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Jornal Movimento, Uma Reportagem - Carlos Azevedo
Jornal Movimento, Uma Reportagem - Carlos Azevedo
MOVIMENTO
uma
reportagem
CARLOS AZEVEDO
com reportagens de
Marina Amaral e Natalia Viana
1ª. edição
Belo Horizonte/MG
2011
A
o longo de sua história, a imprensa brasileira passou por
vários momentos de grave cerceamento da liberdade de ex-
pressão, e em todos eles soube mostrar dignidade e coragem.
Houve inclusive publicações que surgiram em pleno regime
de exceção, especialmente durante o mais recente período
autoritário (1964-1985), trazendo a resistência como marca de nascença.
Eram publicações pequenas, sem grandes recursos para assegurar sua so-
brevivência num ambiente absolutamente adverso (além da censura pro-
priamente dita, sofriam, por parte do regime, o bloqueio de publicidade
e, frequentemente, a violência de atentados e agressões). Souberam, com
formidável galhardia, carregar as melhores bandeiras das reivindicações
democráticas.
Daí a relevância deste projeto, que conta a história do semanário Movimento,
que circulou entre 1975 e 1981. Numa etapa em que a censura imperava, a
luta de pequenas publicações como Movimento contra a máquina de impor
silêncio era de uma audácia formidável. Foi imensa sua importância e sua
influência ao trazer à tona vários temas que geraram debates enriquecedores.
A Petrobras é a patrocinadora do projeto de resgate da história do se-
manário Movimento. Somos uma empresa que aposta no futuro. Por isso
sabemos da importância de se conhecer nosso passado.
Tendo como missão primordial, desde que foi criada, contribuir para o
desenvolvimento do Brasil, a Petrobras segue rigorosamente esse com-
promisso em seu dia a dia. Damos nossa contribuição apoiando a indús-
tria pesada brasileira, aprimorando nossos produtos, expandindo nossas
atividades para além das fronteiras, desenvolvendo tecnologia de ponta
– e patrocinando as artes e a cultura. Além de maior empresa do Brasil,
somos também os maiores patrocinadores culturais. E fazemos isso obser-
vando sempre nossa missão primordial.
Afinal, um país que não respeita sua cultura, que desconhece o seu pas-
sado, jamais será um país desenvolvido.
2 II
Azevedo, Carlos
Jornal Movimento : uma reportagem / Carlos
Azevedo ; com reportagens de Marina Amaral e
Natalia Viana. -- 1. ed. -- Belo Horizonte, MG :
Editora Manifesto, 2011.
11-05774 CDD-070.43
III 3
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O
jornal Movimento foi uma das mais extraordinárias criações
do movimento democrático e popular brasileiro na luta con-
tra a ditadura militar dos anos 1964-1984. Surgiu em meados
de 1975, num momento em que o regime ditatorial desen-
volvia uma operação tática de grande amplitude: a “disten-
são lenta, gradual e segura” comandada pelo presidente general Ernesto
Geisel e seu grande estrategista e chefe da Casa Civil, general Golbery do
Couto e Silva.
Um dos lances mais destacados da “distensão” foi a suspensão da cen-
sura prévia a O Estado de S. Paulo. O grande diário conservador apoiara
o golpe militar de 1964. Mas não aceitara a censura prévia, que se fazia
através de comunicados da Polícia Federal com listas de assuntos proibi-
dos. Para poder continuar existindo, o jornal acabou por aceitar censores
federais dentro da própria redação.
No início de 1975, o governo retirou os censores do Estadão. E suspen-
deu os comunicados de censura da PF para os outros grandes jornais. Mas
manteve a repressão policial e a censura a periódicos mais combativos
selecionados. Ou seja: a ditadura recuava; mas com o claro propósito de
se fortalecer no campo conservador e isolar as forças mais progressistas.
Movimento se formou sob a liderança de um grupo de jornalistas e de
deputados do chamado grupo “autêntico” do PMDB que discordava da
avaliação de que o general Geisel levaria o País à democracia e faria um
governo ligado aos interesses nacionais.
O semanário apoiou-se decididamente nos movimentos populares. Foi
lançado a partir de uma empresa formada com pequenas contribuições em
dinheiro de cerca de 500 pessoas. Além de ser vendido em bancas, suas
assinaturas e seus números avulsos foram vendidos em algumas dezenas
de cidades do País, semana após semana, por centenas de jovens militan-
tes, de praticamente todas as correntes políticas que resistiram à ditadura,
durante seis anos e meio, de seu número 1, de 7 de julho de 1975, ao seu
número 334, de 23 de novembro de 1981.
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Editora Manifesto,
São Paulo, maio de 2011
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Epígrafe 01
Introdução 05
Capítulo 1: Já nasceu sob censura 09
Capítulo 2: Movimento nasce de Opinião 17
Capítulo 3: O jornal dos jornalistas 27
Capítulo 4: Uma mobilização nacional 35
Capítulo 5: A arte da resistência 55
Capítulo 6: A luta contra a censura 67
Capítulo 7: A batalha econômica 87
Capítulo 8: Em busca do método democrático 99
Capítulo 9: As primeiras divergências 113
Capítulo 10: O debate dos Ensaios Populares 121
Capítulo 11: A política de Carter, um dos estopins 133
Capítulo 12: O “racha” de abril de 1977 145
Capítulo 13: A luta continua 159
Capítulo 14: O sobe e desce das f inanças 175
Capítulo 15: A campanha pela Constituinte 181
Capítulo 16: A campanha pela anistia 189
Capítulo 17: O apoio aos militares dissidentes 197
Capítulo 18: A censura caiu: “Vencemos!” 203
Caderno de fotografias 212
Capítulo 19: Assuntos e o movimento contra a carestia 213
Capítulo 20: O movimento dos metalúrgicos do ABC 223
Capítulo 21: O jornal e o PCdoB 245
Capítulo 22: O debate sobre o campo socialista 255
Capítulo 23: Adeus ao AI-5 e anistia restrita 261
Capítulo 24: O debate sobre os novos partidos 271
Capítulo 25: Aos cinco anos, nova mobilização 283
Linha do Tempo 283
Capítulo 26: Queda nas vendas e o terrorismo 293
Capítulo 27: Os últimos esforços 301
Capítulo 28: “Até amanhã de manhã” 307
Epílogo Cordel 313
Anexo 1 - Artigo da Folha de S. Paulo, 27/11/1981 317
Anexo 2 - Equipe e folha de pagamento em 1975 320
Anexo 3 - Lista de acionistas em 1976 322
Índice onomástico 330
DVD encartado na terceira capa
O
jornal Movimento chegou às bancas pela primeira vez em 7
de julho de 1975, uma segunda-feira. E nasceu feio. A capa
não convidava o leitor, dava a impressão de que nem fora
paginada, toda negra. Logo abaixo do logotipo com o nome
do jornal, vazado em branco, lia-se “Ano 1 nº 1 Cr$ 5,00”.1
Mais nada, nem data trazia. Na metade superior, sobre o fundo negro, uma
foto obscura, um homem em pé, o rosto não aparecia, parado entre os
trilhos de uma estrada de ferro. Havia papéis rasgados, pedaços de pau e
objetos espalhados ao redor; um relógio de parede, amassado, jazia junto
a um dormente, com os ponteiros paralisados às 4 horas e 55 minutos.
À esquerda da foto, uma legenda na vertical que, posta às pressas, ficou
torta, e em pequenas letras brancas dizia: “Central do Brasil, Rio”. Na
metade inferior da página, se lia: “cena brasileira: SUBÚRBIO CARIOCA
por Aguinaldo Silva”. Na parte de baixo, duas chamadas de matéria dan-
çavam soltas na escuridão de tinta.
Vinte e um mil leitores o compraram. Gravemente mutilado pela censura
prévia, ainda assim aquele era um jornal ansiosamente esperado. Grande
parte dos que o compraram sabia que o que estava ali não era apenas um
jornal, mas o retrato de uma batalha, da luta pela liberdade de opinião.
Adquiri-lo era uma tomada de posição e um ato de apoio.
Que Brasil era esse de 1975 em que esse jornal estreava estropiado? A
ditadura militar que havia derrubado o Estado de direito acabara de com-
pletar onze anos. Em longo processo de repressão e crimes contra os di-
reitos humanos, havia liquidado a oposição, inclusive as tentativas de
resistência armada, e tinha o controle completo do País. Como uma onda
poderosa, ocupara toda a praia.
Porém, já começava a refluir. A bonança da economia capitalista do pe-
ríodo pós-Segunda Guerra chegava ao fim. Os Estados Unidos foram le-
vados a romper os acordos de Bretton Woods que garantiam o dólar com
1 Equivalentes a R$ 8,50 em janeiro de 2011 (IGP-DI FGV).
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2 Arquivo Nacional/Ministério da Justiça – Fundo DSI/MJ (Despacho com o Sr. Presidente). In:
Souza, Maurício Maia. Henfil e a censura: o papel dos jornalistas. São Paulo, 1999. Dissertação
(Mestrado) – Escola de Comunicação e Artes, USP.
3 Entrevista de Sérgio Buarque de Gusmão em 21 de outubro de 2009.
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ada redator, cada colaborador de Movimento chegou ao jor-
nal por seu caminho pessoal e na certa o vê como uma passa-
gem: não sendo como um castelo, de pedra e argamassa, que se
constrói para ser eterno, um jornal é talvez como uma viagem.
Assim começava o texto “Nasce um Jornal”, publicado no
“número zero” de Movimento, na verdade, uma peça de propaganda na
forma de uma edição preliminar de oito páginas em formato tabloide, com
70 mil exemplares de tiragem, destinada a conquistar acionistas e leitores.
O objetivo, concretizar o projeto de um “jornal feito por uma empresa de
jornalistas” que acreditavam que sua tarefa profissional era “não apenas
descrever o mundo, mas ajudar a transformá-lo”.
Escrevendo na primeira pessoa do singular, o editor-chefe Raimundo
Rodrigues Pereira explicava ao longo do editorial como, onde e por que
nasceu a ideia de um jornal independente:
Para mim, a viagem começa em 1968, o ano das agitações de
maio da França, da invasão da Checoslováquia, da ofensiva do
Tet no Vietnã do Sul e do Ato Institucional nº 5 e do fechamen-
to do Congresso, no Brasil. Em 1968, no jornalismo brasileiro
estava se fazendo a equipe de Veja e se desfazendo a equipe da
Realidade (...) O fim da primeira equipe de Realidade se devia
a um desses dilemas a que sistematicamente chega uma equi-
pe que cria um jornal para uma empresa e que, com o passar
do tempo, e com o sucesso da publicação, começa a acreditar
que a publicação é dela, não do dono. O resultado da crise foi
que a equipe saiu e o dono ficou.
Na época, Realidade era a principal referência do bom jornalismo brasi-
leiro, não apenas por suas reportagens, que desnudavam o País da ditadu-
ra militar, mas também pelo brilho e independência de sua redação, que
se demitiu quando a interferência do patrão na vida da revista se tornou
incontornável. Em parte, foi a partir da experiência em Realidade que
nasceu o sonho do “jornal dos jornalistas”, das publicações sem patrão.
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A POLÊMICA DA DEMISSÃO
No dia 18 de fevereiro de 1975, Fernando Gasparian havia demitido o editor-
chefe Raimundo Pereira, alegando “problemas pessoais”, como reafirmaria
na nota publicada na edição 122 de Opinião, na semana seguinte. A reda-
ção, que havia participado da fundação do semanário e contribuído para seu
indiscutível sucesso, considerou a atitude incompatível com os princípios
do jornal e a grande maioria se demitiu, sem deixar de fornecer sua própria
versão do episódio: em uma nota lida na Associação Brasileira de Imprensa
(ABI), a equipe insistia no conteúdo político da demissão em um momento
delicado, quando se discutia o significado da distensão prometida pelo pre-
sidente Ernesto Geisel.3
1 Atualização por índice do IGP-DI FGV.
2 Entrevista de Raimundo Pereira ao Ex-12 em 12 de maio de 1975.
3 Nota de Gasparian, edição 122 de Opinião, 7 de março de 1975:
“Substituição
A direção de Opinião decidiu substituir o editor do jornal, o sr. Raimundo Rodrigues Pereira, e foi
surpreendida com a demissão coletiva da redação. As razões da substituição do editor estão
relacionadas unicamente a problemas de gestão interna do jornal.
Opinião representa um estilo de jornalismo íntegro e independente que não se baseia apenas na
linha de coerência política e nos princípios profissionais da direção ou da redação. É um jornal
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popular, essa coisa toda, e a questão nacional não era tão dra-
mática quanto a questão social. Mas todos estavam no mesmo
lado, estou dizendo aqui nuances.6
AINDA A DEMISSÃO
O momento era delicado também para a redação de Opinião, traumatizada
por deixar o jornal, como lembra Flávio de Carvalho, que foi editor de Inter-
nacional do semanário.
O Raimundo chegou na redação e disse: “Acabou”. Foi uma
grande comoção... Estava terminando uma coisa em que todo
mundo estava investindo, virava a noite fazendo o jornal, en-
frentava a censura, era um sacrifício danado. Aquilo era a vida
de todo mundo, a gente morava no Rio e ninguém ia à praia, o
máximo de farra era comer pizza no (restaurante) Guanabara.
Mas ali mesmo, já naquela reunião, combinamos que íamos
tentar fazer outro jornal, em São Paulo.7
Além de superar o trauma e enfrentar a aventura de fazer um novo
jornal sem os recursos financeiros e o respaldo político e intelectual de
Gasparian, a redação enfrentava críticas de que estaria dividindo o movi-
mento de resistência à ditadura.
Na entrevista citada, Fernando Henrique Cardoso lembrou: “No primei-
ro momento, fiquei contra dividir. Pra que dividir?” Ele achava que po-
dia pôr em risco o Opinião e não conseguir concretizar uma alternativa.
“(Poderia) ficar sem instrumento, sem a força do Opinião. Ficar sem um
instrumento qualquer. Mas depois, dado que era inevitável, fiquei nos
dois. Fui do conselho dos dois, escrevia nos dois...”
Daí a preocupação de Raimundo no texto do número zero de Movimento
em demonstrar que haviam feito tudo o que podiam para reverter a deci-
são de Gasparian – “as discussões com Gasparian se prolongaram ao longo
de vários dias” – e que as previsões de FHC não se confirmariam:
A possibilidade de transformar a crise em um acontecimen-
to criativo para o País surgiu quando nós decidimos fazer
Movimento e, além disso, quando a maioria da equipe se con-
venceu de que, a despeito de o dono do jornal ter tomado uma
decisão fundamentalmente errada, se devia lutar por Opinião,
ajudando-o a conservar princípios duramente conquistados.
Raimundo repetiu em entrevista em outubro de 2009 que a redação fez
tudo o que pôde para manter-se em Opinião, oferecendo primeiro a possi-
bilidade de formar uma comissão para editar o jornal e depois outro nome
do time para substituir o editor-chefe:
Eu estou quase certo que houve até o seguinte: o cara de
quem o Gasparian gostava pessoalmente era o Marcos Gomes
(...). Eu já sou meio avacalhado hoje, se vocês me vissem na
6 Entrevista de Fernando Henrique Cardoso em 10 de fevereiro de 2010.
7 Entrevista de Flávio de Carvalho em 5 de novembro de 2009.
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o calor da hora da saída coletiva de Opinião, houve con-
senso de que era possível fazer um novo jornal, um jornal
sem um empresário patrão, um “jornal dos jornalistas”. O
primeiro problema era o dinheiro. Sem um patrão, de onde
o dinheiro viria?
Uma solução provisória foi dada pelos amigos de Raimundo, engenhei-
ros, expurgados como ele do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA),
após o golpe militar em 1964, que moravam no Rio de Janeiro, e com os
quais tinha laços políticos e de amizade que atravessariam anos (no final
de 2008, quarenta e quatro anos depois da data em que deveriam ter se
formado, eles foram finalmente anistiados e receberam diplomas de en-
genheiros honorários da escola). Frederico Magalhães Gomes, irmão de
Marcos Gomes, Raymundo Theodoro de Oliveira, que seria depois depu-
tado estadual no Rio, Gilcio Martins, engenheiro da Digital, Ezequiel Dias,
engenheiro do Serpro, serviço federal de processamento de dados, João
Lizardo e outros amigos se cotizaram e levantaram recursos para manter
por três meses Raimundo, Tonico e Marcos representantes do grupo em-
penhado no esforço de articular o novo jornal.
Essa foi a parte mais fácil. Difícil, aliás, impossível, foi obter um con-
senso entre o pessoal da redação, agora todos desempregados, quanto ao
caminho a ser seguido. Foi um processo complicado, detalhadamente
descrito em “Nasce um Jornal”, publicado no número zero:
Fernando Gasparian costumava dizer que se discutia demais
em Opinião e, a certa altura, os fatos pareciam concordar com
ele: a redação levou uma semana para dar o primeiro passo
que lhe permitiria sair democraticamente de Opinião para
Movimento – a nomeação de uma comissão que representasse
todas as tendências dentro do jornal e que tivesse poderes para
decidir tudo, especialmente quem seria o editor geral e como
ele se relacionaria com os editores – questões centrais do po-
der dentro de uma redação.
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M
ovimento existiu, de fato, em virtude de uma das mais
amplas mobilizações políticas daquele período. Diversos
setores da sociedade desde o início identificaram o jornal
como uma janela para o debate político e lhe deram res-
paldo, como os militantes e intelectuais de esquerda das
mais variadas tendências e partidos. Foi o caso também dos católicos mais
ligados à população pobre, aos movimentos eclesiais de base, com ação em
sindicatos de trabalhadores e movimentos de bairro, que, apoiados no jornal,
deram impulso à oposição sindical metalúrgica, ao Movimento do Custo de
Vida em São Paulo e aos movimentos em defesa dos trabalhadores rurais sem
terra, posseiros e índios. Bispos como dom Pedro Casaldáliga, de São Felix
do Araguaia, e Moacir Grecchi, da Pastoral da Terra, e outros, pelo País afora,
se tornaram interlocutores e bases de apoio do jornal.
O repórter Murilo Carvalho, que fazia as reportagens sobre a Cena
Brasileira, conta que em qualquer lugar a que chegasse pelo País afora
encontrava abrigo e apoio nas prelazias e missões católicas:
Qualquer lugar em que eu chegasse, por exemplo, na
Amazônia, havia sempre um grupo de 10, 12 pessoas que
eram distribuidoras do jornal Movimento (...) era assim em
tudo quanto é canto do País. Eu tenho amigos, que hoje são
sessentões como eu, que continuam me apoiando nos meus
trabalhos sociais. E a gente se encontra, temos contato com
uma certa frequência, na Bahia, no Amazonas, no Pará, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas, muita gente aí.1
O jornal foi utilizado como instrumento de debate pelo movimento estu-
dantil, pelos intelectuais de oposição e movimentos populares, nos vários es-
tados. Dessa mobilização iriam surgir as sucursais e uma rede de distribuição
do jornal por todo o País. O núcleo central das atividades do jornal sempre foi
São Paulo. Tanto o trabalho jornalístico como também as principais articula-
ções políticas se concentravam na capital paulista. Ali se davam as maiores
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vendas, seja nas bancas como em assinaturas e ainda em venda direta, e ali
estava o maior grupo de acionistas. O apoio político era palpável e se eviden-
ciou nos momentos de dificuldades do jornal, que foram vários. Os apelos
da equipe receberam até o fim respostas positivas. Era grande o número de
colaboradores, vendedores, articulados por toda a capital e algumas cidades
vizinhas. Os estudantes estavam entre os mais participantes.
Paulo Barbosa, então estudante de Comunicação, foi um deles.
“Eu vi o número zero. Chegou lá na faculdade de Medicina da USP,
onde eu trabalhava, e achei muito interessante, essa coisa do jornal dos
jornalistas, que ia informar sobre a cultura e a situação do Brasil”.2 Paulo
foi procurar emprego no jornal, e acabou ajudando na administração, na
complicada logística da censura e também na área de vendas.
“O importante era fazer o jornal circular. A gente trabalhava com o maior
ânimo. Eu participava do movimento estudantil, tinha muitos conheci-
dos, então distribuía nas universidades, USP, PUC, na Cásper Líbero. E
sempre que tinha eventos também, teatros, shows, a gente ia na porta ven-
der”, diz Paulo. Luiz Bernardes conta que ele começou a participar desse
sistema de vendas ainda no tempo de Opinião, em Belo Horizonte:
Aí, começou essa coisa, da venda militante, da venda política, de usar o
jornal, o próprio conteúdo dele, mas também o processo de venda e distri-
buição como um processo de aglutinação política, parece que surgiu ali. O
jornal chegava, a gente passava ao DCE e os DAs3 vendiam imediatamente.
Esse hábito foi sendo criado. Essa foi uma experiência que acabou depois
sendo mais sistematizada no jornal Movimento.4
Bernardes havia sido militante político da Ação Popular no movimen-
to estudantil, ficara preso entre 1971 e 1972 no presídio Tiradentes, em
São Paulo. Ao sair, começou uma carreira de jornalista. Trabalhou numa
revista da editora Abril e no Diário de Minas em Belo Horizonte. Dali foi
para Opinião. Ficou algum tempo na sucursal, como redator, depois foi
chamado para o Rio de Janeiro para organizar o sistema de assinaturas.
Por que ele? Porque, em sua militância como dirigente da União Brasileira
de Estudantes Secundarístas, Ubes, havia viajado muito e feito contatos
políticos e amizades por todo o País. Por isso, logo no início do novo jor-
nal ele se transferiu para São Paulo, onde participou da primeira fase da
organização do departamento de vendas.
À sede do jornal em São Paulo se agregaram outros vendedores, mi-
litantes políticos recém-saídos das prisões. Antonio Neto Barbosa, mais
conhecido como Barbosinha, de Poços de Caldas, conterrâneo e amigo de
infância de Murilo Carvalho, era dirigente do PCdoB. Ao ser libertado,
foi morar na casa de Luiz Bernardes. Convidado por este, foi trabalhar no
jornal no departamento de vendas, em 1976. A maior parte dos militantes
do PCdoB que passou a colaborar com o jornal o fez no setor de vendas,
2 Entrevista de Paulo Barbosa em 17 de dezembro de 2009.
3 DCE – Diretório Central de Estudantes; DA – Diretório Acadêmico.
4 Entrevista de Luiz Bernardes em 30 de novembro de 2009.
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como Barbosinha. Foi o caso de Amelinha Telles, que ficara três anos pre-
sa e procurava trabalho.“Eu tinha um marido preso e os filhos pequenos
que dependiam de mim”. Ela conta que suas companheiras do jornal fe-
minista Brasil Mulher a informaram que havia possibilidade de emprego
remunerado no jornal Movimento. “Eu conhecia o Barbosinha da prisão.
Aí, falei com ele e fui”.
Amelinha, que em 2010 continuava a ser uma militante em favor da inves-
tigação sobre os assassinatos e desaparecimentos praticados pela ditadura
militar, trabalhou no departamento de vendas do jornal entre 1976 e 1979.
Ela lembra que a sede era agitada dia e noite pelo movimento de estudantes
entrando e saindo. Muitos eram da faculdade de Medicina da USP, que ficava
perto dali: “Eles vinham tomar um café e conversar. Queriam levar o jornal
para vender na faculdade ou então acertar o que venderam... E sempre fala-
vam: ‘olha, essa capa ficou horrível, essa matéria está boa...’”.5
“Tinha estudantes que eram mais velhos e foram para a clandestinida-
de, estavam voltando, ou estavam na clandestinidade e viam que a gen-
te estava lá”, conta Amelinha, explicando que se tornou uma referência
para militantes do PCdoB que estavam desarticulados. “As vendas diretas
eram o termômetro do apoio da militância ao jornal”, explica Raimundo
Pereira. “A campanha de assinatura era permanente, ela dava sustentação
política. E a pessoa também emprestava seu nome, seu prestígio para di-
zer para ditadura: ‘Eu também leio o jornal Movimento, então, não mexa
com ele’”, completa Amelinha Telles, para quem os assinantes do jornal
merecem ser lembrados pela sua coragem e generosidade.
Na capital, havia uma articulação de cooperação e apoio com a opo-
sição sindical metalúrgica, ligada à Juventude Operária Católica (JOC) e
às Comunidades Eclesiais de Base. Através da JOC mais gente começou
a tomar contato com Movimento. Foi o caso de Sueli Freitas, que mora-
va na zona leste da cidade. Filha de imigrantes nordestinos, ela entrou
em contato com a JOC através do movimento comunitário do bairro de
Burgo Paulista. Ainda em 1976, Raimundo Pereira foi lá para apresentar
o projeto.“Me ofereci para ser o contato deles e vender o jornal”, lembra
Sueli, na época com 20 anos. “Eu ia até à redação para pegar os exempla-
res com o Barbosinha. Pegava três conduções até lá, e o dinheiro não dava
para absolutamente nada. Mas eu sentia que estava fazendo alguma coisa
importante, estava na resistência à ditadura”, conta.6
“Para mim foi uma abertura, um salto de consciência muito grande o de
tomar conhecimento do que estava acontecendo no País e no mundo. E
foi o jornal que fez isso”, lembra. Além de uma lista de contatos dada por
Barbosinha, Sueli vendia para amigos, o pessoal da JOC – que inclusive
fazia grupos de leitura das matérias – e ia aonde houvesse shows, grupos
de teatro e rodas de capoeira. Também entregava exemplares a uma freira,
que os revendia em Ermelino Matarazzo.
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BRASÍLIA
Como o jornal surgiu depois de quatro meses de campanha em busca de
apoio por vários estados, ele já nasceu com uma abrangência nacional. A
representação de Movimento em Brasília foi uma das mais importantes.
Em 1975, quando o mineiro Teodomiro Braga chegou à capital, com 21
anos, ele estava praticamente isolado.
Eu era o único jornalista de oposição em Brasília. Era quase que
um leproso ali, porque havia uma acomodação ao regime militar
em todas as instituições. Então, tive dificuldades. Não consegui
credencial do Palácio, não consegui credencial da Câmara dos
Deputados, não consegui credencial do Senado, não consegui de
lugar nenhum. No começo, era uma dificuldade imensa para fazer
a cobertura, e a gente fazia um esforço enorme para ouvir todos
os lados, ouvir o governo, ouvir as autoridades, os ministros.7
Mas aos poucos foi sendo criada uma rede de contatos e de fontes de
informação. “Tínhamos um bom contato com os autênticos, um bom con-
tato com o MDB de modo geral, e tinha um grupo grande da Arena com
quem a gente conseguia falar, não era nem dissidência, era um pessoal da
Arena mais aberto”, diz Teodomiro.
Junto com ele trabalharam vários outros jornalistas, ao longo da história
do jornal: Fátima Murad, Jaime Sautchuk, Vera Lúcia Manzolillo, Antonio
Carlos Queiroz, Barbara Harz, Eduardo Neto, Carlos Alberto de Almeida.
Fátima Murad lembra:
A gente vivia no Congresso, vendia cotas, assinaturas, levanta-
va pautas... Me lembro uma vez eu vendi uma assinatura até para
o Jarbas Passarinho, ele me conhecia porque cobri o Ministério
da Educação quando estava na imprensa de Brasília, e me cha-
mava de “língua ferina”. Um dia, falei para o Teodomiro: “Você
quer ver eu vender uma assinatura do Movimento para o Jarbas
Passarinho?”. Ele falou: Eu duvido. Aí eu fui lá: Ah, senador que-
ria pedir um favor..., e ele: Não recusaria nada pra você... Depois
era engraçado ver o nome dele na lista de assinantes.8
7 Entrevista de Teodomiro Braga em 1º de dezembro de 2009.
8 Entrevista de Fátima Murad em 25 de janeiro de 2010.
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RIO DE JANEIRO
A sucursal do Rio de Janeiro também nasceu junto com o jornal. “O nos-
so calcanhar de aquiles sempre foi o Rio”, avalia Marcos Gomes13, que
comandou a sucursal até meados de 1977, junto com Ricardo Bueno e
Genilson Cezar. Entretanto, alguns dos colaboradores cariocas seriam
fundamentais, chegando a se confundir com a história do jornal, como
Aguinaldo Silva, uma das “estrelas” do semanário. Outro foi o jornalista
Maurício Azedo, com textos brilhantes como o do casamento do futuro
presidente da República Fernando Collor de Melo, então um playboy bus-
cando ascensão social, com uma jovem da alta sociedade carioca, Lilibeth
Monteiro de Carvalho, herdeira de um sócio da Volkswagen e de mais de
uma dezena de indústrias.14
11 Entrevista de Antonio Carlos de Queiroz, citada.
12 Entrevista de Alencar Furtado em 25 de fevereiro de 2010.
13 Entrevista de Marcos Gomes em 30 de novembro de 2009.
14 “ Um Casamento inesquecível”, edição 17, pág. 9 – (...) Cita o cronista Zózimo Barrozo do
Amaral, que no estilo das histórias das mil e uma noites relatava assombrado: “além de dezenas
de perus, cascatas de lagostas, camarões, etc., havia uma mesa onde era possível ao comensal
escolher o queijo francês de sua preferência, já que se encontravam ali todos os tipos, marcas e
sabores mais conhecidos”. E o colunista Jacinto de Thormes, que escrevia: “desafio que na história
do Copacabana Palace, mesmo as festas ao Príncipe de Gales, aos reis de tantos reinados e artistas
de tantas coisas, não tenha acontecido algo tão próprio. (...) Foi o último e foi o primeiro. Não me
lembro de ter visto nada assim”. (...) Só um reparo foi feito à festa: o vestido da noiva tinha uma
etiqueta francesa de Scherr. Maria Claudia Bonfim manifestou seu desencanto com isso: “Por que
não prestigiou nosso Guilherme Guimarães? A hora está para a gente aplaudir as cores pátrias”.
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aviso foi deixado no quadro negro: “Tem que fechar”. Mais sinistro ainda, a
porta da sala não havia sido forçada. Segundo Márcio Bueno, a polícia não
foi nem mesmo checar as digitais. “Se a polícia quisesse, poderia identificar
os invasores”, declarou ele à Folha de S.Paulo.16
BELO HORIZONTE
A sucursal de Belo Horizonte foi a mais poderosa, chegou a reunir 500
apoiadores. Era a que mais vendia jornais, que mais vendia assinaturas e
cotas de acionistas, depois da sede em São Paulo.
O núcleo do jornal em Belo Horizonte começou a partir das articulações
de Marcos Gomes e Luiz Bernardes, que reuniram inúmeros colaborado-
res e acionistas no seu entorno. O jornalista Lélio Fabiano dos Santos,
que usava sua sala de diretor da escola de Comunicação da PUC como
uma pequenina redação, foi o primeiro correspondente. Lélio dividia seu
pequeno salário com dois jovens jornalistas, Marco Antonio Vale e José
Eustáquio.
Movimento teria uma sucursal em Belo Horizonte já em outubro de 1975.
E isso se deveu bastante aos esforços de Alberto Dias Duarte, o Betinho, um
pequeno empresário que havia sido militante da Ação Popular. Procurado
por Marcos Gomes para ajudar a vender cotas, Betinho foi além, ofereceu
uma das salas do prédio da rua Rio de Janeiro, onde funcionava a sua em-
presa Cifra Ltda., como sede da sucursal. “A infraestrutura praticamente
toda era da minha empresa. Que eu me lembre, nunca recebi um centavo
do jornal”, diz Betinho.17
Ele cuidava da parte administrativa, enquanto Lélio comandava a re-
dação. Com uma sede fixa, o grupo ia crescendo. A convite de Betinho
entraram novos colaboradores, gente politizada e intelectualizada, como
Aloisio Marques, João Batista dos Mares Guia, Fausto Brito, Flávio
Andrade, Flaminio Fantini, Murilo Albernaz, Maria das Dores Freire e
Fernando Pimentel18, todos muito atuantes nas intensas discussões inter-
nas de Movimento das quais se falará logo mais.
No começo de 1976, Raimundo Pereira foi a Belo Horizonte para orga-
nizar pessoalmente a estrutura da nova sucursal. Betinho foi nomeado
chefe, tendo o jornalista Fernando Miranda como redator-chefe. A sucur-
sal tornou-se uma usina de articulação, textos e ideias. No primeiro ano já
havia mais de 30 pessoas colaborando das mais variadas maneiras. Belo
Horizonte teve, por exemplo, uma das maiores produções de contos e crô-
nicas entre as sucursais; naquele ano, 22 Estórias Brasileiras foram envia-
das, embora apenas dez tenham sido publicadas. Quanto às reportagens,
das 201 matérias enviadas, 64 foram publicadas e 41 vetadas pela censu-
42
43
CAMPINAS
Um dos mais longevos e efetivos pontos de apoio de Movimento se es-
tabeleceu na importante cidade universitária de Campinas, a cem quilô-
metros de São Paulo. Em março de 1977, um jovem estudante de Física
(na verdade, ele mais participava de movimento estudantil do que ia às
aulas) soube que Movimento precisava de vendedores na cidade. “Como
eu conhecia absolutamente tudo na Unicamp, comecei a vender muita
assinatura”, lembra Álvaro Caropreso. Já no primeiro mês, foram 35 assi-
naturas semestrais. Ao longo de cinco anos, Álvaro foi um dos principais
vendedores do jornal, organizando uma equipe em Campinas e contando
com um carro comprado pela empresa. “Rodei uns 30 mil quilômetros
naquele fusquinha verde-abacate”.20 Dos 5 mil assinantes que Movimento
chegou a ter, cerca de um quinto era da região de Campinas.
A tática era simples: buscar apoio político amplo, conversar com todos,
sem perguntar filiação partidária; e aceitar ajuda de todos.
O político do MDB Orestes Quércia, por exemplo, entregou ao vendedor
uma lista de cadastro do MDB na região: centenas de nomes, que Álvaro
foi visitar um por um. “Eu traçava um roteiro para ir com meu fusca, ia pa-
rando de lugar em lugar, PUC, prefeitura, Cia. Paulista de Força e Luz...”,
diz ele, para quem qualquer um que fizesse política era “alvo”. Outros
aliados foram Paulo Renato de Souza, futuro ministro de Educação do go-
verno FHC, que listava nomes de colegas que poderiam virar assinantes;
José Roberto Magalhães Teixeira, futuro prefeito de Campinas e deputado
federal, que tinha uma banca de revistas e mantinha um talão de assi-
naturas para oferecer aos clientes; e Alcides Mamizuka, futuro vereador
e secretário municipal de Educação, que tinha uma banca de livros no
Instituto de Ciências Humanas da Unicamp.
A principal base era mesmo na Unicamp. Tanto que, meses depois, um
grupo de professores da Engenharia passou a cotizar o aluguel de uma sala
pertinho da universidade, com cheques pré-datados – entre eles, Hermano
Tavares, futuro reitor da Unicamp e secretário municipal de Educação. E
20 Entrevista de Álvaro Caropreso em 24 de fevereiro de 2010.
44
SALVADOR
A primeira articulação para uma sucursal na Bahia começou em 1975, quan-
do Luiz Bernardes entrou em contato com um ex-colega do movimento se-
cundarista, Tibério Canuto. Ex-preso político, Canuto presidira a União Brasi-
leira dos Estudantes Secundaristas, em 1966, fora militante da Ação Popular
e àquela altura trabalhava no Jornal da Bahia. Formava, ao lado de Emiliano
José (que mais tarde se tornaria deputado federal), Oldack Miranda e outros,
um grupo de jornalistas de esquerda na Bahia. “Eu já tinha feito uma matéria
para o Opinião antes da ruptura do Gasparian com a equipe. Passou um certo
tempo, o Bernardes fez outro contato e o Raimundo viajou até a Bahia para
conhecer a gente”, conta Canuto.21
21 Entrevista de Tibério Canuto em 15 de março de 2010.
45
Tibério veio a ser chefe de redação e alugou uma sala contando com o apoio
especial dos autênticos do MDB. Chico Pinto morava em Brasília, o que o im-
pedia de ter tanto contato com a sucursal. Mas seu aliado Adelmo de Oliveira
entrou no projeto como chefe do escritório. A pequena sala em um prédio
comercial da rua Sete de Abril foi, inclusive, alugada em seu nome.
“Outro grupo forte eram as correntes do movimento estudantil que
se aproximaram do jornal buscando um espaço para a sua expressão.
Tinha duas correntes que disputavam entre si, mas trabalharam juntas
em Movimento: Viração e Novação”, lembra Canuto. Ambas tinham for-
te presença na Universidade Federal da Bahia e levaram para as fileiras
de apoio ao semanário nomes como Candido Vacarezza22 e o jornalista
Antônio Jorge Moura.
Além dos exemplares dos assinantes, a turma levava jornais para ven-
der na universidade e em algumas bancas de revistas. “Tinha a Banca do
Careca, ao lado do Elevador Lacerda, na época, o mundo político e inte-
lectual comprava jornais do sul nessa banca”, diz Canuto. Assim, evita-
vam o atraso comum da distribuidora, que às vezes entregava o jornal só
na terça-feira: “No sábado a gente já estava botando na banca do Careca.”
“Havia divergências no jornal em relação a algumas posições”, diz
Tibério Canuto. Tais discordâncias estavam na raiz da ruptura de abril de
1977, quando a maioria da equipe da sucursal deixou Movimento. Uma
outra sucursal se organizaria em seguida.
RECIFE
Em Recife, um ano depois do lançamento (1976), um grupo se juntou para
divulgar o semanário. Por iniciativa própria alugou uma sala, rateando o
aluguel, antes mesmo de o Conselho de Redação aprovar a implantação
de uma sucursal. Antes disso, o jornalista Ivan Maurício, que tinha sido o
grande redator de Opinião no Nordeste, já representava Movimento como
correspondente fixo. O jornal chegava tarde da semana na cidade, às quar-
tas-feiras ou depois. Só passaria a chegar mais cedo, na terça, em setembro
de 1975. “É um grande trunfo para a imagem do jornal por aqui”, registrou
então Ivan Maurício.
Em março de 1976, assumiu como correspondente o estudante Geraldo
Sobreira, que trabalhava também para o Diário de Pernambuco. Além dele,
passaram a colaborar os jornalistas Marcos Cirano, Virginia Botelho, Antonio
Magalhães e Bety Salgado. Em agosto daquele ano, o escritor Paulo Santos
Oliveira tornou-se responsável pelas assinaturas na cidade, iniciando tam-
bém a bem-sucedida estratégia de venda em livrarias. No mesmo mês,
Sobreira recebeu a notícia de que a turma de São Paulo aprovara a fundação
de uma sucursal. A reação foi entusiasmada, já que, segundo ele, Movimento
era pouco conhecido no Nordeste, e em algumas capitais importantes, como
Maceió, quase desconhecido. “No interior, nem se fala”, escreveu em uma
22 Candido Vacarezza se tornaria deputado estadual e depois federal, sendo, a partir de 2009, líder
do governo na Câmara dos Deputados.
46
BELÉM
Em Belém, Movimento se inseriu na articulação para a constituição da
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), foco de re-
aglutinação de militantes da esquerda.
Em 1976, estávamos tendo contato com pessoas que queriam
retomar o movimento democrático. Era uma peregrinação de-
mocrática, pessoas que tinham sido estudantes na década de
1960... A distribuição de Movimento era justamente entre es-
ses setores de esquerda, pessoas com quem a gente podia con-
tar para a retomada dos movimentos sociais,
assim explica Hecilda Veiga,25 ex-militante da AP que estivera presa ao
lado do marido, Paulo Fonteles,26 por um ano, período em que teve um
filho na prisão: “Nesse momento o jornal acabou sendo um grande esti-
mulador do debate de que era possível nos organizarmos pela luta demo-
crática.”
Belém é a porta de entrada para a floresta, tema de muito interesse do
jornal e de Raimundo Pereira em particular.
Nós, jornalistas, temos de ser os naturalistas modernos que
descreverão o horror da atual colonização da Amazônia pelo
capitalismo e o latifúndio selvagem e, ao mesmo tempo, os
arautos dos que profetizam as maravilhas da nova civilização
que a natureza e o povo amazônico certamente esperam e qua-
se certamente conseguirão,
23 AP 284.03.42 Fnd Mov APSP.
24 Entrevista de Sueli Fontes, em seis de janeiro de 2010.
25 Entrevista de Hecilda Veiga em 20 de janeiro de 2010.
26 Paulo Fonteles, advogado de posseiros e trabalhadores rurais, militante do PCdoB, foi deputado
estadual no Pará, assassinado em Belém em 11 de junho de 1987. Ver de Carvalho, Luiz Maklouf
Contido à bala. Belém, editora Cejup, 1994.
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CURITIBA
Curitiba também viu um grupo de apoio ser formado a partir do empenho
de uma colaboradora. A jornalista Fátima Murad, repórter de Movimento
na sucursal de Brasília, mudou-se para a cidade em abril de 1976.
Fátima tinha 22 anos, era jornalista havia três e não conhecia absoluta-
mente nada de Curitiba. Mas chegou com a determinação de fundar ali um
escritório de Movimento.
Procurei alguns deputados autênticos do MDB do Paraná,
como Alencar Furtado, que era do Conselho Editorial do jor-
nal, e Sebastião Rodrigues, aí eles foram me passando contatos
lá. Me deram listas de gente de oposição no geral, eu não tinha
ideia se dessa ou daquela tendência.28
A primeira peregrinação foi para vender cotas. A cada pessoa que ela
procurava, surgiam mais três, quatro nomes.
Em Curitiba estava um desânimo em todas as correntes.
Estavam todos desagregados por causa da repressão. Uma
pessoa que me recebeu bem foi o Euclides Scalco, que era o
presidente do MDB local, e fui conhecendo deputados, como
Trajano Bastos, Deni Schwartz. Procurei um grupo de advo-
gados, entre eles Edésio Franco Passos, que depois foi verea-
dor pelo PT... E até o Paulo Leminski, eu me lembro que fui à
sua casa; ou vendi assinatura ou arranquei alguma cota dele.
Nunca recebi recusa na venda de cotas. E era engraçado por-
que eram ações furadas, não tinham nenhum valor na Bolsa,
mas as pessoas queriam mesmo ajudar.
Ela acredita que o jornal deu uma força para rearticular a esquerda após
o auge da repressão: “Movimento tinha essa coisa de agregar tudo que era
oposição, você sentia que o jornal era um incentivador à participação. E
para mim jornalismo era isso, formar opinião, discutir e abrir”.
Outro grupo que rapidamente acolheu Fátima, a “pessoa do Movimento”
na cidade, foram os alunos da PUC e da Universidade Federal do Paraná:
“Os estudantes já compravam, se interessavam, aí a gente foi armando nú-
cleos para aumentar as vendas”. Em poucos meses, conseguiram vender
400 assinaturas na cidade.
Sem um tostão para uma sala própria (montar uma sucursal àquela altu-
ra estava fora de cogitação), Fátima encontrou grandes aliados nos jorna-
listas. Usava as redações do Estadão – próxima à sua casa – e de Veja. De
manhã, ia ao Estadão, com a bênção do chefe de redação Dirceu Martins
Pio. Às tardes, Hélio Teixeira garantia que ela sempre tivesse uma mesa
com uma máquina de escrever à sua disposição no escritório de Veja.
27 AP 290.06.04 Fnd Mov APSP.
28 Entrevista de Fátima Murad em 22 de janeiro de 2010.
48
49
e que “soltasse a menina ali mesmo” – antes, eles haviam dito que a es-
tavam levando para São Paulo para “bater um papinho com o delegado
Fleury”. Enquanto esteve presa, foi interrogada diversas vezes, sempre
encapuzada. Sofreu choques elétricos nos pulsos e nos braços, além de di-
versas ameaças. “Prisões e sequestro no Paraná – o terceiro em menos de
8 meses”, noticiaria a edição seguinte de Movimento, complementando:
“Mas desta vez a reação da comunidade foi maior”.
LONDRINA
Na mesma época, Londrina, a 379 quilômetros de Curitiba, firmava-se
como um polo de oposição ao regime. Ao contrário da capital – todas as
capitais eram “área de segurança nacional” e só podiam fazer eleição indi-
reta –, ali havia eleição direta para vereadores e prefeitos, prevalecendo o
MDB. Organizado em torno da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
e da PUC, o movimento estudantil era criativo e articulado, mantendo um
jornal de qualidade, o Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima, que
chegou a imprimir 3 mil exemplares.
O estudante Marcelo Oikawa, que já trabalhava como jornalista, conta
que “éramos um grupo de jovens com uma formação cultural e uma pre-
ocupação política um pouco mais avançadas, e de maneira organizada
tentávamos manter uma atividade cultural, como teatro popular, concur-
so de poesia...”29
Uma das atividades de mais peso eram as semanas de discussão em
que se debatia de tudo – economia, guerra do Vietnã, indústria nacio-
nal, a questão do Líbano. Nomes como dom Tomás Balduíno, dom Pedro
Casaldáliga e Luis Bandeira figuraram entre os palestrantes. Raimundo
Pereira foi convidado para falar sobre o trabalho de Movimento. A ligação
nasceu ali. Segundo Oikawa, “as pessoas que tinham a preocupação de
entender um pouco melhor o que acontecia ficavam muito atentas a qual-
quer tipo de publicação underground que surgisse”.
Raimundo voltaria muitas vezes a Londrina. Aquele grupo de estudan-
tes (alguns formariam mais tarde um núcleo do PCdoB) manteve por mui-
to tempo estreita ligação com Movimento, tornando-se chave no apoio
dentro do movimento estudantil. Tonico Ferreira também iria algumas
vezes a Londrina, assim como Sérgio Buarque de Gusmão, que chegou a
ser impedido pela polícia de ali proferir uma palestra.
Além dos estudantes, os professores estaduais ligados à Associação de
Professores do Paraná também formavam uma das “pernas de apoio” do
jornal em Londrina, segundo Marcelo: “Foi um dos grupos mais impor-
tantes. Eram jovens que se formaram na UEL dentro do movimento estu-
dantil, e em 1978 promoveram uma greve que parou todas as escolas do
estado.”
Em certo momento, segundo Marcelo, a região teve mais de 1.600 assinan-
tes, uma enorme façanha alcançada graças ao empenho desses professores,
29 Entrevista de Marcelo Oikawa em 24 de fevereiro de 2010.
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PORTO ALEGRE
Desde o seu lançamento, em 1975, Movimento teve um correspondente
em Porto Alegre, o jornalista Carlos Moissman. Mas, no início, o grupo
gaúcho permaneceu pouco estruturado e sem apoio substancial. Em 1976,
o candidato emedebista a vereador Marcos Klassmann, egresso do movi-
mento estudantil, passou a coordenar as vendas de assinaturas, levando
a sede da distribuição para seu escritório de campanha. Klassmann pro-
curou a corrente Viração do movimento estudantil, que acabou sendo o
principal apoio do jornal na cidade. Na época estudante de arquitetura,
Guilherme Loss se engajou na empreitada.30 Com a cassação do mandato
de Klassmann, 15 dias após a posse, essa articulação perderia força.
Parte da dificuldade para a implantação de Movimento ali vinha do fato
de que o Rio Grande do Sul já tinha o seu veículo jornalístico de oposi-
ção. Entre 1976 e 1983, o Coojornal, de uma cooperativa de jornalistas,
foi o principal meio de informação independente do estado, chegando a
alcançar uma tiragem de 40 mil exemplares, em 1979. As duas equipes
mantinham relações cordiais e de colaboração e intercâmbio de matérias
e informações.
Em Santa Maria formou-se um núcleo de apoio ao jornal. Raimundo Pereira
esteve lá e proferiu uma palestra. Desse núcleo fizeram parte Adelmo Genro
Filho e seu irmão, o ex-vereador do MDB, Tarso Genro.31 Como Tarso Genro,
no Rio Grande do Sul, centenas desses jovens pelo País iriam se tornar lide-
ranças políticas, muitas delas de projeção nacional.
31 Tarso Genro viria a ser prefeito de Porto Alegre, ministro das Relações Institucionais, da
Educação e da Justiça, nos governos de Lula, e elegeu-se governador do Rio Grande do Sul em 2010.
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O
s recursos gráficos de Movimento eram magros. Impresso
através de fotolito, a mais avançada técnica da época, o jor-
nal era composto com uma tipologia limitada, em preto e
branco, com apenas a liberdade de uma corzinha extra na
capa. Mesmo assim, foi um espaço importante para a afir-
mação de uma nova geração de ilustradores e cartunistas como Jayme
Leão, os irmãos Chico e Paulo Caruso, Cássio Loredano, Grilo, Alcy, Luiz
Gê, João Zero, Arnaldo, Nilson, Laerte, Jota, Angeli e Glauco, levados ao
jornal por influência de Elifas Andreato, autor do projeto gráfico1.Eles
marcariam a “cara” do jornal. E mais: esse destaque dado às ilustrações
influenciaria toda a imprensa.
Elifas Andreato reconhece que o projeto gráfico partiu de uma ideia “con-
servadora”. “Isso já era uma imposição do próprio conteúdo. Sabíamos
que a gente ia fazer um jornal de oposição em que o texto teria papel
de destaque. A discussão era: 60% imagem e 40% texto ou vice-versa?
Prevaleceu 60% texto e 40% imagem. Mas nunca funcionava exatamente
assim porque o Raimundo sempre ‘roubava’ um pouco a gente”, brinca.2
Armando Sartori, que esteve envolvido na produção do jornal desde o pri-
meiro até o último número, sublinha que a parte visual não era prioridade.
Não dá pra dizer que o Movimento era um jornal bonito, né? A
gente tentou em algum momento fazer um novo projeto gráfico
e não conseguiu. Eu diria para você que a gente não tinha pre-
ocupação muito grande com esse problema da beleza do jornal,
do acabamento gráfico, não tinha mesmo. O jornal era sempre
muito pensado pelo seu conteúdo, pelo que ele ia dizer.3
1 O artista gráfico Elifas Andreato era na época diretor de arte na editora Abril. Durantes dois anos
deslocou-se semanalmente ao Rio de Janeiro para editar Opinião, sempre levando com ele um grupo
de ilustradores. Em 1969 e 1970, Elifas e sua companheira Iolanda Huzak colaboraram com a Ação
Popular diagramando as matrizes do jornal clandestino Libertação, editado por Carlos Azevedo. Em
1970, Elifas desenhou a capa do Livro Negro da Ditadura Militar, editado clandestinamente pela
Ação Popular.
2 Entrevista de Elifas Andreato em 13 de julho 2010.
3 Entrevista de Armando Sartori em 5 de julho de 2010.
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DIAGRAMAÇÃO
Ao longo da história de Movimento, o setor de arte variou muito, mudou
de mãos e de orientação. Em 1975, dividiram as tarefas gráficas o próprio
Tonico Ferreira, que tinha experiência como diagramador, o Juca Martins,
fotógrafo, e Toninho Mendes, esse sim um diagramador profissional.
Armando Sartori, inexperiente, se ofereceu para ajudar o time no come-
ço de 1976 – antes, era revisor. Ele recorda que, de acordo com a técnica
da época, seu trabalho consistia basicamente em fazer contas.
Era o seguinte: você recebia a lauda datilografada, meio ra-
biscada. E tinha que calcular o número de toques... Em teoria,
cada lauda devia ter 1400 toques, 20 linhas de 70 toques. Você
fazia o cálculo da centimetragem da coluna e aí jogava aqui,
dizia se tinha que cortar ou não, riscava, fazia um esquema as-
sim: aqui começa o texto, aqui vem a capitular, aqui pode por
o intertítulo, aqui o título, o texto corre, aqui uma fotografia.
Esse “boneco” ia depois para a gráfica, onde os textos eram digitados já
no formato escolhido – duas ou três colunas, com fotos nos devidos luga-
res e intertítulos – e depois transformados em fotolito.
Armando se lembra de muitas e muitas madrugadas que passou na grá-
fica tentando resolver probleminhas de última hora; se o cálculo estivesse
errado, uma palavra sobrava, faltava espaço.
Quando você vai fechar na gráfica, tem que resolver esses
problemas. Ou você vai pedir “pelo amor de Deus” para um
redator ir lá e cortar, ou vai falar “então tira a foto”, preenche
o buraco aqui e resolve pra fechar. Ou, no caso em que falta,
você amplia a foto. Tem que dar um jeito de alguma maneira,
porque o jornal tem que sair.
Meses depois, ele seria promovido a chefe de arte, cargo em que per-
maneceu até 1978. Trabalhou ao lado de dois jovens estudantes da USP,
Sérgio de Oliveira e Cid Oliveira. Lembra Sartori:
57
A CARA DO JORNAL
Mesmo com tantos percalços, Movimento muitas vezes chamava a aten-
ção justamente pelo visual, com belas capas – e o mérito é do grande time
de ilustradores reunidos por Elifas Andreato. Ele mesmo produziu capas
marcantes, que ficariam na história do jornal.
Numa delas, que ilustraria a edição especial sobre a Mulher e o trabalho,
em maio de 1976, uma bela mulher morena, de cabelos negros caindo so-
bre os ombros e semblante sério, traz a mão grossa pousada sobre o peito.
Em preto e branco, com detalhes em rosa, a capa é um exemplo perfeito
da produção de Elifas à época, que figurava em muitas capas de LPs e car-
tazes de peças de teatro.
Ele aponta como uma de suas preferidas a capa da edição 63, de 13 de
setembro de 1976, que traz a cobertura da morte de Mao Tsetung.8 O dese-
nho em preto e branco ocupa toda a primeira página e traz um retrato do
líder chinês de lado, com os olhos voltados para fora do quadro. Ao lado,
em duas linhas, a única chamada, “Mao Tsetung, 1893-1976”, é encimada
por um único detalhe colorido: uma estrela vermelha.
Outro que fez muitas capas e deu mais ideias ainda foi Chico Caruso:
“Me lembro de uma capa que eu fiz sobre a Copa da Argentina (em 1978),
fiz um fuzil com a camiseta da Argentina”. Muitas vezes ele dividia o
trabalho com o Alcy, e chegou, inclusive, a inventar um codinome para a
dupla, Alchico.
58
Relembra Alcy:
A gente bolava uns desenhos sobre o assunto de capa, e o que
passava na censura acabava entrando. Me lembro de uma capa
com um trabalhador carregando o Brasil nas costas, eu colei um
mapa do Brasil que recortei de um atlas. Essa ideia é do Chico.
Ele que desenhou e mandou para a censura, mas depois me deu
pra finalizar porque ele estava com muitas coisas pra fazer.
O cartunista Jota, conhecido por todos como Jotinha, foi outro que fez
muitas capas – na fase final foi até contratado como capista. Antes disso
ele passou por um longo aprendizado com o pessoal da arte, de quem era
amigo. Com 17 anos, ele fora trazido de Londrina por Jayme Leão. “Eu me
lembro que numa época eu tinha o dobro da idade dele. Mas ele saía com
a gente e era muito engraçado porque ele era muito crítico, um cricri mes-
mo, mas um cara muito inteligente, muito bom”, recorda Alcy.
Armando Sartori completa:
A gente contratou o Jota, pagava fixo pra ele ir lá na quinta-
feira e na sexta-feira para fazer a capa. Não é que ele ia dese-
nhar a capa, ele ia fazer o layout e resolver a capa. Só não fez a
última edição porque o miserável sumiu, acho que estava de-
sesperado porque o jornal ia fechar e tal, quem fez foi o Alcy.
Mas o maior capista de Movimento foi mesmo Jayme Leão. Seus traços
fortes, realistas e detalhados imprimiam um peso ao desenho que resumia
bem o conteúdo denso das reportagens. Um exemplo é a capa da edição
19, de 10 de novembro de 1975, que mostra um menino segurando um
pedaço de pão, orelhudo, com fortes traços marcando detalhes no rosto
e nas mãos, sua expressão mostra desconforto e receio e seu olhar mira
diretamente o leitor. A manchete é “A Fome”, esclarecendo que dentro do
jornal uma reportagem de quatro páginas mostrará que o Brasil teria con-
dições até de “super-alimentar” seus habitantes se quisesse.
Jayme Leão grafou seus traços em alguns dos principais momentos do
tabloide: quando Figueiredo foi lançado como candidato à sucessão, em
1978; quando Maluf se tornou governador de São Paulo, em 1979; quando
começaram as primeiras greves sindicais; quando Figueiredo propôs, em
lágrimas, seu projeto da anistia (na ilustração, as lágrimas foram realçadas
e se tornaram grossos pingos como verdadeiras “lágrimas de crocodilo”,
expressão usada no texto da matéria).
De memória, Armando Sartori estima que Jayme Leão teve participação
em “pelo menos” metade das capas:
Ou porque ele desenhou, ou porque ele fez a capa. Porque o
Jayme além de desenhar fazia o layout, sabia a fonte que esco-
lher e tal. O Jayme tem uma formação de publicidade, então
tem uma concepção muito precisa do layout. Ele foi muito im-
portante porque quando não tinha nem material para ilustrar
inventava uma capa com letras, com a chamada.
59
RANCHO DA GOIABADA
Os ilustradores trabalhavam bastante e ganhavam pouco, como os demais.
A maioria, como o gravurista Rubem Grilo, tinha outra ocupação para pa-
gar as contas. Ele dava aulas de arte e fazia bicos como paisagista.
O que me levava era a oposição ao regime militar. Assim eu
inseria o que estava fazendo dentro da realidade, dava uma
função imediata para o meu trabalho, em vez de fazer uma
obra de arte e acumular essa obra pra um dia colocar na pare-
de, um percurso totalmente afastado da realidade. O jornal me
deu razão para fazer o trabalho que continuo desenvolvendo
como artista até hoje.
“É preciso entender que no período nós todos tínhamos um inimigo co-
mum e todos lutávamos contra ele”, resume Elifas Andreato.
Era uma luta com a cara do grupo – sem muita discussão teórica, com um
tom bem-humorado e cheio de criatividade. Alcy explica que, “se bem que
não fosse um cara muito informado, alinhado com nenhum partido”, o ini-
migo comum o unia ao pessoal da redação. “Foi gostoso conhecer pessoas
que trabalharam duro ali pra brigar contra as coisas. E também conviver com
os artistas era uma coisa muito boa, era um convívio social, as noitadas que
a gente fazia...” Nas noitadas dos bares de Pinheiros, onde ficava a redação,
eles às vezes se autodenominavam marxistas “da linha Groucho”.
Rememora Alcy:
Tinha uma coisa muito prazerosa durante uma certa fase, a
gente reunia os cartunistas, chargistas, ilustradores para de-
senhar todo mundo junto. Me lembro de noite, noite mesmo,
tava lá o Chico Caruso, Cássio Loredano, o Jayme Leão, o Jota,
o Angeli, acho que também o Luis Gê, então era uma delícia,
a gente juntava umas mesas, fazia uma mesona grande e ficava
todo mundo conversando e desenhando.
Naqueles anos se foi definindo meu trabalho, tive uma con-
vivência muito boa com outros artistas, tinha uma boa troca de
impressões, de estilo de um pro outro, que me fez crescer. Era
legal que fosse um jornal não da grande imprensa, que estives-
se lutando contra o estado de coisas, isso nos ajudou a manter
uma linha de buscar a independência até hoje.
Até mesmo por ser um jornal bastante politizado, além da disputa cor-
riqueira entre o espaço destinado à arte, havia desentendimentos com a
redação em relação ao enfoque das matérias e à linha editorial. Para Chico
Caruso, que ainda guarda grandes críticas à publicação, “o que prejudica-
va era o espírito panfletário do jornal, que publicava sempre um massacre
de texto, sobre ‘a questão do campo’, ‘a questão da cidade’...”
Ele diz ter tentado intervir algumas vezes durante reuniões de pauta,
propondo temas menos “duros”, mas lembra até hoje entre risadas da vez
em que se decidiu pela inserção de uma pauta mais “leve” na edição.
Estávamos lá discutindo: “pô, os temas são muito duros,
60
por que a gente não faz uma matéria sobre alguma coisa mais
corriqueira, como o casamento?” Daí um repórter, acho que o
Murilo Carvalho, foi fazer a pauta. Saiu da redação e virou no
primeiro armazém que encontrou, foi falar com uma portugue-
sa, ali, de braços cruzados. “Olha, estou fazendo uma matéria
sobre casamento”. E a mulher: “Mas o senhor com tanta coisa
pra escrever no seu jornal, vai escrever sobre uma coisa tão
vagabunda como o casamento?”
A frase foi usada para abrir a matéria.
Outro episódio que ilustra a discordância ficou marcado na memória de
alguns dos ilustradores. Era 1976, e Aldir Blanc e João Bosco haviam aca-
bado de lançar a música “Rancho da Goiabada”, cuja letra dizia:
Os bóias-frias quando tomam umas birita/ Espantando a tris-
teza/Sonham com bife-a-cavalo, batata-frita/ E a sobremesa/ É
goiabada-cascão com muito queijo/ Depois café, cigarro e um
beijo/ De uma mulata chamada Leonor/ ou Dagmar.
Sérgio Buarque de Gusmão publicou um texto criticando a letra. A tur-
ma não gostou, mas não perdeu o bom humor. “Ali tinha uns caras muito
sérios”, diz Alcy. “Escreveram que era um desrespeito aos boias-frias a
letra, e aquilo, pô, a gente morria de rir. Pô, o cara escreve um texto lá de-
sancando a música, e a gente ali – Juca, Toninho Mendes, Chico, Jotinha
– não batia com aquela ideia”. Elifas Andreato é outro que discordou:
Eu achava mágica aquela música, nada mais cruel, nada mais
real... Até hoje adoro. Mas tinha um grupo ali que achava uma
coisa assim, não podia ter mulata, não podia misturar sexo
com revolução... Nesse episódio os ilustradores ficaram com
dois pés atrás.
“A gente era a favor do ‘Rancho da Goiabada’, né?”, arremata Alcy.
CORTA ESSA!
Foi nesse mesmo espírito que os cartunistas “tomaram conta” da última
página do jornal, criando a seção “Corta Essa!” em meados de 1978, logo
depois do fim da censura prévia. A seção de cartuns circulou até julho de
1980, como uma provocação e um grito de liberdade. Mesmo com parcos
recursos gráficos, a última página foi muitas vezes portadora dos comen-
tários mais mordazes e certeiros sobre os fatos da semana.
A primeira edição foi a 155, uma depois da queda da censura. O texto avi-
sava, dúbio: “Humor cortante, pode causar apreensões”. E prosseguia:
Aproveitando o espaço conquistado e revivendo o saudável há-
bito da gozação, os humoristas de Movimento cumprimentam os
leitores e pedem licença para apresentar mimosa coletânea de
diatribes contra a prepotência. E desafiam: corta essa! corta essa,
leitor, e cola na escrivaninha, na oficina, na parede do bar...
“Eu que sugeri esse nome, ‘Corta Essa!’, que era uma expressão que eu
achava descontraída, gozadora e meio crítica. Também sugeria várias coi-
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sas, pretendia-se que o jornal fosse popular, então que o trabalhador cor-
tasse lá pra colar na parede...”, diz Alcy, que editava a seção junto com
Chico Caruso. E era também uma evidente referência à censura.
Flávio de Carvalho, editor de internacional, foi assíduo colaborador da
seção e chegaria a editá-la. Ele lembra que a ideia surgiu, claro, numa
mesa de bar.
Como a gente volta e meia depois do fechamento ia “prum”
boteco, numa rua paralela à Virgilio de Carvalho Pinto – Flor
do Pinho o nome, a gente chamava de Pinho Sol – as conversas
foram ficando engraçadas, e assim veio essa ideia de fazer uma
seção de humor que fosse também política, com sátira.9
Com a sua colaboração a seção trazia também poesias satíricas e algumas
“cartas do leitor” fictícias.
Do lado do texto de alerta sobre o conteúdo “perigoso”, a primeira edi-
ção trazia uma charge do Angeli que mostrava um jornalista diante da
máquina de escrever numa redação. Ele olha pra um tipo baixinho, bi-
godudo, que trazia consigo um gordo com cara de poucos amigos: “Bom,
agora é liberdade com responsabilidade e o Nelsão vai ficar aqui pra não
deixar que você se esqueça disso”.
Abaixo, um cartum do João Zero vai direto ao ponto. Um jornalista de TV,
microfone na mão, lança para um senhor de terno e gravata: “E agora, se-
nhor Ministro da Economia, a última pergunta: me empresta 50 paus?” No
canto inferior esquerdo, uma charge assinada pelo Jota e o Chico Caruso:
um general com várias estrelas no peito faz continência e diz “Estado de
direito, volver!”
“Corta Essa! era um desafio”, diz Alcy.
Inicialmente era o Chico e eu que editávamos. Editar com-
preendia o seguinte: receber os desenhos, selecionar e fazer o
layout da página, dar destaque pra um, pra outro. Era pauleira,
os caras fechando na gráfica e a gente ia até 4, 5 horas da ma-
drugada. Era produtivo, era ótimo!
E não faltava material, segundo ele: “Havia um interesse grande, tinha
muita gente que era, estava sendo ou queria ser ilustrador, cartunista, apa-
receram vários caras. Tinha o João Zero, o Saiti... Então muita gente pu-
blicou ali”. Vale lembrar outros nomes que passaram pela seção: Luscar,
Glauco, Arnaldo, LOR, Duá, Vasqs, Nilson, Maringoni, Henfil, Laerte, Ohi.
A equipe foi responsável por ótimos momentos do jornal. Quem fosse à
última página da edição 169, de 25 de setembro de 1978, veria um cartum
do Alcy em que dois amigos conversam:
– Caiu o AI-5!
– Em cima de quem?
Na edição 197, de 15 de abril de 1979, Maringoni brincava com a proposta
de anistia feita por Figueiredo. Um oficial anuncia: “Saiu a Anis”, ao que
um homem comenta para o outro: “É a tal anistia parcial do Figueiredo.”
9 Entrevista de Flávio de Carvalho em 6 de julho de 2010.
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Uma das vítimas favoritas da seção foi ele mesmo, Figueiredo – que, é
bem verdade, colaborava muito. Assim, na edição 165, a frase acima da
seção é “A última do Figueiredo: nem me conte, tenho medo!”. E abai-
xo: “o rapaz tem futuro... Senão como presidente, como redator do Corta
Essa!”. Foram muitas charges sobre a célebre frase “prefiro cheiro de ca-
valo a cheiro de povo”, por exemplo. Uma, do “Alchico”, mostrava uma
égua recebendo um carinhoso “cheiro” do futuro presidente.
Foi uma charge sobre Figueiredo, aliás, que rendeu um aditamento ao
processo pela Lei de Segurança Nacional contra Tonico Ferreira (capítulo
18). Era o desenho de uma urna com forma de cavalo que havia caído em
cima de alguém (ver à página 206). A charge foi vista como desrespeitosa
pelo Procurador Geral junto à Justiça Militar, mas durante a audiência al-
guns dos ministros do Tribunal Militar não conseguiram evitar um sorriso
ao olhar para a seção.
O flagrante saiu numa foto na edição 189, e a turma do Corta Essa! come-
morou, no mesmo número:
... não é que no julgamento do nosso editor responsável na
Auditoria do II Exército por chacota por nós perpetrada e con-
siderada (por eles) atentatória à Segurança Nacional, no jul-
gamento, dizíamos, desalentados que estávamos com a mo-
nótona rotina de fazer troça sobre troça, chiste sobre chiste,
pilhéria sobre pilhéria, e ninguém (ninguém) rir, eis que se
nos acontece... O quê ? Verifique na foto! Os juízes militares se
divertem com o Corta Essa! Quer dizer que funciona! Fazemos
rir! Existimos! Somos engraçados! Ficaremos ricos!
Ninguém ficou rico, claro. E com o tempo os principais colaboradores,
como Chico Caruso e Alcy, acabaram debandando para outras empreita-
das. Alguns continuaram colaborando, em especial Jota e Nilson, que che-
gou a fazer edições inteiras sozinho. Mas sem uma liderança comprometi-
da, a seção passou a ser errática, sumindo por algumas semanas. Quando
o jornal celebrava cinco anos, em julho de 1980, ela não dá as caras. Só
reaparece na edição 251, de 21 a 27 de abril de 1980, totalmente reformu-
lada e a cargo do já bastante sobrecarregado Flávio de Carvalho.
A seção passou a ter cruzadinhas satíricas com perguntas sobre o des-
tino do País, por exemplo. Flávio de Carvalho também publicava notas
políticas de bastidores carregadas de ironia. Outra constante eram os ho-
róscopos como este, da edição 252:
Capricórnio. Pessoas nascidas sob esse signo são metalúrgi-
cas e têm salário médio de 12 mil cruzeiros. Os comunistas,
que nascem sempre em peixes, se infiltram entre os capricor-
nianos para propagandear idéias deletérias à classe dominante
e para insuflar greves que são legais no primeiro decanato mas
que viram ilegais no segundo.
Uma das marcas desse período final era a sátira sobre os militantes da
esquerda. Flávio ainda traz na memória: “Uma que teve muita repercus-
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UM TOQUE DE ICONOCLASTIA
Antes mesmo de nascer Corta Essa!, uma experiência de humor já havia
sido feita em Movimento – uma espécie de “avó” da seção. Foi a edição
especial de fim de ano de 1977, chamada “Pacotão de Natal”.
“O Chico falou pro Raimundo, aí a gente reuniu os cartunistas e fomos
lá em casa”, lembra Alcy.
E nós chamamos o Myltainho, que ficou sendo o editor.
Mylton Severiano tinha sido de Realidade, do Bondinho, do
Ex, tinha um texto atrativo, e juntamos material pra fazer um
negócio de fim de ano. O Myltainho quando viu falou: “é um
pacotão!”
Ele explica que o “Pacotão” foi inspirado nos “pacotes”, decretos de res-
trição das liberdades democráticas, que o Geisel lançava, especialmente
o de abril de 1977: “Fizemos brincadeiras com todas essas estultices dos
golpistas de 1964.”10
A edição saiu recheada de matérias fictícias de repórteres como Caco
Barcellos, charges, cartuns e textos satíricos – por exemplo, um texto do
10 Entrevista de Mylton Severiano em 21 de julho de 2010.
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A
edição de nº 2 de Movimento teve 14 matérias vetadas, 12
parcialmente cortadas, num total de 72 laudas. Várias ilus-
trações não puderam ser publicadas. A capa, que anuncia-
va uma longa reportagem sobre a crise dos trens da Central
do Brasil, teve que ser substituída depois que metade da
matéria foi vetada. Na mesma edição, uma reportagem sobre indicadores
sociais no País, feita por Teodomiro Braga, também foi censurada; e até
mesmo a história de um meeiro do interior de Minas Gerais, feita por
Murilo Carvalho, ficou de fora.
Mesmo assim, o jornal saiu com 28 páginas, em alguns artigos trazia
a crítica à política de distensão do governo, à incompetência da Arena
(o partido governista) e às escorregadelas adesistas de parte do MDB, o
único partido legal de oposição. Trazia reportagens de denúncia como
a de Aguinaldo Silva sobre o insolúvel assassinato da menina Aracelli
em Vitória (ES), de irregularidades e corrupção no DNER, do processo
de desnacionalização da indústria, de poluição do ar na cidade de São
Paulo. Um artigo do cientista Marcelo Damy criticava o acordo nuclear
feito com a Alemanha. A editoria de Internacional contribuía com uma
entrevista feita pelo escritor colombiano Gabriel García Márquez com o
general Omar Torrijos, governante do Panamá, que tentava recuperar a
soberania sobre a zona do canal; também registrava a crise do peronismo
na Argentina, e uma derrota do Partido Socialista de Portugal depois da
“revolução dos cravos”. Havia uma seção com muitas notas curtas trazen-
do informações importantes. A editoria de Cultura contribuiu com cin-
co páginas: Jean-Claude Bernardet noticiava a crise do cinema brasileiro,
José Miguel Wisnik comentava o lançamento de dois discos e uma nova
postura do compositor Caetano Veloso; Flávio Aguiar entrevistava o es-
critor João Antonio. Em “Estórias Brasileiras”, contos de novos escritores,
Murilo Carvalho e Emanuel Medeiros Vieira.
A edição nº 3 também teve 14 matérias vetadas, 10 parcialmente censu-
radas, num total de 59 laudas cortadas, sem falar nas ilustrações e na capa.
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vários jornais, entre eles o semanário Novos Rumos. O outro partido comu-
nista, o PCdoB, tinha A Classe Operária. A esquerda católica editava o se-
manário Brasil Urgente. Outras correntes de esquerda tinham jornais, como
o Semanário, o Ligas, das Ligas Camponesas. Com o golpe, seus dirigentes
foram perseguidos, vários de seus jornalistas foram presos e mortos. As gráfi-
cas que possuíam foram invadidas e confiscadas.
Essa censura inicial foi a mais radical e muitos de seus efeitos persistem
até hoje. Mesmo agora, quase meio século depois do golpe, o País não tem
mais, em escala ampla, em nível nacional, nenhum jornal da chamada
grande imprensa de qualquer modo parecido com o que foi Última Hora.
Em 1967, empresários progressistas fizeram no Rio de Janeiro o Sol, um
diário de oposição. Mas era um jornal diferente, mais voltado para as-
suntos culturais para fugir da repressão. Além disso, teve pouquíssima
duração. Pode-se dizer que, no campo político, Opinião (1972-1977) foi o
único grande projeto de imprensa da burguesia nacionalista e democráti-
ca que se desenvolveu depois do golpe. Mas era um semanário e não teve
alcance comparável ao de Última Hora.
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desde abril de 1977. O jornalista Maurício Maia acha que esse estudo teria
sido “a última cartada dos setores mais duros das Forças Armadas para
manter parte da imprensa sob controle direto”.6
O Cenimar analisou e classificou 1.182 artigos e 944 ilustrações e desco-
briu “técnicas de propaganda” utilizadas, como “insinuações”, “simplifi-
cações”, “generalizações” e “desfiguração dos fatos”. Com a intenção de
demonstrar a periculosidade do jornal, a análise apontava também outros
métodos adotados “no esforço subversivo de ‘conscientização’ e de modi-
ficação das ‘condições subjetivas’ da população”. Para o Cenimar, o jornal
utilizava tom de “vitória inevitável” sobre a ditadura, o uso de “testemu-
nhos” contrários ao regime, fazia “orquestração” pela Constituinte e usava
e abusava de ataques pessoais às figuras do poder.
Por sua vez, o SNI fazia relatórios semanais sobre o conteúdo de jornais
da imprensa alternativa, entre eles Movimento. Até 1981, esses relatórios
repetidamente chegavam à mesa do ministro da Justiça pedindo provi-
dências. É o caso do informe de 30 de junho de 1979,7 que tratava de uma
entrevista com um “mateiro” que trabalhou para o Exército durante a caça
à guerrilha do Araguaia, publicada na edição 210 de Movimento. Para o
SNI, a reportagem dava uma versão “francamente favorável aos guerri-
lheiros do movimento armado”, e enfatizava o papel “heroico” deles. A
conclusão do informe é de que a matéria visava despertar a atenção para
o problema dos desaparecidos.
Em julho de 1979, chegava ao Ministério da Justiça outro informe8 em
tom de forte alerta, sobre a entrevista com João Amazonas, o principal
dirigente do PCdoB, publicada na edição 215 de Movimento, de 13 de
agosto. Destacava a defesa da luta armada e a promessa de Amazonas de
voltar ao Brasil ainda em 1979. E concluía:
É lícito admitir-se um recrudescimento na pregação da luta
armada, em face do retorno, cada vez maior, ao Brasil de mili-
tantes do PCdoB, anistiados, que nas declarações à imprensa
demonstram claramente a radicalização existente em favor da
principal bandeira do partido: a derrubada do atual regime.
Outra reportagem que acirrou os ânimos do SNI foi a revelação de que o
comandante de um sequestro que tinha tido grande repercussão política
e cuja autoria passara por ser desconhecida, a do bispo de Nova Iguaçu,
dom Hipólito, fora um coronel do Exército. Movimento publicou o nome
do coronel, José Ribamar Zamith, e a foto dele na capa.
Além de relatar o conteúdo da matéria, o SNI alertava para a crescente
importância do jornal. O informe diz que Movimento,
adotando uma grande variedade de assuntos em cada edição,
vem constituindo-se em veículo de sistemática campanha con-
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sem saber o que viria a ser cortado, trabalhava-se “no escuro”. “Não dava
para planejar nada, não tínhamos nenhum controle. A gente mandava
aquele negócio, não sabia o que vinha de volta e depois tinha muito pou-
co tempo pra editar”, lembra Sérgio Buarque.11 Como não dava para fazer
um espelho – um esboço do semanário, com a programação do conteúdo
de cada página –, o jornal saía não só retalhado no seu conteúdo, mas
também na aparência. Todos os aspectos eram influenciados. Programar
um desenho em uma página com muito texto para dar leveza visual, por
exemplo, por vezes era inviável.
O trabalho, também, era sempre dobrado. Em cada edição faltavam pelo
menos três ou quatro matérias principais. Por isso, toda semana os edi-
tores trabalhavam com três ou quatro artigos de capa diferentes, porque
nunca sabiam quais seriam vetados. No início, a entrega do material era
feita na sede da PF em São Paulo, na rua Piauí, no bairro de Higienópolis.
A cada semana um funcionário diferente era escalado para levar e ir bus-
car. O próprio diretor, Tonico Ferreira, chegou a ir. Sérgio Buarque tam-
bém foi. Os mais escalados eram os novatos. O então estudante Paulo
Barbosa, que trabalhava na área de vendas, era um dos que mais levava o
material, com sua moto – um envelope com mais de uma centena de lau-
das datilografadas, sempre as originais. “Quando eu levava a da quinta à
tarde eu trazia a que havia entregue na quarta. Na sexta, eu buscava a que
entregara na quinta”, lembra Paulo Barbosa. Paulo também tinha que “se
virar” quando havia uma notícia quente, de última hora:
Tinha um censor, era um senhor que morava ali na Peixoto
Gomide, que fazia um atendimento excepcional na casa dele.
Muitas vezes eu fui até lá na sexta à noite pra ele liberar uma
matéria. Mas aí era uma matéria só ou duas...12
Aos sábados uma cópia do jornal já diagramado era levada à PF para que
os cortes fossem checados. Somente após a aprovação o jornal era impres-
so e a distribuidora, da Editora Abril, aceitava distribuí-lo.
A partir de segundo número, enquanto o jornal ia para a gráfica, algum
jornalista (em geral Tonico Ferreira) escrevia um minucioso “relatório da
censura”. O bloco com três ou quatro páginas, detalhando as matérias que
tinham sido vetadas, era enviado a cada uma das sucursais, aos acionistas
e a colaboradores. Além da descrição dos cortes, o relatório trazia sempre
considerações de repúdio à censura.
Os problemas logísticos da censura tornaram-se maiores a partir da edi-
ção de nº 20, de dezembro de 1975. Por exigência da Polícia Federal, a
censura passou a ser feita em Brasília. E, em princípio, numa só remessa.
Dizia o comunicado oficial, assinado pelo superintendente regional da
PF, José Guimarães Barreto:
V. Sa. deverá providenciar a remessa da matéria relativa a
cada edição, inclusive anúncios, fotografias, vinhetas, capa,
11 Entrevista citada.
12 Entrevista de Paulo Barbosa em 17 de dezembro de 2009.
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28 Trecho da Declaração da Revolução Americana, de 1776: “Mas quando uma série de abusos e
usurpações perseguindo invariavelmente o mesmo objeto indica o desígnio de reduzi-los (os povos)
ao despotismo absoluto, assiste-lhes o direito, bem como o dever, de abolir tais governos e instituir
novos guardiões em prol da segurança futura.”
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ara que Movimento vingasse, foi importante contar com uma visão
empresarial, que imprimisse direção ao empreendimento sem se
chocar com o espírito coletivo que o inspirava. Sua longevidade –
seis anos e meio de existência para uma publicação independente
em plena ditadura pode ser considerado um feito importante –
deve-se em grande parte a um personagem que se tornaria marcante na his-
tória recente do País, mas que raramente é associada ao jornal: o engenheiro
Sergio Motta, o grande articulador da carreira política de Fernando Henrique
Cardoso e o principal responsável pela privatização da telefonia brasileira no
primeiro mandato do sociólogo como presidente da República (1994-1998).
Engenheiro, o ex-dirigente nacional da Ação Popular (AP) se tornara um em-
presário bem-sucedido como proprietário da Hidrobrasileira, especializada
em planejamento de obras de infraestrutura. Sua empresa fazia trabalhos
para o governo de São Paulo e também para empresas privadas. E, ao mesmo
tempo, contratava tanto ex-presos e perseguidos políticos como pesquisado-
res do Cebrap (o núcleo dos intelectuais de esquerda liderado por Fernando
Henrique) para trabalhar nos estudos e projetos realizados pela empresa.
A Hidrobrasileira bancou as primeiras despesas de implantação do jornal:
“dez máquinas de escrever modelo MS/60/33 – TS/Paica adquiridas da Oli-
vetti perfazendo o valor total de Cr$ 31.000,00 (cerca de R$ 55 mil em 2011)
pagos em parcelas mensais; dois telefones financiados pela Santa Maria S/A
Crédito, estando prevista uma parcela inicial de 12 mil cruzeiros e mais seis
de 10.467,80” (um total de R$141 mil),1 além de passagens aéreas para os
principais vendedores de cotas de Movimento: Raimundo Pereira, que, além
de conhecer gente em muitas das redações de São Paulo, tinha apoio seguro
em seu grupo do ITA, engenheiros bem remunerados, entre os primeiros a
subscrever cotas e contribuir com doações para o projeto do jornal; Marcos
Gomes, bem relacionado em Belo Horizonte.
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Os detalhes dessas despesas são conhecidos porque Sergio Motta era me-
ticuloso na organização de seus papéis. Em seus arquivos – conservados no
Instituto Sergio Motta e disponibilizados para esse trabalho por sua presi-
dente, Vilma Motta – está guardada toda a contabilidade de Movimento – de
março de 1975 a fevereiro de 1982, quando ele ainda lutava para colocar o
jornal – já fechado – em condições de liquidez. Como lembra Raimundo:
O grande do Sergio era isso, de cuidar minuciosamente da con-
tabilidade, porque administração é isso: você ver que objetivo tem,
quanto vai vender, que meta vamos fazer…Tem, com a letra dele, os
relatórios mensais do começo ao fim do jornal.2
Se Motta nunca abandonou Movimento, por maiores que fossem as dificul-
dades políticas e financeiras, também não fez o papel de “mecenas” como
supõem alguns.3 Papéis e entrevistas apontam na mesma direção: Motta doou
sua expertise, seu tempo, sua experiência política e empresarial, mas não
entrou com dinheiro. A começar pelo documento citado acima, sobre as des-
pesas de implantação da redação, com data de 25 de julho de 1975 e assinado
por Antonio Guido, diretor financeiro da Hidrobrasileira, que esclarece:
Considerando entendimento verbal mantido entre a Hidrobrasilei-
ra S.A e a Edição S.A (…) no qual ficou acertado (…) que as primei-
ras despesas de implantação do escritório de Edição S.A seriam pa-
gas pela Hidrobrasileira e, posteriormente, reembolsadas por Edição
S.A. Isto porque a Edição teria dificuldade em processar estas com-
pras, em virtude da falta de registros, etc, e está no âmbito de nossas
funções de assessoria técnica-contábil fixadas pela carta contrato.4
Os recibos anexados nesse documento comprovam o pagamento de Edição
S/A à Hidrobrasileira de valores que somam Cr$ 123.658,80 (R$222 mil), in-
cluindo as parcelas a serem pagas depois, cerca de 30% do total de despesas
de implantação do jornal, que foram de Cr$ 434.548,00 (equivalentes a R$754
mil), de acordo com outro documento, este de 3 de junho de 1975, com o
planejamento de despesas até o lançamento do número um.5
Motta também indicou um homem de sua confiança para a direção finan-
ceira e administrativa do jornal, o engenheiro Francisco Marsiglia. Além de
cuidar da administração de Movimento, Marsiglia também foi vender ações.
Fui a empresas estatais... em algumas, é claro, a gente tinha conheci-
mento, mas sempre orientado pelo Raimundo e a equipe dele. Fomos
vendendo ações e, num dado instante, depois de uns três meses, a gen-
te já tinha um certo recurso financeiro, alugamos uma casa.
Ele alugou, (Sergio Motta foi avalista) e mobiliou a sede da redação de
Movimento – um sobrado na rua Virgílio de Carvalho Pinto, 625, em Pi-
nheiros, próximo à gráfica onde o jornal seria impresso, de propriedade
2 Entrevista de Raimundo Rodrigues Pereira em 9 de outubro de 2009.
3 Prata, José; Beirão, Nirlando; e Tomioka , Teiji. – Sergio Motta, o trator em ação. São Paulo:
Geração Editorial, 1999.
4 Instituto Sergio Motta (ISM) – Acertos entre Hidrobrasileira e Movimento (documento
encadernado com recibos e notas fiscais em anexo).
5 ISM – Planejamento de lançamento do jornal (documento encadernado).
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PREVISÕES E DECEPÇÕES
O conjunto de documentos preservados por Motta comprova: foram os pro-
blemas de receita, e não os de custo, que atormentaram a vida do jornal. A
qualidade do planejamento financeiro feito por Motta e executado por Marsi-
glia, a minuciosa contabilidade feita por Luiz Bittencourt e Dellinger Mendes
– este último funcionário da Hidrobrasileira que trabalhava voluntariamente
para Movimento13 – religiosamente entregue a Antonio Guido, diretor finan-
ceiro da Hidrobrasileira, no segundo dia útil do mês para que este elaborasse
os balancetes mensais, processasse a folha de pagamento e preenchesse as
guias de recolhimento de impostos,14 não conseguiram impedir que o jornal
operasse no vermelho na maior parte de sua vida.
Os boletins de venda do ano de 1975 mostram que, além de ficarem abaixo
das previsões, as vendas também eram inferiores às projeções da distribui-
dora Abril, feitas com base nos jornais recolhidos nas principais bancas ao
chegar a edição seguinte. Começando pelo número um, cuja previsão inicial
era de 36 mil exemplares.15 O relatório número um, escrito por Raimundo
no dia 14 de julho de 1975 com base no boletim de vendas número um da
Abril,16 já reduzia as estimativas de venda para 24 mil jornais e fazia a
ressalva: “A censura do número 1 nos atrasou mais de 15 horas e a Abril dis-
tribuiu tudo atrasado; o jornal só chegou a Brasília hoje e é possível que em
certos lugares não tenha chegado”. Já no boletim seguinte da Abril, o número
estimado de vendas dessa edição caía para 22 mil, estabilizando-se em 21 mil
no boletim de 3 de setembro de 1975. No mesmo relatório, Raimundo comen-
tava que o número dois foi “também mal distribuído”, além de “a gráfica ter
esquecido de fazer 10 mil jornais”. A projeção de vendas dessa segunda edi-
ção partiu de uma estimativa de 21.400 exemplares vendidos feita pela Abril
no recolhimento dos jornais em 21 de julho de 1975.17 O boletim seguinte
corrigiu essa projeção para 17.800 exemplares.
A direção de Edição S.A não esperou mais para rever suas previsões. Em
29 de julho, Raimundo, Tonico, Marsiglia, Sergio Motta e Antonio Guido
13 Entrevista de Francisco Marsiglia em 29 de junho de 2010.
14 ISM - Ata da reunião de 9 de julho de 1975, com divisão de tarefas administrativas.
15 ISM - Análise Sumária do Ponto de Equilíbrio.
16 ISM - O Boletim de Venda número um da Abril Distribuidora, com data de 14 de julho de 1975,
estima as vendas da primeira edição em 23,6 mil exemplares.
17 ISM. Boletim de Venda número dois da Abril Distribuidora, com data de 21 de julho de 1975
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SOS ACIONISTAS
As edições de agosto venderam mais ou menos o previsto nessa reunião – va-
riando de 14,6 mil a 15,5 mil (boletim de venda de 24 de setembro de 1975),
mas as de setembro, de acordo com as previsões do boletim de 28 de outubro
de 1975, foram de 14,9 mil a 13,1 mil. O grande golpe veio em outubro, com
a apreensão da edição nº 15, sendo que a edição anterior, muito censurada, já
havia vendido apenas 13,3 mil exemplares. Depois de uma reunião no escri-
tório de Sergio Motta, chegou-se à conclusão de que o jornal havia atingido
um ponto crítico. Reuniram a redação e expuseram a situação. Tinham que
reduzir a folha de pagamento pela terceira vez, o que agora afetaria o conjun-
to da redação, que concordou unanimemente com o sacrifício.
Anotações de Motta de uma reunião realizada em seu escritório no dia
28 de outubro de 1975 indicavam as providências que foram tomadas ime-
diatamente para alavancar o caixa, sendo a principal delas uma viagem de
Raimundo ao Rio e a Brasília com a missão de realizar cortes de despesas,
também nas sucursais, e detonar as campanhas de assinaturas com o objetivo
de obter Cr$ 144.000,00 com 1.500 assinaturas vendidas; e de subscrição de
capital de Cr$ 150.000,00. Em Brasília, Raimundo iria procurar Chico Pinto
para “um acerto geral da relação” e definir um responsável por “áreas de arre-
cadação, especialmente a área política”– seria o deputado federal João Cunha
–, que também poderia “listar prováveis doadores ou subscritores” de Edi-
ção S/A para obter rapidamente o capital. No Rio, além de conversar com o
pessoal da sucursal, Raimundo deveria “contatar Gasparian sobre campanha
promocional conjunta de venda de assinaturas” de Opinião e Movimento e
“falar com Chico Buarque” para propor um “grande show com ele no Ibira-
puera” e a “doação dos direitos de encenação da peça Gota d’água”.24
Pelas anotações da reunião de “avaliação da viagem de Raimundo”, feitas
por Motta em um bloco de papel amarelo, com data de 27 de novembro de
1975, sabe-se que se obteve o engajamento das sucursais nas campanhas, que
Gasparian não havia ficado muito “motivado” com a proposta de realizar
uma campanha conjunta, enquanto Chico Buarque
22 Análise Econômico-Financeira AP 285.03.001 Fnd Mov APSP.
23 Em valores atualizados, R$ 616.000,00.
24 ISM - Manuscrito “Decisões Tomadas em 3 de novembro de 1975”, anexado “Providências a
serem tomadas em função das decisões tomadas”.
93
94
SUSTENTAÇÃO POLÍTICA
Como o jornal se manteve com tantas dificuldades? A melhor resposta está em
uma lauda com o logotipo de Movimento, amarelada pelo tempo, e anotada em
esferográfica azul com a caligrafia de Raimundo embaixo da curva de vendas
em bancas de 1976: “sustentação política máxima possível para o projeto”.29 Foi
isso que permitiu que o jornal seguisse em frente mesmo com o capital de giro
caindo dramaticamente durante todo o ano – de Cr$ 362 mil em 31 de dezembro
de 1975 para Cr$ 83.411 em agosto de 1976 –, chegando ao fundo do poço em
dezembro de 1976, com capital disponível negativo de Cr$ 146 mil.30
A “sustentação política” de Movimento se traduzia concretamente na soli-
dariedade dos acionistas, “que ao invés de receber lucros e dividendos, fo-
ram chamados a integralizar mais ações, que também não lhe trariam mais
dividendos”; dos leitores, “que passaram a pagar um preço relativamente alto
pelo jornal”, muitas vezes censurado e mutilado; pelos “funcionários e cola-
boradores da empresa que tiveram seus salários violentamente diminuídos
em seu valor real” para que o jornal sobrevivesse31 (fator decisivo para que o
furo orçamentário do primeiro semestre de 1976 fosse de apenas 0,6%);32 e
ainda por uma rede de apoio que envolvia estudantes e integrantes de mo-
vimentos sociais na venda direta em diversos pontos do País. Esse último
recurso foi crucial para a sobrevivência do jornal, como mostram os números
de 1976: enquanto a venda média em bancas ficou em torno de 9.500 exem-
plares, as vendas diretas tiveram média de 1.500 exemplares por edição.33
Uma contribuição significativa, uma vez que as vendas diretas não sofriam
a sangria de 45% do valor de cada exemplar cobrada pela distribuidora e
eram pagas no ato. Pelo mesmo motivo, as assinaturas do jornal cresceram
de importância à medida que a censura afastava os compradores de banca.
Entre 17 de novembro de 1975 (quando o preço do jornal subiu de Cr$ 5,00
para Cr$ 6,00) e fevereiro de 1976, foram vendidas 2.200 assinaturas a Cr$
95
96
98
A
democracia interna seria uma questão crucial durante toda a
existência do jornal “sem patrão”. Além de garantir a proprie-
dade da empresa “de fato e de direito” aos que nela trabalha-
vam, como pregava o número zero de Movimento, era preciso
conferir poder de decisão à redação, o que estava longe de ser
simples. A trajetória do jornal foi pontuada por crises e dissidências, segui-
das de reformulações que buscavam ampliar a participação de jornalistas,
funcionários e acionistas na condução do jornal.
Formatada pelo grupo inicial sob inspiração de Sergio Motta, a sociedade
anônima que publicava Movimento – Edição S/A – era controlada pelos jor-
nalistas através de um mecanismo simples: ao adquirir as cotas, os acionistas
doavam 51% delas ao Conselho de Redação, que por sua vez representava o
conjunto dos trabalhadores do jornal. Um modelo de negócio coerente com
a mobilização política em torno de Movimento. Afinal, ninguém estava inte-
ressado em ganhar dinheiro, e sim em garantir a sobrevivência de um jornal
de combate à ditadura, como lembra Francisco Marsiglia, o primeiro diretor
administrativo:
Todo mundo sabia que, no fundo, aquelas ações eram uma do-
ação travestida de compra de cotas, uma forma legal de montar
uma empresa sem que alegassem o “ouro de Moscou” ou coisa
do gênero. E vendemos cotas adoidadamente, tanto que ficamos
com 400 acionistas! As pessoas investiam a fundo perdido, arris-
cando-se até pessoalmente... Na ditadura em que vivíamos, para
ser cotista tinha que ter coragem.1
As ações – nominais – conferiam legalmente o controle da empresa aos
12 membros originais do Conselho de Redação; 11 deles remanescentes da
Comissão dos 16 (que fez a transição entre Opinião e Movimento). O primeiro
documento sobre a sociedade anônima encontrado nos arquivos de Raimundo
Pereira é uma carta-compromisso de 31 de março de 1975.2 Nela, Raimundo,
1 Entrevista de Francisco Marsiglia em 24 de novembro de 2009.
2 AP 291.01.001 Fnd Mov APSP.
99
100
CONSELHO DE NOTÁVEIS
O Conselho Editorial, composto por oito personalidades proeminentes do
movimento contra a ditadura, manteve-se com a mesma composição a
maior parte do tempo: o deputado emedebista Alencar Furtado, o inte-
lectual André Forster, o jornalista Audálio Dantas, o compositor Chico
Buarque, o jurista Edgar da Mata Machado, o sociólogo Fernando Hen-
rique Cardoso, o escritor Hermilo Borba Filho e o indigenista Orlando
Villas-Boas. Edgar da Mata Machado decidiu deixá-lo no final de junho
de 1977. Apenas em julho de 1981, o CE teria outra mudança: foi amplia-
do para 25 membros. E dos sete membros antigos mantiveram-se Alencar
Furtado, André Forster, Chico Buarque de Holanda, Fernando Henrique
Cardoso. Já Audálio Dantas, Orlando Villas-Boas e Hermilo Borba Filho
(este havia falecido em 1976) não faziam mais parte dele, conforme mos-
tra o expediente da edição 316, de 20 a 27 de julho de 1981.
Os conselheiros não participavam do cotidiano da redação e compareciam
raramente à sede do jornal. Mas este Conselho tinha grande importância,
seus membros representavam um amplo leque político e sinalizavam para a
sociedade seu apoio ao programa do semanário. Além de ser uma instância
respeitável para a denúncia da censura, das prisões, perseguições e processos
a que os jornalistas estavam sujeitos.
O jornalista Audálio Dantas opina sobre sua participação no Conselho:
O Raimundo me convidou para o Conselho Editorial de
Movimento na qualidade de presidente do Sindicato de Jornalistas
de São Paulo, que depois de muita luta tinha acabado de reno-
var a diretoria (pelega). Era um conselho composto de persona-
lidades, não era deliberativo, era uma instância consultiva, de
aconselhamento, um conselho de homens bons, digamos assim.
Tanto é que nos reuníamos pouco: em todo esse período lembro
de ter participado de duas ou três reuniões, junto com o Alencar
Furtado, o Hermilo, o Chico Buarque... Mas Movimento era ví-
tima da censura desde o número um, nasceu vítima, e o que se
fazia era denunciar.4
Apesar da pequena convivência, os conselheiros eram contatados com uma
certa frequência através de comunicados e telefonemas. A redação percebia-
os como aliados, recorda o editor Sérgio Buarque:
Não era um conselho decorativo como são esses conselhos em
geral. Você sentia que havia uma adesão ao projeto do jornal,
sabe? Eles achavam importante o que fazíamos e o fato de os no-
mes deles estarem no expediente era importante para nós.5
O Conselho Editorial também dividia com o Conselho de Redação a missão
de eleger o editor-chefe para um mandato de um ano, conforme estabeleci-
do desde a fundação do jornal. Nesse intervalo, o editor-chefe tinha poderes
para contratar ou demitir funcionários, respondendo, a posteriori, diante do
4 Entrevista de Audálio Dantas em 19 outubro de 2009.
5 Entrevista de Sérgio Buarque de Gusmão em 21 de outubro de 2009.
101
102
A tarefa era grande. Em 1976, Edição S/A tinha 300 acionistas e cerca de
80 jornalistas (entre sede, sucursais e correspondentes), além de centenas de
vendedores e divulgadores do jornal. Como organizar a participação de toda
essa gente? Além disso, não havia modelos a seguir, dado o pioneirismo do
projeto.
Vale reproduzir um trecho do documento “Relatório da Diretoria de Edição
S/A – A imprensa popular e democrática – a experiência de Movimento”, as-
sinado por Raimundo Pereira, Tonico Ferreira e Francisco Marsiglia – e apre-
sentado na primeira sessão conjunta dos conselhos, em 24 de abril de 1976.
Uma reunião importante, que contou com a presença de cinco dos oito mem-
bros do Conselho Editorial (André Forster, Chico Buarque, Audálio Dantas,
Edgar da Mata Machado e Hermilo Borba Filho):
Enquanto outros jornais são conduzidos de forma autoritá-
ria, por um acordo entre editor e proprietário, nós temos um
Conselho de Redação que se reúne todos os sábados para discutir
as principais questões que são semanalmente levantadas tanto
em nosso relacionamento de trabalho quanto pelos artigos que
publicamos ou deixamos de publicar. Dessas discussões já nas-
ceu um processo de crítica no jornal, no qual foi feito um balanço
geral e cujo esboço de relatório foi lido no Conselho de Redação,
e cuja versão final pretendemos distribuir a nossos conselheiros
brevemente.
O Conselho não tem, contudo, até o momento, uma estrutura
formal definida e suas relações com o editor do jornal e com os
outros funcionários devem ser mais detalhadas ao longo deste
ano; está em andamento um projeto de elaboração de estatuto do
Conselho no qual estas questões deverão ser definidas.
Em seguida, listava as questões a resolver:
Como os funcionários e colaboradores elegem o Conselho?
Quando uma pessoa se torna membro ou deixa de ser membro da
sociedade que elegerá esse Conselho? Uma vez escolhido o editor
pelo Conselho Editorial mais o Conselho de Redação, como esses
Conselhos podem contribuir para ter uma direção cada vez mais
democrática? Essas são algumas questões para as quais estamos
acumulando experiências práticas e teóricas para poder dar-lhes
respostas adequadas.
Assim concluía o documento, publicado na íntegra na edição 46, de 17 de
maio de 1976, para que também os leitores pudessem tomar conhecimento
do que ocorria internamente. 9
Movimento não chegou a aprovar os estatutos do Conselho de Redação. O
projeto anunciado por Raimundo foi de fato apresentado alguns meses de-
pois, após uma crise provocada pela demissão de um redator da sucursal de
Belo Horizonte. O “caso Murilo Albernaz”, como ficou conhecido, expôs os
103
INDEPENDÊNCIA E DEMOCRACIA
Para entender por que esse episódio aparentemente banal consumiu mais de
cem horas de discussão na sede e nas sucursais do jornal e provocou protes-
tos exaltados de diversos membros da redação – o editor de Nacional, Sérgio
Buarque, por exemplo, chegou a escrever uma carta de demissão por consi-
derar a saída de Murilo antidemocrática – , vale voltar ao relatório de 24 de
abril de 1976:
Em Movimento existiu, desde o início, a convicção profunda de
que dois princípios – independência econômica e direção demo-
crática – definem os únicos métodos associados com o objetivo
central da imprensa que luta pela ampliação da participação po-
pular. De outra forma, como perseguiríamos uma independência
efetiva sem nos basearmos em nossos próprios recursos? E como
nos proporíamos a aumentar a participação popular na vida po-
lítica do país se não nos propuséssemos, ao mesmo tempo, a au-
mentar a participação dos nossos colaboradores, redatores, edito-
res e conselheiros de nosso próprio jornal?”10
Durante toda a trajetória do jornal essas duas questões ocupariam o centro
dos debates. A primeira – como garantir a independência financeira do jornal
– mobilizou gente do País todo para vender assinaturas e distribuir o jornal,
além de um pequeno comitê que se reunia mensalmente na sala de Sergio
Motta para enfrentar a difícil tarefa de equilibrar despesas e receitas e garantir
a sobrevivência do jornal. Quanto a isso não havia discórdia: todos estavam
prontos a se sacrificar para que o jornal continuasse, apesar do volume des-
comunal de trabalho e dos salários bem abaixo do mercado, menores do que
os de Opinião, como lembra Tonico:
No Opinião fizemos um acordo para ganhar 30% a menos do
que o mercado pagava. Como o mercado estava aquecido, era um
bom dinheiro. Já em Movimento era pouco desde o começo, eu
dividia a casa com outro casal, não tinha carro, até deixei de fu-
mar por causa do dinheiro.11
Para os que vieram depois, o baque era maior. Sérgio Buarque, por exem-
plo, ganhava 2,5 vezes a menos em Movimento do que ganhava em O Estado
de S. Paulo, onde trabalhou antes. Fui para Movimento pela questão da mi-
litância: combater a ditadura, fazer um jornal nosso, sem patrão. E nem me
importava muito com essa coisa de salários, o que me incomodava mais é que
a gente tinha que economizar em tudo: por exemplo, o controle do telefone
era um inferno, prejudicava a qualidade do trabalho.
Para mim, era um choque porque tinha vindo do Estadão que, na época do
milagre, tinha dinheiro como nunca na vida. Uma vez fui fazer uma matéria
10 AP 285.04.01 Fnd Mov APSP.
11 Entrevista de Antonio Carlos (Tonico) Ferreira, citada.
104
na Amazônia e levei tanto dinheiro que fretei um avião sem ter que pedir
para a sede. Aí, chega em Movimento e o Murilo Carvalho, que era o prin-
cipal redator das Cenas Brasileiras, viajava pelo Brasil todo, me trazia umas
prestações de contas que eram assim: pousada da dona não sei o quê, cinco
cruzeiros. Porra! Cinco cruzeiros! Era tudo muito franciscano12.
Um episódio ocorrido em outubro de 1975 dá a medida do engajamento
“franciscano” da redação. Havia cinco meses – desde sua criação –, o jornal
acumulava déficits por não ter conseguido atingir a meta projetada de ven-
das, prejudicadas pelo impacto da censura na qualidade editorial e na perio-
dicidade de suas edições. Como evitar a falência?
Quem conta a história é Francisco Marsiglia:
O jornal estava caindo muito em vendas e, em uma situação
dessas, não tinha como aumentar o preço porque seria morte sú-
bita. Decidimos reduzir o número de páginas do jornal de 28 para
20, mas ainda assim tínhamos de cortar as despesas de custeio e
a folha de pagamento (de 220 mil para 90 mil cruzeiros mensais).
Então, reunimos a redação e falamos: “Tem uma saída assim”. E,
incrível, todos toparam cortar seus salários pela metade numa
boa! Não tenho lembrança de uma pessoa falar: “Ah, não, eu que-
ro continuar ganhando o que estou ganhando”. Isso foi uma coi-
sa muito importante, não só para a sobrevivência do jornal, mas
porque serviu para solidificar a união de pessoas tão díspares
ideologicamente, embora fossem todas de esquerda.13
105
A reunião de pauta era livre, tradição que vinha desde Opinião nas recor-
dações de Marcos Gomes: todo mundo participava, os editores se pronuncia-
vam sobre o noticiário de seus respectivos setores, cada jornalista dizia o que
queria fazer , “reunião de pauta livre, quem quiser faz não sei o quê. Decidida
a pauta, entra em edição, não tem assembleia, críticas, a posteriori. Não é
autoritarismo”, arremata Gomes.14
Ou seja, as pautas eram decididas livremente, entretanto, uma vez fecha-
das, não se discutia mais, fazia-se a matéria, prevalecendo a hierarquia da
redação. Já na reunião de crítica do jornal, de participação igualitária, a dis-
puta política aflorava. Ali se discutia das capas aos artigos de cada edição,
sempre do ponto de vista do posicionamento político tomado pelo jornal.
As sucursais também mandavam relatórios, debatidos em São Paulo. Como
se percebe pela leitura das atas conservadas nos arquivos, as reuniões eram
longas, abordando tudo, da cobertura internacional do jornal, por exemplo,
da guerra no Camboja à política dos direitos humanos do presidente Jimmy
Carter, dos EUA, às matérias de política nacional, como eleições, MDB, dis-
putas internas do governo militar, economia, cultura. Tomando uma das atas15
como exemplo:
Três matérias do número 72 provocaram grandes polêmicas na
reunião. A discussão foi muito grande em torno da matéria dos
“neo-autênticos”, do Severo Gomes, e do “sinólogo anônimo”.
As matérias tocam em temas de constante discussão dentro do
jornal (MDB, burguesia, China) e não é de se espantar que as dis-
cussões sejam longas e muitas vezes acirradas quando o jornal
publica artigos sobre esses temas. É também natural e até mesmo
salutar que a discussão desses temas muitas vezes avance além
das próprias matérias.
A matéria dos “neo-autênticos”, assinada por Teodomiro Braga (conselhei-
ro e principal repórter de Brasília), foi julgada pelo coletivo “pouco clara, in-
completa e muitas vezes contraditória”. Além disso, registra Tonico na ata, a
conclusão de que os “neo-autênticos eram politicamente mais amadurecidos
do que os autênticos pode causar confusão e irritação na área”. Sobre o artigo
a respeito de Severo Gomes, depois de muito debate, Tonico registra:
No geral, houve concordância com a análise do Raimundo, que
afirma: “A matéria erra por desconsiderar os conflitos internos da
burguesia. Se os conflitos das várias facções da burguesia são se-
cundários, como explicar a morte de Getúlio e a queda de Jango?”
Já a matéria sobre a China, uma tradução publicada pelo editor de
Internacional, Flávio de Carvalho, “sofreu críticas gerais de todos que a le-
ram”. Foi qualificada de “irresponsável” por Raimundo, acusada de ser “de
direita” por Murilo Carvalho, e mereceu o seguinte comentário do secretário
106
da reunião: “Eu, Tonico, achei que a matéria vem mais para confundir do que
explicar e causará profunda irritação nas bases do jornal.”
O CASO ALBERNAZ
Em 29 de maio de 1976, o redator Murilo Albernaz enviou uma carta ao Con-
selho de Redação criticando duramente seus colegas e chefes da sucursal de
Belo Horizonte. Depois, em telefonema à redação, acusou o chefe da sucursal,
Betinho, de tê-lo ameaçado de “expulsão do jornal” por ter enviado a carta.
A notícia caiu como uma bomba na sede do jornal. Demitir um compa-
nheiro por crime de opinião? No jornal “sem patrão”? A surpresa foi ainda
maior quando se soube que o editor-chefe apoiava a decisão de Betinho. Foi
nesse momento que o editor de Nacional, Sérgio Buarque, chegou a pedir seu
desligamento do jornal e do Conselho de Redação,16 depois da reunião do CR
em que Raimundo se manifestou a favor da demissão, “expulsão”, segundo
Murilo, ecoado por Sérgio, o que dava uma conotação de partido político à
sucursal mineira.
Liderada pela “Centelha”, grupo de tendência trotskista, a sucursal de Belo
Horizonte era tida por muitos como radical e desligada da direção do jornal;
alguns, incluindo Murilo Albernaz, iam além, acusando o grupo de pretender
montar “um partido” e de funcionar à margem das diretivas do Conselho de
Redação, posições qualificadas de “nocivas” por Sérgio Buarque em sua carta
de (quase) demissão. Entre os fatos apontados para sustentar as acusações es-
tava o modelo de funcionamento da sucursal, adotado unilateralmente desde
o final de 1975, que incluía a participação de assessorias formadas por inte-
lectuais e profissionais liberais com o objetivo de “analisar, criticar e ajudar
a fazer o jornal”. Também havia uma proposta de instituir um Conselho de
Redação regional, já enviada aos conselheiros, reforçando as suspeitas de dis-
sidência da sucursal.
O apoio de Raimundo a Betinho foi ainda mais surpreendente por causa
das conhecidas divergências políticas entre o editor-chefe e a chefia da su-
cursal. Isso, porém, acabaria legitimando a posição de Raimundo, quando,
após dois meses de crise, ele finalmente explicou os motivos de sua decisão
em um longo relatório sobre o episódio, com o título “Aprendendo com a
crise”,17 afixado nas paredes da redação à moda dos “dazi bao” (jornais mu-
rais) dos chineses, em julho de 1976. Buarque desistiu de sair do jornal e a
maioria da redação aceitou as explicações do relatório.
Depois de ouvir “exaustivamente” os jornalistas da sucursal mineira, o
editor-chefe concluíra “que o erro tinha sido do próprio Murilo”. Segundo
Raimundo, embora ele mesmo tivesse advertido Albernaz durante uma con-
versa travada um mês antes deste entregar a carta de que “é mais correto fazer
as críticas primeiramente aos próprios companheiros com quem se trabalha
e, só depois de esgotada esta fase da discussão, tentar levá-la a uma instân-
cia superior”, ele se recusou a discutir o caso na sucursal, que “não recebeu
16 Carta de 14 de junho de 1976 – AP 283.03.04 Fnd Mov APSP.
17 AP 284.04.004 Fnd Mov APSP.
107
UM PROJETO DE ESTATUTO
Por fim, embora criticasse a sucursal de Belo Horizonte por tomar posições
“isoladas” e “democratistas” em seu funcionamento interno, o editor-chefe
reconhecia que essas atitudes se deviam em parte à demora do Conselho de
Redação em aprovar suas próprias normas – em contraste com a tentativa da
sucursal de “avançar em sua organização” – e apresentava, junto com o rela-
tório, um projeto de estatuto para discussão. Entre outras novidades, o pro-
jeto propunha que “todos os funcionários e redatores do jornal com mais de
um ano de trabalho e todos os colaboradores regulares e frequentes do jornal
durante dois anos consecutivos” passassem a fazer parte de uma “Sociedade
de funcionários, redatores e colaboradores de Movimento” com poder de re-
novar o Conselho – o que seria de fato adotado, mas apenas dois anos depois.
O artigo mais interessante era o terceiro, uma espécie de “cartilha” de como
devem ser as relações entre chefes e subordinados, evidentemente inspirada
no caso Albernaz:
Embora o jornal tenha uma estrutura hierárquica de comando,
as operações em cada editoria, sucursal ou departamento devem
levar em conta as experiências concretas de cada local; portanto
é necessário autonomia e iniciativa nos escalões inferiores (...).
Com vistas à eliminação das diferenças entre chefes e subordina-
dos, é necessário buscar métodos de trabalho coletivo que aper-
feiçoem o nível técnico, político e ideológico de redatores e cola-
boradores. (...) Os subordinados, por sua vez, devem desenvolver
um espírito combativo e uma luta pelo aperfeiçoamento pessoal,
evitando críticas pelas costas ou obscuras, procurando confiar
em si mesmos e sempre, antes de apelar a escalões superiores,
esgotar todos os recursos pessoais e toda a mobilização possível
de seus companheiros de mesmo nível.
Havia uma orientação específica para os chefes:
O chefe não deve perder de vista a necessidade de aprender
com os subalternos e de ser um exemplo, assumindo para si a
108
ACUSAÇÃO DE AUTORITARISMO
Não faltava também quem acusasse a direção do jornal, que se pretendia “de-
mocrática”, de “autoritarismo”, críticas vindas de colaboradores ofendidos
com a edição final de seus textos ou de grupos que divergiam politicamente
da direção e não conseguiam fazer prevalecer suas posições. Tudo era in-
terpretado pelo viés político, o que também irritava editores como Sérgio
Buarque:
Era tudo uma saia muito justa. Chega lá um negócio jornalisti-
camente ruim, você não encaminha, o cara já vai te acusar de es-
tar censurando politicamente. Isso é um inferno, sabe? Eu lembro
do Jean-Claude Bernardet entrando na sala do Raimundo, para
reclamar de mim, que eu tinha cortado não sei o quê. Mas o jor-
nalismo, que eu saiba, é isso: mexe, tira, corta. Mas ali qualquer
18 Idem.
19 AP 284.03.008 Fnd Mov APSP.
20 Entrevista de Raimundo Rodrigues Pereira em 9 de outubro de 2009.
109
coisinha que você fazia tinha uma discussão. Aí, fui aprender:
toda vez que você corta o texto de alguém, você cortou o “es-
sencial”, você “mutilou”, e tal... Agora, você turbina isso com as
questões políticas, vira um problemão.21
Apesar disso, em novembro de 1977, o próprio Buarque escreveu uma car-
ta a Raimundo acusando-o de censura por ter derrubado a segunda parte de
uma entrevista com o sociólogo Florestan Fernandes, editada por Buarque,
sem comunicá-lo. Episódio hoje apagado da memória, segundo o ex-editor de
Nacional, na mesma entrevista:
Não lembro desse caso específico, mas acontecia algumas vezes
de a censura ter aprovado um texto e o Raimundo não publicar, e
eu reclamava. Mas era aquela tensão natural de editor com reda-
tor-chefe, né? E lá tinha espaço para discutir, para criticar. Agora
o Raimundo tinha um saco de ouro, porque tudo ia em cima dele,
tudo dava discussão.
Tonico diverge:
O Raimundo era autoritário, não há como negar, e eu como se-
gundo era mais ainda. A gente não tinha muito jogo de cintura,
queria impor as nossas coisas, e aí quando eu digo que a esquer-
da briga, eu me incluo nela, né? Mas todas essas reuniões eram
feitas na base do levanta a mão e a redação inteira participava.
No fundo, sempre tinha duas posições, entendeu? A posição do
Raimundo, que era muito forte porque era muito difícil de con-
testar – o Raimundo é cheio de argumentos, e vai, vai, vai, vai e
vence a discussão – e a outra posição de quem, naquele momen-
to, estava querendo fazer alguma modificação no jornal.22
110
112
O
jornal Movimento significava jornalismo político. Desde o
início, todos os que se aproximavam tinham formação po-
lítica e queriam fazer oposição ao regime militar. A maioria
deles, jornalistas ou intelectuais, inclusive os que vieram de
Opinião, havia tido em algum momento proximidade com
alguma organização política de esquerda. Raimundo Pereira e Bernardo
Kucinski estiveram para entrar na Polop, Tonico Ferreira vinha de laços
com o PCB e, depois, com a dissidência desse partido. Marcos Gomes fora
dirigente da Ação Popular e se aproximara do PCdoB. Luiz Bernardes
havia feito trajetória semelhante. Fernando Henrique Cardoso e Francisco
de Oliveira, pelo menos antes de 1964, haviam sido próximos do PCB,
da mesma forma que muitos dos colaboradores cariocas, tais como
Maurício Azedo, Nelson Werneck Sodré e outros. Havia ex-militantes
da antiga Ação Popular, como Sergio Motta e Luis Carlos Mendonça de
Barros. Remanescentes da guerrilha urbana, de organizações como ALN
e Colina, como João Batista dos Mares Guia e seus companheiros de
corte trotskista de Minas Gerais, Aloisio Marques, Fausto Brito, Flávio
Andrade, João Machado, Flaminio Fantini e outros. Havia aqueles ex-
-militantes da Ação Popular que, por diversos motivos, não haviam
concordado com a integração ao PCdoB, como Duarte Pereira, em São
Paulo, Emiliano José e Tibério Canuto, na Bahia. Havia jornalistas sem
vinculação partidária que buscaram em Movimento uma oportunidade
de se expressar com mais liberdade, como Teodomiro Braga e Sérgio
Buarque de Gusmão. E também aqueles jovens que estavam se ini-
ciando como jornalistas e encontravam uma porta aberta, como Caco
Barcellos, Armando Sartori, Roldão Arruda e tantos outros. E havia
ainda um movimento nada subestimável de apoio e colaboração por
parte de bispos, padres, freiras e leigos católicos, simpatizantes da teo-
logia da libertação, que criava um clima de simpatia em torno do jornal
e o levava por todo o País até às comunidades eclesiais de base.
113
114
que pensavam como ele, por exemplo, Chico de Oliveira, Flávio Aguiar,
Maria Moraes, Guido Mantega, sem falar do pessoal de Belo Horizonte e
de Salvador. Havia um clima crescente de disputa.
115
116
Mas não é essa discrepância que se vê na sua carta de 1976. Nela não
se fala em jornalismo, a não ser para refutar uma alegada insinuação de
Raimundo de que Bernardo estivesse defendendo “jornalismo por jorna-
lismo”:
Achei especialmente equivocada sua alegação de que outras
pessoas estariam propondo o jornalismo pelo jornalismo (...)
se você não o praticou, muito menos as pessoas mais direta-
mente participantes nesse recente processo de críticas, e nem
isso foi proposto.
A carta foi escrita nove meses após o lançamento de Movimento. E é
uma antecipação do teor das divergências que levariam ao “racha” um
ano depois.
As divergências no jornal iriam crescer ao longo de 1976. Havia uma
pressão para debater os Ensaios Populares. Nas reuniões semanais de
11 e 18 de setembro, o Conselho de Redação decidiu planejar debater
os Ensaios, conteúdo, forma e a questão da assinatura do autor. Na reu-
nião de 25 de setembro, o CR descobriu como o assunto era complexo.
“Queriam discutir tudo”, relatava a ata redigida por Tonico Ferreira, “Mar
de 200 milhas, MDB, controle populacional”, isto é, queriam discutir o
conteúdo das dezenas de artigos já publicados. E comentava: “havia muita
divergência, seria uma discussão sem fim”. Para que a discussão levasse a
“alguma coisa, não ficasse apenas em discutir por discutir”, fez-se um pla-
no para desenvolver o debate na sede e nas sucursais.8 Decidiu-se discutir
a linha geral. Planejava-se fazer um documento com o histórico da seção,
sua evolução e situação atual, para orientar os debates. Nos documentos
posteriores não há registros sobre essa discussão.
118
9 Depois do Massacre da Lapa, A Classe Operária passou a ser feito no exterior, pelos dirigentes que
estavam fora do País, como João Amazonas. Suas matérias eram divulgadas pela Rádio Tirana, da
Albânia. Azevedo gravava as locuções das matérias, passava-as para o papel e distribuía. Mandava
uma cópia para Movimento. Bernardo Kucinski interpretou esses documentos como “diretivas” do
PCdoB a Raimundo Pereira. Na realidade, tinham o caráter de colaborações. Raimundo não tinha
qualquer compromisso com as posições ali expostas, pois não era e nunca foi militante do PCdoB.
Por diversas vezes expressou no jornal posições divergentes das do PCdoB, como, por exemplo,
quanto à guerrilha do Araguaia, ao pensamento de Mao Zedong e à chamada teoria dos três mundos.
10 Bilhete de Kucinsci a Tonico. AP 285.02.038 Fnd Mov APSP.
11 Carta de desligamento de Kucinski. AP 285.02.038
85.02.038 Fnd Mov APSP.
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U
m ponto crucial da divergência e da incompreensão que en-
volveu a trajetória do jornal Movimento é o da autoria e do
conteúdo político dos “Ensaios Populares”. Foi um dos mo-
tivos alegados para o grande “racha” do jornal, em abril de
1977, embora questões políticas mais gerais tenham sido o
centro da polêmica.
A apuração objetiva mostra um encadeamento dos fatos ao azar, em vez
de uma suposta conspiração, como se chegou a supor. Sergio Motta havia
indicado o engenheiro Francisco Marsiglia para ser o administrador finan-
ceiro do jornal. Eles já se conheciam do tempo da faculdade (Faculdade de
Engenharia Industrial, FEI), do movimento estudantil, onde os dois ajuda-
ram José Serra a ser presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) de
São Paulo e, depois, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE),
em 1963 e 1964. Todos então eram militantes da Ação Popular, assim
como outro companheiro e amigo, o baiano Duarte Lago Brasil Pacheco
Pereira, que foi vice-presidente da UNE na gestão de Serra.
Chico Marsiglia se tornaria um técnico em finanças. Trabalhou em um
banco de investimentos, de onde foi demitido depois de haver sido detido
sob a acusação de arranjar uma casa para reuniões de dirigentes do PCdoB.
Em 1975, estava trabalhando na preparação do lançamento de Movimento
quando teve notícias de Duarte Pereira:
Fui procurado por um amigo comum, que me relatou como
é que o Duarte estava. Ele estava absolutamente isolado, a AP
1 Jean Guéhenno, diretor do jornal de esquerda Vendredi, e participante da resistência dos
intelectuais franceses contra o nazismo, comentando o fracasso do governo da Frente Popular, em
1937, na França. Lottman Herbert R., A Rive Gauche – Escritores, artistas e políticos em Paris 1934-
1953. Rio de Janeiro: José Olimpio Editora, 2009.
121
tinha acabado, ele não topou entrar no PCdoB (...) (Esse ami-
go2) me procurou e disse: “O Duarte está numa situação incri-
velmente ruim, isolado, não está em partido nenhum, tem que
sobreviver, está morando na casa de um cara, tem que sair todo
dia de manhã para dar uma de professor que vai trabalhar, e
não vai (...) Fica girando em ônibus. Um negócio, assim, abso-
lutamente incrível, kafkiano. Tinha que voltar uma determina-
da hora, também para não dar na vista. Sob o ponto de vista
financeiro, vivia de algumas contribuições do próprio cara que
o abrigou, que também não era rico.” Eu falei: “Bota ele em
contato comigo, vou ver se ele topa trabalhar no jornal, ganhar
uns trocos e contribuir”. Marquei um encontro com o Duarte,
conversamos andando na rua, naquela época, era perigoso...3
(...) Aí, encontrei com ele algumas vezes e comentei com
o Raimundo: “tem um cara assim, assado...”, “Quem, da
Realidade? Puta vida, traz ele aí!”, “Ah, Raimundo, não dá,
né?”(Duarte estava na clandestinidade). (...) E, por outro lado,
eu já tinha falado com o Sergio (Motta), ele falou: “vamos, eu
converso também com o Raimundo, legal”. E o Sergio promo-
veu esse encontro.
Duarte Pereira lembra que foi encontrar Sergio Motta na empresa dele,
o qual disse: “‘Olha, vamos combinar, te apresento ao Raimundo e vamos
conversar. Vou marcar um jantar e te apresento’. E foi assim. Ele marcou
um jantar na casa dele, e foi onde eu conheci o Raimundo.”4
As reuniões de Raimundo com Duarte para estabelecer os rumos da co-
laboração se deram na casa dos pais de Marsiglia, no bairro do Itaim: “A
casa da minha mãe era um sobradinho, não despertava suspeitas, nada.
Deu para fazer reuniões várias vezes.” Duarte Pereira lembra com gratidão
dos “saborosos jantares” que a mãe de Marsiglia preparava para eles nas
ocasiões em que se reuniam em sua casa.5
2 Trata-se do gráfico Celio Fujiwara, ex-militante de AP e PCdoB e amigo pessoal de Duarte Pereira.
3 Entrevista de Francisco Marsiglia em 24 de novembro de 2009.
4 Entrevista de Duarte Pereira em 5 de julho de 2010.
5 Entrevista de Duarte Pereira, citada.
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ros que ele até então liderava no rumo da unificação, como lembra Carlos
Azevedo. Portanto, quando escrevia Ensaios Populares para Movimento,
Duarte o fazia na condição de militante político independente.
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car aquilo com o que eu estava de acordo, pois, mesmo sem assi-
nar os textos – que não eram meus, claro – eu tinha de defender
aquelas ideias publicamente. Eram textos que a maioria da reda-
ção, e mais gente depois, na medida em que os textos ganharam
fama, achava que eram de minha autoria.14
Tonico Ferreira acha que a contribuição de Duarte foi importante:
... ele tinha uma cabeça muito boa e escrevia bem. Para a épo-
ca, foi importante. Então, ele esclarecia um pouco, toda a ideia
que a gente tinha do que tinha que fazer naquele momento que
era superar o trauma da luta armada. Você tinha que superar
aquilo tudo, porque... ninguém sabia direito o que fazer: “aca-
bou a luta armada, o que nós vamos fazer?”. Isso, um pouco,
era o papel dele lá escrever (...) nós éramos jornalistas, a gente
não sabia fazer, não estávamos preparados para isso. Então,
aquilo era uma contribuição importante para nós. Porque às
vezes você tem alguns intelectuais que dão uma ideia mui-
to própria e muito boa para um determinado momento (...)
Comigo, total afinidade, com o Raimundo, também.15
Mas despertou divergências desde o começo, lembra Tonico:
Isso era uma grande discussão lá, né? Isso tudo foi motivo
de brigas, porque achavam que em tudo aquilo estavam as po-
sições do PCdoB. Achei aquilo tudo muito engraçado, porque
eu não conhecia ninguém do PCdoB, não tinha nada a ver com
aquilo e até hoje as pessoas acham que eu sou do PCdoB, ou
fui. Eu não tenho a menor ideia, nunca fui em nenhuma reu-
nião, não sei de nada, não...
Tonico lembra que houve muita intriga:
É, porque havia uma desconfiança de que todo mundo... é as-
sim, digamos que você não é nada, você é, inclusive, de outra
tendência e está lá dando seu sangue pelo jornal. Aí, dizem pra
você: “não, você está trabalhando pros neguinhos do PCdoB,
eles estão pondo todas as ideias deles nos Ensaios Populares,
aquilo lá é para divulgar as opiniões (do partido) e você é mas-
sa de manobra”, ninguém aceita um negócio desses.
Na sua opinião, o problema era não poder dizer quem escrevia por causa
da repressão:
Então, não tinha como explicar aquilo. Não dava para di-
zer que o Raimundo tinha escrito, acho que até tentou-se uma
época dizer isso, mas não funcionou (...) eu sou a grande teste-
munha de que não houve nada, nenhuma grande conspiração,
mesmo porque eu ficava lá tanto tempo quanto o Raimundo e
provavelmente mais, nunca deixei o Raimundo sozinho.
Tonico sabia que era Duarte quem escrevia os Ensaios. Além de Raimundo,
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V
iviam-se dias dramáticos no início de 1977. Os acontecimen-
tos políticos indicavam tensão crescente entre governo e a opo-
sição, continuavam as cassações de parlamentares, a censura
prévia a vários jornais, sem esquecer as medidas mais duras
contra outros oposicionistas, prisões e processos. O “Massacre
da Lapa” ainda repercutia. A denúncia, feita em 1º de fevereiro, pelos advo-
gados Luiz Eduardo Greenhalgh e Márcia Ramos de Souza, de bárbara tortura
contra seu cliente Aldo Arantes, dirigente do PCdoB, provocou protesto no
País e no exterior. A Pontifícia Comissão de Justiça e Paz de São Paulo re-
cebeu a mãe de Aldo e se manifestou contra as “práticas abomináveis”. Em
Portugal, um abaixo-assinado contra o “Massacre da Lapa”, com 40 mil as-
sinaturas, foi apresentado ao embaixador brasileiro, general Carlos Alberto
Fontoura, que recusou recebê-lo. Quarenta personalidades francesas, inclu-
sive um Prêmio Nobel, enviaram carta ao presidente Geisel pedindo que ces-
sassem as violências. O governo também recebia questionamentos do novo
governo americano, do presidente Jimmy Carter, sobre a violação de direitos
humanos no País, que o levaria a suspender o Acordo Militar Brasil-EUA.
As dissensões entre os militares se agravavam, surgiam atos de indisciplina
nos quartéis. A política de distensão claudicava, enquanto a dinâmica das
denúncias contra abusos e manifestações de oposição tomava impulso. A
ideia da democratização se difundia pela sociedade e ganhava até as páginas
da grande imprensa.
Nas áreas de influência da esquerda havia uma animação. Grandes ques-
tões eram debatidas, todas parecendo vitais para o futuro da nação. O regime
dava sinais de esgotamento, entre militares e empresários formavam-se cor-
rentes divergentes. As classes sociais buscavam se posicionar tendo em vista
seu lugar no novo cenário de poder que se esboçava. Quem iria dirigir o pro-
cesso? A oposição precisava tomar a iniciativa. Precisava se unir para buscar
o poder. Mas unir-se em torno de quê? Quem eram os protagonistas? Quem
fazia parte da frente de oposição? Que objetivos essa frente devia almejar? A
burguesia nacional fazia parte da frente? Mas a burguesia nacional existia?
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Qual o papel da classe operária dentro dessa frente? Se ela não fosse a classe
dirigente, seria manipulada pela burguesia? A frente devia incluir os milita-
res dissidentes? Mas eles queriam de fato a democratização ou controlar o
processo democrático? Devia-se lutar por uma Assembleia Constituinte que
elaborasse uma nova Constituição? Mas quem iria convocar e dirigir a Cons-
tituinte? Ela iria democratizar de fato o País ou institucionalizar as leis de ex-
ceção do regime ditatorial? Essas questões estavam presentes no cotidiano da
equipe e nas páginas (quando passavam pela censura) do jornal Movimento,
com uma grande carga de emocionalidade.
Em 1º de abril, o general Geisel baixava o “pacote de abril”, um decreto com
base no AI-5, fechando temporariamente o Congresso, criando novos limites
para as eleições de 1978 e impondo pela força a Reforma do Judiciário que
o Congresso se recusara a aprovar por meio de emenda constitucional. Na
edição 92, de 4 de abril, Movimento dava matéria de cinco páginas e meia
(apesar dos cortes dos censores) detalhando o episódio. Pouco depois, o de-
putado Alencar Furtado, líder do MDB na Câmara dos Deputados e membro
do Conselho Editorial de Movimento, após discurso pela TV em que lamen-
tava os mortos e desaparecidos, tinha seu mandato e seus direitos políticos
cassados.
Alencar Furtado, aos 85 anos, com boa saúde, morava em Brasília em
2010. Relembrou com entusiasmo:
Fui o último cassado. Houve um protesto internacional mui-
to grande. A Câmara, o governo receberam, por exemplo, men-
sagens do Partido Socialista Francês, do Partido Trabalhista
Inglês, a Assembleia de Portugal fez uma mensagem unânime
e mandou contra eles aí. Enfim, houve uma reação, por que
realmente, naquela época, só havia dois partidos, era Arena e
MDB, então, cassaram um líder do MDB – naquela época eu
estava liderando a bancada –, ia ficar só o outro líder. Então,
foi uma violência enorme e a repercussão foi muito grande. Eu
acho que isso concorreu para não cassar mais ninguém. Mas
também já estava com as frestas de luz da abertura, né?1
A POLÊMICA
Na ressaca da derrota no Vietnã, o governo Carter iria adotar uma linha di-
plomática de tomar certa distância dos governos autoritários instalados sob a
inspiração dos EUA pelo mundo afora. Tonico Ferreira lembra que
o cônsul americano aqui, que era provavelmente um cara da CIA,
chamou a gente para conversar. Fui eu, porque o Raimundo não
quis ir (...) o Fernando Henrique Cardoso e acho que o Airton
Soares, ele convidou três caras para conversar, para sondar como
é que seria recebida pela esquerda a política de direitos humanos
do novo presidente, que ia tomar posse. (...) Enfim, de uma certa
forma, o governo americano sondando a esquerda sobre o novo
1 Entrevista do ex-deputado Alencar Furtado, “Autêntico” do MDB, em 25 de fevereiro de 2010.
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A ALTERNATIVA MINEIRA
Em São Paulo, o debate se radicalizava, unindo no confronto com a direção
do jornal personalidades com posições políticas tão diferenciadas quanto as
de Bernardo Kucinski, Francisco de Oliveira, Flávio Aguiar, Guido Mantega,
Maria Moraes, Ricardo Maranhão, Silvia Campolin e outros intelectuais iso-
lados que não tinham massa crítica para se opor ou almejar o poder no jornal.
A massa crítica viria de Minas Gerais. A maioria da equipe da sucursal de
Belo Horizonte fora formada por um grupo previamente existente, cujo nú-
cleo somava novas lideranças do movimento estudantil com ex-militantes da
guerrilha urbana derrotada pela ditadura. Esse grupo alcançara grande uni-
dade política, era organizado e mobilizava amplos setores na capital mineira,
tinha força de massas. Arregimentara muitas energias em torno do jornal,
tanto que a sucursal chegou a vender quase tantos jornais e assinaturas quan-
to a própria sede, segundo as palavras de Betinho. Era a Centelha, um grupo
político influenciado pelas ideias de Ernest Mandel, mas principalmente for-
mado no pensamento de Leon Trotsky, conforme relata o economista Aloisio
Marques, na época um de seus articuladores: “Nós não tínhamos relação com
a Quarta Internacional, mas éramos afinadíssimos nas teorias de Trotsky, a
revolução russa, as teses da revolução permanente, da abertura para as ten-
dências, etc. e tal...” 9
Aloisio Marques conta que Raimundo Pereira contatou Alberto Duarte,
o Betinho, e este, que anos antes militara com Aloisio na antiga Ação
Popular, mas não fazia mais parte de qualquer grupo político, foi quem
convidou o grupo da Centelha para participar na sucursal.
Aloísio lembra que na Centelha tinham convicção “absoluta” de que o
PCdoB era o orientador das ações do jornal Movimento e sobretudo de
Raimundo Pereira. Mas era um jornal de frente, cujo programa defendia
a luta pelas liberdades democráticas e a Assembleia Constituinte, posi-
ções que eram centrais para o grupo, oferecia, portanto condições “para a
unidade na diversidade”, para sua participação com vistas a unir forças
contra a ditadura e também expandir a sua influência:
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P
ara Bernardo Kucinski, em entrevista, a polêmica sobre a política
de Carter foi o estopim do racha. Na verdade, nas semanas que
antecederam a Convenção houve vários “estopins”, como um in-
cidente entre Chico de Oliveira e Sérgio Buarque, o fato de a “opo-
sição” começar a reunir-se à parte na casa de Bernardo Kucinski...
Outra polêmica, ainda mais acesa, e mais importante, agitava as lide-
ranças do jornal. Era a questão da posição sobre a amplitude da frente
democrática contra a ditadura.
No início de fevereiro de 1977, havia ocorrido a demissão do ministro
da Indústria e Comércio, Severo Gomes. Este vinha havia tempos fazendo
uma pregação de cunho marcadamente nacionalista e pelo restabeleci-
mento das franquias democráticas como meio de retirar o País da crise
e buscar um outro padrão de desenvolvimento. Isolado a maior parte do
tempo, começara a agregar apoios velados a partir de meados de 1976,
particularmente junto a médios empresários e em certos bolsões militares
e, mais recentemente, entre o grande empresariado.
Ensaios Populares, da edição 86, de 21 de fevereiro de 1977, trazia o tex-
to intitulado: “O acordo e o desacordo dentro da oposição”. Referia-se à
queda de Severo Gomes, sinal de agravamento das divergências dentro do
regime, que havia sido matéria de destaque na edição anterior.2 Segundo
o Ensaio, da polêmica nos meios empresariais após a queda do ministro,
1 Herman Melville, em Bud, um marinheiro.
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3 O economista Guido Mantega iria participar da fundação do PT. Anos depois, seria ministro da
Fazenda do governo Lula.
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A REAFIRMAÇÃO DO PROGRAMA
Terceira causa. Aqui, Raimundo passava a repetir, detalhando, os conceitos
emitidos no Ensaio Popular da edição nº 86 de Movimento sobre a frente de-
mocrática e sua amplitude, que já havia provocado o protesto da sucursal de
Belo Horizonte. Tratava-se de um detalhado programa político:
Edição S/A sempre esteve concretamente ao lado dos interesses das am-
plas classes e camadas trabalhadoras do país e ao lado do senador Paulo
Brossard nas suas bravas lutas por uma justiça democrática e contra as
violações dos direitos humanos; ao lado da grande e crescente imprensa
popular do país na luta por liberdade de imprensa e ao lado de O Esta-
do de S. Paulo (na carta a Raimundo, um ano antes, Kucinski havia se
oposto explicitamente à aliança com O Estado de S. Paulo), mesmo na
convenção da Sociedade Interamericana de Imprensa por liberdade de
imprensa que reuniu em São Paulo, como de hábito, alguns dos maiores
representantes da imprensa oligárquica do continente; ao lado dos que
tentaram denunciar todas as maquinações e casuísmos de leis eleitorais
e ao lado do ex-Ministro Aliomar Baleeiro quando ele excelentemente
definiu os pré-requisitos para uma verdadeira reconstitucionalização de-
mocrática: a anistia ampla, o fim dos atos de exceção, amplas liberdades
de propaganda, reunião e organização e a convocação de uma Assembleia
Constituinte; ao lado da classe operária do campo e da cidade na sua luta
por maiores salários e maior participação nas decisões políticas, culturais
e econômicas e ao lado do trabalhador camponês que quer um pedaço de
terra mesmo que este venha a sonhar em ser um pequeno empresário capi-
talista, ao lado do pequeno e médio empresário e dos empresários nacio-
nais independentes que desejam maior participação nas decisões mesmo
que estes sonhem apenas com um modelo de desenvolvimento capitalista
independente e este seja irrealizável ou inconsequente (Neste ponto em
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A PROPOSTA DA OPOSIÇÃO
Os que divergiam apresentaram a “Proposta Movimento”, a qual reproduzia
em detalhes o documento apresentado um pouco antes por Flávio Aguiar, e
cuja introdução dizia:
Movimento se propôs a ser expressão de uma frente jorna-
lística de oposição democrática e popular, unida em torno de
objetivos comuns. No entanto, no decorrer da experiência, o
jornal assumiu uma interpretação particular desses objetivos,
definida de modo unilateral. Tal fato se constata pelo amplo
questionamento da nossa linha editorial, expressa principal-
mente nos Ensaios Populares. Esta unilateralidade, evidente-
mente, ameaça a nossa unidade e o desenvolvimento do jor-
nal. É necessário corrigir esse rumo. (...) A reparação da atual
unilateralidade da linha editorial de Movimento começa pela
discussão de seu processo de gestação. Isso aponta para a aná-
lise dos atuais métodos de trabalho, para a questão da demo-
cracia interna...”
Propunha “o desenvolvimento da democracia interna, partindo do princí-
pio do número zero, de que o jornal deve ser conduzido por aqueles que o
fazem (...) o desenvolvimento do nosso programa mínimo (...) ele deve de-
limitar explicitamente os termos da nossa unidade.” Propunha igualmente
“um amplo movimento interno de discussão e debate”. (...) “Durante o perío-
do de 90 dias... a seção Ensaios Populares fica aberta à participação de todos
os membros do jornal, e fica definida como única seção editorial do jornal,
segundo as seguintes normas: a) à retranca Ensaios Populares acrescenta-se a
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RADICALIZAÇÃO
Outros protagonistas viram o mesmo episódio com nuances diferentes. Tanto
João Batista dos Mares Guia como Aloisio Marques dizem que, quando foi
para a reunião do Conselho em São Paulo, a delegação de Belo Horizonte não
tinha em mente participar de um “racha”. Mares Guia conta que encontrou
em São Paulo uma situação radicalizada.
Eu notei uma certa impaciência por parte das pessoas muito
ligadas ao Raimundo, por exemplo, esse que hoje é um jorna-
lista proeminente na Globo, o Tonico Ferreira. Tonico já era
um sujeito mais impaciente, mais aguerrido, mais agressivo. O
Luis Marcos Magalhães Gomes, que em geral era muito gentil,
foi ficando mais agressivo (...) eu mesmo senti no ar como se
houvesse um propósito deliberado de estabelecer uma hege-
monia dentro do jornal. Então, as pessoas começaram de algu-
ma maneira a se sentir excluídas e ameaçadas. Então, elas se
defendem. Se defendem como? “Vamos conversar entre nós e
ver o que está acontecendo.” 8
Aloisio Marques:
Tínhamos a ideia de conquistar mais espaço, de arejar mais
o jornal que era muito centralizado (...) não tínhamos a inten-
ção nem trabalhamos com a ideia de rompimento. Mas ele se
deu. Não foi puxado por nós, nós tivemos de participar (...)
Eu acho que (foram) basicamente Bernardo Kucinski, pessoa
7 Proposta da oposição – Arquivo pessoal de Sérgio Buarque de Gusmão.
8 Entrevista de João Batista dos Mares Guia em 25 de março de 2010.
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guel Wisnik e outros, num total de 22 de São Paulo; nove de Belo Horizon-
te, entre eles Betinho Duarte, também do Conselho de Redação e diretor
da sucursal, Fernando Miranda, Fausto Brito, Flávio Andrade, Flaminio
Fantini. E sete de Salvador, como Adelmo de Oliveira, Tibério Canuto,
Emiliano José, Oldack Miranda. Trinta e oito pessoas no total deixaram o
jornal. Esse documento foi publicado no O Pasquim e em outros jornais.
A censura não permitiu que Movimento o publicasse de imediato.10
Em resposta, os defensores da proposta vencedora (136 signatários mais
36 que assinaram depois), entre eles a grande maioria de jornalistas que
“tocavam” a rotina do jornal, divulgaram nota, pedindo que os que haviam
saído reconsiderassem sua decisão e continuassem a debater. Diziam que
o motivo alegado – não estarem de acordo com a linha editorial do jornal
expressa através de sua seção “Ensaios Populares” – não era suficiente.
Quais são as divergências que os companheiros têm em re-
lação a eles? Alguns tinham de fato manifestado discordância
em relação à maneira pela qual os Ensaios tratam as correntes
de oposição liberais; outros haviam criticado a insistência des-
ses textos na defesa da independência nacional; outros ainda
tinham objeções às tentativas específicas que o jornal utilizou
para aproximar-se dos setores mais populares. Mas sempre fo-
ram críticas ouvidas isoladamente; não se aprofundaram nas
discussões que precederam o dia 29; mais ainda, nunca foram
apresentadas como razões centrais das divergências...11
Em Tempo começou a ir às bancas a partir de janeiro de 1978. Este, sim,
iria ser o jornal dos jornalistas, é o que se dizia, mas logo passou a ser
porta-voz de tendências trotskistas, o que motivou a saída de parte de seus
participantes iniciais, como Francisco de Oliveira e Ricardo Maranhão.
Estes tentaram criar outro jornal, Amanhã, que não foi avante.12
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O
“racha” de Movimento ocorreu num momento crucial. Em abril
de 1977, a ditadura recrudescia. Com o “pacote” de abril, o ge-
neral Geisel pretendia conter a vaga crescente da oposição e
apaziguar as divergências internas no regime. De imediato, o
jornal podia esperar mais censura e dificuldades para sua so-
brevivência. Em razão disso e como consequência do “racha”, o jornal fez um
esforço duplo, para tomar posição diante da crise em que o País estava mer-
gulhado, e para se reorganizar e democratizar as relações internas. Na própria
reunião da ruptura, sob o efeito da demissão de parte dos colaboradores, o
Conselho de Redação decidiu:
adiar a eleição definitiva de uma nova diretoria por seis meses
para que pudesse haver um amplo debate interno (e isso quando
todos, mesmo os defensores da proposta perdedora estavam de
acordo em que os atuais diretores deviam ser mantidos em seus
cargos); criar uma comissão ampla para aprovar os editoriais do
jornal; eliminar o caráter editorial dos Ensaios Populares, trans-
formando-os em uma seção assinada pelo editor; criar duas co-
missões com poderes legislativos, só subordinada aos Conselhos,
para deflagrar um amplo debate para aprovação e renovação de
seus estatutos e programa; tornar a indicação dos editores da se-
ção e chefes de departamento do jornal sujeita à aprovação do
Conselho; formar uma diretoria de unidade para trabalhar por
consenso.1
O semestre seguinte seria consumido entre a promoção dos debates para
reformular o jornal internamente, conforme essa determinação do Conselho,
enquanto se lutava para preservá-lo, pois continuava sob censura prévia e
sujeito a apreensões. Um desafio e tanto, reconhecido diversas vezes por
Raimundo Pereira, como transparece em um balanço apresentado por ele um
ano depois, em uma reunião de abril de 1978, transcrita em ata:
159
RENOVANDO O COMPROMISSO
A primeira ata de reunião do Conselho que consta nos arquivos, datada de
29 de junho de 1977, mostrava a preocupação de reforçar os laços e aumen-
tar o espaço dos que ficaram: além de cinco conselheiros, participaram da
reunião com direito a voz e voto o chefe do Departamento de Vendas, e mais
seis representantes, ou chefes de sucursais, de outras cidades: Salvador, Rio,
Goiânia, Londrina, Campinas e Belo Horizonte.
Ainda assim, a reunião foi considerada “pequena demais para decidir” so-
bre o primeiro item da pauta: “discussão de critério básico de participação
dos funcionários de Edição S/A na direção da empresa”. Optou-se por le-
var às bases as três propostas existentes para colocar em prática o princípio
que deveria orientar a decisão: “a cada um de acordo com o seu trabalho”.3
Basicamente, as propostas se diferenciavam pelo peso menor ou maior dado
aos votos de colaboradores e funcionários na escolha dos delegados que os
representariam na eleição – por voto secreto – do novo Conselho de Direção.
A partir dessa reunião, a Sociedade de Colaboradores, Redatores e
Funcionários de Movimento começou a tomar forma. Na edição de número
121, de 24 de outubro de 1977, o jornal publicou um documento, dirigido
“aos colaboradores e amigos”, chamando à participação:
Movimento e Edição S/A farão nos próximos dias 28 e 29
eleições gerais para renovar a sua diretoria e o seu Conselho de
Direção, que substituiu o Conselho de Redação a partir dessas
eleições. Podem participar desse processo todos aqueles que de
alguma forma contribuíram para construir esse jornal e esta em-
presa. Para isso estamos formando uma sociedade de amigos e
colaboradores de Movimento e de Edição S/A que será o grande
colégio eleitoral desse processo. As editorias do jornal e os depar-
tamentos da empresa já estão há cerca de um mês conversando
com colaboradores e organizando a sociedade. Toda e qualquer
pessoa que julgue que contribuiu efetivamente para a constru-
ção de Movimento e Edição S/A e que não tenha sido até agora
consultada deve procurar a sede do jornal em São Paulo ou suas
sucursais em outros Estados para se informar sobre o assunto.
Ao lado desse documento foi publicado um comunicado “aos leitores de
Movimento” explicando a necessidade de aumentar o preço do jornal, e uma
convocação para a Assembleia Geral Ordinária dos Acionistas a se realizar no
dia 29 de outubro de 1977, no auditório do Sindicato dos Jornalistas. Além
2 AP 286.02.02 Fnd Mov APSP.
3 AP 285.04.01 Fnd Mov APSP.
160
A AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO
As atas das reuniões de outubro de 1977 foram publicadas com destaque na
edição 123, de 7 de novembro. Sob o título “As eleições em Movimento”, o
texto destacava o avanço democrático do jornal: “Nos dias 28 e 29 passados
cerca de 500 pessoas, membros do jornal Movimento e Edição S/A elegeram
sua direção por voto secreto”. E fazia um balanço da situação do jornal desde
o “racha” à reestruturação interna consagrada nessa reunião. Transcrevendo
o original, publicado no jornal:
As eleições de abril haviam sido adiadas para outubro para que
fosse possível (...) debater mais aprofundadamente algumas di-
vergências internas manifestadas na época, principalmente com
relação à estrutura de decisão e de organização do jornal e da
empresa.
(...) A saída precipitada de 38 companheiros após abril (de
1977) foi desestimulante para cumprir a longa pauta de debates
exposta acima, porque entre eles estavam aqueles que em abril
mais manifestaram discordâncias em relação à forma como o jor-
nal vinha tratando todos aqueles relevantes temas.
Mesmo assim, nesse período, Edição S/A através das páginas
de suas publicações, de seminários e comissões, pode desenvol-
ver um debate amplo e profundo sobre a democracia e a campa-
nha por uma Assembleia Nacional Constituinte e sobre a popu-
larização da imprensa democrática. Por viver sob dificuldades
bastante conhecidas de seu público e por escassez de tempo não
pode aprofundar os outros temas propostos.
Mas, o resultado mais completo desses seis meses de debates
foi a criação de uma nova estrutura de decisão e de organização
para a empresa e para o jornal, através da fundação da Sociedade
de Colaboradores, que congregava os membros de Edição S/A, e
da eleição de um Conselho de Direção que substituirá o antigo
Conselho de Redação.
E prosseguia o documento:
(...) o Conselho de Direção da Edição S/A será renovado a cada
doze meses, pelo menos, através do voto secreto e direto dos de-
legados da convenção da sociedade de colaboradores ao contrá-
rio do antigo Conselho de Redação de Movimento, que não tinha
uma estrutura de renovação ampla e determinada.
A criação da Sociedade de Colaboradores, por sua vez, concre-
tiza uma antiga aspiração dos membros do jornal, pois definiti-
vamente coloca a propriedade do jornal nas mãos de quem o faz.
A sociedade com cerca de 500 membros é proprietária de 51%
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das ações de Edição S/A e será renovada a cada doze meses. Sua
criação tornou muito mais presente e muito mais ampla a partici-
pação dos membros do jornal na definição de seu rumo político.
Exemplo disso foi a escolha dos delegados da convenção da so-
ciedade ao longo do mês de outubro passado: todos os membros
do jornal, dos contínuos aos editores, discutiram as diretrizes
mais gerais para o trabalho do jornal e elegeram, em quase todas
as seções por voto direto e secreto, seus delegados, num processo
onde não havia nenhuma restrição para votar e ser votado a não
ser a de pertencer ao jornal.
Um organograma publicado junto com esse documento detalhava a “es-
trutura de decisão de Edição S/A” e uma retranca separada, publicada nessa
mesma edição de 7 de novembro de 1977, explicava o funcionamento do
Conselho de Direção:
Trinta e cinco nomes, entre jornalistas, intelectuais, membros
da administração, de vendas e acionistas, integram o novo órgão
de decisão de Edição S/A. O Conselho de Direção de Edição S/A
eleito no último dia 28 substitui o antigo Conselho de Redação
de Movimento. A mudança de nome reflete a mudança ocorrida
nos dois últimos anos nas funções do Conselho de Redação de
Movimento que deixou de decidir somente sobre a política geral
do jornal para decidir também sobre a política geral de toda em-
presa editora e de todas suas publicações. O Conselho de Direção
recebe agora todos os poderes que o antigo Conselho de Redação
vinha acumulando inclusive o de aprovar ou não a indicação dos
editores de seção e chefes de departamento da empresa, confor-
me aprovou-se nas eleições de abril passado.
O novo Conselho de Direção tem uma representação por fun-
ções muito melhor do que o antigo Conselho de Redação no qual
o setor de vendas e os acionistas não estavam representados.
Além disso, as sucursais e os núcleos de apoio, que cresceram
muito em várias cidades do país, tinham apenas uma representa-
ção em um conselho de 13 pessoas. No atual Conselho de Direção
estão diretamente representadas as sucursais do Rio, Brasília,
Belo Horizonte e Salvador e os núcleos de apoio em Fortaleza
e Goiânia. Dois acionistas integram hoje o Conselho de Direção:
Kurt Mirow, empresário bastante conhecido por suas lutas contra
o capital estrangeiro e em particular contra o cartel da indústria
eletro-eletrônica; e Raimundo Teodoro de Oliveira, engenheiro,
professor da UFRJ, integrante do núcleo de acionistas cariocas
que tem sempre apoiado o jornal desde sua fundação.
Havia outros novos integrantes no Conselho de Direção, entre represen-
tantes dos funcionários do jornal, como Armando Sartori (editor gráfico),
Maria Leonor Viana (secretária), Paulo Barbosa (da administração), Murilo
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SALVADOR
Na sucursal de Salvador, onde estavam alguns líderes do “racha”, como
Tibério Canuto, as perdas também foram grandes. Mas, como a sala onde
ficava a sucursal estava alugada por Adelmo de Oliveira, do grupo de Chico
Pinto, que não deixou o jornal, a reorganização de Movimento na cidade foi
facilitada. Elementos fortes de apoio, como políticos do MDB e estudantes da
tendência Novação, preencheram os postos deixados pela equipe de Canuto.
Como em Belo Horizonte, o esforço para reconstruir a sucursal e ampliar o
apoio foi concentrado e se deu rapidamente. Três dias depois de uma carta
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RECIFE
Em Recife, esse trabalho de frente de apoio ao jornal, com grande ajuda do
PCdoB, se ampliaria também. Em outubro de 1978, a convite de Barbosinha,
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ACRE
Não foi só o PCdoB que ajudou na reestruturação de Movimento após o “ra-
cha”. No Acre, nesse período, o jornal desenvolveu um trabalho notável, ini-
ciado por um militante do PCB, o sociólogo Pedro Vicente Costa.
Costa foi assumir um posto de delegado regional do Sesc e Senac em Rio
Branco, em meados de 1978. Antes, já havia ajudado a formar o grupo de
apoio às vendas do jornal em Natal, no Rio Grande do Norte. Ex-estudante
de Sociologia, ele levara o núcleo de vendas para a sede da Associação dos
Sociólogos do Rio Grande do Norte, quando assumiu a presidência. Para ele,
o semanário foi fundamental para engajar os estudantes potiguares. “Antes,
a gente tinha um pequeno jornalzinho mimeografado que circulava no di-
retório acadêmico. Mas agora tínhamos um tabloide que veiculava matérias
relevantes, de fundo, sobre a conjuntura nacional”. Anos depois, essa mesma
vanguarda estudantil estaria na linha de frente da campanha pela eleição
direta para reitor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Ufrn).
“Foi uma projeção natural”, avalia.11 Desde então, a Ufrn elege seus reitores
de maneira direta.
Em Rio Branco, Movimento acabou colaborando com um dos mais impor-
tantes movimentos sociais do fim da década de 1970, o dos seringueiros,
tendo entre seus vendedores o próprio líder Chico Mendes. Pouco depois da
mudança, Costa mandou uma carta à redação propondo fundar um grupo de
apoio no município, então com cerca de 90 mil habitantes. Segundo o relato,
as bancas locais ainda ofereciam exemplares do mês anterior. “Os assinantes,
coitados!, quando recebem o jornal é com dois ou três meses de atraso”.12
Assim, havia uma “necessidade urgente” de fazer Movimento circular regu-
larmente, “superando o descrédito aqui reinante”. O núcleo de apoio, forma-
do por ele, José Moreira e Saulo Petean, se encarregaria de distribuir o jornal
nas bancas e encetar uma campanha de assinaturas, podendo também enviar
colaborações. Petean, um ex-militante do PCdoB em São Paulo que fora para
a Amazônia por orientação do partido, trabalhava então na Funai, e já havia
entrado em contato com o semanário ao escrever uma Cena Brasileira sobre
os índios kuikatejês e paracatejês do sul do Pará. “O pessoal do PCdoB dentro
do Movimento, o Barbosinha, já me conhecia e me recebeu bem”13, lembra ele,
que depois passaria também a tirar fotos para a agência F-4, parceira do jornal.
Embora estivesse longe de tudo (“Estamos aqui no Acre com relativo iso-
lamento do resto do país. A exemplo podemos citar o atraso até com relação
ao fuso horário”, dizia uma carta), o Acre vivia uma época de fortes mobiliza-
10 Entrevista de Luciano Siqueira em 10 de março de 2010.
11 Entrevista de Pedro Vicente Costa em 13 de janeiro de 2010.
12 AP 290.06.21 Fnd Mov APSP.
13 Entrevista de Saulo Petean em 11 de janeiro de 2010.
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TENTATIVA DE “POPULARIZAR”
Logo depois do fim da censura, com o aumento das vendas, o jornal pode
contratar reforços: Hamilton Almeida Filho (HAF), Mylton Severiano e Sér-
gio Fujiwara, profissionais experimentados. O jornal mudou de cara, causou
polêmica e agradou uns, desagradou outros. A disposição inicial era que fos-
sem aprimorar sua forma, com mudança de títulos, paginação, texto. Assim,
Myltainho voltou a trabalhar ali, dessa vez de maneira fixa, como redator.
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tudo!”. A matéria vinha assinada por HAF e Myltainho. Foi criticada pelos
exageros, a começar pelo fato de que não haviam descoberto tudo. Membros
da equipe, aliados e leitores, que já vinham reclamando dos excessos “sensa-
cionalistas”, tornaram-se ainda mais críticos. O argumento de defesa era de
que essa linha de matérias deveria promover o aumento das vendas do jornal.
Mas nem isso vinha ocorrendo, as vendas haviam voltado a cair.
Armando Sartori resume o sentimento de boa parte dos integrantes do jor-
nal. “No caso do pau de arara, de alguma maneira, acho até que é uma coisa
que valia a pena, é um tipo de escândalo que se justifica porque é uma de-
núncia muito clara”, diz ele, o primeiro cotado para subir no pau de arara.
“Mas aí, entra uma fase, que os escândalos do governo Geisel começam a
minguar, porque aquela dissidência militar vai se acertando”.
Para ele,
havia ali também um outro tipo de visão gráfica sobre o jornal,
era uma coisa mais escancarada, era diferente de Movimento. O
jornal era muito mais contido do que isso aí. Mas ficou uma coisa
mais parecida com o (jornal) Ex. E aí junta não só a parte gráfica
como a parte do texto para provocar as discussões. Era uma coisa
diferente do que o Movimento fazia.
O nome de Sérgio Fujiwara já não apareceu no expediente na edição 193,
de 4 a 11 de março de 1979. No fim de fevereiro, os três profissionais ha-
viam deixado a equipe, depois de 5 meses e meio de colaboração. Raimundo
Pereira lembra de HAF atravessando a rua, dizendo em voz alta: “não quero
saber de Gruex, Gumex, sei lá!...”18
18 Gruex: Grupo Executivo, que dirigia o jornal. Entrevista de Raimundo Pereira, citada.
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E
m maio de 1977, depois de quatro meses com balancetes po-
sitivos, o jornal voltou ao vermelho, apresentando prejuízo de
quase 100 mil cruzeiros. O problema se agravou nos quatro me-
ses seguintes e, em setembro de 1977, o capital disponível –
que era de 250 mil cruzeiros em 30 de abril – estava novamente
negativo: menos Cr$ 194.423,20 segundo as anotações de Raimundo.1 O
“racha” havia repercutido nas contas do jornal.
No balanço geral de 1977, as vendas em banca caíram de uma média
de 10.244 exemplares por edição (1976) para cerca de 7 mil, atingindo
apenas 4.525 em setembro com a apreensão da edição 116 com a capa
“Constituinte com Liberdade e Anistia” . E permaneceram abaixo dos 5
mil exemplares até o fim da censura prévia, em junho de 1978. A venda
das assinaturas também caiu de uma média mensal de 1.000 no primei-
ro quadrimestre de 1977 para 738 no segundo, subindo ligeiramente no
terceiro trimestre, para 752 assinaturas vendidas. Com isso, o ano fechou
com um capital disponível negativo de 400 mil cruzeiros, atingindo o re-
corde negativo em fevereiro de 1978: menos 600 mil cruzeiros!2
Ainda assim, novamente Movimento resistiu. A explicação? Mais uma
vez a esferográfica de Raimundo aparece sob a curva que mostra a queda
de vendas entre maio de 1977 e junho de 1978: “sustentação política gran-
de! Mobilização”. O que abrangia diversos aspectos – do aprofundamento
da democracia interna, reforçando os laços dos que ficaram no jornal ,
inclusive dos acionistas, que, por sua vez, novamente aprovaram um au-
mento de capital de Edição S/A,3 à busca do apoio externo entre as forças
políticas que compreendiam Movimento como instrumento no enfrenta-
mento à ditadura.
1 Evolução do disponível – manuscrito de Raimundo Pereira – Arquivo Pessoal. Valor atualizado:
R$155.395,00.
2 Em valor atualizado: R$ 426.400,00.
3 ISM – Caderno de atas. Foi aprovado um aumento de capital de Edição S/A de 1,3 milhão para 2
milhões de cruzeiros na Assembleia Geral Extraordinária de 29 de outubro de 1977 e homologado
um mês depois em nova assembleia extraordinária de acionistas.
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desde seu lançamento. Foi também nesse momento que Movimento – Sergio
Motta com ênfase – se engajou na campanha de seu colaborador, Fernando
Henrique Cardoso, que concorria por uma sublegenda do PMDB ao Senado.
Em outubro de 1978, as vendas subiram para 15 mil exemplares, alcançando
o patamar dos 20 mil exemplares no início de 1979, marca que só havia sido
atingida uma única vez na história de Movimento, na primeira edição.
Embora essa evolução nas vendas tenha garantido a sobrevida do jornal,
do ponto de vista financeiro a situação ainda estava longe de ser confortá-
vel, por três motivos: primeiro, a venda de assinaturas e as vendas diretas
não acompanharam a alta nas bancas, permanecendo estáveis; segundo, o
prejuízo acumulado entre fevereiro e junho de 1978 era maior do que a re-
cuperação econômica representada pelas vendas: as dívidas com bancos e
fornecedores, além dos salários atrasados em setembro, ainda superavam
as receitas acumuladas, como escreveu Motta na “Avaliação da execução
financeira de abril a setembro de 1978”:
Sob o ponto de vista econômico, somente começamos a ope-
rar no equilíbrio a partir de julho, com o aumento significativo
das receitas de vendas em banca; entretanto, esse aumento foi
absorvido pelo permanente estouro da despesa em todo o pe-
ríodo; assim, na execução financeira de 78, temos um prejuízo
acumulado de Cr$ 537.502,49, (R$306.000,00)7 o que explica
não só as dificuldades de caixa como o fato dos recursos que
entraram em integralização de capital não terem melhorado a
posição do disponível negativo”.8
O terceiro motivo foi a pressão para aumentar os salários – que desde
julho de 1975 perdiam valor real todo mês – bem como para aumentar o
investimento na qualidade do jornal.
Na comunicação do Gruex (Grupo Executivo do Conselho de Direção)
aos membros da Sociedade dos Colaboradores, de 29 de setembro de 1978,
propõe-se uma elevação de mais de 100% no teto salarial para os editores,
subeditores e chefes de departamentos de 6 mil cruzeiros (R$ 3.400,00)
para 15 mil cruzeiros (R$ 8.500,00), além de aumentos significativos para
repórteres e correspondentes (os funcionários que recebiam menores salá-
rios haviam sido poupados da deterioração salarial e, portanto, ganhariam
apenas a reposição da inflação). Também se sugeria contratações de pes-
soal para a redação e departamento de vendas e um reajuste do preço do
jornal de 33%, para cobrir a inflação.
A previsão orçamentária para outubro e novembro já levava em conta
esses aumentos – embora em escala menor do que o pretendido –, mas,
ainda assim, o Balanço de Edição S/A para outubro e novembro de 1978
abria com a informação: “Nós gastamos muito mais do que havíamos pre-
visto para nossas despesas operacionais. No bimestre, gastamos 300 mil
cruzeiros (R$ 162.000,00) a mais do que fixamos em outubro”. O interes-
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sante é que boa parte dessa despesa se deu em função do salto de venda
em bancas, o que obrigou aumentar também a tiragem: “só nesse item,
gastamos no bimestre 160 mil cruzeiros a mais do que o previsto”. “Por
outro lado”, assinala o mesmo balanço, “o desempenho das receitas bási-
cas no bimestre foi melhor do que o previsto: vendemos 290 mil cruzeiros
a mais do que fixamos em outubro. Esse superávit deveu-se somente ao
aumento das vendas em banca, que superou as metas de 365 mil cruzeiros
(R$ 200.000,00), pois a venda de assinaturas ficou 74 mil cruzeiros abaixo
da meta e a venda direta ficou Cr$ 1 mil abaixo”.9
O comentário a seguir mostra também que, mesmo sem censura prévia,
Movimento continuava a perder dinheiro com apreensão de edições: “O
desempenho de venda em banca poderia ter sido bem melhor ainda se a
edição 177 não tivesse sido apreendida; somando a receita provável dessa
edição, nós poderíamos ter tido um superávit de 555 mil cruzeiros (R$
300.000,00) nas bancas”. Prejuízo que pretendiam recuperar com a venda
de bônus realizada para compensar a apreensão da edição 177, e que só
seria computado no mês de dezembro: “O resultado da venda de bônus
foi muito bom (…); o Paulo, que coordenou muito bem essa operação,
apresenta o total arrecadado: 140 mil cruzeiros”. Ainda assim, não havia
motivo para comemorar: “Esses números confirmam que no bimestre nem
ganhamos, nem perdemos. Isso é ruim, porque indica que, apesar dos sig-
nificativos aumentos na venda em banca, nós não conseguimos diminuir
o disponível negativo. Permanece, assim, a empresa em precária situação
financeira”, concluiu Tonico, que assinou o balanço com data de 15 de
dezembro de 1978.
Mas as vendas em bancas continuavam a crescer, e, com as despesas
controladas, o balancete de janeiro de 1979 apresentou lucro de Cr$
180.533,75. Se isso estava longe de cobrir o disponível negativo de 650
mil cruzeiros (R$ 341.000,00), acumulado até o final de 1978, era o su-
ficiente para prever um cenário alentador no restante do ano, que seria
animado pelas greves que se espalhavam pelo País e pela pressão popular
por liberdades democráticas, culminando com a promulgação da Lei da
Anistia, em agosto de 1979.
A situação econômica de Movimento, porém, era, como sempre, crítica.
As vendas em banca, que voltaram a cair em março, estavam novamente
no patamar dos 10 mil exemplares, provocando uma queda de receita
que novamente poria o jornal em risco. Apesar de inúmeras tentativas de
reverter esse quadro, incluindo a busca por financiamento de fundações
estrangeiras e novas chamadas de capital, Movimento fecharia 1979 com
um endividamento de mais de 2 milhões e meio de cruzeiros, algo como
785 mil reais em 2011.
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A
pós o “racha” de abril de 1977, ficou mais fácil direcionar
a pauta do jornal para ampliar a divulgação da bandeira da
Assembleia Constituinte. A necessidade de sua convocação
tinha uma história e era apoiada por muitas forças.
Depois do golpe militar de 1964, a primeira referência a
favor da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte havia
sido feita em 1966, pelo PCdoB, em documento do Comitê Central.1 Em
1967, na declaração do seu Sexto Congresso, o PCB também propôs uma
Assembleia Constituinte. Em 1971, numa reunião em Recife, os “autên-
ticos” do MDB encamparam uma proposta dos deputados Chico Pinto
e Jarbas Vasconcelos pela Constituinte, que acabou aprovada apesar da
resistência da cúpula do partido. A “Carta do Recife” foi em seguida tor-
nada pública em discurso do deputado Freitas Nobre na Câmara Federal,
propondo, pela primeira vez, legalmente, a Constituinte. Essa proposta
ficou esquecida num canto do programa do MDB apresentado ao público
nas eleições de 1974. Mas após o golpe contra o Congresso representado
pelo Pacote de Abril de 1977, a cúpula do MDB aceitou debater o tema
com suas bases. O próprio Tancredo Neves, um dos mais conservadores
dirigentes do MDB, quando Geisel decretou o recesso do Congresso, ad-
mitiu que não via outra saída para o partido “senão abraçar a bandeira da
Constituinte”.2
No jornal Movimento o tema da Constituinte apareceu pela primeira vez
na edição de nº 25, de 22 de dezembro de 1975, num Ensaio Popular in-
titulado: “A Constituinte é uma posição justa? Viável? Agora? Quando?”
Não era ainda uma proposta de ação, mas de um debate. Durante todo o
ano de 1976, o jornal praticamente não abordou o tema, provavelmente
porque naquele período não havia unidade na equipe para isso.
1 “União dos Brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça colonialista”, PCdoB, 1966.
2 “O MDB e a Constituinte”, artigo de Francisco Pinto e Teodomiro Braga no Caderno Especial da
Constituinte, agosto de 1977.
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PROPAGANDISTAS
Raimundo Pereira, Marcos Gomes, Sérgio Buarque de Gusmão e Tonico Fer-
reira estavam entre os diversos jornalistas de Movimento que se tornaram
divulgadores da Constituinte. Em campanha aberta, eles realizaram centenas
de palestras nesse período, a convite de faculdades, diretórios estudantis,
centros de debate populares, viajando por todo o País. Mesmo quem saiu do
jornal, mas não discordava da tese, como João Batista dos Mares Guia, da su-
cursal de Belo Horizonte, também refere que se tornou um conferencista da
Constituinte, fez inúmeras palestras em viagens por Minas Gerais.
Tonico Ferreira se refere a esse ativismo da equipe:
E tinha outra coisa muito interessante, também: nós nos me-
temos em todos os debates que você pode imaginar, na época.
Tudo tinha... Eu conheci o Brasil, porque eu debati no Brasil in-
teiro. (...) Anistia, Constituinte, todos os temas polêmicos... se a
anistia era restrita ou não, recíproca ou não; Se era a Constituinte
assim ou assado, se não era Constituinte, tudo isso era debate...
E, como já estava começando a surgir um certo movimento estu-
dantil (...) Então, como é que você fazia política naquela época?
O cara convidava: “vamos fazer um debate”. Então, sempre tinha:
“Vamos chamar alguém do jornal Movimento”, o Raimundo ia,
mas, quando ele não ia, ia eu...
Embora as vendas do jornal não estivessem indo bem entre o segundo se-
mestre de 1977 e o começo de 1978, o prestígio de Movimento entre os vários
setores da oposição era crescente. O jornal e seus integrantes eram respei-
tados nos meios oposicionistas e insistentemente procurados para debates.
Raimundo Pereira lembra que a campanha da Constituinte foi muito bem
recebida porque estava afinada com vários setores da sociedade:
Era o programa do grupo Autêntico, também. A questão
da Constituinte, que está por trás disso... O que é a ideia da
Constituinte? A gente precisa desmantelar os atos de exceção,
anistiar e formar uma assembleia, pra discutir o País, reformar
o País. Isso é que pode juntar todo mundo, né? E isso tinha
já discussão em 1972, já rolando uma oposição; não era uma
novidade. Então, é, tipo assim, propor isso ao Chico Pinto é
juntar o queijo com o macarrão. (...) E o Alencar Furtado, (que
foi para) o Conselho Editorial”.
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7 O Estado de S. Paulo, 13 de outubro de 1977 – pág. 4, “Demitido, Frota reage e acusa o governo”.
Íntegra da nota.
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A
proposta da Constituinte sempre esteve associada, para mui-
tas correntes da oposição, com as da anistia. “Constituinte
com liberdade e anistia” era o grande lema oposicionista,
que defendia que a redemocratização do País só se poderia
fazer com liberdade, ou seja, com a revogação de todos os
atos e leis de exceção, a começar pelo AI-5, e com uma anistia ampla, geral
e irrestrita, para que, do processo político de convocação da Constituinte
pudessem participar todos os que tinham sido punidos pela ditadura.
Em Movimento, no entanto, o tema da anistia demorou a aparecer. Não
por descuido dos jornalistas. A luta pela anistia teve início praticamente
ao mesmo tempo em que surgia o jornal. Em março de 1975, oito mulhe-
res, reunidas ao redor de uma mesa, em um casarão do elegante bairro do
Pacaembu, em São Paulo, decidiam levantar a bandeira da anistia aos per-
seguidos pela ditadura. A reunião se deu na casa de Therezinha Zerbini,
esposa do general Euriale Zerbini, cassado e preso por ser leal ao governo
do presidente João Goulart, ela mesma também uma vítima, que passou
pelo inferno da Oban e cumpriu pena no presídio Tiradentes.
Therezinha tomou a iniciativa de lançar o Movimento Feminino pela
Anistia, coletando assinaturas de mulheres por todo o País. Ao fim de seis
meses, a campanha havia reunido 20 mil assinaturas de mulheres “insus-
peitas” – mães, religiosas, donas de casa – que afirmavam através de um
sucinto manifesto estar assumindo suas “responsabilidades de cidadãs
no quadro político nacional”. Naquele mesmo ano, Therezinha Zerbini
participaria da Conferência Mundial do Ano Internacional da Mulher, no
México, onde iria denunciar violações aos direitos humanos no Brasil. Se
a notícia não saiu nas páginas de Movimento (só escapou da censura um
breve parágrafo sobre o MFPA na edição 5), não foi porque a campanha
não interessasse aos seus leitores e jornalistas.
Estes, pelo contrário, eram em bom número candidatos à anistia. A
começar por Raimundo Pereira, que em 1965 fora expulso do ITA pela
sua participação em uma publicação “subversiva”. Até meados de 1979,
189
INTERLOCUTORES DE PESO
Em 1978, a demanda por anistia passou definitivamente a integrar a vida do
jornal, sendo até mesmo incorporada ao seu programa, que pedia “anistia
ampla, geral e irrestrita”.2 Além disso, quando as notícias sobre o assunto
na grande imprensa ainda eram esporádicas, a reboque dos acontecimentos,
Movimento adiantou a discussão, passando a ter um papel ativo ao infor-
1 Aquino, Maria Aparecida. Censura, imprensa, Estado autoritário (1968-1978). São Paulo, 1990.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP.
2 AP 286.02.02 – Fnd Mov APSP.
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DIREITOS HUMANOS
Essa condenação representou um avanço até então impensável na luta pelos
direitos humanos e pela responsabilização do regime. Pela primeira vez o go-
verno era chamado à Justiça comum para prestar esclarecimentos sobre uma
morte ocorrida nos seus aparelhos de repressão. A partir de então, o jornal
iniciava uma série de reportagens de denúncia que seria ampliada com o fim
da censura, em junho de 1978.
Movimento podia, a partir de então, relatar o que se passava nos porões
da ditadura e também a rotina de qualquer um que se opusesse ao regime.
Essas reportagens deram um fôlego importante para o debate da anistia e
da redemocratização. O jornal não perdeu tempo.
A edição 155, a primeira totalmente planejada sem censura, tinha na
capa um retrato falado do “Capitão Ubirajara”7, sob a manchete “Retrato
de um torturador”. Descrevia, através de relatos anônimos, diversas ses-
sões de tortura lideradas pelo capitão e mostrava pela primeira vez a foto
de Vladimir Herzog “enforcado” na cela do DOI-Codi. Na mesma linha,
a edição 157 trazia uma reportagem sobre as vítimas da invasão da PUC,
mostrando dramáticas fotos de três estudantes atingidas por bombas e que
tiveram parte de seus corpos queimados.
As edições posteriores continuaram na mesma batida. A 164, por exem-
plo, narrava o caso do comerciário Jerônimo de Souza, de Fortaleza, que
também fora “suicidado” no DOI-Codi e cuja esposa decidira buscar na
sentenças judiciais definitivas, sem mais recurso a apelação, e as recomendações das cortes
internacionais da ONU e da OEA de defesa dos direitos humanos.
7 Apelido de um policial de São Paulo, anos mais tarde identificado como Aparecido Santos
Calandra, um dos acusados pelo assassinato de Vladimir Herzog.
192
O CADERNO DA ANISTIA
Em abril de 1978, Movimento lançou uma edição especial sobre a Anistia,
com 48 páginas, um caderno à parte com tiragem de cerca de 5 mil exempla-
res. Um trabalho exaustivo, realizado por uma equipe especialmente contra-
tada, coordenada pelo jornalista Mario Fonseca. A ideia partira também de
Roberto Martins, ex-preso político, que se dedicava a pesquisar o tema para
seu livro Liberdade para os Brasileiros - Anistia Ontem e Hoje, que seria pu-
blicado naquele ano. Relata ele:
O caderno ia dar abrangência nacional à campanha, até então
só havia manifestações isoladas. E juntou desde a ação dos
comitês de anistia no exterior – em Portugal, Paris, Itália – até
depoimentos de cientistas famosos, de soldados, marinheiros,
estudantes afetados pelo regime. E havia também a minha pes-
quisa histórica, mostrando que a anistia não era uma especula-
ção fortuita, tinha raízes na história do Brasil.8
Distribuído em uma dezena de retrancas, o caderno especial trazia a his-
tória da anistia desde sua criação na Grécia antiga até as anistias anterio-
res concedidas no Brasil. Historiava os esforços pela anistia, iniciados em
1964 e desenvolvidos pelo Movimento Feminino pela Anistia, a formação
do CBA, Comitê Brasileiro pela Anistia. Trazia numerosos depoimentos
com alguns dos principais atores da campanha – e muitos possíveis anis-
tiados –, o marechal Teixeira Lott, Rômulo de Almeida, Alceu de Amoroso
Lima, Darcy Ribeiro, Thiago de Melo, Therezinha Zerbini, Augusto Boal,
Francisco Julião, Hélio Silva, Nelson Werneck Sodré, Antonio Callado, o
general Peri Bevilacqua, Raymundo Faoro, Mário Lago etc.
Depois estimava “os que deverão ser anistiados”em mais de 500 mil pes-
soas, entre presos, demitidos, processados, cassados, aposentados com-
pulsoriamente e outros. O caderno apresentava histórias pessoais de pes-
soas atingidas pelas leis de exceção, como o linguista Antonio Houaiss,
diplomata demitido do Itamarati, e o capitão Sérgio Miranda, do Para-Sar
da Aeronáutica, cassado por se recusar a cumprir ordens de promover
atentados terroristas.
Havia uma relação nominal de todos os presos políticos cumprindo
pena naquele momento no País, cerca de 200. E também uma relação de
desaparecidos. Uma reportagem sobre os ex-presos que haviam cumprido
pena, mas continuavam perseguidos. E outros textos sobre os exilados,
como Darcy Ribeiro e Almino Afonso, e, ainda, a luta dos exilados pela
obtenção de passaporte e o reconhecimento da nacionalidade de seus fi-
8 Entrevista com Roberto Martins em 20 de julho de 2010
193
194
154, o rabino Henry Sobel avisava que “não há anistia para homens como
Franz Wagner”. A chamada de capa é sugestiva: “Por que os nazistas não
merecem anistia”.
Duas semanas depois, um editorial explicitaria mais abertamente o ar-
gumento. O texto, sem assinatura, dizia ser “indispensável” apurar os cri-
mes contra os direitos humanos e punir seus responsáveis, uma vez que o
aparato repressor continuava intacto.
Não podem ser perdoados os que, a serviço do regime ou
em nome da oposição, se tais casos forem comprovados, tor-
turaram a prisioneiros indefesos. Desde os julgamentos de
Nuremberg que se fixou, no direito universal, a distinção entre
atos de guerra e crimes contra a humanidade, para os quais
não cabe invocar sequer a atenuante da disciplina militar e do
cumprimento de ordens superiores.9
A lógica implícita é a mesma que algumas organizações de direitos hu-
manos repetem hoje em dia: a impunidade aos torturadores permitiria a
perpetuação da violência policial como método.
195
196
E
m 1977, membros do grupo autêntico do MDB liderados por
Chico Pinto, o chefe da sucursal de Movimento em Brasília,
amiudaram os contatos com aqueles setores militares que se
manifestavam em oposição ao governo e que se apresentavam
como favoráveis a uma política nacionalista e à democratização.
Na edição 101, de 6 de junho de 1977, um artigo assinado por Eduardo
Neto, um dos repórteres da sucursal de Brasília, com o título “O MDB e os
militares”, registrava esses contatos. Ouvia dois “autênticos” apoiadores
do jornal, os deputados gaúchos Odacir Klein e João Gilberto, contava
que uma reunião de mais de cem lideranças do MDB no Rio Grande do
Sul propusera que o partido enviasse seu programa não só para o público
tradicional de estudantes, intelectuais, religiosos progressistas e trabalha-
dores em geral, mas também para os militares. Dizia Klein, na reportagem:
Se o MDB se opõe ao modelo institucional e econômico vi-
gente, deve procurar os outros setores da nação interessados
na participação do povo nas decisões, como também na justa
distribuição das rendas e preservação das riquezas nacionais.
E se procura os setores civis, por que não procurar também os
militares que comungam do mesmo ponto de vista, ou seja, os
democratas e nacionalistas?
O artigo de Neto apoiava a proposta:
A curto prazo, não existe alternativa política para o país que
não envolva a participação dos militares. E na história recente
do mundo, mesmo na América Latina, não faltam exemplos de
intervenções militares democráticas e nacionalistas, ao lado
das antidemocráticas costumeiras.
Tentando evitar a interpretação de que estaria defendendo uma proposta
golpista e cupulista, o texto complementava: “No entanto, a busca desses
vínculos necessários com os militares não pode substituir a pregação opo-
sicionista e a organização independente dos trabalhadores, estudantes,
profissionais liberais etc.” Em especial, o artigo se opunha a que, para
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199
doutor Ulysses, vou ser franco com o senhor, eu acho que nós
já atrasamos muito, devíamos ter lançado o Euler candidato há
muito tempo.” “Mas por quê?” “É a primeira vez que há uma
fratura dentro das forças armadas, isso é muito importante. Se
nós queremos mudar as coisas aqui, ou fratura lá dentro, ou
não muda. O bloco de poder é deles, nós não temos força”.
Ele não gostou. Respondeu: “São Paulo é civilista” (...)Bom,
aí sabe o que Ulysses me disse? Ele disse: “É, olha, vou dizer
uma coisa: uma decisão dessa natureza é muito importante, eu
tenho que tomar sozinho” (...) Ele mandava...
Para Teodomiro Braga, foi um grande momento do jornal:
Nessa candidatura do Euler Bentes, nós tínhamos, modéstia
à parte, uma bela cobertura. Nós conseguimos cobrir militares
dissidentes, da reserva ou da ativa em várias partes do Brasil.
São Paulo, Mato Grosso, Brasília e Rio de Janeiro. (...) Nessa
época, eu estive com vários militares em São Paulo, para fa-
zer matéria, entrevistar. Tinha um coronel, em Brasília, que eu
esqueço o nome (N.E. coronel Dickson Grael), da ativa, impor-
tante, que também deu muita informação (...)
A candidatura do Euler Bentes acabou com a hegemonia. (A
base do regime) rachou, nunca mais uniu de novo e, na hora
em que rachou, as pessoas passaram a não ter mais medo. Foi
decisivo, na minha opinião. Do regime militar, o divisor de
águas foi a candidatura do Euler Bentes.5
Teodomiro encara assim o papel de Movimento nesse processo:
Quando houve a dissidência do regime, nós acabamos vi-
rando um jornal preferencial (para os militares) (...) É, porque
eles não tinham um canal para expressar as opiniões deles.
Até me lembro que quando o general Hugo Abreu foi embora
de Brasília, deu uma recepção na casa dele, para despedida.
Nós estávamos fazendo uma entrevista com ele, eu e o Antonio
Carlos Queiroz. Estivemos umas três ou quatro vezes com ele
para fazer a entrevista, fizemos em várias etapas diferentes. A
última vez em que fomos entrevistá-lo era nesse dia. Estava
dando a entrevista para nós dois na antessala, e toda hora en-
trava um general fardado; eles foram à festa todos fardados. O
general Hugo Abreu era muito espirituoso, na hora em que en-
trou um general dos mais importantes, ele brincou: “esses aqui
são dois jornalistas subversivos”, e o Antônio Carlos devolveu
na hora: “e esse é um general subversivo”. Isso no final, quan-
do já estava nesse clima, no começo do fim do regime militar.
Antonio Carlos (Tonico) Ferreira também testemunhou esses aconte-
cimentos:
5 Entrevista de Teodomiro Braga em 1º de dezembro de 2009.
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202
A
queda da censura que era exercida contra Movimento ocor-
reu em junho de 1978. Para a equipe foi um grande aconte-
cimento, recebido com muita comemoração. Antonio Carlos
Queiroz (ACQ) estava na redação em Brasília e foi quem re-
cebeu a notícia por telefone:
Aí, nós ligamos para São Paulo, demos a informação lá e,
logo depois, os telefones ficaram mudos, entraram em pane. E
eu tentando avisar as pessoas, avisar o Chico Pinto, os depu-
tados, os amigos. Nós tínhamos um vizinho que era (de uma
sede) dos Alcoólicos Anônimos. Eu me lembro dele, porque
ele era completamente careca, e aí eu falei: “Olha, aconteceu
isso e nós estamos sem telefone, cortaram o telefone”, ele:
“Ah, usa aí, manda brasa”. Aí, usei o telefone dos Alcoólicos
Anônimos...
Posteriormente, estou andando no setor comercial Sul, tí-
nhamos saído para o almoço, e encontro as moças da censura
andando por lá. Eu falei assim: “Mas meninas, e agora? O que
vocês estão fazendo? Não tem mais trabalho?”, “Ah, manda-
ram a gente para outro canto”. Na verdade, a censura do jornal
acabou, mas tinha outras...
Houve fogos de artifício e até champanhe, na sede do jornal e em algu-
mas das sucursais. “Vencemos!”, dizia uma faixa na frente do escritório
de Campinas. A edição 154, de 12 de junho de 1978, anunciaria, em gran-
des letras, em vermelho, na capa: “SEM CENSURA!”.
A edição 155, de 19 de junho de 1978, seria histórica porque foi a segun-
da publicada depois da queda da censura ao semanário, e a primeira para
a qual houve tempo de ser bem preparada e que mostrava como o jornal
podia ser melhor livre dela. A capa ficou dividida por duas manchetes de
impacto: na metade de cima da página, “Retrato falado de um torturador”,
sobre o “capitão Ubirajara”. Na metade de baixo, a outra manchete: “Nós
vimos a greve por dentro”, reportagem de Raimundo Pereira, que conse-
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205
MAR DE LAMA
Com a liberdade recém-adquirida, a redação vivia um momento de entusias-
mo. De uma semana para a outra, pôde publicar o que sempre quis e investir
em reportagens que até então eram proibidas. Ao mesmo tempo, os escânda-
los de corrupção iam se avolumando.
Em Movimento, a enxurrada de denúncias era tratada com destaque, em
uma série de reportagens e várias capas por edições a fio sob a retranca
de “Mar de Lama”. As denúncias incomodaram, como mostra um informe
do SNI ao Ministério da Justiça, de 10 de outubro de 1978, intitulado “A
campanha de desmoralização do governo”.1 Segundo o informe, repetidas
declarações do general Hugo Abreu sobre corrupção no governo haviam
desencadeado tal campanha. Os exemplos mais “ilustrativos” seriam da
Tribuna da Imprensa e de Movimento, este, com a reportagem “O nosso
relatório Hugo Abreu, as acusações contra o Planalto”, da edição 170, de
2 de outubro. O documento listava em seguida uma série de instrumen-
tos legais que poderiam ser adotados contra os jornais tanto pela Lei de
Segurança Nacional quanto pela Lei de Imprensa. A pena mínima seria
detenção por um mês, e a máxima por cinco anos.
Mas, aos olhos do governo, a gota d’água foi mesmo a edição 171, que
trazia na capa a manchete: “Geisel num Mar de Lama”. Em 17 de outubro,
oito dias depois da publicação, o ministro do Exército, general Belfort
Betlhem, achou que já era demais. Enviou uma representação indignada
ao ministro da Justiça, dizendo que Movimento estava
intensificando uma campanha difamatória contra o Exército
Brasileiro, procurando denegrir sua imagem diante da opinião
pública, divulgando notícias falsas e tendenciosas, além de
estimular a discórdia e incentivar a indisciplina, tudo com o
ostensivo objetivo de provocar cisões nos nosso quadros.2
Citava a série de reportagens sobre o mar de lama, anexando alguns
exemplos, e requeria:
1 BR_AN_RIO_TT_0_MCP_PRO_1549.
2 Arquivo pessoal de Bernardo Kucinski.
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Junho de 1978. Alegria na redação. A equipe prepara a primeira edição após a queda da
censura prévia. Da esquerda para a direita, Paulo César Rodrigues (diagramador), Marcos
Gomes, Armando Sartori, Raimundo Pereira, Roldão Arruda, Sérgio Buarque, Chico (ou
Paulo?) Caruso, Aurea Regina Sartori (revisora), Valdir Mengardo (revisor, encoberto), Sérgio
de Oliveira (diagramador), Cid Oliveira (diagramador) e Juca Martins (fotógrafo, agachado)
218
Documento de
identificação
de vendedor
de Movimento.
Na foto,
Alvaro Antonio
Caropreso.
Validade: 1979
219
Arquivo do jornal. Julio César Garcia (à esq.) e José Carlos Ruy. Foto de Amancio Chiodi
Reunião de Marcio Bueno e Flavio de Carvalho com Jaguar e Ziraldo, diretores de O Pasquim
220
Votação na assembleia de reorganização do jornal no seu aniversário de cinco anos, em julho de 1980.
Entre os presentes, ao centro, de caneta na mão e óculos, Duarte Pereira. Atrás dele, Perseu Abramo
221
Promotor apresenta como prova contra Tonico Ferreira uma charge do jornal
(ver à pagina 208). Causou risos no tribunal. Foto de Sandra Adams
222
223
Marcos Gomes
na redação
de Movimento,
em São Paulo,
segundo
semestre
de 1977
212
E
m meados de 1977, o movimento popular começava a se
articular, empurrado pelas vicissitudes resultantes de uma
inflação galopante e do arrocho salarial. Nascia, na zona sul de
São Paulo, o Movimento do Custo de Vida (MCV), um marco
na organização popular da época, a partir do trabalho de base
da Igreja Católica com as CEBs, a Juventude Operária Católica, os clubes
de mães, em frente com partidos políticos como PCdoB, PCB, MR-8 e
outros, questionando a alta nos preços, o achatamento dos salários e
participando da oposição sindical aos pelegos. Também na zona leste e na
zona norte (Freguesia do Ó), a organização comunitária se desenvolvia.
Os metalúrgicos do ABC se manifestavam, sob a liderança de Luiz Inácio
da Silva (Lula), que se tornaria conhecido nacionalmente ao liderar a
campanha de reposição salarial daquele ano.
A direção de Movimento tinha um projeto de produzir uma revista
de grandes temas e para essa publicação havia recuperado o nome de
Assuntos. Entretanto, na conjuntura de aquecimento das lutas populares,
e buscando maior aproximação com os trabalhadores, o projeto da equipe
evoluiu para o de um jornal destinado a eles. Assuntos começou por ser
uma seção, duas páginas centrais de Movimento compostas por notas e
matérias curtas de fácil leitura, a partir da edição 70, de 1º de novembro
de 1976. Tratava de lutas sociais e seus desdobramentos, perfis populares,
bastidores da política e notícias econômicas rápidas.1
“Não era fácil você pegar o jornal Movimento e distribuir em áreas
populares. Era uma coisa muito pesada para quem não estava acostumado
a uma leitura de jornal”, avalia Marcos Gomes.2 Além da busca de
popularização por parte dos jornalistas de Movimento, Assuntos foi
resultado do apoio de lideranças operárias ligadas à Igreja Católica, e de
militantes da base do PCdoB, em especial da zona sul de São Paulo.
1 Um bom exemplo da seção Assuntos está na edição 89 de 14 de março de 1977.
2 Entrevista de Marcos Gomes em 7 de abril de 2010.
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14 Idem.
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A
foto dos operários na porta da fábrica e a manchete em le-
tras garrafais e vermelhas “As fábricas param” compunham
a primeira página da edição 151 de Movimento, que chegava
às bancas em 22 de maio de 1978. Dez dias antes, a Scania,
onde a fotógrafa Rosa Gauditano fez a foto da capa, havia
parado, tornando-se “a primeira de uma série que estourou no final de
semana retrasado em São Bernardo do Campo, um município da Grande
São Paulo, coração da indústria automobilística”, registrava a abertura da
matéria na página 3 da mesma edição, assinada por Sérgio Buarque, editor
de Nacional, e Paulo Barbosa.
Desde o ano anterior, o semanário vinha acompanhando de perto o mo-
vimento sindical que ressurgia no ABC – Santo André, São Bernardo do
Campo e São Caetano do Sul – entre os 250 mil metalúrgicos da região, a
segunda maior concentração da categoria no País, superada apenas pela
capital, com 300 mil metalúrgicos.1
Mesmo estando atento, o jornal foi surpreendido pela greve de 1978,
“que começou com 100 operários” e que no final de semana seguinte já
“envolvia 30 mil”,2 e pela capacidade de mobilização de seu líder, o pre-
sidente do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, Luiz
Inácio. Lula despontara como liderança sindical na campanha salarial de
1977, quando os metalúrgicos do ABC romperam o silêncio e criticaram
abertamente a política salarial do governo, denunciando a manipulação
dos índices de inflação e exigindo um reajuste referente a 1973, como se
viu antes. Até então, ele era um ilustre desconhecido, não apenas para a
imprensa, mas também para os que participavam dos movimentos que
compunham a frente pela redemocratização, das organizações de esquer-
da e dos grupos comunitários ligados à igreja.
Em 1978, além de criticar a política salarial do governo, reivindicando
o direito de negociar livremente com os empresários, os metalúrgicos do
1 Movimento 152, 29 de maio de 1978.
2 Idem.
223
ENTUSIASMO E DESCONFIANÇA
O entusiasmo com o ressurgimento do movimento sindical transparecia nas
páginas do semanário desde a primeira matéria feita com os metalúrgicos
de São Bernardo, ainda na edição 89 (14 de março de 1977), com o título “O
que querem os metalúrgicos”. Assinada por Rachel Moreno, a reportagem
destacava o número incomum de operários presentes na primeira assembleia
daquele ano – “cerca de 2.500 pessoas”, que, segundo ela, “se comprimiam
no salão do sindicato” de São Bernardo; e a liderança de Lula, transcrevendo
um trecho do discurso em que ele buscava acalmar os operários, preocupa-
dos com boatos de demissões coletivas no ABC:
Não há desemprego. É um jogo dos patrões, até prova em con-
trário. O governo tomou medidas quanto à gasolina, e as empre-
sas automobilísticas se sentem lesadas. Daí o jogo do capital mul-
tinacional para fazer o governo reconsiderar sua posição.
Ao lado desse entusiasmo do jornal com a movimentação dos trabalhado-
res, porém, se evidenciava certa dúvida quanto ao amadurecimento político
dos operários e, principalmente, a respeito das intenções de seu líder – sem
discurso de esquerda nem passado de enfrentamento da ditadura militar. Tal
dúvida não era privilégio de Movimento, como lembra Carlos Alberto Li-
bânio Christo, Frei Betto, frade dominicano, ex-militante da ALN, que foi
encarregado de integrar a Pastoral Operária do ABC em 1979:
Havia muita especulação a respeito de quem era esse cara cha-
mado Lula. Tanto do ponto de vista da direita como da esquerda.
Que o Lula era da CIA, que o Lula fez treinamento nos Estados
Unidos, que Lula isso... porque o Lula era um enigma, na medida
em que ele não se enquadrava em nenhum dos nossos precon-
ceitos. Isso irritava os partidos comunistas, o fato de um operário
ousar querer ser a vanguarda do proletariado (...).4,
opina Frei Betto, que logo, se tornaria próximo de Lula e posteriormente
participaria de seu primeiro governo, em 2003.
Essa dúvida transpareceu na edição 124, de 14 de novembro de 1977,
quando um artigo na seção Ensaios Populares comentou uma entrevista
pingue-pongue de Lula ao repórter Ascânio Jatobá, publicada na edição
123 do jornal. Sob o título “A Constituinte, o Partido, os intelectuais e
os trabalhadores”, o texto reafirmava a importância de uma Assembleia
Constituinte para a redemocratização do País – uma das principais ban-
3 Movimento 159, 17 de julho de 1978, quadro na pág. 15.Fontes: Folha de S.Paulo, O Estado de S.
Paulo, Jornal do Brasil, Isto É.
4 Entrevista com Frei Betto em 24 de abril de 2010.
224
deiras do jornal, e que veio a ser um dos pontos cardeais da frente política
que lutou pela democratização. E acrescentava:
É indiscutível, porém, que (a luta pela Constituinte) já pode-
ria ter andado mais rápido se não estivesse enfrentando além
dos obstáculos externos, incompreensões por parte de setores
do próprio movimento popular. A entrevista de Luiz Inácio da
Silva, combativo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de
São Bernardo, é um exemplo. Indeciso, Luiz Inácio declarou:
“Eu tenho me manifestado meio contrário à Constituinte”.
O ensaio continuava:
Luiz Inácio manifestou outras opiniões discutíveis. Comen-
tando as articulações para a reorganização de um partido “tra-
balhista” (feitas pelo secretário do Trabalho do governador
paulista, Abreu Sodré, junto aos “pelegos” do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Paulo), declarou: “Tenho uma visão meio
radical da coisa. Eu acho que resolver o problema da classe tra-
balhadora independe de partido trabalhista, de partido socia-
lista, de MDB ou Arena. Depende sim, primeiro, de o sindicato
ter liberdade para abertamente indicar seu candidato. Segun-
do, o sindicato levar à classe trabalhadora quem é realmente
candidato da classe”.
Sobre isso, comentava o texto:
Luiz Inácio está preocupado, possivelmente, com os falsos
“partidos trabalhistas”, com os falsos “partidos socialistas”,
(…) mas a solução que aponta é igualmente enganosa: na his-
tória do movimento operário, ela é conhecida como solução
“anarco-sindicalista” (…)
Em seguida, apresentava sua crítica central em relação ao discurso do
líder operário:
Luiz Inácio declarou ainda: “O trabalhador tem que votar em
trabalhador, em seu companheiro de fábrica, naquele que pas-
sou 12 horas produzindo”. É uma afirmativa ambígua que se
presta a uma interpretação “obreirista”. Por “obreirismo” se
entende, na história do movimento operário, o ponto de vista
de que só os operários podem defender os interesses dos ope-
rários. Ora, como é fácil observar, muitos operários não têm
consciência de sua posição na sociedade e de seus problemas;
não basta, portanto, ser operário para automaticamente encar-
nar e defender de fato os interesses dos operários...
PELEGO OU INGÊNUO?
A suspeita de que Lula não fosse mais do que um pelego, ou pelo menos um
líder sindical despolitizado que conviria ao regime militar, se expressou em
outro artigo, este do editor de Nacional, Sérgio Buarque, curiosamente escrito
sob o pseudônimo Roberto Suzedelo (que ele utilizara antes, em Opinião,
225
VIVA A GREVE!
As restrições a certas posições de Lula não impediram Movimento de fazer
uma cobertura completa, claramente a favor das lutas dos operários, de todas
as greves do ABC – de 1978 a 1980. Houve sempre o cuidado em separar o
5 Em entrevista de 24 de maio de 2010, Sérgio Buarque de Gusmão disse não lembrar o motivo de
ter usado um pseudônimo.
6 Transcrito do artigo “A vitória (e as ideias) de Lula”, da edição 140 de Movimento, 6 de fevereiro
de 1978.
7 Idem.
8 Entrevista de Sérgio Buarque de Gusmão em 24 de maio de 2010.
226
227
SEGUE A POLÊMICA
Nessa mesma edição 156, Raimundo Pereira assinava um longo artigo “Qua-
tro razões para as greves”, explicando “as razões políticas para a onda grevis-
ta”, que naquele momento atingia, segundo ele, “200 fábricas e quase 200 mil
trabalhadores”, incluindo os da capital. Os principais pontos da argumenta-
ção do editor-chefe de Movimento eram:
1) “As causas da greve devem ser buscadas principalmente na política
salarial do governo e nas condições de trabalho nas fábricas”; 2) “nas con-
dições subjetivas bastante favoráveis (...): é cada vez maior o número de
operários conscientes de que só com a participação ativa e organizada se
conseguirá para o proletariado e outras camadas populares as melhorias
nas condições políticas e materiais de vida”; 3) “O fato de o movimento
operário oposicionista ser amplo, de congregar várias correntes de opi-
nião, desde as de um Luiz Inácio, passando por alas democráticas que
antes de 64 estavam engajadas em movimentos de oposição aos dirigentes
sindicais” – ou seja, na sua visão, do “moderado” Lula, à esquerda (Opo-
sição Sindical de São Paulo). E continuava: “O caráter amplo do movi-
mento permitiu que ele mobilizasse a massa operária, nos seus diversos
e geralmente atrasados níveis de consciência política e atraiu simpatia de
outras camadas democráticas da sociedade”; 4) O “fato de os trabalhado-
res estarem completamente marginalizados dos objetivos gerais da produ-
ção e da política econômica do país.”
11 Idem.
228
CLIMA DE OTIMISMO
Mais adiante Lula e seus companheiros perceberiam que era impossível fazer
uma greve no Brasil da ditadura militar sem acabar por se defrontar com o
governo. No dia 4 de agosto de 1978, o general Geisel baixou um decreto limi-
12 Entrevista de Raimundo Pereira em 15 de maio de 2010.
229
ENFRENTANDO A DITADURA
Os patrões lançavam mão dos recursos de sempre tentando evitar a repeti-
ção da greve de 1978. Em duas edições de final de ano – 180 e 181 (11 de
dezembro e 18 de novembro de 1978) – Movimento trazia reportagens sobre
demissões em massa no ABC, em São Paulo e Guarulhos, com denúncias de
Lula de que “os patrões teriam uma ‘lista negra’ nas mãos com nomes daque-
les que não devem ser admitidos nas grandes empresas”, e os “elementos
com lideranças nas bases”15, como o dirigente sindical “Alemão”, demitido
da Villares. Também publicava a nota oficial do Sindicato dos Metalúrgicos
de São Bernardo e Diadema, assinada por Lula, protestando contra as demis-
sões, qualificadas como “a mais cruel e retrógrada forma de repressão”.16
A edição seguinte, a 181, trazia na capa a manchete “Ditadura nas Fábricas”
e a chamada: “Movimento fala com centenas de operários em dezenas de fá-
bricas: muitos são controlados até quando vão ao banheiro!”. Também trazia
13 Dados extraídos do artigo “Uma influência:
influência: a luta dos operários”, Movimento 161,
30 de julho de 1978.
14 Movimento 165, 28 de agosto de 1978.
15 Movimento 180, 11 de dezembro de 1978.
16 Idem.
230
uma reportagem sobre uma reunião para articular o protesto contra as de-
missões em massa, realizada no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André,
entre “as maiores forças do movimento sindical do país” (os sindicatos meta-
lúrgicos do ABC, Campinas e Santos, dos petroleiros do Rio de Janeiro, Mauá
e Campinas e dos jornalistas de São Paulo, Brasília e Rio) e representantes da
Oposição Sindical (metalúrgicos, bancários e trabalhadores do metrô de São
Paulo), da Frente Nacional do Trabalho e do Movimento Custo de Vida. As
principais consequências desse encontro foram o lançamento de
uma campanha em defesa da garantia do emprego e da volta
dos demitidos ao trabalho, a criação de um fundo de greve, a
formação de uma central executiva em cinco pontos diferentes
do Estado com objetivo de arrecadar e distribuir dinheiro e
alimentação para operários demitidos.
Também aprovaram “uma determinação de que as atividades de cada
empresa sejam paralisadas toda vez que um trabalhador for demitido por
sua participação em movimentos sindicais e outras formas de luta”.17
Estava dada a largada para as greves de 1979, e Movimento as acompanha-
ria de perto. No dia 10 de março de 1979, depois de quase um mês de nego-
ciações infrutíferas com os empresários da indústria automobilística, os me-
talúrgicos do ABC decidiram, em assembleias com milhares de operários,18
decretar uma greve geral no dia 13 de março (dois dias antes da posse do ge-
neral Figueiredo na Presidência da República), com a paralisação de 250 mil
operários do ABC, que chegariam a 500 mil se houvesse a adesão de todos os
metalúrgicos do interior.19 Os boletins distribuídos pelos sindicatos do ABC
depois da assembleia traziam a justificativa para a greve:
Companheiros e companheiras, chega de miséria! Abaixo o
custo de vida! Basta de exploração! Fim de perseguições e dis-
pensas arbitrárias! Depois de várias reuniões com os patrões,
verificamos que eles não querem conceder nada. Por isso nos-
sa assembleia decretou: greve geral a partir da zero hora de
terça-feira. Essa é a única linguagem que os patrões entendem.
As máquinas só voltarão a rodar quando conseguirmos: 34%
acima do aumento do governo, estabilidade no emprego, dele-
gado sindical com estabilidade, reajuste de salário a cada três
meses e piso salarial de três salários mínimos.
Na capa da edição 194 de Movimento, de 19 de março de 1979, o terço
superior seria dedicado à posse de Figueiredo com o título: “A Festa do
Herdeiro”. Os outros dois terços da capa eram ocupados por uma foto
enorme de Lula com os operários no Estádio de Vila Euclides trazendo em
vermelho o título: “Greve – A Assembleia dos 80 mil”.
231
PIQUETES E CASSETETES
Uma importante diferença da greve geral dos metalúrgicos de 1979 em rela-
ção à de 1978 foi que esta se deu “na rua”, enquanto na anterior os operários
cruzavam os braços dentro das fábricas. A recomendação dada aos grevis-
tas, já no boletim de convocação do sindicato, era de que não tomassem os
ônibus da empresa e nem entrassem na fábrica “para não sofrer pressões”, e
de que fossem ao sindicato: “estamos em assembleia permanente e pedimos
que os trabalhadores compareçam todos os dias no sindicato para receberem
instruções”.20 Essa orientação trouxe a volta dos piquetes para a porta das
fábricas reprimidos com uma violência policial que não havia ocorrido na
greve do ano anterior. Também resultou nas imensas assembleias “perma-
nentes” dos metalúrgicos no Estádio de Vila Euclides, cedido pela prefeitura
de São Bernardo, que reuniam 60 mil trabalhadores, segundo os jornais diá-
rios, 80 mil de acordo com Movimento: os repórteres da grande imprensa tra-
ziam os números da Polícia Militar, enquanto os de Movimento registravam
as contas dos grevistas.21
Esse detalhe revelava a postura que o jornal tomaria durante toda a greve:
ouvir os metalúrgicos, insistir na legitimidade dos piquetes, condenados
pelos diários, pelas rádios e pela televisão. Alguns veículos os apresenta-
vam como causa da violência policial.22 Movimento procurava explicar os
motivos dos grevistas, assumir o seu ponto de vista. Isso se percebia até na
linguagem – os empresários são chamados de “patrões”, acusados de “po-
sar de democratas” e “apelar para a polícia”.23 Suas matérias denunciavam
a aliança entre empresários e militares que estava por trás da repressão
sofrida pelos operários, das prisões e espancamentos às bombas de gás
lacrimogêneo lançadas pelos batalhões de choque na frente das fábricas.24
E davam grande destaque à greve e aos grevistas. Por exemplo, a edição
que anunciava a greve de 1979, a 194, trazia uma página dupla só de fotos
com cenas emocionantes, dos operários nas portentosas assembleias, da
ação da repressão e de humildes peões transmudados em combatentes.
O jornal também se preocupava em dar o contexto da greve e trazia ma-
térias bem apuradas sobre a categoria dos metalúrgicos, suas condições
de trabalho e salários, e dos negócios de seus patrões, levantando tudo
que podia sobre o setor automobilístico.25 O fato de ser publicado sema-
nalmente não prejudicava o calor da cobertura: o pessoal de Movimento
estava sempre por perto, e o jornal era bastante lido pelos operários, como
lembra o ex-metalúrgico Rommel Pinheiro, um dos muitos vendedores de
Movimento entre 1978 e 1980. Conta Rommel:
20 Folha de S.Paulo, 11 de março de 1979 “Metalúrgicos do ABC decretam greve geral”.
21 Folha de S.Paulo, 14 de março de 1979 “Estádio lotado para a assembleia”.
22 A matéria “Voltaram os piquetes, até mesmo com antigos excessos”, publicada em O Estado de
S. Paulo no dia 14 de março de 1979, afirma: “(o piquete) sempre foi considerado um expediente
ilegal, tanto pela legislação de antes como a de pós 64; a diferença é que nos anos 60 os chamados
governos populistas faziam vistas grossas, o que não ocorre agora”.
23 Movimento 194, 19 de março de 1979, “O grande confronto”.
24 Idem.
25 Ibidem.
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233
A DERROTA DE LULA
O governo esperava que com a intervenção no sindicato a greve chegaria ao
fim. Conta a reportagem, num relato que o restante da imprensa não fez:
Ao contrário, na sexta e no sábado, mesmo sem Lula e os
líderes, a greve se manteve, e o que é mais importante, ins-
taurou-se um clima de guerra entre os operários e a polícia.
Já na sexta-feira de tarde, apesar do grande aparato policial,
milhares de operários se concentraram no Paço Municipal de
São Bernardo, e enfrentaram a polícia que acabou tendo que
se retirar após a intervenção do prefeito Tito Costa, emedebis-
ta. Após os incidentes da praça, depois dos violentos choques
entre operários e a polícia, uma coluna de operários, em nú-
mero estimado de 3 mil, numa operação fulminante de cerca
de 30 minutos, pôs para correr algumas viaturas da polícia es-
tacionadas na frente do prédio do Sindicato dos Metalúrgicos,
ocupou o prédio aos gritos de “Queremos Lula, o sindicato é
nosso”, fazendo fugir o interventor Guaracy Horta.
No sábado, 24 de março, o Comando Geral da Greve estava reunido na Igre-
ja Matriz de São Bernardo, para discutir o que fazer. Enquanto isso, cerca de
20 mil metalúrgicos se concentravam no Paço Municipal, embaixo de chuva
forte, aguardando o pronunciamento de um dos líderes da greve.28
Chamado por telefone, Lula, que estava ausente desde a véspera, enviou
Djalma Bom para conversar com os operários, mas este não conseguiu
conter a massa.
A reportagem relatava:
Começaram então novos e violentos choques com a polícia
– o início de uma passeata, disparos de bombas e golpes de
cassetetes, respondidos por pedradas e tijolos e que terminam
com muitas prisões e duas peruas C-14 da polícia totalmente
depredadas.
Temendo o pior, um grupo de dirigentes sindicais de São Paulo se diri-
giu para a casa de Lula, extremamente preocupados com os rumos do mo-
vimento e convictos de que Lula deveria ser recolocado ostensivamente
à sua frente.
A edição 196 de Movimento descreveu a cena:
Lula estava na casa de um parente e os recebeu só de calção,
segundo alguns, em estado de visível abatimento. Esses lhe
relataram os acontecimentos da praça, destacando o ânimo da
massa e ao mesmo tempo o enorme risco de o movimento se
esvaziar devido à ausência de uma liderança reconhecida. Um
deles fez uma grave advertência afirmando que na luta do ABC
a classe operária estava dando um exemplo para o Brasil e que
todo mundo se identificava com a greve. Não se trataria, dizia,
28 Movimento 196, 2 de abril de 1979.
234
E concluía o jornal:
No dia seguinte os trabalhadores retornavam ordeiramente
às fábricas. Nas portas das fábricas, muitos achavam que te-
ria sido possível levar mais longe o movimento. Porém todos
se mostravam animados e confiantes (…) Encaravam o acordo
como uma trégua na luta. E em São Bernardo havia também
a quase certeza de que nesta semana Lula estaria de volta à
direção do sindicato.
O Primeiro de Maio, porém, pegou Lula ainda fora do sindicato, como
relatou a cobertura-monstro que Movimento fez do Dia do Trabalho Uni-
ficado em São Bernardo do Campo. O acordo começou a ser descumprido
pelos empresários no dia seguinte ao fim da greve. Os trabalhadores da
Villares ameaçavam entrar em greve, protestando contra 300 demissões
feitas depois do acordo. A CNBB, que aceitara participar da intermediação
a pedido do general Figueiredo, começava a manifestar descontentamento
por ter sido envolvida no acordo que não estava sendo cumprido. En-
quanto isso, Lula continuava a negociar com os empresários e o governo.
A edição 202, de 14 de maio de 1979, trazia novamente Lula na capa
e duas matérias sobre a situação do ABC. Uma delas, “Muitos Lulas”,
assinada por Raimundo Pereira, contava a história do líder metalúrgico
e criticava sua atuação como líder dos trabalhadores, afirmando que ele
era levado “pela massa” e que “poderia ter contribuído mais para elevar
o nível de consciência política e aumentar o nível da organização dos tra-
balhadores”. Também dizia que Lula não compartilhava “nem com a dire-
toria do sindicato” do conteúdo das propostas que estava discutindo com
empresários e governo, afirmava que ele “inibiu a massa de se reunir li-
vremente ao propor que ela denunciasse ao sindicato todos os grupinhos,
obviamente de esquerda, que tentassem reunir os operários” e concluía:
À medida que cresce o movimento operário e procura trans-
formar o país, Lula está, portanto, sob esses dois fogos: de um
lado o governo e os patrões querendo pô-lo a seu serviço para
controlar o movimento operário, de outro, os próprios operá-
rios, a base de São Bernardo do Campo, que embora avançada,
não tem consciência clara do que fazer para resolver os graves
problemas que tem à frente. E para isso, ela não precisa apenas
de alguém que esteja à sua frente, mas de alguém que a ajude a
encontrar os caminhos que procura.30
Ao noticiar a suspensão da intervenção pelo governo, 54 dias depois –
e não 45, como Lula havia dito –, Raimundo fez um balanço da greve e
apontou os erros da direção durante a “trégua”. O principal deles, segun-
do o editor-chefe de Movimento, foi a desmobilização dos operários, que
estavam dispostos a lutar pela própria diretoria. Também considerou que
a conquista de aumento salarial ficou distante do que os grevistas queriam
30 Movimento 202, 14 de maio de 1979.
236
(78%), foi menor do que Lula lhes havia prometido e, ainda sim, melhor
que o conseguido pelos metalúrgicos da capital: um aumento de 63% para
as faixas salariais de um a dez salários mínimos (70% dos operários) e
44% para os 5% que ganhavam mais que dez salários mínimos. Era bem
menos do que os grevistas queriam e mais do que os 57% para a faixa de
três a dez salários que os patrões queriam pagar. Também não consegui-
ram estabilidade de emprego nem delegado sindical.31
Ainda que derrotada, a greve dos metalúrgicos foi novamente seguida
por uma onda de greves que ocupou as páginas de Movimento durante o
segundo semestre de 1979 – entre elas a dos jornalistas de São Paulo –, ao
lado de temas candentes como a campanha pela anistia e a reorganização
partidária, o que novamente oporia o jornal ao líder de São Bernardo. Em
outubro, os metalúrgicos de São Paulo, liderados pela Oposição Sindical,
entraram em greve. Como ocorrera no ABC, a repressão policial os atin-
giu violentamente. Mas, desta vez, um policial militar que reprimia um
piquete, no segundo dia de greve, matou um líder operário, o metalúrgico
Santo Dias, como vimos. A repercussão foi enorme. Como havia ocorrido
por ocasião da morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, a indigna-
ção com o assassinato de Santo marcou uma nova etapa no movimento
pela redemocratização. Todas as forças de oposição se uniram, apesar da
disputa política provocada pelas propostas de criação de novos partidos.
31 Idem.
32 Movimento 241, 11 de fevereiro de 1980.
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A PRISÃO DE LULA
A edição 252 de Movimento veio com o retrato de Lula desenhado na capa,
mais uma vez por Elifas Andreato, como acontecera nas edições com os as-
sassinatos de Herzog e Santo Dias. Felizmente, porém, o líder do ABC estava
bem vivo, embora trancado no Dops. Dois dias depois da intervenção – em 19
de abril –, 14 dirigentes sindicais foram presos com base na Lei de Segurança
Nacional, entre eles, Lula, Djalma Bom e Devanir Ribeiro.
A cobertura de Movimento – com oito jornalistas escalados – denuncia-
va as prisões e a violência da repressão em São Bernardo, e destacava a re-
sistência e a determinação dos operários em continuar a greve – a rede de
apoio dos grevistas, que distribuía diariamente 2,5 toneladas de alimentos
para 1.400 famílias, mereceu uma reportagem detalhada e entusiasma-
da, que mostrava a força da solidariedade na base, bem como o apoio da
igreja, dos sindicatos de outros setores, dos partidos democráticos e dos
movimentos de direitos humanos – nacionais e internacionais. Um show
de solidariedade aos grevistas, que teria a participação de Chico Buarque
e de outros grandes nomes da MPB (Música Popular Brasileira), foi proi-
bido pelo governo militar.
Na seção de opinião do jornal, o jornalista Perseu Abramo escrevia:
A prisão de Lula e dos demais dirigentes sindicais de São
Paulo certamente se explica pelo blandicioso direitismo do
poder central da ditadura, dedicado à causa de servir às mul-
tinacionais; mas a de José Carlos Dias e Dalmo Dallari, da
Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, só se
compreende pelo anticomunismo fascista, desabrido, feroz e
pouco inteligente do poder ditatorial local (Maluf, Tavares).36
36 Movimento 252, 28 de abril a 4 de maio de 1980. Referia-se ao governador Paulo Maluf e ao
comandante do II Exército, Milton Tavares.
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O
jornal que tinha como programa apoiar a frente democrática
e fazer a denúncia da ação imperialista oferecia um campo
favorável para o exercício da política do PCdoB. Sua colabo-
ração com Movimento se deu a partir dessa plataforma e se
estendeu por onde quer que o partido tivesse bases.
Na sede, em São Paulo, desde 1976, como se viu, viera trabalhar um
dirigente intermediário do partido, Antonio Neto Barbosa. Começou na
coordenação de vendas diretas e assinaturas e em 1977 passou a ser o
chefe do departamento de vendas, fazendo parte do Conselho de Direção
e do Gruex.
Antonio Neto Barbosa exerceu considerável influência no jornal, cola-
borou com a ampliação da rede de apoio e do sistema de vendas. No epi-
sódio do “racha” apoiou a posição que saiu vencedora na votação.
Sua prática, entretanto, recebeu por vezes acusações de ser sectária. E
também de ter uma tendência “obreirista”, na medida em que tendia a
opor os “proletários” do departamento de vendas aos “intelectuais peque-
no-burgueses” da redação.
Suas relações com a direção tiveram altos e baixos. Os motivos mais
frequentes de discussão eram os resultados insuficientes das vendas e as
opiniões diferentes sobre a política desse setor e mesmo sobre a políti-
ca editorial. Por exemplo, em abril de 1978, Tonico Ferreira apresentou,
numa reunião do Gruex, indicações de que o departamento de vendas,
sob a iniciativa de Barbosinha, estava desenvolvendo discussões parale-
las. Estaria mantendo conversações com setores “descontentes” com a li-
nha editorial. A esse propósito, enviara a várias sucursais, sem informar a
direção, uma circular fazendo críticas à amplitude da frente democrática
proposta pelo jornal. Ele e outros “descontentes”estariam considerando
que se dava mais destaque à oposição liberal que a dos movimentos popu-
lares nas páginas de Movimento, ironicamente, crítica semelhante à que
haviam feito alguns dos dissidentes que se afastaram após o “racha” de
abril de 1977. Nessa ocasião, Barbosinha foi veementemente criticado por
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tando que se o Exército conhecia o documento não havia motivo para que o
público não o conhecesse: “se a repressão os lê por que não os podem ler os
leitores de Movimento? (...) Se todas as questões fossem consideradas de eco-
nomia interna das correntes políticas o jornal ficaria sem assunto”, escreveu.
E finalizou: “Nosso papel é o de divulgar as informações relevantes; perse-
guir a verdade e os debates que sirvam ao povo para que ele, por seu próprio
esforço, entenda o que ocorre ao seu redor e possa libertar-se.”
E encerrava fazendo um duro paralelo entre as críticas dos militantes do
partido com a repressão da ditadura: “A censura do general Geisel não nos
afastou dele (do ‘nosso papel’). E o espírito de seita de alguns setores das
correntes oposicionistas também não terá sucesso nessa tarefa.”18
Não era assim, porém, que antigos companheiros viam a nova situação.
Marcos Gomes, por exemplo, desgastou-se com esses acontecimentos. Em
sua entrevista, comentou:
Quem puxou esse negócio todo foram Ozéas (Duarte), Wladi-
mir (Pomar) e tal. O que começou a me irritar é que achei que
o jornal começou a ser manipulado no sentido de interferir na
luta interna do PCdoB. Aí, falei: “Pô, uma matéria, duas, tudo
bem. Agora, ficar nisso não tem condição.”19
Luiz Bernardes, o chefe da sucursal de Belo Horizonte, que desde o final
de 1978 vinha manifestando críticas à linha editorial, também tinha outra
visão sobre aqueles fatos. Em uma carta para Tonico Ferreira, disse: “Não
concordo em hipótese alguma que se use o jornal para se intrometer em
questões internas de partidos clandestinos e, muito menos, ao fazer isso,
tomar claramente partido de um dos lados”. Criticava a publicação do
documento de Pedro Pomar e acrescentava: “acho uma política perigosa,
errada e estreita, longe de contribuir para unir, contribui para dividir”.20
Por alguns meses, a seção “Cartas Abertas” iria ser inundada por car-
tas de leitores, na maioria militantes políticos, levando a luta interna do
PCdoB para as páginas do jornal. Eram tantas que muitas deixaram de ser
publicadas, como relatou reportagem coordenada por Flávio de Carvalho:
“Comunistas: a batalha da legalidade”.21
TESTEMUNHA HISTÓRICA
Haroldo Lima, dirigente do PCdoB que foi preso no episódio da Lapa, e que
continuava no partido em 2010, conta que o documento de Pomar surgiu
no contexto da revisão que o Comitê Central estava fazendo da guerrilha do
Araguaia:
Fomos discutir os erros, o que aconteceu, quais foram os fa-
tores que levaram à derrota da guerrilha. Aí, começamos a
18 “O que os leitores não podem saber?” – Movimento 226, 25 de outubro a 4 de novembro de 1979.
19 Ozéas Duarte, jornalista e militante do PCdoB, foi indicado para trabalhar no jornal por
Barbosinha. Posteriormente, tornou-se dissidente da direção do partido, junto com Wladimir Pomar
e José Genoino Neto.
20 AP 285.02.031 Fnd Mov APSP.
21 Movimento 223, 8 a 14 de outubro de 1979.
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CONTRA-REVOLUCIONÁRIOS?
Algum tempo depois, o DCE da Universidade Católica do Rio de Janeiro ava-
liava que “de um tempo para cá Movimento vinha adotando uma atitude ne-
gativa em relação aos marxistas no Brasil e no mundo”. Em 1º de dezembro
de 1980, numa palestra na Casa do Estudante, no Rio de Janeiro, o dirigente
do PCdoB, João Amazonas, comentava que Movimento vinha realizando “re-
centemente, um excelente trabalho, sim, mas um excelente trabalho contra-
-revolucionário”. Os motivos de Amazonas não se limitavam às criticas de
Duarte Pereira, mas também porque o jornal, na sua opinião, em artigos e na
seção de cartas, estava dando espaço para manifestações da referida dissi-
dência, que rejeitava a direção existente e estava levando a público as diver-
gências internas. A propósito, essa tendência, liderada por Wladimir Pomar
e composta na maioria por militantes da antiga “Estrutura 1”, acabaria por
se afastar do partido levando parte de sua base de São Paulo, Bahia e Pará. E
resultou na criação do PRC, o Partido Revolucionário Comunista, que poste-
riormente tornou-se uma facção do PT, Partido dos Trabalhadores.
A resposta de Duarte Pereira veio no artigo “Quer dizer, Amazonas, que
somos excelentes contra-revolucionários?”, em que rejeitava as críticas:
“mesmo que João Amazonas esteja certo e que o PCdoB seja o partido de
vanguarda da classe operária, isso não significa que não cometa erros, que
não possa ser criticado...”.25
O partido não replicou a esse artigo de Duarte.
24 Movimento 244, 3 a 9 de março de 1980.
25 Movimento 286, 22 a 28 de dezembro de 1980.
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U
m dos pontos fortes de Movimento ao longo de sua trajetória
foi a cobertura internacional, tanto pelo trabalho da editoria,
dirigida por Flávio de Carvalho como pela publicação sema-
nal de uma seleção de artigos do jornal francês Le Monde e,
eventualmente, de outros importantes jornais estrangeiros.
Era um período de grandes mudanças no chamado “campo socialista”,
que causavam perplexidade nos meios da esquerda. Movimento acompa-
nhou esses acontecimentos inicialmente fazendo reportagens, mas acabou
se envolvendo em mais uma acesa polêmica. Em junho de 1978, publicou
um artigo “especial” não assinado, de duas páginas, “Novas divergências
no mundo comunista”, em que descrevia a chamada “teoria dos três mun-
dos”, alicerce da nova política externa da China, que substituía a palavra
de ordem de luta do campo socialista contra o imperialismo e o campo ca-
pitalista e foi assim resumida pelo jornal: “o inimigo é a URSS e os EUA, o
Primeiro Mundo; o Terceiro Mundo deve se aliar com o Segundo Mundo
(Europa, Japão etc.) para combater o Primeiro Mundo”. Essa política, que
havia levado a China a promover entendimentos e relações diplomáticas
até mesmo com as ditaduras do Chile e do Brasil, estava repercutindo pe-
los países, provocando realinhamentos e confusão.
O mesmo artigo fazia referência à opinião do Partido do Trabalho da
Albânia, até pouco antes aliado da China, o qual passara a fazer duras crí-
ticas à posição chinesa: “A vitória não virá com a união com uma das su-
perpotências para combater a outra, nem com alianças com países impe-
rialistas como a França ou com regimes impopulares e pró-imperialistas
como o Chile, diziam os albaneses”.1
No inicio de 1979, a China invadiu o Vietnã, o heroico pequeno país asi-
ático que, poucos anos antes, inclusive com apoio chinês, havia derrotado
os Estados Unidos. Como entender isso? Na edição 191, de 26 de feverei-
ro a 4 de março de 1979, sob o título “China invade Vietnã para atingir
URSS”, o jornal dedicou duas páginas, assinadas por José Tadeu Arantes,
1 Movimento 156, 26 de junho de 1978.
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AFEGANISTÃO
No início de 1980, tropas da União Soviética invadiam o Afeganistão, am-
pliando as controvérsias, alegando “solidariedade proletária internacionalis-
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N
o final de 1978, o AI-5 foi revogado pelo governo Geisel. Com a
reforma na Lei de Segurança Nacional, o habeas corpus foi res-
taurado, o artigo 185, que mantinha inelegíveis os cidadãos que
haviam tido suspensos seus direitos políticos, foi revogado, e o
instituto do banimento, extinto. A nova LSN permitia também
a revisão dos processos de diversos presos políticos, porque as penas haviam
sido reduzidas. Mas o senador Paulo Brossard, do MDB gaúcho, resumiu o
sentimento oposicionista ao afirmar que as medidas seriam apenas “paliati-
vas”. Ele disse mais: se um ano antes a notícia seria considerada um “grande
passo”, àquela altura já não satisfazia. O jornal também descrevia a intenção
do governo em manter longe do País alguns exilados de peso, como Leonel
Brizola, Miguel Arraes, Luîs Carlos Prestes e Francisco Julião. “Fundamen-
talmente, o que mais se destaca na nova lei é a preservação integral da dou-
trina de Segurança Nacional de inspiração antidemocrática, com toda sua
parafernália de conceitos esdrúxulos, como as ideias de guerra psicológica
adversa”, avaliava um artigo na edição 173.
Ao mesmo tempo, o jornal cobria a crescente movimentação pela anistia,
que ganhara novo fôlego no final de 1978. De 7 a 9 de setembro acontecia
em Salvador o I Encontro Nacional de Movimentos pela Anistia, que con-
cluiu pela necessidade de popularizar a luta. Dizia a “carta de Salvador”:
“a anistia deve ser ampla, para todos os atos de manifestação de oposição
ao regime; geral, para todas as vítimas dos atos de exceção e irrestrita, sem
discriminações ou restrições”. E, depois de pedir também a revogação da
legislação autoritária vigente, concluía que “a anistia não é uma dádiva e
sim uma conquista a ser feita por todos os brasileiros”.
Em novembro aconteceu no teatro da PUC, em São Paulo, o I Congresso
Nacional pela Anistia, que adotou importantes decisões, como uma alian-
ça com o Movimento do Custo de Vida para ajudar na divulgação, e a ida
de caravanas de entidades aos presídios políticos, que foi uma proposta
da União Estadual dos Estudantes visando romper o isolamento dos pri-
sioneiros. Além disso, os participantes decidiram entregar às autoridades
261
DO EXÍLIO
No começo de 1979, Movimento passou a dar mais destaque ao tema dos exi-
lados. Em razão do fim do AI-5 e mudanças na LSN, já não existia oficialmen-
te nenhum “banido” e muitos começavam a voltar ao País. Mas sob a nova lei
quem voltasse seria submetido à Justiça – o que, na prática, não mudava em
nada a situação deles.
Em janeiro o jornal publicou uma reportagem de três páginas sobre o
tema, adiantando que o governo aceitava de volta os exilados, com al-
gumas exceções. Luís Carlos Prestes, Leonel Brizola e Francisco Julião
seguiam vetados. Outra reportagem mostrava as dificuldades dos filhos
de exilados, que não conseguiam obter documentos, além de listar alguns
casos de banidos que foram assassinados ao tentar retornar ao País no
passado recente. Movimento revelava que havia um pacto entre as forças
de segurança: todo banido que voltasse seria morto.2
Pouco depois, outra reportagem anunciava que “está chegando a hora de
voltar”. Além da biografia dos exilados, a matéria reproduzia uma alarman-
te carta em que o ex-banido Lúcio Flávio Uchoa Regueira contava que fora
preso ainda no aeroporto, ao retornar para o Brasil: “agora novamente encar-
cerado sofro a mesma violência que é perpetrada há anos, encoberta por uma
legislação autoritária contra todos os presos políticos”, dizia a carta.3
Também foram ouvidas, desde o exílio, lideranças políticas que, atra-
vés do jornal, influenciavam no debate sobre a anistia. Ainda no Natal
de 1978, Brizola dava entrevista: “O Brasil ingressará a partir de 1º de
janeiro numa espécie de estado de direito limitado, dada a suspensão da
legislação autoritária e a restauração do habeas corpus, da independência
do poder legislativo e as garantias do Judiciário”, avaliava, otimista.4 No
1 Movimento 175, 6 de novembro de 1978.
2 Movimento 183, 7 de janeiro de 1979.
3 Movimento 188, 5 de fevereiro de 1979.
4 Movimento 182, 25 de dezembro de 1978.
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começo de 1979, Miguel Arraes previa, desde Paris, que “o regime vai
se isolar mais, é inevitável. Acho que o movimento deve ser reforçado
de modo a impedir que venha a ser esvaziado por medidas parciais que
venham a ser tomadas diluindo o problema da anistia”, opinava.5 Para
ele, a anistia seria um passo fundamental “no sentido em que permite
um reposicionamento de forças fazendo com que o movimento venha a
desembocar numa Assembleia Constituinte”.
Na edição 207, de 16 de junho de 1979, foi a vez de Luís Carlos Prestes,
que estava em Moscou, afirmar:
Sou de opinião de que todas as vítimas dos crimes cometidos
pelos órgãos de repressão policial e militar e seus familiares e
amigos têm o direito de reclamar a punição dos culpados, dos
torturadores e assassinos. Este, aliás, é um direito de toda a na-
ção. E isto não tem nada a ver com revanchismo. Creio, porém,
que a investigação de tais crimes, para que efetivamente se
realize e chegue a indicar os culpados, exige a prévia conquis-
ta de amplas liberdades democráticas e a destruição do atual
aparelho de repressão.
Em 13 de agosto, outra entrevista exclusiva, de repercussão. Ouvido em
um local desconhecido nos arredores de Paris pelos correspondentes Al-
berto Villas e Manoel Domingos Neto, o líder do PCdoB, João Amazonas,
anunciava que pretendia voltar ao Brasil até o fim daquele ano. Para ele,
a anistia era “um poderoso movimento de opinião pública que se tornou
incontido”, e a campanha “poderá conquistar novos sucessos, desde que
mobilize grandes setores da população, organizações, personalidades e
familiares, dos punidos e exilados políticos”.6
De grande importância para a discussão que já se alastrava na socie-
dade, essas entrevistas comprovavam na prática a visão de Raymundo
Faoro, que voltou a ser entrevistado em 1979. Ele disse que as tentativas
do governo de impedir a volta dos líderes exilados – com a retenção de
documentos nas embaixadas, por exemplo – estavam fadadas ao fracasso.
Esses líderes já retornaram. No momento que os jornais fa-
lam deles toda hora, eles já estão de volta, atuando politica-
mente. Por isso, estamos tratando de um falso problema. O que
é um líder político? Uma pessoa que atua politicamente. Se
está aqui ou está na Europa, no Japão, não interessa.7
Enquanto esquentava o debate, a última página de Movimento passava a
ser uma tribuna privilegiada. A seção de humor, bem a propósito chamada
“Corta Essa!”, contribuiu com charges políticas carregadas de ironia, critican-
do os esforços do governo para refrear o movimento pela anistia ampla, geral
e irrestrita. Um saboroso exemplo está na última página da edição 184, de 8
de agosto de 1979. A charge de página inteira mostrava um avião com alguns
5 Movimento 190, 19 de fevereiro de 1979.
6 Movimento 215, 13 de agosto de 1979.
7 Movimento 190, 19 de fevereiro de 1979.
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seata no estado desde a dos 100 mil, em 1968. Milhares de pessoas com-
pareceram a atos públicos em São Luís, Maceió, Porto Alegre, São Paulo
e São Bernardo do Campo. No plano parlamentar, uma outra batalha ia se
desenrolando. No total, o projeto de Figueiredo recebeu 305 emendas de
134 parlamentares, nem todos da oposição. Além disso, foram apresenta-
dos nove projetos substitutivos, inclusive o do MDB, assinado por Ulysses
Guimarães. A maior parte das modificações dizia respeito ao artigo pri-
meiro, que estabelecia quem receberia afinal a anistia.
Dentre as milhares de cartas recebidas por Teotônio Vilela, aquela que
fora enviada por presos de Salvador quantificava: dos 55 presos políticos,
apenas 13 seriam anistiados, segundo o projeto do governo; 15 banidos
não teriam como voltar ao País e cerca de 150 condenados continuariam
sujeitos a “penas espúrias”.10 Além disso, milhares de trabalhadores de-
mitidos pela sua atuação política, mas com base em outros dispositivos
que não as leis de exceção, também ficariam de fora.
A sessão oficial no Congresso teve início no dia 21 de agosto, mas só
terminaria na tarde do dia 22. No primeiro dia, mais de mil manifestantes,
que ocupavam a rampa do Congresso, foram dispersados por bombas de
gás lacrimogêneo. No dia 22, durante toda a manhã a galeria foi tomada
por cerca de 800 recrutas da polícia da Aeronáutica e agentes do SNI à
paisana. Era essa a disposição democrática do regime.
Somente depois de muita insistência dos deputados emedebistas, os re-
crutas foram retirados, abrindo espaço para os manifestantes, que lotaram
as galerias na parte da tarde e obrigaram o governo a encarar de frente
o “bicho da democracia”. Carregando faixas e cartazes, vaiaram maciça-
mente os arenistas ligados à repressão, como o ex-delegado Cantídio Sam-
paio – que, em troca, fazia gestos obscenos para a multidão. O coronel
Erasmo Dias teve que aguentar calado, enquanto pronunciava seu voto, o
coro que gritava “assassino, terrorista”.
Após longas horas de debate, o substitutivo do MDB foi a plenário, sen-
do rejeitado por apenas 15 votos, 209 contra e 194 a favor. Acabou sendo
aprovado o substitutivo do relator arenista, o deputado Ernani Satyro,
que ampliava o prazo de concessão da anistia até 15 de agosto de 1979 e
estendia os direitos aos dependentes de anistiados falecidos. A votação
foi apertada. O projeto venceu, apesar da enorme pressão das galerias e
da multidão que se reunia nas principais capitais (7 mil manifestantes no
Rio, 7 mil em São Paulo), por magros 5 votos: 206 votos a 201. Na saída,
ouvia-se os manifestantes, em coro: “a luta continua, agora é na rua”. 11
A decisão foi descrita como uma “vitória de Pirro” por Vera Manzolillo,
em reportagem analítica na mesma edição. Mais adiante, Roberto Martins
avaliava que, “ao contrário do previsto, a unidade da oposição se forta-
leceu, enquanto a Arena se desmoralizava. E a mobilização popular, com
10 Mezarobba, Glenda. Um acerto de contas com o futuro - a anistia e suas consequências: um
estudo do caso brasileiro. São Paulo, Humanitas/Fapesp, 2006.
11 Movimento 217, 27 de agosto de 1979.
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depois da volta, Arraes deu um giro pelo País, passando por encontros com
operários, representantes da igreja progressista e movimentos comunitários
na zona sul de São Paulo e no ABC. A reportagem de Movimento o qualificou
como “um dos exilados sobre o qual o movimento popular concentra grandes
esperanças e o regime, os maiores temores”.14
Outros anistiados, à medida que voltavam do exílio ou ressurgiam da
clandestinidade, também iam dando as caras nas páginas do jornal. Apolo
Heringer Lisboa, vice-presidente da UNE de 1965 a 1966, voltou no dia
1º de outubro. Sete dias depois, foi a vez de Diógenes Arruda Câmara, di-
rigente do PCdoB. Os líderes do movimento camponês, Francisco Julião
e José Novais, também apareceram em Movimento, prometendo atuar por
uma reforma agrária “pra valer”. E a volta de José Dirceu mereceu uma
matéria, na edição 234, em que ele reafirmava o movimento estudantil
como “uma força política no país” importante para a união das forças ne-
cessárias para acabar de vez com a ditadura.
A chegada de Luís Carlos Prestes, no final de outubro, mereceu atenção
especial porque deu realce a uma crise interna no PCB, dividido entre o
poder das antigas lideranças e os dirigentes mais jovens. Prestes marcou
sua posição e rechaçou a ideia de uma Assembleia Constituinte com Fi-
gueiredo no poder, alimentada por setores do seu partido. Ele exigia a re-
vogação da legislação repressiva como pré-condição. Senão a Constituinte
seria “ilegítima, falsa e não poderia decidir sobre o destino da nação”.15
O líder comunista Apolônio de Carvalho concedeu uma coletiva de im-
prensa logo após sua chegada no dia 29 de outubro. Disse de cara que
não pretendia se filiar ao MDB, embora este tenha sido um instrumento
político importante para mostrar a insatisfação popular com o regime,
porque ele “não representa as forças populares de forma homogênea”.
Ele também reavaliou a trajetória da esquerda, dizendo que “foi um erro
tentar fazer uma tentativa de luta armada desligada das lutas de massas”.
Já o líder do PCdoB, João Amazonas, que dera uma entrevista exclusiva
quando ainda estava no exílio, falou a Movimento antes mesmo do seu
retorno no sábado, 24 de novembro de 1979. Através do correspondente
Alberto Villas, Amazonas garantia, desde Paris, que o partido iria se juntar
ao esforço comum de todos aqueles que se opunham ao regime arbitrário.
“É para contribuir na luta de nosso povo pela conquista da plena liberda-
de política e pela liquidação do sistema opressivo antinacional e antipo-
pular como tarefa imediata que retorno ao Brasil”, disse.
Foi assim, cobrindo a volta dos exilados, que Movimento continuou ser-
vindo como arena de articulação política das esquerdas. O País vivia um
momento de entusiasmo: depois da anistia, mesmo que restrita, não havia
mais “meia volta” no caminho para a redemocratização. O passo seguin-
te – como bem assinalava a cobertura do jornal – seria inevitavelmente a
construção dos novos partidos políticos.
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N
os anos 1979 e 1980, a crise financeira de Movimento se agra-
vava, mas foi também o período em que a pauta de matérias
do semanário foi mais variada e complexa. É difícil imaginar
como uma equipe então bem mais resumida e com tão pou-
cos recursos conseguiu tantos resultados. O País despertava,
o protagonismo político ia escapando do governo e dos políticos dos dois
partidos legais e passava a ser exercido também pelos movimentos popu-
lares e por segmentos da classe média. Tudo acontecia ao mesmo tempo.
Nesse período, Movimento cobriu desde o princípio os debates e articu-
lações para a reorganização partidária, contribuindo para esclarecer o con-
teúdo dos vários projetos de partido. O jornal fez a mais completa e lúcida
cobertura do movimento grevista, deu atenção ao movimento estudantil e
à reorganização da UNE. O leitor também pôde acompanhar as denúncias
dos avanços do capital estrangeiro na economia local, a corrupção no go-
verno e o fracasso da política econômica, as lutas pela terra, a polêmica
dentro do PCdoB sobre a guerrilha do Araguaia e as novas divergências no
mundo socialista, entre China, Albânia e União Soviética. Viu o desenro-
lar da campanha pela anistia, assistiu ao retorno das lideranças políticas
que estavam no exílio e conheceu suas opiniões e propostas políticas.
O jornal estava mais bonito, com melhor disposição gráfica e paginação,
ilustrado por fotografias jornalísticas de qualidade e impacto.
OS NOVOS PARTIDOS
Desde as derrotas eleitorais de 1974 e 1976, o sistema dominante se conven-
cera de que ia perdendo a hegemonia e começou a trabalhar em um projeto
de reforma partidária que permitisse reorganizar sua base política e dividir a
oposição.
Ainda em fins de 19771, Movimento registrava entrevista do senador
Magalhães Pinto, da Arena, defendendo a extinção do bipartidarismo e
a criação de quatro partidos. Já no início de 1978, o general Figueiredo,
1 Movimento 118, 3 de outubro de 1977.
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Curitiba havia dado ganho de causa aos trabalhadores. Era o começo de uma
sequência de lutas operárias que iria fortalecer politicamente o movimento
sindical e dar consistência à proposta do Partido dos Trabalhadores.
O embate dessas lutas com a agressiva repressão que elas sofreram, co-
mandada em São Paulo pelo general Milton Tavares, comandante do II
Exército, e pelo governador Paulo Maluf, com intervenção nos sindicatos,
no caso do ABC, e até o assassinato do líder operário católico Santo Dias,
na capital, trouxe várias repercussões importantes. Por exemplo, as novas
lideranças sindicais, principalmente do ABC, que até então pensavam que
podiam travar apenas a luta econômica por aumento de salários tendo
como adversários os patrões e “deixando o governo fora disso”, compre-
enderam na prática que o governo estava por trás e defendia os interesses
dos patrões. Diante da repressão, viram que não tinham escolha senão
defrontar-se com o governo, travar a luta política. Daí a necessidade de
um partido para dirigir e unificar o movimento dos trabalhadores, diziam.
Em junho, ocorreu uma grande reunião em São Bernardo do Campo, ar-
ticulada, entre outros, por Fernando Henrique Cardoso e Almino Afonso e
as lideranças operárias locais. Movimento relatou que participaram dezenas
de sindicalistas, 60 parlamentares do MDB, políticos cassados, intelectuais.
Saíram todos entusiasmados da reunião. O deputado Fernando Coelho, se-
guidor de Miguel Arraes, declarava ao jornal: “É a primeira iniciativa con-
sequente do MDB para se transformar num partido popular de vanguarda.”
Ainda no “espírito de São Bernardo”, 400 lideranças reuniram-se no Colé-
gio Sion, em São Paulo, em 17 de agosto. Segundo o jornal, três correntes se
manifestaram, a da popularização do MDB, a do Partido dos Trabalhadores
e uma ainda sem nome, que defendia um partido do movimento popular e
democrático, mais avançado. Na ocasião, Fernando Henrique Cardoso decla-
rou: “Não estamos em condições de fechar questão, mas de abrir o debate...”5
Em meados de outubro, chegava ao Congresso o projeto do governo de re-
organização partidária. Ao mesmo tempo, em uma reunião em São Bernar-
do do Campo, o Movimento Pró-PT já não assumia a perspectiva de formar
uma frente afastando-se do chamado “espírito de São Bernardo” da reunião
de junho. Voltava a defender o partido de trabalhadores e divulgava a sua
carta política.6 Presentes lideranças sindicais de seis estados; intelectuais de
esquerda, como o trotskista histórico Mario Pedrosa; sociólogos, como Fran-
cisco Weffort; e só um parlamentar, Edson Khair, do MDB-RJ. Declaração de
Lula: “O PT deixou de ser entendido como um partido de operários de ma-
cacão para ser uma agremiação mais ampla, ainda que não perca seu conte-
údo de classe”. Uma Comissão Nacional Provisória foi criada, formada pelos
líderes sindicais e Lula, Jacó Bittar, Henos Amorina, Paulo Skromov, Olívio
Dutra, Wagner Benevides, Arnóbio Silva, os cassados José Ibrahim (ex- líder
sindical) e Manoel da Conceição (ex-líder camponês), e o deputado federal
Edson Khair (MDB-RJ). Certas lideranças sindicais, como Jacó Bittar e Pau-
5 Movimento 217, 27 de agosto a 2 de setembro de 1979.
6 Movimento 225, 13 de outubro de 1979.
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OS CATÓLICOS NO PT
As reportagens de Movimento mostravam que os setores progressistas da
igreja católica, afinados com a teologia da libertação, vinham mobilizando
os trabalhadores por meio das pastorais operárias e das CEBs, Comunidades
Eclesiais de Base.11 Em 1979, na greve do ABC, com a repressão violenta e a
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interdição dos sindicatos, a igreja saiu dos bastidores. O bispo dom Cláudio
Hummes abriu as portas da matriz de São Bernardo do Campo para que os
grevistas pudessem reunir-se. Ali também se organizou a comissão do fundo
de greve, com a notável contribuição das Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) e Pastorais Operárias.
Na greve dos metalúrgicos da capital, em outubro, a Igreja sentiu-se direta-
mente atingida pela repressão. O assassinato de Santo Dias, líder metalúrgico
e membro da Pastoral Operária, produziu um clima de comoção. Em seguida,
refletindo a revolta geral, a greve recrudesceu. E a repressão foi ao paroxismo,
com espancamentos e inúmeras prisões. As sedes sindicais foram fechadas
pela polícia. Em resposta, a igreja abriu as portas de 13 templos nos bairros
operários, nas cinco regiões da cidade, para que os grevistas pudessem se
reunir e receber apoio. Em represália, pela primeira vez a ditadura atacou um
templo católico. A Igreja da Capela de Socorro, onde se reunia o comando de
greve, foi invadida e atingida com cerca de 20 bombas, causando inúmeros
feridos e um incêndio parcial.
O título da matéria de Movimento foi “O manto protetor da igreja”, cuja
abertura era:
As igrejas – grandes e pequenas – abriram suas portas. Os re-
ligiosos – padres, freiras e bispos – deram suas mãos e cederam
seus púlpitos e acomodações. As CEBs buscaram na periferia
pão e assistência aos grevistas. E assim os metalúrgicos pau-
listas puderam resistir muito tempo diante da fúria da polícia.
O bispo dom Angélico Bernardino decretou: “Quando o governo pisa
em cima do povo, está em conflito com a igreja”.12
Essa postura da igreja católica no Brasil tinha a ver com a reformulação de
sua doutrina, sob influência do papa João XXIII, no sentido de uma maior
preocupação com a realidade social dos povos. Linha pastoral que se iniciou
com a encíclica Mater et Magistra, de 1961, e o Concílio Vaticano II, de 1962.
E iria repercutir na igreja da América Latina, cristalizando-se na Conferência
do Episcopado Latino-Americano de Medellín, em 1968. Assim, a mesma
igreja que mobilizara um movimento de massas e, agitando a bandeira do
anticomunismo, dera apoio ao golpe militar de 1964, para derrubar o governo
legal de João Goulart, assumiu, nos anos seguintes, uma postura que levou
largos segmentos da própria hierarquia e de leigos a tomar posição em favor
dos “oprimidos” e contra a ditadura militar.
É verdade que, ainda no início dos anos 1960, alguns setores da igreja
se antecipavam e buscavam essa linha de participação social, de tal forma
que da juventude católica iria surgir a organização política Ação Popular,
com forte vocação para a ação de massas e que, nascida no movimento
estudantil, em 1961, logo se voltaria também para os camponeses, traba-
lhadores rurais e urbanos. De acordo com Carlos Alberto Libânio Christo,
o Frei Betto, frade dominicano, a Ação Popular surgira questionando o
12 Movimento 228, 12 a 18 de novembro de 1979.
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NOVO CENÁRIO
O debate sobre o PT e suas propostas iria se estender pelas páginas do jornal
e, nos anos seguintes, dentro das esquerdas e em toda a sociedade. Os textos
de Movimento continuam atuais e à disposição dos que desejem “fazer o re-
17 Idem.
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G
randes e rápidas mudanças estavam ocorrendo no cenário po-
lítico. E Movimento encontrava dificuldades para se ajustar à
nova conjuntura. Estava ameaçado de isolamento por não ser
representante de nenhuma das forças políticas emergentes e, iro-
nicamente, por ter sua imagem fortemente vinculada ao PCdoB.
A equipe planejou aproveitar o quinto aniversário do jornal, que se daria em
julho de 1980, para se renovar e ampliar sua base de sustentação política fa-
zendo uma forte mobilização de esforços. Para isso, ainda em 1979, a reunião
do Conselho de Direção autorizara Raimundo Pereira a manter contatos com
outros setores políticos e da imprensa alternativa em busca de um projeto de
um jornal unificado.
Paralelamente, a discussão interna sobre o futuro do jornal era iniciada com
o documento “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”1, para a prepara-
ção de reunião de 3 de setembro de 1979. Esse texto mostrava as oportunida-
des que a conjuntura oferecia, quando a ditadura recuava, mas buscando no
essencial manter seu regime político e econômico, e ressalvava que isso só
não aconteceria na medida da mobilização e participação popular consciente
rumo à ampliação da democratização. Avaliava que, apesar de seus avanços,
a imprensa popular precisava dar um salto qualitativo para melhor servir às
forças democráticas. Deixava entrever sua contrariedade com a dispersão de
esforços que começava a acontecer na imprensa alternativa. Dizia que, em-
bora fosse
estimulante e positivo o reaparecimento e a caracterização de jor-
nais de tendências e partidos, torna-se cada vez mais evidente
a necessidade e a oportunidade de um jornal que congregue es-
forços amplos e as correntes de opinião variadas que existem no
seio do movimento popular.
O texto lembrava que os semanários existentes tinham
enorme insuficiência de recursos humanos, financeiros e ma-
1 “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”, 3 de setembro de 1979, mimeo. Arquivo pessoal de
Flávio Carvalho.
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2 Equivalente a R$ 7,5 mil de 2011, cerca de 30% do salário médio na imprensa da época.
3 AP 285.06.02 – Fnd. Mov APSP.
4 AP 286.03.03 – Fnd. Mov APSP.
5 Texto de Raimundo Pereira, de 31 de janeiro de 1980, mimeo. Arquivo pessoal de Flávio Carvalho.
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Aqui o texto parecia admitir que, enquanto não acontecesse uma demo-
cratização radical do País, a imprensa independente estaria condenada ao
gueto das pequenas tiragens. A seguir, Raimundo afirmava que “a elevação
de nossas vendas (...) depende das lutas políticas gerais do país e do destino
das forças sociais e políticas da oposição a que estamos ligados; e da política
mais ou menos justa que temos seguido”. Essa afirmação parece contraditória
com essa outra afirmação:
Movimento teve suas vendas globais aumentadas em cerca de
50% imediatamente após o fim da censura prévia (...) em segui-
da, teve uma elevação brutal de suas vendas em bancas com a
cobertura das dissidências militares, das denúncias de corrupção
e das atividades da Frente Nacional de Redemocratização – fo-
mos de 10 mil exemplares em bancas para mais de 20 mil; depois
disso, mesmo com o crescimento do movimento grevista de 79
– as greves de SP, do ABC, de Minas e outros estados – as vendas
foram minguando até voltarmos, hoje, quase ao mesmo patamar
que atingimos com o fim da censura...7
E aí estava o centro da questão, o enigma que Movimento não decifrou. Afi-
nal, o movimento popular cresceria ainda mais em 1980 e nos anos seguin-
tes, e, no entanto, nesse período o jornal tornou-se inviável, teve de fechar
as portas. E mais: ao longo de 30 anos nenhum jornal de perfil semelhante
conseguiu sobreviver.
NEGOCIADOR INCANSÁVEL
Raimundo Pereira costuma contar uma passagem de sua adolescência que
parece reveladora de uma capacidade inesgotável de buscar soluções para si-
tuações complicadas. Na sua cidade de Pacaembu (SP), ele jogava num time
de futebol cujo técnico repentinamente converteu-se a uma seita evangélica
que via esse esporte como instrumento do diabo. Temendo a danação no in-
ferno, o técnico deixou de dirigir o time, não sem antes arrebanhar o jovem
Raimundo para a seita, o qual, influenciado, parou de jogar. Aconteceu que
um time de uma cidade mais importante, de Presidente Prudente, veio jogar
contra o time local. Raimundo queria muito jogar, mas temia o castigo infer-
nal. Quebrou a cabeça até chegar a uma solução “negociada”. Deixaria a seita
religiosa provisoriamente para participar do jogo. Se o castigo divino não se
abatesse sobre ele, em seguida poderia voltar à seita. Foi jogar futebol. Como
nada lhe aconteceu, ficou em dúvida sobre o poder daquela religião, e não
voltou a ela.
No final daquele texto de janeiro de 1980, Raimundo Pereira afirmava que
Movimento “é uma realização admirável que não se ampliará, nem mesmo se
manterá nos níveis atuais sem uma efetiva participação das inúmeras forças
que, de uma forma ou de outra, a ajudaram a efetivar-se”. Era um chamamen-
to àqueles setores que anteriormente haviam dado apoio ao jornal e haviam
7 Texto de Raimundo Pereira, mimeo, 31 de janeiro de 1980. Arquivo pessoal de Flávio Carvalho.
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E
m 1980, um novo obstáculo surgiu para dificultar o esforço de
recuperação de Movimento. Bancas de jornais estavam sendo
incendiadas ou ameaçadas. Em poucos dias, atentados ocorre-
ram em São Paulo, Londrina, Rio de Janeiro, Goiânia e Salva-
dor. Pânico entre os jornaleiros. Os terroristas deixavam men-
sagens acusando-os de fazerem “propaganda do comunismo” por vende-
rem jornais da imprensa alternativa; doze jornais chegaram a ser citados
na lista negra, Movimento entre eles. Uma banca atacada no Itaim Bibi,
em São Paulo, teve Cr$ 400 mil cruzeiros de prejuízos (R$ 83 mil de
2011). A arrendatária da banca havia recebido um bilhete com ameaças
e apresentou-o ao Deops, mas nenhuma providência foi tomada. Em se-
guida, a banca sofreu o atentado. Em consequência, muitos jornaleiros
da capital paulista deixaram de vender aqueles jornais. No Rio, em Belo
Horizonte e em outras cidades acontecia situação semelhante. Márcio
Bueno, diretor da sucursal carioca, conta que “apenas um jornaleiro se
disse disposto a continuar vendendo Movimento no Rio”. De acordo com
Álvaro Caropreso, em Campinas (SP) somente José Magalhães Teixeira,
que era radiologista e dono de uma revistaria, se dispôs a enfrentar o ter-
ror. Caropreso lembra:
Ele se colocou na frente da porta da revistaria e disse: “Eu vou
vender esses jornais aqui na minha revistaria e se quiserem jogar
bomba que joguem comigo aqui na frente”. E avisou a imprensa
local de que ia ficar na frente da revistaria esperando quem ia jo-
gar uma bomba lá. E continuou vendendo os jornais alternativos.1
Não havia como evitar a redução das vendas, diz Caropreso:
Mandaram bomba para a sede da OAB, carta-bomba, e então
as bancas passaram a ser o alvo. Houve queda das vendas e das
assinaturas também. Veja a situação do leitor. Claro, eu recebo
na minha casa, o carteiro que vai entregar o jornal, ele vê:
1 José Magalhães Teixeira, ex-PCB, MDB, PMDB, PSDB, viria a ser prefeito de Campinas por duas
vezes e deputado federal. Faleceu em 29 de fevereiro de 1996.
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4 Carta de Duarte Pereira, de 26 de janeiro de 1980, mimeo. Arquivo pessoal de Flávio de Carvalho.
5 Ata da reunião do Conselho de Direção, de 7 de fevereiro de 1981. Arquivo pessoal de Flávio de
Carvalho.
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CRISE GRAVE
Em 1º de março de 1981, três semanas depois da conturbada reunião do Con-
selho de Direção, o Departamento Financeiro avaliava
a extrema gravidade da situação econômico-financeira de Edi-
ção S/A, original e inusitada nesses quase 6 anos de operação,
que nos leva à adoção imediata (destaque no original) de uma
solução extremada, viável e realista para o impasse atual (...)
Da mesma forma, indicamos as soluções extremas, as únicas
viáveis, uma, relativa à continuidade da empresa, e outra indi-
cando o significado econômico-financeiro do seu fechamento.
Trechos do relatório:
Assim, o prejuízo contábil acumulado em janeiro-fevereiro
de 81 é de Cr$ 1.971.463,65 (ou R$ 257 mil de 2011). Mesmo
que descontássemos as quantias acima relativas a períodos an-
teriores, teríamos um prejuízo real em janeiro-fevereiro de 81
da ordem de Cr$ 944.334,00 (R$ 123 mil de 2011), o que revela
9 Entrevista de Duarte Pereira em 5 de julho de 2010.
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C
omo se comportou o jornal nos meses seguintes? Do ponto de
vista editorial, procurou-se tornar a pauta mais variada, deu-se
grande cobertura ao movimento de mulheres, a matérias espe-
ciais sobre os trabalhadores rurais e camponeses. Semanalmen-
te, passaram a ser publicados cadernos intitulados “Movimento
Popular”, com matérias sobre o movimento sindical, como a cobertura da 1ª
Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras, Conclat. Mas havia grande
distância entre as disposições subjetivas e o resultado concreto.
No fundamental, o jornal permaneceu muito semelhante ao seu padrão
tradicional, paginação e matérias que pareciam uma cansativa repetição,
já não mantinham o interesse de seus leitores costumeiros e também não
atraíam os novos. Além disso, o jornal estava mais indefinido politica-
mente, oscilando em suas matérias e opiniões. E, nas últimas edições,
também ficou mais empobrecido quanto à pauta e acabamento do texto. A
fórmula parecia esgotada.
Entretanto, por um instante, restaurou-se alguma esperança, no plano fi-
nanceiro houve uma grande vitória. A campanha pela arrecadação de Cr$
6 milhões para pagar as dívidas foi bem-sucedida, demonstrando o prestí-
gio de que o jornal ainda gozava nos meios democráticos e progressistas.
Chegou-se aos Cr$ 6 milhões, mas a dívida continuava se ampliando a
cada dia na medida em que as despesas se mantinham, a inflação dispara-
va e as vendas não reagiam, iam até se reduzindo ainda mais.
Logo após o sexto aniversário do jornal, em agosto de 1981, Raimundo
Pereira escrevia o artigo “Dinheiro não é o problema nº 1”, que dizia:
a superação da crise financeira não significou a superação das
outras dificuldades: o apoio político ao jornal é pequeno – as
correntes nacionalistas e liberais o consideram muito à esquer-
da e correntes populares o têm acusado até de contra-revolu-
cionário.
Avaliava, além disso, que o jornal não tinha e podia não conseguir ter
quadros jornalísticos e experiência para, em curto prazo, aumentar suas
vendas e promover a recuperação necessária para sua consolidação.
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E continuava:
Assim, não conseguimos pagar grande parte do passivo ava-
liado em 30/05/81 tendo o mesmo se agravado em decorrência
do prejuízo apresentado no período e do agravamento da cor-
reção monetária sobre os débitos fiscais. Cabe uma intervenção
imediata no sentido de, a qualquer instante, a empresa implo-
dir ou pararmos de imprimir o jornal bruscamente.3
O relatório, como sempre, muito detalhado, apresentava planos para a
cobertura da dívida que iria restar após o fechamento do jornal, algo em
torno de Cr$ 10 milhões (R$ 778 mil em 2011). Pagamento que seria feito
escalonadamente em 1982 e 1983. Movimento saiu de cena tendo pago, ao
final, todas as dívidas.
Tonico Ferreira conta que, em 1981, recém-contratado pela TV Globo,
foi abrir conta no Bradesco para receber o salário. O gerente disse que não
podia dar-lhe cheque especial porque havia, nos dez cartórios da capital,
49 títulos protestados contra ele. Movimento havia acabado de fechar, não
deixara dívidas trabalhistas, mas muitas com fornecedores de papel, tinta,
transporte etc. Tempos depois, Tonico se encontrou com Sergio Motta,
que o tranquilizou: “aquilo lá, tá tudo resolvido, tudo pago”.4
A ÚLTIMA EDIÇÃO
O jornal Movimento está fechado. No ar, uns restos nervosos
de palmas misturam-se ao choro impossível de disfarçar. A ba-
rulhenta sala de aula do (cursinho) Politécnico, onde os dele-
gados à Convenção de Movimento estão reunidos há dois dias,
ficou de repente em silêncio. São quase dez horas da noite. O
domingo fora um dia muito difícil.
Dessa forma, com um texto emotivo, começava a matéria “A última Con-
venção”, da derradeira edição, a de nº 334 do jornal Movimento, que foi a
público na segunda-feira, 23 de novembro de 1981. A convenção extraordi-
nária realizou-se em 14 e 15 de novembro, num clima de inconformidade e
emoção. Ao final, ao votar pelo fechamento, ninguém conseguiria conter as
lágrimas. Márcio Bueno, que era chefe da sucursal do Rio de Janeiro, relem-
bra vivamente: “chorei como uma criança. Movimento era minha vida”.5 E
Álvaro Caropreso: “a maior porrada que eu levei na vida foi o fechamento do
jornal Movimento. Você se sente uma barata, dá uma sensação de humilha-
ção, os caras conseguiram fechar o jornal, pô, os caras derrotaram a gente!”
A edição nº 334 tinha 24 páginas. Na seção de Opinião trazia um artigo
não assinado, de duas páginas, letras grandes, com o título: “Movimento
morreu. Viva Movimento!”. O texto tinha dois destaques. O primeiro mos-
trava o desejo de continuidade:
3 ISM – Arq. Movimento, Caixa 3, Envelope 07_01_03. Relatório do departamento financeiro em 12
de novembro de 1981.
4 Entrevista de Antonio Carlos (Tonico) Ferreira em 22 de outubro de 2009.
5 Entrevista de Marcio Bueno em 25 de fevereiro de 2010.
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D
uas páginas da última edição de Movimento foram reserva-
das a manifestações de membros do Conselho Editorial, que,
por sinal, no último ano havia sido ampliado, contando então
com 32 membros. A seguir, algumas delas:
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A independência e
a morte de um jornal
democrático
Por Crispiniano Neto
Casa do Cantador do Oeste Potiguar
Mossoró – RN
(Trechos)
A 23 de novembro
Deste 81 corrente
Vi o Brasil boquiaberto
Como alguém que – de repente
Pensando em ter o perdão
Recebe a condenação
De um crime que é inocente
(...)
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(...)
314
Na morte de Movimento
Seu crânio diz: eu me movo
Movimentando os espaços
Buscando um espaço novo
Pra se mover com virtude
Noutro jornal que ajude
Aos movimentos do povo
No tombo de Movimento
Carece que todos tracem
Novos caminhos qual Hidra
Que se as cabeças tombassem
Em vez de exterminada
Duma cabeça cortada
Mais sete hidras renascem.
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O
jornal “Movimento” prestou relevantes serviços à
oposição brasileira. Na imprensa legal, foi quem pri-
meiro levantou a tese de convocação de uma Assem-
bléia Nacional Constituinte livre e soberana – e quem
mais fez campanha por ela, mesmo quando o governo
a considerava propaganda dos comunistas.
Na campanha por uma anistia ampla, geral e irrestrita, foi quem
primeiro desafiou e driblou a censura, editando um caderno de his-
tória e depoimentos a respeito desse tema.
Em relação à divida externa, acompanhou todos os passos de seu
agravamento, tem capas e artigos especiais sobre todos os lamentá-
veis recordes que a dívida bateu; e fez isso mesmo quando setores
da oposição ao regime militar aceitavam a tese governista de que a
dívida era um problema dos credores, não brasileiro.
Para a oposição, foi quem restabeleceu de forma prática o hábito do
debate franco e documentado sobre as questões em aberto; tornou tal
hábito uma questão de princípio, um ponto de seu programa editorial,
mesmo sob fogo de forte contestação de setores oposicionistas.
Hoje, “Movimento” está fechado. Amanhã, às 20 horas, no Sindi-
cato dos Jornalistas, em São Paulo, uma assembléia geral de seus
acionistas e colaboradores muito provavelmente endossará a tese
do fechamento aprovada pela Convenção Nacional dos funcioná-
rios do jornal no último dia 15. Mas, entrando para a história da
imprensa política brasileira, o que restará do seu projeto?
A importância de “Movimento” para o futuro da oposição demo-
crática e popular dependerá das conclusões práticas que tirarmos a
respeito de seu passado. E é por esse motivo que o debate sobre as
causas do fechamento do jornal tem importância decisiva.
No curto espaço deste artigo, procurarei adiantar alguns argumentos
para responder a duas avaliações públicas do fim de “Movimento”:
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Anexo 2:
Equipe e folha de pagamento em 1975
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Anexo 3:
Lista de acionistas em 1976
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ÍNDICE
ONOMÁSTICO
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F 25, 27, 28, 29, 31, 46, 69, 71, 93, 117
Fabiano, Nelson – 94 Gatto, Marcelo – 94
Faerman, Marcos – 284 Gauditano, Rosa – 223
Falcão, Armando – 11, 79, 81, 207 Gê, Luiz – 55
Fantini, Flaminio – 42, 113 Geisel, Ernesto – 5, 7, 10, 12, 13, 20, 22, 24, 64, 68,
Faoro, Raymundo – 182, 191, 193, 263 71, 72, 73, 75, 80, 85, 92, 118, 133, 134, 159, 172,
Faria, Paulo César Batista de – cf. Viola, Paulinho 173, 181, 185, 186, 190, 198, 201, 205, 206, 207, 209,
da 211, 229, 250, 261, 314
Fazitto, Vilma – 165 Genoino, José – 247, 248, 249, 250
Fedalto, Pedro – 49, 50 Genro Filho, Adelmo – 52
Felismino, José Antonio Tadeu – 51 Genro, Tarso – 52, 274
Fernandes, Florestan – 110, 182 Gilberto, João – 197
Fernandes, Hélio – 71 Glauco – 55, 62
Fernandes, Jurandir – 45 Godinho, Renato – 165
Ferreira, Antonio Carlos – 12, 13, 18, 24, 27, 28, Gomes, Frederico Magalhães – 27
30, 31, 32, 50, 56, 57, 63, 76, 79, 80, 82, 83, 89, 91, Gomes, Luis Marcos Magalhães – cf. Gomes,
92, 96, 100, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 110, 113, Marcos
118, 119, 128, 129, 130, 134, 135, 152, 163, 167, Gomes, Marcos – 23, 24, 25, 27, 29, 30, 31, 32, 40,
172, 176, 178, 183, 184, 190, 200, 201, 207, 208, 41, 42, 87, 89, 92, 100, 106, 113, 127, 129, 130,
209, 210, 220, 230, 245, 246, 250, 278, 289, 290, 138, 152, 163, 183, 213, 215, 216, 219, 235, 246,
298, 303 248, 250, 288, 295
Ferreira, Argemiro – 25 Gomes, Maria Stella Magalhães – 92
Ferreira, Tonico – cf. Ferreira, Antonio Carlos Gomes, Paulo Emilio Sales – 69
FHC – cf. Cardoso, Fernando Henrique Gomes, Severo – 106, 145, 146, 198, 205
Fiel Filho, Manoel – 94, 262 Gonzaga, Luiz – cf. Gonzaguinha
Figueiredo, João – cf. Figueiredo, João Baptista Gonzaguinha – 176
Figueiredo, João Baptista – 190, 198, 205, 264 Gorender, Jacob – 288, 308
Figueiredo, Maria de Fátima Palha de – cf. Belém, Goulart, João – 69, 106, 123, 189, 276
Fafá Grael, Dickson – 200, 201
Fonseca, Mario – 193 Grecchi, Moacir – 35, 170
Fonteles, Paulo – 47 Greenhalgh, Luiz Eduardo – 79, 81, 83, 84, 119,
Fontoura, Carlos Alberto – 133 133, 194, 207, 210, 248
Forster, André – 101, 103 Grilo, Rubem – 7, 55, 56, 60, 86, 144, 166
França, Elisabete – 165 Guéhenno, Jean – 121
Francis, Paulo – 69, 85 Guia, João Batista dos Mares – 42, 113, 127, 141,
Freire, Marcos – 126, 182, 199 147, 148, 152, 153, 183, 284
Freire, Maria das Dores – 42 Guido, Antonio – 88, 91
Freitas, Jânio de – 69 Guimarães Neto, José Genoino – cf. Genoino,
Freitas, Sueli – 37, 47, 170 José
Frota, Sylvio – 185, 198 Guimarães, Ulysses – 82, 265, 266
Fujiwara, Celio – 122 Gusmão, Sérgio Buarque de – 6, 11, 12, 13, 32, 50,
Fujiwara, Sérgio – 171, 172, 173 61, 75, 76, 81, 83, 100, 101, 104, 105, 107, 109,
Furtado, Alencar – 40, 48, 82, 101, 134, 183, 190 100, 113, 145, 151, 152, 155, 156, 159, 163, 183,
Furtado, Lia – 341 223, 225, 226, 227
Fuser, Igor – 191 Gutemberg, Luiz – 72
G H
Gabeira, Fernando – 165 HAF – cf. Filho, Hamilton Almeida
Gajardoni, Almir – 72 Harazin, Dorrit – 18
Gaspari, Elio – 72, 73, 85, 185 Harz, Barbara – 38
Gasparian, Fernando – 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, Henfil – 11, 62, 70
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U
Ueki, Shigeaki – 79
V
Vacarezza, Candido – 46,
Vaillati Filho, Henrique – 208
Vale, Marco Antonio – 42
Vandré, Geraldo – 221, 241
Vannucchi, Paulo – 278
Vargas, Getulio – 69, 106
Vargas, Ivete – 337
Vasconcellos, Jarbas – 83
Vasconcelos, Ilton – 166
Vasconcelos, Jane – 166
Vasconcelos, Jarbas – 181, 182, 183, 267
Vasqs – 62
Vasques, Edgar – cf. Vasqs
Veiga, Hecilda – 47
Veiga, Juracilda – 49
Veloso, Caetano – 22, 67, 165
Viana Filho, Luis – 14
Viana, Maria Leonor – 162, 163, 217
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