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UNIVERSIDADEFEDERALDOCEARÁ
FACULDADEDEDIREITO
CURSODEGRADUAÇÃOEMDIREITO
DANIELMOURAGONZAGA
ARESSOCIALIZAÇÃONALEIDEEXECUÇÃOPENAL:UMAANÁLISE
CRÍTICAAPARTIRDATEORIADALABELLINGAPPROACH.
FORTALEZA
2021
DANIELMOURAGONZAGA
ARESSOCIALIZAÇÃONALEIDEEXECUÇÃOPENAL:UMAANÁLISE
CRÍTICAAPARTIRDATEORIADALABELLINGAPPROACH.
Monografia apresentada ao Curso de
Graduação em Direito da Universidade
Federal do Ceará, como requisito parcial à
obtençãodotítulodeBacharelemDireito.
Orientador: Prof. Dr. Raul Carneiro
Nepomuceno.
FORTALEZA
2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Universitária
Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
DANIELMOURAGONZAGA
ARESSOCIALIZAÇÃONALEIDEEXECUÇÃOPENAL:UMAANÁLISE
CRÍTICAAPARTIRDATEORIADALABELLINGAPPROACH.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Direito da Universidade Federal
do Ceará, como requisito parcial à obtenção
dotítulodebacharelemDireito.
Aprovadaem:06/04/2021
BANCAEXAMINADORA
________________________________________
Prof.Dr.RaulCarneiroNepomuceno(Orientador)
UniversidadeFederaldoCeará(UFC)
_________________________________________
Prof.Dr.SamuelMirandaArruda
UniversidadeFederaldoCeará(UFC)
_________________________________________
Prof.Dr.DanielMaia
UniversidadeFederaldoCeará(UFC)
ADeus.
Aminhamãe,peloexemplodelutae
dedicaçãoquetantomeinspiraram.
AGRADECIMENTOS
A
Deus,
pois
minha
fé
me
guiou
até
aqui
e irá
me
guiar ao
longo
da
minha trajetória.
Reconheço
nele
a essência
de
todas
as
coisas
e sou
grato
por
cada
suspiro
e cada
riso,
assim
como agradeço pelo choro e pela tristeza, pois também é preciso viver a fé
nos
momentos
maisdifíceis.
A minha mãe, Maria Silvanir, pois sem
o esforço
dela
jamais
eu
teria
ingressado
no
ensino
superior.
Mulher guerreira
que
superou
as maiores
adversidades
da
vida,
para,
sozinha,
pôr o pão de cada dia na mesa. Foi o exemplo de força e luta dela que me deram a
sustentaçãonecessária,mesmonasdificuldades.
A minha família, em especial a minha irmã, Daniele, e aos meus avós, Josefa e
Manuel,porseremmotivosparaeuseguiremfrente,poisminhavitóriaseránossavitória.
À Gláucia Maria, pelo companheirismo que tanto me fortaleceu durante minha
graduação. Conhecê-la fez os meus anos de graduação mais amáveis. Sem
sua
companhia,
tudo teria
sido
mais
difícil
e,
sem
dúvida,
eu
não
teria
vivido
uma
série
de
experiências
que
julgofundamentaisparaapessoaquesouhoje.
Aos
amigos
que
tive
durante a graduação
cujos
nomes
não irei
citar
pelo
risco
fatal de
esquecer alguém. No entanto, todos aqueles que fizeram parte da turma 2020.2, podem se
sentir dentro deste agradecimento. De todas as
turmas
que
eu
poderia
ter
“caído”,
essa
sem
dúvidafoiamelhordetodas.
Aos
amigos
além
da
faculdade,
que
também
não
irei
citar
pelo
mesmo
motivo
acima,
masquefizerampartedaminhahistória.
Ao
amigo
Mário
Fellipe,
pois
sem
a sua colaboração
acadêmica eu
não
teria
realizado
estetrabalho.
Aos servidores e professores da Universidade Federal do Ceará pelo trabalho
incansável
para
garantir
o melhor
ensino,
a melhor
pesquisa e a melhor extensão,
mesmo
em
temposobscuros,nosquaisaciênciaeaeducaçãotêmsidofortementeatacadas.
Aos professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, pela
dedicação ao corpo discente,
na
busca
pela
formação
de
novos
estudiosos
que
possam
levar
nossopaísaumfuturomelhor.
Ao
Prof.
Dr.
Raul
Nepomuceno
por
ter
aceitado
o convite
de
me
orientar
na
produção
deste trabalho. Aliás, o tema desta monografia foi idealizado, a partir das suas ilustres
exposiçõescomoprofessordadisciplinadeCriminologia.
Aos professores Samuel Arruda e Daniel Maia, por terem gentilmente aceitado o
convitedecomporaminhabancaeenriqueceromeutrabalhocomsuascontribuições.
Aos
professores
e servidores
da
Escola
de
Ensino Médio
Governador
Adauto
Bezerra,
pois
sem
o ensino
de
qualidade
fornecido
durante
minha
estadia
como
aluno,
provavelmente
eunãoteriaconseguidoingressarnagraduaçãodomeusonho.
RESUMO
A forma de punir sempre foi tema de discussões nas mais diversas sociedades. Seja para
reforçar
os
valores
protegidos
e evitar
o desrespeito
generalizado
à norma,
seja
simplesmente
para
causar
dor
aos
infratores,
a pena
sempre
foi
considerada
como
essencial
para
o sucesso
do convívio em sociedade. Nesse sentido, a pena de prisão surge como uma alternativa a
punições mais severas e que atingissem diretamente a vida ou a integridade física dos
apenados. Posteriormente, com o advento dos direitos humanos, a prisão passou a ganhar
novos contornos, sendo considerada, também, como um espaço no qual serão adotadas
políticas que visem a ressocialização do
preso.
Foi
a partir
desse
ideal
mais
humanizado
da
pena que a Lei
de Execução
Penal
passou
a considerar
a reinserção
social
como
um
objetivo
a
ser perseguido no cumprimento da sanção. No entanto, décadas após sua promulgação,
existem questionamentos acerca da capacidade do sistema prisional brasileiro
de
realmente
efetivar
a ressocialização. Com
base
nisso,
o objetivo
deste
trabalho
é analisar
de
que forma
a
Lei de Execução Penal tratou a ressocialização, investigando quais
mecanismos
regulou
na
busca
por
esse
objetivo,
além
de
entender
como
se
deu
a sua
recepção
quanto
às
finalidades
da pena na ordem jurídica iniciada com a Constituição Federal de 1988. Este trabalho
também
tem
como
objetivo
estudar
o índice
de
efetividade
do
sistema
prisional
brasileiro, as
suas
condições
de
forma geral
e o seu impacto
na
ressocialização
e na
construção
do
estigma.
No que tange ao processo de estigmatização, foi analisada a teoria da labelling approach,
visando estudar o tema sob o enfoque da Criminologia. No que concerne ao percurso
metodológico,
foram
utilizadas
análises
bibliográficas e legislativas,
além
do
estudo
de dados
estatísticos. Por fim, concluiu-se que a falta
de
efetividade
das
políticas
previstas
na
Lei
de
Execução Penal tem constituído um ambiente de desumanização nos presídios que torna a
ressocializaçãoumidealdistante,alémdeauxiliarereforçaraestigmatizaçãodopreso.
Palavras-chave:LeideExecuçãoPenal.Ressocialização.Sistemaprisional.Estigma.
Labellingapproach.
ABSTRACT
Keywords:CriminalExecutionLaw.Resocialization.PrisonSystem.Stigma.L
abelling
approach.
SUMÁRIO
1INTRODUÇÃO..............................................................................................................11
2 EXECUÇÃO PENAL E RESSOCIALIZAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO....................................................................................................................13
2.1ALei7.210/84earessocializaçãocomonovoparadigmanaexecuçãopenal……13
2.2 As funções da pena na ordem jurídica constitucional iniciada em
1988………………………………………………………………………………….........18
3OSDESAFIOSDARESSOCIALIZAÇÃODALEI7.210/84……………...…........26
3.1 A ressocialização em números: dados relativos à reincidência criminal no Brasil
.............................................................................................................................................26
3.2 A precariedade
do
sistema
prisional
e a sua
prejudicialidade
para
a ressocialização
………………………………………………………………………...………………......30
4OESTIGMAEALEIDEEXECUÇÃOPENAL……………………………...……38
4.1Ateoriadalabellingapproacheosestudossobreacriminalidadesecundária….38
4.2 Os dispositivos normativos da lei 7.210/84 que buscam evitar a estigmatização do
preso…………………………………………………………………………………....…43
4.3 A participação comunitária na execução penal e o processo de desconstrução do
estigma……………………………………………………………………………..…….46
5CONSIDERAÇÕESFINAIS…………………………………………………………53
REFERÊNCIAS…………………………………………………………………………56
11
1INTRODUÇÃO
A resposta ao crime sempre foi tema de discussões na história da
sociedade.
Desde
que
o ser
humano
passou
a viver
em agrupamentos,
buscou-se
estabelecer
regras de
convívio,
visando
à paz
e à prosperidade. Nesse
sentido,
a pena
pelo descumprimento
das
normas
varia
conformeoperíodoeasociedade.
Em
determinadas
sociedades,
a pena
foi
e ainda é tratada
com
extremo
rigor,
punindo
com morte aqueles indivíduos que infringem certos comandos normativos. Já em outras, a
pena possuiu como limite a privação de liberdade por tempo determinado. Estas últimas
passaram
a ser
mais
comuns
com
o florescimento dos
direitos
humanos.
Exemplo
disso,
foi o
surgimento
das
Regras
Mínimas
para o Tratamento de
Presos,
também chamada
de
Regras
de
Mandela, documento elaborado em 1955, pela ONU, que dispunha sobre diretrizes que os
Estados membros deveriam adotar no trato de pessoas presas, a partir de um olhar mais
humanizado.
Com
base
nisso,
cresceu
o movimento
de
adequação
das
penalidades
com
o respeito
a
dignidade do preso e tendo como finalidade a reinserção social. Nesse contexto, a Lei de
Execução Penal (Lei 7.210/84) significou uma importante mudança nas diretrizes de
tratamento do preso no Brasil. Apesar da pena de morte ter sido abandonada desde o
surgimento da República, em 1889, não houvera, até o surgimento da Lei 7.210/84, uma
sistematização
efetiva
de
direitos
do
preso que
reforçassem
sua
dignidade
como
ser
humano
e
colocassearessocializaçãocomofinalidadeaseralcançadacomaexecuçãodapena.
Assim, a Lei de Execução Penal representou um claro avanço na forma de
cumprimento
das
penas,
sobretudo,
nas
penas
privativas
de
liberdade, pois
buscou
regular
de
forma específica as garantias do preso. Além disso, trouxe a ressocialização como um
objetivo
a ser
alcançado
durante
o cumprimento
da
pena,
reforçando
a ideia
de
aplicação
da
penalidadedeacordocomosdireitoshumanos.
Não
obstante,
há
décadas
se
tem
questionado
sobre
a efetividade
do
sistema
prisional
brasileiro em reintegrar o indivíduo preso à sociedade de forma pacífica, ou seja, livre da
criminalidade. Nesse sentido, a ideia de estigmatização tem surgido, com certa frequência,
nas tentativas de estudar a questão da reintegração social, como um fator relacionado ao
sucessodareinserção.
Por
conseguinte,
o
estigma
é um
conceito
bastante
estudado
pela
teoria
criminológica
da labeling approach, considerando o delito a partir de uma perspectiva social, na qual o
12
olhar da sociedade sobre o preso também faz parte do objeto de análise da Criminologia,
principalmente,quandosetratadoestudodareincidência.
Com base nisso, o objetivo deste trabalho foi investigar a forma como a Lei de
Execução Penal tratou a ressocialização, a recepção de suas diretrizes pela ordem jurídica
após a Constituição de 1988 e se os mecanismos da lei para a reinserção social têm sido
efetivados, a partir de uma análise sobre as condições do sistema prisional brasileiro.
Também buscou-se estudar a possível relação entre a Lei 7.210/84 e o estigma,
a partir
da
perspectiva da teoria criminológica da labelling approach, sendo analisado se a lei
preocupou-se com o estigma como possível fator relacionado a ressocialização e, em caso
afirmativo,quaisasdisposiçõesmaisimportantesnessesentido.
A metodologia utilizada partiu, predominantemente, de análise bibliográfica e
legislativa, também sendo utilizados
dados
estatísticos
para
compreensão
da
conjuntura
real
acerca do tema. Como referencial teórico, tem-se o paradigma da ressocialização na Lei
7.210/84 e os desafios para sua efetivação, além dos estudos acerca da influência da
estigmatizaçãonoprocessodereinserçãosocialdopreso.
É válido ressaltar que a “análise
crítica",
conforme
sugerida
no
título
deste
trabalho,
não parte de
uma
ideia
de,
necessariamente,
discordar
das
disposições
da
Lei
7.210/84,
mas
sim estudar a referida lei de acordo com a criticidade
dos
postulados
da
teoria
da
labelling
approach,sobretudo,apartirdaideiadeestigmadesenvolvidapelateoria.
No primeiro capítulo, procurou-se estudar
a ressocialização
a partir
da
Lei
7.210/84,
verificando a forma como o diploma legal trata da ressocialização e os mecanismos mais
importantes
que
foram
regulados
com
esse
objetivo.
Além disso, também
foi
analisada
como
a
ideia
de
reinserção
social
passou
a ser
interpretada,
a partir
da
ordem
jurídica constitucional
iniciadaem1988,combasenasfinalidadesdapena.
No
segundo
capítulo,
após
analisada
a questão
da
ressocialização
por
uma perspectiva
normativa, investigou-se o assunto com base em estudos sobre a reincidência criminal no
Brasil,
buscando
trazer
um
olhar
real
sobre
o assunto,
além
de
comparar
a realidade
prevista
na lei e a realidade material. Nesse sentido, também
foram
analisados
alguns
dos
possíveis
problemasdosistemaprisionalbrasileiroquepodemdificultararessocialização.
Por
fim,
no
último
capítulo
foi
abordada
a possível
relação
entre o estigma
e a Lei
de
Execução
Penal,
sendo
estudada
a teoria
criminológica
da
labelling
approach
na
tentativa
de
compreender os possíveis impactos do processo estigmatizante na efetividade da
ressocialização,bemcomoafunçãoqueasociedadelivrepodeocuparnessecontexto.
13
1
A Lei
3274/57
dispunha
sobre
normas
gerais
do
regime
penitenciário.
A lei
possuía
apenas
40
artigos,
sendo
revogadapelaLei7210/84.
14
Sem questionar profundamente a grande
temática
das finalidades
da
pena, curva-se
o Projeto, na esteira das concepções menos sujeitas à polêmica doutrinária, ao
princípio de que as penas e medidas de segurança devem realizar
a proteção
dos
bensjurídicoseareincorporaçãodoautoràcomunidade.
A referida lei também prevê a proibição de tratamento diferente durante o
cumprimento da pena, por motivo racial, social, religioso ou político (art. 3º, parágrafo
único). Dessa forma, busca consagrar o princípio da igualdade,
tão
importante
nas
relações
sociaisequedeveserconsideradoduranteocumprimentodareprimendapenal.
Outro ponto inovador previsto na Lei 7.210/84 é a participação da comunidade na
execução da pena, com o objetivo de fazer com que a sociedade possa acompanhar o
cumprimento
da
sanção
penal
e exigir melhorias
se
for
o caso,
buscando
reintegrar
o preso ao
convívio
social.
Dessa
forma,
cite-se novamente
a Exposição
de
Motivos
da
Lei de
Execução
Penal,dessavezcomreferênciaaoitem25:
Muito além da passividade ou da
ausência de
reação quanto às
vítimas mortas ou
traumatizadas, a comunidade participa ativamente do procedimento da execução,
quer através de um Conselho, quer através das pessoas jurídicas ou naturais que
assistem ou fiscalizam não somente as reações penais em meio fechado (penas
privativas da liberdade e medida de segurança detentiva) como também em
meio
livre(penademultaepenasrestritivasdedireitos).
Assim, a Lei 7.210/84 buscou aproximar a execução penal da comunidade,
considerando
que
o cumprimento
da
pena
ocorre,
normalmente,
a partir
da
lógica
de
exclusão
social do indivíduo preso, o que costuma prejudicar a reinserção do apenado à sociedade.
Para Nucci (2020, p. 17), “havendo a integração da comunidade, por meio de organismos
representativos, no
acompanhamento
da
execução
das
penas,
torna-se
maior
a probabilidade
de recuperação do condenado”. Segundo o autor, isso ocorre porque, ao cumprir a pena,
o
indivíduo “possivelmente já terá o apoio
garantido
para
sua
reinserção
social,
mormente
no
mercadodetrabalho”(NUCI,2020,p.17).
Nesse sentido, a ideia de ressocialização trazida pela Lei de Execução Penal,
estabelece a necessidade de participação social como pressuposto para sua efetivação.
Não
obstante, também estabelece que o indivíduo preso e o próprio Estado devem ser agentes
atuantes durante a execução, conforme capítulos II e IV, que preveem, respectivamente, o
deverdeassistênciaaopresoporpartedoEstadoeosdeveresedireitosdoapenado.
É válido
ressaltar
que
ao
tratar
da
obrigatoriedade
da
assistência
do
Estado
ao
preso,
a
Lei 7.210/84 dispõe que
a assistência
deve
ter
como
objetivo
“prevenir
o crime
e orientar
o
retorno
à convivência
em
sociedade''
(art.
10).
Com
base
nisso,
é possível constatar
a adoção
pelolegisladordoprogramadeprevençãoespecialpositiva.
15
Esse programa consiste na participação do Estado na execução da pena, a partir de
contornos democráticos, que visam auxiliar o apenado a não
realizar
novos
delitos.
No
que
tange ao caráter democrático do modelo de ressocialização (prevenção especial positiva),
quantoaintervençãoestatal,Vernice(2009,p.45)disserta:
com efeito, o Estado necessita de sólida fundamentação para atingir os direitos
fundamentais de qualquer cidadão, mesmo que ele tenha praticado crimes;
fundamentação essa que, no
Estado Democrático de
Direito,
não
pode
ser inferida
de
razões
metafísicas. Dessa forma, a ressocialização surge
como opção produtiva à
intervenção penal estatal,
justificando-a pragmaticamente ao
afirmar que
a pena visa
aobemtantodocondenadoquantodasociedade.
Dessa forma, a Lei
de
Execução
Penal
busca
garantir
que
a participação
estatal
não
sejavioladoradedireitoshumanos,masconsoanteaeles.
Com
base
nisso,
a Lei
7.210/84
previu
que
o Estado
deve
garantir
diferentes
tipos de
assistência ao preso, sendo estas: a material, a saúde, a jurídica, a educacional, a social e
religiosa(art.11).Alémdisso,tambémháprevisãodeassistênciaaoegresso(art.25).
A assistência material consiste em fornecer ao preso alimentação, vestuário e
instalações higiênicas. Ademais, os estabelecimentos devem possuir local apropriado para
atender as necessidades pessoais do preso, bem como local dentro do estabelecimento que
sejadestinadoàvendadeprodutosquenãosejamfornecidospelaadministração(art.13).
Quanto à saúde, deve o Estado fornecer serviços de caráter preventivo e curativo,
compreendendo o atendimento médico, farmacêutico e odontológico
(art.
14).
É importante
considerar que os indivíduos presos se encontram sob tutela do Estado, devendo
este
zelar
pelasaúdeecondiçõesdignasdaqueles,sobpenaderesponsabilidade2.
A
assistência
jurídica
é destinada
aos
presos
que
são
hipossuficientes,
ou
seja, que
não
possuem condições financeiras de constituir advogado (art. 15). Dessa forma, deve o
estabelecimento prisional possuir estrutura destinada a prestar assessoria jurídica ao preso,
sendo
reservado
local
adequado
para os atendimentos
realizados pela
Defensoria
Pública
(art.
16
caput,
§1º
e §2º)
. Fora
dos
estabelecimentos
prisionais,
devem ser
constituídos núcleos da
Defensoria Pública especializados em demandas oriundas da execução penal, destinados a
apenadossemcondiçõesfinanceirasdeconstituiradvogado(art.16,§3º).
No
que
diz
respeito
à assistência
educacional,
a Lei
7.210/84
estabelece
que deve ser
garantido
ao
preso
instrução escolar e formação
profissional
(art. 18).
Isso
porque,
a educação
ocupa papel importante no desenvolvimento de
uma
sociedade,
também
sendo
fundamental
2
Nesse sentido, é o entendimento do Supremo
Tribunal
Federal
no
Recurso
Extraordinário
580.252
de
Mato
GrossodoSul,julgadoem16defev.de2017.
16
para a efetivação da ressocialização como paradigma a ser perseguido no decorrer da
execuçãopenal.
No que concerne ao papel desempenhado pela educação no processo de
ressocializaçãodopreso,Mirabete(2002,p.73)afirmaque:
A
assistência educacional deve ser
uma
das
prestações básicas mais
importantes não
só para o homem livre, mas
também àquele
que
está
preso,
constituindo-se, neste
caso, em um elemento do tratamento penitenciário como meio para a reinserção
social.
Quanto à assistência social, revela-se a finalidade de preparar o apenado a vida
em
liberdade,
amparando
o preso
e fornecendo
acompanhamento para suas
necessidades
durante
o
cumprimento
da
pena.
Segundo
o art.
23
da
Lei
7.210/84, incumbe
a assistência
social: 1)
conhecer
os
resultados
dos diagnósticos
ou
exames (inciso
I);
2)
relatar,
por
escrito,
ao
diretor
do estabelecimento, os problemas e as
dificuldades
enfrentadas
pelo
assistido
(inciso
II);
3)
acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias (inciso III); 4)
promover,
no
estabelecimento,
pelos
meios
disponíveis,
a recreação (inciso
IV); 5)
promover
a orientação do assistido, na fase
final
do
cumprimento
da
pena,
e do
liberando,
de
modo
a
facilitar
o seu
retorno
à liberdade
(inciso
V);
6)
providenciar
a obtenção
de
documentos,
dos
benefícios
da
Previdência
Social
e do
seguro
por
acidente
no
trabalho
(inciso
VI); 7)
orientar
eamparar,quandonecessário,afamíliadopreso,dointernadoedavítima(incisoVII).
Por
fim,
a assistência
religiosa
constitui
modalidade
não
obrigatória
de
atividade
que
deve ser garantida aos presos no estabelecimento prisional (art. 24, §2º). É válido
ressaltar
que a previsão de garantia de liberdade religiosa possui
característica
diferente
das
demais,
pois não é tratada, necessariamente, como algo indispensável para o cumprimento da
ressocialização. Assim, possui mais intenção de garantir a liberdade religiosa e de
consciência,
do
que
cumprir
a finalidade
preponderante
da
execução
penal,
que
é a reinserção
socialdoindivíduopreso.
Além das previsões específicas sobre o amparo que deve o Estado garantir ao
indivíduo preso que cumpre sua pena, a Lei de Execução Penal também preocupa-se em
garantir que após o cumprimento da sanção, o egresso encontre condições favoráveis para
não
voltar
a delinquir.
Segundo
Nucci
(2020,
p.
39),
é fundamental
para
a “ressocialização do
sentenciado o amparo àquele que deixa o cárcere, em especial quando passou muitos
anos
detido,paraquenãosefrustreeretorneàvidacriminosa”.
Dessa forma, em seu art. 25, a Lei
7.210/84
garante
ao
egresso
a orientação
e apoio
com
fins
de
reintegrá-lo
à vida
em
sociedade
(inciso
I);
além
do
fornecimento
de
alojamento
17
e alimentação
em
estabelecimento
adequado,
caso
necessário,
pelo
prazo
de
2 meses
(inciso
II).
Quanto
ao
prazo
de
permanência
do
alojamento,
este
pode
ser
prorrogado
uma
única
vez
no caso de declaração de assistente
social
que
comprove
que
o egresso
está
empenhado
em
procurarumemprego(parágrafoúnico).
A
lei
também
atenta
para
a definição
de
quem
deve
ser
considerado
como
egresso (art.
26). Assim, considera-se legalmente como egresso aquele que é liberado definitivamente,
pelo
prazo
de 1 ano
(inciso
I);
e o liberado por
livramento
condicional
(inciso
II). Ao explicar
oconceitodelegaldeegresso,Mirabete(2002,p.86)dispõe:
O liberado definitivo é aquele que cumpriu a pena privativa de liberdade
integralmente ou
foi
beneficiado por
qualquer
causa extintiva punibilidade3 após
de
ter
cumprido parte da
sanção
imposta. Nessas
hipóteses o condenado será
tido como
egresso, contando com a assistência pós-penitenciária pelo prazo de um ano, a
contar da data em
que
foi
posto
em
liberdade,
sem prejuízo da
limitação prevista no
art.
25,
II,
da
Lei
de
Execução Penal. Também será
considerado egresso o liberado
condicional enquanto durar o período de prova, que poderá ser inferior, igual
ou
superior a um ano, dependendo, evidentemente, das condições particulares do
beneficiário.
Face
ao
exposto,
verifica-se
que
a Lei
de
Execução
Penal
representou
clara
inovação
no
ordenamento
jurídico
sobre
o tema
tratado.
Buscou
alinhar
a disciplina da
fase
executória
doprocessopenalanormasdosdireitoshumanosquevisamaressocializaçãodocondenado.
Nessa linha, a Lei 7.210/84 aplica
os
conceitos
consagrados
pela
resolução
da
ONU
sobre Tratamento de Pessoas Reclusas, também chamada de Regras de Nelson Mandela,
atualizadaem2015,pelaResolução70/175daAssembleiaGeraldaONU.
Segundo o documento, traduzido pelo Conselho Nacional de Justiça, a pena deverá
ter, dentre suas finalidades, a reintegração social do
indivíduo
preso,
objetivando
garantir
a
proteção da sociedade contra a criminalidade e a diminuição da reincidência, sendo
fundamental para isso a “reintegração de tais indivíduos à sociedade após
sua
soltura,
para
quepossamlevarumavidaautossuficiente,comrespeitoàsleis”(BRASIL,2016,p.21).
A
prestação
de
assistência
estatal
aos
presos,
também
faz
com
que
a Lei
de
Execução
Penal seja um diploma que continue moderno, atento aos mecanismos necessários para
efetivar
o paradigma da ressocialização,
também
disciplinado
nas
Regras
de
Mandela,
em
seu
item4.2:
3
Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: I - pela
morte do
agente;
II
- pela
anistia,
graça
ou
indulto;
III
- pela
retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou
perempção; V - pela
renúncia do
direito
de queixa ou
pelo
perdão
aceito, nos
crimes de
ação privada;
VI - pela
retrataçãodoagente,noscasosemquealeiaadmite;(...)IX-peloperdãojudicial,noscasosprevistosemlei.
18
Para esse fim, - reintegração social dos presos - as administrações prisionais e
demais autoridades competentes devem oferecer
educação, formação
profissional e
trabalho, bem como outras formas de assistência apropriadas e disponíveis,
inclusive aquelas de natureza reparadora, moral, espiritual, social, esportiva e de
saúde. Tais
programas, atividades e serviços
devem ser oferecidos
em
consonância
comasnecessidadesindividuaisdetratamentodospresos.
Entretanto,
uma
enorme
barreira
separa o universo
legal previsto pela Lei
7.210/84
e a
realidade carcerária no Brasil. Conforme será melhor apresentado no Capítulo 02 deste
trabalho, existem distorções graves na execução da pena, relativas à falta de assistência
estatal, contrariando o disposto no diploma normatizador e repercutindo na busca pela
ressocializaçãodocondenado.
2.2Asfunçõesdapenanaordemjurídicaconstitucionaliniciadaem1988
Após décadas de um contexto político conturbado, quando o Brasil viveu sob o
comando
de
um
regime
militar,
no
dia 15
de
janeiro
de
1985,
o país
iniciava
um
novo
período
nasuahistória.Eraofimdaditaduramilitareoretornodademocracia.
Nesse momento, foi criado uma atmosfera de mudanças que precisavam ser feitas
com
o escopo
de
saudar
o sistema democrático.
Nesse
cenário,
foi
promulgada a Constituição
Federalde1988.
A Constituição Federal de 1988, inspirada por ideais democráticos e de defesa dos
direitos humanos, buscou reforçar os preceitos já levantadas pela Lei 7.210/84 no que diz
respeito a disciplina da execução
da
pena,
de
forma
que
a referida
lei
foi
recepcionada
pela
novaordemjurídicaqueseiniciava.
Dessa forma, a constituinte buscou garantir que determinados preceitos fossem
indissociáveis da execução penal, normatizando-os no rol de direitos e garantias
fundamentais. Dentre eles, está o princípio da individualização da
pena,
consagrado
no
art.
5º, inciso XLVI. Esse princípio possui aplicação em três estágios, na fase legislativa (no
momento
da
gradação
da
sanção
penal
prevista
legalmente
para
cada
crime),
judicial
(quando
ojuizaplicaapenadefinindo-aapartirdoq uantumlegalprevisto)eexecutiva.
Explicando
a aplicação
do
princípio
da
individualização
da
pena
na
fase de
execução
penal,Rossetto(2014,p.112)afirma:
Em
terceiro plano dá-se a individualização da
pena na fase
judicial na execução
da
pena: cada sentenciado tem a execução de sua pena considerada individualmente,
ainda que tenha sido condenado, em coautoria, a mesma pena e mesmo crime.
A
execução da pena não
pode ser
igual para
todos os
presos. O preso é submetido
ao
programa de execução conforme as
suas condições pessoais pela
Comissão Técnica
19
de Classificação4. A progressão e a regressão são feitas de forma individual,
segundoascondiçõespessoaiseoméritodosentenciado.
Também
foi
incluída,
no
rol
de
direitos e garantias
fundamentais,
a proibição
de penas
de morte (ressalvada a hipótese de guerra), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de
banimentoecruéis(art.5º,incisoXLVII).
Além
disso,
dispôs
a Constituição
Federal que
a pena
deve
ser
cumprida
em
diferentes
estabelecimentos, de acordo com a natureza
do
delito,
a idade
e o sexo
do
apenado
(art.
5º,
inciso
XLVIII);
e que
é garantia
fundamental
do
preso
ter
respeitada
a sua
integridade
física
e
moral(art.5º,incisoXLIX).
Essas disposições encontram importância basilar no
ordenamento
jurídico
brasileiro,
não
apenas
por
estarem
previstas
na
carta
constitucional,
mas
também
por
estarem
inseridos
no rol de direitos e garantias fundamentais. Por constarem nesse título da Constituição
Federal, tais direitos não podem ser suprimidos por emenda constitucional, conforme
previsãodoseuart.60,§4º5.
No que tange a disciplina da execução penal, o surgimento de uma nova ordem
jurídica faz com que surjam questionamentos sobre quais as finalidades
pelas
quais
deve
o
Estado restringir a liberdade de determinado indivíduo como sanção, a partir do novo
ordenamento.
Na história do Brasil, a pena já foi utilizada com finalidade preponderantemente
vingativa,combastanteutilizaçãodapenademorte,comoocorrianoperíododoimpério6.
Com o advento de movimentos humanistas, a pena de morte tornou-se
ultrapassada
(pelo menos na legislação pátria), dando espaço
para
legislações
que
reforçassem
diretrizes
condizentescomosdireitoshumanos.
Dessa forma, torna-se atividade necessária identificar quais as finalidades da pena
segundo a ordem jurídica iniciada com
a Constituição
Federal
de
1988,
considerando
que
a
normaconstitucionalnãofazremissãoexpressaanenhumateoriaoufinalidadeespecífica.
Para isso, devem ser analisadas as principais teorias que buscam explicar as
finalidades da pena, sendo estas: teorias absolutas, teorias relativas, teorias mistas (ou
4
Comissão destinada a classificar os presos conforme seus antecedentes e personalidade (art. 5º, da Lei
7.210/84). A Comissão é presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um
psiquiatra, um psicólogo e um assistente
social, quando se
tratar
de
condenado à pena
privativa de liberdade (art.
7º,daLei7.210/84).
5
Art.
60,
§4º, da
Constituição Federal:
“§ 4º Não será objeto
de
deliberação a proposta
de emenda tendente
a
abolir:I - a forma federativa de
Estado;
II
- o voto
direto, secreto,
universal
e periódico; III
- a separação dos
Poderes;IV-osdireitosegarantiasindividuais”(Grifosnossos).
6
NoCódigoCriminaldoImpériode1830,apenademorteeraumadassançõespenaispossíveis.
20
ecléticas) e teorias da Nova Defesa Social. É válido ressaltar
que
a matéria
é bastante
rica,
existindo uma enorme quantidade de teorias acerca do assunto. No entanto, optou-se por
tratar daquelas de forma mais específica, por estarem presentes na maioria das doutrinas
consultadas, inclusive, a de Mirabete, sendo
adotada
as
indicações
das
teorias
referenciadas
poresteautorparafinsdestetrabalho.
Segundo as teorias absolutas, a pena possui finalidade única de punir o indivíduo
criminoso, sendo uma espécie de vingança social sobre o apenado. Para essa teoria,
destaca-seafunçãoretributivadapena,quetemcomoobjetivocastigarocondenado.
ConformedispõeMirabete(2002,p.22),
Para as teorias chamadas absolutas (retribucionistas ou de retribuição), o fim da
pena é o castigo, ou seja,
o pagamento pelo
mal
praticado.
O castigo
compensa o
mal
e dá reparação à moral, sendo
a pena
imposta por
uma
exigência ética
em que
nãosevislumbraqualquerconotaçãoideológica.
Assim, na visão da teoria absoluta ou retribucionista, a pena não possui uma
finalidade
que
a justifique
como
meio para alcançar
um
fim,
é apenas
uma
forma
de
levar
dor
ao corpo do condenado. Dessa forma, remonta aos ideais tradicionalistas de utilização da
sanção
penal.
Conforme
afirma
Rosetto
(2014,
p.
46),
“a
função
retributiva da
pena
reproduz
omecanismodotaliãoexpressonoolhoporolho,dentepordente”.
Para Kant, um dos maiores representantes da teoria absoluta, a pena possui relação
direta com o imperativo categórico7, pois busca punir o indivíduo pela ruptura dos
valores
moraisregidospeloidealdejustiça.
Conforme
explica
Bitencourt
(2019,
p.
149),
“dentro
do
esquema
filosófico
kantiano,
a pena deve ser aplicada somente porque houve infringência à lei.” Isso porque, segundo
Kant apud Bitencourt (2019, p.149), “quando a justiça
é desconhecida,
os
homens
não
têm
razãodesersobreaTerra”.
Além disso, Kant afasta totalmente a ideia
de
utilização
da
pena
com
outro
objetivo
que não seja a punição do infrator, pois, segundo o filósofo, o homem não pode ser
instrumentalizado para fins sociais, devendo sempre ser respeitada a sua personalidade.
Assim,oautorrenegaautilizaçãodasteoriaspreventivas.
ParaKant(2011,p.208-209),
7
Indicações
de
Kant
sobre
como deve o ser
humano
agir
de
forma a se
comportar de
acordo com
a moral social
adequada. A fórmula universal do imperativo categórico de Kant é: “Age como se a máxima de tua ação
devessetornar-se,atravésdatuavontade,umaleiuniversal”.
21
A pena judicial (poena forensis), distinta da
pena natural
(poena naturalis), mediante
a
qual o agravo se
pune
a si
mesmo e que
não é,
de
modo algum, tomada em
conta
pelo legislador, nunca pode servir simplesmente de meio para
fomentar um
outro
bem, seja em favor do
próprio delinquente seja
da
sociedade civil,
mas há-de ser-lhe
sempre infligida somente porque cometeu um crime; porque o homem não pode
nunca ser tratado simplesmente como meio para os propósitos de outrem e
confundido com os objectos do direito real, tratamento relativamente ao qual o
protege a sua
personalidade inata,
se
bem que
possa, bem entendido, ser
condenado
aperderapersonalidadecivil.
Já
para
as
teorias
relativas,
a pena
existe
não
como
um castigo
sem
qualquer
objetivo
em sua aplicação, mas como uma forma de evitar que mais delitos aconteçam. Com isso,
busca-se dar racionalidade para a aplicação da pena, pois a sanção torna-se um meio para
alcançar
um
objetivo.
Assim,
há
um
afastamento
das
teorias
absolutas,
pois
estas
encontram
respaldo na tradição de punir, sem questionamentos acerca de uma pretensa finalidade
corretivaoupreventiva.
SegundoBitencourt(2019,p.154),
Para as teorias relativas a pena se justifica, não para retribuir o fato delitivo
cometido, mas, sim, para
prevenir a sua
prática.
Se
o castigo ao
autor do
delito se
impõe, segundo a lógica das teorias absolutas, somente porque delinquiu, nas
teoriasrelativasapenaseimpõeparaquenãovolteadelinquir.
Apesar de terem como característica comum a ideia de prevenção trazida acima, o
objeto da prevenção é subdivido nas teorias relativas. Com base nisso, Mirabete (2002, p.
22), ao definir as teorias relativas, esclarece que “para as teorias relativas (utilitárias ou
utilitaristas),
dava-se
à pena
um
fim
exclusivamente
prático,
em
especial
o de
prevenção
geral
(comrelaçãoatodos)ouespecial(comrelaçãoaocondenado)”.
Portanto, as
teorias
relativas
encontram
divisão
quanto
ao
objeto
sobre
qual
recairá
a
finalidade
preventiva.
Na
teoria
de
prevenção
geral,
o foco
é a utilização
da
pena
para
evitar
que outras pessoas que ainda não tenham cometido nenhum delito, venham a praticar no
futuro. Além disso, a prevenção geral pode ser classificada como positiva ou negativa.
ConformediferenciaMendes(2010,p.344),
A pena tanto pode ser vista como intimidação de outras pessoas para que não
cometam fatos puníveis (prevenção geral negativa), quanto como instrumento de
reforço da confiança da comunidade na vigência das normas penais (prevenção
geralpositivaoudeintegração).
Quanto à prevenção especial, que também divide-se entre positiva e negativa,
encontramos uma finalidade voltada para o autor do delito. Dessa forma, a prevenção
especial é voltada para que o indivíduo possa
ser
efetivamente
separado
do
convívio
social
22
(prevenção especial negativa), mas também para que possa ser ressocializado durante o
cumprimentodapena(prevençãoespecialpositiva).
ConformepontuaBitencourt(2019,p.164),
De acordo com a classificação sugerida por Ferrajoli, as teorias da prevenção
especial podem ser formalmente divididas em teorias da prevenção especial
positiva, dirigidas à reeducação do delinquente, e teoria da prevenção negativa,
voltada à eliminação ou neutralização do delinquente perigoso. Vale
ressaltar
que
essas vertentes de prevenção especial não foram apresentadas de formas
contrapostas, nem se excluem entre si, podendo concorrer mutuamente para o
alcance do fim
preventivo, de
acordo com a personalidade corrigível ou
incorrigível
daquelequedelinque.
No que diz respeito às teorias mistas ou ecléticas, há uma tentativa de conciliar a
finalidade retributiva e preventiva da pena, por entenderem que são indissociáveis no
cumprimento da sanção penal. Segundo Mirabete (2002, p. 23): “´para as teorias mistas
(ecléticas ou intermediárias), a pena,
por
sua
natureza,
é retributiva,
tem
seu
aspecto
moral,
massuafinalidadenãoésimplesmenteprevenção,masummistodeeducaçãoecorreção”.
Por fim, a teoria da Nova Defesa Social tem
como
pressuposto
a utilização
da
pena
com finalidade ressocializadora, para que se possa
realizar
uma
prevenção
social
efetiva
da
criminalidade.ExplicaMirabete(2002,p.23)que:
Com Fillippo Grammatica, Adolfo Prins e Marc Ancel, toma vulto a Escola do
Neodefensismo Social ou a Nova Defesa Social, com que se buscou
instituir um
movimento de política criminal humanista fundado na idéia de que a sociedade
apenas é defendida
à medida que se
proporciona a adaptação do condenado ao
meio
social(teoriaressocializadora).
Assim, a base da teoria da Nova Defesa Social é garantir que o indivíduo seja
recuperadoduranteaexecuçãodapena,sendoestaafinalidadeúnicadareprimendapenal.
Dessa forma, verifica-se que a teoria da Nova Defesa Social possui uma finalidade
extremamente ambiciosa, pois entende que a intervenção estatal deve ser
algo
necessário
a
fim
de
tornar
o indivíduo
sociável.
Inclusive,
Rosetto
(2014,
p.
64),
ao
tecer
críticas
a teoria,
ressalta que o intervencionismo estatal ao máximo pode levar a problemas sérios, como
“neutralização da personalidade do condenado, mediante sua reeducação ou por
medicamentos”, o que
abriria
a possibilidade
de
duração
ilimitada
da
pena,
até
o alcance
do
objetivo(ressocializaçãodopreso).
Apresentadas
as
teorias,
indaga-se
qual
delas
foi
adotada
pela
ordem
jurídica
iniciada
com a Constituição Federal de
1988.
Esse
questionamento
é fundamental
para
que
se
possa
entenderopapeldoEstadonaexecuçãodapena,noordenamentojurídicoatual.
23
Nesse sentido, ao tratar sobre o princípio da necessidade da pena na Constituição
Federalde1988,Mendes(2010,p.344-345)discorreque:
Em outros termos, a aplicação da
pena e a determinação de
sua medida
hão
de
se
louvar pela ideia de necessidade. Daí aceitar-se que
tanto
as
teorias
da
prevenção
geral
como as de
prevenção especial acabam por
ter
um papel na definição dos
bens
tuteladosenamedidadapena.
Dessa
forma,
segundo
o autor,
a Constituição
Federal
teria
adotado
as teorias
relativas
da
prevenção
geral
e especial,
ao
entender
que
a pena
é necessária
para a organização
social,
mas que deve ser realizada a partir das ideias de prevenção, não
sendo
mais
admitida
uma
concepção“puramenteretributiva”.
Para
Rosetto
(2014,
p.
79),
a sistemática
brasileira
adota
a teoria
mista
ou
eclética. O
autor chega a essa conclusão ao analisar o art. 59, do Código Penal, e o art. 1º, da
Lei
de
ExecuçãoPenal.Segundoele,
No art. 59 do CP está disciplinado que a pena será aplicada conforme seja
necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. A reprovação
exprime a ideia de retribuição da culpabilidade; a prevenção
do
crime
abrange as
modalidades de
prevenção especial (correção
e neutralização do autor)
e prevenção
geral
(intimidação e manutenção/reforço da
confiança da
ordem jurídica) atribuída
à
penacriminal.(ROSETTO,2014,p.79-80).
Emoutromomento,oautorafirma:
A função
de
prevenção especial
da
pena criminal é atribuição legal dos
sujeitos
da
aplicação e da execução penal: primeiro o programa de prevenção especial é
definido pelo juiz
no
momento da
aplicação da pena, através da sentença criminal
individualizada conforme necessário e suficiente para prevenir o crime (art.
59,
CP);
segundo, o programa de prevenção especial definido na sentença criminal é
realizado pelos técnicos da
execução da pena criminal com o objetivo de
promover
a harmônica integração social do condenado (art. 1º,
da
LEP). (ROSETTO, 2014,
p.81).
É válido ressaltar que tanto o Código Penal como
a Lei
de
Execução
Penal,
mesmo
sendo elaborados antes da Constituição Federal de 1988, foram recepcionados por esta,
integrandoaordemjurídicaconstitucional.
De
acordo
com
Mirabete
(2002, p.
26),
a teoria
da
finalidade
da
pena
adotada
pela
Lei
deExecuçãoPenalfoiaNovaDefesaSocial,argumentandoque:
Além de atentar proporcionar condições para a harmônica integração social do
preso ou
do
internado, procura-se no
diploma legal
não
só
cuidar
do
sujeito passivo
da execução, como também da defesa social, dando guarida, ainda, à declaração
universal dos direitos
do
preso
comum que
é constituída
das
Regras
Mínimas para
TratamentodosPresos,daOrganizaçãodasNaçõesUnidas,editadasem1958.
24
A partir da leitura das legislações penais, em especial o Código Penal e a Lei de
Execução
Penal,
bem
como
da análise da
Constituição
Federal,
no que
diz
respeito
ao
modelo
de aplicação penal, nos parece que a teoria mista ou eclética possui
maior
compatibilidade
comaordemjurídicaatual.
Nesse sentido, a ideia de reprovação inserida no art. 59 do Código Penal, como
medida para a gradação da sanção, reforça o entendimento de que a pena, em seu estágio
inicial,possuiafunçãoderetribuiçãoàcondutailícitarealizadapeloindivíduo.
Não obstante, também há no ordenamento jurídico a ideia de prevenção especial e
prevenção geral, inclusive, com maior destaque para o ideal de prevenção do que o de
retribuição.
Mesmo que não seja possível negar a presença de resquícios da função retributiva,
esta
não
pode
ultrapassar
as
teorias
da
prevenção,
em
especial,
a prevenção ressocializadora,
considerando que a privação da liberdade do indivíduo deve ser bem fundamentada no
modelosocialdemocrático.
Além disso,
apesar
da
teoria
da
Nova
Defesa
Social
possuir
aspirações
elogiáveis
no
sentido de tornar a ressocialização como
objeto
principal
e único
da
pena,
não
é possível,
a
partir da análise da legislação atual, afastar o papel social desempenhado pela pena
(prevenção
geral),
nem
a ideia
de
culpabilidade
do
indivíduo
e da
necessidade
de
afastá-lo do
convíviosocial(prevençãoespecialnegativa).
Portanto, a prevenção geral e especial,
em
seus
aspectos
positivos
e negativos,
guia,
de uma forma geral, as finalidades das penas no sistema jurídico brasileiro. No que diz
respeito
à execução
penal,
revela-se
um
caráter
mais
próximo
da
prevenção
especial,
ou seja,
comfoconoindivíduopreso.
Nesse sentido, a prevenção especial positiva configura um instrumento garantidor e
democrático
para
que
o Estado
possa
intervir
na
execução
da pena,
fornecendo
determinadas
assistências ao preso, com o objetivo de efetivar a ressocialização.
De
acordo
com
Rosetto
(2014,
p.
81),
“a
legislação
brasileira
concebeu
o tratamento
penitenciário
como
auxílio, não
comoumprocessoautoritário”.
Face
ao
exposto,
muito
embora
não
se
possa olvidar
que
a pena
possui,
na
legislação
brasileira,
finalidade
de punição
(retribuição)
e servir
como
exemplo
social
(prevenção
geral),
a ressocialização possui papel fundamental na execução penal, de forma que a prevenção
especial
positiva
possui
maior
destaque
durante
o cumprimento
da
sanção
penal
privativa de
liberdade.
25
26
3OSDESAFIOSDARESSOCIALIZAÇÃODALEI7.210/84
Após
o estudo
da
ressocialização
na
Lei
7.210/84
e das
teorias
da
pena
aplicáveis
ao
ordenamento jurídico brasileiro, será investigado no presente capítulo, num primeiro
momento, a efetividade do objetivo ressocializador como pretendido pela Lei de
Execução
Penal, a partir das mais recentes pesquisas realizadas no âmbito
nacional
sobre
o índice
de
reincidência.
Em
seguida,
será
realizada
uma
análise
sobre
os
impactos
da precariedade
do
sistema
prisional no alcance do objetivo ressocializador, com base na possibilidade ou não de
efetivação das garantias previstas na Lei de Execução Penal, nesse contexto de
desestruturação.
3.1Aressocializaçãoemnúmeros:dadosrelativosàreincidênciacriminalnoBrasil
Durante a primeira
parte
deste
trabalho,
foi
ressaltado
como
a ressocialização
é vista
como um objetivo a ser perseguido durante o cumprimento da pena. Nesse sentido, faz-se
necessário analisar o índice de eficácia do sistema prisional brasileiro, no tocante à
ressocialização.
Inicialmente, é importante destacar que não há um grande número de pesquisas
consistentes sobre o índice de reincidência criminal no Brasil. Não raro, os estudos
apresentam resultados bastante diversificados, dependendo do conceito de reincidência
adotado.
Segundo Julião (2009, p. 86-87), a reincidência criminal pode ser conceituada de
quatro
formas.
A primeira
seria
a reincidência
genérica,
sendo
entendida
como
a forma
mais
popular
do
termo,
pois
independe
de
conceitos
técnicos
ou
jurídicos.
Assim,
a prática
de um
novo
ato
criminoso
já
configuraria
a reincidência, independentemente de
condenação
judicial
dasduasinfrações.
O
segundo
conceito
seria
o da
reincidência
legal,
que
considera
os
requisitos
jurídicos
previstos
na
legislação.
Dessa
forma, somente
seria
reincidente o indivíduo
que
praticasse
um
novo delito, após o trânsito em julgado do crime anterior. É válido ressaltar que para a
configuração da reincidência legal, não deve ter
transcorrido
mais
de
5 anos
entre
o fim
do
cumprimento da pena anterior e a prática do novo
crime.
A reincidência
legal
está
prevista
nosart.63e64,doCódigoPenal.
27
A reincidência penitenciária constitui a terceira forma proposta por Julião, sendo
considerada
o reingresso
do
indivíduo
ao
sistema
penitenciário, após o trânsito
em
julgado de
nova condenação criminal. Nesse sentido, este conceito “não considera o percentual de
sentenciados
que,
uma
vez
cumprido
certo
estágio
da
pena,
tenham
obtido
a liberdade
civil
e
não
mais
retornado
ao
sistema
penitenciário”
(JULIÃO,
2009, p.
85).
Dessa
forma,
apenas os
indivíduos que estão, no momento de aferição da pesquisa, em estabelecimentos
penitenciáriossãocontabilizados.
Por fim, o quarto conceito é o da reincidência criminal, que ocorre com uma nova
condenação transitada em julgado, independente da aplicação da pena de prisão. Esse
conceito é bastante similar ao legal, mas diferencia-se por não possuir limitação temporal
parasuaconfiguração,ouseja,oprazode5anos.
Ressalte-se que os conceitos sugeridos por Julião são apontados no Relatório de
Pesquisa sobre a reincidência criminal no Brasil, elaborado pelo Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas (IPEA), em 2015,
a partir
de
acordo
de
cooperação
com
o Conselho
NacionaldeJustiça(CNJ).
Na
pesquisa,
o IPEA
utilizou
o conceito
legal
de
reincidência
como base,
justificando
que
a “reincidência
legal
atêm-se
ao parâmetro
de
que
ninguém pode
ser
considerado
culpado
de nenhum delito, a não
ser
que
tenha
sido
processado
criminalmente
e,
após
o julgamento,
sejasentenciadaaculpa,devidamentecomprovada”(IPEA,2015,p.9).
O
relatório
foi
elaborado
considerando
dados
fornecidos
por
Tribunais
de
Justiça
de
5
estados, Alagoas, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná e Rio de Janeiro. Nesse sentido,
procedeu-se a análise no aspecto quantitativo, ou seja, a porcentagem de indivíduos que
voltaram
a ser
condenados
por
novos
delitos,
dentro
do
estabelecido
pelos
artigos
63
e 64 do
CódigoPenal.
Como recorte para a pesquisa, foram analisados processos criminais baixados no
sistema de justiça no ano de 2006, com indivíduos que
cumpriram
a sua
pena.
O índice
de
reincidência foi medido a partir dessa amostra. Posteriormente, foi investigado se,
entre
os
anos
de
2006 e 2011,
existia
uma nova
condenação
(com
trânsito
em
julgado),
em
relação
aos
indivíduoscomprocessosencerradosem2006(IPEA,2015,p.17).
Além
disso,
a pesquisa
também
trouxe
uma
análise
qualitativa,
buscando
investigar
a
percepção
dos
diferentes sujeitos envolvidos
na
execução
penal
acerca
da
reintegração social,
na realidade político-institucional. No que diz respeito a este
ponto,
analisar-se-á
a questão
mais à frente
neste
trabalho,
sendo
abordado,
inicialmente,
apenas
o aspecto
quantitativo
da
pesquisa.
28
Segundo o relatório, no que diz respeito ao índice de reincidência criminal, foram
constatadas 199 reincidências de 817 processos analisados, sendo calculado a taxa de
reincidência,pelamédiaponderada,em24,4%(IPEA,2015,p.22e23).
Também foi constatado que a faixa etária predominante entre os sujeitos
analisados
era 18 a 24 anos, sendo 42,2% dos casos
e,
dentre
estes,
34,7%
eram
reincidentes
e 44,6%
nãoeramreincidentes(IPEA,2015,p.23).
Outro aspecto relevante destacado pela
pesquisa
foi
a investigação
sobre
o conteúdo
das decisões judiciais definitivas aplicadas aos reincidentes, separando conforme a
modalidade da pena aplicada: privativa de liberdade, restritiva de direitos e multa. Nesse
sentido, também foram considerados os indivíduos que estavam sob sursis processual8
(suspensãocondicionaldoprocesso).
Dessa forma, foi constatado que mais de 75%, envolvendo o universo total da
pesquisa, foram condenados a penas privativas de liberdade e 8,9% a penas restritivas de
direitos. Considerando a porcentagem entre reincidentes, 89,3% foram condenados a penas
privativasdeliberdadee6,6%apenasalternativas(IPEA,2015,p.30).
Uma
outra
pesquisa
relevante
para
analisar
os
números
da
reincidência
no
Brasil
foi
a
do
Conselho
Nacional
de
Justiça,
publicada
em
2019.
No
relatório
“Reentradas
e reiterações
infracionais: um olhar sobre os sistemas socioeducativo e prisional brasileiro”, foram
analisados
dados
relativos
a todos os
estados
da
federação,
exceto
Rio
de
Janeiro,
Rio
Grande
do Sul, Pará e Sergipe. Estes últimos não foram incluídos por ausência de dados, não
enviadospelosrespectivosTribunaisdeJustiça.
Nesse sentido,
verifica-se
que
a abrangência
territorial
da
pesquisa
do
CNJ,
de
2019,
foi
maior
do
que
aquela realizada
pelo
IPEA,
considerando
que
nesta
última
apenas
5 estados
tiveram
os
dados
analisados.
Além
disso,
a pesquisa
do
CNJ
é mais
recente,
sendo
estudados
processos
judiciais
relativos
aos
anos
de
2015
a 2019,
nos
quais
foram
investigadas “82.063
execuções
penais
baixadas
ou
julgadas
em
2015,
sendo
analisada
sua
trajetória
até
dezembro
de2019”(BRASIL,2019,p.49).
É
válido
ressaltar
que
a metodologia
da
pesquisa
desse
relatório
adotou
uma
definição
de
reincidência
diferente
daquela
adotada
pelo
IPEA, pois
considerou
como
reentrada
o início
de um novo processo criminal no sistema de justiça, ou seja, não utilizou o conceito de
8
Art.
89,
da
Lei
9.099/95: Art.
89. Nos
crimes em
que
a pena mínima cominada for
igual ou
inferior a um
ano,
abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia,
poderá
propor a suspensão do
processo, por
dois
a quatro
anos, desde que o acusado não esteja
sendo processado ou
não tenha
sido condenado
poroutrocrime,presentesosdemaisrequisitosqueautorizariamasuspensãocondicionaldapena.
29
reincidência
legal.
A justificativa
para
a adoção
desse
critério
se
deu
pela
natureza
dos
“dados
utilizados,extraídosdobancodedadosdaReplicaçãoNacional”(BRASIL,2019,p.50).
No relatório do CNJ, foram realizadas duas extrações referentes aos processos
investigados. A primeira considerou os processos
que
tinham
sido
extintos
no
ano
de
2015,
por
cumprimento
da
pena,
anistia,
graça
ou
indulto.
Num
segundo
momento,
foram
extraídos
processoscriminaisiniciadosapartirde2016até2019.
Dessa forma, foi constatado que “no mínimo, 42,5% das pessoas com processos
registrados
nos
Tribunais
de
Justiça
em
2015
de
todo
o Brasil
reentraram
no
Poder
Judiciário
atédezembrode2019”(BRASIL,2019,p.52).
Os
números
apresentados
pelo
relatório
de
pesquisa
do
CNJ
são
bem
mais
expressivos
do
que
aqueles
apontados
pelo
IPEA,
no
entanto,
o documento
reconhece
que
essa
diferença,
possivelmente, ocorreu em função das distintas metodologias utilizadas. Isso porque, não
apenas o conceito de reincidência utilizado nas pesquisas foi divergente, mas também a
amplitudeterritorial.
Como
dito
inicialmente,
o Brasil
ainda
carece
de
dados
mais
consistentes
relativos
ao
índice de
reincidência
criminal.
Foram
utilizadas
as
pesquisas
do
IPEA
e do
CNJ
por
serem
mais recentes e pela confiabilidade das duas instituições responsáveis. No
entanto,
existem
certasconsideraçõesquepodemserfeitasàsduaspesquisas.
No
que
diz
respeito
à pesquisa
do
IPEA,
a utilização
dos
dados
relativos
a 5 estados,
não parece ser suficiente para dar uma abrangência nacional à pesquisa, considerando que
excluiu a maior parte do território brasileiro, que possui situações bem particulares,
dependendodoestado,quantoàrealidadedosistemaprisional.
Já a pesquisa
do
CNJ
abrange
a maior
parte
do
território
brasileiro,
sendo
analisados
processos referentes a quase
todos
os
estados,
excluindo
apenas
Rio
de
Janeiro,
Rio
Grande
do
Sul,
Pará
e Sergipe.
Todavia,
o conceito
de
reincidência
adotado
pela
pesquisa
é passível
de críticas, principalmente para pesquisas jurídicas.
O conceito
de
reincidência
legal
parece
ser o mais adequado para um estudo da reincidência
a partir
do
ordenamento
jurídico,
pois
considera
os
dizeres
do
art.
63
e 64
do
Código
Penal.
Além
disso,
considerar
a reincidência
a
partir de um processo sem o seu trânsito em julgado, afronta a Constituição Federal,
precisamente
em
seu
art.
5,
inciso
VII,
que
dispõe:
“n inguém
será
considerado
culpado
até
o
trânsitoemjulgadodesentençapenalcondenatória”.
Apesar das críticas metodológicas que podem ser feitas às pesquisas citadas (o que
não é algo raro no universo de pesquisas científicas), ambas foram realizadas de forma
bastante organizada e, como dito anteriormente, gozam de credibilidade, tendo em vista
as
30
9
Disponível em:
www.camara.leg.br/noticias/507945-quatro-cpis-ja-investigaram-o-sistema-penitenciario-brasileiro/#:~:text=A
%20C%C3%A2mara%20j%C3%A1%20teve%2C%20nos,e%20a%20%C3%BAltima%20em%202015. Acesso
nodia21demarçode2020.
31
onda
de
ataques
da
facção
criminosa
Primeiro
Comando
da
Capital
(PCC),
em
São
Paulo, no
ano
de
2006.
Por
fim,
a CPI
de 2015,
mais
recente,
teve
como
motivação
principal
a rebelião
ocorridanoComplexoPrisionaldoCuradoemRecife-PE,noanode2015.
Dessa forma, constata-se que há décadas o poder legislativo federal, por meio da
Câmara dos Deputados, vem averiguando a situação precária do sistema prisional. Essa
situação é verificada
não
apenas
pela
continuidade
de
CPIs,
ao
longo
dos
anos,
interessadas
em analisar a situação dos estabelecimentos, mas principalmente pelas motivações que
originaram
essas
CPIs.
Exceto a CPI de
1976,
todas
as
Comissões
Parlamentares
de
Inquérito
instauradas na Câmara dos Deputados, com o objetivo de investigar as condições
penitenciárias,tiveramcomoprecedenteumarebelião.
Nesse sentido, os estabelecimentos onde aconteceram as rebeliões citadas
encontravam-se em situações degradantes. Todos estavam com número de presos
acima
da
suacapacidade.
Conforme apontou o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(2000), sobre o caso
do
“Massacre
do
Carandiru”,
o pavilhão
do
presídio
onde
teve
início
a
rebelião(Pavilhão9)estavafuncionandocommaisdoqueodobrodasuacapacidade.
Já
a onda
de
ataques
em
São
Paulo,
que
ocorreu
em
2006,
não
teve
um
único presídio
como alvo. As rebeliões ocorreram em 74 penitenciárias do estado após a transferência
de
765
presos
para
a penitenciária
2 de
Presidente
Venceslau,
unidade
de
segurança
máxima.
A
transferência foi realizada após ter sido descoberto que as facções criminosas iriam iniciar
umarebeliãonodiadasmães(CRUZ,2016).
Segundo
o estudo
“São
Paulo
sob
achaque:
Corrupção,
Crime
Organizado
e Violência
Institucional em Maio de 2006”, produzido
pela
Clínica
Internacional
de
Direitos
Humanos
da Faculdade de Direito de Harvard e pela Justiça Global, os
ataques
foram
o resultado
de
uma política penitenciária ineficaz, com a superlotação condicionando os presos a uma
situaçãodegradante(J USTIÇAGLOBALeIHRC,2011).
Os ataques de maio de
2006 evidenciaram que
o poder
público não
tinha controle
dos presídios paulistas. A falta de controle administrativo sobre os presídios já
vinha sendo evidenciada pela incapacidade de
propiciar aos
presos
um tratamento
que não fosse desumano e degradante e de oferecer-lhes caminhos como egresso
após o cumprimento da pena. As condições dos presídios paulistas, apesar da
construção e reforma de
pelo
menos
56 unidades prisionais nos
dez
anos anteriores
e
do excepcional aumento de
vagas
no sistema, ainda estavam longe de conferir um
tratamento digno à massa carcerária,
sobretudo pelo excesso de
internos decorrente
da
frequência de
prisões provisórias e da elevada taxa de
encarceramento dos presos
submetidosaoregimefechado.
32
Também foi constatado que o Complexo Prisional do Curado, em Pernambuco,
também estava em situação precária na época da rebelião de 2015. Nesse sentido, a
Resolução
da
Corte
Interamericana
de
Direitos
Humanos
de
23
de
novembro
de
2016
relatou
uma série de problemáticas em visita a uma das unidades do complexo, o Presídio Juiz
AntônioLuisLinsdeBarros:
Não havia separação entre internos condenados e detidos provisoriamente,
tampouco áreas diferentes para pessoas idosas, LGBT e aqueles em
cumprimento de
medida de segurança. Não havia acessibilidade para pessoas com deficiência. As
condições de vida nos dois pavilhões visitados eram degradantes e desumanas.
Ambas as instalações apresentavam extrema superlotação, estruturas físicas
deterioradas, com construções irregulares feitas pelos próprios presos. O
cabeamento elétrico estava exposto, com muitos aparatos elétricos (TVs e
ventiladores) conectados e funcionando. Não havia camas e colchões suficientes e a
Administração não fornece uniformes, calçados, roupas de cama, toalhas, material
de
higiene
e de
limpeza individualizados. Quando chove, há goteiras e infiltrações
nos pavilhões. Os espaços eram muito reduzidos e os internos dormiam em
condições de superlotação, sem condições mínimas de higiene. Não havia
ventilação adequada ou entrada de
sol
suficiente, portanto os maus cheiros e o calor
nos pavilhões são muito intensos. Há poucos extintores de incêndio. O risco à
integridade pessoal e à vida dos
detidos
e dos
poucos funcionários era iminente. A
presença de ‘chaveiros’, com a função de “manter a ordem” nos pavilhões,
continuavasendohabitual.(CIDH,2016,p.2-3)
Dessa forma, verifica-se que
a precariedade
do
sistema
prisional
costuma
ter
relação
com
as
rebeliões
que
ocorrem
nos
presídios
brasileiros.
Essa
desestruturação
do
sistema
tem
como
fator
preponderante
a superlotação,
que
proporciona
um
ambiente
de
caos
e desrespeito
aosdireitoshumanos.
Nesse contexto, há uma clara ruptura com os valores humanitários, os quais o
ordenamento
jurídico
brasileiro
tem
como
base,
no
que
diz
respeito ao
tratamento
de
pessoas
presas.
Inclusive,
a primeira
regra
da
Resolução
70/175
das Organizações
das
Nações
Unidas,
quedispõesobreotratamentodepresos,afirma:
Todos os presos devem ser tratados com respeito, devido a seu valor e dignidade
inerentes ao ser humano. Nenhum preso deverá ser submetido a tortura ou
tratamentos ou sanções cruéis,
desumanos ou degradantes e deverá ser
protegido de
tais
atos,
não sendo estes
justificáveis em
qualquer circunstância. A segurança dos
presos, dos servidores prisionais, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve
sersempreassegurada(BRASIL,2016,p.21).
A partir
da
análise
dos
casos da
Casa
de
Detenção
de
São
Paulo
(Carandiru)
em
1992,
da
rebelião
em
74
penitenciárias
no
estado de
São
Paulo
em
2006
e do
Complexo Prisional do
Curado no Pernambuco em 2015, o Brasil ainda está longe de cumprir as diretrizes das
NaçõesUnidasnoquedizrespeitoaotratamentodeindivíduospresos.
33
Inclusive, o próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu que a situação dos
presídios no Brasil é precária, naquilo que foi chamado de “estado de coisas
inconstitucional”10. Esse entendimento foi proferido no julgamento da Medida Cautelar da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, apresentada pelo
PartidoSocialismoeLiberdade-PSOL(BRASIL,2015,p.8).
Segundo
o relator
da
ADPF,
Ministro
Marco
Aurélio,
a situação
dos
estabelecimentos
prisionaisedasdelegaciasquantoàscondiçõesfornecidasaospresosédegradanteeindigna:
Diante de tais relatos, a conclusão deve ser
única: no sistema prisional brasileiro,
ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à
dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação carcerária e a
precariedade das
instalações das delegacias e presídios, mais do que
inobservância,
pelo Estado, da
ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante,
ultrajante e indigno a pessoas que se
encontram sob custódia. As penas privativas de
liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas.
Os presos tornam-se “lixo digno do pior tratamento possível”, sendo-lhes negado
todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre. Daí o acerto
do
Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na comparação com as “masmorras
medievais”.(BRASIL,2015,p.25)
Nesse sentido, a Medida Cautelar foi deferida pelo Supremo Tribunal Federal para
acelerar o andamento das audiências de custódia em todo o país e determinar que
a União
faça os repasses aos estados quanto ao saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional
(FUNPEN), sendo impedida de realizar novos contingenciamentos. O mérito
da
ação
ainda
nãofoijulgado.
Em 2019, analisando o Processo
de
Auditoria
018.047/2018-1,
o Tribunal
de
Contas
da União constatou que entre setembro de 2016 e setembro de 2018, apenas 5,3% dos
recursos
do
FUNPEN
foram
utilizados
para
a criação
de
novas
vagas
no
sistema
penitenciário
(BRASIL, 2019, p. 23)11. O procedimento foi aberto com o objetivo de verificar se a
utilização dos valores repassados estava condizente com os fundamentos que levaram à
obrigatoriedade dos repasses, conforme disposto na
ADPF
347.
Além
disso,
também
foram
constatados outros problemas como deficiências no planejamento do fundo e a
impossibilidadefinanceiradofundodesupriracarênciadosistemapenitenciário.
10
O estado de
coisas
inconstitucional é um instituto
jurídico que
surgiu na
Colômbia em
1997, num julgamento
sobre direitos
previdenciários de
professores. Trata-se
de
um
“mecanismo procedimental no qual
a Corte assenta
existir um
quadro de
violação
massiva e sistemáticas de
direitos
fundamentais, de
determinados grupos sociais,
decorrentes de falhas estruturais, notadamente por omissões sistêmicas e persistentes dos Poderes Públicos,
onde a superação desse quadro só é possível mediante um conjunto integrado
de
ações
envolvendo todos
os
agentesqueatuamnaconsecuçãododireitofundamentalviolado”(COUTINHO,2020,p.21).
11
Dez Unidades Federativas foram abrangidas pelo estudo, sendo elas: Bahia, Ceará, Minas Gerais, Mato
GrossodoSul,Pará,Pernambuco,Piauí,Paraná,RioGrandedoSuleSantaCatarina.
34
Quanto
às
audiências
de
custódia,
dados
do
Sistema
de
Informação
do
Departamento
Penitenciário
Nacional
(SISDEPEN),
de
janeiro
a junho
de
2020,
informam
que
30,15%
dos
presos são provisórios, ou seja, ainda não foram efetivamente condenados. O SISDEPEN
também informa que o déficit da população carcerária é alto, com 231.768 vagas faltantes
parasupriranecessidade,deacordocomonúmerodepresos.
Dessa
forma, pode-se
constatar
que
a declaração
do
estado
de
coisas
inconstitucionais,
realizada
no
julgamento
da Medida
Cautelar
da
ADPF
347,
não foi
suficiente
para
melhorar
a
realidadedosistemapenitenciárionacionalqueaindapossuiproblemascomoasuperlotação.
Com
a precariedade
do
sistema
prisional,
o alcance
do
objetivo
ressocializador,
como
previsto pela 7.210/84, fica distante. Isso porque não há assistência para que os presos
possam tornar-se
egressos
reintegrados
ao
convívio
social.
Assim,
a Lei
de
Execução
Penal,
quando confrontada com a realidade
dos
presídios,
não
possui
total
efetividade,
pelo
menos
quantoàsassistênciasquedevemserfornecidasaoapenado.
Ao
comentar
sobre
a realidade
prisional
em
comparação
com
as
disposições
legais na
execuçãopenal,Nucci(2020,p.2)afirma:
Argumenta-se que a prisão é uma escola do crime, ou seja, a pena privativa de
liberdade não presta e está falida. Dispensando-se a lei, valendo-se somente da
prática, a assertiva está
correta. Mas não
há
cabimento em sustentar um erro
crasso,
vale dizer, o descumprimento da
lei.
Se
esta
fosse
cumprida fielmente, com
muita
probabilidade,apenanãoestariafalida.
Para Bitencourt (2011, p. 162-163), o fracasso do objetivo ressocializador nos
presídios pode ser analisado a partir de duas perspectivas. A primeira considera que não é
possível
ressocializar
indivíduos
com
base
numa
estrutura
antissocial
como os
presídios, nos
quais
“a
antítese
com
a comunidade
livre,
converte-se
em
meio
artificial,
antinatural,
que
não
permite realizar nenhum trabalho
ressocializador
sobre
o recluso”
(BITENCOURT,
2011,
p.
162). Numa segunda perspectiva, o fracasso ocorre em função das condições
inóspitas
que
grande parte dos presídios fornecem, “tornando inalcançável o objetivo reabilitador”
(BITENCOURT,2011,p.163).
Buscando analisar a problemática
do
sistema
prisional,
o IPEA,
ao
pesquisar
sobre
a
reincidência criminal no Brasil, realizou um estudo qualitativo dedicado a entender a
percepção que os agentes participantes do processo de execução penal possuem sobre a
ressocializaçãonaestruturapolítico-institucional.
Nesse sentido, os pesquisadores do instituto realizaram, no ano de 2013, visitas a
estabelecimentos prisionais de três estados, que não tiveram seus nomes especificados. No
35
relatório, os estabelecimentos foram divididos apenas como caso A, B
e C.
Além
disso,
os
participantes da pesquisa (secretários de administração penitenciária, diretores de
estabelecimentos prisionais, agentes penitenciários, profissionais de educação, assistentes
sociais,presos,etc.)nãotiveramseusnomesdivulgados.
Com
base
nas
entrevistas
de agentes
da
administração
penitenciária,
incluindo
aqueles
que
trabalhavam
com
educação
e assistência
social,
no
Caso A, a percepção geral obtida
foi
a
de que,
para
os
entrevistados,
não
seriam
todos
os
presos
que
teriam
interesse
em
cumprir
a
pena e se reintegrar à sociedade. No entanto,
para
aqueles
que
estavam
dispostos,
o Estado
nãoforneciaascondiçõesnecessárias(IPEA,2015,p.86):
O
Estado e a sociedade veem a prisão
como fim,
não
como meio.
Se
a prisão
fosse
vista como meio de ressocialização, nossas condições seriam bem melhores. O
Estado avalia que
está
mais
seguro quando tem muita
gente presa.
Isso
é segurança
pública? É muito pior,
porque essa gente
toda vai
sair.
É um
conjunto de iniciativas
que garante a ressocialização. E, pelo que a gente percebe, o Estado não tem
interessenessesentido(Profissionaldaequipedeassistênciasocial).
No que diz respeito a efetividade da ressocialização, na percepção
dos
funcionários
que
atuavam
na
execução
penal,
no
Caso
A,
o vício
e o tráfico
de
drogas
eram
os
principais
motivos que levavam os indivíduos a reincidir (IPEA, 2015, p. 89).
Esse
entendimento
era
compartilhadopelojuizdavaradeexecuçãopenal:
A motivação para reincidir, lamentavelmente, é o uso
da
droga.
Eu entendo que
o
que está enchendo os presídios são
essas pessoas que praticam roubos. Parece-me
que já
é mais
de
80% da
população carcerária. Hoje em dia
quem comete roubos é
por conta de drogas, para manter o vício. O viciado ou morre
ou
acaba voltando
(Juizdeexecuçãopenal)(IPEA,2015,p.90).
Por sua vez, no Caso B, os funcionários da administração penitenciária apontaram,
além da falta de políticas públicas específicas, o estigma como um dos
fatores
prejudiciais
paraaressocialização:
Muitas vezes, o indivíduo vem para o sistema prisional, ele cometeu um
erro,
vai
cumprir uma pena que foi determinada por um período. Como eu vou ser
recolocado na
sociedade se ela não o aceita? Então o preso pode ser
ressocializado?
Pode, mas para que ele
não volte ao sistema prisional tem que ter
oportunidades lá
fora.
Em todos os
lugares que hoje um ex-detento chegar lá fora para
conseguir um
emprego, ele não vai conseguir. Se ele não sair daqui encaminhado para uma
instituição que tenha uma parceria com o governo, ele não consegue serviço. A
sociedade não está preparada para receber um ex-detento (Agente penitenciário da
unidadecomum)(IPEA,2015,p.91).
36
A noção de que o estigma e a falta de oportunidades na realidade
“pós-pena”
eram
fatores
que
corroboram
para
a ineficácia
da
ressocialização,
também
estava
presente
entre os
entrevistadosdoCasoC(IPEA,2015,p.99).
Quanto
aos
presos,
a percepção
obtida
foi
a de
que
faltam
oportunidades
e condições
adequadas nos estabelecimentos prisionais para
os
indivíduos
que
buscam
uma
mudança
de
vida.Paraeles,ospresídiosnãoofereciamcondiçõesparaefetivararessocialização:
Falta muita oportunidade dentro do sistema prisional (...).
Falta muita coisa
para
a
pessoa virar um reeducando mesmo, voltar para a sociedade recuperado. Falta
muito
mesmo: é superlotação, falta mais espaço para o preso, falta uma assistência social
ao preso, um lazer, um trabalho, um tratamento adequado para o preso.
Principalmente a Casa de Custódia, tratam muito mal (...).
Falta agente preparado
para reeducar os
presos. Aqui tem muito agente que não está ali
para reeducar. Está
ali
para maltratar e criar
um monstro ali
dentro (Condenado do
regime semiaberto)
(IPEA,2015,p.105).
Com
base
nisso, constata-se
que
o sistema
prisional
brasileiro
não
está
sendo
capaz de
garantir as condições necessárias para a obtenção da ressocialização dos presos. Nesse
sentido, o Estado vem deixando de cumprir com sua função legal de garantir a assistência
necessáriaparaareintegraçãosocialdosapenados.
As reclamações e discursos obtidos na pesquisa qualitativa realizada pelo
IPEA
são
compatíveis com os
inúmeros
casos
de
abandono
do
poder
público
com
o sistema
prisional.
Pode-se citar como exemplo os relatórios já indicados nesse trabalho, que apontaram as
péssimas condições dos presídios onde ocorreram as rebeliões de 1992 (Carandiru), 2006
(nas 74 penitenciárias de São Paulo) e 2015 (no Complexo Prisional do Curado em
Pernambuco).
É válido ressaltar que não se está atribuindo toda a responsabilidade da
ressocialização
sobre
o Estado.
O preso
também
deve
contribuir
e participar
voluntariamente
desse processo. A própria Lei de Execução Penal dispõe sobre
os
deveres
do
preso
em
seu
artigo39:
Art.39.Constituemdeveresdocondenado:
I-comportamentodisciplinadoecumprimentofieldasentença;
II - obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva
relacionar-se;
III-urbanidadeerespeitonotratocomosdemaiscondenados;
IV - conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de
subversãoàordemouàdisciplina;
V-execuçãodotrabalho,dastarefasedasordensrecebidas;
VI-submissãoàsançãodisciplinarimposta;
VII-indenizaçãoàvitimaouaosseussucessores;
VIII - indenização ao Estado,
quando possível, das
despesas
realizadas
com a sua
manutenção,mediantedescontoproporcionaldaremuneraçãodotrabalho;
IX-higienepessoaleasseiodacelaoualojamento;
37
X-conservaçãodosobjetosdeusopessoal.
O que é ressaltado, a partir dos casos apontados, é que
o Estado
brasileiro
não
vem
cumprindo com seu dever legal de incentivar
uma
política
de
ressocialização
nos
presídios,
notadamente, pelas condições insalubres dos estabelecimentos e a falta de assistências
material, educacional, saúde, jurídica e social, para todos aqueles que busquem a
ressocialização.
No que diz respeito à obrigação estatal de efetivar políticas de
assistência
ao
preso,
comomecanismoparaaressocialização,Mirabete(2002,p.61)afirma:
Se a reabilitação social constitui a finalidade precípua do sistema de execução
penal, é evidente que os presos devem ter direitos aos serviços que possibilitem,
serviços de assistência que, para isso,
devem ser-lhes obrigatoriamente oferecidos,
como dever do Estado. É manifesta a importância de se promover e facilitar a
reinserção social do
condenado, respeitadas suas particularidades de
personalidade,
não só com a utilização, tanto
quanto seja
possível, de
todos
os
meios que possam
auxiliarnessatarefa.
Dessa
forma,
os
caminhos
para
efetivação
da
ressocialização parecem
passar
por
uma
reestruturação do sistema prisional que possibilite acesso às condições necessárias para o
fornecimento das assistências previstas no art. 11, da Lei 7.210/84. Destaque-se que essa
obrigação passa pela União e pelos Estados, considerando a divisão de competências da
ConstituiçãoFederal12.
Como
foi
relatado
na
pesquisa
qualitativa
do
IPEA, a percepção
geral
de
funcionários
da administração penitenciária e dos presos é a de que o estigma social impacta na
efetividade
da
ressocialização.
Nesse
sentido,
no
próximo
capítulo
será
analisada
a teoria
da
labelling approach e os efeitos da estigmatização para o sistema prisional e para a
reintegraçãosocialdopreso.
12
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito
tributário,financeiro,p enitenciário,econômicoeurbanístico(Grifosnosso)
38
4OESTIGMAEALEIDEEXECUÇÃOPENAL
A estigmatização pode
ser
considerada
um
dos
grandes
problemas
para
a efetividade
da
ressocialização.
Mesmo
aqueles
que
cumprem
a pena e saem
do
cárcere
com
o objetivo
de
não
reincidir
encontram
problemas
em
serem
aceitos
pela
sociedade,
seja
no
que
diz
respeito
aoacolhimentonomercadodetrabalho,sejanomeroconvíviosocial.
Com base nisso, neste capítulo será analisada a teoria
da
labelling
approach, com
o
objetivo de estudar a estigmatização como possível processo auxiliador do aumento da
criminalidade
secundária,
ou
seja,
da
reincidência.
A partir
dessa
análise,
serão
apresentadas
algumas
disposições
da
Lei
de
Execução
Penal
que
buscam
diminuir
ou
evitar
o estigma
sob
egressosdosistemaprisional.
Por
fim,
será
estudado
o grau de
importância
da
participação
comunitária
no
processo
de desconstrução do estigma de delinquente, geralmente atribuído aos indivíduos que
acabaramdecumprirpenaprivativadeliberdade.
4.1Ateoriadalabellingapproacheosestudossobreacriminalidadesecundária
A
Criminologia
é a ciência
responsável
pelo
estudo
do
fato
criminoso,
a partir
de
uma
perspectiva
mais
ampla
do
que
a conferida
pela
doutrina
legal.
Se
para a lei
o fato criminoso
pode ser definido com base num padrão normativo, no qual a conduta praticada é ou não
compatível,
para
a Criminologia
importa
saber
os
motivos
que
levaram
o agente
a prática
do
crime,
a explicação
da
escolha
do
tipo
penal,
a forma
como
o delito
impacta
a sociedade
e o
estudodocomportamentodavítima.
Nessesentido,Shecaira(2013,p.35)conceituaaCriminologiacomo:
um nome genérico designado a um grupo de
temas
estreitamente ligados: o estudo e
a
explicação da
infração legal;
os meios formais
e informais de
que
a sociedade se
utiliza para lidar com
o crime
e com atos
desviantes; a natureza das
posturas com
que as vítimas desses crimes serão atendidas pela sociedade; e, por derradeiro, o
enfoquesobreoautordessesfatosdesviantes.
Dessa
forma,
o estudo
criminológico
possui
um
enfoque
diverso
daquele
destinado
à
análise jurídica, pois apresenta uma vertente mais próxima da sociologia, considerando o
crimecomofatosocial.SegundoCastro(2001,p.242):
além de um approach valorativo da d elinquência, tanto o crime quanto o
comportamento delituoso podem ser estudados enquanto fato social. É o
39
procedimento da Criminologia que objetiva também descobrir as causas que o
motivameanalisarascircunstânciasemqueeleocorre.
A partir
disso,
o autor conceitua
a Criminologia como
“estudo
científico do
crime
e do
comportamento delituoso enquanto fato
social,
visando
identificar-lhes
causas
e analisar-lhe
circunstâncias”(CASTRO,2001,p.243).
Devido ao fato da Criminologia estudar os fatores sociais que envolvem a prática
delituosa e outros objetos já apontados, existe uma grande quantidade de teorias e escolas
criminológicasqueabordamdiferentesaspectosdestaciência.
Para
fins
de
estudo
da
reincidência
criminal,
uma
teoria em
especial chama
a atenção,
a labelling approach. Essa teoria, também chamada de teoria da rotulação social ou
etiquetamento social, tem como
foco
a influência
do
estigma
no
processo
de
criminalização
doindivíduo,principalmente,acriminalidadesecundária.
A
labelling
approach
surgiu
na
década
de
1960,
nos
Estados
Unidos.
Seu
surgimento
foi fortemente influenciado pelos movimentos de contestação social que ganharam força
naqueleperíodo.SegundoShecaira(2013,p.238):
Essa década é marcada por um culto “científico” às
drogas,
pelo psicodelismo do
rock and roll, por uma enfática resistência pacifista à Guerra do
Vietnã,
por uma
campanha abrangente por
direitos civis,
pela
luta
de
minorias negras, pelo
fim das
discriminações sexuais, pelo despertar da consciência estudantil que passa a
conhecer seu próprio poder, por transformações existenciais que permitem aos
jovens encontrarem seu próprio eu, enfim, por um fermento potencializador da
sociologiadoconflito.
Dessa
forma,
a labelling
approach
surge
como
resultado de
uma
série
de
movimentos
que
eram
destinados
a pensar
o coletivo e as
interações entre
os
indivíduos.
Nesse
contexto,
a
teoria
buscou
modificar
o enfoque
do estudo
criminológico
do
autor
e de
seus
motivos
para
a
realização do ato criminoso, para a influência dos mecanismos sociais de controle,
deslocando “o problema criminológico do plano da ação para o da reação” (SHECAIRA,
2013,p.251).
Para isso, os estudiosos do etiquetamento social buscaram, primeiro, entender os
conceitos de desvio e desviante. Aliada à ideia da importância de entender
os
movimentos
coletivos, a noção do desvio passou a ser considerada com base numa perspectiva social,
entendendo-sequealógicadesviantesóexisteenquantoregraimpostapelasociedade.
Assim, o criminoso (espécie
de
desviante)
não
representa,
segundo
o pensamento
da
rotulação
social,
um
mero
quantitativo
de
indivíduos
que
saíram da
curva
padrão,
ou
seja,
que
não
respeitaram
as
diretrizes
legais
impostas
pelo
Estado,
mas
o próprio tratamento
realizado
pelosórgãosdecontroledestinadoaosdesviantes.
40
Nesse sentido, Becker (1963) foi um dos primeiros autores a desenvolver estudos
sobre o desvio a partir da lógica interacionista, na qual a reação dos grupos sociais era
determinante
para
a conceituação
do
desviante,
considerando que
são
esses
grupos que
criam
asregrasqueirãoconstituirodesvio.
Em seu livro “Outsider: estudos de sociologia do desvio”13, o autor afirma que, do
ponto
de
vista
interacionista,
“o
desvio
não
é uma
qualidade do
ato
que
a pessoa
comete,
mas
uma consequência da aplicação por outros de regras e sanções a um infrator” (BECKER,
2009,p.22).Aindasegundooautor:
Se tomarmos como objeto de nossa atenção o comportamento que vem a ser
rotulado de
desviante, devemos reconhecer que não
podemos saber
se um
dado
ato
será categorizado como desviante até que a reação dos outros tenha ocorrido.
Desvio não é uma qualidade que reside no próprio comportamento, mas na
interação entre a pessoa
que
comete um
ato
e aquelas que
reagem a ele
(BECKER,
2009,p.27).
O sociólogo também destaca que a definição de um ato ser desviante ou não está
relacionada em como as outras pessoas irão reagir a ele, variando conforme certas
determinantessociais14 (BECKER,2009,p.25).
É válido ressaltar que os estudos de Becker, em Outsider, não são destinados à
criminologia,
sendo
um
estudo
sociológico.
No
entanto,
a proximidade
da
criminologia
com
a
sociologia,
conforme
já
ressaltado,
possibilitou
a utilização
de
conceitos
da
obra
nas
análises
criminológicas,especialmentenateoriadalabellingapproach.
O próprio autor em seu prefácio afirma que o desvio possui, em seu trabalho, uma
perspectiva
mais
ampla
do
que
a prática
criminosa,
considerando
que
nem
todos
desvios
são
oriundosderegraslegais(BECKER,2009,p.13).
No que diz respeito à labelling
approach, Prado
e Maíllo
(2019,
p.
348)
consideram
que a teoria possui dois enfoques principais. No primeiro, destacam que a existência do
desviante está intrinsecamente relacionada
com
a comunidade
e com
órgãos
de
justiça,
pois
são eles
que
irão
estabelecer
os
padrões de
tratamento
que
serão
responsáveis
pela
segregação
de
desviantes
e não
desviantes.
Dessa
forma,
“a
chave
para
que
algo
seja
delitivo
não
reside
13
A primeira publicação do
“Outsider:
estudos de
sociologia do
desvio”
ocorreu em 1963,
sendo lançada mais
duas versões complementares em 1991 e 1973. Nesta última, adicionou o capítulo 10,
“A
teoria da
rotulação
reconsiderada”.Em2005,fezumareformulaçãodoprefácio.
14
Becker fornece como exemplo a diferença de tratamento entre jovens de classe média e baixa, na
administração da
justiça, afirmando que jovens de classe média possuem menor probabilidade de
serem presos
e
irem a julgamento do
que
aqueles
de
renda inferior. Outro exemplo fornecido, foi
a distinção de
tratamento da
justiçaentrenegrosebrancos(BECKER,2009,p.25).
41
42
Dessa forma, a vivência em ambientes degradantes e de extrema violência,
aliada
à
união de presos para sobreviverem a esses ambientes, faz com que os presídios tornem-se
verdadeiras
“escolas
do
crime”,
no
qual
os
indivíduos
encontram
maior
facilidade
em
aceitar
seu“papelsocial”comocriminosos.
Nesse
sentido,
Porto
(2008,
p.
103)
argumenta
que
a falta
de
dignidade,
nos
presídios
brasileiros, tem constituído um fator de fermento à violência nesses estabelecimentos.
Exemplificando
a ideia
de
que
os
presídios
têm
servido
de
estímulo
à criminalidade,
o autor
abordaatemáticadasfacçõescriminosas:
Basta levar em
conta o crescimento das facções
criminosas nos
últimos anos, ainda
que se considere o rumo diferente de algumas estatísticas governamentais. E é
impressionante o poder de organização das facções, inclusive na comunicação
interna e externa, no seio da
comunidade criminosa a que atendem. Como exemplo,
alguns dos principais líderes do Primeiro Comando da Capital
(PCC) ingressaram
no
sistema sem
qualquer histórico
de criminalidade violenta. No
entanto, forçados a
adoção de posturas radicais depois
da
internação penitenciária, em
razão direta
da
tensão existente no sistema, hoje
comandam rebeliões, influenciam no dia-a-dia dos
detentos e de seus reféns, ditando o rumo de vidas, comandando mortes, com
execuçõesviolentasebizarras(PORTO,2008,p.103).
Muito embora tenha representado uma virada
importante
no
estudo
criminológico,
a
teoria da labelling approach sofreu algumas críticas após sua formulação. Prado e Maíllo
(2019,p.349)reúnemalgumasdessascríticas:
a)
Condutas que atentam gravemente contra bens
jurídicos fundamentais, como é o
caso do homicídio, o roubo em residências ou delitos contra a liberdade sexual,
entre outros, encontram-se proibidas sob a ameaça de pena em
todas
as
sociedades
conhecidas e são delitos em si
mesmos, independente da
reação que,
em
qualquer
caso,provoquem.
b) Em segundo lugar, existe uma evidência clara de que o fundamental na
persecução e prisão, no
caso de condutas (delitivas), tem a ver
principalmente com
características do fato - especialmente sua gravidade - , e não tanto com a
característicadapessoaqueopraticou.
c)
Finalmente, a evidência não apoia
a ideia de
que o etiquetamento de
uma pessoa
comodelinquenteafetadramaticamenteoconceitodesimesmo.
Outra crítica que pode ser elaborada à teoria, é a de que ao “deslocar o centro das
atenções da desviação primária para a desviação secundária, deixou em segundo plano as
causasprimeirasdacriminalidade”(SHECAIRA,2013,p.277).
Apesar das críticas, a teoria da
labelling
approach
apresentou
uma
nova
perspectiva
na
maneira
de
estudar
a Criminologia,
sobretudo,
no
que
diz
respeito
à reincidência
criminal.
Se por
um
lado
encontra deficiências
no
estudo
da
criminalidade
primária,
no
que
diz
respeito
à reincidência apresenta uma nova fundamentação importante, utilizando-se de conceitos e
43
estudos sociológicos para procurar desvendar os efeitos do estigma na criminalidade
secundária.
A referida teoria pode ser considerada importante no estudo da execução penal
brasileira, considerando que a Lei
7.210/84
buscou
evitar
a estigmatização
do
preso
a partir
decomandosnormativos.
4.2 Os dispositivos normativos da lei 7.210/84 que buscam evitar a estigmatização do
preso
Como foi analisado no primeiro capítulo deste trabalho, a finalidade punitiva está
presente
entre
as
funções
da
pena
no
direito
penal
brasileiro.
Muito
embora
o surgimento da
Lei
de
Execução
Penal
tenha reforçado
a importância
da
função
ressocializadora,
atualmente,
nãoépossívelafastarporcompletoocaráterpunitivodasançãopenal.
Existem autores que, inclusive, negam a função ressocializadora e atribuem a pena
privativa
de
liberdade
o caráter,
exclusivamente,
punitivo
e de
reforço
a valores
morais,
como
éocasodeReale(2012,p.55):
Contudo, a pena não é cominada com este objetivo, visando ao
fim da
reinserção
social do condenado, mesmo porque seria uma presunção hipócrita privar alguém
da
liberdade buscando beneficiá-lo, como se o delito
fosse
uma oportunidade que
o
delinquentedáparaqueoEstadoorecupere.
Não
obstante
as
diversas
posições
acerca
das pena15,
finalidades da a Lei
de
Execução
Penal não adotou expressamente nenhuma delas, mas preocupou-se em diminuir possíveis
efeitos nocivos do cárcere, a partir da lógica de que a pena privativa de liberdade faz-se
necessária, mas deve obedecer alguns regramentos para garantir os direitos individuais do
preso.
Dentre
os
efeitos
nocivos
do
cárcere
que
a Lei
de
Execução
Penal
buscou
coibir,
está
a estigmatização. Dessa forma, alguns artigos da Lei 7.210/84 resguardam a proteção aos
direitos do preso (art. 40 e 41),
para
que
este
seja
reconhecido,
ainda
que
no
cárcere,
como
umserhumano.
SegundoMirabete(2002,p.115):
Por estar privado de liberdade, o preso
encontra-se em
uma situação especial que
condiciona uma
limitação dos
direitos previstos na
Constituição Federal
e nas
leis,
mas isso não quer dizer que perde, além da liberdade, sua condição de pessoa
humanaeatitularidadedosdireitosnãoatingidospelacondenação.
15
ideCapítulo1.
V
44
Nesse
sentido,
a exposição
dos
motivos
da
Lei
de
Execução
Penal
afirma,
no
item
65,
que:
“Torna-se
inútil,
contudo,
a luta
contra
os
efeitos
nocivos
da
prisionalização,
sem
que
se
estabeleçaagarantiajurídicadosdireitosdocondenado”.
Os
artigos
40
e 41
da
Lei
7.210/84
trazem
as
principais
garantias
conferidas
ao
preso
duranteaexecuçãopenal:
Art. 40 - Impõe-se a todas
as
autoridades o respeito
à integridade
física
e moral dos
condenadosedospresosprovisórios.
Art.41-Constituemdireitosdopreso:
I-alimentaçãosuficienteevestuário;
II-atribuiçãodetrabalhoesuaremuneração;
III-PrevidênciaSocial;
IV-constituiçãodepecúlio;
V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a
recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas
anteriores,desdequecompatíveiscomaexecuçãodapena;
VII-assistênciamaterial,àsaúde,jurídica,educacional,socialereligiosa;
VIII-proteçãocontraqualquerformadesensacionalismo;
IX-entrevistapessoalereservadacomoadvogado;
X-visitadocônjuge,dacompanheira,deparenteseamigosemdiasdeterminados;
XI-chamamentonominal;
XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da
pena;
XIII-audiênciaespecialcomodiretordoestabelecimento;
XIV-representaçãoepetiçãoaqualquerautoridade,emdefesadedireito;
XV - contato com o mundo exterior
por
meio de
correspondência escrita,
da
leitura
e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons
costumes.
XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da
responsabilidadedaautoridadejudiciáriacompetente. (Incluído pela
Lei
nº10.713,de2003)
Parágrafo único.
Os direitos previstos
nos
incisos V,
X e XV
poderão ser
suspensos
ourestringidosmedianteatomotivadododiretordoestabelecimento.
Todos esses direitos podem ser entendidos como passíveis de evitar ou diminuir os
efeitos
da
estigmatização
durante
o cumprimento
da
pena
e depois
dela (reinserção
social
do
indivíduo). Essas garantias possuem como função evitar que o indivíduo
tenha
sua
honra
e
sua
condição
humana
subvalorizadas,
sobretudo,
a imposição
de
que
as
autoridades
garantam
aintegridadefísicaemoraldosapenados.
É válido ressaltar que o desrespeito aos direitos do apenado como ser humano,
também pode ser encarado como reflexo do processo de estigmatização realizado em boa
parte dos estabelecimentos prisionais brasileiros. Isso porque, o tratamento de desprezo a
humanidade do indivíduo preso, dificulta
a reinserção
social
pacífica
do
apenado,
tendo
em
vista a capacidade de reforço aos ideais de revolta, frustração e violência, que podem ser
alimentadosnospresídios,levandoaabsorçãocommaiorfacilidadedorótulocriminoso.
45
Nessesentido,Bitencourt(2019)16 dissertaque:
Apesar
da deficiência dos
dados estatísticos é inquestionável que
a delinquência não
diminui em toda a América Latina e que o sistema penitenciário tradicional não
consegue reabilitar ninguém, ao contrário, constitui uma realidade violenta e
opressiva e serve
apenas para
reforçar os
valores negativos do
condenado. A prisão
exerce,nãosepodenegar,forteinfluêncianofracassodotratamentodorecluso.
Dessa forma,
as
garantias
previstas
na
Lei
de
Execução
Penal
possuem
como
função
resguardar
a humanidade
do
preso,
buscando
evitar
que
o indivíduo
deixe
de ser
considerado
umsujeitodedireitos.
Para
Shecaira
(2013,
p.
270),
a teoria
da
labelling
approach
possui
forte
influência
na
formulaçãodosdireitosdopreso,garantidosnaLeideExecuçãoPenal:
Os
artigos da
Lei
de
Execução
Penal que
preveem os
direitos do
preso
— 40
a 43
— são flagrantemente calcados nas ideias suscitadas pelos teóricos da labelling.
Aqui,diferentementedemedidasalternativasàprisão,têm-sealternativasnaprisão.
Nesse
sentido,
o autor
destaca
outras
garantias
previstas
na
Lei
7.210/84
que
buscam
evitar a estigmatização, a partir da perspectiva de prejudicialidade do estigma para a
ressocialização, como: a previsão de que cada preso seja alojado em
cela
individual
de,
no
mínimo,
6 metros
(art.
88
e incisos),
a assistência
aos
egressos
para
reintegração
da
vida
em
sociedade
(art.
25);
assistência
social
para
auxiliar o egresso
na
obtenção
de
trabalho
(art.
27);
a garantia de que, após o cumprimento da pena, não constarão registros na folha corrida,
atestados ou certidões com referência à condenação, exceto para instruir novo processo
criminal(art.202) (SHECAIRA,2013,p.271).
Infelizmente, como ressaltado anteriormente neste trabalho, a realidade do sistema
prisional
brasileiro
ainda
está
longe
de
garantir
a integralidade
das
prerrogativas
previstas na
Lei de Execução Penal. O que ocorre é uma situação inversa, na qual os estabelecimentos
prisionais
têm
constituído
espaços
de
degradação
humana,
onde
os
apenados
são
submetidos
a condições precárias que dificultam sua reintegração social e aumentam os efeitos da
estigmatização.
O
estigma
acompanha
o preso
desde
o momento
de
seu
aprisionamento.
A retirada do
indivíduo do convívio social pelas instâncias
de
controle,
representa
o momento
conclusivo
do etiquetamento, no qual o indivíduo passará a ser identificado como
criminoso
perante
a
16
Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2019-jun-13/bitencourt-reincidencia-falacioso-objetivo-ressocializador#:~:text=An%
C3%A1lise%20pol%C3%ADtico%20criminal%20da%20reincid%C3%AAncia%20e%20o%20falacioso%20ob
jetivo%20ressocializador&text=A%20hist%C3%B3ria%20da%20pris%C3%A3o%20n%C3%A3o,em%20sua%
20ess%C3%AAncia%20contradi%C3%A7%C3%B5es%20insol%C3%BAveis.Acesso:22mar.2021.
46
sociedade. A partir disso, o objetivo das garantias demonstradas acima é diminuir os
impactos que o aprisionamento causará na imagem social do preso, além da própria
identificaçãoqueosujeitoterádesimesmo,apósocumprimentodapena.
O
desrespeito
às disposições
legais
possibilita que
os
presídios
se tornem
espaços
cada
vez mais distantes da sociedade livre, fazendo com que
os
indivíduos
que
ali
se
encontram
estejam mais
adaptados
à dura
realidade
do
estabelecimento
prisional
do
que
da
vida
social,
além de reforçar a imagem que a sociedade possui de que os presos não são parte da
sociedadelivre,reforçandooestigma.
Nesse sentido, Pimentel (1983, p. 103 apud SHECAIRA, 2013, p. 261)
argumenta
que
o indivíduo
preso
está
mais
próximo
de
ser
socializado
para
a realidade
prisional
do que
paraoconvíviosocial:
Seu
aprendizado, nesse
mundo novo e peculiar, é estimulado pela
necessidade de
se
manter vivo e, se possível, ser aceito no grupo. Portanto, longe de estar sendo
ressocializado para a vida livre, está, na verdade, sendo
socializado para viver na
prisão.
Dessa forma, quando o estabelecimento prisional deixa de fornecer os meios
necessários para o rompimento do estigma, o reforço aos valores desviantes que foram
responsáveis pela condenação do preso, passam a ser vistos com normalidade naquele
ambiente.
Assim, a desconstrução do rótulo
criminoso
passa
pela
aproximação
do
preso
com
a
sociedade
livre, para
que
dessa
forma possa
afastar-se
da
identificação
de
desviante
e também
para que possa ser visto pela comunidade como um ser integrante, ou seja, como um ser
humanocapazdeconviverpacificamentecomosdemais.
Com base nisso, a Lei 7.210/84 buscou aproximar a execução penal e o preso da
comunidade, objetivando o afastamento do estigma e a sedimentação dos caminhos para a
concretaressocializaçãodoapenado.
4.3 A participação comunitária na execução penal e o processo de desconstrução do
estigma
Como
já
foi
apresentado
neste
trabalho,
a ressocialização
ocupa
um
papel
importante
na Lei de Execução Penal. Para que o objetivo ressocializador fosse alcançado, o diploma
legaladotoucomoumadasferramentasaaproximaçãodopresocomacomunidade.
47
Nesse sentido, dispõe o art. 4º da Lei 7.210/84 que o “Estado deverá recorrer à
cooperação da comunidade nas atividades
de
execução
da
pena
e da
medida
de
segurança”.
Na exposição de
motivos
da
lei,
encontram-se
os
objetivos
dos
congressistas
ao
incluírem
a
comunidade no processo de aplicação da pena. No item 24, é disposto que “nenhum
programa destinado a enfrentar problemas referentes ao delito, ao delinquente e à pena se
completariasemoindispensávelecontínuoapoiocomunitário”.
Complementandoessaideia,oitem25afirma:
Muito além da passividade ou da
ausência de
reação quanto às
vítimas mortas ou
traumatizadas, a comunidade participa ativamente do procedimento da execução,
quer através de um Conselho, quer através das pessoas jurídicas ou naturais que
assistem ou fiscalizam não somente as reações penais em meio fechado (penas
privativas da liberdade e medida de segurança detentiva) como também em
meio
livre(penademultaepenasrestritivasdedireitos).
A previsão dos Conselhos de Comunidade como órgão da execução penal (art. 61)
ocupa função importante na
tentativa
de
aproximar
o meio
social
do
indivíduo
preso.
Dessa
forma, a lei regula que o referido órgão será composto
por,
pelo
menos,
1 representante
de
sociedade comercial ou industrial, 1 advogado,
1 defensor
público
e 1 assistente
social
(art.
80).
Noart.81daLei7.210/84estãodispostasasfunçõesdoConselhodaComunidade:
Art.81.IncumbeaoConselhodaComunidade:
I - visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na
comarca;
II-entrevistarpresos;
III-apresentarrelatóriosmensaisaoJuizdaexecuçãoeaoConselhoPenitenciário;
IV - diligenciar a obtenção
de
recursos
materiais e humanos
para
melhor assistência
aopresoouinternado,emharmoniacomadireçãodoestabelecimento
Outro órgão importante que possibilita a participação da sociedade no processo de
execução são os patronatos particulares. A lei afirma que os patronatos (públicos ou
particulares) possuem como função disponibilizar as assistências aos albergados17 e aos
egressos.
Além
disso,
também
constituem
funções
dos
patronatos:
orientação
aos condenados
à pena restritiva de direitos, fiscalizar as
penas
de
prestação
de
serviços
à comunidade
e de
limitação de fins de semana e auxiliar no cumprimento das condições impostas para a
suspensãoelivramentocondicional(art.79).
17
Espécie de estabelecimento destinado a presos no regime aberto, onde o que prevalece é o senso de
responsabilidade do
apenado,
não
devendo
existir obstáculos físicos
para evitar
fuga
nesses locais (art. 93
à 95
daLei7.210/84).
48
A
partir
disso,
verifica-se
que
a Lei
de
Execução
Penal
buscou
evitar
que
o processo
de
aprisionamento
ocorresse
de
forma
totalmente
isolada
da
sociedade.
Como
foi
já
abordado
neste trabalho, o cárcere pode ser visto por uma perspectiva de afastamento do indivíduo
perigoso do meio social, o que constitui o programa de prevenção especial negativa. No
entanto, ao colocar o objetivo ressocializador como paradigma a ser alcançado, a Lei de
Execução Penal fortaleceu a ideia de recuperação do condenado, ou seja, reeducar o
indivíduo para que este possa retornar à sociedade de forma pacífica, estabelecendo-se,
também,oprogramadeprevençãoespecialpositiva.
Assim, para que o apenado possa ser reintegrado
ao
convívio
social,
entendeu
a Lei
7.210/84 que é necessário
superar
as
barreiras
do
estigma
que
o distanciam
da
comunidade,
sendo,
então,
necessária
a participação
da
sociedade
livre
para
que
esta
possa
acolher
aquele
quecumprepenaeoegresso.
Como ressalta Mirabete (2002, p. 44), a participação
da
comunidade
nesse
processo
não significa
que
o Estado
está
se
eximindo
da
sua
obrigação,
mas
informando
que
parte
da
responsabilidadenoprocessodereintegraçãodopresopertenceàcomunidade.
Nesse sentido, o autor também destaca que a participação comunitária possui
relevância
para
a desconstrução
do
estigma
e para
dar
contornos
democráticos
ao
processo de
aplicaçãodapena:
A sanção penal sempre se constituiu em um estigma social que acompanha o
sentenciado mesmo após
sua
libertação definitiva, e o mundo do
cárcere,
submetido
autocraticamente aos agentes do Estado, precisa ser arejado e fiscalizado por
pessoas alheias ao sistema, não se podendo prescindir da contribuição da
comunidade nessa e em outras
tarefas
de
assistência ao
preso,
internado
e egresso
(MIRABETE,2002,p.44).
O
estigma,
na
perspectiva
da
labelling
approach, só existe
enquanto
fenômeno
social,
no
qual
a rotulação
do
apenado
como
criminoso
é constituída
a partir
do
olhar da
sociedade,
como
ressaltado
nos
estudos
de
Becker
(1963).
Assim,
fatores
sociais
que
levam
a construção
do
delinquente
possuem
direta
participação
da
sociedade ou
dos
“não
delinquente”,
tendo
em
vista que ambos reconhecem e dão valor ao normativo, seja no seu cumprimento (não
delinquente)ounoseudesvio(delinquente).
Conceituando essa compactuação de ideais entre desviantes e não desviantes, Sá
(2015,
p. 348)
dispõe
que
os
dois
grupos carregam
o peso
do
delito,
seja
pela
sua visualização
e
importância,
pelo
não
criminoso,
ou
na
própria
prática
criminosa,
por
aquele
que
comete
o
delito. Nesse sentido, fornece como exemplo
a valorização
midiática
dos
crimes,
atraindo
a
atenção da sociedade (exemplo de compactação pelo não desviante) e o fato de que o
49
criminoso, geralmente, renega as próprias ações, a partir do desejo de não
ver
um
parente,
comoumfilho,seguindoseuspassos(exemplodecompactuaçãopelodesviante).
Dessa
forma, para a desconstrução
do
estigma,
é importante
que
a comunidade
passe
a
estar
presente
durante
o processo
de
execução
penal
como
tentativa de
dar
ao condenado
e ao
egressoapossibilidadedeviverpacificamentenasociedade,semcometernovosdelitos.
A efetividade da reinserção social, a partir da aproximação entre preso e sociedade
livre, pode ser visualizada com base nos índices de reincidência das penas alternativas18,
considerando que estas
não
afastam
o indivíduo
da
comunidade.
Muito
embora
não
existam
pesquisas consistentes em âmbito nacional, estima-se que as penas alternativas possuem
maioreficáciacomométodoressocializador.
Segundo o Relatório Final da CPI de 2008, que investigou as condições
do
sistema
prisional brasileiro, a taxa de reincidência
entre
indivíduos
que
cumprem
penas
alternativas
não supera 12%, enquanto o índice entre aqueles
que
cumprem
pena
privativa
de
liberdade
seria de 75% a 85% (BRASIL,
2009,
p.
280).
No
entanto,
este
último
percentual
é baseado
em dados imprecisos, possivelmente obtidos a partir de uma ausência de precisão
metodológica da pesquisa, no que diz respeito ao conceito de reincidência adotado, sendo
abrangidospresosqueaindanãoforamjulgados.
Nesse sentido, o Ipea (2015) elaborou um estudo sobre a aplicação de penas e
medidas alternativas. No relatório de pesquisa, foi realizada uma análise qualitativa, para
entender
a percepção
geral de
servidores
e apenados
acerca da
eficácia
das
penas
alternativas,
sendo
obtido
como
resposta
geral
que
essa
modalidade
possui
maior
eficácia
na
reintegração
do preso do que a pena
privativa
de
liberdade.
O relatório
conclui
que
as
penas
alternativas
devem ter maior espaço no sistema de justiça criminal, considerando o fracasso da pena
privativadeliberdadenoalcancedoobjetivoressocializador(IPEA,2015,p.91).
Outro
exemplo
benéfico
no
alcance
da
reintegração
social
a partir
da
aproximação do
preso com a comunidade, é o método desenvolvido pela Associação de Proteção e
Assistência
aos
Condenados
(APAC).
As
APACs
são
entidades
civis
sem
fins
lucrativos
que
possuem como objetivo a recuperação e a reintegração social de condenados a penas
privativasdeliberdade.
Dentre os diferenciais das APACs pode-se citar: a disciplina
nos
estabelecimentos
é
realizada sem a presença de agentes de segurança pública, com
a colaboração
dos
próprios
18
As penas alternativas são aquelas previstas no art. 43 e 49,
do
Código
Penal,
sendo:
prestação
pecuniária,
perda de
bens e valores,
limitação de
fim de
semana, prestação de
serviços
à comunidade
ou
entidades
públicas,
interdiçãotemporáriadedireitosemulta.
50
detentos; rotina diária de estudos e trabalho que inicia às 06:00 horas e termina às 22:00
horas; presença de familiares no processo de execução da pena, sendo consideradas como
partícipes na recuperação do apenado; participação ativa de voluntários que fornecem
assistênciajurídica,psicológicaemédica19.
Segundo o relatório da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados
(FBAC), entidade de direito privado sem fins lucrativos, responsável por assessorar e
fiscalizar as atividades das APACS, o índice de reincidência entre os indivíduos que
cumprem pena pelo método é de 15%, enquanto o percentual das prisões comuns seria de
80%.
Nesse
ponto,
é válida
a mesma observação
feita
aos
dados
fornecidos
pela CPI
de
2008
sobre
o sistema
penitenciário,
ou
seja,
ausência
de
metodologia
clara
e que
utilize
como
base
oconceitodereincidêncialegal20.
Apesar disso, há uma percepção de que as APACs realmente possuem maior
efetividade na ressocialização, considerando a possibilidade
de
fomentar
o convívio
entre
o
indivíduo que cumpre pena e o mundo externo, distante da ideia de exclusão social que
permeia
os
presídios.
Nesse sentido,
em
notícia escrita
por
Manuel
Carlos
Montenegro
para
o
site da CNJ no ano 201721,
de foram
entrevistados
ex-apenados
que
passaram
por
APACs
e
voluntários
que
afirmaram
que
esse
método
é bem
superior
na
efetividade
da
ressocialização
doqueosestabelecimentosconvencionais.
É
válido
ressaltar
que,
conforme
dito
anteriormente, este trabalho
não
ignora
o fato
de
que
a ressocialização
passa
pela
vontade
do
preso
de
não
voltar
a delinquir.
Deve-se
analisar
a
perspectiva
da
ressocialização
a partir
de
múltiplos
elementos
e atores,
dentre
os
quais,
sem
dúvida, o preso é um dos principais, considerando que este terá o poder de decisão sobre
voltarounãoareincidir.
No entanto, entende-se que o trabalho de
reinserção
social
do
apenado
não
pode
ser
visto como algo, exclusivamente, individual. Se assim fosse, a Lei de Execução Penal
não
teria disposto um conjunto de obrigações sob incumbência do Estado, nem teria
incluído
a
comunidadecomoparticipantenecessárianoprocessodecumprimentodepena.
19
Informações retiradas do site da Fraternidade de Assistência aos Condenados. Disponível em:
http://www.fbac.org.br/index.php/pt/realidade-atual/o-que-e-apac.Acessoem:10mar.2021.
20
ideCapítulo2.
V
21
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/apac-metodo-de-ressocializacao-de-preso-reduz-reincidencia-ao-crime.
Acessoem:22mar.2021.
51
Dessa forma, cabe ao Estado garantir os meios necessários para que o processo de
execução penal ocorra de forma a incentivar a proximidade entre o apenado e a sociedade
livre,comoobjetivodeauxiliarnoprocessodedesconstruçãodorótulocriminoso.
Entretanto, como o Estado tem proporcionado um ambiente anômalo ao social nos
presídios, o etiquetamento tem se tornado mais firme, não apenas no que diz respeito ao
afastamento
entre
preso
e comunidade,
mas
na
própria
interação
delitiva
entre
os
indivíduos
que convivem nos presídios. Como
ressalta
Porto
(2008,
p.
28)
acerca
do
fortalecimento
da
identidade
criminosa
nos presídios,
a falta
de
programas
de
ressocialização
tem
permitido
que
“os detentos sejam reeducados pelos próprios companheiros e não pela equipe de
supervisão”.
Assim, a ausência de políticas públicas
nos
estabelecimentos
prisionais
constitui
um
importante
fator
no
distanciamento
entre
preso
e sociedade, considerando
que,
dessa
forma,
o
Estado tem incentivado o ideal de exclusão social do preso. Nesse sentido, Silva (2011,
p.
153)afirma:
A própria política da Administração Pública, de abandono, de negligência e
inapetência frente área penitenciária consolida uma ideologia displicente,
fundamentada em
renegar para
o último
plano
qualquer tipo
de investimento em tal
setor. Tal pensamento é absolvido pela sociedade, a qual tende a esquecer do
sistema penitenciário, voltando suas atenções para outras áreas como saúde e
educação.
Considerando
os
estudos
apresentados
neste
trabalho,
o sistema
prisional,
atualmente,
encontra
grandes
desafios
para
a integração
entre
presos
e sociedade
livre,
sobretudo,
porque
mesmo condições mínimas de dignidade humana não têm sido garantidas. Ultrapassar as
barreiras que, hoje, criam o distanciamento entre aqueles dois grupos é importante para a
construção da dignidade do preso e para a desconstrução do etiquetamento como fator de
empecilhoàressocialização.
Como afirma Sá (2015, p. 350), “a reintegração social supõe o reconhecimento do
preso
como
um
cidadão
que
não é passivo
de
tratamento,
mas
que
é ativo
e participativo
num
processodecomunicaçãoentrecárcereesociedadelivre”.
A partir das contradições existentes entre realidade legal e material, o sistema
prisional brasileiro tem tornado a ressocialização próxima de um mito, no qual se torna
extremamente dificultoso que o sujeito que ingressa no sistema prisional, saia de lá
ressocializado.
O
sistema
prisional
não tem
constituído
um
instrumento
de
supressão
de
infração,
mas
sim, de gestão e classificação de ilegalidades, no qual a penalidade apenas constitui um
52
mecanismo
de
dominação
por
classes
dominantes,
como
ressalta
Foucault (2013,
p.
258),
em
Vigiar e Punir. Caso não sejam realizadas modificações nessa realidade, assim como o
filósofo, deve-se
questionar
se
o “pretenso
fracasso”
do
sistema
prisional
não
é,
na
verdade,
um cumprimento de sua real
função,
ou
seja,
exclusão
e controle
de
um
determinado
grupo
social.
53
5CONSIDERAÇÕESFINAIS
A
pena
sempre
esteve
presente
na
história
da
humanidade.
A partir
do
surgimento
dos
movimentos humanistas, principalmente no pós segunda guerra, houve uma tentativa de
buscar formas adequadas de punir sem que fossem aplicadas sanções degradantes que
retirassemadignidadedopreso.
Nesse contexto, a Lei de Execução Penal buscou garantir que os presos fossem
tratados
de
forma
adequada,
garantindo
uma
série
de
prerrogativas
que
visam à dignidade do
apenado,comoorespeitoàintegridadefísicaemoral(art.40).
A obrigatoriedade de fornecimento de assistência à saúde e à educação, além das
assistências material, social, jurídica e religiosa, buscam
reforçar
a ideia
de
que
a execução
penal é apenas temporária e deve auxiliar o indivíduo a procurar
novos
caminhos
longe
do
mundo criminoso. Nesse sentido, a assistência ao egresso também busca estabelecer
alternativasparaqueopresonãofiquedesamparadoapósocumprimentodapena.
Analisando o texto, verifica-se
que
as
disposições
são
ricas
na
busca
em
efetivar
um
processo de execução penal que vise a temporariedade do cárcere e a efetividade da
ressocialização, sendo um fator de compatibilidade com a Constituição Federal de 1988.
Muito embora nem a Constituição Federal de 1988 nem a Lei 7.210/84 tenham tratado de
forma expressa sobre as finalidades da pena, ambas são permeadas de ideais humanistas,
voltadasparaapreservaçãodadignidade,mesmoàquelesqueseencontrampresos.
Dessa forma, a ideia de punição, embora inerente a privação da liberdade, também
encontra amparo no ideal de reforço social aos valores
protegidos
e,
sobretudo,
na
ideia
de
reinserção social. Isso porque um Estado Democrático que se relaciona com os direitos
humanos, deve tratar a pena não meramente como um fim ou como um exemplo, mas
objetivaranãoreincidência,cuidando,dessaforma,doindivíduo(preso)edasociedade.
Apesar da Lei 7.210/84 ser, de uma forma geral, moderna no que diz respeito a
preocupação
com
a dignidade
do
preso
e com
a ressocialização,
mais
de
três
décadas depois
de
sua
promulgação,
o sistema
prisional
brasileiro continua
em
estado
de
precariedade.
Nesse
sentido,
o pior
dos
cenários
não
está
na
existência
do
problema,
mas
na falta de
perspectivas
demudança.
Esse cenário de precariedade nos presídios brasileiros foi constatado pelo Supremo
Tribunal Federal no reconhecimento do estado de coisas inconstitucional. Assim, com
estabelecimentos prisionais apresentando condições degradantes, a ressocialização, nos
54
moldes
idealizados
pela
Lei
de
Execução
Penal,
torna-se
um
desafio
quase
impossível
de
ser
alcançado.
Nesse
sentido,
também
é válido
destacar
a ausência
de
pesquisas que sejam dedicadas
a analisar, de forma concisa, a questão da reincidência no
Brasil.
Como
demonstrado
neste
trabalho,
faz-se
necessário
que
mais
estudos
sejam
realizados
para
que
se
possa
ter uma
real
visão
da
conjuntura.
Apesar
disso,
com
base
nas
poucas
pesquisas
recentes,
verifica-se
que
o
índice
de
reincidência
é alto,
com
1 a cada
4 presos
voltando
a reincidir,
conforme
estudo do
InstitutodePesquisaEconômicaAplicada(IPEA).
No estudo da problemática da ressocialização, entende-se que o processo
estigmatizante
pode
apresentar
uma
visão
mais ampla
sobre
o assunto.
Nesse
sentido,
a partir
do
olhar
da
criminologia, objetivou-se,
neste
trabalho, abrir
os horizontes
para
estudar
o tema
a partir de uma perspectiva social. Assim, a teoria criminológica da labelling approach
representou importante ferramenta para a tentativa de compreender a influência do
etiquetamento na criminalidade secundária, considerando
as
instâncias
de
controle
e o meio
socialcomopartícipesdesteprocesso.
A
análise
do
desviante,
quando
investigado
sob
o olhar
do
estigma,
coloca
a sociedade
num
papel
determinante para
o enquadramento daquele, como
ressaltou
Becker
(2009,
p.
27).
Com
base
nisso,
compreender
o papel
que
as
instâncias
de
controle
e a sociedade
ocupam
no
desenvolvimento de carreiras criminosas é importante para problematizar a questão da
reincidêncianoBrasil.
A partir disso, é importante ressaltar o impacto que as condições precárias dos
estabelecimentos prisionais podem gerar no aumento da reincidência, possibilitando
que
os
presídios tornem-se verdadeiras “escolas do crime”, fomentando o surgimento de uma
criminalidade organizada, unida para sobreviver e melhorar suas condições dentro deste
espaçoviolento,lotadoeprecário.
Mesmo que a Lei 7.210/84 tenha se preocupado com a questão de evitar que os
presídios se tornassem locais de proliferação da criminalidade e do estigma, a falta de
efetividade das políticas idealizadas pela lei, acabam constituindo um cenário de
ressocializaçãomeramenteimaginário.
Nesse
sentido,
também
é possível
constatar
que
esse
distanciamento
entre
a realidade
dos presídios,
impossibilita
a comunicação
da
execução
penal
com
a comunidade,
conforme
colocado pela Lei 7.210/84. Se o processo de desconstrução do
estigma
para
facilitação
da
reinserção social do preso passa pelo apoio comunitário, como referenciado pela lei, então
estamosmuitodistantesderealizaresseobjetivo.
55
Dessa forma, o processo de socialização dos presídios não tem, possivelmente,
logrado êxito pela falta de compatibilidade entre o ambiente prisional e o social. Na
realidade, com o surgimento e fortalecimento das facções criminosas nos presídios e fora
deles, estamos vivenciando com maior intensidade o processo inverso, com essas
organizações ganhando espaço na sociedade livre, fomentando o mesmo caos e desordem
vivenciadosnosestabelecimentosprisionais.
Face ao
exposto,
somente
a efetividade
de
políticas
públicas
destinadas
a concretizar
os ideais previstos na Lei
7.210/84
podem
iluminar
o futuro
da
execução
penal
no
Brasil,
a
fim
de
sedimentar
os
caminhos
para
a ressocialização.
Essa
construção
política
também deve
ser realizada em parceria com a comunidade, pois o apoio social é importante na
desconstruçãodoestigma,considerandoqueestesóexistecomofenômenosocial.
56
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