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João Severiano Maciel da Costa (primeiro visconde e marquês de Queluz).

Tâmis Parron, UFF

Nasceu em Mariana, Minas Gerais, em 1769, e faleceu no Rio de Janeiro em 1833. Tendo
cursado Leis e Cânones na Universidade de Coimbra entre 1788 e 1793, tornou-se um dos letrados
americanos de atuação destacada na governança imperial portuguesa durante o reformismo
ilustrado dos períodos mariano e joanino (1777-1822). Foi desembargador na Casa de Suplicação
do Rio de Janeiro, intendente geral da Guiana Francesa durante sua ocupação por tropas luso-
brasileiras (1810-1817, tendo partido de lá em 1819), serviço pelo qual foi elevado a
Desembargador do Paço no Rio de Janeiro, e, na véspera da Revolução do Porto (1820), fez parte
do entourage de D. João VI. Na crise da Independência, elegeu-se para a Constituinte brasileira
de 1823 e integrou a comissão de redação da Constituição de 1824. Ainda no I Reinado foi ministro
dos negócios do Império (1823-1824), presidente de província da Bahia (1825-1827), ministro dos
estrangeiros (1827), ministro da fazenda (1827), conselheiro de Estado e senador.
Maciel da Costa teve destacada atuação política durante a crise da Independência. Fez parte
da comitiva que acompanhou o regresso de D. João VI a Portugal em 1821, publicando dois textos
de extrema relevância para o estudo do período. Em Apologia que dirige à nação portuguesa
(1821), discurso repleto de marcas retóricas do gênero judicial, defende-se da acusação de
aconselhar a Coroa contra as Cortes Constituintes de Lisboa, oferecendo, ao mesmo tempo, uma
justificativa da política de D. João VI no Rio de Janeiro. Embora reconhecesse que o tratado
comercial anglo-português de 1810 arruinava a economia portuguesa, pois fazia “engrossar o
Brasil e emagrecer Portugal”, argumentou que “a restituição das anteriores vantagens comerciais
de Portugal” seria simplesmente impossível, “obra digna de um novo Hércules”. As Cortes o
despacharam de volta para o Brasil. Noutro panfleto, Memória sobre a necessidade de abolir a
introdução dos escravos africanos no Brasil (1821), trocou o gênero do discurso judicial pelo
deliberativo ao abordar o futuro político de uma questão de interesse geral: o fim do tráfico
negreiro transatlântico para o Brasil. Maciel da Costa mais uma vez se afinou com a agenda
joanina, pleiteando a continuação do infame comércio por mais duas décadas. Maquiavelismo,
liberalismo econômico, conservadorismo político e tráfico negreiro: esses elementos
acompanhariam a carreira do letrado nos anos seguintes.
Com a Independência de 1822, Maciel da Costa também se destacou nos embates políticos
que definiram a ordem constitucional do Império do Brasil. Na Assembleia Constituinte de 1823,
sustentou duas posições que seus adversários progressistas consideravam reacionárias: excluir os
africanos dos direitos de cidadania, posição perfilhada por aqueles interessados na defesa da
escravidão e do tráfico negreiro, e concentrar poderes nas mãos da Coroa. Na plenária, acabou
derrotado na primeira questão, quando a Constituinte considerou libertos nascidos na África como
cidadãos brasileiros. Diante de uma iminente derrota também na segunda, Maciel da Costa parece
ter se somado ao grupo parlamentar que convenceu D. Pedro I a dissolver a Constituinte, acusação
às vezes explícita, outras implícita, na pena de adversários como Frei Caneca e José Bonifácio. A
acusação dos opositores possui fundamento. Seu nome aparece como o primeiro signatário da
Constituição outorgada de 1824, que consagrava exatamente suas visões sobre escravidão, tráfico
negreiro, poder soberano e cidadania. A fama de conselheiro furtivo, conspirador de antessalas e
defensor da escravidão colava nele como a sombra no corpo.
No fim da vida, envolveu-se em polêmica azeda com o Barão do Rio da Prata em torno das
operações da marinha brasileira durante a Guerra da Cisplatina (1825-1828), publicando dois
panfletos, a Análise e refutação do libelo acusatório (1829) e O Barão do Rio da Prata nu e cru
(1830). Com o declínio da popularidade de D. Pedro I, sua popularidade também declinou. Foi
acusado de favorecer os tratados desiguais do Brasil, chamados pejorativamente, na altura, de
“tratados de comércio do Sr. Marquês de Queluz”, e de esposar um escravismo empedernido na
Memória de 1821, onde teria proposto criminalizar “um pai que liberta seu filho nascido da
escravidão!!!!!!!!!!!!” (Aurora Fluminense, 11/02/1827 e 27/02/1829) – na verdade, propusera um
controle público sobre a concessão de alforrias. Quando o Parlamento imperial apreciou um
projeto de reforma constitucional que previa, entre outras medidas, abolir a vitaliciedade do
Senado, Maciel da Costa coroou sua vida pública sendo fiel a seus princípios. Um ano antes de
sua morte, “apesar do estado de paralisia em que se acha, fez-se transportar à casa da reunião para
dar o seu voto”. Esforço senil, moroso e arrastado, sem dúvida, mas decisivo. A supressão da
vitaliciedade caiu por apenas um voto naquela que foi a primeira e última reforma constitucional
do Império do Brasil (Aurora Fluminense, 26/09/1832).

Referências:
Aurora Fluminense, 26 de setembro de 1832, n. 680
Aurora Fluminense, 11 de fevereiro de 1827, n. 16, p. 64.
Aurora Fluminense, 27 de fevereiro de 1829, n. 159, p. 655.
Costa, João Severiano Maciel da. Memoria sobre a necessidade de abolir a introdução dos
escravos africanos no Brasil. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1821.
___________________. Apologia que dirige à nação portugueza. Coimbra: Universidade de
Coimbra, 1821.
[Costa, João Severiano Maciel da]. O barão do Rio da Prata nu e cru tal qual é e sempre foi. Rio
de Janeiro: Seignot-Plancher, 1830.
[Costa, João Severiano Maciel da]. Analise e refutação do libelo acusatório que publicou o
almirante Barão do Rio da Prata Rodrigo Pinto Guedes contra alguns ministros d’Estado. Rio de
Janeiro: Plancher-Seignot, 1829.
Marcia Berbel, Rafael Marquese e Tâmis Parron. Escravidão e política: Brasil e Cuba, c. 1790-
1850. São Paulo: Hucitec, 2010.

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