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r.iiin-l.uilo, p.n.i (und.iment.ir mc-
llmr ii sii.i .m.ilise, Oct.ivio l.inui rc-
consirói .1 perspevliva histórica em que
sc uihu.i n pcriodo mais recente da
crise político-econômica brasileira. Hm
consequência, descreve a Formação, os
desenvolvimentos e a crise do populis-
mo. cm suas diferentes variantes. Em
especial, descreve o Funcionamento e o
colapso da democracia populista. Pa­
ra isso, examina tanto as manifestações
do nacionalismo como a política de
massas. E mostra como o nascimento
do trabalhismo rural" foi um dos pre­
textos para a liquidação do govèrno de
Goulart. Nessa sequência de fatos e
relações, estuda a forma pela qual a
esquerda se relacionava com a política
de massas.
Em concomitância com o exame des­
ses problemas políticos, estuda as dife-
rentes fa ses da ind ustrialização, além
das n ovas e x p a n sõ es d o capitalism o no
m undo agrário. R econ strói algu n s a c o n ­
tecim entos im portantes para a com ­
preen são de com o se d á o fim da p o ­
lítica de su b stitu ição de im p ortações.
Por exem plo, revela com o o m on op ó­
lio da tecn o lo g ia , pelas corporações
m ultinacionais, é um dos p on tos b á si­
cos da d ep en d ên cia extern a.
N e sse quadro geral de relações p o ­
líticas e econ ôm icas, surgem também as
relações extern as, com o relações d eter­
m inantes. M a is que isso, m anifestam -
se os vários d esen volvim en tos e rup­
turas nas relações do Brasil com o c a ­
pitalism o in tern acion al. E vem os com o
o im perialism o adquire efetiv id a d e p re­
cisam ente n os m om en tos criticos.
A ssim , n esta obra a história recen ­
te da socied ad e brasileira adquire os
seu s contorn os rea is. R evelam -sc as
diferen tes rupturas internas e extern as,
rupturas esta s que caracterizam tanto
as tran sform ações com o o s dilem as da
socied ad e n acional nas últim as d écadas.
N o con ju n to da obra, as cla sses s o ­
ciais aparecem em su as relações e a n ­
tagon ism os e fe tiv o s. Em con seq iiêm ia,
as p ersp ectivas políticas diante das
quais se encontra o p ovo brasileiro de
lin eiam -se em seu s traços princip ais. E
vem os em que con d ições a socied ad e
brasileira se defronta, novam ente, com
as alternativas cruciais: ilc p c tu lc m ia <■
ca p ita lism o ou u n lcp ctu itih in e so< ia
lism o .
O Colapso do Populismo
no Brasil
— obra que está sendo editada, simultàneamente,
em inglês, pela Colum bia U n iversity P ress,
de N e w York -—

OCTAVIO IA.NNI
—- autor de

Estado e Capitalism o,
Industrialização e D esenvolvim ento Social no
Brasil
e Raças e Classes Sociais no Brasil —

deixa que as principais personalidades envolvidas


nos acontecim entos falem por si m esm as.
A ssim , transcreve os pronunciam entos de
V argas, Juscelino, Jânio, Goulart, Julião,
Arraes, C elso Furtado, San T iago D antas, Castelo
Branco, G olbery do Couto e Silva, A d olfo Berle,
Roberto Cam pos,
Lincoln Gordon e outros. A o mesmo tempo,
a massa do povo brasileiro desfila pelas páginas
do livro, como personagem coletivo.
D esta maneira, numa linguagem clara, direta e
objetiva, os acontecim entos se apresentam
em tôda a sua dram aticidade.

M a i s u m L a n ç a m e n t o d e C a t e g o r i a da

C I V I L I Z A Ç Ã O B R A S I L E I R A
RETRATOS DO BRASIL
Volume 70
OCTAVIO IANNI

O Colapso do Populismo
no Brasil

civilização
brasileira
Exemplar | | .”) 2 *

Desenho de capa:
M a r iu s L a u r it z e n B ern

Diagramação e supervisão gráfica'.


R oberto Pontual

Direitos desta edição reservados à


EDITÔRA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S .A .
Rua 7 de Setembro, 97
Rio d e J a n e i r o

1968

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
“Não é o caso inteirado em si,
mas a s ô b r e-coisa, a outra-
coisa” .

Jo À o G u im a r ã e s R osa.

à memória de
A ttilio
Vitorio
Atilio
Arturo
Antonio
meus irmãos.
índice

Prefácio 1

Primeira Parte — P o l ít ic a e D e se n v o l v im e n t o

I — O Sentido das Crises 7


II — Tensões e Conflitos 13
III — Fases da Industrialização 23
IV — Desenvolvimento Agrário 37

Segunda Parte — P o p u l ism o e N a c io n a l ism o

V — Getulismo e Política de Massas 53


VI — Política de Massas no Campo 75
VII — A Esquerda e as Massas 95
VIII — Contradições do Desenvolvimentismo Populista 123
Terceira Parte — A P o l ít ic a de “ In t e r d e p e n d ê n c ia ”

IX — O Golpe de Estado 137


X — A Dependência Estrutural 161
XI — A Ideologia dos Governantes 187
XII — Ditadura 199

Conclusão 217
Obras Citadas 227
índice dos Quadros

I. Golpes e movimentos armados no Brasil (1922-64) 15

II. Fatos Históricos relevantes (1910-67) 18

III. Missões inglesas e americanas no Brasil (1923-49) 21

IV. índices do produto réal (1949-62) 31

V. Valor da produção industrial por Estado (1907-58) 34

VI. Agricultura: pessoal ocupado, tratores e arados


(1950-60) 41

VII. Taxa de urbanização (1940-60) 58

VIII. Renda interna rural e urbana per capita (1960) 60

IX . Custo de vida, salário e produção industrial (1914-38) 62

X. Salário mínimo real (1952-63) 63

X I. População economicamente ativa nas Américas (1950) 78


X II. Composição da mão-de-obra agrícola (1950) 79

X III. População presente, segundo ramo de atividade


(194C-60) 81

X IV . Sindicatos rurais (1 9 6 3 ) 92

XV. Greves operárias no Brasil (1951 e 1952) 104

X V I. Greves operárias em São Paulo (1951 e 1952) 104

X V II. Motivos das greves operárias de 1952 105

XVIII. Distribuição da mão-de-obra (1940 e 1950) 141

X IX . Evolução do ensino (1940 e 1950) 141

XX. Salário mínimo em São Paulo (1940-64) 142

X X I. Inversões diretas dos Estados Unidos no Brasil


(1891-1950) 165

X X II. Capitais estrangeiros investidos no Brasil (1950) 166

X X III. Aplicações de capitais estrangeiros no Brasil


(1955-58) 170

X X IV . Investimentos e financiamentos estrangeiros no Brasil


(1955-61) 177
Prefácio

^ I este l i v r o examino as relações mais importantes


entre processos políticos e econômicos, para explicar a natu­
reza da “crise brasileira” . Analiso os acontecimentos com a
finalidade de esclarecer as condições não econômicas da es­
tagnação e do progresso. Naturalmente a discussão lidará com
os fatos em planos nacional e internacional. O populismo, que é
um dos núcleos da discussão, é focalizado com uma estratégia
política de desenvolvimento econômico. No quadro dos acom
tecimentõs históricos que delimitam a problemática da obra,
destacam-se tanto a “Revolução” de 1930 como o golpe de
Estado de 1964. Entretanto, examino particularmente o pe­
ríodo de 1945-67. No conjunto, analiso a natureza da depen­
dência estrutural, com a qual se debate o povo brasileiro.
A fim de descrever os fatos de modo claro e ordenado,
decidi desenvolver a análise em três partes. Na primeira, , apre-

1
sento tanto as hipótesbs principais como a descrição do con­
junto dos acontecimentos políticos e econômicos, tomando-os a
partir da Guerra Mundial de 1914-18. Dêsse modo, examino
as mais importantes estratégias políticas de organização das
atividades produtivas. Na segunda parte, faço a apresentação
dos acontecimentos e ideologias desenvolvidos e debatidos no
período posterior a 1930; em especial entre 1945 e 1964.
Descrevo a natureza do nacionalismo, bem como o modo pelo
qual êste se combina com o socialismo reformista. A discussão
dos problemas políticos e econômicos dêsse período conduzem
a uma análise das razões do colapso do populismo, como
“modêlo” político de desenvolvimento. E na terceira parte,
examino o Golpe de Estado de 1964, tanto em sua estrutura
como em seus desdobramentos posteriores. Em particular,
analiso a estratégia política de organização das atividades pro­
dutivas, configurada após a crise simultânea do populismo
e do socialismo reformista, como políticas de desenvolvimento.
Nas conclusões não apresento senão algumas considera­
ções finais. Duas razões me levam a esta decisão. Primeiro,
procurei pôr em evidência, sempre que necessário, as impli­
cações teóricas e práticas dos problemas analisados. Segundo,
a parte mais importante das conclusões é de natureza prática,
isto é, propriamente política; e estas podem ser imediatamente
compreendidas pelo leitor, ao longo da o b ra.
Esta obra foi escrita entre julho de 1966 e outubro de
1967. As reflexões fundamentais, bem como os dados aqui
reunidos, serviram de base para um curso sôbre a “crise bra­
sileira”, nos cursos de pós-graduação promovidos pelo Insti-
tute of Latin American Studies, da Columbia University, em
New York, no período de fevereiro-maio de 1967. Por êsse
motivo, o exame das questões mais importantes está apoiado
em documentação exaustiva. Aliás, creio que todos os leitores
poderão beneficiar-se com a leitura de alguns documentos bá­
sicos para a interpretação da realidade brasileira. Eu preferi
fazer com que algumas personalidades aparecessem segundo as
suas próprias palavras. Em muitas ocasiões, certos persona­
gens exprimem de modo bastante claro as posições e atuações
dos grupos e classes sociais a que pertencem.
Seria impossível agradecer a todos aquêles que colabora­
ram direta e indiretamente para a realização deste livro, Men-

2
ciono agora os meus amigos Gabriel Cohn, Sebastião Simões,
Charles Wagley, Emir Simão Sader e Constantino Ianni. A
Sra. Lília Guerra foi-me extremamente gentil, na preparação
dos originais. Quero também mencionar Éline Maria e Áurea
Maria, que já acompanharam de perto várias etapas do preparo
desta obra.

São Paulo, 11 de dezembro de 1967

O c t a v io Ianni

3
O Sentido das Crises

C m p a íssubdesenvolvido somente ingressa na era da


civilização industrial quando alcança a autonomia política e eco­
nômica. E a autonomia somente ocorre mediante a ruptura
político-econômica com a sociedade tradicional e com o sis­
tema internacional dominante. Às vêzes essa ruptura é total,
como no caso da Rússia, em 1917, da China, em 1949, e de
Cuba, em 1959. Outras vêzes ela é parcial, como no caso dos
Estados Unidos da América do Norte, em 1779; do Japão,
com a Restauração Meiji, em 1868; da Alemanha, com Bis-
marck, em 1862; do Brasil, com Vargas, em 1930; da Índia,
com Gandhi, em 1947; do Egito, com Nasser, em 1952. Pode
ser paulatina ou drástica, predominantemente política ou ao
mesmo tempo política e econômica.
Para interpretar a natureza e o sentido da ruptura — não
só como precondição mas também como elemento básico do
desenvolvimento — é necessário conhecer as estruturas polí­
tico-econômicas globais e parciais. É preciso explicitar as rela­
ções entre as estruturas nacionais e internacionais. O caráter
parcial e lento, ou total e drástico, da ruptura está na depen­
dência dos encadeamentos entre êsses diferentes planos. Entre­
tanto, a essência da ruptura que fundamenta o progresso está
no âmbito das estruturas de dominação e de apropriação, isto
é, das relações políticas e econômicas básicas.
Em suma, a ruptura que propicia o progresso pode ser de
dois tipos. Ela é revolucionária, ou total, quando altera os
fundamentos estruturais da sociedade. Sempre implica na as­
censão de uma nova classe ao poder, realizando e simbolizando
o rompimento drástico dos vínculos externos e com a socie­
dade tradicional. A ruptura reformista, por outro lado, ocorre
quando se alteram somente certos quadros institucionais, sem
qualquer modificação estrutural básica. Implica na ascensão de
outras facções da classe dominante ao poder, verificando-se a
recomposição das forças políticas e econômicas. O golpe de
estado, na grande maioria dos casos, é uma reação contra as
soluções revolucionárias ou reformistas, em andamento ou pro­
jetadas. Por isso, envolve a restauração e o endurecimento de
estruturas arcaicas. Isto é, o golpe de estado sempre inaugura
um estilo de poder autoritário e implica na cristalização da
estrutura de apropriação.
O desenvolvimento econômico, social e político do Bra­
sil, simbolizado na industrialização acelerada, foi o resultado de
uma seqüência de rompimentos políticos e econômicos internos
e externos. Grosso modo, ocorreram entre a Primeira Guerra
Mundial e o Golpe de Estado de 1964. A democratização das
relações políticas e sociais, a expansão do sistema educacional,
a conquista de direitos políticos e benefícios sociais, por parte
das classes média e operária, inclusive em certas regiões agrí­
colas, além de outras transformações institucionais importantes,
foram a conseqüência e o componente da ruptura político-eco­
nômica ocorrida nessa época.
Os acontecimentos que assinalam etapas e desdobramen- \r
tos da ruptura das estruturas político-econômicas são: as crises
da cafeicultura; a politização dos setores jovens das forças

8
armadas em direção diferente da tradicional; o aparecimento
de reivindicações de operários e setores sociais médios; o agra­
vamento dos antagonismos nas camadas dominantes; a Guerra
Mundial de 1914-18; a crise do capitalismo mundial iniciada
com o crack de 1929; a Guerra Mundial de 1939-45; a substi­
tuição da hegemonia da Inglaterra, da Alemanha e da França
pelos Estados Unidos da América do Norte; o aparecimento
da União Soviética (URSS), da China e de Cuba como nações
socialistas; a independência da índia e das nações da África;
o aparecimento do Egito e da Argélia, como nações indepen­
dentes e líderes. É óbvio que êsses acontecimentos estão per­
meados de marchas e contramarchas, realizados em agitações
revolucionárias e reformistas, bem como em golpes e contra­
golpes. Tomando a referida época como um todo, no entanto,
é inegável que ela representa o período em que se realiza a
ruptura parcial e relativamente lenta das estruturas políticas e
econômicas internas e externas. Os desdobramentos e as ten­
dências do desenvolvimento econômico, político e social bra­
sileiro, bem como das crises que o acompanham, somente se
explicam pelo caráter e pelas condições da ruptura verificada
no período que medeia a Primeira Guerra Mundial e o Golpe
de Estado de 1964.
A época da transição para uma economia industrial no
Brasil, assinalando essa etapa crucial do desenvolvimento, pode
ser simbolizada pela política de massas, como padrão de orga­
nização política e sustentação do nôvo estilo de poder. A po­
lítica de massas — portanto, diferente da política de partidos
— é o fundamento da democracia populista, que se organizou
paulatinamente nas décadas que antecederam a mudança re­
pentina ocorrida a partir do Golpe de Estado de l.° de abril
de 1964. Em consequência da nova composição do poder, ca­
racterística do padrão getuliano de ação política, floresceram
as atividades políticas e culturais, criando-se uma cultura urba­
na diferente e mais autênticamente nacional. Ao mesmo tem­
po, desenvolveram-se contradições econômicas, políticas e so­
ciais, criando-se as organizações políticas de esquerda.
A liquidação do padrão getuliano de desenvolvimento eco-
nômico-social iniciou-se no Govêrno de Juscelino Kubitschek
de Oliveira (1956-60), que associou de forma brilhante a po­
lítica de massas e os compromissos crescentes com o capital

9
externo. Em conseqüência, instaurou-se, de modo agudo, o
antagonismo entre o padrão getuliano e nacionalista de desen­
volvimento, por um lado, e o padrão de desenvolvimento asso­
ciado e dependente, por outro. Portanto, é na época do Go­
verno de Juscelino Kubitschek de Oliveira que se criam as
condições mais importantes para a futura liquidação do desen­
volvimento nacionalista.
O desenvolvimento econômico-social no Brasil, baseado
no nacionalismo econômico, na luta por uma política externa
independente, na política de massas e, ao mesmo tempo, em
compromissos crescentes com o capitalismo internacional, foi
interrompido e conduzido para outra direção, por várias razões.
Em um plano econômico, o mecanismo básico de transição da
política de substituição de importações à política de associação
com capitais estrangeiros apoiou-se em processos tais como:
Primeiro, a deterioração das relações de intercâmbio ocorre ao
mesmo tempo que surge a necessidade de evoluir para uma
industrialização de alto nível técnico e organizatório, para com­
petir com os outros centros de produção, em plano interna­
cional. Segundo, a necessidade de exportar (ao mesmo tempo:
produtos agrícolas,, extrativos e manufaturados), inerente a essa
transição, exige a eliminação das defesas que permitiram a cria­
ção e o funcionamento do setor industrial criado com a política
de substituição de importações. Terceiro — e em conseqüên­
cia — a necessidade de alto nível técnico impõe a associação
crescente com os oligopólios multinacionais, que controlam a
produção (centros de pesquisa, laboratórios e tc .) e uso da
tecnologia indispensável aos empreendimentos de âmbito inter­
nacional.
Em um plano mais político, o desenvolvimento econômico-
social, configurado na democracia populista, foi interrompido e
reorientado devido ao seguinte: Primeiro, o progresso eco­
nômico estêve em vias de conduzir o Brasil à condição de uma
potência independente, com ascendência sôbre a América Lati­
na e a África. Segundo, a política de massas e o nacionalismo
esquerdizante começavam a ameaçar o poder político burguês.
Terceiro, os Estados Unidos da América do Norte assumiram
plenamente a liderança do mundo capitalista e acertaram uma
espécie de “Tratado de Tordesilhas”, um compromisso tácito

10
com a União Soviética, ficando a América Latina sob sua
• égide.
Em síntese, tomados em conjunto e em seus desdobra­
mentos históricos, os dilemas da sociedade brasileira podem ser
configurados teoricamente pelas tensões e conflitos gerados na
sucessão e coexistência de quatro modelos de desenvolvimento:
exportador, substituição, associado e socialista,
r O modêlo de exportação de produtos tropicais e maté­
rias-primas e importação de manufaturas é o que caracteriza
a economia brasileira nas três primeiras décadas do século XX.
Esse padrão já começara a ser questionado na segunda metade
do século anterior. No entanto, é com a Guerra Mundial de
1914-18 e as crises da cafeicultura que êle sofre as mais drás­
ticas flutuações. A Revolução de 1930 simboliza a liquidação
dêsse modêlo.
O modêlo de substituição de importações de produtos ma­
nufaturados — baseado inclusive na manipulação de compo­
nentes essenciais do anterior — desenvolve-se aceleradamente
de 1930 a 1962. Flutua em várias direções e exige a recom­
posição das relações de produção e dos padrões de dominação.
Na forma em que foi pôsto em prática, isto é, com base na
ruptura parcial com as estruturas arcaicas internas e externas,
trouxe consigo os elementos da sua própria negação. A suces­
são de crises políticas, nesse período, indica o conflito crescente
entre o nacionalismo desenvolvimentista e independente e a
preservação de vínculos e compromissos com a sociedade tra­
dicional e o sistema político-econômico internacional.
O Golpe de Estado de l.° de abril de 1964 assinala a
transição efetiva para o modêlo de desenvolvimento econômico
associado. Implica na combinação e reagrupamento de emprê-
sas brasileiras e estrangeiras, com a formulação de uma nova
concepção de interdependência econômica, política, cultural e
militar, na América Latina e com os Estados Unidos.
O modêlo socialista foi durante algumas ocasiões uma pos­
sibilidade real. Elaborou-se desde os primeiros anos do
século XX, mas adquiriu perfil e estrutura posteriormente à
Revolução de 1930. Entretanto, não foi levado à prática, de­
vido à forma pela qual as organizações de esquerda interpre­
tavam o caráter e o sentido da industrialização no Brasil. É
inegável que em algumas ocasiões críticas constituíram-se con-

11
dições de tipo revolucionário, que as esquerdas não souberam
ou não tiveram condições para aproveitar.
Finalmente, se passamos a outros aspectos do período,
verificamos que a época da industrialização acelerada ocorrida
no Brasil engendrou alguns padrões político-econômicos singu­
lares. Cada um dêles envolve um modo especial de ruptura e
reintegração com a sociedade tradicional e os sistemas inter­
nacionais. Assim, temos: (a) o nacionalismo reformista, com
base na democracia populista; e (b) a ditadura “tecnocrata”,
com base na associação ampla com os setores externos. Êsses
são os dois pólos do que poderiamos denominar a “revolução
brasileira” . As flutuações entre êsses dois padrões são alimen­
tadas, por um lado, pelas lutas de esquerda; e, por outro, pelas
próprias contradições inerentes ao nacionalismo reformista.
Aliás, a combinação engenhosa da democracia populista com
uma política de internacionalização da economia brasileira exibe
claramente aquelas contradições.

12
n

Tensões e Conflitos

C ) s a c o n t e c i m e n t o s políticos, econômicos e sociais


ocorridos no Brasil no século XX — em especial a partir da
Primeira Guerra Mundial — põem em evidência as tensões
e conflitos provocados com a transição para uma civilização
urbano-industrial. Em oposição à civilização agrária, que se
havia constituído em quatro séculos de história, de atividades
econômicas voltadas para o exterior e de relações políticas
circunscritas às cúpulas da “aristocracia” agrária e da “elite dos
letrados”, a civilização urbano-industrial criada neste século
organiza-se em outros padrões políticos, econômicos e cultu­
rais. É no século XX que o povo brasileiro aparece como ca­
tegoria política radical. Em particular, é depois da Primeira
Guerra Mundial — e em escala crescente a seguir — que os
setores médios e proletários, urbanos e rurais, começam a con-

13
tar como categoria política. Por isso, pode-se verificar que a
“revolução brasileira”, em curso neste século, é um processo
que compreendera luta por uma participação cada vez maior
da população nacional no debate e nas decisões políticas e
econômicas. O florescimento da cultura nacional, ocorrido em
especial nas décadas de vinte a cinqüenta, indica a criação de
novas modalidades da consciência nacional. Nesse quadro é
que se inserem os golpes, as revoluções e os movimentos que
assinalam os fluxos e refluxos na vida política nacional.
Mas êsses acontecimentos não são apenas políticos nem
estritamente internos. Êles são, em geral, manifestações das
relações, tensões e conflitos que os setores novos ou nascentes
no país estabelecem com a sociedade brasileira tradicional e
com as nações mais poderosas, com as quais o Brasil está em
intercâmbio. Por essas razões, devemos tomar sempre em con­
sideração que os golpes, as revoluções e os movimentos arma-
dos ocorridos no Brasil^ desde a Primeira Guerra Mudial pre­
cisam ser tomados como manifestações de rompimentos polí­
tico-econômicos. ao mesmo tempo internos e externos. Às vé-
zes essas relações não são imediatamente visíveis; isto é, não
podem ser comprovadas empiricamente de modo direto. Mas
geralmente elas guardam vinculações estruturais verificáveis em
plano histórico. Em última instância, êsses rompimentos são
manifestações da ruptura político-econômica que marca o in­
gresso do Brasil na era da civilização urbano-industrial.
Vejamos, pois, como se desdobram internamente as crises
que assinalam os vários estágios da revolução brasileira. Em
seguida, veremos como se desenrolam os acontecimentos inter­
nacionais, com os quais se vincula o processo civilizatório bra­
sileiro.
O período que vai da Primeira Guerra Mundial a l.° de
abril de 1964 está repleto de movimentos armados, atos isola­
dos de violência, greves, revoltas, golpes e revoluções. A se­
quência dêsses acontecimentos cresce numèricamente, se se
acrescentam as situações tensas e os esquemas golpistas e revo­
lucionários esboçados pelos diferentes grupos políticos civis e
militares. A relação apresentada, a seguir (Quadro I), oferece
uma imagem aproximada dos acontecimentos políticos e mili­
tares registrados pela história das lutas sociais no país.

14
QUADRO I

G o lpe s e M ovim entos A rmados no B rasil

1922-64

Composição
Data Centro de irradiação de forças Objetivo

1922 Rio de janeiro Militar Contra as oligarquias do­


minantes; pela democra­
tização do país.
1923 Rio Grande do Sul Civil-Militar Idem
1924 São Paulo Militar Idem
1924 Rio Grande do Sul Militar Idem
1924-7 São Paulo — Rio Militar Idem. Forma-se a Colu­
Grande do Sul na Prestes.
1926 Rio Grande do Sul Militar Dividir as fòrças que
combatiam a Coluna
Prestes.
1930 Rio Grande do Sul Civil-Militar Deposição do Pres.
Washington Luiz
1932 São Paulo Civil-Militar Recuperar posições no
poder federal.
1935 Rio — Rio Grande Civil-Militar A Aliança Nacional Li­
do Norte bertadora tenta derrubar
Vargas.
1937 Rio de janeiro Civil-Militar Golpe de Estado: cria­
ção do Estado Nôvo.
1938 Rio de janeiro Civil-Militar A Ação Integralista ten­
ta derrubar Vargas.
1945 Rio de janeiro Civil-Militar Deposição do ditador
Vargas.
1954 Rio de janeiro Civil-Militar Deposição do Pres. Var­
gas; suicídio de Vargas
1955 Rio de Janeiro Militar-Civil Garantir a posse do Pres,
eleito Juscelino Kubits-
chek de Oliveira.
1961 Rio — Brasília Militar-Civil Renúncia do Pres. Jânio
Quadros.
1964 Rio — Brasília Militar-Civil Deposição do Pres. joão
Goulart.
Em diversos casos, êsses acontecimentos políticos e mili­
tares vinculam-se, complementam-se e desdobram-se em vários
planos. Por essa razão, é possível e conveniente focalizá-los
conjugadamente. São fatos que se polarizam em tôrno de al­
gumas tendências marcantes.
Até 1945, os acontecimentos políticos estão abertamente
vinculados à necessidade de reduzir o poder político e eco­
nômico dos setores agrário-exportadores e importadores. Na
base dos seus interêsses está a cafeicultura, como atividade
econômica preponderante. Assim, por um lado, estabelece-se o
conflito entre as oligarquias tradicionais e os setores urbanos
nascentes, tais como a classe média, a burocracia civil e mili­
tar, os incipientes grupos de empresários industriais e o pro­
letariado nascente. Por outro lado, as lutas políticas estão
relacionadas com o confronto entre os diferentes projetos de
modernização, democratização e desenvolvimento econômico.
Na base desses confrontos estão, no entanto, as contradições
entre a economia agrário-exportadora e a economia industrial
em formação. Êsses confrontos são o fulcro dos acontecimen­
tos até 1945.
Em boa parte, o tenentismo simboliza essa etapa da vida
nacional. No que êle tem de explícito, bem como no que apre­
senta de caótico e contraditório, èsse movimento político e ideo­
lógico exprime alguns aspectos importantes da época. O tenen­
tismo formou-se com base nas seguintes condições e fatores:
urbanização; crescimento da classe média; “revolução nas ex­
pectativas” da classe média, paralela ao seu crescimento quan­
titativo, o que provoca o conflito entre a propensão a consumir
e os rendimentos exíguos; contradições entre as estruturas nas­
centes, resultantes das transformações econômico-sociais e as
estruturas vigentes, em geral rígidas; desdobramento nôvo da
prática habitual e tradicional de militarização das decisões e
ações políticas; incapacidade de os governantes e grupos do­
minantes modificarem as instituições, ampliando o debate e a
participação dos grupos sociais em formação e conservando o
mando ou o controle da situação; necessidade de transformar
o liberalismo formal, inerente à “democracia patrimonial”, em
liberalismo efetivo. Em suma, as lutas políticas travadas a par­
tir de 1922 estão relacionadas com a necessidade de consti­
tuir-se um sistema cultural e institucional adequado à civiliza­
ção urbano-industrial em formação.

16
A partir do final da Segunda Guerra Mundial, êsse quadro
se modifica, tornando-se mais complexo. Já estavam formadas,
então, as condições institucionais, econômicas e políticas para
o desenvolvimento do setor industrial. A própria derrubada
do Governo de Getúlio Dornelles Vargas reflete os conflitos
de interêsses e as lutas que transcendem o âmbito nacional.
Entre 1945 e 1964 entram em cena, em escala bem maior que
antes, as massas assalariadas em geral. A partir do Golpe de
Estado contra Getúlio Vargas e o Estado Nôvo, em 29 de ou­
tubro de 1945, o processo político brasileiro abrange ampla­
mente os operários, os setores médios da sociedade e grupos
de trabalhadores agrícolas. Isto significa que entram em jôgo
as aspirações de bem-estar social de um proletariado cada vez
mais numeroso, ao lado de uma classe-inédia numèricamente
crescente. Além disso, colocam-se de modo jamais conhecido
antes as reivindicações dos trabalhadores agrícolas, em várias
regiões do país. É ainda nesse período que se multiplicam os
grupos políticos de esquerda; e a juventude universitária impõe-
se ainda mais, como fôrça política ativa e organizada.
Essas são as linhas gerais das crises que assinalam as dife­
rentes manifestações da ruptura político-econômica que acom­
panha a formação do capitalismo industrial no Brasil. Os con­
teúdos mais importantes dêsses acontecimentos reaparecem nos
capítulos posteriores.
Entretanto, êsse quadro de acontecimentos políticos não
se completa a não ser quando acompanhamos o desenrolar dos
fatos políticos internacionais. Êles afetam direta e indiretamen­
te a história nacional. Correspondem às manifestações da
ruptura político-econômica ocorrida externamente. É impor­
tante considerar, neste ponto, que a sociedade brasileira não
realizou senão operações tímidas e ambíguas, no sentido de
encaminhar e realizar as rupturas externas. O govêrno de Ge­
túlio Vargas fêz tentativas nessa direção. E o Govêrno de
Jânio Quadros, que também compreendeu o dilema, não soube
conduzir as operações políticas que tomariam a política exter­
na independente um fato. Por essa razão, a ruptura político-
econômica externa, que funciona positivamente no processo de
desenvolvimento econômico do Brasil, é principalmente o resul­
tado das crises e flutuações do capitalismo mundial.

17
As crises do capitalismo internacional, tomadas em plano
político, estão simbolizadas nas duas Guerras Mundiais. Com
a Guerra Mundial de 1914-18, a crise econômica iniciada em
1929 e a Segunda Guerra Mundial de 1939-45, verificam-se
profundas e drásticas modificações na forma pela qual as nações
hegemônicas se relacionam com as colônias e os países depen­
dentes, Assim, êsses acontecimentos são em maior ou menor
escala também responsáveis pelos fatos mencionados no Qua­
dro II.

QUADRO II

F atos H istó rico s R e l e v a n t e s

1910-67

Ano Acontecimento Países envolvidos

1910 Revolução Popular México


1911 Revolução Burguesa China
1914-18 Guerra Mundial Alemanha, Inglaterra, França, Itália
e outros.
1917 Revolução Socialista Rússia
1929-33 Grande Depressão Mundial
1930 Revolução Brasil. (Tamhém revoluções e golpes
em outros países da América L atina)
1939-45 Guerra Mundial Alemanha, França, Inglaterra, URSS,
Japão, Estados Unidos a outros.
1947 Independência (ndia
1949 Revolução Socialista China
1952 Independência Egito
1952 Revolução Popular Bolívia
1952-3 Guerra Coréia, China, Estndos Unidos
1958 Guerra de Libertação Vietnã e França
1959 Revolução Socialista Cuba
1962 Independência Argélia
1964 Guerra® Vietcong e Estados Unidos

• Em 1968 essa guerra continua.

18
Aí estão algumas das manifestações das crises mundiais que
envolvem, no caso particular do Brasil, os rompimentos políti­
cos e econômicos estruturais, abrindo novas perspectivas à so­
ciedade brasileira. Note-se que êsses acontecimentos só se
tornam positivos porque compreendem as lutas entre as nações
hegemônicas e o enfraquecimento de umas em face das outras.
Assim é que, com relação ao Brasil, a hegemonia da Inglaterra
é questionada de fato pela Alemanha, a França e, depois, os
Estados Unidos da América do Norte. E é êste país que, ao
final, alcança a supremacia, em face daquelas nações e dos
países do “Terceiro Mundo” . Para os Estados Unidos, a Amé­
rica Latina representa um interêsse especial no âmbito do
mundo subdesenvolvido.
Entretanto, enquanto não se decide a disputa entre as
grandes potências e enquanto os Estados Unidos não conso­
lidam o seu predomínio, abrem-se perspectivas às colônias e às
nações dependentes. Nesse contexto é que ocorre uma etapa
importante, talvez decisiva, da industrialização do Brasil. A
transição para uma sociedade urbano-industrial, amplamente
dinamizada a partir da Primeira Guerra Mundial, dependeu
bastante das contradições e crises havidas no âmbito interna­
cional. Em perspectiva histórica, essa tendência foi examinada
cuidadosamente por Alan K. Manchester, nos seguintes têrmos:

A Alemanha foi a primeira rival a ameaçar sèriamente


a posição da Inglaterra. Já em 1873 a tonelagem transpor­
tada pela Alemanha estava ameaçando deslocar os Estados
Unidos, que mantinham o terceiro lugar entre as nações que
comerciavam com o Brasil. Ao mesmo tempo, o cônsul
inglês em Santos (uma base dos ingleses) lamentava que
as tripulações alemãs fôssem melhor treinadas e fizessem
melhor figura, além de ser muito mais sóbrias que as suas
rivais inglêsas. Para seu aborrecimento, os armadores co­
meçavam a preferir navios alemães e noruegueses, pois que
corriam rumores de que eles cuidavam melhor dos carre­
gamentos e cobravam menores fretes. Em 1885 a tonela
gem alemã para o Brasil rivalizava com a francesa; e aí
por 1912 era a segunda depois da inglesa.
O cataclismo de 1914 eliminou a Alemanha como rival,
na república sul-americana; e preparou o caminho para
outro competidor, que vencería onde outros falharam. Até

19
1914, os Estados Unidos nunca haviam sido um competidor
pelo predomínio econômico nos mercados, nos transportes
ou investimentos brasileiros. ( . . . )
A Inglaterra, todavia, nunca fêz questão de manter a
sua supremacia anterior na área das exportações brasileiras.
Ela estava fundamentalmente interessada no Brasil como um
mercado para manufaturas inglêsas, e não como país fornece­
dor de matérias-primas. ( . . . )
Assim, a despeito dos alarmes ocasionais formulados
pelos cônsules britânicos, os Estados Unidos figuravam como
um competidor menor, para a Inglaterra, até a Guerra
M undial. Nesta ocasião suplantou a Grã-Bretanha como
principal fornecedor para a república sul-americana. A in­
capacidade da Inglaterra para manter a sua posição tradicio­
nal, nos anos posteriores a 1914, era simplesmente o resultado
natural das condições da guerra. Para os britânicos, êsse
eclipse temporário seria retificado em momento oportuno.
Em conseqüência, a luta real pela supremacia ocorreu depois
de 1918. ( . . . )
De fato, ao final de 1929 os Estados Unidos estavam
rivalizando com a Inglaterra com sucesso, nos mercados brasi­
leiros de compra e venda. Por outro lado, na área dos trans­
portes marítimos e investimentos, a preeminência britânica
ainda estava bàsicamente intocada. Em 1926 a tonelagem
dos navios com bandeira britânica era quase duas vêzes
maior do que a sua competidora mais próxima, a Alemanha.
Quanto aos investimentos, era britânica metade dos estimados
dois bilhões e quinhentos milhões de dólares do capital estran­
geiro investido no Brasil até 1929. Em 1927 havia quatro
vêzes mais capitais britânicos do que americanos investidos
no Brasil. E uma vez e meia a mais que todo o capital ex­
terno combinado. Em dois dos três tradicionais campos de ati­
vidades dos interêsses britânicos na república sul-americana,
a Inglaterra era ainda predominante no fim dessa década1.

Assim , pouco a pouco, o Brasil passa da área da übra


esterlina para a área do dólar. Essa tendência vai acentuar-se
depois de 1 9 3 0 . Aliás, há indícios de que interêsses norte-am e-

1 Alan K. Manchester, British Preeminence in Brazil, Its Rise and De-


Hmr — A Study in European Expansion, The University of North Caro-
limi Pres.s, Chapei HilI, 1933, pags.. 329, 332, 333-4, 334 e 336.

20
ricanos estiveram implicados na própria Revolução de 30. Se­
gundo pesquisas realizadas por Jordan M. Young:

O Govêrno dos Estados Unidos entrou no cenário mi­


litar ao fim da campanha, pois que em 22 de outubro o De­
partamento de Estado decidiu embargar a venda de armas e
munições para as forças rebeldes.2

Outros aspectos do andamento posterior dêsse desloca­


mento do Brasil no sistema mundial serão focalizados nos capí­
tulos posteriores, conforme as exigências da análise. Por ora,
convém mencionar mais uma informação: a relação das co­
missões enviadas pelas nações mais interessadas na “saúde eco­
nômica”, isto é, particularmente na estabilidade financeira do
Brasil (Quadro III).

QUADRO III

M issões I nglesas e A m e r ic a n a s no B r a sil

1923 - 1949

Ano País Chefia

1923 Inglaterra Edwin Montagu

1931 Inglaterra Otto E. Níemeyer

1942 Estados Unidos Morris L. Cooke

1949 Estados Unidos John Abbink

A substituição das missões inglêsas pelas missões norte-


americanas assinala o fim da hegemonia britânica nas relações
econômicas externas do Brasil. Simultâneamente, os norte-
americanos empenham-se em ampliar a sua participação nos
2 Jordan M. Young, The Brazilian Revolution of 1930 and the After-
math, Rutgers University Press, New Brunswick, New Jersey, 1967, págs.
65-6.

21
programas econômicos brasileiros. Assim, a estabilidade finan­
ceira e a participação de capitais estrangeiros na economia na­
cional são pontos importantes nas recomendações apresentadas
nos relatórios finais das comissões mistas Brasil-Estados Uni­
dos, em 1942 e em 1949.3 Aliás, em 1942, os norte-america­
nos já ensaiavam uma política de negócios destinada a con­
tornar o nacionalismo econômico florescente em alguns países
latino-americanos. Em 1938, o Govêrno de Cárdenas havia
nacionalizado a indústria petrolífera mexicana. E no mesmo
ano o Govêrno de Vargas criara o Conselho Nacional do Pe­
tróleo, com óbvia inclinação nacionalista.4

3 A Missão Cooke no Brasil, relatório dirigido ao Presidente dos Estados


Unidos da América pela Missão Técnica Americana enviada ao Brasil,
Fundação Getúlio Vargas, 1949. Report of the Joint Brazil-United Sta­
tes Technical Commission, Department of State, Rio de Janeiro, Brazil,
February, 7, 1949. Octavio Gouvêa de Bulhões, À Margem de Um R e­
latório (Texto das conclusões da Comissão Mista Brasileiro-Americana
de Estudos Econômicos — Missão Abbink), Edições Financeiras S. A .,
Rio de Janeiro, 1950.
4 W. Feuerlein y E. Hannan, Dólares en la América Latina, trad. de
Javier Márquez, Fondo de Cultura Econômica, México, 1944; a primeira
edição em inglês é de 1941. George Wythe, Industry in Latin America,
Columbia Uaiversity Press, New York, 1945. Sôbre o nacionalismo bra­
sileiro no setor petrolífero: Gabriel Cohn, A Política do Petróleo no
Brasil: 1930-1954. MS, São Paulo, 1967.

22
Fases da Industrialização

E inegável que a industrialização noJBrasil ocorreu ao


acaso das flutuações das relações externas. As condições eco­
nômicas, sociais e políticas internas, que foram as bases efetivas
dos surtos de desenvolvimento industrial, sómente puderam ser
dinamizadas devido às oscilações e rupturas havidas nos vín­
culos do Brasil com a Inglaterra, a Alemanha, a França, os
Estados Unidos e outras nações.
Por essa razão, a_ história da industrialização no Brasil,'
é ao mesmo tempo a história das relações com os países que
desempenham papéis hegemônicos. Em verdade, os progressos'
da produção fabril colocam em confronto e em encadeamento
a história nacional e a história universal. A história brasileira,
mais uma vez, funde-se e ilumina-se na história do capitalismo.
Em boa parte, aquela é função desta.

23
Nesse sentido é que se pode reconstruir as etapas da for­
mação do setor industrial, como núcleo dinâmico do desenvol­
vimento econômico nacional. As fases de evolução dêsse setor
não se constróem senão como modos específicos de relaciona­
mento entre a economia brasileira e os sistemas econômicos ex­
ternos, com os quais o Brasil se acha ligado, em cada fase.
Assim, distinguem-se três estágios principais no desenvolvimento
industrial do País.
A primeira etapa da formação do setor industrial no Bra­
sil desenvolve-se no interior de uma economia de tipo colonial.
Até 1930, a vida econômica em funcionamento no País está
organizada segundo o modêlo “exportador” . A cafeicultura pre­
dominante nas atividades produtivas nacionais e definindo a
feição da estrutura econômica brasileira como uma função do
setor exportador, simboliza o padrão de desenvolvimento na­
cional nesse estágio. São as crises e flutuações do setor cafeeiro
que abrem perspectivas diversas à economia do País, criando
incentivos à produção artesanal e fabril. Quando os recursos
produzidos no setor cafeeiro não são suficientes para atender à
procura de manufaturas tradicionalmente importadas, as unida­
des artesanais e fabris instaladas dinamizam-se, para atender ao
menos parcialmente àquela procura. Em consequência, ocupam-
se melhor as empresas existentes e começam a criar-se novas.
Essa época excepcionalmente crucial para a formação do
setor industrial no Brasil foi examinada por Caio Prado Júnior,
Roberto C. Simonsen e Celso Furtado, além das contribuições
de historiadores, sociólogos e cientistas políticos. Trata-se de
uma explicação das condições e efeitos do mecanismo de socia­
lização das perdas do setor cafeeiro. Uma interpretação bri­
lhante dêsse processo de dinamização e, em boa parte, de cria­
ção do setor industrial foi formulada por Celso Furtado.
Em síntese, o processo funciona do seguinte modo. A
crise da cafeicultura (a de 1929, por ex.) como as crises típicas
nas economias coloniais, vem de fora. Aparece como uma queda
nos lucros dos cafeicultores. Surge como uma redução do con­
sumo ou uma baixa nos preços externos (o que dá no mesmo),
produzindo uma diminuição brusca nos lucros dos plantadores
de café. Para evitar que êles abandonem as culturas, o govêrno
rcaliz^ a depreciação da moeda nacional. Assim, em têrmos
de moeda brasileira, os cafeicultores continuam a receber apro-

24
ximadamente o mesmo volume de renda monetária. Dêsse
modo ameniza-se a queda nos seus lucros, o que lhes permite
manter as plantações. Ao mesmo tempo, como é óbvio, re-
duz-se a capacidade importadora do País, devido ao alto custo
relativo do câmbio. Em conseqüência, criam-se estímulos novos
para o incipiente setor secundário (indústrias de transformação)
da economia brasileira.
O fato de que a produção de café tenha continuado a
expandir-se depois da crise e a circunstância de que os ca-
feicultores se tivessem habituado aos planos de defesa di­
rigidos pelo govêrno, respondem em boa parte pela manu­
tenção da renda monetária do setor exportador. Ao pro­
dutor de café pouco lhe interessava que a acumulação de
estoques fosse financiada com empréstimos externos ou com
expansão de crédito. A decisão de continuar financiando,
sem recursos externos, a acumulação de estoques, qualquer
que fôsse a repercussão sôbre a balança de pagamentos, foi
de conseqüências que na época não se podiam suspeitar.
Mantinha-se, assim, a procura monetária em nível relati­
vamente elevado no setor exportador. Êsse fato, combinado
ao encarecimento brusco das importações (conseqüência da
depreciação cambial), à existência da capacidade ociosa em
algumas das indústrias que trabalhavam para o mercado in­
terno e ao fato de que já existia no País um pequeno nú­
cleo de indústrias de bens de capital, explica a rápida as­
censão da produção industrial, que passa a ser o fator di­
nâmico principal no processo de criação de renda1.

1 Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, Editora Fundo de


Cultura, Rio de Janeiro, 1959, págs. 207-250; citação das págs. 234-5.
O problema das relações dinâmicas entre o setor colonial, ou externo,
e a diferenciação das estruturas econômicas e sociais (regionais ou na­
cionais) tem sido objeto de estudos recentes. Quanto ao aparecimento
e expansão dos núcleos industriais em diferentes regiões do Brasil, bem
como sôbre o caráter das relações entre a cidade e o campo, consultar:
Inácio Rangel, Introdução ao Estudo do Desenvolvimento Econômico
Brasileiro, Livraria Progresso Editora, Salvador, 1957; Gilberto Paim,
Industrialização e Economia Natural, Instituto Superior de Estudos Bra­
sileiros, Rio de Janeiro, 1957: Paul Singer, Desenvolvimento Econômico
Sob o Prisma da Evolução Urbana, São Paulo, 1966, MS. Ainda sôbre
os movimentos do mercado interno, as flutuações das importações e o
aparecimento do setor industrial brasileiro, consultar: J. Souza Martins,
Empresário e Emprésa na Biografia do Conde Matarazzo, Edição do
Instituto de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 1967.

25
1

é nessa época e dessa forma t ue ocorre a metamorfose


do capital agrário em capital industi al. Ainda que êsse pro­
cesso não seja único, na primeira época da industrialização os
capitais aplicados no setor fabril são originários do setor éa-
feeiro. Direta e indiretamente, a cafeicultura alimenta o está­
gio inicial da industrialização. -É claro que depois êsse processo
se torna mais complicado. Começam a entrar capitais externos
e, também, capitais obtidos nas poupanças internas, além da­
queles produzidos pelo café. Em todos os casos, no entanto, a
cafeicultura é o esteio último dos negócios. Se é verdade que
a diferenciação da economia nacional está em parte inspirada
na convicção empresarial de que nem todo o capital deve ficar
sujeito aos riscos da economia cafeeira, também é verdade que
a cafeicultura é uma referência sempre segura. A experiência
acumulada em torno dessa atividade, além do engajamento do
poder público nela, ao lado dos vínculos e da confiança obtidos
no exterior, sempre deram ao setor cafeeiro o caráter de o gran­
de “fiador” . Por isso, direta e indiretamente o capital agrícola
está na base dos primeiros surtos de industrialização. Em suma,
em âmbito estrutural, o capital agrícola é o fundamento do
capital industrial. Em âmbito conjuntural, no jôgo imediato e
cotidiano dos empreendimentos e dos empreendedores, houve
outras fontes de capital para o setor industrial. Entretanto, é
importante não confundir os dois planos, tomando-os numa di­
mensão única.
A segunda etapa do desenvolvimento industrial no Brasil
consiste na aplicação de medidas destinadas a propiciar a diver­
sificação e a expansão do setor. Neste contexto é que se colo­
cam a Revolução de 1930, o Estado Nôvo instituído em 1937,
o getulismo e suas variantes, a democracia populista, etc. Em
linhas gerais, êsse estágio situa-se entre 1930 e 1964. É a
época da implantação do modêlo “substituição de importações” .
As experiências de Vargas e o seu padrão de atuação marcam
profundamente essa fase. Tanto assim é que o modêlo da
Comissão Econômica para a América Latina (CEPA L), em
sua primeira fase (1948-56), é em boa parte uma codificação
das experiências desenvolvimentistas do México, da Argentina,
do Brasil e algumas outras nações do Continente. Segundo relata
Raul Prebisch, sugerindo algumas das dificuldades políticas à
consolidação de um órgão latino-americano independente:

26
A C e p a l foi criada experimentalmente por três anos.
Em 1951, ao avizinhar-se o tèrmo do prazo, sobrevieram
forças muito poderosas, interessadas na sua eliminação da
América Latina. Eu o sabia muito bem, quando aceitei a
responsabilidade que me atribuíam. Um latino-americano
ilustre, perfeitamente a par das idéias ali predominantes
então, mo havia dito cruamente: — “Você perde o seu
tempo, pois a oea existe para realizar o que foi confiado à
C epal” .
Não creio que perdi. A batalha definitiva travou-se
durante o quarto período de sessões, realizado no México,
em meados de 1951. Quase se converteu numa derrota. O
Chile, que havia lutado com entusiasmo pela criação da c e p a l ,
estava quase isolado. Dois fatos foram decisivos nessa
ocasião: (a) A posição do Brasil, que, após algumas va-
cilações iniciais, tomou vigorosamente a defesa da C c p a l ,
depois que a sua delegação recebeu um telegrama pessoal
do Presidente Vargas; e (b) a atitude resoluta do M éxico.
Junto com o Chile, êsses dois países organizaram a resis­
tência, até provocar uma virada completa.
Algumas semanas depois, acompanhado por Celso Fur­
tado, fui saudar no Rio o Presidente Vargas. Poucas vêzes
na minha vida tive um diálogo tão preciso e categórico. Em
poucas palavras, o Presidente me transmitiu a razão da sua
atitude: a necessidade de um orgão independente nas mãos
dos latino-americanos.2

De fato, entre 1930 e 1964 verifica-se a criação de um


vigoroso setor industrial no Brasil. Nessa época o Estado se
torna o centro nacional mais importante das decisões sôbre a
política econômica. Tanto assim que o poder público não só
formula e orienta a política econômica, como também passa
a executar alguns dos pontos dos programas de desenvolvimen­
to. A criação do Banco Nacional do Desenvolvimento Eco­
nômico (BNDE), em 1952, da Petróleo Brasileiro Sociedade
Anônima (PETROBRÁS), em 1953, e da Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em 1959, simboli-

2 Raul Prebisch, Hacia una Dinâmica dei Desarrollo Latinoamericano,


Fondo de Cultura Econômica, México, 1963, págs. x-xi.

27
zam as direções em que se lança o poder público, na dinamiza-
ção da economia nacional.
É óbvio que as aplicações do modêlo “substituição de im­
portações” não se verificaram segundo uma diretriz única, nem
com base numa consciência sempre clara e deliberada. Houve
nessa etapa uma série de crises e flutuações, devidas ao caráter
imediatista e improvisado das deliberações. Além do mais, o
modêlo exportador continuou a funcionar e apesar no jôgo da
política, em particular da política econômica. Mais ainda, a
própria maneira com a qual se pôs em prática a substituição
de importações criou as bases de um terceiro padrão de orga­
nização das condições do desenvolvimento econômico.
A_ terceira etapa do desenvolvimento industrial no Brasil
deve ser identificada com o modêlo de “desenvolvimento asso­
ciado”, ou de “internacionalização” da economia brasileira. De
fato, internacionalização do setor industrial. Na prática, em
algum grau êsse padrão sempre estêve presente na estrutura
econômica brasileira. Já na época do predomínio do modêlo
exportador, capitais estrangeiros eram encaminhados para os
setores de transportes, comunicações, produção de energia elé­
trica, mineração etc. Além disso, ainda antes de 1930, os em­
préstimos externos eram imprescindíveis para o enfrentamento
das crises periódicas da cafeicultura e as dificuldades orçamen­
tárias do poder público.3 Depois, na fase da política deliberada
de substituição de importações, os capitais externos aparecem
como financiamentos e investimentos cada vez mais freqüentes.
Todavia, a etapa em que as condições e perspectivas de
desenvolvimento econômico no Brasil passam a depender am­
plamente da associação direta e indireta, visível e disfarçada
entre capitais nacionais e estrangeiros, começa politicamente
com o Golpe de Estado de l.° de abril de 1964. Na prática,
entretanto, o modêlo destinado a associar e internacionalizar a
economia brasileira já se havia implantado alguns anos antes,
com o Programa de Metas do Govêrno Juscelino Kubitschelc
de Oliveira (1956-60). Assim, êsse padrão entra em execução

•'* A propósito da presença crescente do capital financeiro estrangeiro


ims finanças públicas e privadas no Brasil: J. Pandiá Calógeras, A Po­
lítica Monetária do Brasil, Companhia Editora Nacional, São Paulo,
1900 ( l . a edição em francês, em 1910); Carlos Inglez de Souza, A Anar­
quia Monetária e suas Conseqüências, Editora Monteiro Lobato, São
1*11010, 1924,

28
em vários tempos. Por um lado, o seu teor econômico, que já
vinha sendo forçado antes, entra em execução plena com o
Programa de M etas. Por outro, o seu teor político, que também
vinha sendo forçado anteriormente, entra em completa execução
com o Govêrno do Marechal Humberto de Alencar Castello
Branco. Em seu nível econômico (que nos interessa neste pas­
so ), a política de associação e internacionalização apresenta-se
como decisão governamental nos seguintes têrmos, segundo
mensagens presidenciais de Juscelino Kubitschek de Oliveira:

Ainda no que toca à política geral, outra medida a que


o Govêrno atribui grande importância refere-se à atração
dos empresários estrangeiros que, com a sua técnica e o
seu capital, poderão prestar valiosa ajuda na construção do
nosso parque industrial. São condições essenciais de uma
política do estímulo ao capital estrangeiro a estabilidade po­
lítica, cambial e monetária. ( . . . )
Fato de grande importância ocorrido em 1956 foi o
renascimento do interesse dos capitalistas estrangeiros pelo
desenvolvimento industrial do País. Êsse renascimento deve-
se principalmente ao clima de confiança que o nôvo Govêr­
no conseguiu estabelecer no Exterior. A verdade é que hoje
se transformou inteiramente o conceito em relação ao Brasil,
e o nosso País está ocupando o primeiro lugar como mer­
cado para capitais estrangeiros4.
Quer para suprir as divisas necessárias ao financiamen­
to dos projetos governamentais, quer para prestar apoio à
emprêsa privada nacional na obtenção de empréstimos ex­
ternos, promoveram as autoridades responsáveis várias mo­
dalidades de ação, atentas, contudo, para as perspectivas do
nosso Balanço de Pagamentos, a médio e longo prazos, de
modo a evitar um endividamento externo a elas despropor­
cionado.
Uma daquelas modalidades de ação consistiu em atrair
investimentos estrangeiros diretos, através da concessão de
incentivos ao estabelecimento de certas indústrias — a au­
tomobilística, por exemplo. Em outros casos, recorremos a
entidades oficiais de crédito, internacionais ou nacionais —

4 Juscelino Kubitschek de Oliveira, Mensagem ao Congresso Nacional,


Rio de Janeiro, 1957, págs. 246-7 e 248.

29
Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, o
Export-Imporl Bank of Washington, o Instituto Mobiliare
Italiano, o Assurance Crédit de France e várias outras —
mediante a abertura de créditos bancários a favor do Banco
Nacional do Desenvolvimento Econômico, ou por êle ga­
rantidos . No levantamento de recursos estrangeiros, não
raro se apelou para o seller’s credit, ou seja, a concessão,
pelos fornecedores de maquinaria, de créditos a curto e mé­
dio prazos, garantidos ou não pelo govêrno do país ex­
portador.
Neste particular, os resultados têm sido satisfatórios,
em relação aos projetos em curso. Para 80 milhões de dó­
lares registrados em 1955 na Superintendência da Moeda e
do Crédito, como capital de empréstimo, registram-se 302
e 261 milhões, em 1956 e 1957, respectivamente. Em 1958,
tais registros se elevaram ao nível de 397 milhões. Quanto
às inversões diretas, as cifras elevaram-se em 31 milhões de
dólares em 1955, a 56 em 1956, 109 em 1957 e 104 em
1958®.

Em resultado das várias etapas apresentadas sumàriamen-


te, em especial da política deliberada de substituição de im­
portações, formou-se no Brasil um setor industrial vigoroso.
Além da sua importância específica, êle é importante como
núcleo motor, pelos seus efeitos dinâmicos sôbre cs outros se­
tores da economia e devido ao tipo de complementariedade
que se estabelece entre os componentes do sistema como um
todo. Uma imagem do andamento da industrialização e do
funcionamento dos outros setores da economia apresenta-se no
Quadro IV.
À medida que se desenvolve a industrialização e se dife­
rencia a estrutura econômica nacional, o Estado se torna cada
vez mais importante. Torna-se o centro máximo das decisões,
no plano interno. Por meio de favores fiscais, empréstimos,
assistência técnica e como avalista, o poder público e as agên-
5 Juscelino Kubitschek de Oliveira, Mensagem ao Congresso Nacional,
Rio de Janeiro, 1959, págs. 100-101. Alguns dos efeitos distorcivos da
forma pela qual se realizou a industrialização brasileira foram aponta­
dos por Inácio Rangel, A Inflação Brasileira, Tempo Brasileiro, Rio de
janeiro, 1963; e José Carlos Pereira, Estrutura e Expansão da Indústria
em São Paulo, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1967.

30
QUADRO IV

Í ndices do P roduto R eal


1947-62
(Base: 1949 = 100)

Setor 1947 1949 1951 1953 1955 1957 1959 1961 1962

Agricul­
tura 89,5 100,0 102,2 111,7 129,8 138,5 148,8 167,9 177,1
Indús-
tria 81,4 100,0 118,5 135,2 162,3 183,2 240,7 293,4 316,0
Comér-
cio 81,4 100,0 117.9 119.0 143,5 160,2 186.9 209,8 217,8
Govêmo 95,3 100,0 104.9 110.0 115,4 121,0 126.9 133,1 136,3
Trans-
portes e
Comuni-
cações 79,5 100,0 118,8 137,8 152,4 166,9 188,7 240,0 256,2

Fonte: Centro das Contas Nacionais — Fundação Getúlio Vargas. Cf.


Revista Brasileira de Economia, Ano 17, n.° 1, Rio de Janeiro,
Março de 1963, pág. 14.

cias governamentais orientam e incentivam os investimentos


pioneiros ou de complementação. Aliás, o govêmo já estava
participando amplamente das decisões e dos encargos na época
do predomínio do padrão exportador. A cafeicultura engajou
em graus crescentes o poder público na economia nacional.
Tomadas em conjunto, as participações das instituições
governamentais no campo econômico podem ser classificadas
em dois grupos. Correspondem a duas orientações distintas.
Em parte, representam duas fases sucessivas na evolução do
intervencionismo governamental. Entretanto, é importante con­
siderar que elas coexistem, assim como coexistem as “ambi-
güidades” na estrutura econômica brasileira.

Na primeira fase, que corresponde a uma orientação


perfeitamente configurada, o Estado age em função da ne­
cessidade de preservar certos níveis de renda e emprêgo em
setores determinados da produção. Ele atua como regulador

31
da produção e cria instrumentos de defesa de setores com
nível de renda ameaçado por desajustes ou crises geradas
interna ou externamente. Os Institutos do Café, do Sal, do
Pinho, do Cacau, do Mate, do Açúcar e do Álcool são todos
entidades criadas com o objetivo precípi1" de defender os
setores das oscilações bruscas da renda e do emprêgo pro­
vocadas por distúrbios surgidos na área da produção ou da
comercialização. O caso mais notável, pela sua importância
no conjunto da economia nacional, é o do setor cafeeiro,
Neste, os instrumentos formulados pelos órgãos dos cafei-
cultores e postos em prática pelos governantes foram se re­
finando continuamente, dada a alta importância do setor
para a preservação dos níveis de emprêgo e renda também
para a economia nacional como um todo. ( . . . )
Na segunda fase o Estado ingressa ativamente nas di­
versas esferas da vida econômica, colaborando, incentivando
e realizando a criação da riqueza. Nesta classe, destacam-
se a Companhia Siderúrgica Nacional, a Superintendência
do Plano de Valorização da Amazônia, a Companhia H i­
drelétrica do Vale do São Francisco, a Comissão do Vale
do São Francisco, o Banco do Nordeste do Brasil, a Petro-
brás, a Eletrobás, a Superintendência do Desenvolvimento
do Nordeste, o Banco Nacional do Desenvolvimento Eco­
nômico, o Plano Salte, o Programa de Metas, o Plano Trie-
nal. Em graus variáveis de sucesso, todos esses empreen­
dimentos foram postos em prática com objetivo diferente da­
quele que inspirou a fase anterior. Agora os governantes
estão empenhados em programas setoriais, regionais ou mes­
mo globais de desenvolvimento. Estimulado pelas tensões in­
ternas e externas do sistema, o Estado assumiu funções mais
amplas, destinadas a dinamizar e orientar as expansões das
forças produtivase .

H Octavio Ianni, Estado e Capitalismo, Editora Civilização Brasileira, Rio


de Janeiro, i965, págs. 43 e 47. Outra análise sobre os papéis desem­
penhados pelo Estaao no desenvolvimento econômico brasileiro (bem
como sôbre modelos políticos do desenvolvimento nacional) encontram-
se em: Hélio Jaguaribe, O Nacionalismo na Atualidade Brasileira, Insti­
tuto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), Rio de Janeiro, 1958; do
mesmo autor: Desenvolvimento Econômico e Desenvolvimento Político,
Editôra Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1962.

32
Cada fase corresponde ao predomínio de um ou outro
padrão de política econômica. Basicamente, na primeira o Es­
tado desenvolve uma atuação eminentemente conservadora, ao
passo que na seguinte a sua atividade é reformista e dinami-
zadora. Todavia, a participação crescente do poder público na
economia, bem como a modernização das técnicas de diagnós­
tico, formulação, execução e controle da economia não avan­
çam a ponto de possibilitar o domínio e a eliminação das desi­
gualdades e distorções estruturais. A forma pela qual se veri­
fica o desenvolvimento econômico nacional pode ser eviden­
ciada em vários planos. A inflação, por exemplo, como técnica
de poupança monetária forçada, abre uma pista à análise das
relações de classe e do caráter da reprodução do capital. O
êxodo rural-urbano, por outro lado, coloca outros problemas,
revelando dimensões sociais e humanas da industrialização e da
urbanização no Brasil.
Se observarmos o Quadro V, teremos uma idéia da evo­
lução industrial, conforme as suas manifestações regionais. Ve­
rificamos que o progresso econômico nem é homogêneo nem
tende necessariamente para a homogeneização da economia
nacional. Ao menos a tendência para a harmonização dos ín­
dices de desenvolvimento não é visível nas etapas realizadas.
E note-se que os dados cobrem meio século de atividades eco­
nômicas: 1907, 1920, 1938 e 1958. Em plano político, as
tendências indicadas por êsses dados econômicos permitem com­
preender melhor o aparecimento e a sustentação de lideranças
“estaduais” bem marcadas. Esta observação pode ser verda­
deira em particular nos casos dos líderes populistas Leonel
Brizola, com base no Rio Grande do Sul, e Miguel Arraes,
com base em Pernambuco.
Em verdade êsse quadro indica progressos e regressões,
quando tomamos o conjunto dos dados. Entretanto, se obser­
varmos melhor as tendências expressas, verificamos o predo­
mínio progressivo de um centro sôbre os outros centros. É evi­
dente a hegemonia de São Paulo sôbre os outros Estados do
País. Como pólo de crescimento, São Paulo menos difunde
que atrai os benefícios da industrialização. Há uma espécie de
colonialismo interno que os programas nacionais e regionais
não puderam lim itar. As atividades da maioria das agências
regionais, criadas especialmente para estimular as economias

33
QUADRO V

V alor da P rodução I n d u s t r ia l por E stado

Distribuição percentual

Estado 1907 19 20 1938 19 58

Distrito Federal .................... . . . . 33,1 20,8 14,2 11,4


São Paulo .............................. 16,5 31,5 43,2 55,0
Rio Grande do S u l ................ . .. . 14,9 11,0 10,7 7,7
Rio de Janeiro .................... 6,7 7,4 5,0 6,6
Paraná .................................... 4,9 3,2 1,8 3,1
Minas Gerais ......................... 4,8 5,5 11,3 5,6
Pernambuco ........................... 4,0 6,8 4,2 2,8
Bahia ....................................... 3,2 2,8 1,7 1,5
Pará ......................................... 2,7 1,1 0,7 0,6
Amazonas ................................ 2,0 0,1 0,2 0,3
Santa Catarina .................... 2,0 1,9 1,8 2,1
Alagoas .................................. 1,0 1,6 0,7 0,5
Maranhão ................................ 0,7 0,7 0,3 0,2
Sergipe ..................................... ___ 0,6 1,2 0,6 0,2
Mato Grosso ......................... 0,5 0,2 0,2 0,3
Ceará ....................................... 0,4 0,8 0,9 0,6
Paraíba .................................... 0,4 1,1 0,8 0,6
G o iá s ......................................... 0,2 0,1 0,2 0,3
Piauí ......................................... 0,1 0,2 0,1 0,1
Rio Grande do Norte . . . . . 0,1 0,6 0,4 0,3
Espírito Santo ....................... 0,1 0,7 0,2 0,2

T o ta l ............................ 100,0% 100,0% 100,0* 100,0%

Fonte; J. Jobim, Brazil in the Making, The MacMillan Co., New York,
1943; IBGE, Produção Industrial Brasileira, 1958. Quadro orga­
nizado por Juarez Rubens Brandão Lopes, Desenvolvimento e
Mudança Social (Formação da Sociedade Urbano Industrial no
Brasil), São Paulo, 1966, MS, l . a parte, pág. 19.

34
locais, não conseguiram diminuir os efeitos regressivos ineren­
tes à concentração e centralização do capital. Talvez os pro­
gramas tenham inclusive facilitado o predomínio do Centro-Sul,
com centro em São Paulo. Esta é uma das conseqiiêneias do
caráter do desenvolvimento industrial em curso no País. É
mesmo uma resultante inevitável da forma pela qual ocorre a
sucessão das etapas de expansão do setor industrial. Vejamos,
agora, numa síntese, o processo como um todo.
Examinada de uma perspectiva histórica, a industrializa­
ção ocorrida no Brasil já permite algumas revelações muito
claras:

a. A ruptura parcial e a recomposição (sucessiva e alter-


nadamente) das relações políticas e econômicas com a
sociedade tradicional e com os sistemas externos.
b. A frustração das tentativas de implantação de um mo-
dêlo de desenvolvimento econômico autônomo.
c. A combinação dos modelos exportador, substituição
e associado, ou internacionalista, num sistema eco­
nômico heterogêneo e contraditório.
d. A participação crescente do Estado no comando do
processo econômico.
e. A transformação da região Centro-Sul (com centros
nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Ho­
rizonte) em núcleo hegemônico na economia nacional.
/. A formação dos movimentos de massa, como estrutu­
ras políticas e ideológicas de sustentação do poder po­
lítico orientado para o desenvolvimento industrial.

35
IV

Desenvolvimento Agrário

i N o momento em que se criam os primeiros núcleos do


setor industrial, instala-se o antagonismo entre a cidade e o
campo. Se é verdade que a gênese do setor industrial está no
setor agrário, que um se desdobra no outro, isto não significa
que as suas relações sejam harmônicas e sempre positivas.
Nem podem ser assim, já que as alterações da estrutura eco­
nômica afetavam as relações de produção e as relações de
poder. As próprias condições técnicas da reprodução do capi­
tal são diversas, favorecendo ritmos distintos na realização do
circuito do capital.
Em todo caso, em cada estágio do desenvolvimento in­
dustrial ocorre um padrão determinado de encadeamento entre
a cidade e o campo, entre a sociedade agrária e a sociedade indus­
trial. A forma pela qual se realizam o capital e sua repartição,

37
a circulação de trabalhadores no mercado de mão-de-obra, as
condições técnicas e organizatórias da produção, o acesso aos
instrumentos de poder — tôdas essas são implicações do rela­
cionamento e dos antagonismos entre o setor agrário e o setor
industrial.
Entretanto, convém insistir na dependência recíproca e
crescente de ambos. Devido à própria dinâmica da vida eco­
nômica, política e social, a cidade e o campo são levados a
empenhar-se na resolução ou na acomodação das suas contra­
dições. Ê preciso ter em mente não somente os efeitos mul­
tiplicadores de um setor sôbre o outro, mas a complementari­
dade inerente à organização econômica. Segundo as palavras
de Pei-Kang Chang, que se dedicou ao estudo do desenvolvi­
mento econômico tendo em vista as relações entre a agricultura
e a indústria:

A interdependência entre as atividades econômicas de- f


sempenhadas por um país agrícola e outro país industrial j v j o p Q
não é menos estreita nem profunda que a interdependên-, ,
cia das atividades econômicas agrícolas e industriais dentro| Vi Cfi )
de um mesmo país1.

Essa interdependência pode ser demonstrada em vários


planos. Em capítulo anterior, vimos como se estabelecem as
relações dinâmicas e, ao mesmo tempo, de negatividade, entre
a cafeicultura e o setor industrial nascente. Além disso, os
dados apresentados no quadro IV, no mesmo capítulo, reve­
lam que a agricultura cresceu 77%, entre 1949 e 1962. Se
excluímos os produtos de exportação, cujo valor real cresceu
somente 27% naqueles anos, constatamos que a produção para
consumo interno aumentou 90% . Note-se, ainda, que a popu­
lação brasileira cresceu cêrca de 40% entre 1950 e 1960; e
quase 80% entre 1940 e 1960.a Portanto, o setor agrário

1 Pei-Kang Chang, Agricultura e Industrialización, trad. de Juan F. No-


yola y Edmundo Flores, Fondo de Cultura Econômica, México, 1951,
pág. 284.
2 Revista Brasileira de Economia, Ano 17, n.° 1, Bio de laneiro, março
de 1963, pág. 15. IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1965 pág. 33.

38
apresentou sintomas de transformação ou desenvolvimento que
não podem ser menosprezados.
E verdade que nesse mesmo período o produto real do
setor industrial cresceu 216% . Entretanto, convém lembrar
que essa é a época de intensa mobilização de recursos e in­
centivos — públicos e privados, internos e externos — para
a dinamização e diversificação do setor industrial. Nesse sen­
tido, o “confisco cambial” foi um instrumento de transferência
para o setor industrial de parte dos recursos criados com a ex­
portação cafeeira. Além disso, é importante considerar que o
ritmo e o vulto da reprodução do capital agrário são neccssària-
mente diversos do industrial. As condições naturais, as flu­
tuações sazonais, são limites que nunca ou raramente afetam
o setor industrial. Por isso, o tempo de realização do circuito
do capital industrial é menor, E também o volume de capital
mobilizado pode ser maior, devido às condições organizatórias
das emprêsas. Em suma, o capital industrial dispõe de condi­
ções melhores para reproduzir-se, o que o leva a adquirir van­
tagens crescentes sobre o capital agrário. Essas condições es- \
truturais da reprodução do capital, nos dois setores básicos da
economia, não podem ser menosprezadas, quando queremos
compreender a situação brasileira.
Assim, o atraso relativo do setor agrário não deve ser
tomado como indicativo da ausência de progresso ou, sequer,
de transformações significativas. O êxodo rural, por exemplo,
não é um fato unilateral, decorrente da atração exercida pela
cidade e pela indústria. Ele está relacionado também com as
mudanças das condições técnicas e sociais da produção em al­
gumas regiões agrícolas. Segundo análise realizada por José
Francisco de Camargo

Embora só parcialmente se pudesse fazer entre nós a


verificação da racionalização das culturas e da mecanização
do trabalho agrícola, não se pode deixar de concluir pela
existência da interdependência, em algumas regiões de nosso
País, entre o êxodo rural e o progresso técnico processado
na agricultura. ( . . . )
De modo que as inovações nas técnicas de preparação
e cultura da terra, beneficiamento e transporte dos produtos
agrícolas e o forte aumento vegetativo da população rural,

39
atuariam positivamente no sentido de estimular o êxodo
rural em nosso País3 .

Entretanto, podemos lançar mão de outro indicador. Um


exame detalhado do setor agrário revela que aumenta conti­
nuamente o uso de fertilizantes, tratores, etc. São fatos indica­
tivos da modernização do processo produtivo na agricultura.
Juiitamente com as condições do êxodo rural, os dados rela­
tivos ao aumento do uso de tratores na agricultura brasileira
demonstram a expansão do capitalismo no campo. Em outros
têrmos, continua a desenvolver-se a interdependência entre os
setores industrial e agrícola. É verdade que êsse processo não
é uniforme nem universal, na sociedade agrária brasileira. En­
tretanto, êle se revela perfeitamente delineado nos Estados de
São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro,
Espírito Santo e outros. Nesses Estados, o crescimento da
quantidade de tratores utilizados ocorreu simultaneamente à
redução ou à estabilização relativa da população ocupada na
agricultura. Aliás, mesmo nos Estados no Nordeste, em que
as estruturas arcaicas de produção são mais evidentes, verifi­
ca-se uma discreta difusão de tratores. Se bem que nessa região
o uso de arados aumenta muito mais rapidamente, por ser uni
instrumento agrícola mais acessível à grande massa de agricul­
tores, dos pontos de vista financeiro e técnico.
As tendências indicadas por êsses dados (Quadro VI)
podem ser concretizadas ainda mais. Há certos desenvolvimen­
tos da sociedade agrária, em algumas regiões do País, que re­
velam progressos e transformações profundas na emprêsa capi­
talista criada no campo. É o que mostra Paulo Schilling, em
estudo sôbre a expansão do capitalismo agrário do Rio Grande
do Sul.

O arroz, com sua cultura em grande escala, iniciou no


Rio Grande o tipo de exploração agrícola denominada pelos
norte-americanos plantations. Foi o início da penetração ca-

3 José Francisco de Camargo, Exodo Rural no Brasil, Boletim n. 1, Fa­


culdade de Ciências Econômicas e Administrativas, Universidade de São
Paulo, 1957.

40
QUADRO VI

A g r ic u l tu r a : P essoal O cupado , T hatores e Arados

Dados numéricos

Unidades da Pessoal ocupado Tratores Arados


Federação 1950 1960 1950 1960 1950 1960

Rondônia 4.678 4.188 5 8 11 7


Acre 15.905 28.938 5 16 33 18
Amazonas 80.705 166.259 10 24 73 32
Roraima 2.444 3.225 2 1 31 12
Pará 219.985 329.815 33 194 219 202
Amapá 2.785 4.194 6 23 14 35
Maranhão 368.625 928.801 16 41 180 118
Piauí 206.307 355.187 20 59 499 1.403
Ceará 498.803 816.720 32 316 821 1.305
Rio Grande
do Norte 234.737 296.494 17 246 414 305
Paraíba 434.143 544.797 62 361 532 611
Pernambuco 879.844 1.258.479 142 999 3.902 5.861
Alagoas 274.985 364.390 35 296 2.683 5.608
Sergipe 154.721 243.396 45 96 811 666
Bahia 1.282.771 1.857.771 82 575 4.647 5.294
M. Gerais 1.868.657 2.076.829 763 5.024 73.968 93.040
Serra dos
Aimorés 33.276 176.646 — 8 4 43
Esp. Santo 272.992 269.041 58 490 1.666 2.458
R. de laneiro 276.730 240.853 457 1.469 12.020 12.314
Guanabara 16.541 18.937 58 123 258 171
São Paulo 1.531.664 1.683.038 3.819 28.101 224.947 286.580
Santa Ca-
tarina 370.912 619.989 41 1.049 41.029 81.259
Paraná 507.607 1.276.854 280 4.996 30.405 82.324
Rio Grande
do Sul 1.071.404 1.277.390 2.245 16.675 312.001 440.467
Mato Grosso 86.279 184.340 50 997 1.118 5.386
Goiás 299.334 492.745 89 1.299 1.973 6.388
D. Federal ---- 2.385 — 7 — 23

BRA SIL ]10.996.834 15.521.701 8.372 63.493 714.259 1.031.930

F o n t e : Serviço Nacional de Recenseamento. Cf. Anuário Estatístico do


Brasil, 1965, pág. 90.

41
pitalista no campo rio-grandense. Pela primeira vez, foram
empregados grandes capitais, assalariados em grande escala,
máquinas agrícolas e modernos métodos de cultivo. Proces­
sou-se verdadeiro rush, rumo ao campo, pois, como iria ve­
rificar-se com o trigo, os lavoureiros de arroz, em sua gran­
de maioria, não eram agricultores tradicionais, mas citadinos
de tôdas as profissões. ( . . . )
A produção de trigo do Estado, pràticamente estacio­
nária, 140.000 toneladas em 1922 e 162.488, em 1946,
subiu, nos últimos dez anos, em ritmo acelerado, atingindo
992.230 t. em 1956 (tal cifra representa a produção total,
inclusive a retenção para semente, cêrca de 10%, e o con­
sumo local das zonas produtoras, onde existem dezenas dc
pequenos moinhos não controlados pelo S .E .T .).
Como explicar essa progressão tão rápida, inédita no
Brasil, talvez no mundo? Como foi possível sextuplicar, em
apenas dez anos, a produção de trigo, enfrentando condi­
ções de todo adversas, quer no terreno agronômico quer no
econômico?
Homens de espírito pioneiro, mais capital e crédito,
mais a ciência agronômica, mais dezenas de milhares de
máquinas agrícolas, mais a capacidade do nosso campesi­
nato — ontem peão de fazenda, hoje tratorista e mecâni­
co — fizeram êsse prodígio. Continuando a transformação
iniciada pelo arroz, o trigo revoluciona hoje o campo gaúcho.
A penetração capitalista no campo é uma realidade vitoriosa.
O capital aplicado na lavoura de trigo, entre máquinas,
instalações, lavouras feitas com recursos próprios (sem fi­
nanciamento), terras próprias etc., deve andar pela cifra de
10 bilhões de cruzeiros. O parque de máquinas agrícolas,
tratores e ceifa-trilha automotrizes, é de cêrca de 10.000
unidades. O número de plantadores, segundo o censo rea­
lizado pelo Ministério da Agricultura, em 1957, era de
131.000, 95% dos quais pequenos produtores. O número
de assalariados na lavoura mecanizada atinge também al­
gumas dezenas de milhares4.

1 Paulo Schilling, Trigo, ISEB, Rio de Janeiro, 1959, págs. 23-4 e 26-7
do mesmo autor: Crise Econômica no Rio Grande do Sul, Difusão de
Cultura Técnica, Pôrto Alegre, 1961.

42
Naturalmente êsses dados precisam ser tomados como in­
dicativos de tendências. Numa visão de conjunto da sociedade
agrária brasileira, quanto à organização da produção, devemos
considerar que coexistem técnicas e instituições tradicionais ao
lado de organizações modernas. Numa pesquisa exploratória
destinada a avaliar o desenvolvimento tecnológico da agricul­
tura nacional, Ruy Miller Paiva e William H. Nichols chega­
ram à conclusão de que o País pode ser dividido em três re- i
giões principais: a) região de agricultura extensiva e de mé­
todos em geral primitivos; b) região de agricultura intensiva
e de métodos em geral primitivos; e c) região de agricultura
de caráter mais empresarial e de métodos mais racionais. Neste
último grupo incluem-se áreas do Centro-Sul do País, com os
seguintes característicos:

A agricultura nesta última classe é mais empresarial


no sentido de que o agricultor depende menos dos recursos
naturais de seu próprio estabelecimento. O lavrador com ­
pra maior volume de adubos, máquinas, combustíveis, rações,
vacinas etc. para poder produzir, assim como é obrigado
a acompanhar com mais cuidado as exigências dos preços
e dos mercados para poder vender com lucro o que produz6.

Portanto, as estruturas agrárias não são nem absoluta­


mente rígidas nem absolutamente fechadas. Do ponto de vista
do desenvolvimento econômico, baseado na industrialização, a
sociedade agrária deveria sofrer mudanças mais drásticas e ace­
leradas. De fato, o descompasso entre o setor agrário primário
e o setor secundário provocavam e provocam atritos e desgas­
tes no plano da economia global. Entretanto, é conveniente
observar que as estruturas agrárias não são autônomas e imu­
nes às mudanças. Em realidade, elas são integradas a estrutu­
ras mais amplas, nacionais e internacionais. E são êsses vín-

5 Ruy Miller Paiva e William H. Nichols, “Estágio do Desenvolvimen


to Técnico da Agricultura Brasileira”, Revista Brasileira de Economia,
Ano 19, n.° 3, Rio de Janeiro, 1905, págs. 27-63; citação da pág. 01.
Uma análise de caráter histórico, sôbre a expansão do capitalismo no
campo, foi realizada por José César A. Gnaccarini, Formação de Emprê-
sa e Relações de Trabalho no Brasil Rural, MS, São Paulo, 1906.

43
culos que estabelecem as condições de mudança tanto quanto
de estabilidade.
Aliás, a tenacidade das estruturas agrárias tradicionais —
tanto as econômicas como as políticas — decorrem muito mais
do fato de que o mundo rural está profundamente determinado
pelo padrão exportador, como padrão de organização da eco­
nomia. Em outros termos, os atritos e desencontros entre o
funcionamento do setor agrário e o funcionamento do setor in­
dustrial não dependem apenas das singularidades de cada um.
Em plano conjuntural, dependem do jôgo e conflito de inte-
rêsses relativos à apropriação e reprodução do capital. Em'*
plano estrutural (e, portanto, propriamente histórico) as con­
tradições entre ambos são governadas pelo fato de que o setor
agrário ainda é profundamente determinado pelo modelo ex­
portador. O segmento agrário da sociedade nacional continua
voltado para o exterior, como área mais importante de realiza­
ção do capital. Além do mais, os centros de decisão — rela­
tivamente ao mundo rural no Brasil — continuam a operar j
de fora para dentro; isto é, localizam-se no exterior.8 Em cer­
to sentido, o setor agrário brasileiro ainda se encontra dominado .
pelo “padrão colonial”, ao passo que o setor industrial precisou
realizar o rompimento parcial dêsse padrão, para firmar-se.
Mais ainda, o setor secundário somente pôde criar-se em de-""
corrência do enfraquecimento transitório — devido a crises,
guerras, revoluções, etc. — do sistema colonial do capitalismo.
É nesse quadro que estão as razões do antagonismo entre a
cidade e o campo, Mas é nesse mesmo quadro que se encon­
tram os fundamentos da conciliação e integração entre o mundo
rural e o mundo urbano-industrial. ^
Esses são os motivos principais por que a sociedade agrária
não se pioderniza na escala indispensável às exigências do de­
senvolvimento industrial. Mas é importante constatar que o
desenvolvimento industrial, que depende e exige mudanças so­
ciais no mundo agrário, é um determinado. Trata-se do desen­
volvimento industrial que implica num “projeto” de desenvol­
vimento econômico global, de tipo independente. Portanto,

8 Elementos importantes para a compreensão das condições de manu­


tenção do caráter “colonial” da cafeicultura brasileira encontra-se na
obra de Cid Silveira, Caf é: Um Drama na Economia Nacional, Editora
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1962.

44
trata-se do modelo de industrialização que se pôs em prática
entre 1930 e 1964. Em especial, do modelo getuliano, que
dependia de uma redefinição crescente das relações externas e
com a sociedade tradicional.
É nessa época que se manifestam os primeiros sinais de
organização política dos trabalhadores agrícolas. As tensões
e os conflitos inerentes às relações de produção espoliativa,
vigentes no campo, não puderam mais ser controlados pelas
técnicas tradicionais de favores, pressões e violências. Aí sur­
gem as associações, ligas e sindicatos de trabalhadores agríco­
las. Uma das primeiras organizações foi criada em Pernambu­
co, em 1955. Em 1963, é promulgado o Estatuto do Traba­
lhador Rural. Vinte anos antes, em 1943, havia sido promulga­
da a Consolidação das Leis do Trabalho cujo alvo principal
é o setor industrial. Em ambos os casos, as relações de tra­
balho são formalizadas em térmos conseqüentes com o mercado
de trabalho capitalista, no espírito do modêlo getuliano, com
base no populismo.
Entretanto, quando o modêlo de desenvolvimento autôno­
mo começou a ser abandonado, em especial a partir da política
econômica posta em prática com o Govêrno de Juscelino
Kubitschek de Oliveira, o padrão colonial de organização do
setor agrário brasileiro passou a conjugar-se, em nôvo estilo,
com o padrão “internacionalista” de desenvolvimento econômi­
co. De certo modo, reencontram-se a sociedade rural e a so­
ciedade industrial, estabelecendo-se novos compromissos com
os setores externos. Nesse contexto, os antagonismos entre a
cidade e o campo são minimizados. Isto não significa que as
contradições são eliminadas. Significa somente que se reduz
a profundidade dos antagonismos entre a cidade e o campo,
já que a industrialização não está mais vinculada a um “pro­
jeto” de desenvolvimento nacional e autônomo. Não se coloca
mais a necessidade de rompimentos externos e internos drás­
ticos, pois que se redefine a dependência estrutural.
Esses fatos e as relações que êles revelam são importan­
tes para uma discussão correta do problema crucial da refor­
ma agrária. Inclusive, indicam porque êsse problema tem sido
colocado de modo ambíguo ou confuso. Em certos casos é um
falso problema. Se não, vejamos.

45
O balanço dos projetos apresentados no Congresso Na­
cional e dos debates realizados ali e na imprensa, colocam
várias questões importantes. De um lado, e em plano mais
geral, o debate coloca em confronto e antagonismo duas posi­
ções básicas:

a) A reforma agrária como uma técnica de socialização


do processo produtivo. Esta interpretação implica na adoção
do parcelamento da propriedade latifundiária, como instrumen­
to “revolucionário”, pois que quebraria ou reduziria o poder
dos grandes proprietários lias regiões mais arcaicas. Essa po­
sição não se interessa pelo outro lado da proposta, que impli­
caria na criação de grandes contingentes de pequenos proprie­
tários. No primeiro momento, êles são “revolucionários”, em
suas lutas pela posse da terra e o enfraquecimento do poder
econômico e político dos latifundiários. Mas no segundo mo­
mento serão inevitàvelmente conservadores, devido à relação
de propriedade que substitui a anterior. A posse da terra es­
gotará as motivações políticas anteriores. Trata-se de uma pro­
posição típica do socialismo reformista. Ela está apoiada no
pressuposto de que a estatização crescente da economia, e cer­
tos tipos de reformas sociais, poderiam conduzir o País a uma
organização econômica e política socialista.

b) A reforma agrária encarada como técnica de raciona­


lização da economia agrícola. Neste caso, o que se busca é a
modernização das relações de trabalho, com o abandono dos
padrões espoliativos tradicionais, simbolizados no “vale”, no
“barracão”, na violência física, etc. Pretende-se alterar as con­
dições de tensão e conflito nas relações de produção. Associa­
do a êste objetivo, pretende-se que a reforma agrária propicie
a ampliação do mercado interno para o setor industrial. Aliás,
êsses dois alvos (relações de produção formalizadas e mercado
interno efetivo) podem ser alcançados assim que o Estatuto do
Trabalhador Rural fôr aplicado. Nesse sentido, a reordenação
dos fatores da produção, com o objetivo de aumentar a pro­
dutividade da emprêsa agrícola, não depende exclusivamente
da reforma agrária. Depende da aplicação efetiva e integral
de um padrão propriamente capitalista de ordenação das rela­
ções de produção. Segundo Pei-Kang Chang, que estudou os

46
problemas da modernização da agricultura, bem como as rela­
ções desta com a indústria, do ponto de vista prático e teórico:

O desenvolvimento industrial é uma condição necessá­


ria, mas não suficiente, para a reforma e o progresso agrí­
cola, desde que a reforma e o progresso se refiram à me­
canização da agricultura e à organização de grandes empre­
sas agrícolas. O desenvolvimento industrial é uma condição
necessária, porque a maquinaria agrícola, os fertilizantes quí­
micos e outros elementos e instrumentos necessários para a
agricultura moderna devem ser proporcionados pela indústria
moderna. Além disso, só um aumento apreciável da renda
da população — resultante da expansão industrial e comercial
— pode aumentar, ainda que em escala decrescente, a procura
de produtos agrícolas e estimular progressos na agricultura.
Mas o desenvolvimento industrial em si não é suficiente para
induzir à reforma agrária. É necessário contar, simultânea­
mente, com outras condições — e mesmo anteriormente à
própria reforma agrária — para levar-se a cabo mudanças
efetivas. Entre as diversas condições, as mais importantes são
as melhoras nos transportes, a consolidação das empresas agrí­
colas e a regulamentação legal da redistribuição da terra.
Assim, a organização da agricultura, em grande escala, torna-
se uma realidade7.

Aliás, deixando-se de lado a reforma como técnica socia-


lizadora, preconizada pelo socialismo reformista, alguns alvos
da reforma estão sendo (ou podem ser) obtidos por outros
meios. Além da legislação trabalhista para o meio rural, que
é um elemento novo, a ser aplicado em maior ou menor escala,
favorecendo e forçando a mercantilização efetiva das relações
de produção, destacam-se ainda os seguintes fatos e processos
reais: as migrações rurais-urbanas; a ampliação das zonas de
influência e domínio dos centros industrializados; o crescimento
dos meios de comunicação e informação; o aumento do con­
sumo de máquinas, ferramentas, fertilizantes, etc. nos estabe­
lecimentos agrícolas; a ação discreta ou drástica da Superin­
tendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE),

7 Pei-Kang Chang, Agricultura e Industrialización, citado, págs. 280-1.

47
da Companhia Hidrelétrica do Vale do São Francisco
(C H EV F), da Comissão do Vale do São Francisco, da Co­
missão Mista da Bacia do Uruguai-Paraguai, o Departamento
Nacional de Obras Contra as Sêcas (DNOCS), o Plano de Va­
lorização Econômica da Amazônia (SPVEA), o Banco do Nor­
deste do Brasil (BNB), a construção de estradas como a Be-
lém-Brasília, etc.
Neste sentido é que o debate sôbre os problemas relacio­
nados com a reforma agrária às vêzes foi confuso ou ambíguo.
Raramente o debate estève apoiado no exame objetivo do pro­
cesso de reprodução do capital, das condições técnicas e insti­
tucionais de funcionamento da sociedade e da economia agrá­
rias, dos antagonismos e das continuidades entre o setor pri­
mário e os setores secundário e terciário, etc. Em geral, a
“questão agrária” era colocada em têrmos fundamentalmente
políticos, sem a análise correlata dos fatores e condições eco­
nômicas e sócio-culturais. Enfim, propunham-se rupturas mais
ou menos drásticas com a sociedade tradicional, essencialmente
colonial, sem as correspondentes rupturas necessárias e correla­
tas no âmbito das relações externas. Tanto era assim que
Celso Furtado se viu obrigado a argumentar em detalhe, relati­
vamente à questão da reforma agrária na mais importante
“região problema”, isto é, no Nordeste. Disse êle:

Na economia da caatinga, a divisão da terra seria o tiro


de misericórdia na economia, inclusive com a possível liqui­
dação da pecuária. Reforma agrária, para o homem da rua,
significa divisão da terra, eliminação do proprietário do la­
tifúndio, eliminação da renda da terra. Se fizéssemos isso
na caatinga, nós a despovoaríamos, desorganizando comple­
tamente a economia da região, o que seria grave êrro. Dadas
as condições ecológicas da caatinga e dado o tipo de técnica
que ali se utiliza, a subdivisão das terras viria despovoá-la
porque nenhum homem pode subsistir na caatinga com uma
propriedade pequena, mesmo média. Uma propriedade de
25 hectares, na região, somente provida de uma tomada de
água pode subsistir. A unidade de produção na caatinga, para
subsistir, precisa ser relativamente grande, pois as terras são
pobres e, de certo modo, têm de compensar em quantidade
sua deficiência qualitativa. ( . . . )

48
N o agreste, se os senhores o percorrerem, encontrarão
terras extremamente subdivididas. Qualquer reforma agrária
nessa região implicaria desde logo em aglutinar tais unidades.
O agreste é mais pobre, em certos aspectos técnicos, do que
o sertão. É outro ângulo do probelma, sôbre o qual não me
posso estender. Nesse agreste, um homem para sobreviver,
produzindo algodão, não pode ter menos de 10 hectares. Dez
hectares para algodão, e mais 10 hectares para manter o gado,
se quiser ter algum animal como fonte de tração. Uma uni­
dade produtiva no agreste deve ter em média 20 hectares, o
que, no caso, corresponde a uma grande propriedade. ( . . . )
A reforma agrária, aí, não se fará pela divisão da terra,
mas, ao contrário, pela aglutinação dos pequenos sítios. Se a
operação se deve fazer pondo para fora o proprietário, la­
tifundiário ou não, é um problema político — e a opção por
uma forma ou por outra não compete ao economista8.

Dessa forma, o problema crucial da sociedade agrária deixa


de ser apenas e fundamentalmente a reforma agrária. Enquanto
setor de produção inserido numa economia de tipo capitalista,
o progresso da agricultura está na dependência da expansão
das técnicas capitalistas no campo. Quando se toma o modo ca­
pitalista de produção como dado, o problema da utilização mais
racional da terra depende muito mais da forma pela qual a
produção agrícola se realiza no mercado. E, secundàriamente",
das relações de produção, tecnologia, etc. Assim, o fulcro da
questão agrária no Brasil continua a ser a sobrevivência e a
persistência do padrão colonial de organização da produção.
À medida que o pêso relativo dos estímulos dos mercados na­
cional e internacional variarem, poderão ocorrer modificações
nas estruturas econômicas e políticas no Brasil rural. Em certo
plano, pois, a sociedade agrária é duplamente dependente: está
subordinada a centros de decisão externos e às funções, já pre­
dominantes, do setor industrial.

8 Celso Furtado. A Operação Nordeste, ISEB, Rio de Janeiro, 1959,


págs. 57 e 59-60.

49
O U RA S DO A U T O R

As Metamorfoses do Escravo (Apogeu e Crise da Escravatura no


Brasil Meridional), Difusão Européia do 1 ivro, São Paulo,
1962,esgotado.
Estudo e Cupitulismo (Estrutura Social e Industrialização no Bra­
sil), Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1965, es­
gotado.
Raças e Classes Sociais no Brasil, Editora Civilização Brasileira,
Rio de Janeiro, 1966 e 1972, esgotado.
O Colapso do Populismo no Brasil, Editora Civilização Brasilei­
ra, Rio de Janeiro, 1968, 1971 e 1975, esgotado. Publicado
também em espanhol, italiano e inglês.
Estado e Planejamento Econômico no Brasil, Editora Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, 1971, 1977, 1979c 1987. Publica­
do também em espanhol.
Sociologia da Sociologia Latino-Americana, Editora Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, 1971, esgotado.
Imperialismo na América Latina, Editora Civilização Brasileira,
Rio de Janeiro, 1974, esgotado
A Eormação do Estado Populista na América Latina, Editora Ci
vilizaçào Brasileira, Rio de Janeiro, 1975, esgotado Publi
cado tmbem em espanhol.
imperialismo e Cultura, Editora Vozes, Pelròpolis, 1976.
Escravidão e Racistno, Editora Hucitec, São Paulo, 1978. Publi
cado também em espanhol.
A Luta pela Terra. Editora Vozes, Pelròpolis, 1978, 1979 e 1981
Ditadura e Agricultura, Editora Civilização Brasileira, Rio de Ja
neiro, 1979 e 1986.
O ABC da Classe Operária, Editora Hucitec, São Paulo, 1980.
A Ditadura do Grande Capital, Editora Civilização Brasileira,
Rio de Janeiro, 1981.
DialéticaeCapitalismo, Editora Vozes, Pelròpolis, 1982 e 1985.
Revolução eCultura, Editora Civilização Brasileira, Rio de lanei
r o ,1983.
Origens Agrárias do Estado Brasileiro, Editora Brasiliense, São
Paulo, 1984.
O Ciclo da Revolução Burguesa, Editora Vozes, Pelròpolis, 1984
e 1985.
Octavio Ianni

O C o lap so do P op u lism o
no B rasil

4? ediçào, revista

civ iliza çã o brasileira


V

Getulismo
e Política de Massas

A política de massas foi a vida e a morte do modelo getuliano


de desenvolvimento econômico. Durante uma das etapas mais im­
portantes das lutas pela industrialização no Brasil (1914-64)
criaram-se as condições institucionais, políticas e culturais míni­
mas para a consolidação de uma sociedade propriamente urbano-
industrial. Nesses anos — em especial depois de 1945 — as massas
começaram a participar em algumas decisões políticas e na formu­
lação dos alvos do progresso nacional. Em consequência,
estruturam-se mais dois modelos de desenvolvimento. No jogo
entre QS_diferentes grupos e classes, sociais, durante cinqtienta
anos, constatam se basicamente quatro modelos de desenvolvi­
mento e organização da economia brasileira.

53
I aj Ç) mais antigo e ao mesmo tempo o mais conservador e o
modelo expoitador. Implica o predomínio do setor agrícola, se
gundo relações de produção e técnicas de acumulação tradicio­
nais. Tem a sua contrapartida necessária na importação de manu­
faturas. Envolve a dependência externa, devido à comercialização
internacional da parte principal do café. Portanto, os centros da
política econômica no Hrasil estão localizados no estrangeiro. Na
época do predomínio desse padrao de organização da economia
nacional, o poder político è exercido pela burguesia agrário-
comercial, cujos núcleos mais fortes e organizados situam-se nos
Estados de São Paulo e Minas Gerais. Os grupos interessados na
manutenção dessa política econômica, e da estrutura de poder
conveniente à mesma, sofreram uma derrota séria com a vitória
da Revolução de 1930; mas não foi uma derrota total.
.1>1 Em seguida, e em decorrência da inadequação do padrão
exportador para atender às exigências crescentes e multiplicadas
da economia e da sociedade nacionais, constitui-se o modelo subs
tituiçâo.dejmportações. Trata-se de encontrarTinuTcombinação
positiva e dinâmica com o setor agrário, encadeando as exigências
de divisas com as exigências de investimentos destinados a atender
ao mercado interno. Esse padrão envolve a reformulação dos
vínculos externos e com a sociedade tradicional. Com base na
política de massas e no dirigismo estatal, estabelece gradações nas
rupturas estruturais indispensáveis à sua execução, l-tindamenlaa
política externa independente e implica uma doutrina do Urasil
como potência autônoma. Os elementos fundamentais desse
padrão político-econômico estão consubstanciados na democra­
cia populista desenvolvida depois de 1945. Esse ê o modelo getu-
lia n o ^
c) Em concomitância, e em decorrência do conlronto entre os
modelos exportador e de substituição, çunslitui-se o modelo de
desenvolvimento e organização da economia aue preconiza a_as-
sociação de capitais e interesses políticos e militares nacionais e
estrangeiros. Implica a internacionalização crescente do setor in­
dustrial, ao lado do caráter fundamentalmente internacionalista
do setor agrário tradicional. Em cerra medida, o modelo inlerna-
cionalista — ou de associação ampla — é um dos resultados ine­
vitáveis do confronto e das contradições entre os dois anteriores.
Em certo sentido, é a restauração du. loadírlQ inicial — como
padrão colonial — em termos navp>. Trata-se de um produto dos

54
desenvolvimentos políticos e econômicos internacionais e nacio­
nais. No jogo e contradição dos interesses das classes e grupos so­
ciais em luta pelo poder e pela formulação da política econômica,
surge necessariamente o padrão de desenvolvimento combinado.
E a sua implantação exige a liquidação da democracia populista,
como estrutura política nacional, tanto quanto a destruição da
ideologia e prática da doutrina de independência econômica e
politica É uma combinação nova entre os setores agrário e in
dustrial, no âmbito da reprodução ampliada do capital. Este mo­
delo será examinado em seus aspectos mais importantes na tercei­
ra par)e desta obra.
d) <b outro modelo de desenvolvimento nacional c o socialis­
ta. Resulta dos confrontos e antagonismos entre as classes e gru­
pos sociais. Em certo grau, esse padrão consliltii-se em concomi­
tância com o modelo substituição. Em certas ocasições estiveram
mesmo confundidos, ou associados taticamente. Essa identifi­
cação decorria do fato de que ambos eram, realmente, ainda que
em gradações diversas, negações possíveis dos outros dois; isto é.
implicavam a negação dos modelos tradicionais de exportação e
de associação internacional. Muitas vezes, o intervencionismo es­
tatal, as tentativas de planificação econômica, as práticas da
politica de massas, o reformismo, o florescimento cultural e
político, etc, foram encarados como pré-requisitos ou mesmo
conquistas de tipo socialista
I Esse é o quadro ao mesmo tempo teórico e histórico em que
I devemos inserir e estudar a política de massas como componente
• fundamental do padrão getuliano de desenvolvimento econômi-
co. No processo da industrialização — em especial o estágio de
I 1945-61 — a politica de massas é um elemento crucial. Vejamos
agora como ela se caracteriza.
A combinação dos interesses econômicos e políticos do prole­
tariado, classe média e burguesia industrial è um elemento impor­
tante do período getuliano. Essa combinação efetiva e tática de
interesses destina-se a favorecer a criação e expansão do setor
industrial, tanto quanto do setor de serviços. Em concomitância,
criam-se instituições democráticas, destinadas a garantir o acesso
dos assalariados a uma parcela do poder. Na verdade, criam-se as
condições de luta para uma participação maior no produto. Em
plano mais largo, trata-se de uma combinação de forças destina­
das a ampliar e acelerar os rompimentos cotn a “ sociedade tradi

55
cional” e os setores externos predominantes. Em verdade, foi
com base no nacionalismo desenvolvimenlisia. como núcleo
ideológico dajjolítica de massas — em que s£ envolvem civis e. mi­
litares, liberais e esquerdistas, assalariados e estudantes univer-
sitárips.— que se verifica ãTinlgnõnzação de alguns centros de de­
cisão importantes para a formulação e execução da política eco­
nômica. A crescente participação do Estado na economia é, ao
mesmo tempo, uma exigência e uma consequência desse progra­
ma de nacionalização das decisões
É nesse contexto que se situam as conquistas das classes assa­
lariadas, em especial do proletariado. Em 1940 cria-se o regime de
salário mínimo. A partir de 1943, a Consolidação das Leis do Tra
balho aparece como o instrurrtento mais importante do intercâm
bio de interesses entre assalariados e empresários. Em 1963,
transforma se em lei o Estatuto do Trabalhador Rural, como ele­
mento novo no desenvolvimento da política de massas, quando o
populismo vai ao campo.
Esse intercâmbio entre as classes foi executado com eficácia,
em boa parte ao menos, devido aojpeleguismo. Trata-se de uma
prática inerente à estrutura da legislação trabalhista. Mantinham-
se os sindicatos operários e dos setores médios dependentes do
Ministério (inicialmente. Ministério do Trabalho, industria e
Comércio, depois, apenas Ministério do Trabalho) pelo controle
dos recursos financeiros exercidos por este, OJmposto sindical —
importância equivalente ao salário de um dia dèlrãHalho, em ca
da ano — criado pelo governo, depositado e controlado pelo Mi­
nistério do Trabalho, é a fonte dos recursos financeiros do sindi­
cato1' Ai está um dos elementos mais importantes do peleguismo.
Acresce que os dirigentes sindicais são eleitos, em geral, com base
na anuência e fiscalização do Ministério, isto é, do Governo. Nes­
sas condições, os sindicatos e seus dirigentes reduzem-se a instru
méritos de manobras políticas às vezes totalmente alheias aos inte­
resses dos assalariados. Ou então, as lideranças operárias e co­
merciarias são obrigadas a formular uma linha de atuação política
congruente, de alguma forma, com os interesses governamentais.
Como vemos, a formalização das relações de trabalho, nos ter­
mos em que é feita — tanto ha Consolidação das Leis do Tra-

I. Consolidação das Leis do Trabalhoi aprovada pelo Decreto-lei n? 5.452, de tf


detnaióde 1943, arts. 578-595,

56
balho como no Estatuto do Trabalhador Rural — implica a deli­
mitação e controle das condições de atuação politica das classes
assalariadas.
Outro elemento importante para a compreensão da estrutura
da política de massas é a composição ruraUurbana do proletaria­
do industrial. Aí está um dos fatores da inexperiência política des
sa parte do povo brasileiro. Com as migrações internas, no senti­
do das cidades e dos centros industriais — particularmente inten­
sas a partir de 1945 — aumenta bastante e rapidamente o con­
tingente relativo dos trabalhadores sem qualquer tradição política.
O seu horizonte cultural está profundamente mareado pelos valo­
res e padrões do mundo rural. Neste, predominam formas patrim­
oniais ou comunitárias de organização do poder, de liderança e
submissão, etc. Em particular, o universo social e cultural do tra­
balhador agrícola (sitiante, parceiro, colono, camarada,
agregado, peão, volante, etc.) está delimitado pela religião, a vic
lência e o conformismo, como soluções tradicionais. Esse hori­
zonte cultural modifica-se na cidade, na indústria, mas de modo
lento, parcial e contraditório.

Na definição da situação e das relações do operário com a fábrica, a


máquina, o capataz, o gerente, etc. persislm elementos vivida», de tipo co­
munitário, que se interpõem entre as pessoas e as coisas. Por isso, a defi­
nição do outra não ê política, segundo a conotação para a qual tendem as
relações entre vendedor e comprador de força de trabalho2

Nos primeiros tempos de sua integração no ambiente urbano-


industrial — período de simultânea ascensão social -— a com­
preensão que o operário formula dos outros tipos sociais é
ambígua. Por um período mais ou menos longo desenvolvem-se
os estágios mais importantes do processo de ressocialização.
Aliás, os processos de urbanização e industrialização não são
as causas exclusivas do movimento migratório para as cidades. A

2. Octavio lanni. Estado e Capitalismo, citado pãg. 159. Também Octavio lanni,
Paulo Singer, Gabriel Cohn e Francisco C. WelTort, Política e Revntuçõa Social
no Brasil, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, r9fi5,esp Caps III e IV.
Luiz Pereira, Trabalho e Desenvolvimento na Brasil, Difusãu Européia do Livro,
Sao Paulo, 1965; Juarez Brandão I opes, Sociedade Industrial no Brasil, Difusão
Européia do Livro, São Paulo, 1964; Eunice Ribeiro Durham, Migração. Tra
balho e Família, São Paulo, 1966. MS; Geraldo Sarno, Viramundo, documentário
cinematográfico, São Pauto, 1965

57
despeito de serem as razões mais importantes du êxodo, paralela­
mente a eles operam também as modificações que estão ocorren­
do no ambiente rural. Em certa escala, expandem-se as técnicas
capitalistas no campo, o que produz desemprego e a expulsão de
uma parte dos trabalhadores.
Além disso, em virtude da multiplicação dos meios de comu
nicação — inclusive a circulação das pessoas e grupos — verifica-
se o confronto das condições de existência material Comparam-
se as possibilidades abertas aos assalariados no campo e na cida­
de. Em outras termos, nesse contexto o “ efeito demonstração"
também surge como um elemento importante na movimentação
das pessoas3 Em consequência, as "luzes da cidade" tornam-se
um dado fundamental para a caracterização das condições e da
natureza da política de massas. São acentuadas as discrepàucias e
variações da renda que atuaram e continuam a atuar nas decisões
e expectativas dos trabalhadores em geral. No setor primário a
renda è sistematicamente menor que nos setores secundário e ter­
ciário, geralmente concentrados em núcleos urbanos. Além disso,
entre os próprios centros urbanos verificam-se desníveis acentua
dos.
Por todas essas razões, predomina uma consciência singular,
no proletariado urbano e industrial. A composição heterogênea e
a formação recente, associadas às exigências da política de mas
sas conduzida por outros grupos sociais, favorecem a criação e a
persistência de uma consciência de mobilidade. Isto é, favorecem
a formação de um comportamento individual ou grupai voltado
principalmente para a conquista e consolidação de posições na es
cala social. Durante esse período e nessas condições, a atividade
politica do proletariado — como coletividade — está muito orga­
nizada em termos de consciência de massa. Os interesses de classe,
em particular os antagonismos com as outras classes e grupos so

3. Alguns dos problemas fundamentais, relativus a lormavao da classe upcrària no


Brasil, foram examinados nas pesquisas de: Juarez Kubens Brandão l.opes, Socie­
dade Industrial no Brasil, Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1964; do mesmo
autor: Crise do Brasil Arcaico. DiTusão Européia do livro. São Paulo, 1967. Luiz
Pereira, Trabalho e Desenvolvimento no Brasil, Difusão Européia do Livro, São
Paulo, I965/ Leõncio Martins Rodrigues, Conflito Industrial e Sindicalismo no
Brasil. Difusão Européia do Livro. São Paulo, 1966. Azis Simão. Sindicato e Esta
do, Dominus Editora, São Paulo, 1966. (,)etavio lamii, Industrialização e Desen
volvimenio Social no Brasil. Editora Civilizarão Brasileira, Rio de Janeiro, 1963

58
ciais, não se estruturam a não ser parcialmente. E não chegam a
fundamentar posições e diretrizes políticas auteniicamenle pio
letárias, isto é, de classe.
Além do mais, a política de massas teve no Urasil uma cono­
tação essencialmente desenvolvímenlisLa. O propalado “ distrihu
tivisrop” do getulismo era irreal, dado que o custo de vida seinprc
absorveu amplamente o salário real.
O regime do salário mínimo, iniciado em 1940, e as conquis­
tas consubstanciadas na Consolidação das 1 eis do Trabalho, pos
ta em vigência em 1945, tiveram o objetivo — entre outros — de
preservar a classe oneraria de uma pauperizacáü drástica. ,\o
mesmo tempo, destmavam-se_a iuaiue> as relações de produção
em conformidade com as exigências do desenvolvimento econô­
mico. Convêm observar que a legislação trabalhista, formalizai)
do jurídica e politicamente as relações das classes assalariadas
entre si e com os empresários e o poder público foi consolidada
durante o período do Estuda Novo. isto é, da Ditadura Vargas.
Entretanto, essa legislação não impediu que os uiveis do salário
real continuassem a situar-se abaixo dos indices de custo de vida.
Deste modo, Leve continuidade o confisco salarial c, em conse­
quência, o progresso da reprodução do capital.
Portanto, graças em parte á política de massas, foi possível
efetivar determinadas etapas do desenvolvimento industrial. Por
meio das técnicas jurídicas e políticas inerentes ao .populismo,
manteve-se em nível adequado ao progresso industrial a relação
entre custo de vida e salário real. Em âmbito mais largo, foj a r/c
mocracia populista que propiciou a conciliação de interesses em
beneficio da industrialização e em non^e do desenvolvimento na­
cionalista. No Brasil, pois, o getulismo, em sentido lato, fornece
as bases políticas e ideológicas para a realização dos indices de
poupança adequados à manutenção dos níveis de investimentos
exigidos para acelerar a industrialização. Em particular, a
inflação — como técnica de poupança monetária forçada e disfar­
çada — beneficiou-se amplamente da forma pela qual se formali
zaram as relações de produção, no ambiente ui bano-industrial.
Em suma, a política de massas funcionou como uma técnica
de organização, controle e utilização da força política das classes
assalariadas, particularmente o proletariado. De um lado, situam-
se as exigências de poupanças para investimentos destinados a de
senvolver o setor secundário. No outro, coloca-se a “ revolução
nas expectativas” dos trabalhadores. Essas duas tendências
conjugam-se no sentido de provocar e efetivar redefinições suces­
sivas das relações dos segmentos urbano-industriais com os seg­
mentos tradicionais e com os setores externos.
È nesse contexto que se coloca o problema dos encadeamen-
tos entre movimentos de massas e partidos políticos no Brasil.
Antes de 1930, os partidos políticos eram estaduais ou nominal­
mente nacionais e atendiam aos interesses de oligarquias e grupos
sociais regionais. A Constituição de 1946 estabeleceu o regime dos
partidos nacionais. Entretanto, em larga escala, eles funcionaram
segundo os interesses locais e regionais Em muitos casos, as oli­
garquias continuaram seu predomínio, ainda que formulando os
seus compromissos e criando novas técnicas de atuação. O exame
das coligações entre partidos, realizados nas várias eleições havi­
das depois de 1945, revela a multiplicidade das combinações
possíveis. Os programas jamais são obstáculos intransponíveis.
Tanto assim que os partidos chegam a ser definidos como sendo
de direita ou esquerda, conforme a região ou estado do pais, e in­
dependentemente da sua definição no plano federal. Além do
mais, segundo análise realizada por Orlando M. Carvalho:
O rracionamemo do eleitorado cm partidos da mesma composição so­
cial facilitou a existência de crescente número de alianças e coligações; nas
eleições parlamentares.
Em 1945, não houve coligações: em 1950, alcançaram 20% do eleitora­
do; em 1954, adiciona 53% dos votos4

Dc fato, em 1945, em Pernambuco, coligaram-se os seguintes


partidos: Partido Social Democrático (PSD), Partido Democrata
Cristão (PDC), Partido Social Progressista (PSP), Partido Liber­
tador (PL) e Partido de Representação Popular (PRP), reunindo
organizações de centro e de direita, segundo sua definição federal.
Nas eleições de 1958, por outro lado, uma coligação de partidos
no mesmo Estado de Pernambuco reuniu: União Democrática
Nacional (UDN), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido
Social Progressista (PSP), Partido Trabalhista Nacional (PTN) e
Partido Socialista Brasileiro (PSli) colocando lado a lado organi­
zações de direita, centro e esquerda, segundo as suas definições
em plano federal.
4. Orlando M Carvalho, Ensaios de Sociologia Eleitoral, cdiçâo KHE1’, Delo I Io
rizonte, 195R, pág. 104.

«I
Essa situação inquieta os políticos interessados em exercer
uma liderança mais efetiva, em plano nacional. Mas suas preocu­
pações e denúncias não chegam a perturbar o funcionamento ha­
bitual das lideranças e organizações partidárias nos Estados, re­
giões e localidades. Getúlio Vargas e Jânio Quadros preocupa­
ram-se com o assunto e tentaram transformar a questão num
problema do Executivo, tanto quanto do Legislativo. Segundo as
suas palavras:

Vargas: Forca é reconhecer que não está ainda definiuvamenic supera


do o caciq uismn e a política de campanário. Ê preciso lempo para extirpar
vicios arraigados. Por outro lado, é necessário que floresçam, cm suhsli
tuição à política de clientelas, quadros de lideres orientadas por idéias que
conquistem a compreensão e a confiança das massas; e, ainda, é impres
cindivel a uma completa liberdade eleitoral a libertação do temor e da nc
cessidade, o que se conseguirá por uma substancial elevação dos niveis de
vida das mais numerosas camadas no nosso povo Eis pur que icm sido
minha preocupação constante a realização da democracia econômica e so
ciai, através da proteção ao trabalhador e da melhoria das condições dc vi
da dos humildes3-
I
Quadros: No que dir respeito à representação política, peça basilar do
sistema democrático, são gerais os clamores por uma lei orgânica dos parti
dos políticos, e consequente reforma da legislação eleitoral. Cumpre forta­
lecer os partidos políticos, assegurar-lhes maior intervenção na vida do
País, e impondo-lhes correlntamcnte maiores responsabilidades, não ape
nas nas épocas episódicas das eleições, mas permanentemente; disciplinar
lhes as convenções partidárias: assegurando-lhes vida financeira indepen­
dente, mas fiscalizar-lhes os gastos, para que se não vinculem a grupos eco
nômicos nem deformem, através do abuso da propaganda, ou da influência
financeira, a autenticidade da manifestação popular5 6

Mas os movimentos de massas e as lideranças carismáticas


galvanizam o povo, além dos programas formais. Ou seja, os
programas só ganham sentido quando identificados com uma pes­
soa, isto é, um líder; em geral, o presidente, às vezes o governador
e, mais raramente, o deputado, o prefeito e o vereador.
Em verdade, a política de massas é um desdobramento dos
acontecimentos políticos que conduzira a rupturas parciais entre a
sociedade urbano-industrial e a sociedade tradiconal, juntameme

5. Gètúlio Vargas, Mensagem ao Congresso Nacional, Rio de Janeiro. 19SI,


pág. 7
6. Jânio Quadros, Mensagem ao Congresso Nacional, Brasília, 1961, pàgs. 82 V

61
coDi os sistemas políticos e econômicos externos. Por isso, da rea­
parece várias vezes na história dos últimos anos, como técnica de
reformulação das relações externas do País. O nacionalismo de
senvoivimentista está na base da Campanha do Petróleo, realiza­
da principalmente entre 1947 e 1953. Assim, a política externa in­
dependente è uma manifestação relacionada com o tipo de demo­
cracia populista em funcionamento no Brasil.
Em certo sentido, existe uma “ doutrina da chantagem” sub­
jacente â maneira pela qual o padrão getuliano de desenvolvimen­
to econômico foi posto em prática no Brasil. Isto é, jogava-se com
as condições das outras nações, relativamente ao Brasil, procu­
rando obter melhores condições econômicas e políticas, na defesa
de uma política econômica nacionalista. Já foi dito que o governo
de Getúlio Vargas conseguiu a instalação da Usina Siderúrgica de
Volta Redonda (iniciada em 1943) devido a um jogo hábil com os
Estados Unidos da América do Norte e a Alemanha. Enquanto os
Estados Unidos desejavam a adesão do Brasil contra as nações do
Lixo, a Alemanha pretendia a neutralidade da nação sul-
americana. Dc fato, foram os Estados Unidos que financiaram o
empreendimento e forneceram a assistência técnica inicial. Segtui
do alguns intérpretes desse acontecimento, teria sido esse o preço
do alinhamento do Brasil ao lado dessa nação e, portanto, dos
Aliados. Entretanto, alguns documentos tomados aos alemães e
publicados pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, re­
velam que a usina se achava na pauta das conversações germano-
brasileiras em 1943. Segundo mensagem do Embaixador alemão
no Brasil, Kurt Max Pruller:

A viagem de um enviado brasileiro aos Eslados Unidos continua sendo


considerada muito insegura aqui. Diz-se, comudo, que Os Eslados Unidos
ofereceram condiçOes financeiras muno favoráveis
Posto que as negociações são evidemememe uma operação que forma
parte da intensa ofensiva econômica da América dirigida contra a Ale­
manha, solicito que mc autorize, por telegrama, a comunicar o seguinte ao
governo brasileiro ou ao Presidente da República: I) Estamos dispostos a
comprar produtos brasileiros, em especial cale e algodão, imediatamenie
depois do término tia guerra. Ademais, se necessário, estamos disposlos
ainda agora mesmo a firmar os contratos de compra; 2) Estamos dispostos
e em situação de cumprir o contrato sobre a usina siderúrgica, dentro do
período normal dc enli uga, e a aceder, em principio, a aceitar produtos bra­
sileiros em pagamento disso.

62
Estas coinuniuaçôrs seriam destinados ao mesmo lempo a robusleccr a
posição polilica do Conselho l-cderal, ante as tentativas de miná !o que es­
tão fazendo, neste momento, os amerÍLanos e os aliados Hruffer1

Posleriorinente, durante o seu segundo período presidencial


(1951-4), Getúlio Vargas continuou preocupado com a forma pela
qual um programa de desenvolvimento econômico nacional preci­
sa levar em conta os sistemas políticos e econômicos mundiais. A
cada passo se coloca o problema da manutenção ou do aprofun­
damento das rupturas externas. Segundo as ponderações de Var­
gas em 1951:

O Brasil encara como um imperativo inadiável o seu desenvolvimento


econômico iniesivo, em peileila harmonia com os demais paiscs america­
nos.
Esse desenvolvimento não depende apenas da politiea econômica e li
nanceira interna, que venha a scr firmada pelo Oiuvernu. Os latos econômi­
cos se situam numa conjuntura maior do que a nacional. O sucesso ou iusu
cesso de qualquer política depeilde, cm primeiro luyar, de sua perlctia
inscrição nas tendências c correlações regionais e mundiais, que em grande
parte predeterminam as consequências da ação dos govenms

Essas tensões se agravam com o desenrolar da política de


massas e do programa de industrialização, bem como de criação
de novas condições institucionais para o desenvolvimento econô­
mico independente. Em 1953, Vargas sanciona a lei que cria a
empresa estatal para exploração do petróleo nacional, a
Petrobrãs. Em seguida, agrava-se ainda mais a crise política. O
confronto entre os vários projetos de desenvolvimento econômico
e de organização do poder torna-se crucial. Em 1954, é total o an­
tagonismo entre os que desejam o desenvolvimento internaciona­
lizado (ou associado com organizações externas) e os que preten­
dem acelerar o desenvolvimento econômico independente. É a
época em que se impunha o aprofundamento das rupturas com os
setores externos e com a sociedade tradicional, se se desejava
entrar em novo estágio de apiicação do modelo getuliano. A de­
posição e suicídio de Vargas revela a vitória daqueles que queriam
reformular e aprofundar as relações com o capitalismo interna78

7. “ Vargas Teria Revelado à lem anha em 1940 o seu P ropósito de M anter a


N eutralidade", Folha da Manha, São P au lo , 1-6-1956.
8. G etúlio Vargas, op. cit., pág. 19.

63
cional. Sob muitos aspectos, a carta-testamento de Getúlio Var­
gas é uma síntese do espírito do getulismo, enquanto movimento
de massas, política econômica, relações com os países dominan
tes, etc. Além disso, a morte de Vargas e o documento assinalam
o ápice do período histórico configurado na democracia populis­
ta.
Mais uma vez, as forças c os interesses contra o povo coordenaram-se
novamente e se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; nãn
me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufo­
car a minha vnz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defen­
der, como sempre defendí, o povo e principalmente os humildes. Sigo o
deslino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos
grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revo
lução e vencí. Iniciei n trabalho de libertação e instaurei o regime da liber­
dade social. Tive de renunciar. Voltei ao Governo nos braços do povo. A
Campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou se às dos grupos
nacionais revoltados com o regime de garantia do trabalho A lei de lucros
extraordinários foi detida no Congresso Contra a justiça da revisão do
salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional
na polcncializaçãn das nossas riquezas através ria Petrobràs, mal cometa
esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Fletrobràs foi obstaeu
lada aié o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem
que o povo seja independente.
Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valo
res do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500%
ao ano. Nas declaraçócs de valores do que importàvamos existiam fraudes
constatadas de mais de 1<X) milhões de dólares por ano. Veio a crise do café,
valorizou se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a
resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de ser­
mos obrigados a ceder.
Tenho lutado m!s a mês. dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pres­
são constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo,
renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda de­
samparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de
rapina querem □ sangue de alguém, querem continuar sugando o povo bra­
sileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar
sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo
ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito
a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem,
sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos man­
terá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu
sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração
sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pen
sam que me derrotam respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e
hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo, não
mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua al­
ma e meu sangue será □ preço de seu resgate.

64
1 ulei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo.
lenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram
meu ânimo- Eu vos dei a minha vida Agora ofereço a minha morte. Nada
receio Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio
da vida para entrar na história9

O governo Juscelino Kubitschek de Oliveira foi um des­


dobramento singular dos componentes políticos e econômicas
implicados 11a crise que liquidou o governo Getúlio Vargas. Não
foi possível instalar uma ditadura, para liquidar com a democra­
cia populista de uma vez. Entretanto, o governo de Juscelino Ku
bitschek de Oliveira foi forçado a conciliar: manteve e apoiou-se
11a política de massa, mas realizou um progFama de desenvolvi­
mento econômico baseado na internacionalização dos novos in­
vestimentos. Falava-se então na “ desnacionalização” da
indústria brasileira, ao mesmo tempo que as novas organizações
econômicas procuravam associar capitais externos e nacionais.
Nesse sentido é que o governo de Juscelino foi paradoxal. Combi­
nou o esquema de sustentação política criado com o modelo getu-
iiano (portanto, de desenvolvimento econômico nacionalista) e
uma política econômica voltada para a internacionalização, isto
è, estruturada segundo um modelo diferente.
Portanto, os estilos populistas, do governo de Jânio Qua­
dros, e trabalhista, de João Goulart, não foram senão uma lace
da moeda. A outra face estava desfeita. Isto é, não tiveram con­
dições ou habilidade para restaurar o modelo getuliano em sua in
tegridade. Mas fizeram esforços nessa direção. O Plana Trienal,
que deveria ser executado entre 1963 e 65, foi uma tentativa de re
cuperar a dimensão econômica do padrão getuliano de desenvol­
vimento. A doutrina da política externa independente foi uma
tentativa audaciosa nessa direção. É o que podemos observar,
acompanhando as formulações de Jânio Quadros, San Tiago
Dantas e João Goulart.

9. Getúlio Vargas, “ Carta-Testamento” , transcrita por Nelson Werneck Sudrè,


Formação Histórica do Brasil, Editora Brasiliense, S3d Paulo, 1962, pãgs 4t2-3.
Sobre nacionalismo e desenvolvimento, consultar: Nelson Werneck Sodré,
História da Burguesia Brasileira, 2? edição, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,
1967. Michel Debrum, “ Nationalismc et Politíques du Dèveloppement au Brésil” ,
em Sociologie du Travail, Tirè à part, Aux Êditions du Seuil, Paris, 1964.

65
Quadros: A siluaçao do nosso balanço de pagamentos não permite,
sem prejuízo da taxa de nosso crescimento econômico, dispensar a contri­
buição do capital estrangeiro, sob forma de investimentos ou financiamen
tos, enquanto possa culaborar efica/.mente para intensificar o dinamismo
econômico do Pais, sob as garantias que a nossa legislação concede ás
empresas privadas Mas tal contribuição estará subordinada aos interesses
fundamentais do desenvolvimento brasileiro e da segurança nacional.
Impõe-se uma disciplina seletiva da entrada destes capitais, iiiceniivandu-a
em relação àqueles setores nus quais reputamos esta couperação convenien­
te ou recomendável para a presente etapa da nossa vida econômica, e
desestimulando a naqueles em que as suas vantagens não compensam os
ônus que acarretem Nem poderá jamais ser admitida, sein a simultânea ga
ratuia ao einpresánu brasileiro, de condições eletivas de concorrência,
modificando-se as leis e regulamentos que o coloquem em situação de infe­
rioridade. E u mesmo imperativo de subordinação do concurso do capitai
estrangeiro á economia naciunal como um lodo reclamara urgeme discipli­
na de toda a remessa de rendimentos para o exterior, que se prucesse de lor
ma imoderada, uu se constitua num fator permanente de intolerável evasão
de recursos.101

San Tiagci Dantas: Deixando de lado a evulução anterior, podemos di­


zer que a posição internacional do nosso Pais, de que depende a nossa
orientação em face das questões' concretas que se nus deparam, lein evu-
luido consiantemcnLc pra uma atitude de independência em relação a blo­
cos puliticos-militares, que não pode ser confundida com outras atitudes
cumumenic designadas como neutralismo ou terceira posição, e que não
nos desvincula dus princípios democrático e cristão, nus quais foi moldada
a nossa formação política
Essa posição de independência permite que procuiemus, diante de ca­
da problema ou questão internacional, a linha de conduta mais consenta-
uea com os objetivos a que visamos sem a prévia vinculação a blocos de
nações ou compromisso dc ação conjunta, ressalvados os compromissos re­
gionais contidos na Carta da OEA e no Tratado do KiO de Janeiro, e
também sem prevenção sistemática em relação a quaisquer outras, de for­
mação política OU ideológica diferente11.

Goulart: Quanto à pusição da economia dus países latino americanos


no relacionamento internacional, lorna-se necessária uma vigilância pata
que os seus efeitos negativos não se façam sentir de modo grave, seja nos
balanços de pagamento, pela drenagem desenfreada de luerus c dividen
dos, seja pelo encaminhamento preferencial e capitais para a extraçáu de
matérias-primas e a exportação de produtos agrícolas. Ê indispensável que
os planos de expansão das grandes iniciativas privadas se ajusiem ás priori
dades essenciais do desenvolvimento, objetivamenle identificadas. (...)

10. Jânio Quadros, op. cil. págs. 84-5.


11. San Tiago Dantas, Política Externa Independente, Editora Civilização Brasi­
leira, Rio de Janeiro, 1962, págs. 17 8.

66
A política exterior do Governo tem obedecido ao principio inalterável
de respeito pela sobciama dos outros povos e de salvaguarda da nossa
própria independência- Já vai longe o tempo cm que o Itiasil se podia con­
siderar isento de responsabilidades nas grandes questões internacionais. So-
mus. hoje, uma das nações democráticas mais populosas c as .nossas ira
dicões jurídicas e puliiicas nos conterem autoridade pata levarmos uma
ação construtiva ao debuie dos grandes pioblemus do tnuitdo contemporâ­
neo. piocurando sempre eoutribuir, com o mellioi dos nossos cstoi\-os, pa­
ra a pieservavàoeo fortalecimento da p a/1-.

Por todas essas razões, a poliiica de massas foi a vida e a


morte do modelo getuliano de desenvolvimento nacional. (Juandn
não leve mais contrapartida nas diretrizes da poliiica econômica,
tornou-se inconveniente.

12 loão Goulart, Desenvolvimento e Independência. Serviço Grafico do IIK.l:


Brasília. 19<>2, pags. «K -I e I2S.
VI

Política de Massas
no Cam po

No principio, a contradição entre a cidade e o campo está ba­


seada nos desencontros entre a agricultura exportadora e a in­
dustrialização para o mercado interno. Neste ponto, são os
empresários e os capitais que se confrontam. Trata-se de uma luta
em vários planos. De um lado, pela posse e retenção do excedente
econômico, e, de outro, pela manutenção ou pela modificação da
estrutura econômica. Essa luta manifesta-se direta e indiretamen­
te no âmbito do poder politico. Em boa parte, os golpes e revo­
luções ocorridas no Brasil, desde 1922, estão de alguma forma re­
lacionados com esse enfrentamento. Depois, uma parLe cada vez
maior dos empresários, seguindo as conveniências dos capitais ou

r.K
dos seus empreendimentos, combinam-se ou desdobram-se um no
outro. Formam-se os grupos econômicos, simples e complexos,
nacionais ou associados com organizações estrangeiras. Assim,
entram em estágio cada vez mais complexos os processos de con­
centração e centralização do capital, em planos nacional e inter­
nacional, envolvendo agricultura e indústria. Não só reinvestem-
se capitais na mesma unidade produtiva como também aglutinam-
se capitais individuais diversos, isto é, situados em um mesmo se­
tor ou setores diferentes. Por essa razão, os antagonismos se
enfraquecem ou adquirem outras conotações.
Posteriormente, no entanto, novas modalidades de antago­
nismo instauram-se no seio da própria sociedade agrária. Ai co­
meçam a confrontar-se os grandes proprietários e os trabalhado­
res. Vejamos como se caracterizam estas duas categorias. (Deixa­
mos de lado os pequenos e médios estabelecimentos agrícolas.)
Uns são empresários, fazendeiros, estancieiros ou latifun­
diários. F as suas propriedades podem ser divididas nos seguintes
tipos polares: a empresa agrícola e o latifúndio. Uma é uni
empreendimento propriamente capitalista, como a usina dc
açúcar, a fazenda de café, de cana ou de cacau. O outro não tem a
categoria de empresa: é um estabelecimento agrícola baseado nu­
ma organização dos fatores e em relações de trabalho tradicio
nais. Trata-se de uma grande unidade dispersa em subunidades
autônomas, organizadas em atividades produtivas de substância e
parcialmente mcrcantilizadas. Portanto, dependendo do grau de
utilização eficaz, isto è, adequadamente racional, dos elementos
da produção (inclusive e especialmente a força de trabalho), e da
vinculação com o mercado nacional e internacional, um estabele­
cimento agrícola qualifica-se como empresa ou latifúndio.
Os outros possuem a própria força de trabalho e, às vezes,
um ou outro instrumento de trabalho. Ê óbvio que a forma pela
qual se insere o trabalhador no processo produtivo ê um dado
fundamental para a qualificação do empreendimento econômico
no mundo rural. Entretanto, não se deve confundir a definição
social do trabalhador com o significado do seu trabalho e, em
consequência, do produto de sua atividade produtiva. A depender
do modo de realização do produto do trabalho (no mercado, co­
mo valor de troca, ou na comunidade, como valor de uso), o tra­
balhador será ou não elemento de uma empresa ou de um la­
tifúndio. A maior ou menor espoliação não é suficiente para defi-

69
nir o caráter pré-capiialista ou capitalista do empreendimento. Ao
contrário, pode ser útil para qualificar o grau de realização do ex­
cedente, como lucro e renda. Ê neste contexto que devemos
compreender os trabalhadores agrícolas, seja qual for a sua defi­
nição social local ou regional: colono, volante, empreiteiro, par­
ceiro, rendeiro, meeiro, eiteiro, camarada, peão, morador, serin­
gueiro, agregado, etc.
Cabe reconhecer que é grande o volume da mào-de-obra que
trabalha em terras alheias, para lermos unia ideia não só da
estrutura da força de trabalho, como também das condições de
mobilidade de elementos e grupos da camada dos trabalhadores
agrícolas. Além disso, verifica se uma presença significativa da
mulher e do menor, como contingentes importantes na compu
siçâo da força de trabalho no inundo rural. Essa composição (ho­
mens, mulheres e menores, ou trabalhadores permanentes e tem­
porários) è importante para caracterizar as condições das migra­
ções rurais-urbanas. De um lado, torna-se fácil encontrar substi­
tuto para o homem que vai para a cidade uu para a indústria. Por
outro, a saída do homem (como è a regra), mais que a da mulher
ou do jovem, alivia as tensões sociais motivadas pela participação
das pessoas mais experimentadas nas questões de trabalho e rei­
vindicação. Muitas vezes, os migrantes são homens com atuação
ou com condições pessoais de liderança e organização. Dispõem
de horizonte cultural mais amplo que a média. For isso, sua
migração para os centros urbanos ou núcleos industriais, repres­
enta uma perda de elementos virtuais de vanguarda. Mas este é
apenas um aspecto da questão.
Se passarmos ao nível da população presente, em cada ramo
de atividade, verificamos que diminui o contingente das pessoas
da sociedade agrária. Devido à atração exercida pelas condições
de vida nas cidades e nos centros industriais (ou por causa das mu­
danças tecnológicas e organizatórias em andamento no campo),
descrescc pouco a pouco a população relativa presente nas ativi
dades primárias. Paralelamente, aumenta o contingente relativo
nos setores secundário e terciário.
No entanto, não são as condições de atraso, pauperismo e
exploração que alimentam diretamente as tensões políticas no
mundo agrário. As contradições inerentes às relações de pro­
dução, na sociedade rural, somente adquirem pleno caráter
político quando aparecem os componentes próprios da situação

70
de classe. Enquanto o universo social e cultural esLá predoininan-
temente impregnado dos valores e padrões comunitários e patri­
moniais, os trabalhadores não podem formular as suas reivindi­
cações em termos propriamente políticos. Em condições, de exis­
tência marcadas pela situação comunitária e patrimonial tradicio
nal, impera o voto dç cabresto, a política de campanário, o coro
nelismo, a tocaia, as técnicas do engano, o misticismo, o mutirão,
as relações de compadrio, inclusive com os proprietários das ter
ras e dos instrumentos de produção. Nesse universo, as tensões
sociais desdobram se no misticismo ou na violência individualiza­
da e anárquica. Nessa situação, o trabalhador não dispõe de re
cursos culturais e intelectuais para definir o proprietário ou o ca
pataz como outro. Todos participam do mesmo nós. E quando ele
pensa o proprietário das terras como “outro” , não o toma como
categoria política, mas apenas como categoria social, bafejada pe­
la tradição, a sorte e os laços de família.
Somente quando se modificam as condivues de produção é
que as relações de trabalho perdem conteúdos comunitários c
patrimoniais, adquirindo conteúdos políticos. Esse processo
verificou-se em Porecaiu, no Paraná, em Santa Fé do Sul, no Es
tado de São Paulo, tanto quanto na zona úmida, em Pernambu­
co. No caso de Santa Fé do Sul. ocorrido em 1960. as tensões so­
ciais adquiriram conotação política quando os agricultores senti
ram que estavam na iminência de transformar-se (com o término
do contrato assinado com os proprietários das terras) em Ira
balhadores sem trabalho; ou seja, trabalhadores em busca de ira
balho Em outros termos, percebiam de algum modo a situação
de mercado, enquanto vendedores virtuais e de fato de força de
trabalho. Não viam possibilidades de retomar o mecanismo de ar­
rendamento, na base do qual viveram alé então. Daí as disputas
jurídicas e os seus desdobramentos políticos inevitáveis: conflitos
armados.
Esta era a situação dos trabalhadores, em lermos jurídicos.
Mediante um contraio válido por um ano, ou uma safra agrícola,
□s parceiros agricultores defrontavam-se com os seguintes proble­
mas, ao fim do acordo:
Além dos referidos em ouiios itens, o parceiro agricultor lerá na vige»
cia deste contraio, os seguintes direitos e ubrigaçôes:
a) Construir, na área cedida, casa para sua habitarão e benfeitorias ne
cessárias à finalidade deste contraio, é seu direito, mas. findo o prazu

71
contratual, não terá direito a indenização nem a retenção das que fizer, po­
dendo entretanto, retirar a telha e o arame que tiver ali empregado;
b) Construir poço ou sistema contígua à casa è seu direito, mas fica
obrigado a entupi-lo ou enterrá-lo no final do presente contrato;
c) Animais de custeio: — pode o parceiro agricultor manter ou apas­
centar em piquete que fizer na área cedida os animais necessários ao custeio
de sua lavoura. Não poderá, entretanto, deixar animais soltos em qualquer
parte da fazenda, pois esta também não cede invernadas para estadia ou
apascentamentodos aludidos animais;
d) Deverá o parceiro agricultor deixar na divisa de sua lavoura com a
do vizinho o carreador necessário para a livre circulação dos agricultores,
dos empregados da proprietária e de veiculos necessários à lavoura. (...)
12. O parceiro agricultor deverá, na época própria de dezembro deste
ano ao riuat de Janeiro do ano próximo, efetuar, na área que lhe é cedida, a
plantação de capim colonião. Deverá ser feita observando a distância
máxima de 16 palmos entre covas e ruas, contendo, no mínimo, quatro ca
nas ou mudas cada cova.
13. A cessão, sublocação total ou parcial dos direitos deste contrato só
são permitidas com anuência expressa da primeira contratante.
14. Findo o presente contrato pela fluência de seu prazo, ou pela sua
rescisão por forma prevista em direito, deverá o parceiro agricultor retirar-
se do imóvel, independente de notificação ou interpelação. Considera-se
motivo justo para rescisão, além dos previstos em lei. a violação de obrigaçõ­
es aqui estatuídas.
15. Cumprindo o parceiro agricultor á risca os lermos do presente
contrato e retirando-se da fazenda no seu término, terá perdoadas as dívi­
das que tiver com a primeira contratante e oriundas do contrato anterior,
prorrogado por este, dividas estas referentes à plantação de capim e renda
do ano agrícola que se findou1.
Em conseqüência do caráter do contrato (leonino em seus
efeitos, particularmente ao findar-se), os arrendatários iniciaram
reivindicações jurídicas. Pouco a pouco, o conflito adquiriu co­
notação política. Segundo relato publicado em jornal diário, exa­
tamente nos dias em que se agravam as relações entre proprietário
arrendatário e os parceiros agricultores:

Ao contrário dos rumores alarmistas divulgados na Capital do Estado


(São Paulo) — ao que tudo indica com objetivos eleitoreiros e de agitação
política e social — reina ordem no município de Santa Fé do Sul. A popu
lação está calma e a situação é de tranquilidade, na cidade e em seus distri­
tos — Rubinêia, Três Fronteiras, Santa Clara e Santana da Ponle Pensa —
muito diferente da do ano passado. Não hâ luta entre fazendeiros “ latifun-

1. Contrato de Parceria Agrícola, transcrito em "Os Arrendatários Esperam a In­


tervenção do Governo” , reportagem de O Estado de São Paulo, 6-8-1960, pàg. 10.

72
diários” e “ camponeses” espoliados, para usar o jargão comunista. Tudo
se resume no descontentamento de cerca de 50 famílias de arrendatários, di­
retos ou indiretos, do invernisla Io sé de Carvalho Diniz, cujos contratos já
se venceram ou estão prestes a expirar e que, contra a vontade do arredan-
te. pretendem continuar nas terras arrendadas, alegando automática pror­
rogação contratual, por força da lei do inquilinato. Desses SO, algyns não
cumpriram o contrato vencido, infringindo suas cláusulas; outros, cumpri­
ram, mas se incompatibilizaram com os arrendantes2

Esses são alguns dos elementos mais importantes atuando na


proletarizaçâo dos trabalhadores agrícolas. É a mudança da si­
tuação que favorece o aparecimento de fatores e condições
jurídicos e políticos nas tensões surgidas com os proprietários das
terras. Em certo sentido, está em curso a proletarizaçâo do tra­
balhador agrícola. Ou melhor, encontra-se em andamento uma
nova etapa no processo de transformação do agricultor em assala­
riado. Para novos contingentes de lavradores (de várias catego­
rias) coloca-se o problema de vender a sua força de trabalho, em
algum lugar. Essa proletarizaçâo concretiza-se (no horizonte das
próprias pessoas), seja no ambiente urbano-industrial, seja com a
tansformação da fazenda em empresa propriamente dita Ou
melhor, a politização dos trabalhadores rurais ocorre no momen­
to em que as relações de produção se tornam relações de tipo capi­
talista. Neste instante, os valores e padrões comunitários c
patrimoniais já não têm mais condições de sustentação; ou ao me­
nos de predomínio. Então, também o trabalhador adquire as con­
dições básicas para a definição do proprietário, ou do capataz,
como outro. Não mais apenas como pertencente a outra parentela,
dispondo de fortuna e tradições notáveis, mas como "outro” po­
liticamente.
Celso Furtado descreveu a maneira pela qual se verifica a
proletarizaçâo na zona úmida do Nordeste. Ele acompanha os ele­
mentos fundamentais do processo.
A industrialização do Pais, trazendo um atimenio de renda per capita e
intensa urbanização, provocou incremento apreciável do consumo de
açúcar, no correr desse decênio. Com efeito, de menos de 30 milhões de sa-

2. “ Solução Judicial Para os Arrendamentos de Terra na Zona de Santa Fé do


Sul” , reportagem publicada por O Estado de São Pauto, 3-8-1960, pág. 12. Ainda
sobre a proletarizaçâo do trabalhador rural no Estado de san Paulo: Moisés
Vinhas, Operários e Camponeses na Revolução Brasileira, Editora Fulgor, Sào
Paulo, 1963.

73
cos em 1953-54. o consumo nacional passou ein 1962-63 para mais de 46
milhões. Por outro lado, condições extremamenle favoráveis no inercado
mundial permitiram ampla reiumada das exportações, o que deu lugar a
um crescimento da produção ainda mais imenso que o do consumo. O Nor­
deste participou dessa nova prosperidade, crescendo a sua produção em
cerca de 50 por cento no último decênio. Ocorre, entretanto, que esse au­
mento de produção se fez na forma costumeira de simples incorporação de
novas terras aos canaviais, terras essas quase sempre inferiores às anterior­
mente sob cultivo. Como us rendimentos médios por hectare cultivado de
cana se mantiveram estacionários em torno de 40 toneladas, cabe inferir
que os esforços rcalizadus por alguns pouco proprietários, introduzindo
sistemas de irrigação e o uso de adubos, foram apenas suficientes pura com­
pensar a incorporação de terras de inferior qualidade. Sendo assim,
também cabe deduzir que houve uma elevação nos custos médios de pro­
dução e uma baixa de rentabilidade durante o recente período de expansão,
admitidos preços relaLivos constantes de insumos e produto.
O assunta da produção que vimos de considerar teve duas ordens de
consequências práticas: por um ladu, a pressão pata expandir os canaviais
levou à progressiva eliminação das áreas anteriormente dedicadas á pro
dução de alimentos; por outro, a tendência à elevação dos custos reais criou
uma forte pressão sobre os salários dos trabalhadores.
A expansão das áreas sob cultivo de cana teve consequências de pro­
funda significação social e econômica. () morador, em período relativa
mente curto, foi transformado de pequeno sitiante, responsável pela pro
dução de parle daquilo que comia com sua família, cm um mero trabalha
dor assalariado. De seu coiilmamenio num casebre Isulado em cima de uma
colina, onde sua lamilta vivia sem consciência de vizinhança, foi “ empurra­
do" para a beira da estrada, jã sem poder planiar “ um palmo de roça". Te
ria sido necessário um aumento substancial no salano munetario desse tra
balhador para que ele pudesse ahastecer-se comprando os alimentos que
aiUcriormenic produzia. Desta forma, a transformação do morador em
simples trabalhadur assalariado acarretava uma elevação do custo de mão-
de-obra sem qualquer correspondência em aumenlu de produtividade. O
morador era um trabalhadui semi-estacional que se recolhia parcialnieiite a
uma economia não monetária de subsistência durante aquele periodn em
que era menor a demanda de trabalho; isso transformava o em uma mão
de-obra exlremameme baraia. pois a terra que utilizava para sua roça de
quintal não tinha qualquer uso ecunõmico alternativo. Au surgir uin uso
para essa terra, □ mesmo trabalhador necessitaria de um salário bem mais
alio a fim de sobrevivei. A pressão no sentido dc elevação dos salários mo
iietários dos trabalhadores surgiu concomtlaiitemenie com a outra pressão
jã referida de elevação dus custos reais da produção, decorrência da incor­
poração de terras dc inferior qualidade3

3. Celso furtado, Dialéttcu do Desenvolvimento, Lditora fundo de Cultura, Kio


de Janeiro, 1964, págs. 143 5. Sobre as relações dc produção nu mundo agrário do
Nordeste: Manoel Correta de Andrade, A Terra e o Homem no Nordeste. Editora
Brasiliense, São Paulo, 1963 Quanto às relações de trabalho e políticas vigentes

74
Essas transformações econômicas e sociais de profundidade
foram acompanhadas pelo aparecimento de vários tipos de lide­
rança poiitica no mundo agrário. Entre os lideres surgidos no
Nordeste, simultaneamente às transformações das relações de
produção apontadas, destacam-se: Francisco Julião, deputado fe
deral do Partido Socialista Brasileiro, organizador e líder de Ligas
Camponesas; Miguel Arraes, Prefeito de Recife e, depois Gover­
nador de Pernambuco (1961 4. quando foi deposto) como
membro do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); Celso Furtado,
economista, sem partido, organizador da SUDENE, cujo prugra-
ma era a dinamização das forças produtivas e a modernização da
empresa industrial e agrícola em todo o Nordeste; Padre Melo, da
Igreja Católica, que teve ligações com o Instituiu Brasileiro de
Ação Democrática (IBAD), órgão que no Nordeste funcionava
abertamente contra Arraes e Julião. Além dessas lideranças, mais
evidentes na década que vai de 1955 a 64, encontram-se ein ativi­
dade grupos e líderes ligados ao Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB), à Igreja Católica (como a Ação Popular, AP), ao Partido
Comunista do Brasil, ao Partido Comunista Brasileiro, etc.
Devido à sua condição de Governador de um Estado-cliave
no Nordeste (o Estado de Pernambuco) e cm decorrência da sua
posição política trabalhista, Miguel Arraes desempenhou um pa­
pel importante na região. Pode ser considerado um dos mais típi­
cos representantes do populismo de esquerda. Em certo sentido,
foram Celso Furtado (com a SUDENE) e Miguel Arraes (com a
política trabalhista) que “ levaram” a Revolução de 30 ao Nordes­
te. Como Governador, Arraes agiu no sentido de formalizar e
modernizar as relações de trabalho favorecendo a democratização
do poder político. Assim, colocava-se direta e decididamente na
linha de política de massas inerente ao modelo getuliano de desen­
volvimento econômico. Vejamos alguns elementos indicativos das
suas preocupações predominantes:

Ao retirar da policia a função tradicional de instrumento da garantia


des privilégios seculares de uma minoria, criando, simultaneamente, con­
dições para o livre exercício, por parte de todos, das franquias democráli
cas asseguradas pela Constituição — logrou o Governo alingir, nesle pri-

antes das Ligas Camponesas e sindicatos rurais: Victor Nunes Leal. Coronelisnio.
Enxada e Voto. Rio de Janeiro, 1948, sem indicação do fcdilor.

75
meiro ano de mandato, uma de suas metas fundamentais. Fruto de uma
concepção de ordem e de liberdade que foge à costumeira tendência de
julgá-las conflitantes entre si, foi essa a primeira conquista alcançada e,
certamente, a mais importante.
Fsse conceito novo de poder de policia do Estado, ao lado do rápido
processo de organização da massa de trabalhadores do campo, permitiu
uma profunda transformação social na zona canavieira pernambucana.
As condições que ai prevaleciam de há muito tinham assumido um
caráter francamente incumpalivel com as exigências do desenvolvimento de
nosso Pais e de Pernambuco. Subsistindo ariificialmente às custas de uma
politica protecionista e de subvenções do Governo Federal, o sistema cana-
vieiro eternizava métodos de produção inteiramente ultrapassados. Na par­
te agrícola, piincipalmente, o atraso assumia aspectos alarmantes,
traduzindo-se em rendimentos por hectare dos mais baixos do mundo. Não
havia incentivo para novos investimentos; ao contrário, a política açucarci-
ra do Governo Federal, administrada por intermédio do Instituto do
Açúcar e do Álcool estimulava a estagnação, com evidente prejuizo para a
Nação e o Estado.
Ao lado do protecionismo míope do Instituto do Açúcar e do Álcool,
um outro mecanismo contribuía consideravelmente para assegurar uma
precária rentabilidade à agro indústria açucaieira; a manutenção de níveis
salariais extremamente baixos, preço vil da labuta diária e estafante da
massa de trabalhadores rurais.
É bem verdade que se tornava inevitável a eclosão dc numerosos e po­
tentes movimentos rcivindicatòrios. dado o estado de miséria e de opressão
em que viviam Os trabalhadores da zona canavieira. Graças, entretanto, â
mobilização de todo o aparelho do Estado na defesa intransigente dos pri­
vilégios de uma minoria retrógrada, sufocava-see procurava-se desarticular
o processo de organização dos trabalhadores do campo, na vã tentativa de
bloquear o avanço, para o cenário político, de forças sociais que já não po­
diam ser ignoradas.
Ê claro que essa situação não podería perdurar, baseada que era na
miséria de uma massa trabalhadora que aos poucos tomava consciência de
si própria e de seus problemas. Esse lento processo de tomada de consciên­
cia, verdadeiramente inexorável em sua dinâmica interna e manifestando-se
de maneira esporádica e desordenada, apresentava-se aos olhos da minoria
beneficiada como eminentemente subversivo. A História está cheia de
exemplos semelhantes. Não foi considerada menos subversiva a Abolição
da Escravatura, em 1888.
Em decorrência das condições favoráveis criadas pelo Governo, o pro­
cesso de organização e, consequentemente, de amadurecimento politico dos
trabalhadores das cidades e dos campos fez progessos rápidos e consi­
deráveis em Pernambuco. Isso ê particularmente verdadeiro na zona cana­
vieira do Estado.
Se a aprovação pelo Congresso Nacional de legislação trabalhista para
o campo criou condições legais favoráveis à ruptura das relações de tipo se-
mifeudal que ainda prevaleciam em amplos setores de nossa agricultura,
esse diploma legal, entetanto, levando-se em conta que resultou de um mo­
vimento político com base mais nas cidades do que propriamente no cam-

76
po, tendería inevitavelmente a transformar-se em letra morta, a exemplo do
que ocorre com outras garantias legais, desde que não fossem criadas con­
dições para sua imediata adoção. F.m Pernambuco, foi possível reunir as
duas condições mais favoráveis: um movimento dos trabalhadores do cam
po ascendente em grau de conscientização e organização, c um Governo
verdadeiramente democrático capaz de assegurar sua livre manifestação na
deresa de seus direitos ed e suas legitimas reivindicações.
Ao movimento organizado e democrático dos trabalhadores da zona
canavieira, em sua legitima aspiração por melhores niveis de vida, cabe o
inegável mérito de ter desnudado o clima de estufa em que vivia a agro­
indústria canavieira. Foi necessário uma pressão de baixo para cima, gera­
da pela ampla camada de trabalhadores rurais que não mais suportava as
condições em que vivia, para que se chegasse â tardia descoberta de que
cana-de-açúcar tem custo de produção E isso ocorreu porque uma parcela
expressiva que compunha aquele custo e que tinha, atè então, se mantido
invisível, explicitou sua existência de maneira clara c decidida4

Como vemos, o trabalhismo de Miguel Arraes repetia no


Nordeste o que a Revolução de 30 havia possibilitado (e em boa
parte concretizado) nas principais regiões do Centro-Sul. Em
outras palavras, a política de massas e o getulismo chegam ao
Nordeste e às áreas do País com décadas de atraso.
É nesse contexto histórico que se criam as Ligas Camponesas
e, em seguida, os sindicatos rurais. Entretanto, por essas mesmas
razões, as ligas e os sindicatos não puderam ser levados rapida­
mente a uma atuação política de tipo radical. Francisco Julião,
que simbolizava a liderança radical de esquerda no ambiente rural
brasileiro — em especial no Nordeste — sabia que os trabalhado­
res agrícolas que estavam formando ligas, associações e sindicatos
não dispunham de experiência propriamente política para avançar
no sentido da revolução- Ele sabia que a “ foice” nas mãos do tra­
balhador era ainda um instrumento de violência anárquica e não
de violência revolucionária. A consciência que o trabalhador pos­
suía da própria situação não lhe permitia distinguir claramente
entre a liga e o sindicato, o pelego e o líder, o padre e o misticis­
mo, Julião e Jango (João Goulart). Por isso. com o Estatuto do
Trabalhador Rural (Lei n? 4.214, de 2 de março de 1963), as Ligas
Camponesas começaram a ser rapidamente substituídas pelos sin­
dicatos rurais. Ou seja as organizações e lideranças ligadas à
Igreja Católica, ao Partido Comunista e ao Partido Trabalhista

4. Miguel Arraes, Palavra de Arraes, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janei­


ro, 1965, págs, 101-3,

77
substituem Francisco Julião (ou reduzem progressivamcnte sua
capacidade de liderança) na região. Aliás, já em 1962 o Padre Me­
lo tranquilizava os setores mais conservadores em vários quadran-
tes:

O Padre Melo disse que o fenômeno das Ligas Camponesas lende a


exlinguir-se paulalinamenie. bssas entidades, sendo sociedades civis, só
abrigam aqueles cuja participarão lhes interessa e isso as leva a peider forra
ante o movimento de sindicalizarão rural, que cresce a cada dia no Nordes­
te. Negou, entretanto, que as ligas, agora ou em qualquer ocasião, tivessem
caráter comunisia ou lossem obra de uma só pessoa {alusãti a / rancisca Ju
liâa.f
A inexistência de comunismo nas ligas, o padre a explica com a pru-
fund ignotância dos camponeses, a qual não llies permite sequer ler quais­
quer principius nem Organizar-se em torno dc suas necessidades.5

Assim, a política de massas elaborada nos ambientes urbano


industriais difunde-se e ganha alento nos meios rurais. Fundam-se
os sindicatos, com o mesmo espirito dos sindicatos dos operários
industriais. Isto ê, o caráter assistencial e recreativo sobrepuja o
caráter político das organizações do proletariado agrícola. Fm
1954, já se fundara em Sào Paulo a União dos Trabalhadores
Agrícolas do Brasil (LLTAB). Em I? de janeiro de 1955 cria-se
uma ativa Liga Camponesa, a Sociedade Agrícola e Pecuária dos
Plantadores de Pernambuco. Em dezembro de 1963, fundou-se a
Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas (CON-
TACi).
Em síntese, a forma pela qual o proletariado agrícola estava
se engajando no processo político nacional é semelhante àquela
posta em prática com os sindicatos de operários industriais. Sob
certos aspectos, a entrada dos trabalhadores rurais nas lulas
políticas inspiradas na situação de classe ocorre segundo as técni­
cas populistas, formuladas nos centros urbanos. Aliás, o próprio
Miguel Arraes reconhece que a legislação trabalhista para a socie
dade rural ‘'resultou de um movimento político com base mais
nas cidades do que propriamente no campo’’. Nesse sentido, a de­
mocracia populista transborda para o inundo rural e alarma a
burguesia agrária. Dentre as reivindicaões mais audaciosas do
proletariado agrícola destacam-se a liberdade de organização sin-

5. “ Padre Melo: Não há comunismo no NL, mas Insatisfação” , cf. O Estado de


São Paulo, 5-5-1962, pág. 40.

78
dícal e políiiua e a reforma agrária. As lutas organizadas em torno
desss alvos estavam facilitando a mobilizarão crescente das “ mas­
sas camponesas’’. Em grande parte, o / Congresso Nacional de
l avradores e Trabalhudores Agrícolas, reunido em lido Horizon­
te em novembro de 1961. concentrou-se sobre esses lemas:

C o m a fin a lid a d e J e re a liz a r a r e f o r m a a g r a r i a ijue c T c liv a m c m e in te ­


ressa a o p o v o e as m a s s a s i r a b a l h a d u r a s d o c a m p o , j u l g a m o s in d isp e n sá v e l
e u rgeiu e dar solu c ãu às segu in ies q u cslò e s:
a) — Kadical transformação da aluai eslrutura agraria do Pais, com a
liquidação do monopólio da propriedade da terra exercido pelos laiilun
diários, principulmeiue com a desapropriação, pelo governo lederal, dos
lalifúndios, suhsiiluindo-se a prupiiedade munopolisla da lerra pela pro
priedade camponesa, etn forma individual ou associada, e a piopricdade cs
lalal.
b ) — Máximo a c e s S O a p o s s e e a o u s o d a t e r r a p e l o s r| ue n e l a d e s e j a m
I r a b a l l i a i , a b a s e d a v e n d a , u s u f r u i u o u a l u g u e l a p r e ç o s modicos d a s l e i r a s
d e s a p r o p r i a d a s a o s l a l i l u n d i á r i o s e d a d i s i r i b u i c ã o g r a l u i l a d a s le rr H S devo
Im ãs.
Alem dessas medidas que visanr a modificar radicaliiienic as aluais ba
ses da quesiãu agrária uu que respeila ao problema da lerra, são necessárias
soluções que possam melhorar as aluais dc vida c de iraballiu das massas
camponesas, como sejam:
a) — Respeito au amplo, livre e democrático direito de organização i»
dependente dos camponeses em suas associacòes de classe.
b) — Aplicação efetiva da parle da tcgislacãu tiabulltista ja existente e
que se estende aos trabalhadores agrícolas, bem como imediatas providên­
cias governamentais no sentido de impedir sua violação. Elaboração dc Es­
tatuto que vise a urna legislação trabalhista adequuda aos trabalhadores ru
rais.
c) — Plena garantia à sindicalização livre e autônoma dos assalariadas
e semi-Hssalariados do catnpo. Reconhecimento imediato dos sindicatos ru
rais.
d) Ajuda efetiva e imediata à economia camponesa, sob iodas as
suas Ibrmas.6

Como vemos, nessa declaração reúnem-se elementos típicos


do reformismo da esquerda compromissada com a política de
massq^i. Ai estão, associados, temas fundamentàis da sociedade
agrária e linguagem característica do esquerdismo populista. Em

6. “ Declaraçao de Belo H orizonte” , apresentada no encerram ento do I Congresso


Nacional de Lavradores e T rabalhadores Agrícolas. Belo H orizonte. 17 de no­
vembro de 1961. T ranscrita por Francisco .luliào. Que são as Ligas Camponesas,
Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1962, págs. H4 5.

79
outros termos, mais uma vez a sociedade agrária e a sociedade
urbano-industrial encontram-se na politica de massas.

80
I

VII
A Esquerda e as Massas

A esquerda brasileiracompreendeu que o ciclo de ruptura de­


sencadeado com a Primeira Guerra Mundial (desdobrado na
Grande Depressão iniciada em 1929 e na Segunda Guerra Mun­
dial) repercutiu profundamente no interior da sociedade nacional.
Percebeu as relações entre as contradições internacionais e contra­
dições internas nas diferentes nações, produzindo-se a revolução
comunista na Rússia, na China e em Cuba, bem como a indepen­
dência da tndia, do Egito, da Argélia, etc. Entendeu-se que os
golpes, revoltas e revoluções ocorridos no Brasil desde 1922 eram
as manifestações internas das crises do sistema colonial capitalis­
ta.
81
Entretanto, essa mesma esquerda não pôde aprofundar as
rupturas políticas no tírasil, para conduzir o Pais ao socialismo.
A sua compreensão da situação não chegou a ganhar profunda­
mente o proletariado urbano e muito menos o agrícola (bem como
setores da classe média, intelectuais, estudantes, etc.) a ponto de
provocar a revolução. Esse é o dilema mais grave com o qual se
defronta a esquerda brasileira, ua época em que se dão lutas
notáveis pela supressão da economia colonial e pela emancipação
econômica, política e cultural. Vejamos algumas particularidades
desse dilema.
No confonto entre as concepções básicas dos vários grupos e
classes sociais engajados nas disputas políticas no Brasil, a esquer­
da precisou lutar muito para formular e fixar-se numa alternativa
própria. Diante dos modelos apresentados ou encampados pelos
diferentes setores da classe dominante (exportador, de substi­
tuição e internacionalista), a esquerda brasileira precisuu criar a
sua concepção de progresso socialista. Vinha das tradições teóri­
cas e práticas do marxismo-leninismo, como solução revolu­
cionária. Entretanto, precisou ajustar se às condições locais.
Evoluiu para um projeto reformista, amplameiite apoiado ua
política de substituição de importações, como principal artificio
tático. Esta é a orientação predominante a partir de 1945.
Antes dessa data, no entanto, esteve com prometida de várias
formas, sem estruturar de modo convincente um projeto próprio.
Oscilou entre a teoria marxista-leninisla da revolução, como po­
sição teórica, e o lenentismo, cuiuo linha política efetiva; entre
uma teroria revolucionária e o “ putschismo” posto em prática no
levante de 1935 Além disso, foi obrigada a desenvolver uma luta
persistente e muitas vezes difícil contra o inlegralisino, a ditadura
do Estado Novo, o nazismo, pela anistia aos presos políticos (Luis
Carlos Prestes, Agildo Barata e outros, lideres ou não) detidos
durante todo o período do Estado Novo. Desde a sua fundação,
por um grupo de operários e intelectuais, em 1922, até o final da
Segunda Guerra Mundial, o Partido Comunista preparou qua­
dros partidários e auxiliares e acumulou experiências, procurando
conformar a teoria da revolução a uma sociedade que estava
ingressando na época industrial, ü dilema consistia em encontrar
as correspondências práticas das contradições formuladas teorica­
mente.

82
A partir de 1945, no eiuanlo, o reformismo predomina, co
mo orientarão política interna. Em plano internacional, a prima­
zia cabe à luta contra o imperialismo norte americano, cujo ponto
de apoio interno é considerado o latifúndio. Assim, a luta* pelas
reformas de base é encarada como caminho mais eficaz para atin­
gir simultaneamente os interesses dos latifundiários, setores da
burguesia comercial e os imperialistas. Para desenvolver essa
campanha, o PC favorece e estabelece a aliança entre operários,
setores da classe média, estudantes universitários, intelectuais,
políticos populistas, militares e, pnncipalmeiue, setores da bur­
guesia nacional. Essa interpretação do desenvoivimentismo nacio­
nalista supunha que os interesses de setores ponderáveis da bur­
guesia industrial pelo mercado interno a colocava em antagonis­
mo com os grupos latifundiários, importadores e imperialistas.
Assim, a frente única, acertada entre esquerda e burguesia, pode­
ría conduzir a luta pelo progesso econômico, a democratização
crescente e as conquistas da classe operária.
Em termos mais precisos, a esquerda adota taticamente o
modelo “ substituição de importações’’, como etapa necessária no
processo revolucionário brasileiro. Entretanto, essa posição ialica
a lev a a adotar e emaranhar se na política de massas. E lornase
um dus principais elementos da democracia populista. Aqui surge
o segundo dilema sério da esquerda brasileira: não pôde transfor­
mar a política de massas em luta de classes.
Em verdade, a esquerda brasileira não escapou — a não ser
ocasionalmente — das coordenadas e da iniciativa estabelecidas
pelos setores de vanguarda da classe dominante. For um lado, as
lutas políticas estavam relacionadas às reformas institucionais
orientadas e conduzidas pela burguesia industrial, com apoio da
classe média. O tenentismo e, depois, u nacionalismo, consuhs
tanciam ideologicamente essas lutas. Tratava-se de redefinir as re
lações externas e com a sociedade tradicional, em beneficio da ex
pansão da sociedade urbano-industrial. O fulcro desse projeto era
acelerar a transição da eLapa da política de exportação para a da
política de substituição de importações. Ao mesmo tempo,
tornava-se urgente atender a algumas exigências de demucrati
zaçâo e ascensão social da classe média, civil e militar. Além dis­
so, era premente a formalização das relações de trabalho no setor
industrial em desenvolvimento e no setor terciário. O Ciolpe de
Estado de 10 de novembro de 1937, instalando o Estado Novo,

83
destina-se fundamentalmente a controlar as tensões sociais cres­
centes. Entretanto, o processo de reformulação das relações exter­
nas e com a sociedade tradicional continuou. O próprio aparelho
estatal passou por uma reforma importante, modernizando-se em
vários setores. Em certo sentido, a criação da Companhia Si­
derúrgica Nacional e a Consolidação das Leis do Trabalho simbo­
lizam os primeiros resultados práticos e de significação estrutrural
das lutas reformistas começadas duas décadas antes. Em seguida,
vieram o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico
(BNDE), a Petrobrás, a SUDENE, etc. como desdobramentos do
mesmo processo geral de transformações institucionais e dinami-
zação das forças produtivas relacionadas com os setores se­
cundário e terciário.
Por outro lado, a iniciativa e as coordenadas estabelecidas
pelos setores mais dinâmicos da burguesia industrial concretizam-
se na política de massas. Desde a sua posse como Presidente da
República, mediante a Revolução de 1930, Gelúlio Vargas refor­
mula lenta mas totalmente as relações do poder público com as
classes assalariadas. Dedica atenção especial aos operários. Mas a
Consolidação das Leis do Trabalho não é o único elemento im­
portante na estruturação e desenvolvimento da política de massas.
Vejamos como a ideologia da politica de massas se configura na
evolução das formulações de Vargas, Kubitschek e Goulart.

Getúlio Vargas — 1931: A propósito, é oportuno observar, ultima


mente exterioriza-se injustificável desconfiança na colaboração das organi­
zações sindicais, surgidas sob o estimulo da necessidade comum e dosjjUc.
resses dcjçlaSSA,
" S s leis, há pouco decretadas, reconhecendo essas organizações, tive
ram em vista, principalmente, seu aspecto jurídico, para que, em vez de
atuarem como força negativa, hostis ao poder público, se tornassem, na vi­
da social, elemento proveitoso de cooperação no mecanismo dirigente do
Estado. Explica-se, assim, a conveniência de fazê-las compartilhar da or­
ganização política, com personalidade própria, semelhante à dos partidos,
que se representam de acordo com o coeficiente das suas forças eleitorais.

1938: O Estado não quer, nào reconhece luta de classes. As leis tra­
balhistas são leislle harmonia social.
1940: A disciplina politica tem de ser baseada na justiça social, ampa­
rando o trabalho e o trabalhador, para que este não se considere um valor
negativo, um pária à margem da vida pública, hostil ou indiferente à socie­
dade em que vive. Só assim se poderá constituir um núcleo nacional coeso,
capaz de resistir aos agentes da desordem e aos fermentos de desagregação.

84
E preciso que o proletário participe de todas as atividades públicas, co­
mo elemento indispensável de rolaboração social. A ordem criada pelas cir­
cunstâncias novas que dirigem as naçòès STficompativel com o individualis­
mo, pelo menos, quando este colida com o interesse coletivo. Ela não admi
te direitos que se sobreponham aos deveres para com a Pátria.
1940: Sempre tive em vista, ao resolver o problema das relações do ira
balho e do capital, unir, harmonizar e fortalecer todos os elementos dessas
duas poderosas forças do progresso social. E assim agtTnão apenas em obe­
diência a princípios de ordem polilica, mas também guiado pelo sentimen
to, pela convicção de que só na paz e na compecnsâo fraternal podem os
homens realizar as suas aspirações de aperfeiçoamento materiale cultural.
1940: O preconceito de classe, tal como o concebem e exploram os re
formadores extremistas, nunca nos preocupou na elaboração das leis so
ciais. Numa sociedade onde os interesses individuais prevalecem sobre os
interesses coletivos, a luta de classes pode surgir com o caráter de uma
reação de consequências funestas Por.isso, as leis sociais, para serem boas
e adaptáveis, devem exprimir o equilíbrio dos interesses da coletividade, eli­
minando os antagonismos, ajustando os fatores econômicos, transforman­
do, enfim, o trabalho em denominador comum de todas as atividades úteis.
O trabalho è, assim, o primeiro dever social. Tanto o operário como o
industrial, n patrão como o empregado, realmente voltados ás suas tarefas,
não se diferenciam, perante a Nação, no esforço construtivo: são todos tra­
balhadores. Diante deles e contra eles só há uma classe em antagonismo
permanente, cuja nocividade é preciso combater e reduzir ao minimo: a dos
homens que não contribuem para o engrandecimento do Pais, a dos ocio­
sos, a dos parasitas.1
1947: Aos trabalhadores compele garantir o seu próprio futuro,
impondo-se como grande maioria nos quadros politicos do Pais e propug
nando pelo progresso e pela união da família brasileira.
O Partido Trabalhista Brasileiro é a arma política do prolciariadu.
Tenhamos a certeza de que a luta que hoje travamos não será vã, porque já
se fixou no espirito de nossa gente a influência decisiva da evolução que se
processa, configurando o sistema da igualdade social.
No futuro, a sociedade brasileira não se subdividirá mais entre ricos e
pobres, poderosos e humildes. Será um povo unido pela compreensão, pelo
senso da realidade para felicidade comum.
O Primeiro de Maio deverá ser, então, a data da confraternização de
todas as classes, exaltando o esforço coletivo12

Juscelino Kubitscheck de Oliveira — 1960: Preservar a paz social, com


a melhoria das condições de vida do trabalhador e o paralelo incremento da

1. Getúlio Vargas, As Diretrizes tia Nova Política do Brasil, José Olympio Edito­
ra, Rio de Janeiro, 1942, págs. 209-10. 215 e 218-20. Trata sede uma coletânia de
discursos e pronunciamentos de Vargas.
2. Getúlio Vargas. A Política Trabalhista no Brasil, José Olympio Editora, Rio de
Janeiro, 1950, págs. 188-9.

85
produtividade, foi objeto de constante empenho do Uoverno, todas as ve­
zes que se fez necessária a sua interferência nas reivindicações salariais.
Graças à compreensão enj,rg empregados c empregadores, puderam
levar-se a bom termo ós entendimentos, com soluções adequadas, mesmo
quando as greves chegaram a deflagrar. Estas de pouca duração, não pro­
duziram sensíveis abalos na estrutura econômica ou na harmonia social.
(...)
Muito se interessou a Administração pelo maior congracam enLO dos
iiabalhadores, ao mesmo tempo que prucuruu sanear as instituições desti­
nadas à sua defesa, afastando elementos nocivos.
Vè o Governo, eotn agrado, que as entidades de classes, de primeiro e
segundo graus, se multiplicam e, na maioria dos casos, têm à sua frente di­
retorias cujo nível intelectual mostra o alto índice de politização das classes
trabalhistas e patronais brasileiras. Os cursos de formação sindical e de di
I vulgação da legislaçãu do trabalho, promovidos por vários órgãos do Po
der Público e por entidades privadas, contribuiram, em boa parte, para o
desenvolvimento daquelas entidades, que hoje cuoperain com o Poder
Público em vários setores administrativos3

Juúo Goutari — 1963: Os problemas do trabalho, fatoi principal da


produção e da riqueza nacionais, vêm merecendo do meu Governo especial
atenção. Assegurar a existência de leis adequadas e zelar por sua aplicação,
promover firme política salarial que melhore o poder aquisitivo dos tra­
balhadores, proporcionar lhes uma sólida organização sindical, garaniido-
ra de eficientes contratos coletivos de trabalho, foram, são e serão sempre
metas básicas da política social do meu Governo.
A despeito das incompreensôes de alguns setores, lenho desenvolvido
constantes esforços para dar aos trabalhadores e sua família, vale dizer, ao
povo brasileiro, cm geral, condições dc vida mais humanas e mais dignas, a
que têm incontestável dúeiio. Muito resta, ainda, a fazer. Mas uma parte
considerável tio que era necessário já está feita. No decorrer de 1962, várias
leis por mim promulgadas corresponderam a reivindicações especificas das
classes laboriosas. (...)
A recente promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural, produto de
laboriosos estudos e debates do Congresso Nacional, assinala um dos mais
imponanies marcos da nossa história trabalhista. Sem desconhecer as difi­
culdades de ordem prática a serem superadas para sua execução, estou cer­
to de que constituirá poderoso instrumento da redenção econômica e social
do homem do campo e uma das condicionantes fundamentais de uma efi­
caz reforma agrária. A sindicalização rural, fator básico para a implan
taçâo de legitimo e harmônico progresso social nos campos vinha sendo
permanente preocupação do meu Governo. Só através dela poderão os tra
balhadores rurais se organizar disciplinada e sistematicamente para a defe­
sa de seus interesses. A boa organização sindical è essencial ao êxito mesmo

3. Juscelino Kubitschek de Oliveira, Mensagem ao Congresso Nacional, Rio de Ja­


neiro, 1960, págs. 131 e 132 3.

86
da aplicarão da nova legislarão trabalhista, consubstanciada no Estatuto
recém-promulgado45.
1964: Os encargos da missão histórica de dotar o Brasil de uma econo­
mia independente não podem nem devem recair, exclusivainente. sobre as
classes laboriosas, exatameme as que desempenham, nessa grande tarefa,
papel tão considerável e que, constituindo, precisamente, os grupos'econo­
micamente mais fracos, não podem prescindir do amparo e da defesa em
que o Estado deve desvelar-se.
Esta, entre tantas outras, uma das funçóes principais du legislarão tra­
balhista e da previdência social, de cuja melhor aplicarão e constante aper­
feiçoamento dependerão, diretamente, os resultados da nossa política de
desenvolvimento econômico.
Portanto, a melhor compreensãu dos direitos e deveres nas relações de
emprego, 0 seu respeito e observância; um amparo tnais eficiente 1 1 a
doença, na invalidez e na velhice; a certeza de um nivel de vida condigno; a
proteção da assistência mèdico-social; a reeducação c a readaptação profis­
sional é que proporcionarão aos trabalhadores c à sua tainiiia a segurança e
a tranquilidade indispensáveis ao labor fecundo e construtivo, mola funda­
mental de qualquer empreendimento público ou privada c peça essencial de
qualquer programa de desenvolvimento econômico*.

Assim, a Consolidação das Leis do Trabalho, o Harlido Tra­


balhista Brasileiro, o peleguismo, o Estatuto do Trabalhador Ru­
ral, Vargas, Kubitschek, Goulart, Arraes, Brizola fazem parte de
um mesmo sistema e continuum. E juntam-se também Ademar do
Barros, Hugo Borghi, Jânio Quadros e outros, como elementos
V dojnesmo universo Dopulista. Todos eles, no entanto, estão rela-
I cionados ao pensamento getuiiano e particularmente a política de
\massas, como elementos ligados nuclcarmente ou couto variantes.
lEssa é uma das conotações básicas da democracia populista.
Nesse contexto histórico e ideológico, a esquerda brasileira
ficou como que “ aprisionada". As técnicas da política de massas
e o reformismo, conduzidos pelos setores mais audaciosos da
política de industrialização, estabeleceram os limites e as con­
dições tanto da politização como da atuação política do proleta­
riado urbano, de certos setores da classe média, dus estudantes
universitários e, depois, do proletariado agrícola, hin consequên­
cia, viveu oscilando entre as recordações do marxismo e as exigén
cias da democracia populista. O fato é que ela não foi capaz de
transformar a política de massas numa política de classes. Não

4. João Goulart, Mensagem ao Congresso Nacional, Brasília, 1963. pàgs. 137 e


139.
5. João Goulart, Mensagem ao Congresso Nacional, 1964, pàgs. 177 g.

87
formulou nem implantou uma interpretação alternativa que cor­
respondesse às possibilidades histórico-estruturais e não sucum­
bisse ao fascínio da ideologia getuliana6.
Entretanto, os desenvolvimentos da política de massas não
foram pacíficos, ao contrário, as “ concessões” consubstanciadas
na legislação trabalhista industrial e rural, por exemplo, eram o
resultado de reivindicações reais, conseqüentes de tensões e con­
flitos repetidos e acumulados na experiência coletiva. Á medida
que se desenvolve e diversifica a economia nacional (em especial
com a industrialização), multiplicam-se as greves. No jogo entre
os empresários, os assalariados e as organizações políticas, as ten­
sões agravam-se e conduzem a situações de impasse. A freqüência
das greves indica o esforço do proletariado e dos assalariados em
geral na defesa do poder aquisitivo do salário. Muitas vezes, as
organizações e lideranças de esquerda preparam e comandam as
greves.
Essa quantidade de greves, grevistas e empresas envolvidas é
indicativa da forma pela qual os operários resistem ao esvazia­
mento do salário real. Aliás, dentre os motivos alegados na de­
flagração e manutenção dos movimentos grevistas sobressaem as
razões econômicas. Alèm do mais, dentre os setores profissionais,
ressalta a participação dos operários texteis; exatamente o setor
mais “ arcaico” da indústria nacional.
As greves operárias no Brasil encontram-se em torno de mo-
tivos econômicos. Raramente estão relacionadas a razões poliii-
cas. Entretanto, muitas vezes as lideranças e organizações còm u~
nistas, socialistas, petebistas e outras procuram dar mesmo àque
las greves uma conotação política mais ampla. Aliás, todas as gre­
ves adquirem, em algum grau, significações políticas, dependendo
das condições de sua eclosão e dos efeitos diretos e indiretos exer­
cidos no ambiente sindical, na classe operária e em outros setores
da sociedade. Neste plano, aquelas lideranças e organizações mui­
tas vezes exerceram um papel ativo e audacioso. Entretanto,

De modo geral, embora as direções sindicais procurem intervir cada


I vez mais nos problemas políticos mais amplos do País, é visível que nào têm

6. Sobre esse tema. consultar: “ Perspectiva da Esquerda” , por Gabriel Cohn e


“ Pcilitica de Massas” , por Francisco C. Weffort, em Política è Revolução Social
no Brasil, de autoria de O. Ianni, P. Singer, G. Cohn e F. C. Weffort, Editora Ci­
vilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1965.

88
jcondições para uma mobilização maciça do conjunto da classe como instru-
•mento de pressão para a consecução dos objetivos propostos7.

Aliás, inclusive em greves motivadas por questões econômi­


cas a participação operária é reduzida. Em termos quantitativos,
pode-se dizer que é uma participação muito mais por omissão que
por ãçSó deliberada e persistente. A propósito, convém observar
que ãté^nesmo o número de operários sindicalizados é pequeno.
Se o próprio sindicato ainda não conquistou a confiança dos tra­
balhadores, ou não despertou o seu interesse, é óbvio que a capa­
cidade destes de se relacionarem e aceitarem as lideranças sindi­
cais é reduzida. Essa é uma decorrência da própria estrutura do
operariado brasileiro: formação recente e acelerada, origem rural,
tipo de composição por grupos de idade e por sexos, etc. Esse é
um fato fundamental para a compreensão da política de massas e
das condições e limites da ação das esquerdas.
Mesmo as greves de cunho deliberadamente político — como
a greve geral de S de julho de 1962 — não estão isentas de objeti
vos econômicos imediatos e explícitos. Ao menos, é um elemento
importante para interessar e mobilizar setores da classe operária.
Essa greve teve os seus alvos formulados pelas cúpulas sindicais
das seguintes organizações: Federação Nacional dos Estivadores,
Federação Nacional dos Marítimos, Federação Nacional dos Por­
tuários, FEderação Nacional dos Ferroviários, Federação Nacio­
nal dos Gráficos, Federação Nacional dos Arrumadores, União
dos Portuárias do Brasil e Comissão Permanente das Organi­
zações Sindicais da Guanabara. Eslas foram as reivindicações que
mobilizaram as diferentes categorias profissionais:

1) Lula concreta e eficaz contra a inflação e a caresiia, mobilizando


todos os meios de transporte para condução de gêneros essenciais dos cen­
tros produtores para os consumidores, chegando-se, se necessário, até ao
confisco dos estoques existentes:
2) Reforma agrária radical e, de imediato, reconhecimento dos Sindi­
catos de Trabalhadores Rurais;
3) Reforma urbana como única solução para o problema da casa
própria;

7. Leôncio Martins Rodrigues, Conflito Industrial e Sindicalismo no Brasil, Difu­


são Européia do Livro, São Paulo, 1966, págs. 57.

89
produtividade, foi objeto de constante empenho do Governo, todas as ve­
zes que se fez necessária a sua interferência nas reivindicações salariais.
Graças à compreensão entre empregados e empregadores, puderam
levar-sc a bom termo õs entendimentos, com soluções adequadas, mesmo
quando as greves chegaram a deflagrar. Estas de pouca duração, não pro
duziram sensíveis abalos na estrutura econômica ou na harmonia social.
(...)
Muito se interessou a Administração pelo maior congf açumeoio dos
Itabalhadores, ao mesmo tempo que procurou sanear as instituições desti­
nadas á sua defesa, afastando elementos nocivos.
Vê o Governo, com agiado, que as entidades de classes, dc primeiro e
segundo graus, se multiplicam e, na maioria dos casos, têm á sua frente di
relorias cujo nível intelectual mostra o alto índice de polilizaçãu das classes
trabalhistas e patronais brasileiras. Os cursos dc formação sindical e de di
vulgação da legislação do trabalho, promovidos por vários órgãos do Eo
der Público e por entidades privadas, contribuiram, em boa parle, para o
desenvolvimento daquelas entidades, que huje cooperam com o Poder
Público cm vários setores adminisiiaiivus3

João Goulart — 1963: Os problemas do trabalho, fator principal da


produção e da riqueza nacionais, vêm merecendo do meu Governo especial
atenção. Assegurar aexisténcta de leis adequadas e zelar por sua aplicação,
promover firme política salarial que melhore o poder aquisitivo dos tra­
balhadores, proporcionar-lhes uma sólida organização sindical, garantido-
ra de eficientes contratos coletivos de trabalho, foram, são e serão sempre
■netas básicas da política social do meu Governo.
A despeito das incompreensôes de alguns setores, lenho desenvolvido
constantes esforços para dar aos trabalhadores e sua família, vale dizer, ao
povo brasileiro, em geral, condições de vida mais humanas e mais dignas, a
que têm incontestável direito. Muito resta, ainda, a fazer. Mas uma parte
considerável do que era necessário já está feita. No decorrer de 1962, várias
leis por mim promulgadas corresponderam a reivindicações especificas das
classes laboriosas. (...)
A recente promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural, produto de
laboriosos estudos e debates do Congresso Nacional, assinala um dos mais
importantes marcos da nossa história trabalhista. Sem desconhecer as difi­
culdades de ordem prática a serem superadas para sua execução, estou cer­
ta de que constituirá poderoso instrumento da redenção econômica c social
do homem do campo e uma das condicionantes fundamentais de uma efi­
caz reforma agrária. A sindicalizaçào rural, fator básico para a implan­
tação de legitimo e harmônico progresso social nos campos vinha sendo
permanente preocupação do meu Governo. Só através dela poderão os tra-
halhadores rurais se organizar disciplinada e sistematicamente para a defe­
sa de seus interesses. A boa organização sindical é essencial ao êxito mesmo

3. Juscelino Kubitschck de Oliveira, Mensagem ao Congresso Nacional, Rio de Ja­


neiro, 1960, pàgs. 131 e 132-3.

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cia aplicarão cia nova legislação trabalhista, consubstanciada no Estatuto
recém-promulgado4.
1964: Os encargos da missão histórica de dotar O Brasil de uma econo­
mia independente não podem nem devem recair, exclusivameiue, sobre as
classes laboriosas, exatameme as que desempenham, nessa grande tarefa,
papel tão considerável e que, constituindo, precisamente, os grupos econo­
micamente mais fracos, não podem prescindir do amparo e da defesa em
que o Estado deve desvelar-se.
Esta, entre tantas outras, uma das funções principais da legislação tra­
balhista e da previdência social, de cuja melhor aplicação e constante aper­
feiçoamento dependerão, diretamente, os resultados da nossa política de
desenvolvimento econômico.
Portanto, a melhor compreensão dos direitos e deveres nas reiações de
emprego, o seu respeito e observância; um amparo mais eficiente na
doença, na invalidez e na velhice; a certeza de um nivel de vida condigno; a
proteção da assistência médico social; a reeducação e a readaptação profis­
sional é que proporcionarão aos trabalhadores e à sua família a segurança e
a tranquilidade indispensáveis ao labor fecundo e construtivo, mola funda
mental de qualquer empreendimento público ou privado e peça essencial dc
qualquer programa de desenvolvimento econômico5.

Assim, a Consolidação das Leis do Trabalho, o Partido Tra


balhista Brasileiro, O peleguismo, o Estatuto do Trabalhador Ru
ral, Vargas, Kubitschek, Goulart, Arraes, Brizola fazem parle de
um mesmo sistema e continuum. E juntam-se também Ademar de
Barros, Hugo Borghi, Jânio Quadros e outros, como elementos
do mesmo universo populista. Todos eles, no entanto, estão rela-
>cionados ao pensamento getuliano e particularmente à política de
massas, como elementos ligados nuclcarmente ou como variantes.
,'Essa é uma das conotações básicas da democracia populista.
Nesse contexto histórico e ideológico, a esquerda brasileira
ficou como que “ aprisionada” . As técnicas da política de massas
e o reformismo, conduzidos pelos setores mais audaciosos da
política de industrialização, estabeleceram os limites e as cou
dições tanto da poiitização como da atuação política do proleta
riado urbano, de certos setores da classe média, dos estudantes
universitários e, depois, do proletariado agrícola, Em consequên
cia, viveu oscilando entre as recordações do marxismo e as exigên
cias da democracia populista. O fato é que ela não foi capaz de
transformar a política de massas numa política de classes Nâo

4. Jo ão G oulart, Mensagem ao Congresso Nacionul, Brasília, 1963. págs 137 e


139.
5. João G oulart, Mensagem ao Congresso Nacional, 1964, págs 177 8

87
formulou nem implantou uma interpretação alternativa que cor­
respondesse às possibilidades histórico-estruturais e não sucum­
bisse ao fascínio da ideologia getuliana6.
Entretanto, os desenvolvimentos da política de massas não
foram pacíficos, ao contrário, as “ concessões” consubstanciadas
na legislação trabalhista industrial e rural, por exemplo, eram o
resultado de reivindicações reais, consequentes de tensões e con­
flitos repetidos e acumulados na experiência coletiva. À medida
que se desenvolve e diversifica a economia nacional (em especial
com a industrialização), multiplicam-se as greves. No jogo entre
□s empresários, os assalariados e as organizações políticas, as ten­
sões agravam-se e conduzem a situações de impasse. A frequência
das greves indica o esforço do proletariado e dos assalariados em
geral na defesa do poder aquisitivo do salário. Muitas vezes, as
organizações e lideranças de esquerda preparam e comandam as
greves.
Essa quantidade de greves, grevistas e empresas envolvidas é
indicativa da forma pela qual os operários resistem ao esvazia­
mento do salário real. Aliás, dentre os motivos alegados na de­
flagração e manutenção dos movimentos grevistas sobressaen^as
razões econômicas. Além do mais, dentre os setores profissionais,
ressalta a participação dos operários texteis; exatamente o setor
mais “ arcaico” da indústria nacional.
As greves operárias no Ürasil encontram-se em torno de mo-
tivos econômicos. Raramente estão relacionadas ã razões políti­
cas. Entretanto, muitas vezes as lideranças e organizações comu-
nistas, socialistas, petebistas e outras procuram dar mesmo àque
Ias greves uma conotação politica mais ampla. Aliás, todas as gre­
ves adquirem, em algum grau, significações políticas, dependendo
das condições de sua eclosão e dos efeitos diretos e indiretos exer­
cidos no ambiente sindical, na classe operária e em outros setores
da sociedade. Neste plano, aquelas lideranças e organizações mui­
tas vezes exerceram um papel ativo e audacioso. Entretanto,

De modo geral, embora as direções sindicais procurem intervir cada


‘I ver mais nos problemas políticos mais amplos do Pais, é visível que não têm

6. Sobre esse tema, consultar: "Perspectiva da Esquerda", por Gabriel Cohn e


“ Politica de Massas” , por Francisco C. Weffort, em Política ê Revolução Social
no Brasil, de autoria de O. lanni, P. Singer, G. Cohn e F. C. Weffort, Editora Ci­
vilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1965.

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condições p ara um a mobilização maciça do conjunto da ciasse com o instru­
)m ento de pressão p ara a consecução dos objetivos propostos7.

Aliás, inclusive em greves motivadas por questões econômi­


cas a participação operária é reduzida. Em termos quantitátivos,
pode-se dizer que é uma participação muito"mais por omissão que
por ação deliberada e persistente. A "propósito, convém observar
que àté mesmo o número 3e operários sindicalizados é pequeno.
Se o próprio sindicato ainda não conquistou a confiança dos tra­
balhadores, ou não despertou o seu interesse, ê óbvio que a capa­
cidade destes de se relacionarem e aceitarem as lideranças sindi­
cais é reduzida. Essa è uma decorrência da própria estrutura do
operariado brasileiro: formação recente e acelerada, origem rural,
tipo de composição por grupos de idade e por sexos, etc. Esse é
um fato fundamental para a compreensão da política de massas e
das condições e limites da ação das esquerdas.
Mesmo as greves de cunho deliberadamente político — como
a greve geral de 5 de julho de 1962 — não estão isentas de objeti­
vos econômicos imediatos e explicitos. Ao menos, é um elemento
importante para interessar e mobilizar setores da classe operária.
Essa greve teve os seus alvos formulados pelas cúpulas sin d ica is
das seguintes organizações: Federação Nacional dos Estivadores,
Federação Nacional dos Maritimos, Federação Nacional dos Por
tuários, FEderação Nacional dos Ferroviários, Federação Nacio
nal dos Gráficos, Federação Nacional dos Arrumadores, União
dos Portuários do Brasil e Comissão Permanente das Organi­
zações Sindicais da Guanabara. Estas foram as reivindicações que
mobilizaram as diferentes categorias profissionais:

1) Luta concreta e eficaz contra a in Ilação e a ca réstia, mobilizando


todos os meios de transporte para condução de gêneros essenciais dos tni
tros produtores para os consumidores, chegando se, se necessário, até ao
confisco dos estoques existentes;
2) Reforma agrária radical e, de imediato, reconhecimento dos Sindi
catos de Trabalhadores Rurais;
3) Reforma urbana como única solução para o problema da casa
própria;

7. Leôncio Martins Rodrigues, Conflito industriale Sindicalismo no Brasil, Difu


São Européia do Livro, São Paulo, 1966, págs. 57.

89
4) Ketorma bancaria, com a nacionalização dos depósitos;
5) Reforma eleitoral com direito de voto aos analfabetos, aos cabos e
soldados das forças Armadas e a instituição da cédula única pura as
eleições de 7 de uutubio;
6) Reforma universitária e a participação de 1/3 de cstndanies nas
Congregações, Conselhos Departamentais e Conselhos Universitários;
7) Ampliação da atual política externa do Brasil, pela conquista de
novos mercados, em delcsa da paz, do desarmamento talai e da autodetei -
imitação dos povos;
K) Repúdio e desmascaramento da política financeira do Fundo Mo
netítrio Internacional;
V) Aprovação da lei que assegura o direito de greve, nos termos do
projeto aprovado pela Câmara Federal, com as emendas propostas e já
aprovadas pelos trabalhadores em suas conferências e congressos;
10) Encampação, com toiiibainento, de todas as empresas estrangeiras
que exploram os serviços públicos;
11) Controle na inversão de capitais estrangeiros nn Pais e limitação de
remessa de lucros;
12) Participação de trabalhadores nus lucros das empresas;
13) Revogação de todo e qualquer acordo lesivo aos interesses naciu
liais;
14) Fortalecimento da Pctrobrás com o monopólio estatal da impur-
taçáo de óleo bruto, da distribuição de derivados a granel, da indústria
petroquímica e a encampação das refinarias particulares;
13) Medidas concretas e eficazes para o funcionamento da Fletrobrás;
16) Criação du Aerobrás, instituindo o monopólio estatal na aviação
comerciai;
17) Manutenção das atuais autarquias que exploram o transporte
inaritimo, assegurando-se-lhes o percentual de 5<>u/a das cargas transporta­
das, na importação e exportação, às embarcações mercantis nacionais;
18) aprovação da Lei que institui o pagamento do 13" mês de
salários8.

Conto vemos, aí estão reunidos, num só programa, os objeti­


vos correntes da política populista e aqueles específicos da esquer­
da. A esquerda presente na formulação dessas reivindicações pre­
cisou conformar-se às exigências reformistas inerentes ao funcio
namento da democracia populista. Aliás, cia percebe a situação e
define o seu programa tendo em vista as ambiguidades das con­
dições de luta. Entretanto, no final, ela própria não escapa às am­
biguidades desse jogo. Revertem-se uma e muitas vezes os meios c

8. Programa transcrito por Jorge Miglioli, Como São Feitas as Greves no Brasil,
Fditora Civilização Brasileira, Riu de Janeiro, 1963, pàgs. 117-8.

90
os fins, no âinbito do populismo. Ao esiudar e delinear a orien­
tarão e as tarefas dos comunistas no movimento sindical, a es
querda estabelece os seguintes princípios:

A tarefa principal e permanente do movimento comunista consiste cm


tinir e organizar a classe operaria, elevar sua consciência e dirigii a sua luta.
para que ela possa desempenhar sua função dirigente na sociedade hrasilei
ra. A classe operária desempenhará um papel cada vez mais importante 1 1 a
vida política do Pais. 1 1 a medida cm que fortalecer sua unidade sindicai.
Os comunistas não estão sós no movimento sindical, nem podem assu­
mir uma atitude de cxclusivismo partidário. I iá numerosas tendências entre
os operários, muitos pensam direrentemente dos comunistas mas todos pre­
cisam unir-se para que a classe operária se fortaleza. Os comunistas consi
deram que os sindicatos não devem ser postos a serviço de objetivo que di
vida os operários. Ao contrário, devem ser instrumento de união dos ira
balhadores de todas as tendências na luta por suas reivindicações. Com tal
compreensão, os comunistas se esforçam por cumprir o papel de 1 1 aço de
união entre as diversas correntes atuantes no movimento sindical e para ar
regimenlar nos sindicatos os trabalhadores ainda desorganizados, que
constituem a maioria. A união dos trabalhadores de orientação comunista,
trabalhista, socialista, católica e dos trabalhadores sem liliação partidária,
é a arma principal de que dispõe a classe operária paia lutar por seus inte­
resses.
A unidade sindical só pode ser alcançada através da unidade de ação
dos trabalhadores cm torno às reivindicações comuns e mais sentidas, poi
mais elementares que sejam. A lim de obter se essa unidade de ação, ê ne­
cessário utilizar-se as conquistas da legislação social vigente e procurar
concretizá-las e aperfeiçoá-las, influindo sobre o Parlamento com a pressão
de massas para conseguir a aprovação de novas leis Os comunistas atuam,
por isso, nos marcos da esiruiuia sindical e observam a í onsukdmão i/u.
Leis tio Trabalho, procurando dentro da lei urgauizar e unir os trabalhado-
res na luta por suas reivindicações econômicas, sociais e publicas.
A unidade só pode ser conseguida em bases sólidas e duradouras se o
movimento sindical contar com a participação ativa das massas trabalhado
ras, senão for uni movimenio apenas de cúpula. Uma permanente preucu
pação dos comunistas deve sei. portanto, o fortalecimento dos sindicatos, a
ampliação de seus quadros, a realização de campanhas de sindicalizaçáo,
bem CD1 1 1 0 as iniciativas capazes de atrair os sindicalizadus inativos pata a
vida sindical. Entre estas iniciativas destaca-se a criação de comissões pau
o estudo e defesa dns mais vai iados interesses operários, tais conto a previ­
dência social, a higiene e segurança do iraballtu, o sulàtiu profissional, o
salario-fantilia e a escala móvel. Comissões semelhantes podem ser criadas
para a luta contra a carestia da vida, pela democratização dus órgãos gover
nantenlais de controle dos preços, para a estatística du custo de vida, assim
cutno para o incentivo ao esporte à recreaçãu, à cultura, a arregimemaçào
dos jovens e mulheres. A iim de atrair as mulheres à vida sindical podem
ser criados cursos de corte e costura c culinária. São úteis os cursos do
SENAI e SEN AC, destinados a elevar o nível profissiunal dus iiabaltiadu-

yi
res. Os cursos organizados pelo Ministério do Trabalho, pelei 5ESI e outras
instituições, com o objetivo de difundir a Consolidação das L-eis do Tra
halho e alfabetizar os operários devem ser utilizados, lutando-sc simulta­
neamente contra os seus aspectos negativos como pregação de “ paz so­
cial", etc.9.

Essa interpretação das condições de luta política no seio do


proletariado prolonga-se numa interpretação das condições de lu­
ta no âmbito da sociedade nacional. Assim, definem-se as contra­
dições principais e secundárias, internas e externas, como alvos
estratégicos e táticos da atividade política de esquerda. Dentre as
contradições, destacam-se o desenvolvimento econômico nacio­
nalista e o imperialismo, a ascensão das massas camponesas e o
latifúndio, envolvendo objetivos táticos como os seguintes: refor­
mas de base, frente única com a burguesia nacional, aliança
operària-estudantil, valorização do nacionalismo e do espírito de­
mocrático das Forças Armadas, etc.
Essa comprensão da realidade brasileira foi posta em prática
em várias ocasiões: nas épocas eleitorais (1945, 1950, 1955, 1960),
na campanha pela anistia aos presos políticos durante o Estado
Novo e especialmente às vésperas da sua liquidação (1944-5), na
campanha pela exploração nacional do petróleo brasileiro (1947-
53), na campanha pelas reformas de base (1961-4), na campanha
pelo plebiscito destinado a restaurar o presidencialismo e as prer­
rogativas do Presidente João Goulart (1962-3). Em todas essas
ocasiões, participaram o PC, o PSB, setores amplos do PTB e
restrito do PSD, além de sindicatos e confederações sindicais, or­
ganizações estaduais e nacionais de estudantes universitários, gru­
pos de intelectuais e militares. A síntese dessa interpretação e des­
sa prática aparece em várias resoluções partidárias, particular­
mente do PC.

A sociedade brasileira encerra duas contradições fundamentais que


exigem solução radical na atual etapa histórica de seu desenvolvimento. A
primeira é a contradição entre a Nação e o imperialismo norte-americano c
seus agentes internos. A segunda é a contradição entre as forças produtivas
em crescimento e o monopólio da terra, qe se expressa, essencialmenic, co­
mo contradição entre os latifundiários e as massas camponesas.

9. “ O Movimento Operário e a Política Sindical dos Cumunistas", documento


transcrito, em Apêndice, por Jover Telles, O Movimento Sindicalrm Brasil. Edito­
rial Vitória, Rio de Janeiro, 1962. págs, 285-301; citação das pães. 291-2.

92
A coniradiçau antagônica entre o proletariado e a burguesia, inerente
ao capitalismo, è também uma contradição fundamental da sociedade bra­
sileira. Mas esta contradição não exige solução radical e completa na aluai
etapa da revolução, uma vez que, na presente situação do Pais, não há con­
dições para transformações socialistas imediatas.
Em sua atual etapa, a revolução brasileira é antiimperialista e antifeu-
dal, nacional e democrática. São suas tarefas essenciais:
— A completa libertação econômica e politica da dependência em re­
lação ao imperialismo, o que exige medidas radicais para eliminar a ex­
ploração dos monopólios estrangeiros que operam no Pais, principalmente
os norte-americanos.
— A transformação radical da estrutura agrária, com a eliminação do
monopólio da propriedade da terra, das relações pré-capitalistas de tra­
balho c, consequentemente, dos latifundiários como classe.
— O desenvolvimento independente e progressista da economia nacio­
nal. mediante a industrialização do Pais e a superação do atraso de nossa
agricultura.
— A elevação efetiva do nivel de vida material e cultural dos
operários, dos camponeses e de todo o povo.
— A garantia real das liberdades democráticas e a conquista de novos
direitos democráticos para as massas.
A realização dessas tarefas implica em transformações revolucionárias
na sociedade brasileira. Exige profunda mudança na correlação de forças
politicas e a passagem do Poder estatal ás mãos das forças antiimperialislas
e antifeudais — a classe operária, os camponeses, a pequena burguesia ç a
burguesia ligada aos interesses nacionais — entre as quais o proletariado,
como a força revolucionária mais consequente, deverá ter o papel
dirigente10.

Essa é uma síntese da política populista com a linha politica


da esquerda, envolvendo proletariado, burguesia nacional e
outros setores da sociedade. É uma combinação do padrão de
substituição de importações com as reformas de base, em nome
do desenvolvimento nacionalista. Essa è a essência da democracia
populista, como modelo político de desenvolvimento. Nisto está a
singularidade do caminho brasileiro para a industrialização, o de­
senvolvimento econômico em geral e a democratização.
Naturalmente a adesão total à politica de massas, ou a sua
adoção tática, não foi exclusiva do PC. Outros grupos políticos
ingressaram nessa direção, como recurso de ação política realista.
Assim, ao lado do PC, PSB, PTB, FPN (Frente Parlamentar Na­
cionalista), FLN (Frente de Libertação Nacional, 1961), CGT

10. Resolução Política da Convenção Nacional dos Comunistas, Rio, 1961,

93
(Confederação Geral dos Trabalhadores) e UNfc ((Jnião Nacional
dos Estudantes), colocam-se também o grupo mais radical do PC
(Partido Comunista do Brasil, linha chinesa) a POLOP (Política
Operária), a AP (Ação Popular, católica) e as Ligas Camponesas
sob a liderança de Francisco Julião. Também as figuras de Leonel
Brizola, Miguel Arraes, Almino Afonso, San Tiago Dantas e
outros situam se nesse contexto, mais à esquerda nu mais à direita
das diretrizes formuladas nos textos transcritos. Houve momen­
tos em que o Clube Militar esteve engajado nessa corrente, em no­
me do nacionalismo, da defesa nacional e do desenvolvimento
econômico.
Esse è o universo da democracia populista no Brasil, em luta
pela industrialização e em busca da realização do aparentemente
obscuro ideal de um Brasil potência. De um lado, alguns setores
burgueses pareciam ambicionar a transformação do Brasil numa
potência mundial, 11a área do “ Terceiro Mundo” . Por isso, acei­
tavam taticamente o apoio e a colaboração aberta ou velada (con­
forme a situação) das esquerdas. Precisavam ampliar e aprofun
dar as rupturas políticas e econômicas com a sociedade tradicio­
nal e os setores externos. Houve um momento em que os Estados
Unidos da América do Norte, sob a liderança de John F. Kenne
dy, compreenderam essa situação Em vez de agir drasticamente,
resolveram adotar uma orientação hábil, favorável à moderni
zação, cam apoio na ordem democráiica. A Carla de Punia dei
Este (19hl) reflete essa orientação. Tratava-se de um desdobra­
mento da Oood Neighbor Policy de Franklin D. Roosevelt, na
doutrina na Nova Fronteira, de Kennedy. Entretanto, essa orien
tação sofreu uma derrota dupla e grave, cá e lá, com a derrubada
do Presidente João Goulart e o abandono do “ imperialismo
esclarecido” .
Por outro lado, a luta no seio da democracia populista era
encarada pela esquerda como um momento tático para a conse­
cução dos alvos socialistas. Acreditava-se que as massas trabalhis­
tas e populistas precisavam ser conquistadas por dentro, a partir
dos objetos e técnicas da própria política de massas. Por isso, a
“ frente única” e os outros compromissos com militares, setores
da classe media etc. eram alianças táticas indispensáveis. Eram1

11. Nelson Weineck Sodrè, História Militar do Brasil, Editora Civilização Brasi­
leira, Rio de Janeiro, JV65, esp. págs. 304 26.

94
uma decorrência do realismo político. Assim, sacrificava-se mo­
mentaneamente a teoria marxista-leninista da revolução, com o
objetivo de ajuntar teoria e prática, condições e possibilidades, al
vos e táticas. E claro que nesse jogo confundem-se e invertem-se
meios e fins. Na prática, em decorrência do vigor, da proponde
rância e do realismo da política de massas, a esquerda nào conse
gue executar uma política de classe nova e eficaz. Os valores e as
técnicas políticas do populismo eram mais vigorosos que o talento
teórico e a pertinácia das esquerdas.
É verdade que houve grupos de esquerda que se colocaram
em posição mais radical. Procuravam evitar os inconvenientes ou
o fascínio da política de massas, lutando por preservar a pureza
ideológica, como teoria e prática. A POl.OP (Política Operária) e
a AP (Ação Popular) — cada uma a seu modo — tiveram essa in­
tenção. O radicalismo marxista-leninista e o radicalismo cristão
entram em atividade para corrigir as confusões entre reformismo,
oportunismo e revolução. No conjunto, entretanto, não consegui­
ram maiores sucessos, quando queriam exercei as funções de su-
perego do PC. Um documento da POLOP, publicado em 1963,
esclarece alguns aspectos importantes dos dilemas da esquerda no
Brasil.1
1. Há rcalrnente, no lerrilório nacional, três organizações revolu
cionàrias que, courdenandu suas forças, a atividade de seus quadros e sua
influência, estariam em condições dc contrabalançar os efeiios do refonnis-
mo e da política de colaboração de classes. A última crise política (referên­
cia a crise gerada com a renúncia do Presidente Jânio (Juadrus e a posse de
João üuulau) demonstrou que elas lêm essa posição comum, l-orutando
urna Frente, um Movimento, o o que se julgar conveniente, estarão liabili
tadas para dirigir-se à massa com fisionomia própria, inaugurando um fa
tor novo na politica nacional;
2. Os Irês grupos consideram-se marxisias-lemmstas e, na medida que
aplicassem na prática suas posições teóricas, (criam, a longo prazo, dc
encontrar-se em um só Partido, representativo dos interesses do proletaria­
do revolucionário e de seus aliados no campo. As divergências que ainda
mantêm — e que irão pretendemos negar — devem ser encaradas conto par­
le do prucessu de formação do Partido e passíveis de superação em seu
próprio desenvolvimento;
3. Não estamos propondo a dissolução imediata dos organismos exis­
tentes, o que seria abandonai o que já se obteve em troca de algo que ainda
não se definiu. Tal atitude não fortalecería o futuro Partido e, antes, o
enfraquecería, puis sua formaçãu não pude ser um alo mecânico, mas sim
um processo orgânico de crescimento e amadurecimento, bomente isso as­
segurará sua sobrevivência;


4 Uma coordenação das atividades dos três grupos seria o primeiro
passo para a criação de um núcleo consciente — marxista e leninista — de
uma ampla frente de massa, a ser criada na luta prática. Justamente porque
tal frente não será marxista, terá ela necessidade desse núcleo para existir e
aluar ativamente. Sem o núcleo marxista, a frente de massa não passará de
aglomerado imediatista e amorfo, incapaz de resistir às próprias contra
dições internas e passível de transviar-se na política diária pequcno-
burguesa. Ê esse o segredo da concepção leninista de uma vanguarda nas
lutas de massa;
5. A tarefa é imediata. Os dois aspectos da luta ■— o da formação do
Partido e o da luta de massa propriamente dita — têm que se encarados si­
multaneamente. Não podemos esperar que se forme um partido para ir às
ruas. Não há esse “ antes e depois’’ na dialética da luta de classes. Sem a
coordenação dos três principais grupos existentes, em torno de objetivos
definidos, não haverá grandes possibilidades de se mobilizarem setores de
cisivos do proletariado. Isoladamente, nenhum dos três organismos está em
condições para isso. Sem a luta viva e a mobilização de massas, os organis
mos existentes não superarão suas divergências e não surgirá o Partido ne
cessàrio12.

Essas recomendações dirigem-se particularmente às seguintes


organizações: Partido Comunista Brasileiro (PCB, linha russa).
Partido Comunista do Brasil (PCdoB, linha chinesa) e à própria
Política Operária (POLOP). Mas esse seria um debate interno na
esquerda em geral. Buscava-se substituir a ‘frente única” por uma
“ frente de esquerda” , liberando a esquerda do popularismo, do
reformismo, do oportunismo e das interpretações mecanicistas.
De certa forma, esse é um esforço no sentido de retirar as lutas da
esquerda brasileira da confusão entre meios e fins e do otimismo
inerente aos compromissos com a democracia populista. Nesse
sentido, a POLOP formula um programa de reivindicações concr­
etas, relativas ao custo de vida, à autonomia e liberdade sindical,
às lutas camponesas, à luta antiimperialista, política externa, etc.
Em suas linhas gerais, no entanto, os itens das reivindicações
apresentadas por essa organização são os mesmos apresentados
pelas outras. Muda fundamenlalmente a formulação, que é mais
radical. Por exemplo:
Combate aos espcculadores.de gêneros na cidade e no campo mediante
confisca de estoques, aplicação de medidas de exceção, etc., e liquidação
do latifúndio; (...)

12. Política Operária. Ano III, n? 5, Rio de Janeiro, 1963, pàgs. 51-2 (“ Pela
União dos Marxistas Revolucionários” ).

96
Dissolução do l'undn Sindical e da Comissão de Enquadramento; abo
lição do direito de intervenção, de reconhecimento e de dissolução dos sin­
dicatos pelo Ministério do Trahalho. assim como do controle financeiro,
que o Ministério exerce através do Banco do Brasil; (...)
Expropriação dos latifúndios, sem indenização, e entrega da terra aos
camponeses: (...)
Bloqueio das remessas de capitais, royalties e juros; (...)
Denúncia dos tratados inleramericanos e do Acordo Militar Brasil-
euad.

Esse esforço de “ purificação” da esquerda brasileira al­


cançou maiores êxitos no seio da juventude universitária. Aliás,
ele nasce com os movimentos da juventude. Mas as atuações da
AP e da POL.OP só transbordam dos ambientes universitários
com dificuldades.
Entretanto, a própria juventude universitária já estava enga­
jada nas lutas nacionais e reformistas. Desde fins da Segunda
Guerra Mundial (1944-5) ela estava vinculada à campanha pela
anistia aos presos políticos, pela exploração nacional do petróleo,
pela democratização das instituições políticas, pela reforma dos
sistemas de ensino, etc. Posteriormente, em especial a partir de
1960, liga-se às lutas pelas reformas de base, a começar pela refor
ma universitária. É a partir da reforma do sistema do ensino supe
rior que a juventude se coloca o problema de reforma da socieda
de. É como se o jovem universitário compreendesse a sociedade
nacional a partir da situação concreta dentro da Universidade. Es­
se percurso “ dialético” foi amplamente difundido. Dizia-se em
1963:

A situação política nacional, determinando uma crescente mobilização


popular, em muito favorece o movimento pela Reforma Universitária,
principalmente se soubermos ligá-lo às demais reivindicações do povo bra
sileiro. (...)
Com efeito, se é certo que □ operário ganha uma perspectiva política
na maioria das vezes através de suas reivindicações econômicas; se è certo
que o camponês pode vir a participar mais ativamente dos problemas dn
Pais lutando pela terra, não é menos certo que o quadro aberrante de nosso
ensino superior pode servir de instrumento de compreensão das questões
mais gerais e importantes da vida nacional. (...) 13

13. Política Operária, n? 6, Rio de Janeiro, s/d. págs. 4-6,

97
A aliança com os operários, camponeses, intelectuais progressistas,
militares democratas e outras camadas de vida nacional deve ser incremen­
tada na certeza de que, entrelaçando nossas reivindicações, torná-las-emos
infinitamente mais fortes. Esta aliança implica em fazer da reforma agrária
bandeira dos estudantes, do mesmo modo que as transformações em nosso
ensino possam ser objetiva e subjelivamente aspiração de operários e cam­
poneses; c assim por diante14.
Essa interpretação difundiu-se amplamente pelas organi­
zações estudantis no País. Tanto assim que a União Nacional dos
Estudantes (UNE) procurou sintetizar em seu programa os vários
objetivos das lutas dos universitários. Assim, dentre os fins da
UNE, destacam-se:

— Pregar a solidariedade e confraternização dos povos, baseadas no


respeito universal à sua autodeterminação;
— Influir perante o Governo e a opinião pública do Pais, assinalando
o valor de suas determinações,
— Incrementara AliançaOperàrio-Estudantil-Camponesa15.

Como vemos, os próprios estudantes compreendem quais são


os limites e as possibilidades abertas pela “ situação univer­
sitária” . Sabem que as relações sociais e políticas especificas da
vida acadêmica são também a manifestação das relações vigentes
na sociedade nacional. E procuram explorar essa perspectiva, em
termos práticos e teóricos. Assim, estabelecem conexões, reais e
abstratas, entre a reforma universitária e as transformações gerais
da sociedade. Conforme a análise realizada por Marialice Mern-
carini Foracchi:
A ação do estudante só adquire uma amplitude societária sob condição
de estar conjugada com a ação das demais forças sociais de renovação que
se manifestam na sociedade brasileira. Somente na medida em que a ação
do estudante estiver identificada com um processo renovador, já em curso,
éque ela poderá revestir-se de conotação ‘‘revolucionária” 16.

Todavia, no âmbito da sociedade global funciona a política


de massas, como elemento da democracia populista. As rupturas
14. Movimento, revistada UNE, n? 12, Rio de Janeiro, 1963 pâg. 24.
15. Constituição, União Nacional dos Estudantes, Rio, 1963, art. 3.°.
16. Marialice Mcncarini Foracchi, O Estudante e a Transformação da Sociedade
Brasileira, Companhia Editora Nacional, São Paulo, I9fi5, pág. 294.

98
almejadas pelos estudantes, assim como as desejadas pelos outros
grupos sociais (inclusive aquelas coerentes com os interesses aber­
tos e velados do proletariado urbano e rural) estão inseridas no
projeto de industrialização e desenvolvimento econômico global,
simbolizado no modelo getuliano. Nesse sentido, as lulas pela
transformação da sociedade são sempre ‘‘corrigidas’’ pelas téc­
nicas e alvos do populismo.
Por todas essas razões, a esquerda brasileira flutuou sempre
entre dois pulos: o marxismo-leninismo e a democracia populista.
Todavia, entre o fascínio abstrato da teoria e o fascínio eletivo da
prática, esta sempre levou a vantagem. Neste sentido, a cultura
política de esquerda no Brasil não conseguiu libertar-se da cultura
da democracia populista. Em particular, esteve sempre balizada
pelas técnicas e pela ideologia da política de massas. Se e verdade
que o vigor da política populista impediu que a esquerda realizas­
se conquistas notáveis, no sentido da formulação e implantação
de uma interpretação radical, é também verdade que o nível
teórico dos quadros da esquerda sempre foi insatisfatório. Salvo
expressões individuais, os quadros partidários não contaram ja
mais com uma formação teórica suficiente para interpretar corre­
tamente a realidade nacional e internacional. Por isso, ela nunca
escapou do fascínio das fórmulas e do jargão dos clássicos du
marxismo-leninismo. Era o deslumbramento retórico, igual ao
das elites burguesas em relação aos ensinamentos dos pensadores
europeus ou norte-americanos. Assim, a esquerda . brasileira
emaranhou-se nos conceitos, antes de emaranhar-se na prática.
Lidou obsessivamente com: imperialismo, latifúndio, burguesia
nacional, camponês, massa, classe operária, reformas de base, re-
formismo, estatização, etc. Em estudo dedicado especialmente a
esse tema, Caio Prado Júnior acentua:

No Brasil, talvez mais que em outro lugar qualquer (porque o mesmo


mui também existiu c ainda existe em outras partes), a teoria marxista da re
volução na qual direta ou indirclamciiie. deliberada ou inadvertidamente se
inspira todo o pensamento brasileiro de esquerda, e que forneceu mesmo os
lineumentos gerais de iodas as reformas econômicas fundamentais propos­
tas no Brasil, a teoria marxista da revolução se elaborou sob o signo de
abstrações, isto e, de conceitos formulados a fjriuri e sem consideração ade
quuda dos latos; procurando-se posterior mente, e somente assim — o que é
o mais grave — encaixar nesses conceitos a realidade concreta. Ou melhor,
adaptando-se aos conceitos aprioristicamente estabelecidos, e de maneira
mais ou menos lorçada, os latos reais. Derivou dai um esquema teórico

99
planando em boa parte na irrealidade, e em que as circunstâncias verdadei
ras da nossa economia e estrutura social e política aparecem com frequên
cia grosseiramente deformadas.
Resultaram disso as mais graves consequências no que respeita à con­
dução da prãtica, isto é, da ação revolucionária, pois de uma teoria de tal
maneira alheada da realidade, como tinha de ser aquela que provém de tão
defeituosa elaboração, não è possível extrair as normas de uma politica
consequente e aplicável às situações concretas que se apresentam. Em con-
seqüência, a politica revolucionária ficou exposta ao sabor das circunstân­
cias imediatas, oscilando continuamente entre os extremos do sectarismo e
do oportunismo, e sem uma linha precisa capar de orientar seguramente,
em cada momento ou situação, a ação revolucionária17.

Em outros termos, as interpretações que a esquerda formula­


va sobre a realidade social brasileira (como um todo ou em seus
momentos políticos e econômicos mais significativos) em geral es­
tiveram baseadas na utilização insatisfatória da dialética marxis­
ta. Daí sucederem-se derrotas e frustrações, devidas à reversão de
meios e fins, pensamentos e realidade. Numa frase deGramsci:

Quando não se tem a iniciativa na luta, e a própria luta termina por


identificar-se com uma série de derrotas, o determinismo mecânico
transforma-se em uma formidável força de resistência moral, dc coesão, de
preservação pacientee obstinada.18.

Simbolizando e sintetizando essas confusões, a esquerda não


se deu conta de que massa e classe não são expressões cambiáveis.
Não compreendeu que são categorias histórica e estruturamente
diversas. Incorreu na ilusão semântica, proposta pelo getulismo e
suas variantes. Não se dedicou à análise da realidade, para perce­
ber que a essência das massas trabalhistas e populistas é antes a
consciência de massa que a consciência de classe, antes o princípio
da mobilidade social que o principio da contradição. Que ela de­
veria traçar um caminho próprio para atingir e exprimir a cons­
ciência de classe. Enquanto a esquerda permanecia ao nível da
consciência e atuação das massas, nos moldes estabelecidos na de­
mocracia populista, ficava-se ao nível das reificações. Por isso,
ela foi sempre surpreendida pelos golpes de Estado, pelas viradas

17. Caio Prado Jr., A Revolução Brasileiro, Editora Brasilense, São Paulo, 1966,
pâgs. 33-4.
18. Antônio Gramsci, Concepção Dialética da História, trad de Carlos Nelson
Coutinho, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1966, pàg. 23.

100
bruscas, pelas oportunidades perdidas. Foi assim em 1945, com a
deposição de Getúlio Vargas; em 1954, com o suicídio deste; em
1956-60, em face da habilidosa combinação da política de massas
e do desenvolvimento internacionalista, conduzido por Juscelinu
Kubitschek de Oliveira; em 1961, ante a renúncia de Jânio Qua­
dros e o empolgar das massas por Brizola; em 1964, ante o Golpe
de Estado. Isto é, diante dos desdobramentos das contradições
inerentes à democracia populista, a esquerda não formulou a sua
opção. Por isso, ela se condenou a assistir impotente à modifi­
cação drástica do quadro histórico no Brasil.
VIII
Contradições
do Desenvolvimentismo
Populista

Ao longo das etapas da industrialização, o povo brasileiro


acumulou experiências políticas fundamentais e elaborou uma no­
va interpretação da própria história. Ao rever as suas relações
com os países dominantes e com as próprias experiências nacio­
nais, pouco a pouco formulou uma nova imagem de si. De manei­
ra desordenada, às vezes, e de forma sistemática, em outras oca­
siões, perseguiu alguns dos seus dilemas mais importantes; e deu-
lhes alguma solução. Em boa parte, conseguiu construir urna vi­
são dinâmica das condições do progresso político, econômico, so­
cial e cultural. Ao mesmo tempo, redefiniu o significado do pre­
domínio das grandes potências e a importância das tradições bra-

102
sileiras. Assim, depois da Primeira Guerra Mundial, o processo
civilizatório no Brasil aparece numa das suas configurações singu­
lares e criadoras. Desde a Semana de Arte Moderna, realizada em
1922, em São Paulo, atè à criação da Universidade de Brasília, em
1960, sucedem-se as manifestações artísticas, científicas e políti­
cas, as quais exprimem essa busca de novos horizontes para a cul­
tura c a consciência nacionais.
Nu interior desse processo histórico está a transformação dos
quadros de referência sociais e políticos. Ao longo de cerca de cin
quenta anos, o povo brasileiro explorou de várias formas, às vezes
positivamente, as crises internacionais, os recessos da c a fe ic u liu
ra, o dirigismo estatal, o processo inflacionário, o desenvolvimen
to nacionalista, as experiências de planificaçào, a politizaçào cres
cente das classes assalariadas, a democracia populista. Nesse con
texto, a esquerda brasileira teve um papel importante e criador,
abrindo o debate público em torno de problemas que as outras
correntes politicas interessadas não tinham condições ou audácia
para formular. A política externa independente, por exemplo,
formulada e posta em prática por Vargas e desenvolvida por Já
nio Quadros, San Tiago Dantas e João Goulart beneficiou-se
amplamente da atuação de vanguarda e do respaldo popular ga­
rantidos pela esquerda. Segundo uma observação de Fernando
Pedreira,

A "esquerda” , no fim de contas, certa ou errada, forte ou fraca, mar­


xista ou não-marxista, católica ou simplesmente "liberal” , representa o
fermento da renovação social e política, o impulso inconformado da juven­
tude e da elite intelectual descomprometida com os interesses
estabelecidos1.

Isto significa, ao mesmo tempo, que o getulismu (em sentido


amplo) teve a habilidade de atrair e absorver políticos e intelec­
tuais formados nos movimentos de esquerda. Ou seja, no âmbito
da democracia populista, da doutrina da frente única, etc.
mobilizaram-se quadros técnicos e intelectuais para as tarefas da
industrialização. É óbvio que, nesse intercâmbio, a iniciativa das
decisões estava sob o controle da classe dominante, isto é, daque­
les grupos que exerciam o poder direta e indiretamente2

2. Fernandn Pedreira, Março 31, (Civis e militares no processo da crise brasileiraj,


José Álvaro Editor, Rio de Janeiro, 1964, pág 168.

103
Em outro plano, mas na mesma direção, as lideranças bur­
guesas comprometidas taticamente com a esquerda apelavam fre-
qüentemente para o “ povo” , as “ massas” , os “ trabalhadores” ,
as “ classes laboriosas” , os “ humildes” , etc. Reconhecem que o
projeto de desenvolvimento econômico nacional, associado com
uma política externa independente — como seu corolário ine­
vitável — não pode realizar-se a não ser com o aprofundamento
das rupturas estruturais internas e externas. Mas pensam sempre e
só admitem os rompimentos parciais, isto é, propriamente refor­
mistas. Esse è o sentido histórico e estrutural do apelo do Presi­
dente .loão Goulart, em 1961, e do Ministro da Fazenda San Tia­
go Dantas, em 1963:

João Goulart: Na verdade, um povo se torna adulto quando passa a


pensar em termos próprios, condicionando a elaboração do seu pensamen­
to às imposições do próprio destino que lhe cumpre forjar, sem xenofobia,
na convivência com o universal, mas igualmente, se a pusilanimidade dos
exageros da mimetismo ou da subserviência para com o alienígena. Pot isso
mesmo, o Rrasil deve empenhar-se na formação de equipes brasileiras, com
pensamento brasileiro, que se lancem à tarefa de arrancar o nosso País do
estádio do subdesenvolvimento. De nada nos adiantaria dispor de bom es­
quema operacional se não contarmos com homens capares de executá-lo.
Vamos mobilizar o povo para o desenvolvimento, de modo que ele
tenha plena consciência da sua missão e sinta que ns frutos do progresso lhe
pertencem. Vamos construir um Brasil que, manlendo as características da
sua personalidade como cultura, seja novo, justo e próspero. Vamos utili­
zar os valores do sufrágio universal, não como um processo pseudode-
mocràtico qe propicie representações artificiais, mas como um instrumento
de compromisso para com as verdadeiras causas populares, de modo a per­
mitir ao próprio povo não apenas a sensação mas a profunda convicção de
que, com representantes autênticos dos seus anseios, ele è que, rcalmente,
governa23.

San Tiago Dantas: Há países e épocas em que elites esclarecidas se


avantajam. às vezes, às intuições do povo, e conseguem levá-lo a novas eta­
pas de desenvolvimento social, que ele só mais tarde materializa. Há
outros, onde o povo parece “ empurrar” a sociedade, talvez sem um roteiro
de marcha definido, mas com um sentido inequívoca de renovação. Creio
que este ê hoje o caso do Brasil, e muitas de nossas decepções e criticas são
saldadas pelos testemunhos diários, que â margem de incertezas e desacer­
tos. todos recolhemos a pujança da Nação*.

2. João Goulart, Desenvolvimento e Independência, Discurso, Serviço Gráfico do


IBGE, Brasília, 1962, págs 91 2.
3. San Tiago Dantas, Idéias e Rumos para a Revolução Brasileira, José Olympio
Editora, Rio de Janeiro, 1963, págs. 14-3. Ainda sobre a tentativa de afirmação de

104

Em concomitância com as transformações políticas, sociais e
culturais, verifica-se uma profunda transformação econômica.
Criam-se as bases da sociedade industrial. Acumulam-se experiên­
cias e técnicas de manipulação das forças produtivas e das con­
dições institucionais, em acordo com as exigências do desenvolvi­
mento industrial. O progresso alcança tal grau, que alguns estu­
diosos chegam a afirmar que o Brasil já atingira (ou estava prestes
a atingir) a etapa da autonomia. É o que afirmam Celso Furtado,
Henry Rijken van Olst e Antônio Dias Leite, apresentando uma
imagem nova das perspectivas nacionais antes de 1964.

Celso Furtado: Ao alcançar uma fase de desenvolvimento em que □ prucrs


so de formação de capital se apoia principalmcnte na própria produção in­
terna de equipamentos, o desenvolvimento da economia brasileira passou a
ser resultante de sua dinâmica interna. Assim, por mais importantes que
ainda sejam os fatores externos, o ritmo de crescimento estã principalmcnte
determinado pelo conjunto de decisões tomadas com vistas ao próprio mer­
cado interno. Ademais havendo a produção interna de bens de capital al
cançado um determinado grau de desenvolvimento, a manutenção do nivrl
de atividade nesse setor somente è possível se o conjunto da economia se
mantiver crescendo. Para evitar desemprego em grande escala nas
indústrias produtoras de bens de capital, torna-se indispensável, indepen­
dentemente do que ocorre no setor externo, manter um adequado nivel de
investimentos, o qual, por seu lado, requer esforço de poupança somente
compatível com um alto nivel de atividade produtiva. Uma redução na de­
manda externa já não acarreta, necessariamente, contração geral da ativi­
dade econômica, pois pode ser compensada por uma expansão monetária,
defendendo-se o nivel de renda e a taxa de investimentos. O inevitável au­
mento da pressão inflacionária poderá afetar a eficiência dos investimentos
durante certo periodo, mas o efeito último sobre a taxa de crescimento Será
necessariamente reduzido.
Sintetizando-se as observações sobre as modificações estruturais ocor­
ridas na economia brasileira no periodo recente, tem-se;
a) o comportamento do setor externo já não é o principal fator condi-
cionante do nivel da atividade econômica e a simples manutenção de um
elevado nível de atividade produtiva engendra um volume de investimentos
capaz de manter a economia crescendo à taxa razoavelmente alta;
b) o processo de substituição de importações — necessário à manu­
tenção de elevada taxa de crescimento em condições de estagnação da capa
cidade para importar — exige esforço crescente de poupança por unidade
de investimento. A simples manutenção da taxa de crescimento implica, as­
sim, crescente pressão inflacionária, que, por sua vez, tende a reduzir a efi­
ciência dos investimentos e, tonscqüentemente, a taxa de crescimento, mes

uma política externa independente: Jânio Quadros, “ Hrazil's New Foreign Poli-
cy” , Foreign Affairs, Vol. 40, n“ I, New York, October, 1961, págs. 19-27.

105
mo na hipótese de que se realize o crescente esforça de poupança requerido.
Essa tendência somente poderia set contrabalançada com a expansão da ca­
pacidade para importar e/ou com a elevação da eficiência dos investimen
tos, mediante planificação destes em função da substituição de
importações5.

Henry Rijken van Olst: O Brasil pode ser considerado como o pais que
mais avança na América Latina. Logo estará em condições de ajudar aos
outros paises menos desenvulvidos do Hemisfério Ocidental. Psicologica­
mente, estâ em melhores condições para desempenhar esse papel que os
paises europeus e norte-americanos, de cujos motivos às vezes se desconfia.
O Brasil é o elo de união natural entre a buropa e a África, dado não pos­
suir "passado colonialista", bin toda a América Latina já se acompanha de
perto, com muita atenção, a atuação do Brasil, cujas consequências podem
repercurtir em muitos países da região5.

Antônio Dias Leite: Não sendo o Brasil um Pais que viva do comércio
externo, pois que este representa apenas pequena parcela da sua prudução
total, tem ele, em princípio, relativa liberdade de escolher a méioda que se
coadune com o objetivo fundamental do desenvolvimento econômico inter­
no5.

Portanto, a democracia populista tinha diante de si uma


única opção: continuar a revolução brasileira, realizar nova etapa
do modelo getuliano. Tratava-se de afirmar-se, peio aprofunda­
mento das rupturas estruturais internas e externas. Tornava-se ne­
cessário e urgente entrar em nova fase de realização das suas “vir-
tualidades". Impunha-se efeiivar a política externa independente,
apressar a modernização da sociedade agrária, engajar novos con­
tingentes da população brasileira no processo político, favorecer
o debate científico e político sobre a realidade nacional, estimular
o florescimento dos movimentos artísticos inspirados na socieda­
de nacional, etc.
Em verdade, o modelo getuliano nunca foi um projeto glo­
bal. Não chegou a ser formulado de modo sistemático. Como mo-

4. Presidência da República, Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e So­


cial (1963-19651, Síntese, Departamento de Imprensa Nacional. 1963, págs. 32-3.
Atribuído a Celso Furtado, então Ministro Extraordinário de Planejamento.
5. Henry Rijken van Olst. “ Desarrollo Econômico y Cooperación en América La­
tina". apêndice publicado na obra de Jan 1 inbergen, Hacia Una Economia Mun
dtal, irad. de Anna M. Cabrè, Ediciones deOccidenle. Barcelona, 1965, págs. 213-
226; citação da pàg. 217.
6. Antônio Dias Leite, Caminhos da Desenvolvimento. Contribuição para um
projeto brasileiro, Zahar Editores. Riu de Janeiro, 1966. pàg. 129.

106
delo político de desenvolvimento, singuiarizado no populismo,
estrutura-se ao acaso dos acontecimentos, das vitórias e dos
obstáculos. Alguns grupos e lideres perceberam as suas virtualida-
des, mas não conseguiram formular um projeto globalizador. Era
uma mescla de empirismo e inteligência, audácia e manobra. Foi
o resultado histórico das ações e interesses de diferentes grupos e
classes sociais. Ele Se produziu no jogo dos antagonismos internos
e externas que singularizam essa etapa da história nacional.
Entretanto, o modelo getuliano só poderia ser negado sob
duas formas radicais: a revolução socialista ou a reintegração ple­
na no capitalismo mundial. Como a democracia populista não foi
capaz de formular e implantar uma interpretação de conjunto, re­
lativamente às exigências inerentes à sua dinâmica interna,
colocaram-se as alternativas. E essas alternativas apresentaram-se
como necessárias e inevitáveis, em decorrência do fato de que es­
tavam inseridas internamente no padrão getuliano. Elas também
faziam parte dos elementos que entravam na caracterização do
contorno e da substância desse modelo. Como a política de ind­
ustrialização realizou-se com base num jogo de conciliações com
o capitalismo internacional, a sociedade brasileira tradicional e as
classes assalariadas urbanas, o modelo socialista e o modelo inter
nacionalista estiveram sempre presentes, como possibilidades. E
tornaram-se, em algumas ocasiões, mais ou menos viáveis. Na
momento em que o próprio modelo getuliano esgotou uma das
suas etapas, sem conseguir ingressar na seguinte, torna-se pre­
mente uma alternativa. O golpe de abril de 1964 è uma operação
político-militar inerente à opção adotada pela parte mais audacio­
sa, e mais consciente, da classe dominante.
De fato, nos anos de 1961-64 o povo brasileiro defronta se de
modo cada vez mais premente com a necessidade de adotar uma
opção drástica. Por um lado, o modelo getuliano esgotava um
ciclo crucial de realizações. Impunha-se uma decisão corajosa, no
sentido de aprofundar as rupturas estruturais indispensáveis á
consecução dos alvos inerentes à sua lógica interna. Em certo sen
tido, as experiências da política externa independente, com Jânio
Quadros e San Tiago Dantas, bem como as exigências políticas
inerentes ao Plano Trienal (1963-5) denotam a compreensão do
dilema em que a sociedade se encontrava. Nesse quadro, a mobiii
zaçáo do povo para o comício do dia 13 de março de 1964 — pelas
reformas de base e em oposição às tendências conservadoras da

IÜ7
maioria do Congresso Nacional — simboliza a existência de con­
dições políticas para uma ruptura que não se realizou. O comício,
em que se reuniram o Presidente da República, Ministros de Esta­
do e lideres nacionalistas e de esquerda, é o clímax e o fim da
política de massas: como técnica de sustentação do poder político
e como expressão fundamental da democracia populista.
Por outro lado, no bojo do próprio modelo getuliano — ou
muito preso a este — constituíra se o modelo socialista. Ele estava
presente nas organizações políticas, nos estilos de liderança e nas
técnicas de ação que promoveram as campanhas do petróleo, pe­
las reformas de base, pelo desenvolvimentismo nacionalista e
atuaram na formulação da política externa independente, na sin-
dicalização rural, na estatização crescente da economia, nos mo­
vimentos de opinião pública, no florescimento cultural, etc.
Entretanto, como a esquerda se prende cada vez mais às técnicas,
estilos e aivos da democracia populista, não consegue libertar-se a
tempo, para propor e impor a sua alternativa. No convivio
contínuo, crescente e profundo com a política de massas, acaba
por inverter meios e fins, tática e estratégia, ideologia e realidade.
Por isso abismou-se com o golpe.
De outro lado, ainda, no interior do próprio modelo getulia­
no constituíra-se o modelo internacionalista. A deposição de Var­
gas, em 1945, a política cambial no Governo Eurico Gaspar
Dutra, em 1946-50, as pressões que conduzem o Presidente Var­
gas ao suicídio, em 1954, são acontecimentos que denotam essa
tendência. O mesmo se pode dizer de uma outra sequência de fa­
tos — tais como as análises e proposições das Missões Cooke
(1942) e Abbink (1949) — revelando o mesmo sentido geral. O
Programa de Metas do Governo Juscelino Kubitschek de Oliveira
(1956-60) demonstra perfeitamente a elaboração prática do mode­
lo de associação internacionalista, como política de expansão da
economia brasileira. O modo pelo qual foi criado o setor automo­
bilístico, nos anos 1956-60, indica uma alteração substancial no
quadro das relações da economia nacional com a internacional,
através do setor industrial. Lembre-se que outros vínculos já se
haviam estabelecido por várias formas, com o setor agrário-
exportador.
Esse quadro de possibilidades e dilemas — particularmente
nos anos 1961-64 — torna-se real quando encarado no plano dos
acontecimentos políticos. Assim, verificam-se os seguintes fatos

108
importantes: condecoração do Ministro da Indústria e Comércio
de Cuba Socialista, Ernesto “ Che” Guevara, pelo Presidente da
República Jânio Quadros; a crise política nacional provocada
com a renúncia de Jânio Quadros e a tentativa de impedir a posse
do então Vice-Presidente João Goulart; a atuação política cres­
cente de órgãos como: Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
(IPES), Instituto Brasileiro de ação Democrática (IBAD), Liga
Democrática Radical (LlDER), Patrulha Auxiliar Brasileira
(PAB), a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Confederação
Geral dos Trabalhadores (CGT), etc.; a difusão programada da
‘'doutrina da guerra revolucionária” , como se ela estivesse sendo
posta em prática pela esquerda brasileira; a manutenção obstina­
da das relações do Brasil com Cuba Socialista, como ponto básico
desse estágio da política externa independente; as tentativas de
golpe de Estado e decretação de estado de sítio, pelo Presidente
João Goulart; o comício do dia 13 de março de 1964; a presença e
fala do Presidente João Goulart na cerimônia em sua homena­
gem, promovida pela Associação dos Sargentos e Suboficiais da
Policia Militar, no mesmo ano; a presença crescente da esquerda
na vida política nacional.
Esse contexto de possibilidades abertas torna-se ainda mais
concreto quando focalizamos a situação econômica. A crise de
conjuntura, em que a economia se vS lançada, em particular a
partir de 1962, é um elemento básico do todo. Ela vem
acrescentar-se à crise estrutural inerente à forma pela qual se esta­
va procurando conciliar o padrão agrário exportador com a
política de desenvolvimento nacionalista e a associação cada vez
mais ampla com empresas e organizações internacionais.
Se é verdade que o desenvolvimento econômico, as reformas
institucionais realizadas e o florescimento político e cultural veri­
ficados até então colocavam o Brasil na iminência de assumir a fi­
gura e os papéis de potência mundial de segunda classe, é inegável
que esse estágio dependia de operações políticas drásticas. E elas
,re impunham com urgência exatamente pelas manifestações e
agravamento da crise econômica. Segundo Celso Furtado, em
diagnóstico escrito em fins de 1963:
O esgotamento dos fatores que sustentaram o processo de industriali­
zação ocorreu, aparentemente, antes que a formaçüo de capital alcançasse
a necessária autonomia com respeito ao setor externo, e este fato parecería
indicar que as dificuldades que vem enfrentando o Pais no período recente

109
mona hipótese dc que se realize □ crescente esforço de poupança requerido
Essa tendência somente poderia ser contrabalançada com a expansão da ca
pacidade para importar e/ou com a elevação da eficiência dos investimcn
tos, mediante planificação destes em função da substituição de
importações456

Hertry R ijken van Olsl: O Brasil pode ser considerado como o pais que
mais avança na América Latina. Logo estaià em condições de ajudar aos
outros países menos desenvolvidos do Hemisfério Ocidental. Psicologica­
mente, esiâ cm melhores condições para desempenhar esse papel que os
países europeus e norte-americanas, de cujos motivas às vezes se desconfia.
O Brasil ê o cio de união natural entre a Europa e a África, dado não pos­
suir “ passado colonialista” . Lm toda a América Latina jã se acompanha de
peno, com muna atenção, a atuação do Brasil, cujas consequências podem
repercurtir em muitos países da região’ .

A n tô n io Dias Leite: Não sendo o Brasil um Pais que viva do comércio


externo, pais que este representa apenas pequena parcela da sua produção
total, letn ele, em principio, relativa liberdade de escolher o método que se
coadune com o objetivo fundamental do desenvolvimento econômico inter­
no’.

Portanto, a democracia populista tinha diante de si uma


única opção: continuar a revolução brasileira, realizar nova etapa
do modelo getuliano. Tratava-se de afirmar-se, pelo aprofunda­
mento das rupturas estruturais internas e externas. Tornava-se ne­
cessário e urgente entrar em nova fase de realização das suas “ vir-
tualidades” . Impunha-se efetivar a política externa independente,
apressar a modernização da sociedade agrária, engajar novos con­
tingentes da população brasileira no processo político, favorecer
o debate científico e político sobre a realidade nacional, estimular
o florescimento dos movimentos artísticos inspirados na socieda­
de nacional, etc.
Em verdade, o modelo getuliano nunca foi um projeto glo­
bal. Não chegou a ser formulado de modo sistemático. Como mo-

4. Presidência da República, Plano Trienal de D esenvolvim ento Econômico e 5o


ciai ( 1963-1965), Síntese, Departamento de Imprensa Nacional, 1963, págs. 32-3.
Atribuído a Celso Furtado, então Ministro Extraordinário de Planejamento.
5. Henry Rijken vanOIst, "Desarrollo Econômico y Cooperaciòn en América La­
tina” , apêndice publicado na obra de Jan Tinbergen, Haciu Una Economia M u n ­
dial, trad. de Anna M. Cabré, Ediciones deOccidente, Barcelona, 1965, págs. 213
226; citação da pág. 217.
6. Antônio Dias Leite, Caminhos do D esenvolvimento, C u ntribunâo para um
projeto brasileiro, Zahar Editores. Rio de Janeiro, 1966, pág. 129.

106
delo político de desenvolvimento, singularizado no populismo,
estrutura-se ao acaso dos acontecimentos, das vitórias e dos
obstáculos. Alguns grupos e líderes perceberam as suas virtualida
des, mas não conseguiram formular um projeto globalizador. Era
uma mescla de empirismo e inteligência, audácia e manobra. Foi
o resultado histórico das ações e interesses de diferentes grupos e
classes sociais. Ele se produziu no jogo dos antagonismos internos
e externos que singularizam essa etapa da história nacional.
Entretanto, o modelo geluliano só poderia ser negado sob
duas formas radicais: a revolução socialista ou a reintegração ple­
na no capitalismo mundial. Como a democracia populista não foi
capaz de formular e implantar uma interpretação de conjunto, re­
lativamente às exigências inerentes à sua dinâmica interna,
colocaram-se as alternativas. E essas alternativas apresentaram-se
como necessárias e inevitáveis, em decorrência do fato de que es­
tavam inseridas internamente no padrão geluliano. Elas também
faziam parte dos elementos que entravam 11a caracterização do
contorno e da substância desse modelo. Como a política de ind
ustrialização realizou-se com base num jogo de conciliações com
o capitalismo internacional, a sociedade brasileira tradicional e as
classes assalariadas urbanas, o modelo socialista e o modelo inter
nacionalista estiveram sempre presentes, como possibilidades. E
tornaram-se, em algumas ocasiões, mais ou menos viáveis. No
momento em que o próprio modelo geluliano esgotou uma das
suas etapas, sem conseguir ingressar na seguinte, torna-se pre­
mente uma alternativa. O golpe de abril de 1964 é uma operação
político-militar inerente à opção adotada pela parte mais audacio
sa, e mais consciente, da classe dominante.
De fato, nos anos de 1961-64 o povo brasileiro defronta-se de
modo cada vez mais premente com a necessidade de adotar uma
opção drástica. Por um lado, o modelo geluliano esgotava um
ciclo crucial de realizações, impunha-se uma decisão corajosa, no
sentido de aprofundar as rupturas estruturais indispensáveis à
consecução dos alvos inerentes à sua lógica interna. Em certo sen­
tido, as experiências da política externa independente, com Jânio
Quadros e San Tiago Dantas, bem como as exigências políticas
inerentes ao Plano Trienal (1963-5) denotam a compreensão do
dilema em que a sociedade se encontrava. Nesse quadro, a mobili­
zação do povo para o comício do dia 13 de março de 1964 — pelas
reformas de base e em oposição às tendências conservadoras da

107
têm maior profundidade do que inicialmeiitc se suspeitava. Existe ampla
evidência de que a industrializarão levou o Brasil muito perto daquela po
sição em que o desenvolvimento e um processo circular cumulativo que cria
os próprios meios de que necessita para seguir adiante. No caso do Brasil,
esse pomo seria alcançado quando fusse superada a barreira da capacidade
para importar. A economia icna enlãu atingido aquele grau de difercn
ciaçãu em que a orieniac.au dos investimentos passa a ser um problema de
opções econômicas, sem as limitações fisicas de uma capacidade para im­
por racionada. Pode se mesmo admilir que, não fora a forle queda dos ter­
mos de intercâmbio a panir de 1955, o Brasil viesse a alcançar esse ponto
decisivo no correr deste decênio dos sessenta Entretanto, essa oporlunida
de de ingressar no clube restrito das economias capitalistas de maior idade,
como um sistema nacional autônomo, foi aparentemente, perdida. E uma
vez perdida, puseram se em muvimento outras forças, cujos efeitos se farão
sentir cada vez mais. Assim, quebrado o impulso de crescimento,
eslerilizou-se o mecanismo que vinha sendo utilizado com êxito para autu
controlar o consumo e alimentar o processo acumulaiivo, conforme vimos.
Em consequência, os pioblemas sociais passaram a ler uma nuva dimensão,
escapando ao alcance dos instrumentos que vinham sendo usados com rela­
tivo êxito7.

O dados relativos à evolução das atividades econômicas con­


firmam aspectos importantes dessa imagem. Isto é, os dilemas
com os quais se defronta a democracia populista no Brasil são o
resultado do encerramento de um ciclo de aplicação do modelo
getuliano.

A taxa favorável de crescimento do produto nacional registrada entre


1947 e 1961 começou a declinar em 1962, para alcançar um nivel bastante
reduzido em 1963. Especialmente elevada no quinquênio 1957/1961. quan­
do promediara quase 7B/o por ano, aquela taxa superou os 7Vo em 1961,
mas caiu para 5,4% em 1962. As estimativas para 1963 indicam um acrés­
cimo de apenas 1,4% e, portanto, uma diminuição de 1,8% por habitante8.

Assim, a importância e a urgência de uma decisão se eviden­


ciam, no quadro das condições existentes e das possibilidades
abertas. Configura-se e executa-se o golpe de Estado de 1964. Em
boa parte, trata-se de uma operação político-militar destinada a

7. Celso Furtado, Dialética da Desenvolvimento, Editora Fundo de Cultura, Rio


de Janeiro, 1964, págs. 120-1.
8. Ministério do Planejamento e Courdenação Econômica, Programa de Ação
Econômica do Governo, 1964-1966, Documentas EPEA, n? I, Rio de Janeiro, no
vembro de 1964, pág 19.

110
limpar o terreno para a execução mais ampla e eficaz — isto é. or
ipdoxa — do modelo iuiernacionalisia. A crise econômica e de­
mocracia populista revelaram-se incompatíveis. Por essa razão,
forças políticas “ latentes” assumem primazia sobre aquelas pre­
dominantes anleriormente. No primeiro instante, aparece o poder
militar. Uma das bases de manobra, no entanto, é a classe média.
Assim, mais uma vez, a solução política da crise brasileira resulta
da dependência estrutural.

111


IX

O Golpe de Estado

A classe média revelou-se a massa mais dócil às soluções au­


toritárias. Desde os momentos áureos da política de massas, ela já
vinha sendo preparada para aderir ao autoritarismo. Em boa par­
te, o ademarismo, o janismo e o laccrdismo são as manifestações
da política de massas no seio da classe média; são amplamente
aceitos nesse meio social. As pesquisas de Francisco C. Weffort e
Glàucio Ary Dillon Soares revelam e comprovam as ligações entre
essas variantes do populismo e os setores médios da sociedade1- A
I. Francisco C. Weffort, “ Raízes Sociais do Populismo em São Paulo” . Revista
Civilização Brasileira, ano I, n.° 2, Rio de Janeiro. 1965; Glàucio Ary Dillon Soa­
res, “ As Bases Ideológicas do Lacerdismo". Revista Civilização Brasileira, Ano I,
n? 4. Rio de Janeiro, 1965,

115
participação crescente desses setores no processo político brasilei­
ro é um dado importante para explicar alguns aspectos do sucesso
“popular” das reações antidemocráticas e, em especial, do Golpç
de Estado de 1964.
Aliás, foi uma ampla campanha de opinião pública, dirigida
especialmente à classe média, que preparou as populações urba
nas de São Paulo, Kio de Janeiro, Belo Horizonte, etc. para acei­
tarem antecipadamente a derrubada do governo de João Goulart,
a modificação drástica das instituições políticas e a reformulação
completa da política econômica. Todos esses objetivas foram al­
cançados por meio de uma operação politico-militar organizada
para combater o comunismo e a corrupção, envolvendo ao mes
mo tempo os interesses econômicos e os processos políticos em jo
go. A “ Marcha da Pamília com Deus, pela Liberdade” , que ante
cede e prepara a opinião pública para o golpe, foi realizada dez
dias antes. E noticiada nos seguintes lermos:

A Capital paulista viveu □mem a maior dia de ioda a sua história. Em


tormaçao compacta e na mais perfeita ordem; cerca de 51)0.000 democratas
de todas as condicoes sociais, constituindo verdadeira toriente humana,
desfilaram durante horas pelas ruas do centro, transformando a “ Marcha
da Família com Deus, pela Liberdade" na maior manifestação cívica ja­
mais realizada nus quatrocentos e dez anos de vida da nossa metrópole*

Segundo o mesmo jornal, essa foi “ a resposta dos paulistas


ao comício realizado seis dias atues na Guanabara” . Trata-se da
manifestação realizada em 13 de março de 1964, em praça pública
da cidade do Riu de Janeiro, com a presença do Presidente da
República, Ministros de Estado, líderes nacionalistas e esquerdis­
tas, operários, estudantes, intelectuais, etc. Portanto, ambos são
atos eminentemente políticos. Q Comício é reformista e ampla
mente apoiado no proletariado urbano. A Marcha é reacionária e
largamenie apoiada na classe média. Aquele, está voltado para as
reformas de base e ê uma expressão típica da democracia populis-2

2. "Marcha Abriu o Caminho à Revolução” , O Estado de São Paula, 19 de marco


de 1965, pãg. 14. Uma reportagem ilustrada com fotografias foi publicada por
Rodrigues Matias, Marcha da Família cam Deus, pela Liberdade, São Paulo,
1964, sem indicação do editor. Nessa obra encontram-se relações de “entidades
democráticas” que aderiram ao movimento em São Paulo e em Santos. Consultar
também: Glauco Carneiro, História das Revoluções Brasileiras. 2 vols. Edições O
Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1965, 2? vol., págs. 552-648.

116
ia. Esta preocupa-se com as tradições brasileiras (Deus, família e
tradição) e é uma manifestação orientada para o autoritarismo.
Essa participação dos setores médios na política está relacio­
nada com o aumento progressivo do número dos seus membros
na sociedade nacional, devido à expansão do setor terciário. De
fato, a urbanização e a industrialização fazem multiplicar as
oportunidades de ocupação no setor de serviços, comércio, buro­
cracia pública civil e militar, etc. Em consequência, esses grupos
sociais tornam-se importantes nas manobras políticas realizadas
por determinados setores da classe dominante. £111 boa parte, es­
sas são as massas do ademarismo, janismo e lacerdismo. Ambi­
cionam a ascensão social a qualquer preço. O seu universo cultu
ral e mental está impregnado dos valores e padrões da classe do
minante, os quais se difundem nos programas de televisão e cine­
ma, nas revistas e jornais. Por isso, vê nas lutas e reivindicações
do proletariado um perigo para as suas ambições. A massa
operária atemoriza a massa da classe média. Em consequência, es­
ta se apega mais facilmente às soluções autoritárias, que alguns
setores da classe dominante lhe apresentam. Para amplos segmen­
tos da classe média, o jogo democrático (particularnieme a exis­
tência e o funcionamento do Congresso Nacional, das As­
sembléias Estaduais e mesmo das Câmaras Municipais) é encara­
do em termos dos seus custos Financeiros. Ao menos, aceitam essa
argumentação. Por isso, também, anseiam por esquemas dilato*
riais. Por esse modo colocam-se freios às ambições da massa
operária, ou aos seus porta-vozes.
Em especial, esses setores desenvolvem ambições econômicas
e sociais cada vez maiores. £ exatamente na classe média que o
■‘efeito demonstração” çxerce os seus efeitos mais profundos, en­
quanto mecanismo compulsivo de consumo. Esse fato pode ser
comprovado pelo rápido aparecimento de dezenas de agências de
propaganda, o consumo crescente de aparelhos de televisão e a di­
fusão das vendas a crédito. Além disso, cresce a procura de esco­
las, particuiamiente as de grau médio. A escoiarização, a urbani­
zação e o crescimento do setor terciário são processos interliga­
dos, fundamentais para explicar a importância da classe média no
processo político brasileiro.
Portanto, o papel da classe média no desenrolar das crises
políticas no Brasil resulta, em boa parte, da discrepância crescente
entre as suas ambições c as possibilidades reais de atendimento de-

117
(as. Essa politizaçâo progressiva decorre do fato de que o cresci­
mento quantitativo dos setores médios, bem como a elevação dos
seus padrões de exigência (indicados pela escolarização média,
por exemplo), não foram acompanhados pela correspondente
participação no produto1
Aliás, esse fato simples foi compreendido e abertamente de­
nunciado pelos vários setores de classe média, inclusive pela buro­
cracia militar. Nesse sentido, o Memorial dos Coronéis dirigido
ao Ministro da Guerra, em fevereiro de 1954, contém alegações
importantes. Na época, foi preparada a nova tabela do salário
minimo, no Ministério do Trabalho, cujo titular era João Gou­
lart. De fato, os mínimos salariais são elevados em 93,5%, com
relação ao anterior. Já antes, em 1951, foram elevados em
230,5%. Essas alterações na escala dos salários a vencimentos es­
tavam colocando os setores médios em situação de “ inferiorida­
de” , relativamente aos outros grupos assalariados As elevações
dos salários mínimos dos trabalhadores industriais estavam pro­
vocando, indiretamente, a proletarização de amplos setores da
classe média. A inflação è outro fator atuando no mesmo sentido
e com maior vigor.
Diante dessa evolução do salário minimo, determinados seto­
res militares sentiram o rebaixamento relativo das suas condições
de vida. A inflação e a redução das diferenças entre salários, ven­
cimentos e soidos dos membros da classe operária e da classe
média estavam provocando a proletarização desta. Essa situação
alimentou, em escala cada vez maior, as inquietações políticas de
setores civis e militares. Em várias ocasiões essas inquietações
tornaram-se fatos politicos fundamentais, no equilíbrio do poder
civil. Um documento importante para o esclarecimento desse as­
pecto da realidade nacional é o “ Memorial dos Coronéis” , cm
que se diz, entre outras afirmações:

A fixação de altos padrões de vencimentos para os funcionários


diplomados em cursos superiores — vencimentos que se duplicarão ao cabo
de alguns quinquênios — caso não promova injustificável disparidade entre
militares e civis, só poderá, através de emendas apressadas introduzidas nas3

3. Uma sintese das principais características das classes médias na atualidade


latino-americana encontra-se no trabalho de Luís Ratinnff, “ The New Urban
□roups: The Middle Classes” , publicado em Elites in Latin America, Fdited by
S.M. Lipset and A. Solari, Oxford University Press, New York. 1967, pàgs. 61 93.

118
Casas do Congresso, sem maior exame de todas as suas consequências, re­
dundar em outra série de males e desníveis dentro da própria classe militar
E a elevação do salário mínimo a nivel que, nos grandes centros do Pais,
quase atingirá o dos vencimentos máximos de um graduado, resultará, por
certo, se não corrigida de alguma forma, em aberante subversão de todos
os valores profissionais, estacando qualquer possibilidade de recrutaipento,
para o Exército, de seus quadros inferiores4

Neste ponto, inegavelmente, a condição de classe média e a


condição de militar colocam-se de par em par. Entretanto, é uma
simplificação inaceitável tomar apenas nesse plano a participação
crescente dos militares na política. Aliás, esses mesmos escalões
militares — os chamados quadros intermediários — serão grupos
ativos nos preparativos do dispositivo militar que funcionará em
1964.
A militarização da política é um fato normal na vida política
brasileira. Por ocasião de acontecimentos históricos importantes,
os militares surgem como forças decisivas, ao encaminhar,
apressar, controlar ou obstar o desenrolar dos acontecimentos.
Os movimentos, as revoltas, as revoluções e os golpes que assina­
lam a época posterior à Primeira Guerra Mundial não podem ser
compreendidos se não se explica como as forças militares partici­
pam dos acontecimentos.
Q Dodgr político e o poder miLitar são. teoricamente autôno­
mos. Em verdade, muitas vezes aparecem independentes, pois são
governados por normas e valores distintos. !>ja Pláiica.lentrctan-
toT~sãò diijensões de'umjrigsrnn nnder. Em situações dé normali-
dade, são autônomos e parecem "atuar independentemente, com
relação à nação, às classes e aos grupos sociais. Mas nas situações
críticas, conjugam-se e confundem-se. Ao fazer a interpretação
do papel do elemento militar na queda do Império, Oliveira Vian-
na acentuava um aspecto importante para a compreensão da for­
ma pela qual se dá a militarização da política. Lembrando que a
exploração inteligente e sistemática dos diferentes grupos milita­
res pela politicagem civil não é exclusiva da República, ele dizia:

Os nossos políticos civis sempre viram no Exército um campo a ex­


plorar cm benefício dos interesses deles: os da oposição — para subirem ao

4. “ Memorial dos Coronéis” , transcrito por Oliveiros S. Ferreira, As torças Ar


madas e o Desafio da Revolução, Edições GRD, Rio de Janeiro, 1964, págs. 122-
129; citação da pág. 127

119
poder; os do governo pum se conservarem nele. Os que esLão de baixo vão
aos quartéis para desalojar do puder os que estão de cima; estes apoiam-se
nos quartéis para não serem desalojados pelos que estão de baixo. E tem si­
do esta — a de mero instrumento das ambições civis — a função propria­
mente política do Exército em nossa história5.

Em verdade, a crescente militarização da política é o resulta­


do do aguçamento das tensões e contradições entre grupos e clas­
ses sociais, em luta pelo poder. Esse processo se torna tanto mais
rápido e fácil quanto menos desenvolvidas e efetivas são a ordem
democrática e a opinião pública. A militarização da política em
geral é uma forma não democrática de exercício do poder São o
“ artificialismo” dos partidos políticos e a fragilidade da cons
ciência democrática dos políticos profissionais e dos cidadãos que
favorecem a transformação das forças militares em partido
político.
Talvez nenhum dos acontecimentos políticos ocorridos no
Brasil no período iniciado com a Primeira Guerra Mundial esteja
isento da participação de militares. Em vários, eles tiveram um
papel preponderante. Os golpes de Estado foram sempre apoia­
dos ampla e ostensivamente por forças militares. 0$ golpes de Es
tado de 1937, 1945, 1955, 1961 e 1964 estão todos ligados ao nome
>.l de vários militares. Em cada caso, o acontecimento tem uma fra­
gilidade dos partidos políticos e a fraqueza da opinião pública e
,úa consciência democrática. Em realidade, os golpes de Estado
são formas correntes de sucessão no poder, numa sociedade em
' que a política de massas e as oligarquias preponderam sobre os
partidos políticos. Sob certos aspectos, o golpe militar è um even
to crucial, através do qual se revela toda a fraqueza do modelo li­
beral adotado no Brasil e outras nações dependentes.
E importante considerar que as forças militares não ingres­
sam na política monoliticamente. Elas se subdividem em tantas
correntes quantas são as correntes civis, ainda que possam agir
também de modo autônomo, e em bloco. Em geral, no entanto,
as suas atuações guardam certa correspondência com as polari­
zações dos interesses dos grupos políticos civis. Neste sentido, o
debate nacional sobre a criação da indústria petrolífera no Brasil

5. Oliveira Viauna, O Ocuso do Império, segumJa edição, Comp. Melhoramentos


de São Paulo, São Paulo, s/d., pág. 131. Esta obra foi cserila em 1923 Aoriogra-
fia do trecho citada foi atualizada.

I 21)
simboliza perleitamente o modo pelo qual as posições dos civis e
dos militares se correspondem, conjugam-se e complementam-se.
São faces do mesmo processo político.

Em 1447, quando se tornou público o debate em torno do problema


petrolífero no Brasil, foram dois generais que se identificaram com ou deli­
nearam as principais posições. O General JuarezTàvora preconizava uina
“ acomodação dos interesses nacionais e estrangeiros", l odavia, ponderan­
do as mesmas relações da economia nacional com o capitalismo mundial,
inclusive as questões relacionadas com a segurança nacional, o General
Horta Barbosa adota outras conclusões. “ Pesquisa, lavra e refinação cons­
tituem as partes de um todo, cuja posse assegura poder econômico e poder
público. Petróleo é bem de uso coletivo, criador de riqueza. Nâo è ad
missivel conferir a terceiros o exercício de uma atividade que se confunde
cuin a própria soberania nacional. Só o Eslado tem qualidade para explorá
Io, cm nome e no interesse dos mais altos ideais de uin povo"*. Esta foi a
orientação que prevaleceu na lei que criou a Petrobràs, seis anus após. £
importante lembrar, contudo, que o período 1947-53 esteve permeado de
lutas políticas de amplas proporções, envolvendo universitários, protelaria
do, elementos das classes médias, militares, intelectuais, policia, Standard
Oi! o f tírazil, conchavos, conciliações e violências*6.

£ claro que os militares se propõem alvos próprios e imagi­


nam uma atuação política independente, em face dos políticos ci
vis. Pensam o civil e o militar como poderes independentes. Na
prática, entretanto, a sua atuação política somente adquire senti­
do no quadro da estrutura de dominação e de apropriação vigente
no Pais. Em plano estrutural, o poder militar aparece como falur
do poder civil, entendendo-se este como produto das revelações
de classe. Às vezes, como no caso do golpe de 1964, a luia contra
a corrupção e a subversão envolve toda uma concepção do proces
so histórico nacional e das relações externas do País. Trata-se de
restaurar a integridade dos poderes político e econômico, progres
sivamente dissociados nos últimos tempos da democracia populis
ta. Essas implicações podem ser claramente observadas nos três

* General Juarez Távora, “O Petróleo do Brasil", Documentos Parlamentares,


Petróleo, vol. II, pág. 382. General J. C. Horta Barbosa, Ibidetn, pág. 410.
6. Octàvio lanni, Estado e Capitalismo, Editora Civilização Brasileira, Rio de Ja
neiro, 1965, págs. 240-1. Aliás, a mesma participação ativa de militares jà se ob­
servara anterior mente na ocasião dos debates e da criação da indústria siderúrgica.
A construção da Usina Siderúrgica de Volta Kendonda, iniciada em 1943, está re­
lacionada com uma aberta interferência d a s razões militares.

121
documentos tanscritos em seguida, assinados por personalidades
das Forças Armadas.

20-março-1964: Compreendo a intranquilidade e as indagações de


meus subordinados nos dias subsequentes ao comício de 13 do coriente
mês. Sei que não se expressam somente no Estado-Maior do Exército e nos
setores que lhe são dependentes, mas também na tropa, nas demais organi
zações e nas duas outras corporações militares. Delas participo e elas já fo­
ram motivo de uma conferência minha com o Ermo. Senhor Minisiro da
Guerra.
São evidentes duas ameaças: o advento de uma Constituinte como ca
minho para consecução das reformas de base e o desencadeamenfo cm
maior escala de agitações generalizadas do ilegal poder do CGT. As Forças
Armadas são invocadas em apoio a tais propósitos.
Para o entendimento do assunto, hà necessidade de algumas conside­
rações preliminares.
Os meios militares nacionais e permanentes não são propriamente para
defender programas de governo, muito menos a sua propaganda, mas para
garantir os poderes constitucionais, o seu funcionamento e a aplicação da
lei.
Não estão instituídos para declarar solidariedade a este ou aquele po­
der. Se lhes fosse permitida a faculdade de solidarizar-se com programas,
movimentos politicos ou detentores de altos cargos, havería, necessaria­
mente, o direito de também se oporem a uns e a outros.
Relativamente â doutrina que admite o seu emprego como força de
pressão contra um dos poderes, é lógico que também seria adinissivel voltá-
la contra qualquer um deles.
Não sendo milicia, as Forças Armadas não são armas para empreendi­
mentos antidemocráticos. Destinam-se a garantir os poderes constitucio­
nais e a sua coexistência.
A ambicionada Constituinte ê um objetivo revolucionário pela violên­
cia com fechamento do atua] Congresso e a instituição de uma ditadura.
A insurreição é um recurso legitimo de um povo, Pode-se perguntar: o
povo brasileiro está pedindo ditadura militar ou civil e Constituinte? Parece
que ainda não.
Entrarão as Forças Armadas numa revolução para entregar o Brasil a
um grupo que quer dominá-lo para mandar e desmandar e mesmo para go­
zar o poder? Para garantir a plenitude do agrupamento pseudo-sindical,
cuja cúpula vive na agitação subversiva, cada vez mais onerosa aos cofres
públicos? Para talvez submeter a Nação ao comunismo de Moscou? Isto.
sim, é que seria antipátria, antinaçãoe antipovo.
Não, as Forças Armadas não podem atraiçoar o Brasil. Defender pri­
vilégios de classes ricas está na mesma linha antidemocrática de servir a di­
taduras fascistas ou sindico-comunistas.
O CGT anuncia que vai promover a paralisação do Pais, no quadro do
esquema revolucionário. Estará configurada provavelmente uma calamida­
de pública. E há quem deseje que as Forças Armadas fiquem omissas ou
caudatàrias do comando da subversão.

122
Parece que nem uma coisa nem outra. E, sim. garantir a aplicação da
lei, que não permite, por ilegal, movimento de tamanha gravidade para a
vida da nação.
Tratei da situação política somente para caracterizar a nossa conduta
militar.
Os quadros das Forças Armadas têm tido um comportamento, além de
legal, de elevada compreensão Tace a dificuldade e desvio próprios do
estágio atual da evolução do Brasil. E mantidos, como é de seu dever, fiéis
à vida profissional, à sua deslinação e com continuado respeito a seus Che­
fes e â autoridade do Presidente da República.
É preciso ai preservar, sempre “ dentro dos limites da lei” . Estar pron­
to para a defesa da legalidade, a saber, peio funcionamento integral dos
três poderes constitucionais e pela aplicação das leis, inclusive as que asse­
guram o processo eleitoral, e contra a revolução para a diladura e a Consti­
tuinte, contra a calamidade pública a ser promovida pelo CGT e contra o
desvirluamento do papel histórico das Forças Armadas.
O Excelentíssimo Senhor Ministro da Guerra tem declarado que asse­
gurará o respeito ao Congresso, às eleições e à posse do candidato eleito. E
já declarou também que não haverá documentos dos Ministros Militares de
pressão sobre o Congresso Nacional.
Ê o que eu tenho a dizer em consideração à intranquilidade e inda­
gações oriundas da atual situação política e a respeito da decorrente condu­
ta militar7.

31-março-1964: HA no Pais, incontcstavelmente, um clima de apre­


ensão e intranquilidade em face da ação desenvolvida por alguns politicos
que, com grave desprestígio para os partidos democráticos existentes, pro­
curam substitui-las por ajustamentos dominados por comunistas c que, ao
arrepio da lei, buscam petulantemente pressionar os Poderes da República
mediante coação sindical através de greves políticas ou ameaça de greves. E
o aspecto de uma ditadura comuno-sindical se alteia sobre a comunidade
nacional, contribuindo para agravar a inflação que tanto sofrimento tem
acarretado ao povo brasileiro.
O comício de 13 de março, na Central do Brasil, convocado pelo CGT
e órgãos congêneres e, ao que consta, resultante de sugestão feita ao Pro
fessor San Tiago Dantas pelo líder comunista Luls Carlos Prestes, confor
me entrevista deste na ABI, publicada no Jornal do Brasil de 18 de março
corrente, alarmou a opinião pública e teve funda repercussão nos meios mi­
litares. Redundou ele, pela palavra de vários oradores, em agravos ao Po
der Legislativo, virtual declaração de guerra às Forças Armadas, fiéis ao ju
ramento de defender os Poderes da União, harmônicos e independentes, a
Lei e a Ordem. Os chefes militares das três Forças Armadas, em todos os

7. “ Instrução Reservada do General Castelo Branco” , Chefe do Estado-Maior do


Exército, aos Exmos. Srs. Generais e demais militares do Estado-Maior do Exér
cito t das Organizações Subordinadas, transcrita em Os Idos de Março, de autoria
de Alberto Dines, Antônio Callado e outros, José Álvaro Editor, Rio de Janeiro,
1964, pâgs. 392-3

123
graus de hierarquia, vêeni com crescente apreensão o desenvolvimento da
grave crise de autoridade que, nos dias que correm, forma, com a crise
inflacionária, um circulo vicioso, a um tempo causa e efeito dos males que
assoberbam a vida do nosso Povo.
A ignomínia de uma ditadura comuuo-sindical — é fora de dúvida —
paira sobre a Nação Brasileira; os seus audaciosos arquitetos, escancarada­
mente, aprazaram o Congresso Nacional para que, dentro de trinta dias, a
contar da data do seu ultimato, atenda ao pedido de reforma da Consti­
tuição contido na mensagem presidencial, sob a ameaça de tomarem “ me­
didas concretas", segundo a expressão dos dirigentes do famigerado CUT,
não excluindo a hipótese de uma paralisação geral das atividades cm todo □
País. £ o mesmo que os malfeitores indiferentes ás Leis Uu Pais c em atitu­
de de desafio às autoridades publicas se reunirem c proclamarem a decisão
de assaltar determinadas propriedades se não for atendida, dentro de certo
prazo, a intimação feita — "a bolsa ou a vida!"...
O sistema comuno-sindical-grevista, na medida em que se fortalece e
amplia, torna-se cada vez mais perigoso para a segurança do País.
Reafirmo a Vossa hxcelência o que já, de algum lempo, venho assegu­
rando e estou certo de expressar a opinião dominante entre os chefes milita­
res, de que as Forças Armadas não podem dividir com nenhuma oigani
zação as suas atribuições constitucionais; a segurança doCioverno edas ins­
tituições democráticas sõ pode repousar nas Forças Armadas — na sua leal­
dade e em sua honra militar. Não è possível, neste terreno, a coexistência
pacifica do Poder Militar com o “ poder sindical" subversivo c fora da ici,
(...)
Com a autoridade na maièria, que ninguém lhe pode negar, Lènin
proclamou ser a inflaçao monetária, nos países capitalistas, preciosa aliada
do comunismo, pois que trabalha, silenciosa e sistematicamente, em seu fa­
vor E os dirigentes desse sindicalismo revolucionário que controlam vários
sindicatos de atividades essenciais e dominam órgãos espúrios e marcada
mente comunistas — CCiT, PU A, CPOS, PAC, Furum Sindical de Debaies
(Santas), etc., os quais, em Nula de Instrução n“ 7, de IS de setembro de
1963, ao II Exército, denominei de serpentários, de peçonhentos inimigos
da democracia, traidores da consciência democrática nacional — desvir­
tuando as altas finalidades do sadio sindicalismo, conforme concebido pelo
Presidente Getúlio Vargas, parece adotarem, consciente e cavilosamenic,
duas linhas de ação convergentes: aprofundar o mais possível a intlação
monetária (que tantas desgraças tem trazido ao povo brasileiro, inclusive o
suicídio do Chefe de Estado de 1954) e o solapamento da hierarquia e da
disciplina nas Forças Armadas, mediante uma açãu insidosa que vêm exer­
cendo sistematicamente junto a sargentos, cabos, soldadas, marinheiros e
fuzileiros navaiss.8
8. "Posição do Estado-Maior das Forças Armadas Face aos Recentes Aconteci­
mentos Ocorridos no Pais", documento confidencial entregue pelo General-de-
Exército Pery Consiant Bevilàcqua, Chefe do EMFA, ao Exceleutissimu Senhor
Presidente da República, em 31 de março de 1964, transcrito por Bilac Pinto,
Guerra Revolucionária. Forense, Rio (julho, 1964) págs. 205-17; citação das págs.
208-II.

124
9-abril-I964: O Ato Institucional que è hoje editado pelos
Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em no­
me da revolução que se tornou vitoriosa com o apoio da Nação na sua qua
se totalidade, se destina a assegurar ao novo Governo a ser instituído os
meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica financeira, política
e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imedia­
to, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem
interna e do prestigio internacional da nossa Pátria9-
Como vemos, a derrubada do governo João Goulart està ins­
pirada na interpretação de que o País estava sendo campo de uma
verdadeira guerra revolucionária. Segundo se afirainava,
destinava-se esta a instaurar a República Sindicalista. As relações
do Presidente Goulart com o sistema sindical e os grupos políticos
nacionalistas e de esquerda eram encaradas como manifestações
claras de um programa subversivo. Era a democracia populista
atingindo desenvolvimentos inesperados para a classe dominante.
Segundo Bilac Pinto:
Em janeiro de 1964, etn contatos que fiz com o Governador Ademar
de Barros e com militares e políticos, obtive informações acerca da subsli
tuição de armas a sindicatos rurais e da orla marítima
No dia 15 do mesmo mês, em conversa com os jornalistas acreditados
na Câmara dos Deputados, revelei as informações que colhera nesses
encontros e, depois dc salientar a gravidade desse fato novo, no quadro da
subversão governamental em marcha, preconizei a organização de um mu
vimenlo democrático contra o golpe em preparo e aconselhei a população
civil a se armar, para resistir10.

As preocupações com o destino da ordem política e com a es


tabilidade financeira do Brasil não eram exclusividade das opu-
sições, das Forças Armadas e do Governo. Ultrapassavam o âm­
bito nacional, sob diversas formas. Segundo relata Hdwin
Lieuwen:
9. “ Ato Institucional” , n? I. de 9 de abril de 1964, transcrito por Mário Vitlor, S
Anos que Abalaram o Brasil. Editora Civilização Brasileira. Kio de Janeito. 1965,
págs. 597 600; citação das pàgs. 597-8.
10. Bilac Pinto, Guerra Revolucionária, citada, pãg. 47. Consultar também A Re
volução de 31 de Março. 2 a Aniversário, Colaboraçdo da Exército, reunindo estu­
dos de Mal. Humberto de Alencar Caslello Branco, Mal Arthur da Costa e Silva,
José Américo de Almeida, Miguel Reale e outros, Bibilioteca do Exército, Kio de
Janeiro, 1966. Para esclarecimento da atuação das forças políticas adversas à de
mocracia populista c ao desenvolvimento nacionalista: Paulo Singei, “ A Política
das Classes Dominantes” , em Política e Revolução Social no Brasil, por O. laiini,
P. Singer, G. Colin e K.C Weffort, citado.

125
O golpe militar contra o Governo Goulart (no Brasil, em abril de 1964)
deixou Washington diante de um dilema semelhante ao que enfrentou na
Guatemala, um ano antes. Embora Tosse derrubado um governo constitu­
cional no Brasil, tratava-se de um governo que havia demonstrado brandu-
ra no trato do problema comunista e que havia seguido políticas econômi­
cas notoriamente inadequadas. Por conseguinte, a Administração Johnson
foi pressurosa em dar boas-vindas à mudança. Tornou-se claro que a nova
administração se convenceu de que as tentativas de Kennedy para impor a
democracia à América Latina provaram se infrutíferas. E que, no futuro,
Washington empenhar-se-ia menos apaixonadatnenle com o principio da li-
herdade política na América Latina11.

Essa ordem de considerações, no entanto, deve ser comple­


mentada- É preciso lembrar que já em anos anteriores estava
ocorrendo uma reinterpretação dos vinculos externos do Brasil,
no âmbito da América Latina e do "Mundo Ocidental". Em rea­
lidade estavam em jogo — como quadro de referência político-
militar e econômico — as relações entre as superpotências mun­
diais; os Estados Unidos da América do Norte e a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas. Daí a importância dos conceitos
xeopolfiicos e, em particular, da nova interpretação da transocea-
nização da política norte-americana. Já em I9S2, o então Coronel
Golbery do Couto e Silva escrevia:

De um poder marítimo insular, os Estados Unidos da América evo­


luem para uma potência circum mare, ampliando às costas fronteiriças sua
zona de segurança ante-litoral. £ o reconhecimento definitivo de que não
hà mais baluartes oceânicos e de que o isolacionismo escapista está morto e
bem morto, por mais que a favor dele se pronunciem ainda algumas vozes
isoladas, como a de Herbert Hoover.
Ora, em tais circunstâncias, quando entre nossos vizinhos hispano-
americanos recrudesce indisfarçável uma oposição aos Estados Unidos da
América que se mascara de Terceira Posição ou que outro rótulo tenha,
aproveitando-se exatamente daquela enfocação para além-Atlântico e
além-Pacifico dos interesses primaciais dos norte-americanos, o Brasil pa­
rece estar etn condições superiores, pela sua economia nâo competitiva, pe­
la sua larga c comprovada tradição de amizade e, sobretudo, pelos trunfos
dc que dispõe para uma barganha leal — o manganês, as areias monaziti-
cas, a posição estratégica do Nordeste e da embocadura amazônica com seu
tampão da Marajó — de negociar uma aliança bilateral mais expressiva que

11. Edwin Lieuwen, U. S. Policy in Latin America. A Short History, Frederick A.


Praeger, New York, 1965, págs. 122-3. Ainda sobre o golpe, consulte-se do mesmo
autor: Generais ES. Presidenls, Neomilitarism in Latin America, Frederick A.
Praeger, New York, 1965, esp. cap. 4. intitulado “ 1964: Brasil", págs. 69-85.

126
nâo só nos assegure os recursos necessários para concorrermos substancial
mente na segurança do Atlântico Sul e defendermos, se for o caso, aquelas
áreas brasileiras tão expostas a ameaças exlraconlineniais, contra um ata
que envolvente ao território norte americano via Dacar — Brasil — anti-
Ihas; mas uma aliança que, por outro lado, traduza o reconhecimento da
real estatura do Brasil nesta parte do Oceano Atlântico, posto um termo fi­
nal a qualquer política hifronte e acomodaticia em relação a nosso lyais e à
Argentina, ambas nações, por exemplo, igualmente aquinhoadas, contra
todas as razóes e todas as evidâncias, em armas de guerra naval12.

Segundo vários indícios, essa interpretação geopolitica do


Brasil, em face da América Latina e dos blocos mundiais, foi utili­
zada como a doutrina que informou a derrubada do governo de
Goulart. É a contrapartida, no plano das relações externas, da
doutrina da guerra revolucionária. Trata-se de reintegrar os siste­
mas político e econômico, no plano do capitalismo mundial.
Como vemos, a nova entrada dos militares na política não se
faz apenas para restaurar os princípios da “ hierarquia” e da "dis­
ciplina” , que estavam sendo abalados no seio das Forças Arma­
das, conforme registra o documento do General Pery Constant
Bevilacqua. Nem se destinam somente a preservar a validade dos
“ princípios constitucionais", bem como a “ harmonia de pode­
res” , que estavam sendo colocados em debate por setores crescen­
tes da opinião pública. A forma pela qual as forças militares apa­
recem no golpe de Estado de 1964 é substancialmente distinla de
intervenções anteriores. Ainda que os próprios militares tenham
formulado os seus alvos, com pleno conhecimento de causa, é
inegável que as implicações e os desdobramentos do golpe confe­
rem um sentido crucial ao acontecimento. Se inscrevemos o falo
no seu contexto histórico-estrutural, além do quadro político da
época em que ocorreu, verificamos que ele envolve uma virada ra­
dical no sentido do desenvolvimento econômico, bem como das
relações do Brasil com os sistemas capitalistas e socialistas mun­
diais. Em boa parte, o golpe representa uma restauração dos
vínculos internos e externos que se estavam rompendo desde a
Primeira Guerra Mundial e, em especial, durante a era getuliana,
isto é, entre 193(1 e 1954. Instaura uma etapa da dependência
estrutural.

12. General Golbery do Couto e Silva, Aspectos Geopolílicos do Brasil, Biblioteca


do Exército, 1957, págs. 49-50. Do mesmo autor: Geopolitica do Brasil, José
Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1967, esp. pàgs. 51-52.

127
Em verdade, o golpe é o fecho do longo processo de transição
do Brasil da estera da libra esterlina para a esfera do dólar. É fato
que esse processo já se havia desenvolvido bastante, como indi­
cam as análises de Alan K. Manchester e J. F. Normano15 Entret­
anto, as crises, tensões e conflitos internacionais (polarizados na
Guerra Mundial de 1914-18, na Grande Depressão iniciada com o
craque de 1929 e na Guerra Mundial de 1939-45, além de outros
acontecimentos) são acontecimentos que acompanham a rotação
do centro dominante do capitalismo da Europa para os Estados
Unidos. Ê a partir de 1945 que esse pais se vê colocado diante de
todas as tarefas inerentes à sua supremacia no mundo capitalista.
Nesse momento, no entanto, as missões econômicas, políticas,
militares e culturais que lhes cabem desempenhar exigem um
grande esforço de organização e mobilização de recursos. Por is­
so, o novo estilo de sua hegemonia sobre a América Latina só se
formula ao acaso dos acontecimentos. Inclusive ao acaso das
surpresas, como ocorreu com a vitória de Fidel Castro e do sócia
lisino em Cuba. Segundo as palavras de Edwin Lieuwen:

Em seus conceitos de cooperação econômica hemisférica, os países da


América Latina e os Estados Unidos estavam oslensivamente divididos
entre 1945 e 19591
314.

Entretanto, a partir de certo momento formula-se novo estilo


de diplomacia. A doutrina de que vivemos em “ um mundo só”
recebe outra conceituação. Também as ciências sociais são
amplamente engajadas nessa reformulação das relações entre os
Estados Unidos e as nações da América Latina. A nova con­
cepção de diplomacia total envolve as esferas fundamentais da
existência das coletividades nacionais: os setores político e econô­
mico, tanto quanto o cultural e o militar. Segundo as formulações
de Thomas C. Mann (Secretário de Estado adjunto para Assuntos
Inteiamericanos na ocasião) e Herbert L. Matthews (então no
New York Times), em ocasiões e contextos diferentes:

13. Alan k. Manchester, tíritsh Preeminence in tírazil, cilada. J.I-. Normano,


Evolução Econômica do Brasil, 2? ediçãu. Companhia Editara Nacional, São
Paulo, 1945; J.F. Normano, A Lula Pela América do Sul, Editora Alias, São Pau­
lo, 1944.
14. Edwin Lieuwen, U.S. Poticy in Latin America, citada, pág. 111.

128
Thomas C. Mann: Ja não podemos viver isolados do resio do mundo,
como se ele nào afetasse vilalmeme nosso bem-estar nacional e individual1s

Herberl L. Matlhews: Nenhuma desculpa é necessária para justificar a


realização de uin esludo das relações dos Estados Unidos com a América
Latina. A importância dessa região para nós someme ê comparável (exceto
para os especialistas) ã nossa ignorância. Foi a América 1 atina que se im­
pôs á nossa consciência, por meio de latos como a viagem de Nixon, as re­
voluções na Venezuela e Cuba, e as inquietações nas Caraibas.
Em larga margem, nossa experiência como potência mundial depende
desse mundo que se acha ã nossa porta. Se fossemos privados das matéria^-
primas da área, ou dos seus mercados, nossas economias e segurançT_>e-
i iam gravemênte talvez vllfllmeme — afetadas. Nãu se põde permitir que
qualquer potência Hostil consiga apoio nessa área, pois que, esiratcgica-
meiitc, ela é o elo mais fraco da nossa corrente. Não pudemos ganhar a
Guerra fria na America Latina, mas podemos perdè Ia ah. O seu neulralis-
mo. ou uma intensa ianquclobia, podería prejudicar nos duramenie. Dia
virâ em que os i ussos faraó o seu lance pela América I atina.
1 m lermos do comercio c investimento dos Estados Unidos, o t anadà
e a América Latina ultrapassaram iodo o resto do mundo cm conjunto,
luilrelanio, os alvos da nossa política externa, expressos na Guerra I ria. es­
tão localizados muito mais na Europa e na Asia. Assim, deparamo-nos com
o paradoxo de um eixo financeiro c econômico orientado de Norte a Sul,
enquanto que o eixo politicu e militar volta se no sentido Orieme-
Ocidente'6

Todavia, para compreendermos melhor em tjne medida o


golpe de Estado de 1964 è o fecho de uma sucessão de aconteci­
mentos (orientados no sentido de acelerar a reintegração do Brasil
na esfera da ‘‘Civilização Ocidental” , como sistema econômico e*16

15 Thomas C. Mann, ‘Apuiodos Estados Unidos à Democracia na América La­


tina” , O Estado de São Paulo, 21-6-1964, pág. 15. Fatos e sugestões para uma
compreensão dos desdobramentos desse tipo de reflexão encontram-se em: VVil
liam Y. Elliolt (Editor), The Political Economy o f Eoreign Po/icy, llenry Kolt and
Co.. New York, 1955; Willard F. Barber and C. Ncale Konning, Internai Seeurily
and Militar) Power (Coounterinsurgcncy and Civic Aclion in 1 alin America),
Ohio State University Press, 1966.
16. Herberl L. Maithews.‘‘Underslanding L.altn America” , em T h e United States
and L a l i n A m e r i c a , The American Assembly, Columbia University, New York,
Deceinber, 1959, págs. 1-2. No inesmo sentido dessas reflexões: Artliur M. Schle-
singer. Ir., l h e R i t t e r U e r i i u g e fVietnani and American Ueinocracy, 1941-1966),
A Fawceu Crest Borik, New York, 1967, págs. 86 7. Sobre o papel das ciências so­
ciais na reformulação das relações entre os Estados Unidos e as nações da America
Latina: Irvillg Louis Horowitz, "Vida e Morte do Projeto Camelot” , em R e v i s t a
Civilização Rraillaua,-hu-&, !í — cle-JaneirQ, j966. págs. 53-74; Eircgòrio Selsei,
P s p l n m r j f i e n A m e r i c a I . a t i n a , México, 1967.

129
político) é necessário reconhecer que se havia encerrado o ciclo de
industrialização baseado na substituição de importações. Em es­
pecial, enquanto modelo de desenvolvimento econômico naciona­
lista, apoiado amplamente em bases populares e implicando numa
política externa independente, o padrão getuliano havia entrado
numa encruzilhada.
Além do mais, na época do governo de Juscelino Kubitschek
de Oliveira (Programa de Metas, 1956-60), havia sido posto em
prática o padrão de associação de capitais nacionais e estrangei­
ros, além das facilidades para investimentos externos independen­
tes. Já durante a Segunda Guerra Mundial se reconhecia nos Esta­
dos Unidos que o nacionalismo precisava ser contornado de modo
realista nas nações sul-americanas. Segundo W. Feuerlein e E.
Hannan, em obra especialmente dedicada às perspectivas ofereci­
das então pela economia da América Latina:

Depois de 1929 alguns países latino-americanos começaram a tomar


sob o próprio controle o seu desenvolvimento econômico11

Por isso, aconselha-se a associação de capitais externas e na­


tivos, como a melhor técnica para fazer frente ao nacionalismo.
Diante da evidência de que a forma pela qual a industrialização se
encaminhava nos paises da América Latina podería contrariar in­
teresses econômicos e políticos externos, particularmente dos Es­
tados Unidos, W. Feuerlein e E. Hannan fazem várias recomen­
dações aos empresários interessados nas economias da região sul-
americana. E afirmam:

Cumo se previu 1 1 a primeira edição deste livro (1941), os investidores


estrangeiros estão vendo que a combinação do seu capital com os capitais
dos investidores nacionais, nos paises receptores, proporciona um certo
grau de segurança, ante os excessos do nacionalismo econômico1*

Como vemos, a forma pela qual estava ocorrendo a ruptura


político econômica, que fundamentava a transição da sociedade
agrária para uma sociedade urbano-industrial, não era compatível178

17. W. Feuerlein y E. Hannan, D ólares en la A m ériu i L atina , Fondo dc Cultura


Econômica, México, 1944, pág. 17. No mesmo sentido: ücotge Whytlic, Industry
m Latin América. Columbia University Press. Ncvw York, 1945, esp. págs. 46-8.
18. W. Feuerlein y E. Hannan. Dólares en la América l.atina, cilada, pág. 8.

130
com os interesses externos. Em outros termos, tornava-se ne­
cessário corrigir o modo pelo qual o Brasil estava ingressando na
era industrial. Portanto, o golpe de 1964 destinou se a conterir
uma nova direção ao processo histórico nacional. Segundo as pa­
lavras de Thomas C. Mann, citado anteriormente:

Fm janeiro último, quando assumimos nosso posto, estávamos con­


vencidos de que o comunismo erodia rapidamente o governo do Presidente
Goulart, no Brasil. Antes mesmo de assumirmos nosso atual posto, cmrc
tanto, já aplicavamos uma política destinada a proporcionar ajuda aos go
vemos de certos Fslados do Brasil N5o fornecemos verba alguma para
apoiar a balança de pagamentos ou o orçamento, nem tomamos providên
cia alguma que pudesse beneficiar diretamenle o Governo central do Brasil,
bm nossa opinião, e creio que ela é compartilhada por muitos peritos em
questões brasileiras, o falo de termos atribuído aos governantes eficientes
de vários Estados a limitada assistência que tinhamos destinado à adini
nislração de Goulart contribuiu para o afiançamenlo da democracia (.. )
Agora, após a substituição do Sr. Goulart, caso o Governo do Brasil
empreenda o programa de estabilização c auto ajuda, o tipo de programa
de desenvolvimento que desejaríamos ver. ou. cm outras palavras, se acei
lar suas responsabilidades no quadro da “ Aliança para u Progresso", es
tariamos preparados para considerar a consignação de lundos apreciável
mente mais substanciais1920;.

Ao assumir a liderança plena do mundo capitalista, em


confronto com o mundo socialista, os Estados Unidos reformula­
ram as suas relações com a América l.atina e, em particular, com
o Brasil, ao qual aquela nação conferiu novos papéis, no âmbito
da doutrina da interdependência Essa situação adquire novas to
nalidades, quando levamos em conta certas consequências da
"guerra fria” , que levou os Estados Unidos e a URSS a um tácito
“ Tratado de Tordesilhas” . Aliás, L ’Espresso já se relcriu à
estranha “ aliança” resultante do confronto, jogo e manipulação
dos interesses das duas superpotências cm diferentes regiões do
“ Terceiro Mundo” . Por trás do áspero confronto ideológico,
político, econômico e militar, constata se “ uma aliança de um ti­
po absolutamente novo, jamais vista’’211

19. i homas C. Mann. "Mann Trata da Ajuda ao Brasil", O Estudo de São Paulo.
19-abril 1964» pág, I.
20. “ l.'Allcanza Rússia América", editorial de l.'Espresso, Ruma, 5 Dicccmhre,
1965, Ano XI, u? 49, pág. I. Ainda sobre as ambiguidades da União Soviética no
“Terceiro Mundo” : Isaac IJeutscher. "On the Israeli-Arab War” , em New Left
Review, n! 44, London. 1967, págs, 30-45, esp. pág, 35.

131
Em suma, o golpe de tsiado de 1964 foi uma operação
político-mililar destinada a elelivar os seguintes objetivos:

a) Afastar o risco da tomada do poder pela esquerda; ou


por grupos de nacionalistas exaltados, adeptos da
política externa independente e da doutrina do “ brasil
Potência” .
b) Controlar as consequências negativas da inflação, res­
taurando o seu caráter de técnica de poupança mo­
netária forçada (inflação de rendimentos) e liquidando
os mecanismos (política de massas) que a fazem funcio­
nar como inflação de custos.
c) Reintegrar o brasil no sistema capitalista mundial (a
‘‘Civilização Ocidental” ), segundo as determinações da
estratégia baseada na geopolitica, formulada com fun­
damento no predomínio dos Estados Unidos e na
hipótese de futura guerra total.
d) Finalinente (e em síntese), restaurar a integridade e a in­
tegração dos poderes polilieo c econômico, parcialmen­
te dissociados nos últimos anos de vigilância da demo
cracia populista.

132
X

A D ep en d ên cia E strutural

O Golpe de Eslado de 1964 não é um acontecimento estrita


mente político, ou polílico-militar. Ele tem raízes econômicas im­
portantes. Tanto assim que foi facilitado pelos processos econô
micos que estavam forçando a liquidação da democracia populis­
ta. Em síntese, esses processos são os seguintes:
a) A deteriorização das relações de troca tornou mais urgente
a conveniência de fazer com que a economia brasileira ingressasse
na etapa da industrialização de alto nivel técnico. Tratava se de
exportar também manufaturados, em competição com outros
países, para enfrentar e superar rapidamente a barreira represen
tada pela queda relativa na entrada de divisas.

133
h) Entretanto, a necessidade de exportar produtos industriais
exige a reformulação e eliminação das defesas que permitiram ou
favoreceram a criação e a expansão do setor industrial, na época
da política de substituição de importações.
c) Em consequência, impõe-se uma reformulação da maneira
pela qual a economia brasileira se insere na economia internacio­
nal A necessidade de alto nivel técnico exige a associação crescen­
te com as organizações que monopolizam a tecnologia mais mo­
derna nas nações de industrialização mais avançada. E essas orga­
nizações são as empresas multinacionais, que mantêm os labo
ratórios de pesquisa e monopolizam a tecnologia. A propósito
desta questão, Antônio Dias 1 eite faz observações importantes:

As nações que não entraram na fase de desenvolvimento cientifico e


tecnológico autônomo e programado, OU passam a depender cada vez mais
das nações desenvolvidas em relação a todos os produtos, processos e equi­
pamentos que vão sendo criados, ou se conformam em copiar com atrasa
de dez, vinte, ou mais anos, a evoluçãn das nações pioneiras. O atraso de­
pende diretamente do intervalo de tempo em que as novas descobertas e in­
venções tendem a cair no domínio geral.
No primeiro caso, o atraso será menor que no segundo, porém isso se
obterá à custa de maior participação direta de empreendimentos estrangei­
ros na economia nacional e, portanto, de menor capacidade de comanda
sobre o sentido e o ritmo da evolução econômica do Pais.
No segundo caso, mais amplo domínio poderá ser alcançado sobre o
destino da própria economia, porém i custa da permanência de maior
atraso tecnológico.
Em ambas as hipóteses, maniíesta-se nestas nações seguidoras a neces
sidade de continuada importação de tecnologia sem qualquer contrapartida
de exportação, e mantém-se, temporariamente intransponível, a distância
entre elas e as nações criadoras. Haverá possivelmente, para alguns países
hoje subdesenvolvidos, um nível de riqueza que facultará a transposição
deste limite. O intervalo de tempo exigido para alcançar o nivel de renda li-
beratório variará de pais a pais. No caso do Brasil, a tarefa é viável e pode
ser prevista para uma época não muito longinqüa. Tudo faz crer, porem,
que esse nivel de renda poderá ser alcançado dentro do próximo decênio. O
objetivo em causa será, por outro lado, alcançado com maior ou menor ra­
pidez, conforme se venha, desde já, dar maior ou menor prioridade aos in­
vestimentos em educação1

I. Antônio Dias Leite, Caminhos do Desenvolvimento, Contribuição para um


projeto brasileiro, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1966, pág. 122. O mesmo
problema estava sendo focalizado, simultaneamente, por Simon Kuznets, Modem
Cconomic Growth, Yale Untversity Press, New Haven, 1966, pág. 2B6-294,
“Transnational Slock o f Knowledge” .

134
Assim, como o povo brasileiro não teve condições para levar
a ruptura político-econômica até ao fim — segundo as próprias
exigências do modelo getuliano ou conforme uma opção de tipo
socialista — o seu desenvolvimento econômico voltou a depender
cada vez mais dos vínculos e centros de decisão externos A
entrada no estágio da industrialização abriu perspectivas a um de­
senvolvimento capitalista autônomo. Entretanto, para que esse
projeto se efetivasse, era necessária a reformulação drástica dos
vínculos estruturais internos e externos. E essa reformulação ter ia
sido possível em várias ocasiões críticas, no período entre 1914 e
1964. Os movimentos armados, os golpes e as revoluções ocorri­
dos nessa época são indicativos da possibilidade de ampliar e con­
solidar a autonomia. Aliás, os movimentos de massas, a democra­
cia populista, o nacionalismo e o dirigismo estatal foram elemen­
tos concretos e, às vezes, efetivos nessa direção. O modelo getulia­
no de desenvolvimento envolvia o aprofundamento das rupturas
estruturais. Além disso, nesses anos os sistemr. ^uiiticos e econô­
micos dominantes estavam em crise. As contradições internas do
capitalismo mundial levaram ao esfacelamento do predomínio da
Inglaterra, Alemanha e França. Passo a passo, cresceu e
consolidou-se a preponderância dos Estados Unidos, no campo
capitalista, e da União Soviética, no campo socialista. Essa conso
lidação só se verificou depois da Segunda Guerra Mundial. Em
verdade, a guerra foi um acontecimento importante para a efeti­
vação da liderança econômica, política, militar e cultural dessas
duas potências
No caso da América Latina, como um todo, a influência dos
Estados Unidos é antiga e atravessa várias fases. Entretanto, até
1930, o Brasil se encontra profundamente vinculado à Inglaterra.
Ê a Grande Depressão iniciada em 1929, em combinação com a
crise cafeeira, os movimentos sociais internos e a Revolução Bra­
sileira de 1930 que liquidarão os vínculos mais importantes com a
área da libra esterlina. Nessa ocasião, o Brasil dà um passo decisi­
vo na direção da área do dólar. Como assinalou Alan K. Manch-
ester, antes de 1930 a estruturado intercâmbio externo do Brasil
já se vinha modificando de forma nítida, em favor dos Estados
Unidos. Da mesma maneira argumenta J. F. Normano, ao fazer
um apanhado da história econômica do Brasil, nas décadas que
antecedem à Segunda Guerra Mundial.

135
Os interesses britânicos perderam a sua posição no comércio do Brasil,
e estão perdendo a sua dominadora situação de fornecedores de capitais.
Paralelamente á mudança nos principais produtos. New York substituiu a
I.ondres quanto ã sua importância na economia brasileira e Wall Sireei to
mou o lugar de Lombard Street. Todo o processo de após guerra da pene­
tração do capital dos Estados Unidos da América do Norte no Brasil foi um
contínuo processo de expulsão e ocupação das posições européias e, princi­
palmente, britânicas2

Aliás, em fins de 1914 as inversões privadas norte americanas


no Brasil colocavam-se em terceiro lugar, depois da Inglaterra e a
França. Em seguida, o montante das inversões diretas cresce inin-
terruptamente. Dessa forma criam se novas bases materiais para a
interdependência.
Na prática, essas inversões norte-americanas realizam-se si­
multaneamente à redução da participação inglesa, francesa e ale­
mã. Assim, constituem-se novas condições para a interdependên
cia “ bilateral". É óbvio que o predomínio crescente dos interesses
de empresas e organizações econômicas de um só país 11a econo
mia brasileira cria as bases de uma “ interdependência" integrada,
isto é, também política, militar e cultural. Em 1950 os Estados
Unidos já detêm mais de 70 por cento dos capitais estrangeiros
aplicados em empresas no Brasil.
Nos anos posteriores, a estrutura dessas inversções continua
a desenvolver-se na mesma direção. Entretanto, a internacionali­
zação da economia brasileira adquire novas conoiações.
Consolida-se e expande-se a hegemonia dos Estados Unidos sobre
as nações do mundo capitalista. Ao mesmo tempo, desenvolvem-
se as organizações multinacionais. Segundo Paolo S. Labini, de
pois da Segunda Guerra Mundial já não prevalece mais o regime
competitivo nas economias capitalistas.

Ainda que se configure tle várias maneiras, nas economias modernas o


oligopólio é a turma de mercada mais freqüenie3'

2. J. F. Norinano, Evolução Econômica do Brasil, Companhia Ediiora Nacional,


São Paulo, 1945, pág. 283. Também, do mesmo auior: .4 lul a Pela América do
Sul. Editora Atlas, São Paulo, 1944
3. Paolo Sylos Labini, Oligopólio y Progresso Técnico, Ldiciones Oikos l au, Bar­
celona, 1965, pág. 28. Consultar também: Paul A. Baran e Paul M. Sweezy, Capi­
talismo Monopolista, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1966.

136
Portanto, muitas vezes a importância da composição dos in­
vestimentos, segundo a nacionalidade de procedência dos capitais
ou dos investidores, ê apenas formal. £ nesses termos que deve
mos compreender a natureza dos interesses estrangeiros na econo
mia brasileira, depois de 1945.
Aliás, a estrutura econômica do Brasil já vinha facilitando o
predomínio das organizações e técnicas monopolísticas, nacionais
e internacionais, mesmo antes daquela data. As heranças da eco
nomia de tipo colonial, sustentada no Século XX com base na ca
feicultura, facilitaram a formação de monopólio e oligopólios.
Muitas vezes, a situação de fato era monopulistica. Em 1942,
Corwin D. Edwards, membro da Missão Cooke no Brasil, obser
va o seguinte:

Em virtude do vullo relalivamente pequeno do mercado brasileiro, |ia


ra vários produtos industrializados, e da pioteçâo oliciai às associações co­
merciais, a formação de monopólios nacionais c combinações visando res­
tringir o comércio apresentam probabilidades de mais fácil e rápido desen
volvimenio neste Pais do que nos Estados Unidos no período de formação
do sistema industrial. Entre as duas guerras, o Brasil loi considerado por
vários cartéis internacionais como unia zona de mercados que essas grandes
empresas dividem entre si; e assim, em certos setores, o Itrasil enfrenta res­
trições á competição internacional. (...)
No Brasil, a legislação correspondente (antimonopolista) foi estabele­
cida quando se desenvolvia um esforço no sentido de serem criadas em­
presas nacionais, que visavam livrar o Pais da condição de colônia econô­
mica. A lei brasileira foi tambèin influenciada por idéias socialistas que,
durante a última década, provocaram farta legislação destinada a elevar o
nível de vida do homem comum.
Num país onde as grandes empresas, geralmenle estrangeiras, se esfo­
rçam para dominar o mercado, beneficiando firmas alicnigenas a expensas
dos pequenos comerciantes e consumidores nacionais, a preocupação tom
o problema do monopólio 1 1 a indústria è corolário lógico ao crescimento da
consciência nacional4

Isto siginifica que, etn 1942, certas esferas da economia brasi­


leira já estão amplamente vinculadas a organizações e mecanis­
mos da decisão externos. Posteriormente, a presença de organi­
zações internacionais cresce com rapidez. Referindo-se a dados

4. Corwin D. Edwards. “ Controle de Mercados e Preços'', em A Mtssãu Cooke


no Brasil, edição da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1949, págs. 372-
435; citação das págs. 376 7.

137
publicados por Desenvolvimento & Conjuntura, de maio de 1961,
Alberto Passos Guimarães assinala o seguinte:

Na competição entre o capital privado nacional e o capital privado es­


trangeiro, os monopólios internacionais estão levando grande vantagem,
pois dentre as 66 empresas de maior concentração (que detêm 46.3% do ca
pitai das 6.818 sociedades anônimas pesquisadas) preponderam 32 em­
presas estrangeiras, com o capital de 100,8 bilhões de cruzeiros, contra 19
empresas ou grupos privados nacionais, com o capital de 39 bilhões de cru­
zeiros. (...)
Bom número das grandes empresas estrangeiras teve rápida expansão
nos anos recentes, galgando os primeiros lugares, na ordem de grandeza
dos capitais, em virtude das generosas concessões que lhes (oram feitas
(Instrução 113, câmbio de custo, etc., etc) pelo Estado, assim como pelos
lucros de monopólio que extraem cm nosso País'1

De fato, a entrada de capitais e tecnologia, ao lado da exten­


são das organizações internacionais, vinha se realizando cm larga
escala. Nesse processo, a Instrução 113, da Superintendência da
Moeda e do Crédito (SUMOC), dç 17 de janeiro de 1955, teve um
papel relevante. Segundo estipula o primeiro parágrafo dessa Ins­
trução:

A Carteira de Comércio Exterior (C ACF.X) poderá emitir “ licenças de


importação sem cobertura cambial” , que correspondem a inveslimentos
estrangeiros no Pais, para conjuntos de equipamentos ou. em casos excep
cionais. para equipamentos destinados â complemenlação ou aperfeiçoa­
mento dos conjuntos já existentes, quando o Diretor da Carteira dispuser
de suficientes elementos de convicção dc que não será realizado pagamento
em divisas correspondente ao valor dessas importações**6

Em realidade, as facilidades concedidas a investidores estran­


geiros não implicavam apenas a “ desnacionalização” . Envolviam
a internacionalização crescente da economia nacional. Mais ain­
da, implicavam um padrão de aplicações de capitais que nem sem­

5 Mberlo Passos Guimarães, Inflação e Monopólio no Brasil, Editora Civilização


Brasileira, Rio de Janeiro, 1963, pâg. 94. Consultar tantbcm: Desenvolvimento <S
r onjuntura. Ano V, n~ 5, Rio d e Janeiro, maio de 1961. Quem Controla O Que
(3? edição de “ O Capital Estrangeiro no Brasil” ). Redação a cargo de Roberto
Gongeard, Benedito Ribeiro, Regina l orch e Elisabeih Banas, Editora Banas
S/A , São Paulo, junho de 1961,2 vols.
6. Instrução /V* 113, da Superintendência da Moeda ed o Crédito (SUMOC), de 17
de janeiro de 195 5, transcrita por Aristóteles Moura, Capitais Estrangeiros no
Brasil. Editora Brasiliensc. São Paulo. l959,págs. 361 4; citação da pág. 361.

138
pre era conveniente ao “ equilíbrio” e funcionamento da econo­
mia brasileira. È nessa época que se concentram os investimentos
na indústria automobilística. Na forma em que se fizerem as in­
versões nesse setor, criaram*se várias empresas “concorrentes” .
para um mercado disponível relativamente restrito. Entretanto,
ficaram esquecidos outros setores importantes para a integração e
o funcionamento gerai do sistema.
Os benefícios colhidos pelas organizações internacionais e as
empresas estrangeiras foram tão amplos e rápidos, que o diário O
Estado de São Paulo chegou a preocupar-se com a desnacionali­
zação de empresas e setores industriais nacionais. Em 1961 já se
haviam evidenciado os efeitos internacionalizantes da política
econômica enfaixada no Programa de Metas, do governo de Jus-
celino Kubitschek de Oliveira.
Ê evidente que, quando um grupo estrangeiro pode importar bens de
equipamento à taxa do mercado livre, ele se vê em situarão privilegiada em
relação á indústria nacional, uma vez que esta tem de comprar Promessas
de Venda de Cambiais a uma taxa mais elevada. Dir-se-á que. no caso dc
grupos estrangeiros, se trata dc participação de capital novo c, portantn.
embora com desvantagens para a indústria nacional, de grande interesse
para a Nação. Devemos frisar, porém, que, cm muitos casos, esses investi­
mentos estrangeiros não significam realmentc uma participação de capital
novo. mas apenas um reinvestimcilto de lucros realizados nn Brasil, produ­
to, cm parte, de uma poupança forçada do povo brasileiro. Em outros ca­
sos, os investimentos foram feitos sob a forma de bens de equipamentos an­
tigos (a c acex oferec grande margem de tolerância à exigência dc matei ial7

7. Ao anunciar a união da Vemag com a Volkswagen, em novembro de 1966, Léiio


Piza Pilho lembrou o seguinte: “ Associamo nos à Masey Fergunson para iniciar a
produção dc tratores e máquinas agrícolas; com a Scania Vahis lançamos cami­
nhões c, finalmente, com a Auto Union produzimos, mediante o certificado n? I
do GE1A. o primeiro veiculo de passageiros nacional A associação inicialmente
feita com a Auto Union, e ora transferida para a Volkswagen, da Alemanha, vem
de ser ampliada no sentido do interesse maior da economia do nosso Pais" Folha
de San Paulo, 9-11-1966, pág. 11. No ano seguinte tem 1967). os jornais anuncia­
ram a combinação dos interesses dc duas outras companhias automobilísticas — a
Willys e a Ford — no Brasil: ‘‘A Willys será da Ford” , Folha de São Paulo, 2H-7-
1967, pág 13. Portanto, acelera-se a formação de empresas e grupos multinacio­
nais. Segundo declarou um diretor da seção brasileira do Conselho Intcramericano
de Comercio e Produção (C1CYP): “ A instituição de empresas privadas multina­
cionais constitui, no momento, uma das formas mais eficientes de incrementar o
desenvolvimento econômico da América I atina” . Segundo a transcrição de Folha
de São Paulo, 21-9-1967, pag. 12. Como vemos, a doutrina da interdependência
está em franca aplicação, na esfera da economia.
novo — e o “ jeito” faz o resto...) largamente amortizados, muitas vezes,
antes de entrarem no nosso Pais. (...)

Conviría estudar a influência da Instrução 113 da " s u m o c na desna­


cionalização de algumas indústrias nossas, desnacionalização que temos
por contrária aos intereses do Pais. Nestes últimos anos, várias firmas bra­
sileiras viram-se forçadas a aceitar o controle de grupus estrangeiros por
não poderem suportar a concorrência dos mesmos no capitulo de recquipa-
mento. A única forma de sobreviver foi aceitarem a colocação do capital
estrangeiro sob a forma de importação, bens de equipamento, muitas vezes
em caráter majoritário11.

Em realidade, os grupos econômicos estrangeiros predomi­


nam nas atividades econômicas no Brasil. Essa constatação è tan­
to mais significativa porque o predomínio è indiscutível no setor
secundário da economia, exatamente a setor mais dinâmico. Em
pesquisa sobre os grupos mullibUionários no Pais, Maurcio Vi­
nhas de Queiroz chegou a conclusões importantes para nma socio­
logia do poder econômico e do poder político. Tomando os gru­
pos com capital acima de 4 bilhões de cruzeiros, revela que eles se
distinguem não apenas pelo seu maior poder econômico e finan­
ceiro, ou por sua complexidade organizatória, mas pelo papel des­
tacado na sociedade brasileira como um todo. Em resumo, as
conclusões da pesquisa são as seguintes:

1) Cinquenta e cinco grupos niulnbilionários têm um papel estratégico


na economia brasileira, ocupam os primeiros lugares numa séria de ramos
importantes, e controlam, assim, parle substancial da produção e cireu
laçâo dos bens.
2) Os grupos tnullibilionários, em sua maior parte (ou seja: 52,7%) são
estrangeiros. O mesmo nâo ocorre com os grupos que ficam na laixa de I a
4 bilhões de capital próprio, onde preponderam os grupos nacionais (65%).
3) Via de regra, os grupos multibilionàrios nacionais são anteriores à
guerra de 1914-18, enquanto os estrangeiros — se bem sejam numerosas as
exceções — se instalaram mais recentemente.
4) Quanto ao setor de atividade principal, 78,1% dos grupos bi-
lionàrios dedicam-se á indústria. Em comparação com os grupos estrangei­
ros, os multibilionàrios nacionais deslacam-se nos setores de exportação-
importação, banco, e indústria de bens não duráveis. Equilibram-se no se-8

8. “ Instrução 113 da SUMOC e Desnacionalização” , editorial de O Esiado de São


Paulo. 13-1-1961, '‘Numa economia dinâmica de tipo capitalisia, Itá um continuo
processo de desnacionalização e renacionalizaçâo” . Roberto Uc Oliveira Campos,
"Ualanço Positivo da Cooperação Estrangeira” , cm O Estado de São Paulo, 25
12-1966, pàg. 36.

140
lor üe investimentos. Na indústria de base, aproximam-se dos grupos es­
trangeiros. Estão em franca desvantagem nos setores de distribuição (prin-
cipalmente petróleo), serviços industriais, Tabricação de bens de consumo
durável e mecânica pesada.
5) Os grupos multibilionários estrangeiros são, em sua maior, parte,
norte-americanos; em seguida vêm os alemães, os ingleses e os franceses,
justamente nessa ordem. Os norte-americanos têm preferência pela indús­
tria de bens duráveis (principalmente automóveis).
6) Entre os grupos multibilionários nacionais, os de origem local são
pouco mais numerosos (exatamente: 58,3%) que os de origem não local.
(ilaliana, israelita, alemã, francesa e sueca). Proporcionalmenle, esses úl­
timos tendem mais á atividade industrial que aqueles.
7) Não há nenhuma relação entre o seior de atividade principal dos
grupos e sua atividade secundária. Quase todos os grupos nacionais têm pe­
lo menos um setor de atividade secundária, enquanto ncrn todos os estran­
geiros a têm.
8) Os grupos nacionais, em geral, são muito mais diversificados que os
estrangeiros. A extrema diversiTicação dc alguns grupos, embora irracional
quanto à sua organização, apresenta vantagens num mercado restrito e su­
jeito a fortes flutuações setoriais.
9) Mais da metade dos grupos multibilionários, tem sede em São Pau-
lo, cerca de uma terça parte deles na Guanabara, e só uma pequena fração
em Minas Gerais.
10) Os multibilionários nacionais têm, em média. 21 firmas por grupo,
enquanto os estrangeiros tem apenas 8.
11) Via de regra, nos grupos estrangeiros a companhia è controlada em
99% pela matriz, mas existem exceções. No caso dos grupos nacionais, o
exemplo típico è do controle exercido por uma rede emaranhada de hol­
dings puros e mistos, bem como vários indivíduos, mas através dessa rede
se atualiza o poder de decisão do patriarca da família empresarial.
12) Metade dos grupos analisados (50,9%) possui Holdings puros Mas
o papel destes é menor do que o das empresas operativas que atuam conto
holdings. Em grande número de grupos, a companhia-lider — embora ope­
rativa - tem grande papel no controle acionário das demais firmas congre­
gadas.
13) Todo grupo estrangeiro è por definição gerencial, enquanto, nos
grupos nacionais, a família do empresário e outras relacionadas com este
jogam papel de importância.
14) Apenas 37,5% dos grupos mulnbilíonârios nacionais não têm qual­
quer ligação acionária como outro grupo ou empresa estrangeira
15) Mais frequentemente, nos grupas estrangeiras, os diretores, em sua
maioria, são estrangeiros, e os cargos mais importantes são tambetn ocupa­
dos por estrangeiros. Há casos, entretanto, que diferem radicalnicnte desse
padrão''.9

9. Maurício Vinhas de Queiroz, "Os Grupos Multibilionários” , Revista do Insii


luto de Ciências Sociais. Vol. 2, nV I, Rio de Janeiro, 1965, págs 47-77; citação
das págs. 75-7. Como disse Leiio Pizza Filho, presidente da Ventag, a propósito da

141
Entretanto, o processo de internacionalização não ocorre de
modo harmônico e sistemático. Ele depende bastante das flu­
tuações internacionais. Em particular, depende da reestruturação
do sistema capitalista mundial. Como persistiam as contradições e
crises internacionais, depois da Guerra Mundial de 1939-45, a pre­
ponderância dos Estados Unidos não se estabelece fácil e total­
mente. Ainda ocorrem muitos fatos, até que ela se estabeleça de
modo completo. Conforme relata Arthur M. Schlesinger, Jr.:

Durante a guerra, Nelson Rockefeller. como coordenador do Escri­


tório de Assuntos Interamericanos, começou a desenvolver as implicações
econômicas da politica da Boa Vizinhança, iniciando os primeiros progra
mas de assistência técnica. Foi um começo criador c promissor, mas, depois
da guerra, tudo isso foi esquecido (pelo menos como esforço públicm pri­
vadamente, Rockefffeler tentou, de várias formas, mantê-lo). O Governo
dos Estados Unidos, preocupado primeiro com a recuperação da Europa, e
depois com a Guerra da Coréia, esqueceu se da América Latina — um erro
bipartidário, praticado com igual insistência por Truman e Eisenhnwer.
Entre I94S e 1960, a Iugoslávia, sozinha — um pais comunista, além disso
— recebeu mais dinheiro dos Estados Unidos do que os paises latino
americanos juntos*10.

Há um continuo encadeamento entre as relações políticas e


econômicas, nos momentos críticos das relações externas do Ura-
sil. Tomadas em uma perspectivas histórica, no entanto, essas flu­
tuações desembocam no golpe de 1964. Este é um fato político
fundamental, na execução do novo estágio das relações dos Esta
dos Unidos com a América Latina. Uma decorrência necessária
desse processo è a liquidação da democracia populista no Brasil.
Aliás, já em 1945, ficara evidente o conflito entre as primei­
ras manifestações do incipiente padrão getuliano de desenvolvi­
mento econômico e as exigências dos Estados Unidos. Alguns
grupos políticos e econômicos brasileiros compreenderam que o
final da Guerra Mundial abria perspectivas novas ao d e s e n v o lv i­
mento nacional. A Carta Econômica de Teresópolis, elaborada na

associação com a Volkswagen: “ Determinadas transações extravasam o âmbito


das entidades nelas envolvidas não só pelo seu valor intrínseco como também pelas
repercussões que alcançam na própria vida econômica do pais. Folha de Sõo Pau­
lo, 9 11-1966. pág. II.
10. Arthur M. Schlesinger, Jr., Mil Dias, John F. Kennedv na Casa Branca, 2
vols.. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1966 vol. Lpág. 174.

142
I
Conferência das Classes Produtoras do Brasil (reunida em Te-
resópolis, entre 1 a 6 de maio de 1945) sintetiza os alvos principais
desse projeto. Nesse documento faz-se um balanço completo das
principais medidas econômicas, financeiras, cambiais, fiscais, etc.
com as quais o governo e os setores mais novos da classe domi­
nante esperavam fazer a economia brasileira ingressar em novo
estágio de expansão. Paralelamente a esses debates, o “ movimen­
to queremista” ganhava as classes assalariadas, lançando as bases
populares do desenvolvimento com a democracia populista. O
queremismo preconizava uma Assembléia Nacional Constituinte,
com Vargas na Presidência da República. Diante do final da
Guerra e da iminente instauração da ordem democrática,
preparava-se o País para desenvolver as forças produtivas, au­
mentar a renda nacional, combater o pauperismo, etc11.
Mas os interesses tradicionais internos e externos predomina­
ram, frustrando largamente aquele projeto. Os setores mais con
servadores da classe dominante movimentaram-se com rapidez e
Vargas foi deposto no dia 29 de outubro de 1945. A conjugação
de interesses internos e externos foi sugerida também pelo histo­
riador Arthur M. Schlesingcr, Jr., nos seguintes terinus:

Mais tio que ninguèn». Berle constituiu um elo entre a política de Boa
Vizinhança c a Aliança para o Progresso. Sua experiência no Brasil, onde
ajudou, em 1945, a desencadear a sucessão de acontecimentos que levaram
à derrubada da ditadura de Vargas, convenceu-o de que a Boa Vizinhança
não poderia sobreviver como uma política apenas diplom ática e jurídica 2

Com a deposição de Vargas, a liquidação do Estado Novo e o


afastamento das “ massas trabalhistas’’ do poder, inaugura-se
uma política econômica diferente. Durante o Governo do Mare­
chal Eurico Gaspar Dutra (1946-5Ü), permite-se que as divisas12

11. Sobre o '‘queremismo’’, liderado ostensivamcmc por um dos primeiros lideres


populistas (Hugo Borghi) do período iniciado em 1945: Glauco Carneiro, História
das Revoluções fírasileiras, 2 vols. Edições O Cruzeiro, Rio de Janeiro. 1965, 2?
vol,, págs. 459-478; AiTonso Hdnriques, Ascensão e Queda de Oelúlio Vargas, 3
vols., Kecord, São Paulo, 1966. 2o vol., págs. 347-364.
12. Artltur M Schlesinger, Jr.. Mil Dias, John {•'. Kennedy na Casa Branca, 2 vols.
Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1966, vol. I, pàg. 195. lambem:
Affonso Henriques. Ascensão e Queda de Getúlio Vargas, Record, Rio de Janei
ro, 1966, 3 vols., csp. vol. II. cap. XXVI. Consultar também: Glauco Carneiro,
História das Revoluções Brasileiras, citada, cap. XX.

143
acumuladas durante a Guerra sejam desbaratadas improdutiva­
mente. Elas são utilizadas na importação de artigos de consumo
ostentatório, quando era possivel e necessário um programa dc
aquisição de máquinas, equipamentos e tecnologia no exterior.
A despeito disso, no entanto, verificou se algum progresso
na industrialização do Pais. As bases políticas do modelo getulia-
no haviam sido lançadas e consolidavam-se. O Partido Social De­
mocrático (PSD), o Partido Trabalhista Brasileiro (P I B) e o getu-
lismo permitiam a conjugação das forças políticas burguesas e
proletárias, constituindo-se, desse modo, as bases da democracia
populista. A Campanha do Petróleo, conduzida por militares e
estudantes, forças políticas nacionalistas e esquerdistas, elemen­
tos da oposição e do governo, constituiu-se num êxito, fcm 1950
Vargas foi eleito, tomando posse em 1951. Em 1953 sanciona a
Lei que cria a Petrobrás, instituindo se o monopólio estatal na ex­
ploração da indústria petrolífera. Em 24 de agosto de 1954
Getúlio Vargas suicida-se.
O governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira é uma etapa
diferente e importante. De novo conjugam-se interesses internos e
externos. Abandona-se o modelo getuliano (em sua política eco­
nômica) e coloca-se em execução uma política de desenvolvimento
com associação internacional, L um estágio fundamental para a
internacionalização da economia brasileira.
Entretanto, essa evolução da economia, como modificação
na orientação da política econômica, foi realizada nos quadros da
democracia populista. Houve uma conciliação engenhosa da
política econômica internacionalista com a política de massas, de
base nacionalista. Por isso, os anos posteriores foram anos críti­
cos. Como o governo Kubitschek não realizou a liquidação da de­
mocracia populista, estabeleceu-se e cresceu o divórcio entre as
tendências da estrutura econômica e as tendências da estrutura de
poder. Em especial, a democracia populista tornou-se um
obstáculo cada vez mais insuportável ou inconveniente. A disso­
ciação entre o poder político e o poder econômico acenluava-se.
Neste ponto entram em jogo motivos importantes, interferin
do na direção e na estrutura das relações econômicas e políticas
externas do Brasil. De um lado, coloca-se de modo claro o proble­
ma da “ segurança” dos Estados Unidos, em face da União So
viética e, em anos recentes, da China Continental. Esse é um d e­
mento básico para a compreensão da forma pela qual a doutrina

144
da diplomacia total desdobra-se na internacionalizarão da econo
mia brasileira. A propósito dessa questão, vejamos alguns docu­
mentos ilustrativos. Eles nos ajudam a compreender os diferentes
encadeamentos entre as esferas econômicas, política e militar São
traduções de urna obra preparada pela Brookings Institution e de
uma obra de autoria de Adolf A. Berle, ex-Embaixador norte
americano no Brasil.

The Brookings Institution: Com respeito à America Latina, os princi


pais objetivos üos Estados Unidos estão baseados na necesidade de garantir
a segurança de iodos os pontos de onde se podería lançar um ataque contra
os Estados Unidos. E, também, na necessidade de manter um suprimento
regular das matérias-primas cruciais para os Estados Unidos, na paz como
na guerra. Subordinado a este, coloca se ainda coino objetivo norte
americano recusar certos materiais estratégicos à União Soviética e aos
paises associados a ela. Simultaneamente, interessa obter a cooperaçàu
política das nações da América Latina nas Nações Unidas e em outras si­
tuações. Estes objetivos reclamaram uma política ampla, destinada a au­
mentar a estabilidade interna de uina região que é uina parle importante do
Mutidu Livre (...) Assim, o principal interesse dos Estados Unidos é dispor
— em qualquer Tuturo conflito mundial — de bases militares adequadas,
para defender o Canal do Panamá e manter as uutras linhas de comuni­
cação no Hemisfério. Além disso, já que os Estados Unidos tiveram de for­
necer mais dc cem ml soldados para a delesa de bases militares na America
Latina, durante a Segunda Guerra Mundial, eles têm — por isso mesmo —
um interesse óbvio em conseguir que Eorças Armadas lucais estejam dis­
poníveis para assumir essas lutiçõeseni qualquer futuro conflito mundial.
Por estas e ourras razões, a padronização dos armamentos e o treinamento
ern lodo o Hemisfério é um desideratum evidente. Fmaltnentc. os Estados
Unidos estão interessados na potencialidade lalino-amcricana para conti-
buir com tropas para ação coletiva contra a agressão, cumo a ação das
Nações Unidas na Coréia, na qual somente a Colômbia foi capaz de parlici
par com tropas1*.

A dolf A. Berte: Para miin, um critério de julgamento definitivo deve


ser <>da segurança dos Estados Unidos. O falo de que uma nova ordem é14

14 Major Problems o f United States Foreign Policy, 1954. Prepared by lhe Stafl
of lhe Uroulcings Instiluiion, Geurge Bania Publishing Company, Menasha, Wis-
consin, I y54, págs. 338 e 340 I. Alguns desdobramentos militaristas dessa
interpretação estão apresentados e discutidos nos seguintes trabalhos: Willard f .
Ilaiber and C. Nealc Konning, Internai Secunly and Military Power fCouillenn
surgency and Civic Actton in Latin America), Ohio State Universily Press, 1966
Irving Luuis Horuwitz, "lh e Military Elites” , em Seymour M Lipset and Aldu
Solari (Edilors), Elites in Latin America. Oxford Universily Press, New Vurk.
1967, chapier 5.

145
diferente ou estranha para nòs é lotalmente secundário, em importância,
comparado com o Tato de significar Um perigo para a nossa sobrevivência,
no contexto da atual luta mundial. Os Estados Unidos podem coexistir (e
durante a maior parte da sua existência têm coexistido) razoavelmente com
todos os tipos de sistemas sociais, governados por diferentes regimes
políticos. Por exemplo, é pcrfettamcnte possivel imaginar sistemas não ba­
seados na propriedade privada (apesar de que devemos duvidar do seu su
cesso) com os quais os Estados Unidos podem trabalhar normalmcnte. Mas
isto desde que eles se comprometam a não juntar-se a outros, para conquis­
tar os Estados Unidos; ou desde que não insistam (cumo o faz Castro) que
atacarão de algum modo o sistema político-econômico americano. Por um
periodo de cerca de vinte anos, a União Soviética tem convivido com a Fin­
lândia, cujo sistema não guarda qualquer relação com o sistema comunista.
Isto é possivel desde que uma Finlândia nâo-comunista não r e p r e s e n t e um
perigo para a segurança da União Soviética. Mas esta não toleraria o in­
gresso ou associação da Finlândia com a n a t o 1'1 .

Esse é o contexto em que se inserem as relações militares,


econômicas e politicas do Brasil, com a América Latina e os Esta­
dos Unidos. Em particular, o golpe de Estado de 1964 é um acon­
tecimento que faz parte do processo geral de estabelecimento da
nova concepção de “ Civilização Ocidental” . Em referência espe­
cial à situação brasileira, o Senador norte-americano Wayne Mor­
se, presidente da subcomissão senatorial para a América Latina
afirmou o seguinte:

A benigna atitude norte americana para com os regimes militares


latino-americanos acaba dc ajudar a Argentina a se ver despojada de um
governo constitucional A ajuda que os Estados Unidos estenderam às jun­
tas da República Dominicana, da Guatemala, do Equador, de Honduras e
dc El Salvador ajudou a desencadear o golpe de Castelo Branco no Brasil.
Quando nos apressamos a aprovar e fornecer à junta de Castelo Branco no­
vas e vastas somas, alentamos a ciasse militar argentina a apoderar-se de
seu governo. Citou-se que os militares argentinos interpretam que o apoio 14

14. Adolf A. Berle. Lalin America — Diptomacy and Reality, Published for lhe on
Foreign Relations by Harper & Row, Publishers, New York. 1962, págs. 23-4. A
maneira pela qual as nações da América l.atina (e esta como um todo) foram in­
cluídas na Guerra Fria e nos “ jogos” políticos e militares entre os Estados Unidos
e a União Soviética encontra-se examinada em: John l.ucãcs. A New Hislory o f
lhe Cnld War. third edition, Doublcday & Company. New York. 1966. Amitai El-
zioni, Winning Without War, Doublcday & Company, New York, 1965. Quanto a
algumas falácias sobre o papel de forças militares na América I atina: Irving l ouis
Horowitz, “ United States Policy and the Latiu American Military Eslablish-
ment", The Correspondem, Autumm, n? 32, 1964, págs. 32, 1964, págs. 45-61

146
iiorie-americano à juma militar brasileira significativa que a formal opo­
sição norte americana a um golpe na Argentina era pura aparência. Estão
certos. £ só pura aparência. Temos demonstrado através de nossas ações
nos últimos três anos que era pura aparência. Tetnos pouco interesse pelo
constitucionalismo. Seja o que for aquilo que nossas missões militares estão
ensinando aos latino americanos está alentando e não desalentando seus
golpes contra o constitucionalismo1516

Paralelamente, desenvolve-se o intercâmbio e associação en­


tre capitais e empresas nacionais e estrangeiras. Progride ampla­
mente o padrão “ oficializado” na época do governo Kubitschek.
Aparentemente, os poderes econômico, político e militar são au­
tônomos. Na prática, entretanto, estão encadeados, sob várias
formas. Segundo as observações de Lincoln Gordon e Engelbert
L. Grommers (continuando, aliás, as pesquisas de W. Feuerlein e
E. Hannan) a associação de empresas é uma prática recomendada
no período posterior à Segunda Guerra Mundial. E as razões são
ao mesmo tempo econômicas e políticas.

Os motivos para uma empresa dos Estados Unidos empenhar-se cm


uma aventura associada são de duas ordens: parcialmcnic “ negócios” e
parcialmente "políticos” . Os principais elementos nos “ negócios" são que
a associação reduz os gastos de capital requerido por um projeto no exte­
rior. E a cooperação com grupos industriais locais provê o investidor dos
conhecimentos indispensáveis para operar cm condições locais especificas
Em casos ideais, isto pode habilitá-lo a “ arrancar em pleno movimento",
especialmente quando os sócios locais já estavam previamente empenhadas
na manufatura de produtos similares, com experiência de produção. E, ain­
da, pode contar com reservas de pessoal técnico e gerencial, além dos meca­
nismos de distribuição instalados, bem como certa dose de prestigio e acei­
tação do produto. Os motivos “ politicos" baseiam-se no pressuposto de
que a associação com grupos industriais locais ou acionistas individuais lo­
cais pode significar proteção contra pressões nacionalistas de uma ou outra
natureza. (. .) Em comparação com o período de pré guerra, cresceu consi­
deravelmente o número de empresas dc proprietários brasileiros que são
sócios potenciais1'’.

Esses desenvolvimentos, compreendidos no contexto dos oli­


gopólios multinacionais, colocam problemas cruciais à interpre­
tação das novas condições de progresso econômico no Brasil.
Nesse estágio da história do País, os encadeamentos entre o

15. “ Morse I ala da Ajuda ao Brasil” . O Estado de Sào Paulo, 9-7-1966,


16. Lincoln Ciordon and E I . Grommers. United States Manufacturing Investi-
menlinHrazil, 1940-1960, Harvard Univcrsity, Boston, 1962, pags, 140c 141

14'
político, o econômico e o militar se tornam mais complexos, desa­
fiando as interpretações convencionais. O próprio conceito de
nação entra em debate, quando os processos econômicos e políti­
cos se encadeiam em âmbito continental.
Daí a necessidade de formular a doutrina de interdependên­
cia, na qual se insere a doutrina de reversão de expectativas, que
fundamenta a política interna dos governantes a partir de março
de 1964. Em confronto com o modelo do desenvolvimento econô­
mico autônomo e da política externa independente, o governo do
Marechal Humberto de Alencar Castello Branco põe em prática o
padrão da interdependência. Trata-se de negar o modelo getulia-
iio, em sua prática e como ideologia. Por essa razão o acordo so­
bre a garantia de investimentos privados, assinado por rc
presentantes dos governos do Brasil e dos Estados Unidos, em fe­
vereiro de 1965, é um documento fundamental e simbólico, Trata-
se de um desenvolvimento lógico do espirito da Aliança para o
Progresso. O sistema uniforme de garantias de investimentos, que
o acordo estabelece, destina-se, fundamentalmente:

Promover condições que estimulem o fluxo de inversões estrangeiras,


que contribuam para o aumento dos recursos de capital dos países partici­
pantes...17
Dessa forma, as empresas multinacionais assumem papéis ca­
da vez mais importantes nas decisões sobre a política econômica.
E modificam-se substancialmente as condições de organização e
desenvolvimento da economia brasileira. Ao examinar a relevân­
cia dessas novas condições, para todos os povos da América Lati­
na, Celso Furtado afirma o seguinte:

Convocadas para aluar na America I.atina com uma série de pri­


vilégios, Tora do controle da legislação antitruste dos Estados Unidos e com
a cobertura politico-mililar desse pais, as grandes empresas norte-
americanas terão necessariamente que transformai se em um superpoder
em qualquer pais latino-americana. Cabendo-lhe grande parle das decisões
básicas com respeito à orientação dos investimentos, à localização das ativi­
dades econômicas, á orientação da tecnologia, ao financiamento da pesqui-

17. "O Acordo” (Acordo Sobre a Ciarantia de Investimentos Privados Entre os Es­
tados Unidos do Brasil e os Estados Unidos da América), publicado em Correio da
Manhã, Rio de Janeiro, 11-12-1965, pág. 2.

148
sa c ao grau de integrarão das economias nacionais, é perfeilaineme claro
que os centros de decisão representados pelos atuais Estados nacionais pas­
sarão a plano cada vez mais secundário18.

Esse é o contexto histórico em que se verifica a transição da


política externa independente, e do desenvolvimento econômico
autônomo, para a doutrina da interdependência e do desenvolvi­
mento associado. A partir de 1964, o governo brasileiro optou de
modo decidido pela doutrina de interdependência — em todas as
suas implicações — tio quadro da “ Civilização Ocidental” . Dessa
forma, o econômico e o político, o militar e o cultural encadeiam-
se mais uma vez e num estilo diferente. A propósito dessa opção,
os pronunciamentos do Marechal Humberto de Alencar Caslello
Hranco — Presidente da República — e do Chanceler Juracy Ma­
galhães são claros:

Para perseguir os objetivos nacionais eram preconizadas duas opções


como compatíveis com a preservarão c expansão da autodeterminação bra
sileira: uma política de independência ou uma pusiçau neulralisla. A ex­
pressão “ política de independência” tem sido deturpada e pctdcu utilidade
descritiva. Foi apresentada como inelutável inovação, ignorando que o
conceito de independência só e operacional dentro de determinadas condi-
cionatues práticas.
É um objetivo e não um método. Nu presente contexto de unia cou
fronlaçâo de poder bipolar, com radical divórcio de posição política
ideológica entre os dois centros de puder, u preservação da independem, ia
pressupõe a aceitação de um cerlu grau de interdependência. quer no cam ­
po militar, quer no econôm ico, quer no político.
Nenhum pais, seja no mundo ocidental, seja no soviético, poderá
de tender-se sozinho contra um ou outro dos centros de poder. A delesa tem
que ser essencialmenie associativa.
Similarmente, no campo econômico, o reconhecimento da interdepen­
dência ê inevitável, não só no comércio, mas sobretudo no tocante a investi­
mentos. A independência é, portanto, um valor terminal. Inslrumental-
mente é necessário reconhecer um certo grau de interdependência, que não
é necessário levar ao ponto de cercear contatos comerciais e financeiros
com paises dc diferentes sistemas político c econômico.
No caso brasileiro, a política externa não pode esquecer que fizemos
uma opção básica, que se traduz numa fidelidade cultural e política ao sis­
tema democrático ocidental19.
18. Celso Furtado, Subdesenvolvim ento e Estagnação na Am érica Latina, Civili
zaçâo Brasileira, Rio de Janeiro. 196b. pag. 44.
19. Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, discurso pronunciado no lia
marali, “ Presidente Fixa a Polilica F.xicrna” , Correio da M anhã, I 8 1964. pàg.
10. Tiecho grifado por O. lanni.

149
Vemos nos Estados Unidos o líder inconteste do mundo livre e o prin­
cipal guardião dos valores fundamentais de nossa civilização e neles temos
um aliado de mais de 140 anos, numa tradição de bom entendimento a que
não Faltou o batismo do sangue derramado em defesa de nosso sistema dc
vida. (...)
Quando se fala em soberania, nem sempre se Faz distinção entre sobe­
rania ilimitada e soberania relativa, distinção que não tinha sentido há 20
ou 30 anos, mas que hoje é indispensável... (...)
Disse ser preciso pensar scriamente numa ordem internacional, que
não precisará eliminar o que as soheranias nacionais têm de essencial, mas
terá de promover um equilíbrio, objetivando de inicio a segurança coletiva,
a Fim de que, num regime de interdependência maior que a atual, todos os
Estados tenham menos soberania acessória e mais segurança efetiva.
Nn que tange á soberania nacional, não concebo, dentro desse quadro,
objeções essenciais à idéia da criação duma força interamericana dc paz.. ,2n

20. Chanceler Juracy Magalhães, conferência pronunciada no Itamarati, para os


alunos do Instituto Rio Branco, “ Chanceler Descreve Política Externa” , O Estado
de São Paulo, 22-1I-1966, pàg. 7.

150
XI

A Ideologia dos
Governantes

O que singulariza a política econômica inaugurada em 1964 è


o fato de que ela substitui a ideologia do desenvolvimento pela
ideologia^da modernização. Conforme estava sendo posto em
prática, o desenvolvimentismo orientava-se no sentido de dinami-
llzar as forças produtivas; implicava a independência política e, em
Hcerto grau, impunha a autonomia econômica. A ideologia da mo­
dernização, por seu lado, conforme se efetiva depois de 1964, de­
nota um esforço destinado a refinar o status quo e a facilitar o
funcionamento dos processos de concentração e centralização do
capital1. A doutrina da reversão de expectativas é central nessa
\ .Concentração, processo de reinversão na mesma unidade produtiva ou no mes
mo grupo econômico; centralização, processo de aglutinação de capitais diversos
na mesma unidade ou grupo.

151
mudança de orientação. Resume o sentido básico da nova política
econômica e social, no plano interno. Em âmbito mais largo, éji
ço.atrapartida interna üa doutrina da interdependência. Vejamos,
pois, como ela aparece.
O desenvolvimento político, econômico e cultural do Brasil
— conforme demonstramos nos capítulos da primeira e segunda
partes desta obra — baseou-se num conjunto heterogêneo de con­
dições e fatores: a luta pela industrialização e a defesa dos setores
tradicionais da economia; nacionalismo e compromissos crescen­
tes com o capitalismo mundial; politica externa independente e to­
mada de posição na estratégia da “ futura terceira guerra mun­
dial’’; luta pelas reformas de base e conciliação com os setores
tradicionais da classe dominante; redefinição e florescimento da
cultura e da consciência nacionais, de um lado, e preservação e
ampliação dos vínculos alienadores, por outro. Esse é o quadro
geral — complexo e muitas vezes contraditório — em que estava
ocorrendo a evolução da sociedade brasileira. Nesse contexto (e
dessa forma) verificava-se o desenvolvimento político, cultural e
econômico real. E ê nesse mesmo contexto que se dá o golpe e a
reorientação do processo civilizalório brasileiro, tm verdade, esse
processo foi interrompido e conduzido a outra direção quando:
a) O progresso econômico esteve em vias de conduzir o Brasil
à condição de nação independente, com ascendência sobre nações
da América Latina e da África. Neste caso, o “ modelo brasileiro”
de desenvolvimento seria um exemplo “ inconveniente” às outras
nações do “ Terceiro Mundo” , além de prejudicar diretamente o
exercício da liderança dos Estados Unidos no continente sul-
americano. Aliás, o comportamento do Brasil, com relação a Cu­
ba Socialista, já estava "prejudicando” profundamente a harmo­
nia de pontos de vista desejada pela Organização dos Estados
Unidos Americanos, OEA2.
b) A política de massas e o nacionalismo esquerdizante, no
âmbito da democracia populista, estavam começando a ameaçar
o poder da classe dominante. E a eventualidade das crises políti­
cas, associadas às crises econômicas, abriría caminhus para o so-

2. No mesmo sentido, guardadas as proporções, as tensões entre a URSS e a China


Continental resultam da forma pela qual este pais está formulando e executando
as condições da sua própria hegemonia, com relação às outras nações em luta pela
emancipação política e econômica.

152
cialismo. De fato, conjunturas revolucionárias surgiram em
várias ocasiões, como, por exemplo: em 1945, com a deposição de
Getúlio Vargas; em 1954, com o suicídio de Vargas; em 1961, com
a renúncia de Jânio Quadros; em 1964, com a deposição de João
Goulart.
c) Os Estados Unidos da América do Norte assumiram plena­
mente a liderança política e econômica do mundo capitalista. E
no jogo da “ guerra fria” com a Uniào Soviética, definem-se as li­
nhas mestras das áreas de influência e predomínio. Em conse­
quência, a América Latina, como um todo, fica sob a influência
americana. Sobre esta questão, o estudo de Arthur M. Schlesin-
gei, Jr. (Sobre a administração Kennedy) faz revelações sugesti­
vas:
De Gaulle reconhecia a América Latina coino responsabilidade pri
mordial dos Estados Unidos, mas aTirmou que os laços de uma culiura co­
mum davam á França um acesso e uma função particulares naquela área.
Kennedy disse que saudava as contribuições francesas para o desenvolví
mento latino-americano3.
Tal como consideravamos a América Latina como nossa responsabili
dade, assim também consideravamos a África como, priinordialnicnte,
uma responsabilidade da Europa Ocidental4.5
(Kennedy) foi, na realidade, o primeiro Presidente norte-americano
para quem a totalidade do inundo era, num certo sentido, política interna3

Esse è o contexto global em que se dá a passagem para a dou


trina da interdependência e, simultânea e necessariamente, para a
política de reversão de expectativas. Nesse sentido é que a rever­
são de expectativas — preconizada pelo Governo inaugurado em
1964 — transcende a esfera do econômico e projela-se na órbita
do político e do cultural. Por isso, o golpe de Estado repre­
senta uma alteração importante no desenvolvimento político bra­
sileiro. Com o governo Castello Branco inicia-se um programa
completo de reformulação das instituições vigentes, de modo a
ajustar as expectativas e ideologias das diferentes classes sociais
ao status quo. Com esse alvo, alteram-se progressivamenle as ins­
tituições econômicas e financeiras, políticas e educacionais6.
3. Arthur M. Schlesinger, Jr., MU Dias, John F. Kennedy na Casa Branca, Editora
Civilização brasileira. 2 vols., Rio de Janeiro, 1966; citação do vul. I, pãg 356.
4. lindem, vol. II, pág. 558.
5. Ibidem, vol. II, pág. 565.
6. A legislação que regula o funcionamento dessas instituições foi alterada de mo
do mais ou menos drástico entre abril de 1964 e março de 1967.

153
salários nominais, superiores ás possibilidades reais da economia e que por
isso mesmo logo se esvaem na iràgica espiral de preços; precisamos evitar a
frustração do poupador, que vê sua moeda esvair-se e conclui ein favor do
consumo, da especulação ou da exportação de seu dinheiro, em Pais tão ne
cessitado de investimentos produtivos: precisamos denunciar a leviandade
do consumidor de luxo. que afronta com seu desperdício e frivolidade o de
sespero dos necessitados, e que em Pais pobre exibe uma riqueza incom­
patível com o sentimento de solidariedade social c u urgência de concentrar
todos os recursos possíveis em investimentos produtivos Capd2es de acelerar
o desenvolvimento”9.

Nessa concepção, os interesses dos trabalhadores e dos em­


presários são — por definição — congruentes e harmônicos. Em
consequência, as modificações em seus comportamentos e menta-
lidades podem e devem andar juntas. Com base em uma interpre­
tação desse tipo, sobre as relações sociais em geral (e principal­
mente as econômicas), Roberto Campos apresenta formulações
bastante discutíveis do ponto de vista das ciências sociais. Assim,
sem levar em conta as condições, os fatores e as tendências de to­
do o processo de transição da civilização agrária para a civilização
urbano-industrial, descarta verbalmente padrões e técnicas, vaiu-
res e concepções, do seu pensamento, a realidade aparece como
um conjunto de peças num tabuleiro de xadrez. Combate o nacio­
nalismo, a política de massas, as experiências do dirlglsttio estatal,
o papel do protecionismo alfandegário, etc. como se esses fatos
fossem acontecimentos episódicos ou mesftVú Fabulações. Em uma
passagem típica do seu modo de interpretar a realidade social, Ro­
berto de Oliveira Campos afirma:

São os mitos, ainda mais que as mentiras, que afligem nosso compor­
tamento econômico c destorcem nossa realidade política. Capitulemos os
mitos, alguns deles, na esperança de que sua Identificação seja o inicio do
urgente processo de ennauberunfi ttU vtjá a desencaniação pela volta à rea­
lidade, a que se referia Mas Weber. Pois se os fins da sociedade podem es
tar envoltos em mística e magia os seus meios e métodos têm que ser racio
nais e eficazes10.

9. Roberto de Oliveira Campos, Ministro do Planejamento e Coordenação Econô


mica, em discurso proferido no Nacional Clube, “Campos: Uma Nova Realidade
se Descortina” , O Estado de São Paulo, 25 4-1965, pág 38.
10. Roberto de Oliveira Campus pronunciamento em plenário do Senado, "Cam
pos Fala no Senado da Politica Econômica’*, O Estado de Sâo Paulo, 3-9-1964,
pág. 20

156
Mas a doutrina da “ reversão de expectativas’’ não é uma in
venção do Ministro. Nem diz respeito apenas à vida econômica.
Envolve os diferentes niveis da existência nacional. Trata-se de
uma verbalização procurando dar sentido à alteração drástica do
desenvolvimento político, cultural e econômico no Urasil. Se con­
siderarmos que essa doutrina é formulada simultânea e congruen­
temente com a luta contra as conquistas da democracia populista,
a forma pela qual estava ocorrendo o florescimento cultural, a
ebulição de teorias e correntes políticas, o desenvolvimento in­
dustrial, a luta contra o pauperismo, a formulação de novas téc­
nicas de alfabetização, a emancipação política de setores crescen
tes na população nacional, a execução de uma política externa in­
dependente, a adoção de compromissos internacionais mullilaie-
(.rais — se levarmos em conta todas essas manifestações do proces-
[so civilizatório brasileiro — constatamos que a reversão de expec-
| tativas é um eufemismo. Em realidade, è a contrapartida, no pia
\no da política interna (como um todo) da doutrina da inlerdepen
Idência. O que de fato se pretende é a reorieiUaçãQ global do p r o ­
cesso político e do processo econômico, do pensamento e da'ação.
Essa reorientação destina-se a pôr em prática uma “ nova”
concepção da economia brasileira. Trata-se de fazer com que o
País se coloque (quanto às relações econômicas internacionais e,
em conseqüência, internas) nos mesmos lermos que as nações
mais industrializadas e dominantes [Segundo o governo inaugura­
do em 1964, o País deve substituir õ "complexo de inferiorida
de’’, inerente ao nacionalismo, por um “ complexo de superiori­
dade’’, inerente à formulação oficial da doutrina de inlerdepen
dência. Por isso, a cooperação e a competição externas passam a
ser variáveis naturais e desejadas na política econômica governa­
mental. Em outros termos, o “ sacrifício” de empresas brasileiras
é encarado pelos governantes como um resultado inevitável do
confronto entre diferentes mentalidades empresariais e capacida­
des técnicas das organizações. Essa é a perspectiva com a qual se
encara o crescimento dos índices de falências e concordatas de
empresas brasileiras; ou a associação destas com empresas estran
geiras.

Ministro Paulo Egidio: Algumas empresas reaimente fecharam suas


portas e outras serão, em futuro próximo, obrigadas a cessar suas ativida
des. Se examinarmos, caso por caso, verificaremos que a maioria das etn-

157
presas obrigadas a fechar suas portas ou foi por incapacidade gerencial, ou
de não se ajustarem às condições econômicas que o Pais exige11.

O Estado de São Paulo: Vinham causando preocupações erure os res­


ponsáveis pela política econômico-financeira do governo as atitudes de
industriais que, satisfeitos com lucros obtidos principalmente graças ao
protecionismo cambial e alfandegário, não se interessavam pelo aperfeiçoa­
mento de suas atividades produtivas. I ivres de qualquer concorrência no
mercado interno e produzindo para atender demandas pouco flexíveis, não
encontraram outra motivação para produzir mais, com melhor qualidade e
menores custos.
A transferência de mercadorias da Categoria Especial (em que eram
maiores as exigências impostas à importação) foi um dos instrumentos ado­
tados para provocar a necessária mudança de mentalidade entre em­
presários dessa natureza. Prciendc-sc que a concorrência das mercadorias
estrangeiras ou, pelo menos, a possibilidade de que esta exista, force a bai­
xa de preços nacionais que estejam exageradamente altos, o que exigirá dos
industriais a remodelação de métodos de produção c o alcance de melhores
níveis de produtividade1112.

Presidente Castello Branco: Num Pais de longa história independente,


de dimensões continentais como o Brasil, de regiões já altamente desenvol­
vidas. o receio do colonialismo revela injustificável complexo de inferiori­
dade, incompreensão dos rumos da história e suhestimação do nosso
próprio valor. Podemos e devemos atrair a colaboração da técnica e do ca
pitai estrangeiro, sem dar-lhes qualquer privilégio, exigindo pleno cumpri­
mento das nossas leis, mas também sem ressentimento t sem medo, pois
que a nossa própria história revela que São Paulo, a região do Pais que
mais absorveu capital estrangeiro, longe de se desnacionalizar transfor­
mou-se em fator de poupança nacional e hoje exporta investidores e tecno­
logia para levar ao Nordeste, á Amazônia, uma contribuição em recursos,
técnica c organização empresarial, que constitui autentico cimento da inte
gr ação nacional.
O sadio nacionalismo, que convém aos empresários, que convém ao
governo, que convém ao Pais, é aquele que busca a racionalidade e eficácia
dos investimentos, quer internos, quer externos, na convicção de que a ver-

11. Paulo Egidio, Ministro da Indústria e Comércio, em entrevista. “ Egidio vé


Morte de Empresas como Exigência do Progresso” , Jornal do Brasil, 21 8-1966.
pág. 22. Segundo Roberto de Oliveira Campos, esses fatos, bem como a desnacio­
nalização, são conseqüências inevitáveis da “ mudança de escala de produção,
maior exigência de capitais e rápido surto tecnológico” . Roberto de Oliveira Cam-
.pos, “ Balanço Positivo da Cooperação Estrangeira” , O Estado de São Paulo. 25-
12 1966,pág 36.
12. Comentário sobre o decreto lei n? 63, alterando as tarifas alfandegárias vigen-
les desde 1957, “ Tarifas Provocam Forte Impacto” , O Estado de São Paulo, 25-
11-1966. pág. 19.

158
dadeira independência provêm da energia dos que realizam o programa na­
cional, e não dos demagogos que promovem a desunião dos patriotas e bus­
cam descarregar sabre outrem a culpa de nossas naturais deficiências1V

Toda essa doutrina está formulada em nome de várias combi­


nações: do pragmatismo com Weber, da paz social com a militari-
zaçâo da politica, do desenvolvimento com uma concepção ca­
tastrófica das relações entre os povos. Em essência, busca-se a in­
tegração ótima entre o econômico e o político, numa estrutura de
poder monolítica. Dessa maneira, pretende-se favorecer e acelerar
a difusão dos padrões "racionais” de organização das relações
econômicas e políticas, imperantes em centros capitalistas mais
desenvolvidos. No pensamento do governo, em especial no pensa­
mento de Roberto Campos, a realidade nacional é reduzida arbi­
trariamente a uma totalidade sincrônica, em que se manipulam os
comportamentos, as instituições e as técnicas sociais como se se
tratasse de um conglomerado aritmético. Em essência, o pensa­
mento e o programa governamentais — particularmente na forma
que lhes dá Roberto Campos — são inadequados lógica e histori­
camente. Não correspondem à contemporaneidade da sociedade
brasileira, em seus processos econômicos, políticos e culturais.
Representam a realidade nacional segundo um modelo que não é
historicamente constituído no País. Toma as categorias lógicas e
teóricas de um universo significativo alheio à história nacional. £
mais uma experiência teórica e prática de reificação, fato comum
nas nações dependentes. Ao jogar com as teorias e os mitos, o
economista substituiu uns pelos outros, sem atentar para a sua na­
tureza histórica e as suas implicações culturais.
Essas questões prálico-teóricas não interessam apenas para
uma análise da situação brasileira, conforme se configurou, em
especial depois de 1964. Em verdade, elas são comuns a todos os
países pertencentes ao “ Terceiro Mundo” , isto é, que se en­
contram em situação de dependência cultural. Fazendo particular
referência à América Latina, os economistas Anibal Pinto e Os­
valdo Sunkel diagnosticam as origens de muitos desacertos cor­
rentes nas políticas econômicas adotadas nas nações latino-
americanas nos seguintes termos:13

13. Presidente Casielln Branca, ao inslalar em Manaus a I Reunião de Incentivo


ao Desenvolvimento da Amazônia, “ Castello: Eleições Lisoes Deram Confiança a
Investidores", Jornal do Brasil. 4-12-1966, pág. 22.

159
A maioria dos economistas jovens que vão capacitar-se nos centros
universitários dos países industrializados volta ao seu meio com esquentas
teóricos dissociados, em maior ou menor grau, da realidade objetiva e da
problemática de sua naçãa de origem e, frequentemente, com um instru­
mental de operação que não têm possibilidade de empregar fecundantente.
Não è raro, pois, que no regresso tenham de passar por um per iodo de
agonnizing reappraisal, de um desesperado esforço dc readaptação, Os
mais maduros e inteligentes separam o joio do trigo, estabelecendo a verda­
deira colocação de suas abstrações teóricas e selecionando seu instrumental
segundo as possibilidades de aproveitamento. Outros, entretanto, ou caem
no poço das confusões e do desalento ou se transformam em repetidores de
clichês didáticos ou em artífices de acrobacias matemáticas, ao passo que se
revelam impotentes para interpretar a realidade nacional e menos ainda pa­
ra ajudar a resolver os problemas econômicos14.

Em síntese, a política econômica executada a parlir de 1964


está orientada para a modernização do sistema econômico no
Brasil. Trata-se de uma política destinada a "aperfeiçoar” as ins­
tituições e as relações econômicas. Em plano interno, é preciso
garantir o seu funcionamento, sem os riscos das tensões geradas e
agravadas com as transformações estruturais, que se tornavam
urgentes ou se impunham praticamente. Em plano externo, é ne­
cessário garantir a integração no capitalismo mundial e facilitar a
movimentação dos fatores da produção. Em particular, a moder­
nização destina-se a garantir o funcionamento do processo de
reprodução ampliada do capital, sem os óbices das defesas cam­
biais, tarifárias, fiscais ou ideológicas.

14. Aníbal Pinto e Osvaldo Sunkel, “ Economistas Latino-Americanos nos Países


Desenvolvidos” , Revista Civilização Brasileira, Ano I. n? 8, Rio de Janeiro, 1966,
págs. 107-120, citação das págs 114-5.

160
XII

Ditadura

Por todas essas razões, impõe-se formular uma nova estrutu­


ra de poder. As exigências da nova politica econômica, de rever
são do sentido do desenvolvimento político e cultural, conduzem
a outras técnicas e estilos de liderança e ação. Nesse quadro, o po­
der civil e o poder militar confundem-se num só poder. Trata-se
de “ depurar” o sistema institucional, de modo a torná Io con­
gruente com as exigências dos novos compromissos assumidos pe
Ia sociedade nacional: consigo mesma e com os centros externos
de decisão. Neste sentido, o futuro é concebido com o presente
“ aperfeiçoado” . O futuro é o sialus quo apurado.
Antes de mais nada, impõe-se formular e pôr em prática um
novo estilo de liderança. Esse é um dos dilemas com os quais se

161
defrontam aqueles que assumem o poder em 1964. A luta contra
as experiências e heranças da democracia populista — particular­
mente o nacionalismo e a esquerda — exigem novas definições;
em particular, porque os líderes do golpe não têm "carisma” nem
penetração popular. Entretanto, como os motivos "revolu
cionãrios” são bastante “ racionais” , insistem na negação das li­
deranças carismáticas e demagógicas. Preconizam a organização,
a responsabilidade, a eficácia, como se as razões coletivas fossem
imediatamente redutiveis a relações mecânicas. O princípio do
lucro precisa ser transformado na moral coletiva. Pretendem ins­
taurar a racionalidade teoricamente possível, confundindo teoria
e prática, possibilidades abstratas e possibilidades concretas, Max
Weber e Benjamim Franklin. Em poucas palavras, essa con­
cepção apresenta-se inicialmente nos seguintes termos, nas formu­
lações de Roberto de Oliveira Campos, Marechal Humberto de
Alencar Castello Branco e Oliveiros S. Ferreira:

Roberto de Oliveira Campos: A era dos lideres carismáticos, cercados


de uma aura romântica, está cedendo lugar à tecnocracia1.

Presidente Castello Branco: Os chamados movimentos de salvação nacio­


nal rebaixam o poder político nacional, sempre com a legalidade fraudada
ou com uma farsa legalista em fase de personalismo e opressão Quase
sempre, para fazê-la, as correntes salvadoras se socorrem de um "homem
símbolo’’, do “ homem providencial’’ o do “ homem forte’’. Então IAvem a
solução de emergência. O poder político nacional t o fim imediato c o po­
der nacional o instrumento do autoritarismo.
Vê-se depois que o “ homem símbolo” não passa de cartaz de um
empreendimento que leva a nacão à desgraça, à pobreza e â submissão; que
o “ homem providencial’’ só é providencial para o seu grupo e, pelos males
que causa a seu povo escravizado, não pode deixar de receber maldição da
própria Providência; e que o “ homem forte” só serve para enfraquecer as
instituições e a própria nação, transformando o poder nacional num bastão
dc compreensão e de violência sobre os seus súditos dominados pelo medo12.

Oliveiros S. Ferreira: As lideranças carismáticas terminaram — apesar


da simpatia que se pode nutrir pelo quixotismo liberal democrâlico mescla­
do de autoritarismo meramente carismático que o antigo governador Car-

1. Roberto de Oliveira Campos, citado por Hermano Alves, “ Frieza Operacio


nal” , Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 10-1-1965, pág. 2.
2. Presidente Castello Branco, aula inaugural dos cursos da Escola Superior de
Guerra, “ Aula Inaugural do Presidente na Escola Superior de Guerra” O Estado
de São Paulo, 17-3-1965, pág. 7.

162
los Lacerda da Guanabara encarna, a lógica nos diz que ele é o último
representante do subdesenvolvimento politico brasileiro. Isso se traduz em
que o Estado, daqui por diante, tenderá a deixar de ser a escola risonha e
Franca em que os alunos cnlravam á hora que bem entendiam, a professora
recitava a lição que havia aprendido na véspera festiva e todos passavam de
ano e recebiam aumento de salários a cada dezembro. E isso significa,
também, que a personalidade dos lideres daqui por diante contará aquele
minimo (sumamente importante, porém) permitido pelas estruturas, e que
será a organização que terá a responsabilidade de gerir os negócios
públicos3.

Qualquer governante pode desconhecer as leis fundamentais


das relações sociais e da história, mas ninguém pode governar
contra essas leis. Por isso, o novo estilo de liderança não ganha
nem pode ganhar a opinião pública. Ê muito difícil que uma cole­
tividade se movimente, como um todo e decididamente, com uma
ideologia de cuja elaboração ela não participou; e de cujas trans­
formações ela não participa. Os grupos e classes sociais — ou as
massas — precisam ser levados a identificar-se dc algum modo n a
ideologia dominante, caso contrário o divórcio entre governantes
e governados será crescente. Nesse senlido, se é verdade que os
governantes (desde 1964) se esforçam por reintegrar os poderes
econômico e politico, é também verdade que o governo e o povo
se dissociam em escala progressiva. O povo se sente governado,
mas não se sente participante do governo. O poder estruturou se
unilateralmente, negando principalmente as experiências históri­
cas posteriores a 1945.
Os empresários são chamados a compreender e a engajar-se
nos novos padrões de organização do sistema econômico e de lide
rança política. Segundo alguns ideólogos oficiais e oficiosos, eles
estão em condições de ajustar-se com eficácia às exigências do no­
vo estilo de organização econômica e política. Segundo as pala­
vras dc Roberto de Abreu Sodré (eleito pela Assembléia Estadual,
em 1966, Governador do Estado de São Paulo) e Oliveiros S. Fer­
reira, a preponderância do poder militar sobre o poder civil per­
sistirá enquanto a classe dominante não interessar-se por assumir
diretamente as rédeas do governo.

t. Oliveiros S. Ferreira. “ Fim do Subdesenvolvim ento” , O Estado d e São Pauto


.10-10-1966, pág. 87.

163
Governador R oberto de A breu Sudre: Se os civis se absorverem nas
suas ocupações particulares, esquecidos dos seus deveres para com a Pátria,
como estranhar que os militares os substituam até mesmo na organização
da sociedade civil?
Ou os homens de empresa compreendem o seu verdadeiro papel, nos
tempos desafiadores de hoje, adaptando se à mentalidade desta nova eia,
às novas condiçúcs sociais e políticas, às novas exigências da economia da
segunda metade do Século XX, para a qual as “ necessidades humanas pre­
valecem sobre o equilíbrio mecanicista do qual o homem havia sido quase
inteiramente banida" na judiciosa observação de François Pcrroux; ou os
empresários partem resolulamenie para cooperar na consirução da ordem
civil, intervindo na lula política, envolvendo-se pessualmenle nela e assu­
mindo os riscos dai decorrentes, sem se deixarem monopolizar pelos seus
afazeres privados, como é do seu dever, ou entãu terão de lamentar que o
façam outros sem o seu dinamismo e incapazes de compreender a insubsti­
tuível missão da economia privada, com □ que terão lavrado a sua sentença
de morte e sò lhes restará aguardar passivamente que se torne cada vez mais
brutal a invasão do Estado na vida econômica, atê a estatização total4.

Oliveiros S. Ferreira: O Poder Militar sô poderá ser substituído quan­


do o Poder Civil puder contrapor, organizado, o seu projeto à atual ação
governamental — e por projeto entendo exalamentc aquilo que permitiu à
Sorbonne manter-se no poder e lançar a ponte da amizade aos “ jovens tur­
cos": uma visão o mais acabada possível da racionalidade do sistema de
produção: a noção das exigências econômicas e sociais impostas por essa
racinalidade quando em confronto com a geografia, a história e a sociedade
brasileira; a visão clara dos recursos naturais possíveis de exploração e dos
recursos humanos disponíveis; a capacidade de transformar a visão dessas
exigências, a qual é meramente teórica, em um sistema juridico-normativo
(donde coativo) que organize toda a Sociedade tendo em vista os objetivos
finais a atingir5.

Aliás, a participação crescente dos empresários e grupos


empresariais — nas decisões políticas e no próprio exercício do
poder — já vinha sendo recomendada e posta em prática em anos
anteriores. Em certo sentido, o Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais (IPES) e o instituto Brasileiro de Ação Democrática
(1BAD) cristalizam essa participação. À medida que se evidencia a
dissociação crescente entre o poder político e 0 poder econômico,
no quadro da democracia populista, os empresários movimen­
tam-se por meios próprios, dentro ou fora dos partidos políticos.

4. Koberto de Abreu Sodré, Governador eleito do Esiadu de São Paulo, em dis­


curso durante o jantar que lhe ofereceu a direção da revista Boletim Cambial.
"Sodré H oje com C astello". O E stado de São Paulo, 9-11-1966, pág. 4.
5. Oliveiros S. Ferreira, "Fim do Subdesenvolvimento” , citado.

164
Em 1962, a taxa de desenvolvimento per capita cai para 0,5% e
em 1963 vai a menos de 1%. Paralelamenle, os empresários
preocupam-se seriamente com os rumos do poder político. Essas
correspondências aparecem de modo claro nos textos transcritos
em seguida:

A taxa de crescimento da economia brasileira prosseguiu declinando


em 1963. As estimativas realizadas indicam um incremenlu de apenas 2%,
contra 3,7% em 1962 e 7,7% em 1961. Em termo* per capita, no ano passa­
do (1963) o padrão de vida médio da população brasileira declinou de I %67.
Concordamos plenamente em que as classes produtoras participem de
forma ativa e decisiva na vida política do Hais, quer elegendo seus represen­
tantes para os diversos órgãos do Governo Federal e estadual, quer através
de campanhas de esclarecimento da opinião pública. Cremos que os ho
mens de empresas no Brasil verificaram essa mentalidade e já têm tomada
as primeiras providências para arregimentar forças nesse sentido, através
da organização de várias entidades1.
As classes produtoras, no meu entender, como parte das elites de uma
nação, podem e devem participar ativa e declaradamente da vida política
do Pais. Esta participação deve ser a do permanente esclarecimento da opi
nião pública, para as virtudes du nosso sistema de vida O nosso papel é o
de demonstrar au povo que a democracia oferece, além da garantia da li
berdade, as soluções para todos os nossos magnos problemas, (Jue, se leva­
dos os conceitos da democracia política para o campo econômico e para o
campo social, descobriremos que o caminho do progresso é também o ca­
minho da justiça social8.

Dessa forma, reecontram-se o econômico e o polilico, nas in­


tenções e, depois, nas ações dos empresários. As recomendações
dos ideólogos correspondem às exigências dos setores mais alivos
da classe dominante Em verdade, o golpe de Estado de 1964 é um
dos resultados dessa redefinição política, por parle dos setores
mais esclarecidos da classe dominante, em conjugação com gru­
pos militares apoiados na doutrina geopolitica da “ Civilização
Ocidental” . Tratava-se, então, de opor de lato — e tão definiliva-

6. Fundação Getúlio Vargas, Conjuntura Econômica. Retrospecto 1963. Ano


XVIII, n? 2, Rio de Janeiro. 1965, pág. 13
7. José Ermírio de Morais Filho, depoimento para “ Como Industriais Jovens
Vêem a Situação Nacional” , Jornal do Brasil. 29-4-1962. pág. 14.
8. José Luís Moreira de Sousa, depoimento para “ Como Industriais Jovens Vêem
a Situação Nacional” , Jornal do Brasil, 29-4-1962. pág. 14. Consultar também:
Norman Blume, Pressure Groups and Decision-Making in Hrazil. Social Science
Institutc, Washington Universily, St. l.ouis. 1968.

165
mente quando possível — uma barreira à democracia populista.
Buscava-se recompor as estruturas de dominação e apropriação,
parcialmente dissociadas na época da vigência do modelo getulia-
no9.
A criação do Grupo Permanente de Mobilização Industrial,
em 1964, é um fato importante na evolução desses encadeamentos
entre o poder político e o poder econômico, juntamente com o po­
der militar. Segundo os empresários que participaram da soleni­
dade oficial de instalação desse órgão:

A inslalação do Grupo Permanente de Mobilização Industrial, em tão


boa hora criado, è a continuação de uma colaboração que se vem operando
através dos anos entre as classes produtoras e as Forças Armadas, quer nos
periodos de ação militar, quer na fase normal da vida do Pais101.
As experiências vividas nos primeiros dias (quando se movimentaram
tropas para a derrubada de Goulart) nos mostravam a necessidade império
sa de os industriais conhecerem as necessidades mínimas dos militares e des
tes últimos saberem com o que poderíam contar da parte dos industriais. O
parque industrial de São Paulo é imenso, porém, não está preparado para
qualquer mobilização industrial. As Forças Armadas usam equipamentos
fora dos padrões da nossa indústria e esta desconhece as necessidades de
material, equipamento e armamento das Forças Armadas. Era impres
cindlvel que sc criasse, em caráter permanente, um grupo que fizesse aquilo
que procuramos, civis e militares, fazer na hora dc perigo. Por isso. o Gru
po Permanente de Mobilização Industrial vai procurar fazer o entrosamen
to da padronização industrial com as necessidades das forças Armadas.
Vai incentivar a pesquisa da indústria no campo militar. Propiciará ã
indústria a fabricação de equipamentos, máquinas e acessórios para as
Forças Armadas. Indicará as firmas que estão melhor adaptadas para a
execução de serviços ou fabricação de equipamentos militares Aconselhará
e recomendará a adoção de padrões para artigos que possam ser usados nu­
ma emergência, cm beneficio da segurança nacional, dando ás Forças Ar­
madas o resultado principal da equação da guerra moderna: onde obter
material? quando obter material? como receber o material necessário?11.

9. Algumas revelações sobre a combinação de interesses nacionais e estrangeiros,


hem como econômicos e militares (no controle do Estado a partir de abril de 1964)
(oram feitas por um dos líderes do golpe: Carlos l.acerda, “ Anistia e Mudança da
Carta” , Jornatda Tarde, São Paulo, 21-12-1906, pág 4.
10. Rafael Noschese, discurso por ocasião da solenidade de instalação do órgão.
“ Instalado na FIESP o Grupo Permanente de Mobilização Industrial” , O Estado
deSão Paulo, 1-5 1964, pág. 24,
11. Victório Ferraz, Presidente do Grupo Permanente de Mobilização Industrial,
em discurso proferido na instalação do órgão: “ Instalado na FIESP o Grupo Per­
manente de Mobilização Industrial” , O Estado de São Paulo, 1-5 1964, pág. 24.

166
Desse modo inicia-se a institucionalização do complexo
induslrial-miliíar no Brasil. A nova concepção de “ segurança na­
cional" — redefinindo e ampliando a noção de “ defesa nacional"
- exige a reformulação das relações entre as Forças Armadas e a
Indústria. A eficácia do poder militar depende da forma pela qual
ele se relaciona ao setor industrial. Por esse motivo procura-se es­
tabelecer um “ parque industrial-militar” adequado às perspecti­
vas que se abrem ao Pais. Segundo informa o jornal Folha de São
Paulo:

Dentro de um plano geral, elaborado pelo Estado-Maior e o Departa­


mento de Produção e Obras, o Exército doravante somente adquirirá
veiculos e peças do exterior, quando seja impraticável sua fabricação no
Brasil. (...) Preocupado na criação do parque industrial-militar, dentro de
técnicas que sirvam às peculiaridades brasileiras, o Exército passará a fazer
a remodelação de todos seus órgãos blindados, através de fabricação
própria ou contratada com indústrias brasileiras, estando provado que,
dessa forma, além de economizar mais de SO por cento do que gasta apenas
em manutenção hoje de material obsoleto, poderá reequipar-se
totalmente12.

£ óbvio que o desenvolvimento das relações entre as Forças


Armadas e a Indústria implica novas combinações entre o “poder
militar" e o “ poder econômico". Em verdade, é o “ poder políti­
co ’* dos grupos dominantes que adquire novas dimensões, ao
criar-se o “ parque industrial-militar". Esse contexto é importante
para uma adequada compreensão da doutrina da “ segurança na­
cional" — em suas implicações internas — em confronto com a
doutrina da “ defesa nacional” . Em suma, é nessa linha dc re­
flexões que se dá a reformulação das condições e possibilidades de

12. “ Nossa Indústria Vai Reequipar o Exército’’, Folha de São Paulo, 3-8-1967,
pàg. I. Algumas obras importantes para a compreensão do conceito e das im­
plicações econômicas e políticas da doutrina da “ segurança nacional” : Estudo
Sócio-Político da Vida Nacional, coleção de ensaios publicados pelo Instituto de
Sociologia e Política, da Federação do Comércio do Estado de Sào Paulo, SESC c
SENAC, 1958; Oliveiros S. Ferreira, A s Forças A rm adas e o Desafio da R evo­
lução, Edições ORD, Rio dc Janeiro, 1964; A Segurança Nacional, número espe
ciai da Revista Brasileira de Estudos Políticos, n? 21, Belo Horizonte, 1966; A Re
voluçüo de 31 de Março, 2? Aniversário, coletânea de pronunciamentos e ensaios
sobre a colaboração do Exército, Biblioteca do Exército — Editora, Rio de Janei­
ro, 1966; General Golbery do Couto e Silva, Geopolltica do Brasil, José Olympio
Editora, Rio de Janeiro, 1967.

167

(
realização do poder político nacional. A própria noção dc “gran­
deza nacional’’ fundamenta-se no sistema de dominação inerente
às novas combinações das estruturas de poder Segundo sugere
Oliveiros S. Ferreira:

Não se cria a consciência de Cirande Potência se as elites do poder não


se dispõem a assumir plenamcnie os riscos implícitos na pulitica de grande­
za e, mais especificamente, não concordam em pagar o preço dos sacrifícios
que essa política impõe na escala do consuma individual ( . .) Que ao lado
do Exército de combate, permanente, otimamente equipado e allamenle
móvel, exista outro, cuja função será. como dizia o General Góis Monteiro,
"enquadrar a massa amorfa com energia patriótica"11.

Como vemos, essa concepção de poder militar desdobra-se


direta e abertamente em uma nova concepção do poder político,
envolvendo “ segurança nacional” , “ grandeza nacional’’ etc. Em
verdade, às novas configurações da estrutura social brasileira
procura se adequar uma nova estrutura de dominação. Em con­
traposição às exigências da mudança estrutural, impõe-se o
princípio da estabilidade.
Naturalmente o proletariado é a contrapartida necessária
dessas preocupações de ideólogos, técnicos e governantes. Assim,
recomenda-se que os trabalhadores em geral aceitem o “ novo tra-
balhismo” , isto è, uma nova imagem dos seus interesses de classe,
em harmonia com os interesses das outras ciasses. Ao revelar uma
preocupação especial com essa questão, o Ministro Roberto Cam­
pos, afirma o seguinte:13

13. Oliveiros S. Ferreira, "O Plebiscito Cotidiano da Grandeza Nacional” , O Es


tado de São Paulo, 13-11-1966, pág. 113. Nessa mesma direção, procurando com
binar as exigências do poder econômico com as exigências do poder militar em um
sistema harmônico e eficiente, Roberto de Oliveira Campos apresenla, entre
outras sugestões, as seguintes: “ A preocupação com o desenvolvimento econômi­
co impõe nos continua análise ( i) do nfvel das despesas de segurança, (2) da possi­
bilidade de melhorar sua composição a fim dc acentuar atividades bivalentes, i.e.,
que sirvam simultaneamente à segurança e ao desenvolvimento. (...) Outra manei­
ra de reduzir alguns custos militares é a substituição da execução direla
(construção naval, por exemplo), pela contratação de serviços com organizações
privadas que disponham de capacidade ociosa". Cf. Roberto de Oliveira Campos.
"A Espada e o A rado" publicado em O Estado de São Paulo", 22-8-1967 e 5-9-
1967, pág. 4. Citação extraída do segundo artigo. Essa sequência de argumentos
destina-se a fundamentar — em última instância — a substituição do conceito tra­
dicional de "defesa nacional” pelo conceito novo de "segurança nacional” , en­
volvendo uma nova integração dos puderes político, econômico e militar.

1 68
Posição d o s Assalariados: A repartição da renda interna, tomando por
base o conjunto de salários e ordenados, lucros, juros, aluguéis, ele., no
anu de 1960 (que é o último para o qual se dispõe de estatísticas), revela que
a participação da remuneração dos nossos trabálhadores, na Renda Interna
du setor urbano (avaliada em 64,9%) é das mais altas dc que se tem noticia
no cenário internacional, ultrapassando a registrada em várias nações de
scuvuividas, tais cumu a frança, Alemanha, Itália, Suiça, Bélgica, Holan­
da. Dinamarca, Áustria, Austrália, Japão e Nova Zelândia. São poucos os
países, como os Estados Unidos, a Inglaterra, a Suécia e a Noruega, onde a
percentagem de Renda Interna absorvida pelos assalariados excede a que,
em 1960, se verificou no Brasil.
A Ilusão Trabalhista: Por ouiro lado, e segundo os mesmos dados, os
salários reais teriam crescido bastante até 1959, tendendo, porém, a decli­
nar dai por diante — sobretudo nos dois últimos anos. A mais importante
evidência nesse sentido (na falta de outros dados mais conclusivos) é forne­
cida pelas variações du salário-ininimo.
Purudoxalmente, p o n a n to , fo i precisam ente durante o período em que
a trabalhismo dom inou a cena nacional, que os assalariudos mais sofreram,
em lerm os de poder aquisitivo real, em virtude da inflação que anulou os
maciços reajustam entos d e salários nominais, e da queda da taxa de cresci­
m ento do Pais. ocasionalm ente a dim inuição das oportunidades de ocu­
pação e emprego. Paralelamente, agravou-se o desnível entre as classes as­
salariadas, avançando mais aquelas dotadas de maior capacidade de pres­
são política, conquanto nem sempre as mais produtivas, em detrimento da
grande massa de assalariados1415.
O processo costumeiro dc revisão salarial, em proporção supetiur ou
igual ao aumemo do custo de vida é incumpalivel coin o objetivo dc
dcsin Ilação com desenvol viinen to13.
Nada mais urgente do que repensar o papel do trabalhismo no cenário
nacional, seja pelas suas potencialidades dinâmicas, seja pelo alto grau de
intoxicação a que foi exposto no passado. Pode ser paternalista, desde a era
de Vargas, o trabalhismo se tornou inautêntico; por ser irrealista ele se tor­
nou demagógico.
O prim eiro pecado do antigo trabalhismo era a preocupação obsessiva
com altas maciças de salários nominais. Estando estes muito além du
incremento de produtividade e du crescimento possível de produção, o re­
sultado natural dessa ilusão era a aceleração do processo inflacionário.
O segundo vicio do antigo trabalhismo era o seu desinteresse por
outros aspectos da luta operária, no fundo mais significativos que a simples
reivindicação salarial. Pouco se cogitava das oportunidades de acessa á

14. Kobeno de Oliveira Campos, “ Plano do Governo Revolucionário” , O Estado


d e S ã o P u u lo , 15-8-1964, pág. 16. Grifado no original.
15. Roberto de Oliveira Campos, em exposição realizada no Senado, em 2-4-1964.
Cilada por Paulo Singcr, “ Ciclos de Conjuntura em Economias Subdesenvolvi­
d as", Revista Civilização Brasileira, Ano I, n° 2, Rio de Janeiro, 1965, págs. 93-
111, esp. pag. 108.

169
educação, á casa própria, assim como da purificação e melhoria dos dis­
pendiosos e ineficientes serviços de assistêcia e previdência social.
O terceiro vício do antigo trabalhismo estava na criação de uma aris
tocracia do peleguismo. Através de uma esquisita barganha, algumas clas­
ses politicamente poderosas — como os marítimos, portuários e ferro
viários — avançaram em matéria de benefícios salariais muito mais rapída
mente que outros elementos das classes trabalhadoras, politicamente menos
influentes.
Se, em alguns casos, como nos dos metalúrgicos e dos operários na
indústria química, o avanço salarial refletiu melhoria de treinamento e pro­
dutividade, em outros casos a melhoria salarial assentou na mera moti­
vação política, enquanto decrescia a produtividade. Os Sindicatos deixa­
ram de ser instrumentos de avanço dos trabalhadores, para se transform a­
rem em veículos de política partidária.
O quarto pecado do antigo trabalhismo residia na sua relativa indife­
rença ao nivel de investimentos e, portanto ás novas oportunidades de
emprego.
Essa atitude ê tão egoísta como cruel. Ao pretender níveis salariais des­
vinculados da produtividade e da possível receita dos serviços, os operários
e trabalhadores das autarquias de transporte acabaram diminuindo a capa­
cidade de investimento do Governo, e portanto a sua capacidade de criar
empregos produtivos para as novas gerações.
Similiarmente, ao pressionarem por aumentos irrealistas de salários no
setor privado, colocaram as empresas frente ao dilema de anularem rapida­
mente o incremento de salários pela rcmarcação inflacionária de preços, ou
reduzirem o nivel de investimentos, anulando novas possibilidades de
emprego. Destarte, os já empregadas aumentavam ilusoriamente sua remu­
neração, condenando ao desemprego as novas gerações que continuamente
a fluem ao mercado de trabalho.
O quinto, o mais grave pecado do amigo trabalhismo, residia na dis­
solução dos padrões morais. Numa terrível vingança contra as indiscrimi­
nadas acusações de Marx ao espirito predatório do capitalismo, que ex­
plorava a mais-valia, o peleguismo operário passou a explorar egoistica-
mente os elementos mais indefesos da classe operária1*.16

16. Roberto de Oliveira Campos, “ A Nova Imagem do Trabalhismo” , Digesto


Econômico, Ano XXI, n? 188, São Paulo, 1966, págs. 8-10; citação das págs. 8-9
Grifos no original. Segundo um estudo técnico sobre a política de salários decor­
rente do "novo trabalhismo” inaugurado em abril de 1964: “ Na prática, a política
salarial não vem sendo aplicada com o rigor dos princípios que a inspiram, ocasio­
nando a redução do poder de compra do salário. A não revisão das Talhas em sua
aplicação prática significará que ela foi uma forma dc dourar, com formulações
difíceis e cálculos não facilmente à altura do conhecimento do trabalhador co­
mum , um principio nunca declarado: a redução dos salários reais do trabalhador e
a diminuição de sua participação no produto nacional” Cf. Política Salarial do
Governo, documento mimeografado preparado pelo Departamento lntersindical
de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos, São Paulo, 1967, págs. 13-14 Grifado
por nós.

170
Essa é a nova imagem do trabalhismo, em oposição a um su­
posto distributivismo da política de massas vigente antes de 1964.
E é com base nessa interpretação das relações de classes — quanto
à participação no produto — que os governantes formulam as no­
vas diretrizes da “ política social” . Os pontos centrais da política
“ operária” , inaugurada com a vitória sobre a democracia popu­
lista, são os seguintes:
a) Acabar com a participação das classes assalariadas — par­
ticularmente o proletariado — nas decisões políticas em geral.
Portanto, acabar ou reduzir bastante a interferência do “ sindica­
lismo” nos acontecimentos políticos federais, estaduais e munici­
pais.
b) Controlar (ou anular) a capacidade dos grupos burgueses
de oposição à política econômica inaugurada em 1964 (associação
aberta e ampla com capitais e organizações internacionais)
apoiarem-se nas classes assalariadas, ou funcionarem como as
seus porta-vozes. Em realidade, enfraquecer as bases políticas dos
setores nacionalistas identificados com o modelo nacionalista de
desenvolvimento.
c) Em conseqüência, restaurar o controle da classe dominan­
te sobre o “ comportamento” do fator fundamental da produção,
manipulando-se tão completamente quanto possível o custo rela­
tivo da força de trabalho, a sua eficácia produtiva, etc. For isso, o
princípio da “estabilidade” dos assalariados (após dez anos de
atividade na empresa) é transformado em “ seguro-desemprego” ,
libertando a empresa de um encargo fixo e permanénte. Em
outros termos, restaura-se o “ confisco salarial” , por meio do
controle rígido e centralizado da politica de salários e dos movi­
mentos sindicais.
d) Em suma, liquidar com a politica de massas, enquanto
técnica de sustentação do poder político e enquanto manifestação
essencial da democracia populista. Com esta finalidade, altera-se
a lei sobre a greve, controlando-se rigorosamente as possibilida­
des de sua utilização, como técnica de reivindicação econômica ou
política.
Como vemos, as relações de classe são reformuladas, jurídica
e politicamente, em termos bastante claros e diversos da definição
vigente antes de 1964. As modificações da legislação sobre parti­
dos, sindicalização, greve, previdência social, etc. revelam a
estrutura básica da “ nova imagem do trabalhismo” no Brasil.

171

(
Não se tem havido a necessária uniformidade na apurarão e na
aplicação dos índices para a reconstituição do salário real médio nos últi­
mos 24 meses, base da política salarial seguida pelo governo como instru­
mento de combate à inflação;.,, dessa falta de uniformidade, tem resultado
a concessão de percentagens diferentes de aumento salarial, até mesmo
dentro da mesma categoria profissional;... a falta de uniformidade c de
precisão na apuração dos Índices e os critérios divergentes na aplicação da
legislação em vigor têm contribuidu, frequentemente, para a concessão de
aumentos salariais conflitantes com a orientação geral da politica econômi­
ca e financeira do governo;... a paz social, requisito fundamental da segu­
rança nacional, exige uma politica salarial equisitiva para a classe trabalha­
dora em seu conjunto, não se coadunando com tratamentos discrimi­
natórios em benefício ou detrimento de qualquer categoria prufissiunal1718.
A greve será reputada ilegal; 1) Se não atendidos as prazos e as con­
dições estabelecidas nesta Lei; 2) Se tiver por objeto reivindicações julgadas
improcedentes pela Justiça do Irabalho, em decisão definitiva, há menus
de um ano; 3) Se deflagrada por motivos políticos, partidários, religiosos,
sociais, de apoio ou solidariedade sem qualquei reivindicação que interesse
direta e legitiinamente á categoria profissional; 4) Se liver por fim alterar
condição constante de acordo sindical, convenção coletiva de trabalho ou
decisão normativa da Justiça do Trabalho em vigor, salvo se tiverem sido
modificados substancíalmenleos fundamcnms em que se apoiam

Não se trata de esiar a favor ou contra a ‘'demagogia” e a li­


derança "carismática” . Trata se de compreender as suas con­
dições de existência, as suas raízes históricas e culturais. Em parti­
cular, é necessário reconhecer as correntes divergentes de opinião,
configuradas em líderes e organizações. Mais ainda é preciso ad­
mitir a multiplicidade de correntes políticas e a divergência dos in­
teresses de clases e grupos sociais, fundamentando modelos de de­
senvolvimento distintos. Caso contrário, o poder político evolui
para formas monolíticas, cristalizando as relações de dominação e
as modalidades de participação dos assalariados no produto na
cional.
Em verdade, há encadeamentos e correspondências nítidas
entre a doutrina da interdependência e a doutrina da reversão de
expectativas, como políticas externa e interna. São manifestações

17. Exposição de motivos que acompanha o decreto-lei que estabelece critérios pa­
ra unificação dos reajustes salariais, "Decreto Estabelece Norinas Kígiüas para
Reajustes Salariais” Folha de São Paulo, 2-8-1966, pág. 9.
18. Lei que regulamenta o direito de greve (Capítulo 6? Da ilegalidade da greve),
sancionada pelo Presidente da República em I de junho de 1964. "A íntegra da
Lei Sobre Direiro de Greve” , reproduzida em O Estado de São Paulo. 2 6-1964,
pág. 5.

172
essenciais do modelo básico de modernização da sociedade nacio­
nal; isto é, de consolidação do status quo , em termos ditatoriais.
Essas duas doutrinas destinam-se a realizar a reintegração dos po­
deres político e econômico, consolidando a ditadura da classe do­
minante. Segundo afirma Castello Branco:

Já nâo pudemos ser indiferentes â surte de nossus vizinhos, nem cruzar


os braços anle a violência das agressões externas por via imerna. Cada fren­
te de subversão é ameaça à nossa retaguarda e põe em jogo a liberdade de
todos os povos. Huje ela se abre no Caribe ( Heferència à presença de tropas
brasileiras na Kepúbhca Dominicana, atendendo á solicitação da Organi­
zação dos Estados Americanos, o ta ). E ninguém duvida de que se lugrasse
firmar-se ai, não tardaria em escolher e atacar uma nuva vitima. (...)
Contudo, na luta que nos é imposta para conservarmos a democracia,
não basta essa compreensão de referência aos nussos deveres e necessidades
internacionais. Ê também, tanto ou mais impurtante, que a frente interna
da democracia não seja comprometida por aqueles que, em vez de buscar
cumprir suas missões especiais ou normais, pretendem, na realidade,
transformar se numa força autônoma, que serà perniciosa e inadmissível
para alcançarmos os objetivos da revolução. Não importa estarem anima
dos dc patrióticas intenções, pois a verdade é que, etn vez de ajudar a furta
Içcçr q consolidar O regime, contibuem para abru brechas em áreas que de
veriam ser pilares da nossa democracia. Em lugar de ajudar, desviam esfo­
rços, acarretando desconfiança, quando melhor seria carrearem mais con
fiança para o regime. Tudo isso, certamenic, pur estarem esquecidos de que
a justiça ou aperfeiçoamento que desejam decorrem inevitavelmente dc uni
sistema e jamais de impulsos isolados, que dividetn, quando deveríam so
mar.
Devo, porem, afirmar que o governu não se submete a qualquer desvio
de autoridade. E o faz não apenas por julgar do seu dever, mas lambem
porque a opinião pública não deseja agitação, seja no seio do governu, seja
entre aqueles inconformados por não estarem nu gozo do poder. O povo
quer ordem jurídica, quer eleições, quer u legitimo exercício da auturidade
pelos governantes, quer sentir o apoio das Forças Armadas coesas, para o
rápido soerguinienio do Pais. E essa ê a orientação seguida inllexivelmcnte
pelo governo, dentro dos seus deveres e prerrogativas” 19.

E nesse contexto que se pode compreender a extinção dos par­


tidos políticos criados antes de 1964, a cassação dos direitos
políticos de técnicos, políticos, operários, intelectuais, militares e
estudantes. No âmago do combate às lideranças carismáticas e de
magógicas esá a concepção e o exercício autoritário do poder. Em

19. Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, “ Castelo: Intoleráveis Ten


tativas ContTa-Revolucionárias” , Folha de São Pauto, 29-5 1965, pàg. 3.

173
nome da organização e da eficácia, instala-se a ditadura20. Assim,
a hipertrofia do Poder Executivo está na essência da politica eco­
nômica adotada a partir de 1964. Além disso, essa politica econô­
mica é uma exigência do programa de destruição da democracia
populista. É preciso uma vasta mobilização de recursos políticos e
ideológicos, quando se pretende liquidar com valores e padrões,
técnicas e ambições criados em décadas de lutas e acumuladas p o r
parcelas crescentes do povo brasileiro.
Nesse sentido, os Atos Institucionais, a Constituição imposta
por meio do Legislativo submisso em 1967, a reforma da legis­
lação trabalhista, a depuração da estrutura partidária, a reforma
universitária, o controle das organizações sindicais e estudantis
são fatos encadeados. Correspondem à intenção de reaglutinar os
poderes políticos e econômicos em nova direção. Destinam se a
derrotar o modelo nacionalista de desenvolvimento, enquanto
estrutura de poder e politica econômica. Simultaneamente,
derrotam-se as classes assalariadas e parte do empresariado nacio­
nal.

20 A Constituição Federale suas ModificaçOts ao Texto (Emendas, Atos Institu­


cionais e Complementares), volume preparado por Osny Duarte Pereira, Civili­
zação Brasileira, Rio de Janeiro, 1966. Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil, de janeiro de 1967.

174
Conclusão

Ao longo deste livro, procuramos reconstruir o que ocorreu


nos principais momentos da história social brasileira na época dn
populismo. Ao mesmo tempo, quisemos delinear o que pnderia
ter ocorrido nesta ou naquela ocasião. Isto é, tentamos reproduzir
tanto os acontecimentos efetivados como aqueles que se esboça­
ram, ficando apenas como virtualidades. Nestes termos, procura­
mos reconstruir as condições, as possibilidades e os limites do de­
senvolvimento político-social brasileiro.
Por esses motivos, a análise realizada aqui se deteve em espe
ciai nas crises, tensões e ambiguidades surgidas nessas décadas.
Quisemos acompanhar os processos políticos e econômicos, no

175
Conclusão

A o lo ng o desta obra, procuramos reconstruir os acon-


tecimentos, as relações e as tendências políticas da sociedade
brasileira, no quadro de um sistema dinâmico. Tanto quanto
possível, reproduzimos ò que ocorreu nos principais momentos
do desenvolvimento político-social brasileiro. Ao mesmo tem­
po, quisemos delinear o que poderia ter ocorrido nesta ou naque­
la ocasião. Isto é, tentamos reproduzir tanto os acontecimeiuos
efetivados como aquêles que se esboçaram, ficando apenas como
virtualidades. Nestes têrmos, ao longo desta obra procuramos
reconstruir as condições, as possibilidades e os limites do de­
senvolvimento político-social brasileiro.
Por êsses motivos, a análise realizada aqui se deteve em
especial nas crises, tensões e ambiguidades surgidas nessas dé-

217
c a d a s. Q uisem os acom panhar os processos políticos e e co n ô ­
m icos, no quadro das contradições principais e secundárias.
C om o queríam os interpretar a sociedade brasileira a partir das
transform ações e crises ocorridas no âmbito das estruturas polí­
ticas e econôm icas, exam inam os em primeiro !n gar o desenrolar
das rupturas estruturais verificadas nas últim as d écadas. A p o n ­
tam os a sucessão e os encadeam entos internos e externos dessas
rupturas. Sim ultâneam ente, analisam os as relações entre os pro­
cessos políticos e os processos econôm icos, no âm bito das trans­
form ações da estrutura social global.
Em consequência, o exam e dos acontecim entos colocou-
nos diante do problem a do im perialism o, tanto quanto diante
dos papéis da burguesia n acion al. A s relações de classes sur­
giram em suas m anifestações concretas; obscuras ou claras, de
antagonism o ou a c o m o d a çã o . E o populism o, em suas diferen­
tes m odalidades (getulism o, trabalhism o, populism o de esquer­
da e t c . ) foi caracterizado e interpretado, no contexto social e
econ ôm ico em que realm ente surgiu. N a verdade, reconstruím os
a form ação, apogeu e colapso da política de m assas, conhecida
tam bém com o pop ulism o. V ejam os, pois, uma síntese dêsse
quadro histórico, em seus significados presentes.
O populism o brasileiro surge sob o com ando de Vargas e
os políticos a êle associad os. D esde 1930, p ou co a pouco, vai
se estruturando êsse nôvo m ovim ento p olítico. A o lado das
m edidas concretas, desenvolveu-se a ideologia e a linguagem do
p o p u lism o . A o m esm o tem po que os governantes atendem a
uma parte das reivindicações do proletariado urbano, vão se
elaborando as instituições e os sím bolos p o p u lista s. P ou co a
pouco, form aliza-se o m ercado de fôrça de trabalho, no m undo
urbano-industrial em exp an são. A o m esm o tem po, as m assas
passam a desem penhar papéis políticos reais, ainda que secun­
dários . A ssim , pode-se afirmar que a entrada das massas no
quadro das estruturas de poder é legitimada por intermédio dos
movimentos populistas. Inicialm ente, êsse populism o é exclu si­
vam ente getu lista. D ep ois, adquire outras conotações e, tam bém ,
denom inações. B orghism o, querem ism o, juscelinism o, janguism o
e trabalhism o são algumas das m odulações do populism o brasi­
leiro. N o conjunto, entretanto, trata-se de um a política de m assas
específica de um a etapa das transform ações econ ôm ico-sociais
e políticas no B rasil. Tratai-se de um movimento político, antes

218
do que um partido político. Corresponde a uma parte funda­
mentar !TaT~manííestações políticas que ocorrem numa fase de­
terminada das transformações verificadas nos setores industrial
e, em menor escala, agrário. Além disto, está em relação dinâ­
mica com a urbanização e os desenvolvimentos do setor terciá­
rio da economia brasileira. Mais ainda, o populismo está rela­
cionado tanto com o consumo em massa como com o apare­
cimento da cultura de massa. Em poucas palavras, o populismo
brasileiro é a forma política assumida pela sociedade de massas
no país.
Vim os que a política de massas foi burguesa e esquerdista.
Às vêzes os seus líderes eram homens provenientes do povo,
ou mesmo de grupos políticos ou partidos de esquerda. Outras
vêzes, as lideranças eram propriamente burguesas. Na maioria
dos casos, os líderes burgueses dominavam o cenário populista;
controlavam os aparelhos burocráticos dos partidos e organiza­
ções comprometidas com a política de m assas. Em geral, êles
eram os demagogos mais bem sucedidos junto às m assas. A l­
guns alcançaram a categoria de personalidades carismáticas.
Entretanto, o populismo entrou em colapso após o G o­
verno de Juscelino Kubitschek de Oliveira. A verdade é que
foi um movimento político em permanente crise. Numa socie­
dade burguesa, é sempre muito difícil legitimar a participação
política das massas trabalhadoras. Os donos do poder político
e os grupos econôm icos dominantes sempre foram obrigados a
enfrentar duas ordens de pressões, quanto aos seus vínculos e
jogos com as m assas. D e um lado, os setores mais conservado­
res e reacionários da sociedade brasileira sempre protestaram
com violência contra o jôgo político com as m assas. Êles viam
nesse jôgo o prenúncio da destruição do poder burguês e das
suas ligações externas. Além disso, êsses mesmos setores pro­
testavam e lutavam contra a política de massas porque com ­
preendiam que estas eram utilizadas para reforçar a capacidade
de baganha (interna e externa) da burguesia industrial interes­
sada no mercado brasileiro. Por outro lado, a própria burgue­
sia comprometida com o populismo sempre foi ambígua e divi­
dida, com relação aos limites do seu jôgo com as m assas. O
populismo sempre foi, malgrado as distorções político-ideoló-
gicas que lhe são inerentes, um mecanismo de politização das
massas. A participação dos trabalhadores dos centros urbanos

219
I
e industriais nas campanhas eleitorais (m unicipais, estaduais e
fed erais), nos m ovim entos nacionalistas, nas lutas antiimperia-
listas e nos debates pelas reformas de base (institucionais) fa­
voreceu e desenvolveu a politização dos assalariados. Por êsses
m otivos, o populism o foi pontilhado de crises. A deposição e
suicídio de Vargas, em 1954, sim boliza m uito bem todo êsse
conjunto de pressões e am biguidades que caracterizam a histó­
ria do populism o brasileiro.
A lém do mais, a esquerda sempre estêve, direta e indire­
tam ente, relacionada com o pop ulism o. Em sua maioria, m es­
m o em seus setores mais radicais, acreditava que se infiltrar nos
m ovim entos de massas era uma técnica viável de ação política
para a esquerda. A o m esm o tem po que os grupos e partidos
políticos de esquerda organizavam -se à parte, infiltravam -se ou
aliavam -se aos m ovim entos, campanhas, partidos e lideranças
populistas. Queriam conquistar as m assas por êsse m e io . Na
maioria dos casos, entretanto, transformaram-se êles próprios
em populistas; enredaram-se nas técnicas, na linguagem e nas
interpretações do populismo. D e qualquer maneira, todavia, as
ligações entre as esquerdas e o populism o foram mais uma fonte
de tensões e con flitos. N este sentido, tam bém , é que a política
de m assas populista foi um m ovim ento em perm anente crise.
E é nesse quadro que com eçam os a com preender as razões
do seu colapso, em 1 9 6 4 . Já no plano interno, o populism o é
um sistema de an tagon ism os. Com o política de aliança de clas­
ses, é uma política de aliança de contrários. A o m esm o tem po,
a sua posição no contexto político de um a sociedade de tipo
capitalista criava novas condições de crise. Em épocas de “nor­
m alidade” a aliança sempre funcionava, em algum grau. Mas
em ocasiões críticas, surgiam necessariam ente os antagonism os.
N esse plano de considerações, vejam os quais são as condições
que geram a crise e o colapso do populism o.
Em primeiro lugar, é importante mencionar que em 1962
pràticamente se encerra um longo período de expansão e co n ô ­
mica no B rasil. N esse ano já com eçam a fazer-se sentir os
indícios da queda na taxa de desenvolvim ento. Em 1963, a
crise econôm ica está em curso. A o m esm o tem po, a inflação
deixa de ser uma técnica de poupança monetária forçada A
inflação de lucros transforma-se em inflação de custos. Isto é
a espiral inflacionária adquire conotações “patológicas” para

220
o sistema. A reprodução capitalista com eça a entrar em
ponto m orto.
Em decorrência da aceleração do processo inflacionário, as
massas passam a reivindicar aumentos salariais cada vez mais
frequentes. Os trabalhadores entram numa luta reivindicatória
pràticamente ininterrupta, para evitar o excessivo rebaixamento
do poder aquisitivo do salário. A s campanhas salariais e as gre­
ves são as manifestações da luta operária contra o confisco sala­
rial inerente à inflação. N esse contexto de lutas, os operários de­
senvolvem as suas organizações sindciais, fortalecem as confede­
rações, ampliam as suas relações com os partidos populistas e de
esquerda; e ganham as praças públicas. A partir das reivindica­
ções salariais, politizam-se de modo acelerado. A arregimen-
tação política necessàriamente está na base também das lutas
por conquistas econôm icas.
E politizam-se de modo acelerado numa época em que o
poder burguês enfrenta crises cada vez mais agudas. Êste é um
segundo ponto importante. Entre 1961 e 1964, o poder polí­
tico brasileiro está em franca convulsão. A renúncia do Presi­
dente Jânio Quadros foi seguida de um movimento de resistên­
cia popular, comandado pelo Governador Leonel Brizola, a
partir do Estado do Rio Grande do Sul. Em poucos dias, após
a renúncia, acelera-se o processo de politização das camadas
populares no Brasil. Os golpistas que aplicaram um golpe sobre
o golpe de Jânio (êste sob o artifício da renúncia) não pude­
ram resistir às pressões da opinião pública e aos indícios de
organização de milícias populares. Entregaram o govêrno do
país ao Vice-Presidente João Goulart.
Mas Goulart é um líder populista. Traz consigo todos os
compromissos e ambiguidades da política de m assas. Governa
sempre sob as várias pressões que caracterizam a história do
populism o. Agora essas pressões estão concentradas, em fôrça
e profundidade. Assim , os anos de 1962-64 são anos de crises
políticas sucessivas, no âmbito de uma crise geral do poder
burguês; tanto quanto da economia nacional. Essa situação de
crise se aprofunda ainda mais com os debates sôbre as reformas
de base. As campanhas pelas reformas institucionais são um
dos fatores que provocam a reaglutinação das forças políticas
burguesas. Aliás, setores conservadores e liberais, internos e

221

\
externos aliam-se para enfrentar e dar uma solução política à
crise.
A verdade é que a política de massas estava indo muito
longe, numa época de enfraquecimento do poder político da
burguesia. O jôgo com as massas, preconizado e realizado por
um setor da própria burguesia, já não era mais suportável para
a classe dominante. Os riscos se acumulavam. Além do mais,
o populismo começava a estender-se para a sociedade agrária.
As ligas camponesas e os sindicatos rurais estavam sendo mul­
tiplicados e dinamizados pelo Partido Trabalhista Brasileiro
(P T B ), o Partido Comunista Brasileiro (P C B ) e a Igreja Ca­
tólica, de acordo com as técnicas, os símbolos e a linguagem do
populism o. A própria luta pela reforma agrária funcionava
como um meio para fazer crescer a fôrça do “trabalhismo rural”.
Diante dessa situação, as burguesias agrária, industrial, comer­
cial e financeira aliam -se. Elas compreendem que a crise traz
consigo várias possibilidades de resolução do im passe.
Por um lado, ampliavam-se as condições para uma solu­
ção propriamente revolucionária. Constituíam-se as condições
para uma revolução socialista. A o lado da crise política, a crise
econômica adquiria certa profundidade. Combinavam-se as ten­
sões econômicas e políticas, enfraquecendo o poder burguês.
Além disso, verificava-se uma rápida e ampla politização das
massas assalariadas. Também no campo crescia a participação
política dos trabalhadores.
Por outro Ido, as lideranças burguesas e de classe média
comprometidas com um projeto de capitalismo nacional pode­
ríam vir a tirar vantagem da situação. O nacionalismo havia
preparado o ambiente para a redefinição das relações com os
Estados U nidos. Aliás, a ‘‘política externa independente” con­
tinha vários indícios nesse sentido. A contrapartida da política
externa independente seria necessàriamente o capitalismo na­
cional. Isto é, um sistema capitalista dispondo de centros polí­
ticos de decisão efetivamente nacionais. Esta virtualidade estava
implícita no Plano Trienal, que Goulart não conseguiu pôr em
prática.
Mas a maioria dos setores burgueses (agrários, industriais,
comerciais e financeiros), nacionais e estrangeiros, não só com ­
preendeu com o atuou com maior rapidez. No conjunto das
opções amadurecidas durante o período crítico da democracia

222
p ■

populista, a que se impôs foi a ditadura da burguesia. E la se


im pôs com a ostensiva aprovação dos govern antes dos E stados
U n id o s. Sob a proteção militar, instaurou-se a “doutrina da
interdependência” , com o orientação política, eco n ô m ica , militar
e cu ltu ral. A poiados numa concepção defasad a de sistem as geo-
políticos mundiais, os golpistas de 1 9 6 4 puseram em prática
uma ditadura totalm ente com prom etida com o govérno norte-
am ericano . Exatam ente quando já estava em andam ento a crise
da hegem onia de W ashington e M oscou, os d o n o s do poder no
Brasil com eçaram a ajustar e aprimorar as relações d e depen­
dência do Brasil com relação aos E stados U n id o s. E m plena
segunda fase da Guerra Fria, os governantes brasileiros estão
utilizando os critérios elaborados na prim eira fa se . A liás, o
anacronism o é um dos característicos essenciais da dependência
estrutural, que define o subdesenvolvim ento.
Em nom e dos princípios da interdependência, o que ocor­
reu, desde 1964, foi um a reform ulação total da dependência
externa do B rasil. Tanto as relações políticas com o as econ ô­
m icas, tanto as relações m ilitares com o as culturais passaram
ou estão passando por uma red efin ição. Em conseqü ên cia,
aprofunda-se ainda mais a dependência estrutural, que tem ca­
racterizado a história da sociedade brasileira. C onform e sugere
H élio Jaguaribe, em 1 9 6 4 inaugurou-se um regim e colon ial-
fascista no Brasil; regime êsse definido pela subm issão aos prin­
cípios político-m ilitares de uma geopolítica elaborada segundo
a perspectiva de W ashington, na primeira fase da Guerra Fria,
dizem os n ó s .
D e fato, em 1964 venceu um regime político determinado
pela dependência estrutural, que já se vinha acentuando ante­
riorm ente. Em particular, na época do governo de Juscelino
aprofundou-se a dependência econ ôm ica. A ntes, já se havia
iniciado um processo de redefinição das funções políticas das
Forças A rm adas. P ouco a pouco, substituiu-se o princípio da
defesa nacional pelo princípio da segurança nacional. C onvém
lembrar aqui que as forças militares brasileiras que lutaram na
Europa, durante a Segunda Guerra M undial, achavam -se sob a
égide das forças militares norte-am ericanas. A partir dessa
época, desenvolve-se um intercâm bio cada vez mais intenso
entre as duas organizações m ilitares. A o m esm o tem po, no
plano político, a redefinição da dependência externa foi estim u-

223
lada pelo progresso acelerado da politização das m assas. O s
governantes norte-am ericanos sempre encararam com reservas,
ou hostilidade, o getulism o e algumas das suas variantes. Em
conseqüência, todos os progressos do m ovim ento de m assas no
Brasil eram m anipulados com o elem entos de alarma, junto aos
grupos conservadores e reacionários. N esse contexto é que são
aplicadas as n oções de “ditadura sindicalista” e “guerra revo­
lucionária” , para alim entar ideologicam ente o m ovim ento gol­
pista .
é nesse quadro de acontecim entos que o govêrno instala­
do em 1964 volta-se para dois objetivos fundam entais. Por um
lado, reforça e amplia os vínculos externos de dependência, sob
a égide da “doutrina da interdependência” . Por outro lado,
desenvolve uma cam panha ideológica e policial contra tôdas as
m anifestações da política de m assas. Procura destruir as orga­
nizações, técnicas, lideranças e id eologias criadas durante a
vigência do pop u lism o. N este plano, as atuações dos governan­
tes destinam -se a elim inar, sim ultâneam ente, tanto as possibili­
dades do socialism o com o do capitalism o de tip o n acion al. E m
nom e da “purificação” (o u m odernização) d o sistem a político-
econôm ico brasileiro, cria-se um a cultu ra d o fa scism o . V ítim as
do m aniqueísm o inerente à sua concep ção do processo político,
os governantes e os grupos econôm icos que êles servem estão
criando instituições, sím bolos e atitudes fascistas. Ê sse é o
preço que o povo brasileiro está pagando à aberta m ilitarização
do poder p olítico. A liás, a tendência para o fascism o é outra
característica essencial da dependência estrutural.
A verdade é que desde 1964 está em curso a radicalização
de direita, na esfera do poder político n acion al. A m ilitariza­
ção da política é apenas um sintom a dêsse p ro cesso . A dita­
dura da burguesia desenvolve-se e consolida-se, em nom e de
um a concepção arbitrária de estabilidade social e segurança in­
terna. N o quadro de uma econom ia estagnada, desenvolve-se
tam bém a estagnação p o lític a . M ais do que isso, os governan­
tes põem em prática uma concepção de poder que produz a
decadência política. M as essa decadência não atinge necessària-
m ente a tôda a sociedade brasileira. Ela atinge, em prim eiro
lugar, os próprios setores burgueses; e, em segundo lugar, tam ­
bém as suas bases na classe m éd ia. Enquanto isso, é ób vio,
criam -se novas condições revolucion árias. É que, na base da

224
política de estabilidade e segurança está o d ivó rcio entre o p o ­
der esta b elecido e as m assas assalariadas. O poder político é
exercido arbitràriamente, por um grupo com prom etido apenas
com os setores mais poderosos da classe dom inante. C om pro­
m etido com esta tanto em seus interêsses econôm icos com o em
sua ideologia, sendo que essa ideologia inspira-se nos princípios
geopolíticos convenientes aos interêsses das corporações m ulti­
nacionais .
Em outros têrmos, ao opor-se às prováveis ou imaginárias
possibilidades para a form ação de um capitalism o de tipo na­
cional, os donos do poder estão favorecendo, ao m esm o tem po,
a produção de novas condições para o socialism o. Sim ultânea­
mente, ao opor-se de m odo violento a tôda e qualquer m ani­
festação de vida sindical e partidária realmente independente e
livre, êles estão criando mais algumas condições políticas indis­
pensáveis à atividade revolucionária. Prisioneiros dos interêsses
econôm icos e políticos da classe dom inante — particularmente
aqueles organizados no âmbito das corporações m ultinacionais
— não conseguem resolver os problem as mais importantes da
sociedade brasileira. O bsecados pela estabilidade e a seguran­
ça, para com bater qualquer m anifestação de vida democrática,
perm anecem no plano das aparências, insensíveis aos reais pro­
blem as so c ia is. Por essas razões é que os problem as operário,
cam ponês, universitário (entre outros) são encarados, antes de
mais nada, com o problem as relacionados à estabilidade sócio-
política, ou às conveniências da segurança interna. Por essas
razões, ainda, é que às relações tradicionais de dependência
externa estão se acrescentando novas instituições e maior en­
genho id eológico. C om o resultado geral, perm anece submersa,
ou em segundo plano, a verdadeira essência dos problem as.
A ssim , as relações entre as classes sociais adquirem contor­
nos cada vez mais nítidos. À m edida que se asfixiam os m ovi­
m entos das m assas (n o proletariado urbano e rural), criam-se
condições ainda mais propícias para a luta de classes. O p o -
pulism o terá sid o apenas um a etapa na história das relações
entre as classes sociais. N esse sentido é que se pode dizer que
no limite do populism o está a luta de classes, D a mesma forma,
no limite da ditadura de vocação fascista pode estar a socieda­
de socialista.

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E sta obra fo i executada nas o f ic in a s da C o m p a n h ia G r á f ic a LUX,


R ua F rei C aneca, 224 — para a E d it o r a C iv il iz a ç ã o B r a s il e ir a

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