Você está na página 1de 4

Avô Fogo- Final

Foram os últimos dias de jornada e eu me senti retornando para o começo. A ansiedade


apareceu forte e me trouxe a agonia, sabia que não era apenas um sintoma meu. Também era
o Avô Fogo me provocando ao movimento, à ação... Fui pra Terra, fui pro corpo, fui pra mim.
Estive pré-menstrual na lua crescente. Descobri que é um tempo ótimo para limpar canteiros,
capinar, usar meu facão. A Terra acolhe minha violência e transforma em beleza. Eu já escrevi
essa mesma frase em um relatório antes, mas como fazer com essa dificuldade de lembrar
esses ensinamentos?

Vou sentindo que preciso revisitar todos os ensinamentos de vez em quando até que eles
cristalizem dentro do meu ser. É uma reeducação constante. A Natureza me revela em níveis
tão profundos a experiência do amor, e me vejo ainda tão conectada com a forma humana de
viver a vida, limitada e aprovável. Sempre me descrevem como independente e guerreira, mas
na real ainda há algo que coloniza meu coração, e eu não sei bem o que é. Peço a Terra mais
uma vez que me guie no caminho da paciência e perseverança em desatar esse nó de mim
para que eu perceba o amor em todo potencial de liberdade que ele se manifesta.

XamAM – E agora vem a despedida. Como um ciclo que se encerra em vida, agora você pode
rever todas as suas posturas, dificuldades e seus saltos. A ansiedade. Buscar o que? Muitas
vezes ou na maioria das vezes, o olhar no horizonte apaga o momento presente. Por isso
esquecemos o que vivemos e o que aprendemos. A presença é a própria memória viva.

Ayahuasca

Quis trazer um pouco da minha experiência do rito de agosto pois senti que algo muito
poderoso foi mudado, embora ainda não tenha entendido com a mente. Fui aos Ancestrais e
orei pela mudança de DNA que eu clamei, chamando a consciência plena da abundância da
Terra em meu corpo. Na dança a Ayahuasca me disse: eu sou sua medicina de Sabedoria, o
Wachuma é sua medicina de Poder. Ambos têm a energia de um dos meus animais (a
serpente). Após o segundo serviço, meu corpo começou a se tremer muito de frio e eu sentia
que tinha algo para liberar (mesmo após muito cocô). Minha mente insana me dizendo para
fazer mil coisas... Templo do Ar, Terra, ajoelha, vomita... me vi uma ditadora de mim (como a
XamAM disse na devolutiva do 1º relatório do Fogo). Parei um segundo e olhei pro céu.
Respirei e disse em voz alta: Quero desapegar desse sistema! Depois disso fui encaminhada ao
banheiro e no meio do caminho mais ensinamentos sobre obsessão, ansiedade, doenças
emocionais que se relacionam intimamente com nossa forma humana de viver a vida e os
sintomas atuais da Pachamama. Meu corpo fez a limpeza e cada vômito era uma sensação de
“quebra” dentro de mim. Me veio muitas lembranças de quando éramos nômades, em
harmonia com a Terra e também mais alheios às intempéries e sujeitos a morte. Morte como
algo cotidiano do equilíbrio do próprio bem-estar da Terra. Ainda não decodifiquei muito bem
essas quebras.

XamAM – Aya e seus grandes ensinamentos...a conhecida ansiedade do sistema que você
criou. Veja Elaine, você ansiosa ou não a vida continua. Então porque a escolha do caminho
ansioso? Porque não escolher o caminho da Paciência como certeza do encontro? Você é
doula, sabe que o Tempo é soberano. Você precisa aprender a se submeter (eita palavrinha
complicada pra você, hein?) ao deus Tempo, Ele é rei. E Aya, ali, firme, te limpando, te
curando...nomades por não terem opção de conhecimento de tempo, de terra...quando
obtiveram o conhecimento se fizeram raiz. Como as árvores. Com raiz (sem sair do lugar), mas
levando sementes ao mundo e fortalecendo redes intra mundos. Veja, você já faz isto. Viaja,
sai, anda, caminha, doula...

Sexualidade e Genitalidade

Eu vejo vaginas (xotas, josefinas, bucetas, etc) o tempo todo. De todas as formas, cores,
odores, penteados, rs. Eu vejo a ponta do ciclo reprodutivo. Às vezes eu fico mais e às vezes eu
fico menos suscetível a energia sexual do parto, lembrando sempre do que estou fazendo ali e
pedindo a guiança que me conduza no meu ofício e não me desvie.

Me questionei sobre heterossexualidade várias vezes, e me vem sempre a noção de que na


verdade esse é um regimento social e um ditame da energia de reprodução da espécie. Sinto
meu corpo deliciante com o preenchimento do pênis (pau, rola, bilola, adoro...), sinto o prazer
e reverência ao falo, em especial ao falo que me acompanha há 10 anos e presenteou meu
útero com suas lindas sementes, mas observo com mais frequência o tesão se aflorando
também pelas mulheres. Na verdade, fui me lembrando de várias mulheres pelas quais já senti
tesão, e vi que não é de hoje que meu corpo reage a elas. Nunca me permiti estar com uma
mulher pelo tal regimento social, mas isso também tem mudado, mas devagar e calmo como
uma Filha da Terra que sou. A primeira experiência com uma mulher foi junto com Anum, e eu
não me senti nada a vontade, então na verdade nem sei como é realmente sentir prazer sexual
com um ser do mesmo gênero. Assim como a heterossexualidade dita, eu percebo na
homossexualidade uma certa rigidez do lado oposto, também como um lugar de afirmação da
identidade tão oprimida, mas que limita muito as gays de verem a felicidade em casais de pau
e buceta, ou trisais, ou tudo que abarca a diversidade humana. Os seres trans são a
manifestação da diversidade natural da Pachamama. Tudo que existe é permissão dela
mesma, então trocar o sexo biológico é também manifestação da Natureza. Já tive mais
estranhamento, mas hoje, convivendo com seres trans, minha alma já relaxa. Tive um diálogo
interessante com Mindus uns bons meses atrás sobre como ele recebe a Lua dele, e clareou
muita coisa pra mim.

Quando um click de tesão bate em mim é que eu fico imaginando os órgãos sexuais da pessoa
e vou além: imagino uma bela trepada que me enche de tesão e vigor. Chego até a pensar que
deveria usufruir mais dessa energia tão pulsante em mim, mas eu sou muito estabanada e não
sei se seria cuidadosa o suficiente com Anum (nem comigo) caso isso acontecesse. Apesar de
todo processo que vivemos, com meu reclame em abrir a relação e expandir o campo da
sexualidade, eu ainda sinto que preciso refinar mais esse desejo, num tempo não muito grande
para evitar que esse vulcão venha explodir de qualquer forma nem que a furta madura
apodreça. Só quero que flua

Quando me masturbo, penso em nada. No começo fico um pouco impaciente, mas quando
vou sentindo a delícia aparecer, eu me entrego. Até pouco tempo atrás eu tinha insegurança
em me masturbar, diferente de quando eu me jogava nas experiências com a chuva no alto da
minha adolescência. Na Chapada, quando eu estava num lugar bem deserto, eu senti um
desejo forte de namorar com o rio. Fiquei um pouco tensa em ser vista, e fui subindo o rio
mais e mais, mas realmente não havia motivo para nada, era um lugar isolado e eu estava
sozinha. Me sentia como uma delinquente fazendo algo muito errado... não conseguia relaxar.
Achei um lugar bem bem discreto e me entreguei ao rio. Foi uma experiência interessante,
pelo menos a tentativa de rememorar meus prazeres com a Avó Agua.
XamAM – Tema extremamente provocativo, onde o arredondamento do mesmo vem com o
despertar interior. Sim, compreendo sua fase de binarismo e se você quer arriscar...mas
lembre, os problemas serão os mesmos, por amor não fantasie relações homo afetivas como se
pudessem resolver todas as suas questões.

E outra coisa, o que te provoca a buscar essas relações? Insatisfação na cama? Mudança da
comida diária? Curiosidade? por que dependendo de sua resposta você vai ver se vale a pena
ou não, com quem, como, etc.

Outra coisa do encontro sexual com os elementos é algo muito profundo.

Permitir que a Mãe Terra com seus vegetais mostrem o verdadeiro prazer, que a Avó Água
ensine o gozo acariciando nossa xoxota, que o Avô Ar sopre o bendito sopro dentro do canal
vaginal, limpando levando sons de cura, e eu o Avio fogo nos presentei com suas línguas em
formas de labaredas...tudo isso faz parte de um processo de profunda descoberta, afinal
somos Eles/as.

E aos poucos aprendendo a lidar com essa energia quase indomável. Um dos maiores
aprendizados nessa vida.

Cabana

Minha última cabana do Elemento Fogo foi memorável. Minha intenção foi agradecer por todo
o ciclo de iniciação e sentir toda a potência do Avô Fogo consagrando ela no pico do Pai Sol, ao
meio dia. Fiquei preparando a cabana em profunda reverência àquele Espirito encarnado nas
biribas, no buraco do chão. Cheguei a chorar de emoção por relembrar toda nossa jornada
pelos 4 Elementos, e nesse momento, uma pequena aranha (aquela de pernas finas e enormes
e a cabeça um único pontinho vermelho) subiu em mim. Lembrei de quando uma
caranguejeira me mostrou o local exato da cabana, há mais de um ano atrás. A avó Aranha
ficou passeando em mim, e eu num misto de reverencia e agonia fui deixando... ela pousou
bem na minha vulva e lá ficou. Meu sentimento virou alegria, pois senti a benção da Avó
Aranha encarnada nesse estado de gratidão profunda. Fui lembrando de uma jornada de tanta
ignorância, até esse estado de reconhecimento devoto.

Durante a consagração da Cabana, no Sol do meio dia eu não podia ver as brasas, não podia
ver a cor das pedras, mas pude ver um escorpião grande saindo da fogueira e subindo no meu
pé. Depois de refletir um pouco, eu decidi matar o escorpião, mas no final a pá como uma
espada apenas cortou a peçonha (a ponta do rabo dele). Estou até hoje refletindo sobre o
simbolismo disso. Escorpião é o animal que mais mexe com meu imaginário de medo hoje em
dia. Ao entrar, a cabana estava escaldante. 12 pedras e muito quentes. Pedi pra cabana
derreter e transmutar os medos que não me servem. Dessa vez eu senti novamente a tosse
voltar. Na cabana, folhas de gengibre e alfavaca perfumavam o espaço doando seu frescor, e
eu pude sentir eles bem presentes após a limpeza que fiz com a tosse. Refleti um pouco como
seria levar uma cabana junto com um grupo em meio a um acesso de tosse! Com a quentura
escaldante, meu corpo só pedia o frescor da Terra. Ouvi ela me falando: “O Fogo desafia, a
Terra acolhe, o Fogo acolhe, a Terra desafia, equilíbrio. ” Meu pé estava machucado com as
brasas que pisei e não tinha visto pela luz intensa do Sol, e foi a Terra quem me ajudou a
suportar o quente na queimadura. Toquei na cegueira da luz, num lugar onde eu deixo de
enxergar outras pequenas luzes porque uma luz maior domina. Mexeu muito comigo essa
cabana no Sol do meio dia, encerrando o ciclo com bênçãos e provocações.
XamAM - Eita que a Avó Aranha caprichou hein? E você, aonde estava? Em que espaço/tempo
você estava habitando? O mundo lhe pedindo presença e você tão ausente! Precisava
escorpião, queimadura, tosse pra que você pudesse estar ali, inteira. Será que você decodificou
mesmo essa lição? A falta da presença onde te leva e como ela te cega do momento e vive ou
tenta viver um futuro imaginário? Atenção...tudo relacionado com os temas que você aborda,
incluindo a sexualidade. Tira as lentes do futuro e coloca as lentes do presente. Libera a
competição e o desafio permanente. Humildade continua sendo uma grande meta. Limites
existem (Avó Aranha te mostrou bem claramente).

Paz e bem

Você também pode gostar