Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
123350-Texto Do Artigo-231933-1-10-20161124
123350-Texto Do Artigo-231933-1-10-20161124
Paul Claval
Por que alguém se torna geógrafo ? Sem dú cos e com todos os componentes da população.
vida, em virtude da atração pelo desconhecido; Quando um dia chegam à direção de um partido,
pelo fascínio de novos mundos e pela paixáo por têm de rever regiões e departamentos para saber
viagens. Mas também, porque se pertence a um país se a opinião lhes é favorável ou hostil de designar
onde se tem prazer em conhecer os contornos, a os candidatos mais aptos a conquistar a vitória e
riqueza e os trunfos sobre o cenário internacional; de negociar alianças com outras formações, a fim
porque nele se indaga sobre as possibilidades que de assegurar segundos turnos mais fáceis, se o es
têm de prosperar e porque inquieta-se com as ame crutínio ocorrer duas vezes. Os governos seguem
aças que vizinhos e concorrentes fazem pesar so a vida interior; preocupam-se com as tensões; ten
bre si. As preocupações políticas perm anecem tam acalmá-los e elaboram leis que têm em conta
subjacentes nos propósitos dos geógrafos, mesmo interesses, frequentemente contraditórios, dos di
quando eles adotam o tom desapaixonado dos pro ferentes componentes do país. O cenário mundial
fessores. Perante muitos, Vidal de la Blache encarna preocupa-lhes do mesmo modo: com quem aliar-
o p a rti-p ris acadêm ico de neutralidade mas não se ? Em caso de guerra ou de tensão internacional,
foi ele mesmo que começou sua carreira com um como assegurar a segurança dos aprovisionamien
artigo sobre o impacto da abertura do canal de Suez tos necessários à alimentação e à atividade do país
sobre o Mediterráneo, a Europa e o cenário políti ? Onde encontrar novas opções às atividades indus
co mundial ? Mais do que ninguém, ele contribui triais ? Onde instalar os excedentes de população,
para a fixação da imagem do território francês com se o crescimento demográfico am eaçar o nível de
seu Tableau de la G éographie en France. Estourou vida ? Deve-se buscar uma expansão territorial para
um litígio internacional a propósito das fronteiras recuperar as antigas possessões, consolidar um
da Guiana ? É ele o expert. Alguns anos mais tar fronteira frágil, anexar províncias ricas em solo e
de, ele enaltece uma reforma regional destinada a subsolo ?
favorecer o desenvolvimento econômico do país. Os governos dos países democráticos avan
Por ocasião da Prim eira Guerra mundial, ele se çados não têm a mesma cobiça por terras virgens
am arra ao destino das províncias anexadas pelo que aqueles que ocupavam esse lugares há um sé
tratado de Frankfurt, a Alsácia e a Lorena, e à fron culo. A evolução dos armamentos e os riscos ine
teira do Sarre. Não seria demais para alguém que rentes aos conflitos nucleares aumentaram de tal
às vezes se tentou apresentar como a-político ? forma o preço a ser pago por eventuais conquistas,
Os políticos vivem na geografia e a aplicam. que aprendeu-se a consolidar outras estratégias
Se são parlamentares, é preciso que conheçam as constituição de conjuntos supranacionais, políticas
atividades de sua circunscrição, que encontrem os de abertura econômica etc. Os meios da diploma
notáveis, negociem com os grupos de pressão que cia mudaram, mas sua dimensão espacial não de
aí representam os diferentes interesses econômi sapareceu. Em todos os países, os grandes corpos
Universidade de Paris-Sorbonne
80 Revista GEO USP, N° 5 p. 79 - 84 Paul Claval
que participam da elaboração de estratégias inter turas de carga, outrora tão dispendiosas, e tornou
nacionais desenvolvem suas próprias concepções. inúteis os intermediários que se interpunham entre
Os militares tornaram-se mais sensíveis ao equilí os produtores e distribuidores finais; a revolução
brio das forças e hoje, ao invés da geometria das logística que daí resulta, permite às firmas garanti
bases, usam-se vetores1 e mísseis. Os diplomatas rem, elas mesmas, a distribuição dos produtos so
preocupam-se mais em sondar as reações de par bre o conjunto do planeta. Graças aos computado
ceiros ou de eventuais adversários. res e às redes de telecomunicação que se acoplam,
As confusões técnicas impuseram, desde o tornou-se fácil transmitir qualquer volume de infor
fim da Segunda Guerra Mundial, uma reavaliação mações, a preços baixos, para qualquer parte do
permanente do cenário político internacional. Por mundo. As fases de transformação industrial das fi
quatro décadas, a guerra fria fixou a atenção sobre leiras produtivas permaneciam circunscritas em cír
os efeitos geoestratégicos da aviação, dos foguetes culos de trezentos ou quatrocentos quilômetros de
e da arma atômica. A calota polar deixou de ser uma diâmetro. Hoje elas andam efervescentes, já que
fronteira segura para seus países lindeiros: é pelas uma usina de montagem pode ficar em contacto
altas latitudes que passam os itinerários mais dire permanente com seus fornecedores, sejam quais
tos entre os países temperados; é ao longo do cír forem suas localizações. Entretanto, permanece uma
culo Ártico que devem ser localizadas as linhas de dificuldade: no momento das decisões importantes,
vigilância, destinadas a alertar os dispositivos es é preciso encontrar-se com os parceiros. As viagens
tratégicos, e onde devem ser instalados os meios se fazem de avião. Para não se estender, os Estados-
de réplica, suficientes para interceptar pelo menos maiores, sedes sociais, serviços comerciais e servi
uma parte dos aviões e foguetes inimigos. A fabri ços financeiros de firmas se instalam em cidades
cação de submarinos nucleares armados de fogue grandes, equipadas de um aeroporto conectado com
tes e ogivas atômicas deu um novo valor aos Oce to d as as a g lo m e ra ç õ e s em n ív e l m u n d ia l. A
anos e ao conhecimento dos limites que os sepa mundializaçáo da economia vai de par em par com
ram, porque fica muito mais fácil detectar os navi o movimento de metropolização.
os cuja assinatura sonora se viu reduzida a um sim A globalização da vida econôm ica fez desa
ples sopro. parecer os mercados locais. Os mesmos produtos
A Queda dos Muros inverteu a ordem das se impõem por toda parte. As técnicas e o saber
prioridades: os armamento nucleares não desapa desenvolvido para se tirar partido dos recursos lo
receram, mas o risco de um confronto entre os Es cais e responder a demandas específicas são des
tados Unidos e a ex-União Soviética já pertence ao valorizados. Como as populações serviam-se, es
passado. A vigilância continua necessária, em vis pontaneamente, de tudo o que diferenciava seu
ta do número de países que dispõem de armas atô m o d u s vivendi de seus vizinhos na construção de
micas e dos que chegarão a possuí-las, num futuro identidades, elas têm o sentimento de estarem sen
mais ou menos longínquo. A curto prazo, as armas do despojadas de uma parte essencial de seu ser,
químicas e biológicas parecem mais temíveis, por pelo progresso técnico. Buscando evitar perdas,
que podem ser produzidas por países pouco indus elas valorizam tudo o que, em seu patrimônio, não
trializados e com pouco domínio sobre tecnologias fica diretamente ameaçado. É com muito respei
sofisticadas. to que ora se contemplam os testemunhos do pas
Apesar dessas inquietações geoestratégicas sado: quanto mais frágeis e am eaçadas forem as
que permanecem, são os problemas econômicos e culturas, mais as pessoas a ele se ligam. Movimen
culturais que tendem a ocupar o centro das aten tos regionalistas ou nacionalistas tiram partido de
ções. Os custos de transporte de massa não cessa suas lembranças de uma história dividida, para ci
ram de baixar desde a Segunda Guerra Mundial. A mentar a unidade dos grupos de hoje. Em outros
revolução do c o n ta in e r fez desaparecerem as rup iugares, é na fé religiosa não contam inada pela
Geografia e Política 81
modernidade que se busca a salvação: é daí que tes concorrências, criam zonas de livre troca, de
vem o sucesso dos fundamentalistas. u niões alfan d eg árias e de m e rcad o s com u ns.
O cenário mundial evolui rapidamente sob Aprendem a renunciar a frações cada vez mais im
impacto da evolução das técnicas de armamentos, portantes de soberania para permitir, a cada con
de transporte e de comunicação. Será que os po ju n to territorial, encontrar um lugar no cenário
líticos esperam que os geógrafos lhes ajudem a mundial. O fim é proporcionar, às populações que
com preender o que está acontecendo e a lhes pro aí vivem, os meios de contribuir, suficientem en
porem novas estruturas adaptadas às condições te, à atividade econôm ica mundial, para se alim en
atuais? Aparentemente, náo. De Hiroshima ao fim tar, dar trabalho a todos e ver melhorar os níveis
da Guerra Fria, os homens de Estado só precisa de vida.
ram, para analisar o equilibrio das forças presen É dos serviços de coleta de dados e de re
tes no mundo, da opinião de especialistas em ar flexão que bem frequentemente dependem os Es
mas nucleares, de foguetes e de equipamentos ele tados ou os organismos supranacionais -tais como
trônicos de detecção. Desenvolveram-se, assim, a ONU, a UNESCO, a OCDE e a União Européia
uma geoestratégia e uma geopolítica de militares que os geógrafos colhem dados e explicações,
que construíram todas outras abordagens por mais com os quais alim entam seus trabalhos. Q uer
de uma geração. dizer então que, no mundo atual, os geógrafos
De há tempos, os serviços diplom áticos nada têm a dizer de pertinente sobre o cenário
têm o hábito de analisar as relações de um país político, nada a ensinar aos governantes ou aos
com seus vizinhos e de levar em conta tudo o que administradores ?
ele pode tirar das relações internacionais que man Os militares, diplom atas ou responsáveis
têm. Sabem em qual direção convém desenvolver pela econom ia náo costumam ter tempo de recuo
um a p o lític a de e x p a n s ã o ou de a n e x a ç ã o face à realidade. Eles procuram soluções de hoje
territorial. Inquietam-se com a reação dos Estados para problem as prem entes e logo renunciam a
estrangeiros, de sua suscetibilidade e do estado analisar situações, mudando de escala temporal
da opinião pública. ou espacial. É o que a pesquisa universitária faz
O mundo político não esperou o impulso à vontade.
da geografia moderna para analisar as forças exis Os homens pertencem a grupos enraiza
tentes nas relações entre os Estados e definir dou dos; seus comportamentos não dependem som en
trinas de ação: graças à sua experiência, os ho te de sua situação objetiva e de seus interesses eco
mens de Estado elaboram idéias sobre as grandes nômicos. Frequentemente, possuem um forte com
leis da geografia política e aprenderam a praticar ponente local. Este é um dos primeiro resultados
a geopolítica, enquanto reflexão sobre estratégi obtidos pela geografia política: André Siegfried2
as desejáveis, antes de agir. A preocupação de demostrava, desde 1913, a surpreendente perm a
fazer face a novas situações estimula a reflexão nência de im plantação de partidos políticos de
nesses campos. As grandes administrações têm, direita na França do Oeste. Três quartos de sécu
em seu seio, células de análise. Os diplom atas los mais tarde, suas o b servaçõ es nunca foram
procuram com preender por que seus papéis ten desmentidas, mesmo se a especificidade dessas
dem a diminuir, e a modificarem seus modos de regiões tenha progressivamente se atenuado. É do
intervenção, para dar mais força à sua ação. Os lado da história, do choque de época revolucioná
s e rv iç o s e c o n ô m ic o s se perguntam sob re as rio e da guerra de Vendée3 que geralmente se volta
conseqüências da mundialização. Em um mundo para compreender a singularidade de atitudes que,
onde as desordens territoriais tornaram-se difíceis, aliás, nada justifica. Mas esta história seria logo es
os Estados aprenderam a adotar outras estratégi quecida se náo tivesse permanecido memória viva,
as. Unem suas forças para enfrentar as crescen se não tivesse suscitado uma desconfiança profun-
82 Revista GEOUSP, N° 5 p. 79 - 84 Paul Claval
da perante todas instituições republicanas, da es segunda potência econômica do planeta. Seus al
cola em particular, e não tivesse pactuado com um tos fornos queimam o coque fabricado à partir do
cato licism o de com bate. Num registro vizinho, carvão importado da Austrália, da África do Sul ou
Em m anuel Todd sublinha um bocado de influên do Canadá e empregam minerais de ferro proveni
cia persistente das estruturas familiares sobre os entes da Austrália, da Venezuela, do Brasil, da
comportamentos políticos, em quase toda Europa. Libéria ou da Mauritânia.
As pesquisas dos quinze últimos anos re Quer dizer então que os problemas ecoló
tom am , in cessan tem en te, os com ponentes lo gicos desapareceram ? Não, mas eles mudaram de
cais da vida social e política. Mesmo países de tipo. Graças aos transportes, a produtividade dos
s o c ie d a d e p ro fu n d a m e n te bem u n ific a d a e ecossistemas locais ou a ausência de energia fós
estandartizada, com o os Estados Unidos, não es sil no subsolo de um país cessam de ser fatores
capam desses efeitos. limitantes. Hoje é possível acumular homens, for
Quase todos geógrafos do começo do sé mas de energia concentrada e equipamentos pro
culo achavam que seus papéis consistissem em su dutivos em qualquer ponto do planeta. O único li
blinhar o peso dos revéses naturais na vida social. mite advém da capacidade dos ecossistemas em
Ligavam-se à fertilidade do solo e à sua aptidão em receber resíduos sólidos a serem reciclados nas
garantir a vida de populações numerosas. Inquie- águas usadas e o gás emitidos pelas casas, máqui
tavam-se com os recursos minerais, com a abun nas e veículos. Nas zonas rurais, frequentemente, as
dância de reservas de hulha, com a riqueza das ja atividades fora do solo geram graves poluições. Em
zidas de ferro. Sabiam que, com certeza, o comér quarenta anos, a Bretanha tornou-se uma das par
cio e as trocas liberam os grupos de uma submis tes mais produtivas da França, do ponto de vista
são exagerada das possibilidades do meio onde agrícola: com suas criações industriais, contribui co
estão instalados, mas isto não bastava para acal piosamente à produção européia de aves, ovos, car
mar suas inquietudes. A guerra pairava sempre ne de porco e de bezerro. A abundância de restos,
ameaçadora. Como um país muito dependente de adubo de porco4 em particular, traduz-se, infelizmen
suas im portações poderia sobreviver um longo te, por uma concentração de nitrato tão forte nos
conflito ? Não seria justam ente sabedoria dispor, lençóis dos cursos de água, que todo o sistema de
no próprio lugar, de recursos suficientes para per produção é questionado, fazendo com que ocorra
mitir à m áquina econ ôm ica continuar girando, um processo de desconcentração de atividades. Há
mesmo que num ritmo um pouco reduzido? níveis de concentração que não devem ser ultrapas
Alguns recursos não viajam. Assim aconte sados: os políticos começam a tomar consciência.
ce com a água quando muito podia-se levar, via Os geógrafos podem ajudar a melhor compreender
canais de irrigação, os caudais alimentados pelas a atual dinâmica e a analisar, ao mesmo tempo, as
neves das montanhas ou pelas abundantes chuvas dimensões sociais, regionais e globais dos atenta
dos trópicos úmidos a cinqüenta, cem, duzentos ou dos aos equilibrios naturais.
trezentos quilômetros do lugar de coleta. Nos paí Ainda subsistem certos revéses naturais, de
ses áridos, o imperativo da água parecia sumamen estilo tradicional: em particular, os ligados à rarida
te essencial. de da água. Os Estados afetados pela aridez ou ame
Três quartos de século mais tarde, os pro aças são bem conscientes disso. Os geógrafos po
gressos técnicos em transporte permitiram reduzir dem, inclusive neste campo, adiantar a reflexão em
a poucas coisas, o peso dos recursos naturais no vista da manutenção da paz a longo prazo.
sucesso econômico. Desfeito pela guerra, o Japão, A globalização produz tantos distúrbios en
com uma base agrícola de extensão limitada, pou cadeados, que nem sempre os políticos conseguem
co carvão ainda por cima de qualidade medíocre reconhecer à boa medida. A concorrência dos paí
- e sem petróleo, em vinte e cinco anos tornou-se a ses recentemente industrializados não provêm só da
Geografia e Politica 83
baixa de preço dos fretes, da aceleração das viagens políticas é indissociável de sua contribuição com os
e da eficácia das telecomunicações. Ela não teria circuitos de produção e de troca internacionais. Du
sido possível sem a evolução que tornou as técni rante muitos séculos, os Estados instalados no cen
cas mais científicas. A maior parte das de ontem só tro do mercado mundial, na Europa e depois na Amé
podia adquiri-las por aprendizagem, nos contactos rica do Norte e no Japão, puderam se organizar em
com os núcleos onde já existiam fabricações: os espaços nacionais, dispor de finanças abundantes,
países avançados beneficiavam-se de um monopó criar exércitos e marinhas eficazes, e assim assegu
lio do trabalho industrial. Este foi perdido, na medi rar seu domínio coletivo global. Na periferia, as con
da em que a pesquisa avançava entre si e a instru dições eram radicalmente diferentes: a mediocrida
ção se difundia pelo Terceiro Mundo. A nostalgia não de dos ganhos impedia a realização de retiradas de
é admissível: os produtores europeus, americanos capital importantes. O Estado não podia reunir os
e japoneses não mais conhecerão situações delica meios necessários para assegurar seu controle no
damente protegidas que antes lhes pareciam eviden interior (falta de uma administração regular) e sua
tes. Os políticos deviam com preender que ne segurança exterior (falta de poder equipar e pagar
nhum país pode esquivar-se das novas condições regularmente um exército, uma marinha e mais tar
de concorrência. de, uma aviação).
Graças à revolução dos transportes rápidos As condições nas quais vivemos são diferen
e das telecomunicações, as firmas tornaram-se livres tes. A metropolização tende a melhor repartir as fun
para distribuir, à vontade, os estabelecimentos pro ções de direção e controle, já que são divididas en
dutores. Elas respondem às pressões que os Esta tre todas as metrópoles do conjunto mundial. Mas
dos lhes submetem, deslocalizando-se. As nações a acumulação de homens nas grandes cidades do
perderam o domínio de suas economias: as medi Terceiro Mundo não as transforma, automaticamen
das que tomam tornam-se contra-produtivas, desde te, em organismos urbanos eficazes. Sem um mí
que ameacem o equilíbrio das empresas. nimo de serviços públicos e segurança, não é pos
A soberania dos Estados se vê então erodida sível desenvolver-se, no entorno, outras produções
pelo alto -já que convém criar conjuntos pluri-naci- além de energia e matérias primas.
onais mais adaptados às novas condições da con A mutação em curso vai mais longe: é o
corrência e por baixo, porque cidades e regiões, funcionamento dos Estados avançados que está
que as políticas nacionais não protegem mais, lutam ameaçado: as deslocalizações reduzem os impos
pelo direito de praticar políticas de sedução junto tos que entram; as máquinas administrativas cria
aos investidores. das pelos Estados de bem-estar são tão pesadas,
No interior dos Estados, exaurem-se as es que esses são obrigados a suspender suas retira
truturas regionais hierarquizadas, apoiadas em re das de capital a todo momento, acelerando assim
des urbanas regulares: desde então, contam ape o êxodo de empregos. Se renunciam aos excessos
nas as metrópoles suficientemente poderosas para de proteção social, tal como a Grã-Bretanha da Sra.
serem conectadas, por voos diretos, com todos os Thatcher ou na Nova Zelândia, são todos os me
centros de controle e de impulso da economia glo canismos de regulação social que entram em pane.
bal e as cidades que lhe são bem religadas, para A mundialização tem outras conse-quências
em torno delas gravitar. As políticas de planejamen que os geógrafos costumam sublinhar: ela multipli
to, tais como se aprendeu a conceber há uma ge ca os contactos diretos entre os povos. As pessoas
ração, não mais se adaptam ao mundo atual. viajam mais, aprendem a se conhecer mas tam
A geografia oferece ainda mais aos políticos: bém, que lástima, a reforçar os clichês de idéias re
situando-se em outra escala de tempo -a das longas cebidas. Para uma empresa ou associação fica fá
evoluções e buscando a economia-mundo em seu cil manter serviços ou antenas no estrangeiro. As
conjunto, ela lembra que o destino das formações relações internacionais pertencem cada vez mais
84 Revista G EO USP, IT 5 p. 79 - 84 Paul Claval
à esfera do privado. Isto fica bem claro no campo lhes dão, ao mesmo tempo, um outro papel: num
filantrópico ou cultural: os órgãos não governa m undo m ais a b e rto , on d e g ran d e p arte das
mentais tornaram-se parceiros essenciais de todas interações é negócio de empresas ou associações,
as relações entre os países ricos e os que ainda so os cidadãos participam mais diretamente da vida
frem de pobreza. internacional do que outrora. No passado, eles vo
O mundo no qual nós entramos se estrutu tavam, depois viam seus eleitos agir. Hoje, eles in
ra em torno de redes internacionais. Sempre hou tervém diretamente no estrangeiro, tanto no campo
ve diásporas. As que se multiplicam hoje não são econômico como no cultural; as organizações e as
mais feitas de células que mal se comunicam entre empresas que criaram ou nas quais trabalham, po
si. Visando manter contactos, as comunidades dis dem se desinteressar pelo contexto político dos lu
persas tiram partido dos voos charters e das tele gares onde se implantaram. Com frequência e à
comunicações. Em um mundo que precisa de in con travo ntade, elas se tornam importantes elemen
termediários am bivalentes5 em muitas áreas cul tos da vida política local.
turais ou lingüísticas, elas são chamadas a bancar, Os geógrafos já não têm unicamente o de
cada vez mais, o papel de suporte de grandes re ver de esclarecer os responsáveis políticos. Eles
des. As minorias estrangeiras sabem, desde então, devem, cada vez mais, elucidar a população sobre
que podem reivindicar sta tu s mais vantajosos que quais são as chances de ação e também suas res
os que lhe eram outorgados, quando não partici ponsabilidades num mundo ora ampliado. Sem dú
pavam tão diretamente da vida internacional. vida, é por conta disso tudo que a geografia nunca
Deste modo, os geógrafos podem mostrar teve tanta necessidade de ser política.
aos políticos todas as implicações das mutações em
curso. As transformações do cenário internacional T radu ção de Ed uardo Yázigi
Notas