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20 Junho 2017
Composta por mais de 200 obras (de Marcel Duchamp, Man Ray, Tina Modotti e
Henri Cartier-Bresson, entre outros, além dos locais Abraham Regino Vigo,
Adriana Lestido, León Ferrari e Eduardo Longoni), Sublevações – que já foi
exposto em Paris e Barcelona – provavelmente se transformará em um dos
fenômenos culturais do ano no país.
Eis a entrevista.
Como concebe a questão das sublevações e como esta exposição foi pensada a
partir desse tópico?
Quais foram as questões que fizeram com que esse caminho fosse aceito na
exposição? Trata-se de iconografias das lutas populares que para você são
significativas?
O que significa, para você, refletir sobre a dimensão política das imagens?
Sua proposta como historiador da arte e filósofo das imagens baseia-se na ideia
de que não há fontes originárias na história, nem causas e consequências
lineares entre os acontecimentos. Seguindo o legado de Walter Benjamin, de
alguma maneira o que você propõe é ultrapassar o que seria um tempo
pacificado da narração ordenada, para o que propõe as noções de montagem e
anacronismo. Como funcionam estas questões entre as obras que compõem
Sublevações?
A princípio, funcionam por meio dos gestos. O fato de que quando se está alienado
e se protesta contra essa alienação, o protesto toma uma forma corporal: é o braço
que se levanta, o corpo que se movimenta, a boca que se abre, entre palavras e
cantos, tudo isso é corporal. O corpo humano é a coisa mais antiga que possuímos,
o corpo humano é mais antigo que um fóssil, que uma obra de arte grega; o corpo
humano é muito antigo, é nossa antiguidade. Tudo isso é anacrônico. Quando um
jovem do Maio de 68 se movimenta e pode se movimentar como Dionísio, é
anacrônico.
Estas quatro fotos fazem parte da exposição, mas se olharmos o que representam,
podemos nos perguntar: “por que elas estão nesta exposição?” À esquerda há um
grupo de mulheres que vão à câmara de gás para serem executadas, e na imagem
da direita há cadáveres que são queimados... Onde está a sublevação? Aí a resposta
é que não devemos ver nas imagens apenas o que elas representam. As imagens
não são apenas coisas para representar; elas mesmas são coisas que estão no
extremo de nossos corpos.
Quando estou com a minha máquina fotográfica e tiro uma foto (enquanto diz isso
tira uma foto da jornalista), pronto, já fiz uma foto sua, está no extremo do meu
corpo. Uma imagem é um gesto, e o gesto de fotografar essas pobres mulheres e
esses pobres cadáveres, o próprio gesto de fotografá-los, ao mesmo tempo em que
quem tira a foto sabia que iria morrer desse mesmo jeito, isso é um gesto de
sublevação. E qual é o resultado? O resultado é que nós podemos vê-lo hoje. O que
era terrível era que tudo isso era invisível para o mundo inteiro. Nós, graças a esse
homem que morreu, evidentemente, temos acesso a esta verdade histórica.
Sim, testemunho e também esperança. Não esperança para ele, o fotógrafo, que
sabe perfeitamente que vai morrer, esperança para o futuro. Por isso, penso que o
gesto de sublevação vai sempre para o futuro, mas sempre também é uma questão
de memória. É o tema mais importante, é a relação entre o desejo, que vaio para o
futuro, e a memória.
Há um filósofo de que gosto muito, que se chama Gilles Deleuze, e ele disse uma
coisa que adoro: não vivemos numa civilização da imagem – isso não é verdade –,
vivemos numa civilização dos clichês. E nosso trabalho é olhar imagens ou criar
imagens que desconstruam os clichês. Por isso, interessa-me colocar em relação as
imagens entre si através de um recurso constante à ideia da montagem. O
importante é colocar em relação as imagens, porque elas não falam de forma
isolada.
Com montagem. Por exemplo, na linguagem temos um clichê com a imagem “povo”.
Na França, Marine Le Pen utiliza o termo “povo”. Nesse caso, eu tenho que renunciar
à palavra “povo”? Não, eu vou fazer outra montagem, diferente daquela que faz
Marine Le Pen, e o mesmo acontece com as imagens.
Sim, sim, temos que trabalhar para além da pura visão. Temos que trabalhar além
da simples informação imediata que pode chegar ao clichê. Porque olhamos
também com palavras, e, às vezes, olhamos muito mal. Precisamos tomar o tempo
para ver um pouquinho melhor.
Sim, a pedagogia das pessoas que fizeram perguntas não consensuais sobre as
imagens, mas não há muita gente que faça isso. Há uma desproporção completa
entre a importância que se dá às imagens na vida cotidiana, na política, no
marketing, etc., e a ausência de reflexão sobre as imagens. Considera-se que
aqueles que refletem sobre as imagens são muito complicados, mas isso não é
verdade; não são mais complicados do que aqueles que trabalham na Bolsa (ri).
Que tipo de contribuição para a construção histórica você acha que este tipo de
conhecimento pela imagem é capaz de dar?
O filósofo sublevado
É autor de cerca de 50 livros e ensaios nos quais combina filosofia e história da arte,
como L’oeil de l’histoire (O olho da história), composto por cinco volumes
publicados entre 2009 e 2015. Foi curador, entre outras, da exposição Atlas, como
carregar o mundo nas costas? (inspirada no historiador da arte Aby Warburg),
produzida pelo Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia de Madri, e
co-curador da exposição Nouvelles Histoires de Fantômes no Palais de Tokyo de
Paris em fevereiro de 2014 com o fotógrafo Arno Gisinger.
No Brasil, entre outros, foram editados os seus seguintes livros: O que vemos, o
que nos olha (São Paulo: Editora 34, 1998); A sobrevivência dos vaga-lumes (Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2011); Diante da imagem (São Paulo: Editora 34, 2014);
A pintura encarnada (São Paulo: Editora 34, 2014); Diante do tempo. História da
arte e anacronismo das imagens (Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015); Quando
as imagens tomam posição. O olho da história, I (Belo Horizonte: Editora UFMG,
2015); Que emoção! Que emoção! (São Paulo: Editora 34, 2016).
Sublevações foi exposta pela primeira vez no final do ano passado em Paris e
depois chegou a Barcelona, antes de desembarcar em Buenos Aires. Depois
continuará seu périplo por São Paulo, México DF e Montreal. Pelo fato de este
projeto ser reeditado em cada lugar por onde passa, Didi-Huberman integrou nesta
exposição obras de artistas locais como Eduardo Longoni, Abraham Regino Vigo,
Adriana Lestido e León Ferrari.
Link:
http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/568830-as-imagens-nao-sao-apenas-coisas-
para-representar-entrevista-com-georges-didi-huberman