questionadas
pelos revolucionários liberais do século passado. O conceito de equilíbrio
natural era geralmente aceito, possivelmente porque permitia um sentimento
confortável de ordem na natureza. Sua dispensa interrompeu esse
sentimento, pois a ideia de um processo evolutivo baseado em mutações
fortuitas sem objetivo ou progresso final parecia desconfortável para a
mente humana e inaceitável para os religiosos. Mas Moran (1990) admitiu
que: Cada vez mais, tornou-se mais produtivo conceber ecossistemas como 'sistemas
abertos termodinamicamente que estão fora de equilíbrio'.
O lugar do homem na natureza tem sido um tema para discussões
filosóficas desde a antiguidade até nossos dias. O duplo papel do homem,
210

como organismo - primata - e possuidor de atributos especiais adquiridos


através do processo de evolução cultural, é uma fonte de visões conflitantes,
acentuadas quando a discussão envolve questões ecológicas, no que se
refere às relações com o meio ambiente. ou natureza. Enquanto em um
estudo de ecologia básica, a ênfase ou o foco está nas inter-relações dos
múltiplos fatores envolvidos, na ecologia humana o objeto central é o
homem, e tentamos estudar as relações do homem com o seu impacto no
meio ambiente. Os limites ao crescimento, em termos de população e
produção, são traduzidos na noção bastante vaga de desenvolvimento
sustentável, uma espécie de clímax econômico definido pela antiga ideia de
exploração racional de recursos naturais. Por fim, concordo com Rappaport
(1990) no sentido de que existem motivos para distinguir ecossistemas e sistemas
regionais. Na ecologia humana, o conceito de geossistema ou sistema
regional é de fundamental importância. Essa distinção, juntamente com a
noção de que condições primitivas, rurais, urbanas e marginais mostram
propriedades ecológicas distintas e tipos de relações com o meio ambiente,
devem servir de base para uma sólida teoria ecológica.
Os problemas reais estão a exigir qualificação e quantificação,
baseados em paciente e metódico trabalho de pesquisa, e na construção de
um corpo de teorias resultantes de aplicação do método científico
convencional, por profissionais bem treinados e conscientes de suas tarefas.
Os países em vias de desenvolvimento terão que assumir liderança na
pesquisa da epidemiologia das zoonoses. Desfeitos os grandes impérios
coloniais, cessou o principal incentivo para que as nações desenvolvidas
destinassem recursos humanos e financeiros ao seu estudo e controle. A
redução do número de oportunidades profissionais e de emprego nos
institutos e serviços coloniais desencoraja vocações e, pouco a pouco, os
grandes institutos passam a viver mais das glórias do passado que das
perspectivas de realizações futuras. Burnet e White (1972) iniciam na última
edição de seu texto sobre história natural das doenças infecciosas com a
afirmação de que no terço final do século 20 nós, do ocidente privilegiado, ainda somos
confrontados por problemas ambientais sociais e políticos, mas um dos problemas
imemoriais da existência humana desapareceu. Os jovens de hoje quase não conhecem
doenças infecciosas sérias.
211

Os problemas hoje debatidos, como se tivessem sido agora


descobertos, têm sido preocupação de ecólogos e naturalistas há muitas
décadas e, em certos casos, há muitos séculos: legislação de conservação
florestal existe desde a Roma antiga e são muito mais antigos que os éditos
sobre proteção à fauna.
Receio que, em futuro breve, outro tema substituirá a Ecologia no noticiário
e nas preocupações políticas e sociais.
O desenvolvimento organizado de uma disciplina depende, em boa
parte, do interesse imediato que desperta. Os três exemplos a seguir
ilustram meus pontos de vista sobre o assunto.
1. A zoologia nos Estados Unidos teve seu impulso inicial com o suíço
Louis Agassiz, que emigrou para a América do Norte já com sua reputação
de cientista estabelecida na Europa. Fundou o Museu de Zoologia
Comparada na Universidade de Harvard e revolucionou os métodos de
ensino. Agassiz conseguiu realizar uma obra duradoura e iniciar um
movimento irreversível porque representava, para os intelectuais da nova
Inglaterra, conscientes de suas raízes britânicas, a cultura e o
conservacionismo continentais: era anti-evolucionista e racista. As grandes
teorias em voga na época - o malthusianismo herança remanescente da
Revolução Industrial, e o darwinismo - foram aplicadas aos problemas de
outras áreas, corno à Economia, à Política, à Sociologia, à Psicologia e à
Pedagogia. As polêmicas resultantes, mantiveram aceso o interesse e
disponíveis os recursos para o desenvolvimento científico, até que a massa
crítica de recursos humanos e financeiros destinados a essas pesquisas
fossem suficientes para assegurarem seu desenvolvimento.
2. Charles Elton, fundador da moderna escola da Dinâmica de
Populações e criador de um centro internacional - Bureau of Animal
Populations, na Universidade de Oxford -, utilizou duas fontes principais de
dados: os arquivos de uma companhia de comércio de peles, Hudson Bay
Company, que operava no Canadá, e as informações colhidas no Oriente
pelos epidemiologistas das comissões enviadas à China e à Índia para
estudarem a grande pandemia de peste iniciada de 1894. Comércio e saúde
constituíram os dois grandes incentivos aos estudos de populações animais.
212

3. No Brasil, a peste, que aqui chegara em 1900, e a febre amarela,


ambas ameaçando destruir vidas humanas e prejudicar interesses comerciais,
proporcionaram o indispensável apoio oficial para a criação de um centro de
pesquisas de nível internacional - o Instituto Oswaldo Cruz -, com o
consequente desenvolvimento de investigações, em nosso País, em especial
nas áreas de Microbiologia, Ecologia e Entomologia. Por razões análogas
nasceram o Instituto Biológico, o Instituto Adolfo Lutz e o Instituto Butantan.
Nesses institutos teve origem a investigação ecológica contemporânea, no
Brasil, e que foi formalizada na década de 1940 na Universidade de São
Paulo.
Entretanto, a pesquisa científica se desenvolveu no limiar do futuro. E
quando uma instituição de pesquisa se volta para as glórias do passado,
está morta.
A Ecologia, disciplina essencialmente sintática, integra conhecimentos
de muitas áreas e seu desenvolvimento constitui resposta à necessidade de
integrar diversos campos de investigação e de oferecer soluções a muitos
problemas. Na história do desenvolvimento da ciência, fases de análises e de
síntese se sucedem. A síntese ecológica despertou a consciência coletiva.
Muito pouco resta dos ecossistemas naturais, onde os processos se
desenrolam sem que sejam perturbados e mascarados por intervenções que
os descaracterizem. Parques e reservas naturais se constituem em elementos
para a preservação dos ecossistemas e uma de suas funções principais é a
de permitir, ao ecólogo, desvendar a intimidade de seu funcionamento.
O homem é parte integrante da biosfera e é o único organismo capaz
de compreendê-la. Sua evolução cultural garante-lhe uma posição especial,
de destaque. Nas demais espécies, a importância do indivíduo cessa com o
término de sua capacidade de se reproduzir e, portanto, de transmitir a
outra geração seu património genético, isto é, as informações codificadas no
seu genoma. No homem, toda a experiência adquirida pelo indivíduo e pela
espécie pode ser codificada e processada de várias maneiras e transmitida
por um indivíduo enquanto viver. O acervo de conhecimentos históricos,
científicos, artísticos, tecnológicos constitui um património não-genético,
transmitido diretamente de uma população a outra e dos ancestrais aos
descendentes.
213

Ao contrário do que se diz, o homem não é o único animal capaz de


destruir o ambiente, mas é o único capaz de preservá-lo. O progresso não
compromete, necessariamente, o grau de qualidade de vida ou o equilíbrio
dos ecossistemas: os conhecimentos que traz podem ser utilizados em um
sentido ou em outro. Estão nas mãos do homem tecnológico as soluções
para os problemas que vem criando. De- pende de sua própria vontade
adotá-las, ou ignora-las.
214

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ILUSTRAÇÕES1

CONDIÇÕES PRIMITIVAS

Rio Xingu, Mato Grosso, Brasil, 1958.

Posto SPI Capitão Vasconcelos, Xingu, 1958

1 Todas as fotos do autor, exceto menção específica.


235

Posto SPI Capitão Vasconcelos, Xingu, 1958 (veado campeiro)

Posto SPI Capitão Vasconcelos, Xingu, 1958 (pintado)


236

Posto SPI Capitão Vasconcelos, Xingu, 1954 (habitação)

Posto SPI Capitão Vasconcelos, Xingu, 1958 (Mutum, Crax sp)


237

Rio do Macaco, Pará, 2018 (trilha na mata comunidade alternativa) foto: A. Mohr

Igarapé, Ilha do Combu, Pará, 2018. Foto: A. Mohr


238

CONDIÇÕES RURAIS

Guimarães, Portugal, 2016

Thyolo, Malawi, 1992.


239

Lindoso, Portugal, 1991 (espigueiros)

Bahia, 1969 (peste bubônica rural)


240

CONDIÇÕES URBANAS

Sarlat, França, 2018 (Feira aos sábados)

Champs-Elysées, Paris, 2011. Foto: A. Mohr


241

Kernascléden, França, 2007 (Maison des chauves-souris, colônia de morcegos protegidos)

New York, 1964 (xerimbabos)


242

CONDIÇÕES MARGINAIS

Rio de Janeiro, 1987 (favela em frente à Escola Nacional de Saúde Pública)

Ile-Saint-Louis, Paris, França, 2016 (SDFs)

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