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A CONTRIBUIÇÃO NORTE-AMERICANA À INTELIGÊNCIA COLETIVA E A POSSIBILIDADE

BRASILEIRA

“A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como variantes da versão lusitana da


tradição civilizatória europeia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios
americanos e dos negros africanos. O Brasil emerge, assim, como um renovo mutante,
remarcado de características próprias, mas atado genesicamente à matriz portuguesa, cujas
potencialidades insuspeitadas de ser e de crescer só aqui se realizariam plenamente. ”

Darcy Ribeiro

Dada a complexidade do assunto, a abordagem mais prática da questão é a análise


comparativa. Se a contribuição brasileira não é evidente, a de quem o é? Qual a melhor base
de comparação?

Os EUA possuem as características similares de formação e período histórico e tem sua


contribuição evidente. De fato, a democracia moderna, em sua forma madura como
conhecemos de meados do século XX até hoje, com seus desdobramentos sociais, econômicos
e culturais, é uma criação original norte-americana. Tão contundente que dita o modus
operandi das sociedades modernas e suas métricas de sucesso.

O aprofundamento neste fato é improdutivo. O que interessa é a evidenciação dos elementos


que permitiram trazer à luz tal contribuição, encontrar os elementos análogos na sociedade
brasileira, para então deduzir com mais ou menos precisão a direção a se seguir.

A democracia moderna, o princípio republicano, o estado de direito, o capitalismo financeiro,


apesar de terem raízes muito anteriores à fundação dos EUA e serem hoje globalmente
adotados, só tiveram condições de serem elaborados como um modus operandi de uma
sociedade ali.

Por conveniência vamos chamar todo este complexo sistema apenas de democracia moderna.
O estabelecimento desta se deu logo na independência, pelos founding fathers, baseada em
uma firme ideologia e adesão a valores declarados, e a partir de então foi posta em prática e
desenvolvida de maneira rigorosa e vigorosa.

Se o conceito explícito na citação de Darcy Ribeiro é real, podemos inferir que os EUA também
são, a grosso modo, uma Inglaterra mutante renovada nas condições oferecidas pelo novo
território e a sociedade emergente.

De fato, sua teoria da formação dos povos americanos os divide em povos-transplantados,


povos-testemunho e povos-novos. Em linhas gerais, os povos-transplantados conservam o
perfil do colonizador europeu, num novo território e com novas possibilidades. Aí se encaixam
os EUA.

Os povos-testemunho conduzem dentro de si as duas tradições originais sem conseguir fundi-


las. É grande parte da América espanhola, onde o colonizador se deparou com altas
civilizações, não as pode suprimir, mas pode suplanta-las. O resultado é uma minoria de
descendência europeia dominante e uma massa de descendência indígena dominada, mas
profundamente arraigada a suas tradições ancestrais.

Os Povos-Novos concluíram sua auto-edificação étnica, no sentido de que não estão presos a
qualquer tradição do passado. São povos em disponibilidade, uma vez que, tendo sido
desatrelados de suas matrizes, estão abertos ao novo. Nessa categoria se enquadra o Brasil.
Esta classificação nos permite perceber que a contribuição norte-americana só foi
impressionantemente rápida por ser mais um rearranjo de conceitos europeus ocidentais em
novas condições. Floresceu rapidamente porque já era bem definida e encontrou campo fértil.
Suprimiu sumariamente as ambiguidades e resistências para se desenvolver de maneira
acelerada.

Por outro lado, a contribuição brasileira se obriga a ser muito mais original porque vem do
processamento de uma quantidade de dados muito mais vasta, visto que não suprimiu
severamente as diversas matrizes em favor de uma única. Este fato traz ainda um agravante,
pois perde-se o referencial que uma matriz cultural hegemônica estabelece, a ponto de que as
métricas correntes podem não gerar indicadores que de fato capturem o valor ofertado pela
sociedade em questão, criando a ilusão de que a sociedade não cria valor algum.

De fato, o PIB pouco dirá sobre a sociedade brasileira se o empreendedorismo, o livre


comércio, a propriedade privada e outros valores fundamentais à democracia moderna lhe
dizem pouco respeito.

A contribuição original brasileira só poderá então ser capturada pelas métricas que a traduzam
precisamente à luz dos valores que a fundamentaram.

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