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a Matemáti
a I
Jorge L. deLyra
1
∇2 u = 0,
∇2 v = 0.
Isto estabele
e uma relação surpreendente
om a eletrostáti
a em duas dimensões, na au-
sên
ia de
argas livres. Basta es
rever uma função analíti
a qualquer para obter sem maior
esforço duas soluções da equação da eletrostáti
a, ou seja, dois possíveis poten
iais elétri
os
em duas dimensões. Como temos vários métodos para gerar funções analíti
as a partir de
funções reais, ou de outras funções analíti
as, temos aqui uma verdadeira fábri
a de soluções
de problemas em eletrostáti
a bidimensional.
Temos aqui uma situação inusitada, pois podemos gerar fa
ilmente um grande
onjunto
de soluções que
am assim à pro
ura de seus problemas! Muitas vezes,
om um pou
o
de arte, podemos
onseguir adivinhar uma função w(z)
ujo u satisfaça a
ondições de
ontorno apropriadas sobre determinadas
urvas no espaço bidimensional, que
orrespondem
a superfí
ies apropriadas no espaço tridimensional, e portanto a
har desta forma a solução
de um problema de eletrostáti
a bidimensional.
Por exemplo, e neste
aso um exemplo muito simples,
onsidere a função φ(z) = c − iαz ,
onde z = x + ıy , c = a + ıb é uma
onstante
omplexa qualquer, e α é uma
onstante real
qualquer. Como se trata de uma
ombinação linear de potên
ias
omplexas, que são funções
analíti
as, temos aqui uma função analíti
a. As partes real e imaginária desta função são
dadas por
φ(z) = u(x, y) + ıv(x, y) ⇒
u(x, y) = a + αy,
v(x, y) = b − αx,
que são funções lineares de y e x, podendo portanto ser interpretadas
omo poten
iais
elétri
os em uma região do espaço onde o
ampo elétri
o seja uniforme. Usando u
omo
exemplo, ele poderia ser o poten
ial elétri
o entre duas pla
as metáli
as planas e innitas,
denidas para
ada valor de y por determinadas
onstantes para todo valor de x, ou seja,
o poten
ial dentro de um
apa
itor plano innito. Neste
aso estamos ignorando a direção
z de um espaço tridimensional, o que pode ser feito em
asos
omo este, onde haja uma
simetria
ompleta de translação na direção z , de forma que nenhuma quantidade dependa
de z , efetivamente reduzindo o problema físi
o tridimensional a um problema bidimensional.
Y y
D/2 π
0 X 0 x
−D/2 −π
2
pla
as nas posições que
orrespondem a y = ±π , de forma que temos a disposição de ele-
mentos físi
os e
orrespondentes variáveis adimensionais mostrada na Figura 1. Segue que
as relações entre as variáveis são as seguintes,
x X
=
π D/2
2X
= ,
D
y Y
=
π D/2
2Y
= ,
D
de forma que podemos es
rever nosso poten
ial
omplexo
omo
φ(z) = c − iαz
= (a + αy) + ı(b − αx)
2παY 2παX
= a+ +ı b− .
D D
Naturalmente, o próprio poten
ial também deve ter as dimensões apropriadas em um pro-
blema físi
o, o que signi
a que na práti
a devemos trabalhar
om um poten
ial Φ = Bφ,
onde B é alguma
onstante
om dimensões de Volts,
2παY 2παX
Φ(z) = B a + + ıB b − .
D D
Colo
ando
ondições de
ontorno denidas, ou seja, voltagens denidas nas duas pla
as do
apa
itor, determinamos as
onstantes a e α. Assumindo que o poten
ial seja B/2 na pla
a
superior, e −B/2 na pla
a inferior, de forma que a voltagem no
apa
itor seja B , é fá
il
ver que devemos ter a = 0 e α = 1/(2π) para que a parte real de Φ represente o poten
ial
elétri
o. A
onstante b permane
e indenida, e vamos simplesmente es
olhê-la
omo zero,
resultando portanto para a função
omplexa φ
uja parte real representa o poten
ial,
Φ(z) = Bφ(z)
1 1
= B y−ı x
2π 2π
1 1
= B Y −ı X .
D D
Outro fato interessante que podemos mostrar sobre o
omportamento de u e v está rela-
ionado
om os gradientes destas funções de duas variáveis ou, de forma mais pre
isa, às
linhas de
ampo ou
urvas integrais dos
ampos vetoriais bidimensionais formados por estes
gradientes. Os gradientes são os
ampos vetoriais dados por
~ ∂u ∂u
∇u = , ,
∂x ∂y
~ ∂v ∂v
∇v = , .
∂x ∂y
Usando as relações de Cau
hy-Riemann podemos es
rever o gradiente de v em termos de u,
obtendo
3
~ = ∂u ∂u
∇v − , .
∂y ∂x
A tro
a das duas
omponentes e do sinal trai o fato de que trata-se aqui de uma rotação
de π/2, ou seja, que os dois gradientes são ortogonais um ao outro,
omo se pode veri
ar
diretamente,
~ · ∇v
~ ∂u ∂u ∂u ∂u
∇u = − +
∂x ∂y ∂y ∂x
= 0.
Segue que os dois gradientes são perpendi
ulares um ao outro, não apenas em algum ponto
parti
ular, mas em todos os pontos do plano
omplexo C onde a função for analíti
a. Como
as
urvas integrais de um
ampo vetorial são tangentes ao vetor do
ampo em todos os seus
pontos, segue que as
urvas integrais de u e de v se interse
tam em ângulos retos em todos
os pontos do plano
omplexo.
Dessa forma, se u for interpretado
omo um poten
ial elétri
o, de forma que −∇u ~
é propor
ional a um
ampo elétri
o, então as
urvas integrais de v representam
urvas
equipoten
iais, que
orrespondem a superfí
ies equipoten
iais no espaço tridimensional. Isso
~ aponta na direção na qual u não varia de todo, o que pode ser
de
orre do fato de que ∇v
veri
ado a partir do fato de que a variação de u devida a um deslo
amento dℓ ~ de módulo
dℓ na direção do versor de ∇v é dada por
~
~
~ · dℓ
du = ∇u
~
~ · ∇v dℓ
= ∇u
~ |
|∇v
= 0,
que se anula devido ao anulamento do produto es
alar dos dois gradientes. Tendo de-
terminado este fato, podemos agora
olo
ar superfí
ies metáli
as
ondutoras ao longo das
equipoten
iais denidas pelas
urvas integrais do gradiente de v, de forma a
onstruir as
ondições de
ontorno que, em adição à equação de Lapla
e, denem de forma
ompleta
um problema de eletrostáti
a. Um exemplo disso é dado pela nossa função de poten
ial
omplexo Φ, pois a partir de
B B
Φ(z) = Y −ı X
D D
= U + ıV
que têm as dimensões de
ampo elétri
o, levando assim aos dois
onjuntos de
urvas integrais
mostrados na Figura 2. Dessa forma nos deparamos aqui, pela primeira vez,
om o que é
de fato um problema de
ondições de
ontorno, envolvendo uma equação diferen
ial par
ial,
bem
omo
om a sua solução. Este assunto será estudado em detalhe em partes posteriores
deste texto.
4
Y
D/2
−D/2
V
de forma que o módulo de ∇v ~ a
aba sendo igual ao módulo de ∇u~ . Isso se deve, é
laro,
ao fato de que o gradiente de v é obtido do gradiente de u por uma rotação, que não
muda o seu módulo. Em parti
ular, se um dos dois gradientes for nulo então o outro
também é, o que a
onte
e apenas neste
aso. Observe que se os dois gradientes forem nulos
em um determinado ponto, então tanto a parte real quanto a parte imaginária da função
omplexa não variam em primeira ordem naquele ponto. Veremos mais adiante que isso
está rela
ionado
om a existên
ia de um zero da derivada
omplexa da função no ponto em
questão.
Outro aspe
to de
aráter geométri
o muito importante é o de se interpretar funções
analíti
as
omo mapeamentos do plano
omplexo no plano
omplexo, ou seja, se temos uma
função
omplexa w(z) = u + ıv, onde z = x + ıy , então podemos interpretar a função
omo
um mapeamento de pontos de um plano (x, y) em pontos de um plano (u, v),
w
(x, y) −→ (u, v).
Este é um mapeamento ponto-a-ponto entre os dois planos, que nem sempre é inversível, ou
seja, pode haver alguns pontos nos quais o mapeamento inverso não exista, porque dois ou
mais pontos diferentes de (x, y) são mapeados no mesmo ponto de (u, v). Em geral é mais
5
interessante examinar este tipo de mapeamento em termos da sua ação sobre
urvas dadas
no plano de domínio (x, y). De forma geral,
omo se trata aqui de funções
ontínuas, estas
urvas são mapeadas em
urvas
orrespondentes no plano de imagem (u, v). Se a função
w(z) for analíti
a, então o mapeamento denido por ela tem propriedades espe
iais, que são
reetidas nesta relação entre
urvas do domínio e da imagem.
Vamos ilustrar este tipo de mapeamento usando
omo exemplo a função
1
w(z) = z + ,
z
onde z = x + ıy = ρ exp(ıθ). Como ela é a soma de duas funções analíti
as, esta é também
uma função analíti
a, em todo o plano
omplexo a menos do ponto z = 0. Se tivéssemos
apenas o primeiro termo, teríamos o mapeamento-identidade,
om u = x e v = y , que
mapeia
ada ponto de (x, y) no ponto idênti
o de (u, v). O exame do
omportamento do
segundo termo isoladamente será deixado
omo um exer
í
io. Vamos determinar o que esta
transformação faz
om uma determinada
urva, a semi
ir
unferên
ia de raio unitário e parte
imaginária positiva mostrada na Figura 3.
y
ı
a a
b c
d 0 e x
−1 1
e usando isso não é difí
il veri
ar que a semi
ir
unferên
ia no plano (x, y) determinada
por ρ = 1 e θ ∈ [0, π] é mapeada no segmento real dado por v = 0 e u ∈ [−2, 2] no plano
(u, v). De forma análoga, não é difí
il veri
ar que os raios do semidis
o superior denidos
no plano (x, y) por θ
onstante dentro do intervalo [0, π] e ρ ∈ [0, 1] são mapeados em
urvas
que
omeçam no segmento que a
abamos de des
rever e se prolongam para o innito no
semiplano inferior do plano (u, v). Em parti
ular, o segmento y = 0, x ∈ [0, 1] é mapeado
na semireta v = 0, u ∈ [2, ∞], e o segmento y = 0, x ∈ [−1, 0] é mapeado na semireta v = 0,
u ∈ [−∞, 2],
omo mostrado na Figura 4.
Com isto
a
laro que o interior do semidis
o superior no plano (x, y) é mapeado
em todo o semiplano inferior em (u, v), ou seja, trata-se de uma deformação innita do
semidis
o, que é deformado e esti
ado até o
upar todo o semiplano inferior.
É possível mostrar também que as
urvas no plano (u, v) nas quais os raios são mapeados
saem a ângulos retos do segmento u ∈ [−2, 2] no qual a semi
ir
unferên
ia é mapeada. Por
outro lado, é interessante notar que a semi
ir
unferên
ia e os raios formam aquele mesmo
ângulo reto no plano (x, y). Assim, estes ângulos estão sendo mantidos pela transformação
6
v
d a a e
0 u
−2 2
b c
que mapeia um plano no outro. Pode-se veri
ar que isso a
onte
e em quase todos os pontos,
mas há duas ex
eções, pois nos pontos (−2, 0) e (2, 0) do plano (u, v) este ângulo muda de
π/2 para π , de forma que subitamente temos uma mudança de
omportamento.
Transformações que
onservam os ângulos entre
urvas desta forma são denominadas
de transformações
onformes. Vamos demonstrar em seguida que, sob
ertas
ondições, o
mapeamento denido por uma função analíti
a é sempre um mapeamento
onforme. Como
veremos, a
ondição relevante para que os ângulos sejam
onservados em um determinado
ponto é que o mapeamento seja inversível no ponto em questão, ou seja, que o mapeamento
inverso não seja singular naquele ponto.
Consideremos então uma função analíti
a w(z), que mapeia pontos z = (x, y) do plano
(x, y) em pontos w = (u, v) do plano (u, v). Ao longo desta demonstração estaremos sempre
en
arando z e w
omo vetores em duas dimensões, e usando livremente notação vetorial para
es
lare
er as ideias. Dada uma
urva denida por uma equação f (x, y) = 0 em (x, y), esta
transformação produz uma
urva
orrespondente g(u, v) = 0 em (u, v). Vamos mostrar aqui
que, dadas duas
urvas orientadas C1 e C2 que se interse
tam em um ângulo θ em (x, y), as
duas
urvas
orrespondentes C1′ e C2′ em (u, v) se interse
tam
om o mesmo ângulo θ ′ = θ ,
omo ilustrado no diagrama da Figura 5.
θ w(z)
θ′
1
2 2
z = (x, y) w = (u, v)
Figura 5: Duas
urvas C1 e C2 mapeadas entre o plano (x, y) e o plano (u, v) pela função
analíti
a w(z).
onde dz
~ 1 = (dx1 , dy1 ), dz
~ 2 = (dx2 , dy2 ), e onde temos que
7
~ 1 =
p
dz (dx1 )2 + (dy1 )2 ,
~ 2 =
p
dz (dx2 )2 + (dy2 )2 .
~ 1 · dw
dw ~
2 ,
cos θ ′ =
~ 1 dw
dw ~ 2
Não há nada de espe
ial quanto à presença de |∇u ~ | aqui, pois
omo já vimos |∇v~ | tem
o mesmo valor, e poderíamos igualmente es
rever esta equação em termos dele. Notemos
mais uma vez que, quando formos es
rever isso em separado para
ada
urva, o gradiente é
~ e dz
o mesmo, e os índi
es só devem ser apli
ados às variações dw ~.
Podemos
al
ular também o produto es
alar das variações dw ~ 1 e dw
~ 2 . Naturalmente,
desta vez é pre
iso manter os índi
es das
urvas expli
itamente em todos os passos. Mais
uma vez veri
amos que, devido às
ondições de Cau
hy-Riemann, os produtos mistos que
apare
em se
an
elam, de forma que resulta
8
∂u 2
2
~ 1 · dw
~ 2 = ∂u
dw dx1 dx2 + dy1 dy2 +
∂x ∂y
∂u ∂u
+ (dx1 dy2 + dx2 dy1 ) +
∂x ∂y
2 2
∂u ∂u
+ dx1 dx2 + dy1 dy2 +
∂y ∂x
∂u ∂u
− (dx1 dy2 + dx2 dy1 )
∂y ∂x
" 2 #
∂u 2 ∂u
= + (dx1 dx2 + dy1 dy2 ).
∂x ∂y
As quantidades que restam desta vez são mais uma vez o quadrado do módulo do gradiente
de u, e o produto es
alar das variações dz
~ 1 e dz
~ 2,
~ |2 dz
~ 1 · dw
dw ~ 2 = |∇u ~ 1 · dz
~2 .
Antes de pro
eder aos
an
elamentos que são sugeridos por esta fórmula, vamos
hamar a
atenção para o fato de que só podemos es
rever isso se |∇u
~ | 6= 0, o que impli
a também
que |∇v | 6= 0. Caso
ontrário, as quantidades em numerador e em denominador são ambas
~
nulas e a expressão que dene cos(θ ′)
a indenida. Se tivermos ∇u
~ = 0 = ∇v ~ em um
determinado ponto, então segue que w = (u, v) não varia naquele ponto, quando x e y
variam de forma innitesimal ao redor do ponto
orrepondente no plano-domínio. Assim,
todos os valores de z = (x, y) próximos daquele ponto são mapeados em um mesmo valor
de w, mostrando que o mapeamento não é inversível naquele ponto. Assim, vemos que este
teorema só vale em pontos onde a transformação for inversível (o que
orresponde à função
analíti
a asso
iada ter derivada
omplexa não-nula no ponto). Neste
aso podemos fazer os
an
elamentos, e temos então
~ · dw
dw ~
1 2
cos θ ′ =
~ 1 dw
dw ~ 2
~ · dz
dz ~
= 1 2 ,
~ dz
dz
1
~
2
onde, na última versão da fórmula, re
onhe
emos a expressão de cos(θ), que dá o ângulo no
plano (x, y), de forma que resulta
cos θ ′ = cos(θ),
ou seja, que o ângulo entre as
urvas é
onservado pela transformação denida por w(z).
A rigor, seria ne
essário mostrar também que sin(θ ′) = sin(θ), o que deixaremos para os
9
exer
í
ios. Desta forma, vemos que o mapeamento denido por uma função analíti
a é
uma transformação
onforme, em todos os pontos onde tanto o mapeamento quanto a sua
transformação inversa estiverem bem denidos e forem analíti
os, sem singularidades.
De
erta forma, esta
onservação de ângulos está rela
ionada também
om possibilidade
de usarmos estes mapeamentos para transformar as soluções de problemas eletrostáti
os
umas nas outras. Como vimos, as
urvas integrais dos gradientes das partes real e imagi-
nária de funções analíti
as podem ser interpretadas
omo as linhas de
ampo e superfí
ies
equipoten
iais da eletrostáti
a, que são sempre perpendi
ulares umas às outras. É portanto
ne
essário que os mapeamentos
onservem estes ângulos, de tal forma que esta propriedade
da solução eletrostáti
a no plano-domínio seja preservada na
orrespondente solução no pla-
no-imagem. Isso também é garantido pela analiti
idade das funções envolvidas, pois
omo
veremos mais adiante o poten
ial Φ′ no plano (u, v) está rela
ionado
om o poten
ial Φ no
plano (x, y) e
om a função w(z) através da
omposição de funções. O ponto aqui é que a
omposição de duas funções analíti
as gera uma função que também é analíti
a,
omo já
mostramos anteriormente.
É
laro que esta mesma té
ni
a de solução, que examinaremos no
apítulo seguinte,
pode ser usada para ajudar a resolver outros problemas de físi
a que possam ser reduzidos
à equação de Lapla
e em duas dimensões, o que in
lui por exemplo problemas de
ondução
de
alor e problemas envolvendo o uxo bidimensional de uidos.
10