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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL (IACS)
CURSO DE ESTUDOS DE MÍDIA

RENATA LOURIANE MOREIRA DA SILVA MENEZES CONSTANT

A MÚSICA NA FEIRA DE SÃO CRISTÓVÃO:


Negociações em torno da nordestinidade

Niterói
2021

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RENATA LOURIANE MOREIRA DA SILVA MENEZES CONSTANT

A MÚSICA NA FEIRA DE SÃO CRISTÓVÃO:


Negociações em torno da nordestinidade

Trabalho de conclusão de curso


apresentado em 23 de setembro de 2021,
como requisito parcial para a obtenção do
grau de bacharel em Estudos de Mídia pela
Universidade Federal Fluminense.

Orientador Acadêmico
Felipe da Costa Trotta

Niterói
2021/1

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2
RENATA LOURIANE MOREIRA DA SILVA MENEZES CONSTANT

A MÚSICA NA FEIRA DE SÃO CRISTÓVÃO:


Negociações em torno da nordestinidade

Trabalho de conclusão de curso apresentado em 23


de setembro de 2021, como requisito parcial para a
obtenção do grau de bacharel em Estudos de
Mídia pela Universidade Federal Fluminense.

Trabalho aprovado em ___ de _____________ de ______.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________
Prof. Dr. Felipe da Costa Trotta (Orientador Acadêmico)
Universidade Federal Fluminense

_____________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Lúcia da Silva Enne
Universidade Federal Fluminense

_______________________________________
Ma. Juliana Mara Lima das Neves

3
Este trabalho é dedicado a todos e
todas que, por necessidade, sonho
ou ousadia se tornaram migrantes.

4
AGRADECIMENTOS

À Fundação Biblioteca Nacional, pela disponibilização dos materiais na Hemeroteca


Digital, e à Alexandra Elbakyan, pelos esforços no sentido da democratização do acesso
ao conhecimento;

Aos servidores e servidoras da Universidade Federal Fluminense (UFF), que mantêm a


universidade pública federal em funcionamento a despeito dos ataques constantes;

Ao corpo docente da graduação em Estudos de Mídia, pelas trocas em salas de aula que
enriqueceram meu repertório. Um agradecimento especial ao professor Antônio Júnior,
cujas aulas serviram como incentivo para trilhar o caminho da pesquisa desde o
primeiro semestre;

À professora Ana Lúcia Enne, que me apresentou aos Estudos Culturais e tanto me
incentiva na vida acadêmica, com palavras de encorajamento e aulas fundamentais para
o desenvolvimento deste trabalho. Agradeço também pela participação na banca
avaliadora;

À Juliana Neves, por aceitar o convite para participar da banca avaliadora e partilhar
suas impressões sobre este trabalho;

Ao meu orientador, professor Felipe Trotta, pela paciência, pelas leituras


compartilhadas, pelas sugestões de alteração, pelo bom-humor de sempre e pela
parceria, que já dura três anos e me ajudou a abrir os ouvidos e a mente para o universo
da Etnomusicologia;

Ao grupo de pesquisa Musilab, pelas trocas acadêmicas e não-acadêmicas que formam


uma rede de apoio importante para seus integrantes;

Ao meu terapeuta, Lucas Monteiro, pelos momentos de escuta e de aconselhamento;

Aos meus sobrinhos, Maya, Sofia, Vanine e Vicente, que trazem a pureza da resposta
das crianças para os meus dias;

Aos meus amigos Ademir, Augusta, Diogo, Eduardo, Gaspar, Mariana e Pedro, que, nas
conversas cotidianas, tantas vezes me ajudaram a aliviar o peso da vida acadêmica;

A Ana Amorim e Fred Cabala, pela amizade e pela recepção carinhosa em Niterói;

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A Victor Verçosa, pelos longos áudios trocados discutindo temas relacionados (ou não)
a este trabalho, que me ajudaram a burilar ideias e desenvolver argumentos;

À minha família, em especial ao meu pai, Ruy, e às minhas mães, Graça e Fátima, meus
primeiros incentivadores, que seguem acreditando nos meus projetos e me dando
impulso para executá-los;

À minha companheirinha Letrux (minha cachorrinha), que ficou literalmente no meu pé


durante toda a escrita desta monografia e é uma fonte de alegria diária e inesgotável;

Por fim, a Bernardo, que topou a aventura da migração comigo, compartilhando as


dores e as delícias dessa experiência. Pelo amor, acolhimento, cuidado, dedicação e
companhia. Por todas as revisões e pela paciência para discutir o desenvolvimento deste
e de tantos outros trabalhos, muito obrigada.

6
Com seus pássaros
ou a lembrança de seus pássaros,
com seus filhos
ou a lembrança de seus filhos,
com seu povo
ou a lembrança de seu povo,
todos emigram.

(Alberto da Cunha Melo)

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RESUMO

Localizada no Rio de Janeiro, a Feira de São Cristóvão é um espaço criado por


migrantes nordestinos para compartilhar elementos da cultura regional, em especial a
gastronomia e a música. Em funcionamento desde os anos 1940, ela foi alvo de
controversas e de diversas tentativas de padronização e regulamentação e hoje se
consolidou como equipamento cultural da cidade. Neste trabalho, o que se pretende
observar é como a música se insere nesse espaço para compor um ambiente que seria
tipicamente nordestino, considerando as sonoridades e também as tensões que estão
envolvidas na programação. Para tanto, foram realizadas visitas ao espaço para
conhecer a dinâmica dos palcos e foi feita uma revisão bibliográfica para compreender
os processos que levam à construção de um ideal de identidade nordestina, aqui
chamada de “nordestinidade”. Ao longo do percurso de pesquisa, foram considerados
temas como o fluxo migratório para o Sul-Sudeste, elementos culturais e disputas
político-econômicas que se envolvem na construção da identidade nordestina.

Palavras-chave

Feira de São Cristóvão; Música regional; Identidade Nordestina.

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ABSTRACT

Located in Rio de Janeiro, the Feira de São Cristóvão (São Cristóvão Market) is a space
created by migrants who came from the northeastern region of Brazil to share elements
of their regional culture, in particular its’ gastronomy and music. Open since the
nineteen-forties, it was the target of controversy and numerous attempts at regulation,
and today has consolidated its’ place as cultural equipment of the city of Rio de Janeiro.
This monograph means to observe how music is inserted in such a space to help create
an environment understood to be typical of northeastern Brazil, considering sonorities
as well as tensions involved in the musical attractions the Feira offers. To reach this
objective, visits were made to the market with the intent of observing the dynamics
created around the concert spaces, and a bibliographic review was conducted to
comprehend the processes involved in the creation of an idealized notion of
“nordestinidade” (northeastern Brazilian identity). Relevant themes such as the
migratory flux observed from the Brazilian northeast to the south and southwestern
regions, cultural elements and political and economical disputes involved in the
construction of “nordestinidade” were considered as well.

Keywords

Feira de São Cristóvão; Regional music genres; Northeastern Brazilian identity.

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SUMÁRIO

RESUMO 8

ABSTRACT 9

SUMÁRIO 10

INTRODUÇÃO 11

1. AS MIGRAÇÕES BRASILEIRAS E A FORMAÇÃO DA FEIRA DE SÃO


CRISTÓVÃO 15
1.1 Terra de arribação: a diáspora nordestina no século XX 16
1.2 Entre disputas e negociações: a Feira de São Cristóvão como relicário da
nordestinidade 19
1.3 A ação do poder público na Feira de São Cristóvão: de evento controverso a
ponto turístico do Rio de Janeiro 26

2. MÚSICA E PRODUÇÃO DE IDENTIDADE REGIONAL 33


2.1 Luiz Gonzaga e a criação de uma estética nordestina 36
2.2 Como a música pode ser uma ferramenta de construção de identidades? 40
2.3 Tensionando a tradição: o surgimento do forró elétrico como representante da
identidade nordestina 44

3. OS LUGARES DA MÚSICA NA FEIRA DE SÃO CRISTÓVÃO 48


3.1 A dinâmica dos palcos: a sala de reboco e os holofotes em disputa 49
3.2 Além das tensões: a sanfona não parou e o forró continuou! 53

CONSIDERAÇÕES FINAIS 57

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 59

REFERÊNCIAS MUSICAIS 61

10
INTRODUÇÃO

Se você é um migrante nordestino no Rio de Janeiro, seja recém-chegado ou


não, uma hora vai ouvir a questão: “já visitou a Feira de São Cristóvão?”. Também
conhecida pejorativamente como “Feira dos Paraíba” e oficialmente batizada de “Centro
Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas”, o espaço é um ambiente de celebração da
cultura nordestina e parada obrigatória para quem embarcou no seu último pau de arara1
. Um reduto onde se encontram diferentes manifestações com o intuito de aproximar os
migrantes da experiência de estar na sua terra natal.
São muitas as versões sobre o nascimento da feira, mas a que se consagrou como
oficial determina o ano de 1945 como o marco zero. Neste período, os migrantes que
chegavam ao Rio de Janeiro desembarcavam no Campo de São Cristóvão2, na região
central da então capital federal. Além de ponto de desembarque, o Campo se tornou
também ambiente de convivência dos migrantes, que visitavam o local na esperança de
encontrar conhecidos e ficar por dentro das novidades de suas terras natais.
Por ali, paraibanos, alagoanos, baianos, pernambucanos e tantos outros
gentílicos se confundiam e se transformavam em uma população que, aos olhos dos
cariocas, tornava-se homogênea. Seus diferentes sotaques, com vogais abertas, às vezes
anasalados e com cadência estranha aos ouvidos cariocas, misturavam-se. Um baiano
poderia até não se ver representado por um pernambucano, mas ali todos faziam parte
de um mesmo grupo. Os nordestinos - que logo seriam apelidados de “paraíbas” -
formavam uma comunidade que partilhava a experiência da migração, da saudade e,
muitas vezes, do estranhamento da vida na cidade grande.
Com essa vivência em comunidade, rapidamente o espaço também se
transformou em uma feira informal, na qual se comercializavam produtos nordestinos e

1
Aqui trazido como metáfora, os caminhões conhecidos como “paus de arara” se tornaram um dos
principais modais utilizados pelos migrantes para chegar ao Sudeste. Segundo Marco Antonio Villa
(2017), o negócio de transporte de passageiros para o Sudeste se tornou tão lucrativo que inúmeros
caminhões de carga foram adaptados para levar pessoas: “Na carroceria eram colocados bancos de
madeira no sentido vertical. Ganhavam uma cobertura de lona. Transportavam, em média, de setenta a
cem passageiros, entre adultos e crianças. Na boleia, ia o motorista, um ajudante e, eventualmente, um
passageiro mais aquinhoado” (VILLA, 2017, p. 54).
2
É possível encontrar relatos sobre o desembarque de nordestinos no Rio de Janeiro em diversos jornais. Na edição
2002 da Tribuna da Imprensa, de 31 de julho de 1956, uma matéria diz: “uma feira tipicamente nordestina instalou-se
no Campo de São Cristóvão, com modas de viola, o jogo denominado ‘caipira’ e venda de bainhas para ‘peixeiras’.
Funciona do outro lado da feira-livre do Campo e fica perto da rua Senador Alencar, onde costumam desembarcar
(quando vêm de caminhão) os nordestinos que chegam fugidos da sêca [sic]”.

11
se ouviam ritmos regionais. Em meio aos quilos de farinha, charque, fuba de milho,
artigos de couro, redes e até mesmo mariscos, os retirantes se reuniam para
confraternizar ao som de sanfonas, rabecas e repentes, dando origem a um espaço
festivo onde tentavam se aproximar, ainda que momentaneamente, da experiência de
estar em casa.
Ao longo das décadas, essa feira sofreu diversas transformações, especialmente
a partir de intervenções realizadas pelo poder público no intuito de regulamentar e
organizar o espaço. De toda sorte, ainda hoje se mantém como equipamento de
preservação da cultura dos migrantes nordestinos no Rio e, além disso, estabeleceu-se
como espaço de lazer também para os cariocas.
Desde 2003, a Feira deixou de ser realizada ao ar livre e ganhou como casa o
Pavilhão de São Cristóvão, onde recebeu o nome oficial de Centro Luiz Gonzaga de
Tradições Nordestinas. O espaço une diversos elementos culturais que são tidos como
símbolo de nordestinidade, como a culinária sertaneja e elementos cenográficos que
remetem ao Sertão. Mas o carro-chefe do espaço com certeza é a programação musical,
a principal atração local, que leva milhares de pessoas a visitarem o espaço todas as
semanas.
Por isso, neste trabalho, o foco da análise está na construção sonora da Feira,
ainda que os outros elementos também ganhem espaço, por serem importantes para a
apresentação do local. Dessa forma, a música é trazida à luz para compreender de que
maneira a noção de identidade nordestina se formata em torno de ritmos e danças. Para
tanto, avalio a programação semanal da Feira de São Cristóvão para identificar quais
ritmos são contemplados e de que forma eles se relacionam com o que se entende por
cultura nordestina. Além disso, levo em consideração também a dinâmica dos palcos,
não somente em relação às atrações musicais, mas também as formas de interação do
público, o que foi possível após visitas realizadas aos finais de semana, durante o ano de
2018.
Com o objetivo de observar o contexto em que a feira se forma, o Capítulo 1 é
dedicado a compreender como as migrações se desenrolaram durante o século XX no
Brasil, dando origem a espaços de sociabilidade entre os migrantes que se organizavam
em comunidades para o compartilhamento de símbolos. Esse apanhado histórico é
fundamental para compreender o lugar que os migrantes nordestinos ocupavam nos

12
grandes centros urbanos para onde se dirigiam. Além disso, também ajuda a observar as
dinâmicas sociais que se estabeleciam. Por um lado, dentro das comunidades que eles
próprios formavam para compartilhamento de símbolos, como é o caso da Feira de São
Cristóvão. Por outro, em relação à sociedade carioca ou paulista, que os colocavam em
um lugar de subalternidade.
Esse primeiro capítulo se encerra, então, com a apresentação da história da Feira
de São Cristóvão, expondo as disputas e negociações que se desenrolaram desde a sua
fundação até a atual configuração para observar um panorama de suas tensões, entre
conflitos com o poder político e com a população carioca. Com isso, tento compreender
a importância desse espaço enquanto local de confraternização entre nordestinos, mas
também como as formatações podem ser importantes para compreender o que é e o que
faz ser nordestino. Para tanto, servem como base os escritos das pesquisadoras Sylvia
Nemer (2011, 2016), e Juliana Neves (2015), que registraram eventos importantes para
a história da feira, e também de teóricos como Benedict Anderson (2008), Pierre
Bourdieu (2012), Eric Hobsbawm (2018) e Nestor Canclini (2003), os quais ajudam a
refletir sobre a importância do espaço para a formação de uma identidade migrante no
Rio de Janeiro.
A partir do segundo capítulo, debruço-me sobre a questão musical, visando a
entender, ao final, como a programação musical da feira é importante para dar sustento
à ideia de nordestinidade. Para fazer a análise teórica da música enquanto formadora de
identidades, baseio-me em trabalhos de escritores como Durval de Albuquerque Junior
(2011), Maura Penna (1992), Jack Draper III (2014) e Felipe Trotta (2014), entre outros,
que se voltaram a compreender questões como quais são os elementos formadores da
nordestinidade hegemônica, como se deu esse processo de formação e como a música se
relaciona com ele, entre outros temas tangentes ao nosso problema. Nesse sentido,
observo um panorama da formação da música tradicional nordestina a partir do exemplo
de Luiz Gonzaga e indo até o surgimento das bandas de forró elétrico.
No terceiro e último capítulo, é apresentada a análise sobre a música da Feira
propriamente dita. A partir das discussões desenroladas nos primeiros capítulos e da
observação das dinâmicas presentes no Pavilhão, minha proposta é investigar como as
sonoridades que se distribuem pelos palcos e corredores do Pavilhão contribuem para a
formação de uma ideia de nordestinidade. Para tanto, observo não somente seus pontos

13
de contato, mas também as tensões que se apresentam, ora em busca de uma
autenticidade, ora fugindo completamente da proposta. O último capítulo é dedicado,
pois, à análise de contradições e entrelaçamentos, já que entendo se promove o encontro
entre o moderno e o tradicional na mesma medida em que eles disputam o direito de
representar a identidade nordestina.
Assim, este trabalho tem como principal contribuição a exposição de um
processo complexo de significação. A partir do exemplo da música na Feira de São
Cristóvão, é possível ver na prática como as identidades não chegam a uma forma final,
já que estão sempre no centro de disputas entre diferentes atores. De dentro para fora ou
de fora para dentro, os elementos que podem (ou não) ser representativos estão em
constante processo de negociação, como pretendo demonstrar nas páginas a seguir.

14
1. AS MIGRAÇÕES BRASILEIRAS E A FORMAÇÃO DA FEIRA DE SÃO
CRISTÓVÃO

Desde os primeiros grupos humanos de que temos registro, há indícios de que os


povos primitivos migravam de um lugar para o outro em busca de melhores condições
de vida, lutando contra questões climáticas, geográficas ou para encontrar recursos
materiais. Esses movimentos se repetiram ao longo dos séculos, em trocas comerciais,
guerras e processos de colonização. Sabendo disso, temos que a migração não é
fenômeno recente, que surgiu com as grandes navegações, mas sim um processo que
acompanha as sociedades humanas desde as suas primeiras formações.
Com os fluxos migratórios, diferentes culturas entram em contato, ora pelo
choque, ora pela integração. É a partir desse contato que, segundo Canclini (2003, p.
22), pode ocorrer a hibridação cultural, quando práticas sociais se fundem para criar
novas estruturas ou práticas, o que, muitas vezes, se dá de forma espontânea, em meio
às migrações, por exemplo. Além disso, é nesse processo relacional que muitas
identidades se estabelecem, seja pelo reconhecimento de afinidades ou pela
diferenciação, como propõe Kathryn Woodward (2014).
No caso dos migrantes do Nordeste que foram para o Sudeste, por exemplo,
podemos observar as duas possibilidades: por um lado, diferentes gentílicos se
reconheceram sob a nomenclatura “nordestinos”, integrando suas práticas e
promovendo o compartilhamento simbólico; por outro, houve um estranhamento entre
esses nordestinos e a população do Sudeste, com uma clara demarcação dos limites
entre “eles” e nós”, o que deu origem a disputas simbólicas, políticas e econômicas,
como mostrarei adiante no caso da Feira de São Cristóvão.
Ao longo deste capítulo, então, busco observar como se desenharam os fluxos
migratórios brasileiros ao longo do século XX, a partir de referenciais da Geografia.
Além disso, mostro como as migrações foram fundamentais para a formatação da
identidade nordestina que se consolidou e apresento um panorama da formação da Feira
de São Cristóvão, desdobramento direto do processo migratório de nordestinos para o
Rio de Janeiro.

15
1.1 Terra de arribação: a diáspora nordestina no século XX

O Brasil como conhecemos é fruto de um intenso fluxo migratório. Muitos de


nossos agrupamentos indígenas são/eram originalmente nômades. A partir do século
XVI, chegaram os primeiros colonizadores portugueses que, em torno de 1530,
começariam a traficar grandes contingentes de pessoas oriundas de diversas nações do
continente africano para trabalhar como escravos nos latifúndios (ALENCASTRO,
2000). Ao longo do processo colonial, ainda recebemos franceses e holandeses, que
disputaram o domínio sobre algumas regiões da então colônia portuguesa.
No século XIX, quando o país já era uma nação independente, iniciaram-se as
imigrações alemã e italiana, fruto de acordos entre os governos dos três países, num
projeto que visava a ocupar a região Sul brasileira e embranquecer a população. Na
mesma época, a Coroa Brasileira trazia alguns grupos de chineses para introduzir o
cultivo de chá no Rio de Janeiro, ainda que sem sucesso. Na segunda metade do século,
registrou-se ainda a chegada de libaneses, que viam o país como um espaço oportuno
para o comércio, principalmente de tecidos.
Em 1908, depois de um acordo diplomático entre autoridades do Brasil e do
Japão, o navio Kasato Maru aportou no litoral paulista, trazendo quase 800 migrantes
japoneses, que seriam empregados como lavradores nas fazendas do interior do Estado.
A partir dos anos 1940 e até hoje, verifica-se ainda a entrada de grupos de refugiados,
oriundos de outros países latino-americanos, do continente africano e do Oriente Médio,
que recorrem à migração para fugir de guerras civis ou das más condições de vida a que
são submetidos.
Além das imigrações de estrangeiros, a história do Brasil também é marcada por
um intenso fluxo interno de mobilidade, especialmente ligado aos ciclos comerciais. O
mais expressivo é, certamente, o fluxo migratório nordestino, registrado intensamente
entre as décadas de 1930 e 1980, o que deu à Região Nordeste o título de “terra de
arribação”3 e tornou a migração um tema diretamente relacionado à identidade local,

3
“Arribação” é o termo que descreve o movimento periódico de alguns animais, principalmente aves,
que, em determinadas épocas do ano, migram para encontrar condições climáticas mais favoráveis. O
termo é usado como metáfora para caracterizar os nordestinos que, assim como as aves, deixavam seus
locais de origem em busca de melhores condições.

16
responsável, inclusive, por estereótipos e expressões de xenofobia. Os fatores
responsáveis para essa migração em massa são diversos:

A profunda desigualdade socioeconômica historicamente consolidada


na estrutura latifundiária, as características ambientais de sub-regiões
afetadas por terras improdutivas e/ou períodos cíclicos de estiagem e a
relativa prosperidade de outras regiões se destacam como os principais
fatores estruturais subjacentes a estes fluxos (OJIMA, FUSCO, 2009,
p. 6)

A década de 1930 marca o início das migrações e coincide com o momento em


que, de acordo com Ojima e Fusco (2009), estabeleceu-se um modelo de
industrialização via substituição de importações na região Sudeste. A partir desse
momento, o país começava a desenvolver suas indústrias, em detrimento das atividades
agrícolas, o que deu início ao êxodo rural e intensificou o desequilíbrio regional,
processo que se tornou mais evidente no pós-guerra.
Além da industrialização, que provocou a migração das áreas rurais para as
urbanas, Bonfim, Lima e Vale (2004) também apontam que a modernização dos
sistemas de transporte terrestres facilitaram o processo de migração no sentido
Norte/Nordeste – Sudeste. Antes, o trajeto dependia principalmente da malha ferroviária
para ser feito, como descreve Marco Antonio Villa no capítulo 2 do livro “Quando eu
vim-me embora” (2017), expondo as péssimas condições a que os migrantes se
submetiam, numa viagem que podia durar quase um mês à mercê da fome, de doenças e
que, muitas vezes, não se completava, porque o viajante morria antes de chegar ao seu
destino. Além disso, outro modal mais antigo que poderia ser utilizado eram as
embarcações, tal como Dorival Caymmi expõe em sua canção “Peguei um Ita no
Norte”, na qual o eu-lírico fala sobre uma viagem de navio saindo de Belém do Pará
para tentar a vida no Rio de Janeiro, então capital federal.
Essa modernização foi resultado tanto do desenvolvimento de transportes de
massa (os ônibus) quanto da abertura de rodovias que interligavam os estados
brasileiros. Dessa forma, permitiu-se um fluxo mais rápido e com maior volume de
passageiros, abrindo uma via de fuga entre o Nordeste e outras regiões do Brasil.

A inauguração, em agosto de 1949, da estrada Rio-Bahia, cuja


construção fora iniciada em 1937, ampliou ainda mais o deslocamento

17
dos sertanejos para o sul. Se, como vimos, em 1950, 85% dos
migrantes chegaram a São Paulo pela ferrovia, no ano seguinte esse
número caiu para 80%, e nos dois primeiros meses de 1952 foi para
58%, e a tendência de queda continuou até o trem ser superado pelo
pau de arara, meio de transporte cujo uso se intensificou ainda mais
devido à entrega da Via Dutra (VILLA, 2017, p. 52).

Apesar de ter início em 1930 e, desde então, registrar números que chamam a
atenção, os fluxos mais numerosos começaram a ser verificados no pós-II Guerra, a
partir de 1950. Essa época, segundo Ojima e Fusco (2009) foi marcada pela expansão
do desenvolvimento econômico-industrial em São Paulo, em especial graças à política
desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, que atraiu capital estrangeiro para
a instalação de indústrias de base no Sudeste.
Esse processo de industrialização, crescente urbanização e suas consequências
(êxodo rural e diáspora nordestina) ficaram registrados em diferentes expressões
artísticas. Nas artes plásticas, por exemplo, temos o quadro “Os Retirantes” (1944), de
Cândido Portinari. Com tons sombrios, a tela retrata uma família miserável durante a
saída de sua terra natal. Na literatura, inúmeras são as personagens que, direta ou
indiretamente, contam sobre a experiência da migração: Macabéa4, de Clarice Lispector,
Sinhá Vitória e Fabiano5, de Graciliano Ramos, e Severino6, de João Cabral de Melo
Neto. Na música, a canção “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, se
tornou um hino da migração. Também podemos citar outros artistas, como Jackson do
Pandeiro, que explorou o cotidiano migrante em canções como “Forró na Gafieira”, ou
Tom Zé, que expõe os anseios do migrante em se tornar parte da sociedade de consumo
em “Menina Jesus”.
O alto fluxo migratório permaneceu até a crise dos anos 1980, que provocou
uma recessão econômica e a consequente diminuição da oferta de trabalho. Além disso,
esse momento foi acompanhado por uma descentralização das atividades industriais, já
que as empresas pretendiam melhorar a integração com o resto do país. Com isso,
verificou-se um êxodo na direção inversa: muitos migrantes começaram a retornar às

4
Em “A Hora da Estrela”, de 1977, a alagoana Macabéa parte para o Rio de Janeiro depois de perder sua
tia, única familiar que tinha.
5
O casal Fabiano e Sinhá Vitória protagoniza “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, lançado em 1938. No
romance, Fabiano, Sinhá Vitória e seus dois filhos (sem nome) precisam migrar periodicamente para fugir
da seca.
6
Severino é o protagonista de “Morte e Vida Severina”, poema de João Cabral de Melo Neto que narra a
viagem do migrante saindo do Sertão em direção ao litoral.

18
suas terras natais. Esse retorno, porém, não apaga as marcas produzidas pela presença
desse grande contingente “estrangeiro” nas terras do Sul/Sudeste. A identidade
nordestina, por exemplo, ficou fortemente marcada pela narrativa da migração, que
atinge até mesmo aqueles que permaneceram em seus locais de origem. De forma mais
objetiva, podemos observar espaços como o Centro de Tradição Nordestina de São
Paulo e a Feira de São Cristóvão (objeto de estudo deste trabalho), que permanecem
como espaços de preservação e celebração da cultura dos migrantes em estados do
Sudeste.

1.2 Entre disputas e negociações: a Feira de São Cristóvão como relicário da


nordestinidade

Entre os anos de 1930 e 80, os órgãos oficiais registraram uma movimentação de


milhões de pessoas saindo do Nordeste em direção às regiões Sul e Sudeste do país. Os
motivos para a migração, em geral, estavam relacionados às condições climáticas e
econômicas, que dificultavam a sobrevivência, especialmente no Sertão nordestino. Em
contrapartida ao ambiente inóspito do Nordeste, com a crescente industrialização e
concentração de renda nos estados do Sul e Sudeste, o “Sul Maravilha” era propagado
como uma terra de oportunidades, onde haveria demanda para a mão de obra que estava
ociosa pela falta de postos de ocupação no Nordeste. Dessa forma, parecia não haver
escolha, quando o que estava em jogo era a sobrevivência. Para muitos, a arribação era
um processo compulsório. Como cantou Belchior em “Fotografia 3x4” (1976), canção
que fala justamente sobre a viagem para o Sudeste: “Pois o que pesa no norte, pela lei
da gravidade / Disso Newton já sabia, cai no sul, grande cidade”.
Essa viagem feita de mau grado tinha como consequência uma reação negativa
às coisas da “cidade grande”. É comum ver narrativas em que se revela uma dificuldade
para se adaptar ao modo de vida urbano, um estranhamento às coisas “de lá” e também
a saudade da terra natal e o desejo de retornar tão logo seja possível. Na canção
“Lamento Sertanejo” (1975), de Dominguinhos e Gilberto Gil, por exemplo, o eu-lírico
confessa:

19
Por ser de lá
Do sertão, lá do cerrado
Lá do interior do mato
Da caatinga do roçado
Eu quase não saio
Eu quase não tenho amigos
Eu quase que não consigo
Ficar na cidade sem viver contrariado

Essa contrariedade, pois, demonstra a inadaptação do sertanejo ao ambiente


urbano, na canção comunicada por meio de um lamento, que se revela não somente pela
letra, mas também pelo tom melancólico com que o intérprete entoa a melodia. Essa
dificuldade para se adaptar também pode ser expressa por meio de um julgamento no
qual cidade e sertão são apresentados em oposição. Em “No Ceará não tem disso não”,
composição de Guio Moraes interpretada por Luiz Gonzaga, por exemplo, o eu-lírico
faz um julgamento moral sobre as práticas da “capital”:

Nem que eu fique aqui dez anos


Eu não me acostumo não
Tudo aqui é diferente
Dos costumes do sertão

Essa contraposição entre a cidade grande e a terra natal é capaz de revelar mais
do que diferenças objetivas entre os espaços do Sudeste e do Nordeste. Nas canções e
folhetos de cordel, por exemplo, é possível observar como a saudade se torna um
elemento presente e estruturante dessa cultura migrante. De acordo com Albuquerque Jr
(2011), as narrativas produzidas por esses migrantes tendem a romantizar o passado,
tratando as experiências da infância ou das relações sociais do Nordeste como algo que
se perdeu, mas que eles querem recuperar.
Por outro lado, essa saudade também se tornou algo compartilhado entre os
migrantes nordestinos, independentemente dos seus estados de origem. Por isso, durante
essas décadas, marcadas pelo que podemos chamar de “diáspora nordestina”, ela foi
capaz de motivar o surgimento de comunidades com sociabilidades próprias nos
espaços em que esses migrantes chegavam.

20
No Rio de Janeiro, o Campo de São Cristóvão, que era o ponto de chegada dos
retirantes, tornou-se um espaço de convivência e se transformou em uma feira informal
na qual se comercializavam artigos de couro, artesanato em barro, fumo de rolo, redes e
alimentos, como queijo coalho, charque, cachaça e mariscos. Vindas do Nordeste, as
mercadorias eram vendidas em tabuleiros improvisados, caixotes empilhados ou até
mesmo no chão, o que ressalta o caráter coloquial e espontâneo do comércio. É válido
destacar que também faziam parte da dinâmica do local alguns repentistas, cordelistas e
violeiros, que davam o tom da poesia e da música regional.

A Feira representava uma iniciativa de resistência e de sobrevivência


dos migrantes, que tentavam ultrapassar as dificuldades do
desenraizamento a partir da produção de um espaço informal. A Feira
teria se formado pelo uso do Campo de São Cristóvão, na Zona Norte
da cidade, como ponto de chegada e de partida de migrantes
nordestinos. O transporte irregular era realizado em caminhões (os
“paus de arara”), que se caracterizavam em alternativas baratas ao
transporte formal. Na medida em que as pessoas aguardavam a
chegada de amigos e parentes, alguns decidiram montar suas barracas
para vender produtos nordestinos, enquanto outros levavam
instrumentos musicais. (VALVERDE, 2011, p. 83)

Descrevendo o ambiente da feira, o escritor Carlos Drummond de Andrade


escreveu nos anos 1980:

O bom comedor encontra requeijão, acarajé, carne de sol com farofa


ou cará, peixe frito, milho assado, galinha de ensopado, carne seca ou
jabá. O visitante encontra ‘as nossas morenas’, dança forró e baião,
curte poesia do Azulão. Há xilogravuras de Erivaldo, artesanato de
barro, ferro e madeira. (...) A feira é um miniuniverso nordestino.
(ANDRADE, Carlos Drummond de, 1984, p. 32).

Nesse cenário, os migrantes podiam se sentir mais próximos de tudo o que


tinham deixado em suas respectivas cidades e, gradualmente, consolidaram uma relação
de afetividade com a Feira dos Nordestinos, que também ficou pejorativamente
conhecida como “Feira dos Paraíba7”8.

7
Em um artigo publicado na Revista Veja em 1987, intitulado “Vamos nos separar do Sul”, o então vereador de
Recife Marcelo Pessoa diz: “Todo pernambucano é baiano, apesar dos 839 quilômetros que separam Salvador do
Recife. E até um paraense, que é do Norte, vira paraibano, numa afronta aos seus valores regionais. Ai de nós,
nordestinos, se chamarmos um fluminense de paulista ou vice-versa. (...) Com os nordestinos não há problemas.
Somos todos iguais na cabeça dos sulistas”.
8
Ambas as nomenclaturas são utilizadas até hoje pela população carioca

21
A projeção simbólica do nordeste, a partir desse espaço diaspórico,
acompanha os moldes das feiras do nordeste, mas com o adendo de
saudade e resistência. As relações estabelecidas naquele espaço o
caracterizam como um espaço de fuga da cidade que não acolhia o
migrante para além do trabalho, um território fortemente guetificado
com fronteiras bem demarcadas, no qual o migrante transpunha ou
convergia a vivência de sua nordestinidade (NEVES, 2015, p. 43).

Por causa disso, a realização da feira se tornou uma tradição. Primeiro para os
migrantes, que, como já disse, encontraram naquele espaço um refúgio. Bem mais tarde,
para parte da população carioca, que passou a frequentar o espaço nos seus momentos
de lazer. Dessa forma, religiosamente, todos os domingos os feirantes levavam suas
mercadorias e montavam suas barracas; músicos executavam suas canções e repentistas
desafiavam o público em versos.
Pela sua natureza informal e a ausência de documentos registrando o início das
atividades, é difícil cruzar as informações sobre sua fundação e determinar com precisão
uma data de origem da feira, como demonstra a pesquisadora Sylvia Nemer (2011, p.
36). As narrativas sobre a fundação da feira são construídas pela história oral, por meio
de memórias de seus fundadores. No entanto, convencionou-se tratar como data de
origem o mês de setembro de 1945:

Entre as várias versões que circulam a respeito das origens da Feira de


São Cristóvão, uma foi adotada como oficial, entrando inclusive para
seu calendário de comemorações. Segundo ela, a Feira teria nascido
em setembro de 1945, quando Raimundo Santa Helena, diante de um
grupo de soldados, fez uma leitura do folheto “Fim da guerra”, escrito
por ele em comemoração ao fim da Segunda Guerra Mundial”
(NEMER, 2011, p. 31).

O que se sabe e não se pode contestar é que número de barracas se ampliava a


cada semana e a proporção que a feira tomava passou a atrair atenção das autoridades e
a antipatia da vizinhança, que acusava os comerciantes e os frequentadores de causar
transtornos no bairro9. As principais reclamações diziam respeito à desorganização das
barracas, à interferência no trânsito, ao barulho e à sujeira causada pelo público.

A cidade do Rio de Janeiro, então Capital Federal e “vitrine no


progresso” da nação, foi um dos alvos desse processo [de migração],

9
Na edição de 12 de julho de 1967, o Jornal A Luta Democrática apresenta registro de uma reclamação feita em um
outro periódico, que reclamava pelo fato de os feirantes não pagarem impostos nem serem legalizados.

22
impulsionado pelo programa desenvolvimentista, pela propaganda
ufanista disseminada pela mídia e, sobretudo, pela força de trabalho
do migrante nordestino que não apenas constituía a peça central da
engrenagem de construção da moderna metrópole carioca, mas
também um constrangimento para seus habitantes que, inebriados
pelos ares de modernidade e cosmopolitismo soprados sobre a Cidade
Maravilhosa, viam com maus olhos os recém-chegados, reveladores
do atraso em que permanecia mergulhada a maior parte do país
(NEMER, 2016, p. 30).

É válido ressaltar que o momento de nascimento da Feira coincide com o início


da ocupação dos bairros da Zona Sul pela elite carioca, fenômeno que teve como
consequência uma crescente desvalorização de áreas do Centro, como o bairro de São
Cristóvão, o que contribuiu com a ocupação da área do campo pelos migrantes. A partir
da observação, é possível ver como “o espaço social se traduz no espaço físico”
(BOURDIEU, 2012, p. 160), ou seja, o espaço reservado para esse tipo de prática social
periférica só poderia ser a periferia. Essa localização distante dos espaços de interesse
do capital, no entanto, não foi suficiente para que os migrantes pudessem realizar suas
práticas sem intervenções. Afinal, o que estava em jogo não era uma mera questão
econômica, mas uma disputa cultural em que os cariocas reagiam à presença do “outro”.
Como consequência desse processo, a Feira se tornou palco de conflitos e de
intervenções por parte do poder público. É possível visualizar esse jogo de poder ao
observar que, nas suas primeiras décadas de funcionamento, não são raras as
reportagens que exploram aspectos tidos como negativos do espaço, influenciando
negativamente, então, a opinião pública.
Em contraponto às narrativas negativas e às reações que ameaçavam a realização
da Feira, os migrantes se organizaram e criaram a União Beneficente dos Nordestinos
do Estado da Guanabara, em 1961, com o intuito de defender e proteger os interesses da
população de retirantes e também o funcionamento da feira. Assim, começaram-se os
esforços no sentido de organizar e padronizar a atuação no Campo de São Cristóvão,
que não agradavam a uma parte dos feirantes. Surgem, então, também algumas disputas
internas, com a criação de outras organizações que tentavam tomar o controle da feira e
também determinar condições para seu funcionamento. Nesse momento, por exemplo,
feirantes já disputavam entre si para definir quais práticas seriam mais ou menos
autênticas de uma identidade nordestina. Ao longo do tempo, essa disputa só se tornaria

23
mais acirrada e ainda envolveria a intervenção da prefeitura, como mostrarei mais
adiante.
Nos anos 80, a Feira ampliou seu horário de funcionamento e passou a ter início
no fim da tarde dos sábados, aumentando o desgosto dos vizinhos. Multiplicam-se,
assim, as reclamações sobre a desorganização da feira, que não cessam nem mesmo
após a sua oficialização, em 1982.

Tal regularidade [de funcionamento] ajudava a constituir a afirmação


identitária, enfrentando a hostilidade da população local e se
apropriando de uma parte da cidade. Mesmo que esta Feira ainda
recebesse quase que exclusivamente os migrantes, é importante
lembrar que sua freqüência era aberta a todos. Porém, a reputação de
ser um lugar sujo e violento não permitia uma evolução da
sociabilidade e as barreiras econômicas e culturais se impunham como
outros obstáculos (VALVERDE, 2011, p. 85).

Para dar corpo à discussão sobre essas disputas culturais entre a população
carioca, os organizadores e frequentadores da Feira de São Cristóvão, primeiramente é
preciso entender que a forma de socialização que ali se desenrolava era totalmente
alheia às práticas locais. Sylvia Nemer mostra, por exemplo, que o formato da Feira de
São Cristóvão subvertia o que até então os cariocas entendiam por uma “feira”:

A palavra “feira”, no imaginário do povo carioca, está sempre


associada à feira livre, espécie de mercado que se instala,
semanalmente e de maneira nômade, nas ruas da cidade. A feira livre é
uma feira de comércio, onde se vende, sobretudo, alimentos. A Feira
de São Cristóvão, como qualquer feira popular do Norte e do
Nordeste, é outra coisa. Ali, se vende de “um tudo”. Mais do que um
local de abastecimento, ela sempre representou, para seus
frequentadores habituais, um espaço de lazer - talvez seu único e
legítimo espaço para diversão (NEMER, 2011, p. 39).

É necessário destacar, nesse sentido, que essas reclamações ainda tinham como
pano de fundo uma reação xenofóbica10 à presença dos nordestinos, que eram tidos
como pouco civilizados, mal-educados, rudes, entre outros adjetivos negativos. Essas

10
Essa visão xenofóbica sobre a população migrante nordestina não era uma exclusividade carioca. Sobre
a migração em São Paulo, Villa conta: “o aumento da migração trouxe a discriminação local conta os
‘baianos’. Os jornais, quando noticiavam um crime, somente citavam o estado de origem do acusado
quando ele era nordestino, fortalecendo o estereótipo de que o migrante era violento, brigão e pouco
sociável” (2017, p. 137).

24
ideias, por sua vez, não nasciam necessariamente da convivência entre as comunidades.
Como mostra Durval Albuquerque Jr (2011), havia um esforço midiático e político no
sentido de desvalorização do nordestino e da região Nordeste, que era associada ao
atraso, à violência, à ignorância, à rejeição da modernidade, entre outras coisas. Em
outras palavras, os cariocas já estavam carregados de preconceitos socialmente
construídos, no sentido literal da palavra. Morando no Rio de Janeiro, a escritora
cearense Rachel de Queiroz escreve:

Muitos de vocês sofrem de uma prevenção tradicional contra o


nordestino - cabeça chata, amarelo e baixote, entrão e falador, que
mete o ombro a qualquer porta, empurra os outros, conta vantagem, e
disputa asperamente o seu lugar ao sol. Como toda caricatura, esse
retrato tem muito de verdade; temos um pouco disso tudo, mas
também temos muita coisa boa (QUEIROZ, 1953, p. 122)

Sendo assim, o que se pode observar a partir disso é que existia uma disputa
pelo território do Campo de São Cristóvão que era atravessada um processo simbólico,
no qual migrantes e a vizinhança carioca competiam entre si. Reiteram-se, então, as
ideias de Bourdieu sobre as relações entre espaço físico e social, segundo as quais é
necessário compreender os processos simbólicos que se inscrevem no espaço natural. O
que está em jogo não é uma mera questão espacial, sobre ocupação de território, mas
uma disputa sobre quais práticas podem ser desenvolvidas nele.
A intermediação entre os interesses dos feirantes e da vizinhança foi feita pelo
poder público, nesse caso, a Prefeitura do Rio de Janeiro. Diante da resistência dos
migrantes em deixar o Campo de São Cristóvão e das incessantes queixas por parte dos
moradores do bairro, intervenções foram realizadas como tentativas de organizar o
funcionamento. A partir dessas intervenções, porém, surgem outras controvérsias, entre
disputas internas e brigas por autenticidade.

25
1.3 A ação do poder público na Feira de São Cristóvão: de evento controverso a
ponto turístico do Rio de Janeiro

Como mostrei na seção anterior, a Feira de São Cristóvão surge e se estabelece


no Rio de Janeiro como um território conflituoso, já que a vizinhança e até mesmo a
opinião pública intermediada pela mídia tinha uma visão negativa sobre ela. Nesse fogo
cruzado, como medida para estabelecer a ordem e a segurança11 e tentar atender aos
interesses de feirantes e cariocas, o prefeito Marcello Alencar lança o decreto nº 4.605,
de 05 de julho de 1984 definindo quais artigos poderiam ser comercializados no local:

Com o objetivo de ‘devolver à Feira dos Nordestinos suas


características regionais’, o decreto do prefeito Marcelo Alencar
estabelece que só será permitida a comercialização de literatura de
cordel, artesanato, bebidas não-fracionadas, redes de dormir e de
pescar, bordados e rendas, discos de música regional, caranguejos,
fumo de rolo, cachimbos e cigarros de palha não industrializados,
laticínios e doces, cereais, farinhas, raízes e biscoitos, comidas, frutas,
carnes, aves e peixes salgados ou curtidos12.

O processo de organização tem continuidade durante a década de 90, quando a


Empresa de Turismo do Rio de Janeiro (Riotur) impulsiona o projeto da prefeitura de
tornar a Feira dos Nordestinos um ponto turístico. Nesse sentido, no ano de 1990, a
estatal promove a padronização das barracas, que deveriam seguir o mesmo modelo a
ser utilizado em outras feiras da cidade. Nesse momento, pois, percebe-se uma tentativa
de adequar a feira dos migrantes ao ideal de feira carioca, como já foi exposto na
citação de Nemer na página 23.
O decreto determinando o que poderia ou não ser comercializado sofreu diversas
alterações até meados dos anos 90, com a finalidade de ajustar as permissões de modo a
tornar a feira a mais “típica” possível, o que era ajustado em negociações entre os
feirantes e a prefeitura. Por fim, em 1996, ampliou-se a permissão para o conserto de
instrumentos musicais ligados à música nordestina; venda de ervas, raízes engarrafadas
e condimentos; venda de sapatos de couro; além de ferramentas e consertos de relógio.

11
Segundo relatos em jornais, nessa época, uma feira de artigos roubados se agregou à Feira de São
Cristóvão, tumultuando ainda mais a sua realização.
12
Nordestinos ficam sem cachaça. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 9 de julho. 1984. 1º Caderno, p. 7.

26
Ainda foram especificados os vegetais que poderiam ser comercializados, que deveriam
ser típicos do Nordeste para não descaracterizar a regionalidade da feira.
Assim, observa-se um processo de seleção de elementos que seriam
representativos da tradição nordestina, bem como a exclusão de outros que seriam
responsáveis pela descaracterização da feira. Dessa forma, é possível observar como as
tradições que deveriam estar presentes na feira são moldadas ao longo do tempo,
aliando ações espontâneas à formatação por parte do poder público, seguindo processos
que Hobsbawm (2018) descreve. Segundo Canclini, “a história dos movimentos
identitários revela uma série de operações de seleção de elementos de diferentes épocas
articulados pelos grupos hegemônicos em um relato que lhes dá coerência,
dramaticidade e eloquência” (CANCLINI, 2003, p. 23).
No livro “O que faz ser nordestino”, a pesquisadora Maura Penna investiga
como se construiu a noção de nordestinidade. Para tanto, dedica seu segundo capítulo a
uma revisão bibliográfica sobre as relações entre identidade e representação,
considerando esta como produtora de sentido que fornecem interpretações sobre o
mundo. No início dessa discussão, Penna (1992, p. 56) afirma que as identidades não
podem ser cristalizadas, já que são construídas historicamente, ou seja, estão
diretamente relacionadas aos seus contextos. Nesse sentido, ainda mostra que “toda
representação é construída através de um processo de seleção e esquematização”
(PENNA, 1992, p. 60), dando origem a um ponto de vista que reduz a realidade. Temos,
então, que o processo de seleção e exclusão de elementos que poderiam estar presentes
na feira serve como um mecanismo que age nessa direção, de fazer um recorte na
realidade para construir uma representação única. No entanto,

Quando determinados traços e práticas culturais são selecionados


como “símbolos” de identidade, sua natureza é alterada: sua
imutabilidade é enfatizada, pois buscam reproduzir e representar o
autêntico e o tradicional, tornando-se traços diacríticos na construção
coletiva da identidade do grupo. Esse processo, que guarda
semelhanças com o de constituição do típico, confere novos
significados a essas práticas, ao mesmo tempo em que lhes retira o
caráter vivo, mutável e dinâmico, fixando-as como um fetiche
(PENNA, 1992. p. 77)

27
A partir disso, é possível afirmar que essa padronização é uma faca de dois
gumes. Por um lado, ela foi importante no processo de pacificação das disputas em
torno da realização da feira. É nítido, que, a partir desse momento, começou a se
consolidar o reconhecimento dela como um fenômeno cultural importante, tanto para a
comunidade migrante quanto para a cidade do Rio. Por outro, coloca definitivamente
em xeque o caráter espontâneo da feira, posto que os feirantes deveriam se adequar às
determinações da Prefeitura caso quisessem continuar atuando no local. Assim, como
mostra a citação de Penna, à medida que se tenta formatar o que é autêntico por meio de
determinações institucionalizadas, desafia-se o curso “natural” da formação identitária.
Nessa tentativa de cristalização, então, corre-se o risco de desembocar na fetichização,
como é denunciado por alguns feirantes descontentes com o processo nos anos que se
sucedem.
Olhando de fora, porém, o retorno sobre os investimentos da Riotur pode ser
percebido na quantidade de matérias positivas veiculadas durante o período,
contrariando as narrativas anteriores, que eram escritas no sentido de marcar
negativamente a realização da feira.
O Jornal do Brasil é um exemplo de periódico que passou a elogiar a Feira e
convidar seus leitores para visitá-la, representando-a como um “pedaço do Nordeste no
Rio de Janeiro” e como um “point alternativo” para quem buscava novas programações
na cidade. Apesar desses aspectos positivos, as disputas internas não cessam. Pelo
contrário, começam a se intensificar, principalmente com a chegada das bandas de forró
elétrico na programação cultural do espaço.
Para os jornais, elas representavam uma nova roupagem a ser valorizada:

Inicialmente percebida como um local reservado às


expressões da cultura nordestina de raiz, a Feira passa a ser valorizada
como um lugar de mistura entre o antigo e o novo, o tradicional e o
moderno, o artesanato e a técnica.
As imagens que ilustram tais matérias são reveladoras do
processo de ressignificação da cultura popular nordestina que teve
lugar na Feira de São Cristóvão, cujo foco se deslocou dos
enquadramentos convencionais, sobre as barracas de carnes frescas e
de ervas, bancas de cordéis e grupos de repentistas, para manifestações
incomuns naquele espaço, como as bandas de forró que lá passaram a
se apresentar nas noites de sábado.
(NEMER, 2016, p.67).

28
Para os cordelistas, repentistas e trios forrozeiros, porém, representavam uma
ameaça não somente ao seu trabalho, mas à tradição nordestina como um todo.
Apegados ao ideal de tradição que se desenvolveu desde o início do século XX, eles
entendiam a inserção de instrumentação elétrica e de temas urbanos e atualizados como
uma afronta à autenticidade. Essa discussão será apresentada e analisada a partir do
capítulo seguinte.
Além das questões internas, os conflitos com os moradores do entorno
continuaram sendo um problema que só teria solução com a mudança do local da feira,
na virada dos anos 2000.
Sendo assim, é possível afirmar que a história da Feira de São Cristóvão durante
suas cinco primeiras décadas pode ser considerada, antes de qualquer coisa, uma
história de resistência cultural. Durante esse período os feirantes travaram batalhas –
tanto com as autoridades quanto com a população moradora do bairro – e viveram sob
as ameaças de extinção ou de sua transferência para outros locais fora da sua rota
original. Nesse tempo, foi necessário travar disputas e aceitar negociações, cedendo em
alguns pontos para a manutenção do funcionamento da feira em seu local de direito até
chegar a um acordo definitivo sobre sua realização, com a transferência para um espaço
próprio e sua consolidação como equipamento cultural do Rio de Janeiro. No entanto, a
regularização e transformação da feira em um espaço turístico não apagou as tensões,
mas sim deu origem a novas.
A partir de 2003, a Feira deixou de ser realizada nas ruas e ganhou como espaço
permanente o Pavilhão de São Cristóvão, cedido pela Empresa de Turismo do Rio de
Janeiro (Riotur), a atual responsável pela sua gestão. Dessa maneira, tem fim a disputa
entre os comerciantes e os moradores do bairro, bem como alguns conflitos internos,
nos quais os feirantes se organizavam em associações para tentar determinar como
deveria funcionar a feira.

29
Figura 1: Mapa do Pavilhão de São Cristóvão

No entanto, a gestão da Riotur e a transposição para o pavilhão são alvos de


críticas por parte de alguns feirantes, que entendem que a feira se descaracterizou e
afastou seus frequentadores habituais:
Segundo seus participantes tradicionais, o local se transformou num
centro comercial dirigido para consumidores de poder aquisitivo entre
médio e alto, interessados em adquirir produtos considerados exóticos,
representativos de uma cultura distante (NEMER, 2011, p. 69)

Levar a feira para dentro do pavilhão, dessa forma, parece por um fim definitivo
na espontaneidade da feira e de suas práticas culturais. Para alguns feirantes, então, se
encerra o processo descrito acima na citação de Maura Penna, com a criação de um
espaço de nordestinidade feito para carioca ver e, supostamente, não mais para a
confraternização entre os migrantes nordestinos.

30
Em compensação, esse momento coincide com um novo13 momento de
popularização da cultura nordestina no Sudeste, com o surgimento de grupos musicais
forrozeiros como o Falamansa, em São Paulo, e o Boitatá, formado por estudantes da
PUC-Rio. Essa tendência, pois, colocou a feira na rota da juventude do Rio de Janeiro,
que buscava consumir itens da cultura nordestina como uma forma de se conectar à
moda.
A despeito das críticas e tensões, é inegável que o início dos anos 2000
transformou a Feira de São Cristóvão em um sucesso de público. Se antes a opinião
pública já vinha se tornando mais positiva, nesse momento, a feira se consolida de
forma definitiva como ponto turístico da cidade do Rio, processo que vinha sendo
trabalhado pela prefeitura desde o fim dos anos 80. Seu horário de funcionamento passa
a ser de terça a domingo e, segundo o site institucional14, uma média de 300 mil pessoas
15
transita pelo espaço todos os meses.
O período de maior movimentação é sempre aos fins de semana, quando a feira
funciona sem parar das 10h da sexta-feira até às 20h do domingo e são realizados
diversos shows nos sete palcos16 que compõem o espaço. É importante ressaltar que
essas apresentações musicais são a principal atração do local e levam pessoas de todas
as idades a dançar no ritmo do forró e gêneros afins, como o baião, o xote e até mesmo
o brega.
Além de ser a grande responsável por atrair o público, por seu caráter de lazer, a
programação musical também é um elemento fundamental para a construção da noção
de nordestinidade no espaço, já que a música é uma ferramenta identitária importante
para a comunidade nordestina. Dessa forma, assim como houve uma seleção de objetos
ou alimentos que poderiam ser comercializados nos limites da feira, os sons e ritmos
que ecoam pelo espaço também passam por um filtro para determinar quais podem (ou
não) ser incluídos nos palcos do pavilhão. A distribuição das atrações por esses palcos,
por sua vez, também é um fenômeno que nos revela indícios de como essa

13
Nas décadas de 1940 e 1950, a música nordestina ganhou as rádios nacionais com a popularização de
Luiz Gonzaga, responsável por apresentar ritmos regionais para todo o Brasil. No entanto, a partir dos
anos 1960, sua música começou a perder público para outros gêneros.
14
<https://www.feiradesaocristovao.org.br/>. Acesso em 13 de abril de 2018.
15
Dado coletado em 2018. De acordo com Valverde (2011), a Prefeitura do Rio falava em uma circulação
de 70 mil pessoas por semana em 2011.
16
Três palcos principais, onde se concentram as principais atrações, e quatro palcos menores, localizados
em pequenas praças.

31
nordestinidade se constrói atualmente, aliando tradição, mercado e hibridismos
culturais.
Para entender como se configuram e se relacionam os artistas que se apresentam
lá, foram realizadas visitas para observar a dinâmica dos palcos e do público que assiste
às apresentações. Nos capítulos seguintes, apresento essas observações e uma revisão
bibliográfica sobre música e nordestinidade. A partir disso, foi possível compreender de
que maneira a paisagem musical da Feira de São Cristóvão desempenha seu papel no
sentido de construir, em conjunto com outros elementos, a nordestinidade do local.

32
2. MÚSICA E PRODUÇÃO DE IDENTIDADE REGIONAL

Em “Conheço Meu Lugar” (1976), Belchior canta “Nordeste é uma ficção/


Nordeste nunca houve”. Saindo da música para o mundo acadêmico, temos o estudo de
Benedict Anderson (2008), que mostra o processo pelo qual as comunidades se formam
por meio de jogos simbólicos, e o trabalho de Hobsbawm (2018), que postula que todas
as tradições são inventadas em processos sociais, espontaneamente em meio às práticas
cotidianas ou meticulosamente planejadas por instituições, tendo em vista a manutenção
do poder.

Em meio à afirmação de Belchior e ao entendimento de que existe um processo


de significação construído por meio de símbolos, é possível partir da premissa de que a
música, enquanto produto capaz de produzir de significados, pode ser uma ferramenta
empregada na imaginação de comunidades, como proposto por Anderson, ou na
materialização de identidades, como postulado por Georgina Born (2011). No espaço da
Feira, então, esse elemento compõe o ar de nordestinidade em conjunto com a
cenografia e a culinária, dando o toque da paisagem sonora. Logo, a partir de
sonoridades que foram historicamente construídas e associadas aos estados do Nordeste,
as atrações musicais da Feira podem ser observadas e analisadas para entender como
elas participam desse processo de construção da nordestinidade naquele ambiente,
levando em conta algumas nuances, como os gêneros das bandas e artistas e até mesmo
a sua disposição no espaço do Pavilhão de São Cristóvão.

Para averiguar essa hipótese, revisito estudos de pesquisadores vinculados aos


Estudos Culturais, a começar por Bourdieu, que contribui com dois textos sobre o tema,
“Efeitos de Lugar” (1997) e “Identidade e Representação” (1989). Neles, o pesquisador
se propõe a analisar as relações entre os espaços físico e social, como já explorei
anteriormente na seção 1.2 deste trabalho.

De acordo com Bourdieu, antes mesmo de ser geográfica, uma região é uma
determinação simbólica atravessada pelo poder. O autor mostra que a própria palavra já
deixa marcada em si esse poder determinante, posto que vem de “regium”, que tem a

33
ver com a realeza. Nessa delimitação, são determinados os sujeitos que estão dentro ou
fora da região, que fazem parte ou não daquela comunidade imaginada. Assim,
determinam-se “nós” e “eles” por meio do compartilhamento simbólico. É por isso, por
exemplo, que um carioca enxerga um paulista como “o outro” e vice-versa.

A comunidade que se desenvolve no Campo de São Cristóvão e os embates com


a população carioca são bons exemplos dessa delimitação. Como explicitado nas seções
1.2 e 1.3, as práticas desenroladas no espaço da feira não eram compartilhadas com a
sociedade carioca, que as entendia como estrangeiras àquela localidade. Da mesma
forma, os migrantes também relatam em diversas narrativas o estranhamento sobre a
vida no espaço urbano do Sudeste. Essas relações, pois, são mediadas por uma tensão.

A partir desse processo de identificação ou de diferenciação, surgem as


identidades regionais, que precisam do compartilhamento de símbolos para manter a
coesão social, como mostra Benedict Anderson. No caso dos migrantes nordestinos,
podemos ver que nove estados diferentes se unem sob um mesmo rótulo, a despeito das
distintas práticas culturais que são desenvolvidas em seus territórios. Assim,
encontram-se elementos em comum que sirvam para manter essa coesão entre
nordestinos, o que depende do esforço de seleção do que deve fazer parte dessa cultura
compartilhada. Logo, essas identidades não são naturais, como explicam autores como
Bourdieu e Hall (1996), mas sim construções sociais.

[a identidade] tanto é uma questão de "ser" quanto de "se tornar, ou


devir". Pertence ao passado, mas também ao futuro. Não é algo que já
exista, transcendendo a lugar, tempo, cultura e história. As identidades
culturais provêm de alguma parte, tem história. Mas, como tudo o que
é histórico, sofrem transformação constante. Longe de ficar
eternamente em algum passado essencializado, estão sujeitas ao
contínuo "jogo" da história, da cultura e do poder (HALL, 1996, p.
69).

Esse compartilhamento de símbolos, como vemos nas disputas externas e


internas sobre o funcionamento da Feira de São Cristóvão, é atravessado a todo o tempo
por disputas pelo direito de significar, como mostram (HALL,1996; BHABHA,2013), e
isso não é definido de forma democrática, em uma eleição. A regra geral diz que quem

34
tem mais poder nas mãos tem o direito de determinar os símbolos compartilhados,
assim como tem o direito à proibição de símbolos específicos. As tentativas de
padronização da Feira por parte do poder público, por exemplo, são atravessadas por
processos de seleção e exclusão de elementos que podem ou não ser comercializados no
espaço a partir de determinações impositivas. O mesmo ocorre com a música, nosso
objeto de estudo, já que a programação oficial da feira inclui apenas ritmos entendidos
como típicos da região, apostando no que Albuquerque Júnior chama de “práticas e
discursos nordestinizadores” (2011, p. 79).

Olhando de forma breve para os trabalhos de autores como Durval Albuquerque


Jr (2011) e Maura Penna (1995), podemos verificar como essas discussões podem ser
observadas na prática na construção da nordestinidade, especialmente a partir do fim do
século XIX. Penna e Albuquerque Jr. mostram que houve um esforço
político-econômico na construção da ideia de que o Nordeste é o espaço do atraso, da
antimodernidade, da subalternidade. Isso se reforça ainda mais a partir dos movimentos
de migração em massa em direção ao Sudeste, que reiteram a ideia de que os
nordestinos são miseráveis e fazem surgir personagens cômicos ou narrativas
dramáticas com o nordestino no centro do problema.

Assim, chegamos a Bakhtin (1995), que mostra que toda determinação simbólica
(ou seja, os signos) é, também, ideológica. As diferentes formas artísticas, nesse
sentido, surgem como objetos simbólicos de reforço ou de negação das representações
que dão origem à identidade. Nesse processo, podem colocar em tensão a ideia de
autenticidade e dar origens a outras representações. Afinal, se há diferentes formas de
pensar e os símbolos - que podem, inclusive, ser contrários entre si -, como identificar o
que há de mais autêntico?

A partir dessas discussões, podemos partir para a questão da música


propriamente dita. Considerando ela enquanto símbolo capaz de produzir representações
e, consequentemente, materializar identidades, a proposta deste capítulo é identificar
como a música regional nordestina se forma para depois analisar como ela se insere na
Feira de São Cristóvão.

35
Nas seções que compõem este segundo capítulo, pois, procuro apresentar um
panorama sobre a construção da música tradicional nordestina, passando por Luiz
Gonzaga e a formação dos trios forrozeiros e uma tentativa de compreender como essa
sonoridade consegue materializar identidades. Em seguida, trago à tona o forró elétrico,
que atualiza o ritmo tradicional e entra em cena tensionando o ideal de autenticidade.

2.1 Luiz Gonzaga e a criação de uma estética nordestina

É difícil pensar em música regional nordestina e não associar o tema a Luiz


Gonzaga, que ficou famoso sob a alcunha de “Rei do Baião”, ritmo que ele próprio
criou numa tentativa de sintetizar a sonoridade nordestina e logo ganhou status de
autêntico e tradicional. Ao longo de sua carreira, o artista tomou para si o lugar do
tradicionalismo e vendeu a imagem da autenticidade nordestina, servindo como
referência visual, auditiva e ideológica. Não é à toa que seu nome é emprestado para
centros culturais e turísticos, como é o caso da própria Feira de São Cristóvão.
Pernambucano de Exú, Luiz Gonzaga chegara ao Rio de Janeiro na década de
30, depois de dar baixa no Exército, quando começou a praticar o ofício que aprendera
com o pai – o sanfoneiro Januário – tocando fados, tangos e foxtrotes na extinta região
do Mangue, que ficou marcada na história carioca pela intensa vida noturna. Assim, no
início de sua carreira, o futuro Rei do Baião apostava em um repertório comercial,
adaptado ao gosto do público local. De acordo com ele próprio:

Ninguém sabia que eu era nordestino. Eu já era um malandro, me


atirava no meio dos crioulos, vestido igual a eles, até cantava nas
gafieiras. Eu tinha interesse em me adaptar ao sotaque carioca.
Sotaque nordestino, havia muito tempo que eu já tinha perdido.
Também, já tinha saído do Nordeste há mais de nove anos. Quando dei
baixa do Exército e saí de Minas, já estava ficando mineiro
(GONGAZA apud DREYFUS, 1997, p. 81).

36
O repertório com base nordestina só passou a ser executado na década de 1940,
após um desafio de um grupo de estudantes cearenses que frequentava o bar em que
Gonzaga tocava. Apesar da resistência, por não confiar na vendabilidade dos ritmos
regionais, o sanfoneiro aceitou o desafio e tocou canções que aprendera com o pai. O
sucesso da noite foi um divisor de águas na vida do pernambucano, que dali em diante
passou a investir na sonoridade tradicional de sua terra e, como ele mesmo dizia, “cantar
o Nordeste”.
As canções executadas por Luiz Gonzaga têm como plano de fundo o Sertão
nordestino, um espaço árido, em que os sujeitos precisam lidar com contratempos
decorrentes da falta de água e do clima, condições que tornam o solo difícil de ser
cultivado. Em suas letras, por um lado, reforça-se o lugar de subalternidade do
nordestino e a migração é apresentada como um processo inevitável para quem quer
sobreviver, reforçando uma narrativa que estava presente na mídia da época. Por outro,
o Nordeste é apresentado como um espaço idílico, principalmente quando comparado
com as cidades grandes do Sudeste. Gonzaga dialogava, então, diretamente com a
população migrante, justamente na época de maior intensidade do fluxo migratório,
como já visto no capítulo anterior. Nesse sentido:

A música é uma das maiores traduções dessa nordestinidade, uma


linguagem artística que possui uma representatividade popular franca
ao ponto de conseguir alcançar todas as classes sociais. O ritmo do
baião é o primeiro estilo musical que cantará o nordeste pelo mundo, é
a única representação da saudade do migrante que se encontra em
meio a um deserto de representatividade nordestina na cidade
(NEVES, 2015, p. 28).

Por exemplo, o principal sucesso de Gonzaga, “Asa Branca”, escrita em parceria


com Humberto Teixeira, tornou-se um hino da migração. A canção expõe o sofrimento
do eu-lírico, que vê sua terra sofrendo os efeitos do clima árido e é forçado a emigrar.
Em compensação às mazelas da seca, na sequência da canção percebe-se que o sujeito
vangloria a vida simples sertaneja e os valores do Nordeste. Ao final da canção, o
eu-lírico deixa claro que seu desejo é retornar, ao entoar “espero a chuva cair de novo/
pra mim voltar pro meu Sertão”.
Em outras composições, os valores sertanejos são expostos em comparação com
as “modernidades” da “capital”, expressão que em sua música serve como metonímia

37
para os grandes centros urbanos do Sudeste. Assim Gonzaga interpreta na canção “No
Ceará não tem disso não”, de 1950:

Nem que eu fique aqui dez anos


Eu não me acostumo não
Tudo aqui é diferente
Dos costumes do sertão
Num se pode comprar nada
Sem topar com tubarão
Vou voltar pra minha terra
No primeiro caminhão

Ao longo da década de 50, então, Gonzaga segue a mesma linha de produção


musical, recorrendo aos temas ligados à vida sertaneja para apresentar o personagem do
migrante. Isso é observável em outras canções, como “Adeus, Rio de Janeiro”, também
de 1950, em que o eu-lírico expressa seu desejo de retornar para os braços de sua
amada; “Adeus, Pernambuco”, em que relata o sofrimento por precisar partir e
“Sertanejo do Norte”, na qual ele homenageia os migrantes.

Olhando para os bastidores da produção de Gonzaga, vemos um esforço


consciente que ele faz para produzir um efeito de tradicionalismo. Sua biógrafa conta, a
partir de depoimento dele, que o trio nordestino foi uma criação sonora sua, numa
tentativa de unir instrumentos que harmonizassem entre si (zabumba – percussão grave;
triângulo – percussão aguda e sanfona – melodia) e construíssem uma noção sonora de
nordestinidade:
A partir da década de 50, sentiu necessidade de aprofundar o
compromisso com a música da sua terra, e criar um conjunto cujas
raízes estariam no Nordeste. Além do mais, com banda própria, teria o
domínio completo do seu trabalho. Para isso, ele começou a imaginar
nova instrumentação, capaz de interpretar plenamente o baião,
realçando-lhe as características, salientando-lhe o sabor. E foi
lembrando os intrumentos tradicionais da música do Nordeste que
constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma da sua música
(DREYFUS, 1997, p. 150).

Além disso, ele ainda fala sobre o planejamento de suas vestimentas, que
previam realmente a criação de um personagem. Na biografia, o próprio artista conta
que as vestimentas que utilizava foram escolhidas de forma estratégica, pensando em

38
apresentar para seu público um personagem formado por elementos sertanejos e do
cangaço. Segundo ele, “o baiano tinha o chapéu de palha, o sulista era aquela roupa do
Pedro [Raimundo]. Mas e o nordestino? Eu tinha a oportunidade de criar sua
característica e a única coisa que me vinha à cabeça era Lampião” (GONZAGA, in:
DREYFUS, 2012, p. 134).
Nesse sentido, é importante considerar que, segundo Orlandi (2015, p. 62), ao
usar a Análise do Discurso como referencial teórico-metodológico, não devemos nos
limitar apenas aos textos, mas incluir também outras práticas discursivas de diferentes
naturezas, como sons e imagens. Partindo para a Etnomusicologia, o mesmo argumento
pode ser explicando quando uma música não se encerra nos seus aspectos auditivos, já
que ela é acompanhada de elementos extramusicais, como define Juan Pablo González
(2013)17. No caso de Gonzaga são suas vestimentas e os cenários utilizados em suas
apresentações.
Dessa forma, podemos ir além das letras das canções de Luiz Gonzaga e partir
para a análise da sonoridade e de elementos extramusicais, com o objetivo de entender
de que maneira ele recorre ao tradicionalismo para construir seu repertório e estabelecer
uma imagem para o migrante.

Mais do que um simples divulgador, Gonzaga estabeleceu


determinados modelos estéticos a partir dos quais o forró passou a ser
reconhecido e difundido. Entre essas características, destaca-se o uso
do trio sanfona, zabumba e triângulo como elemento sonoro (e
performático) essencial. Sanfoneiro de técnica apurada, Luiz Gonzaga
utilizou seu status midiático em prol da sedimentação de uma estética
sonora capaz de identificar um certo perfil sociomusical” (TROTTA,
2008, p. 7).

Por ter sido pioneiro no sentido de levar a música nordestina às paradas de rádio
e ter se consagrado como um mestre, Luiz Gonzaga influenciou artistas que lhe
sucederam, seja nas temáticas exploradas nas canções ou mesmo na sonoridade, já que
ele foi o responsável por consagrar o trio nordestino (triângulo, zabumba e sanfona)
como formação tradicional da música regional.

17
Refletindo sobre os modos de tratar a música enquanto objeto de pesquisa, o pesquisador chileno
apresenta a interdisciplinaridade como uma proposta para abordar o objeto de forma mais ampla. Sendo
assim, os elementos extramusicais são aqueles que se desenrolam tangencialmente aos produtos musicais,
mas que ajudam a construí-los e servem como informação sobre eles. Afinal, a música é um produto
histórico, que se desenvolve em relação com seu contexto temporal, local e material.

39
A partir do exemplo de Luiz Gonzaga, podemos observar que no início da
diáspora nordestina (década de 40 e início de 50) o migrante era retratado na música
como aquele “matuto” sertanejo que deixava sua terra natal por força das circunstâncias,
mas aguardava com esperanças uma oportunidade de retornar. A seguir, analiso como
essa produção musical se relacionou com a formação da identidade nordestina.

2.2 Como a música pode ser uma ferramenta de construção de identidades?

Ao mostrar como a Feira de São Cristóvão se desenvolveu desde os anos de


1940, fica claro que aquele espaço tinha a finalidade de servir como um refúgio onde
migrantes poderiam compartilhar códigos regionais em comunidade. Esses códigos, por
sua vez, foram selecionados a partir de denominadores comuns, por meio dos quais
alagoanos, pernambucanos, baianos, entre outros, pudessem resgatar um pouco de suas
terras natais em confraternização com seus pares. Por isso, em meio às barracas, sempre
foi possível encontrar elementos icônicos da culinária nordestina, por exemplo, como
charque (carne seca), farinha de mandioca, macaxeira, entre outros ingredientes.

Observando a programação de atrações artísticas ao longo dos anos, é possível


dizer que o mesmo processo se deu com a música. Ainda que haja inúmeras variações
de ritmos e instrumentos ao longo da região, foi necessário encontrar aqueles que
servissem como representantes da regionalidade para criar um espaço sonoro que
mobilizasse a afetividade dos frequentadores da feira. Não é à toa, por exemplo, que
Luiz Gonzaga, cujo trabalho e trajetória foram analisados na seção anterior, serve como
símbolo máximo da feira, inclusive emprestando seu nome para o nome oficial do
espaço.

No artigo “Music and the materialization of identities”, a pesquisadora Georgina


Born se preocupa em observar de que maneira a música é capaz de materializar
identidades, como a tradução do título deixa claro. Nesse sentido, a autora argumenta

40
que a música é um campo de estudo que dá abertura para novas perspectivas teóricas em
questões de materialidade, mediação e afeto.

Segundo Born, “na maioria das culturas humanas, na ausência de um nível


denotativo ou literal de significação, a sonoridade engendra uma produção de
conotações extramusicais de vários tipos – visual, sensual, emocional e intelectual”
(2011, p. 377, tradução minha)18. Um breve passeio pela Feira de São Cristóvão serve
como exemplo claro dessa materialidade: ao longo dos corredores, estão espalhados
diversos símbolos dessa cultura nordestina que foi sintetizada em canções de Luiz
Gonzaga e discípulos de sua obra:

À medida que entramos efetivamente no espaço da Feira, a sensação


de que estamos ingressando num ambiente de atrações se torna cada
vez mais forte. Aqui, ali e por todos os cantos, nos deparamos com um
Nordeste estilizado representado por cabeças de boi, chapéus de
couro, berrantes, abóboras, cocos, abacaxis, cactos, coqueiros,
berimbaus, sanfonas, pandeiros, redes, carrancas e uma infinidade de
outros itens que convidam o visitante a recordar e consumir (NEMER,
2011, p. 101).

Para aprimorar o estudo sobre como se produzem as mediações pela música,


Georgina Born defende que a análise social deve englobar os quatro planos de mediação
social que podem ser gerados por ela. Abaixo, listo esses planos e identifico como os
três últimos podem ser relacionados com a questão da música e da identidade
nordestinas, a partir do exemplo de Luiz Gonzaga:

1. A música produz suas próprias relações sociais diversas – nas


sociabilidades particulares da performance e da prática musical, nos
conjuntos musicais e na divisão musical do trabalho. Ou seja, nos
bastidores da produção musical são criadas sociabilidades específicas que
dizem respeito às suas dinâmicas próprias;
2. A música evoca comunidades imaginadas, sendo capaz de construir
agregações de ouvintes por meio da identificação musical, entre outras
variáveis. De acordo com a autora,

18
Texto original: “In most human cultures, in the absence of a denotative or literal level of meaning,
musical sound engenders a profusion of extra-musical connotations of various kinds – visual, sensual,
emotional and intellectual”.

41
“estas são comunidades musicalmente imaginadas que (...)
podem reproduzir ou memorizar formações de identidade
existentes, gerar identificações puramente fantasiosas ou
prefigurar formações de identidade emergentes forjando novas
alianças sociais” (BORN, 2011, p. 381, tradução minha)19;

Como visto na seção anterior, a produção musical de Gonzaga tem uma relação
circular com a identidade migrante nordestina. Ao mesmo tempo em que ela se estrutura
a partir da experiência da migração para o Sudeste, abordando temas como a saudade de
casa e o estranhamento com a cidade grande, ela também serve como elemento
estruturador, já que cria representações e ajuda a cristalizá-las.
3. A música é atravessada por formações mais amplas de identidade social,
ou seja, ela absorve em si as relações hierárquicas e estratificadas de
classe, idade, raça, etnia, gênero e sexualidade;
Como produto histórico, a música de Gonzaga recebe influência de seu contexto
e isso pode ser observado em diferentes recortes. A regionalidade é, com certeza, o mais
evidente deles, já que ele pretendia ressaltá-la. Com ela, porém, surgem também
questões de classe que colocam o nordestino em um lugar de subalternidade e questões
de gênero que põem o feminino em uma posição passiva, em consonância com os ideais
da época.
4. A música está diretamente relacionada às estruturas sociais e
institucionais que permitem sua produção, reprodução e transformação.
Essas podem ser desde o patrocínio de elites religiosas, o mercado, as
instituições culturais públicas, entre outras que são, em suma, as
condições materiais de existência.

O sucesso e declínio de Gonzaga estão diretamente relacionados ao movimento


migratório e também ao funcionamento do mercado fonográfico. Enquanto o fluxo de
migrantes que se destinavam para o Sudeste era intenso, o artista encontrava o ambiente
perfeito para vender a sua música. Isso, é claro, atraía a atenção do mercado
fonográfico, que via a oportunidade de mercado e investia na produção de Gonzaga.

19
Texto original: “These are musically imagined communities that, as I have shown elsewhere, may
reproduce or memorialize extant identity formations, generate purely fantasized identifications, or
prefigure emergent identity formations by forging novel social alliances”.

42
Dessa forma, é possível ver a partir da divisão de Born que os primeiros dois
planos remontam às sociabilidades engendradas pela prática e pela experiência musical,
enquanto os dois últimos remontam às condições sociais e institucionais que permitem
certos tipos de prática musical. É possível entender, assim, que os dois primeiros são
planos criados de dentro da música para fora, pois são as características próprias da
produção musical que têm consequências no social. Os dois últimos, por sua vez,
seguem a lógica inversa (de fora para dentro), já que é o social que influencia a
produção musical.

Em consonância com os dois últimos planos de mediação propostos por Born, o


historiador Durval Albuquerque Jr. diz que:

As obras de arte têm ressonância em todo o social. Elas são máquinas


de produção de sentido e de significados. Elas funcionam proliferando
o real, ultrapassando sua naturalização. São produtoras de uma dada
sensibilidade e instauradoras de uma data forma de ver e dizer a
realidade. São máquinas históricas de saber (ALBUQUERQUE JR.,
2011, p. 41).

Assim, é possível observar, por exemplo, que as áreas periféricas produzem


ritmos e temas ligados à sua própria existência material, como é o caso do Funk
Carioca, que traz em suas canções um vínculo com as vivências das favelas, abordando
temas como a violência imposta pela polícia, a presença do tráfico de drogas, a má
infraestrutura dos morros, as festas da periferia e as formas de sociabilidade que se
estabelecem na sua área de origem. Dessa forma, essa mesma produção musical que
serve como entretenimento também é uma ferramenta para conhecer as particularidades
daquela região, servindo como documento que registra os costumes, as festividades,
dados socioeconômicos, entre outras informações.

Ao falar especificamente da música nordestina, então, é forçoso reconhecer que


ao longo do século XX ela foi influenciada pela diáspora em direção aos estados do Sul
e Sudeste. Assim, artistas regionais, sendo Luiz Gonzaga o principal expoente,
acionaram a temática para registrar as causas e consequências da migração, abordando
os estranhamentos diante da cidade grande, a saudade de casa e da família, os
contratempos pelos quais precisavam passar no novo local, entre outras questões.

43
Como já foi discutido até aqui neste trabalho, devemos ressaltar que essas
canções tiveram um papel protagonista na consolidação da identidade regional, tanto
para os próprios nordestinos se reconhecerem como também para que o “outro” pudesse
categorizá-los e compreender quem eles são. Sendo assim, “os repertórios musicais
[nordestinos] projetam no espaço sonoro imaginários de alteridade, funcionando como
símbolos de grupos sociais identificados como ‘eles’” (TROTTA, 2014, p. 32). Da
mesma maneira, esse repertório serve como forma de compartilhamento entre os
nordestinos:
Nesse processo, a música atua de forma particularmente efetiva no
estabelecimento de laços identitários e na imaginação de
pertencimento compartilhado. Os hinos, cantos e repertórios de um
“lugar” povoam afetivamente esse espaço com vivências individuais e
coletivas que inculcam nos indivíduos um sentimento de coletividade
e de pertencimento (TROTTA, 2014, p. 31).

A formação desse repertório e do conjunto de símbolos, porém, não é um


processo linear. Ele é entremeado de tensões e disputas. Na música nordestina, por
exemplo, há uma tentativa de cristalizar a sonoridade e os temas dos trios forrozeiros
como representantes dessa cultura. O ideal de autenticidade, no entanto, é desafiado
com a criação de gêneros derivados dessa formação e que também se colocam como
símbolos de nordestinidade, como é o caso do forró elétrico.

2.3 Tensionando a tradição: o surgimento do forró elétrico como representante da


identidade nordestina

O ápice da produção de Gonzaga coincide com o momento de maior fluxo


migratório de nordestinos para os estados do Sudeste. Nesse momento, ele encontrou o
cenário perfeito para cantar as coisas de sua terra e garantir um público fiel, o que foi
aproveitado pelas gravadoras por ser uma grande oportunidade de negócio. Sendo
assim, Gonzaga tinha o cenário perfeito: milhares e milhares de nordestinos estavam se
desterritorializando, carregando consigo a saudade das coisas “de lá” e precisavam de

44
expressões culturais que ajudassem a apaziguar esse sentimento e organizar sua
identidade.
O cenário muda a partir dos anos 1960, quando a procura pela música de
Gonzaga começa a declinar. Nesse momento, o mercado fonográfico investia na
produção de uma música nacional e o forró era regionalizado demais para ser
representante da cultura brasileira como um todo.
É preciso lembrar que, na segunda metade dos anos 1950, o governo de
Juscelino Kubitschek tinha como filosofia política o desenvolvimentismo, com
incentivo à industrialização e às culturas urbanas e tendo como meta a criação de um
Brasil tipo exportação. Isso exigia também um esforço cultural, é claro, já que
expressões regionais eram folclóricas demais para servirem como representantes desse
novo país. E foi nesse cenário que surgiu a Bossa Nova, que, como mostra Christopher
Dunn (2009), estava longe de ser uma unanimidade entre os críticos e artistas, mas
acabou cativando a opinião pública pela sua capacidade de oferecer um produto
refinado e representante da elite econômica.
Uma década depois, foi a vez da consolidação da MPB enquanto gênero, graças
aos festivais de música da televisão, que serviram como vitrine para artistas hoje
consagrados, como Caetano Veloso, Edu Lobo, Chico Buarque, entre outros. Nesse
momento, aliás, como mostra Dunn, foi possível trazer novas experimentações para a
música brasileira, como a incorporação da guitarra elétrica.
Em um cenário que priorizava a produção de uma música nacional, então,
Gonzaga ficou restrito aos circuitos regionais. Sua música já não dialogava com a
população urbana, que estava ocupada batendo palmas ou vaiando artistas nos
programas de auditório.
Como mostra Draper III, esse declínio da música tradicional exigiu uma
reinvenção, que surgiu por meio de uma alegoria, possível por meio da combinação de
fragmentos do passado para fazer surgir uma nova estrutura que não reconstrói o estado
anterior, mas supera o estado de destruição (DRAPER III, 2014, p. 52). Foi assim,
então, que surgiu uma nova leva de forrozeiros ou artistas que evocavam as referências
do forró, agora dialogando tanto com o passado tradicionalista quanto com a produção
nacional. Alguns exemplos que podem ser citados são Elba Ramalho, Alceu Valença e
Zé Ramalho. No entanto, até mesmo Raul Seixas, categorizado como roqueiro,

45
contribuiu para esse novo momento do forró, já que incorporava referências do ritmo
entre suas guitarras e baixos elétricos.
Nos anos 1990, surge um novo subproduto do forró, que Draper III chama de
“forró universitário”. De acordo com o autor:

Muitas vezes o etos da produção artística para os forrozeiros


universitários é aquele “resgate”, um projeto de recuperação e
revitalização de um gênero considerado estar sob ameaça de extinção.
Esse “retorno às origens”, como Dominguinhos o chama, certamente
envolve entretenimento, já que é uma tentativa de adaptar o forró para
a cena dos clubes noturnos frequentados por plateias mais ricas, onde
ele era ausente (ao menos até os anos 1980) (DRAPER III, 2014, pp.
193 - 194).

Esse forró universitário, porém, não apresentava grandes novidades sonoras. Na


verdade, ele era levado com uma nova roupagem, gourmetizada, para atingir camadas
mais altas da população jovem do Sudeste, que via no ritmo uma possibilidade de
consumo descolada.
A grande transformação do forró ocorre, então, segundo Draper III, com o
surgimento do forró elétrico ou eletrônico. Ele promove profundas mudanças estruturais
e sonoras no forró, imprimindo uma roupagem atualizada ao ritmo.

O número de membros da banda no palco tende a ser superior a


quinze, incluindo múltiplos guitarristas e baixistas, um tecladista,
assim como vários percussionistas, vocalistas, dançarinos (tipicamente
do sexo feminino, mas às vezes casais de homens e mulheres), um
tocador de acordeão e às vezes um saxofonista. Iluminação e efeitos
especiais tendem a ser elaborados e dramáticos, e os trajes chamativos
e reveladores. Além disso, embora seja uma diferença menos
acentuada do que no caso do estilo de performance, o discurso lirico
do forró eletrônico mostra um aumento no foco do romance
interpessoal. Assim, o forró eletrônico se apresenta como um melhor
caso para uma possível síntese das epistemes do rural e urbano do que
o forró universitário ou o tradicional (DRAPER III, 2014, p. 195).

Com essa descrição, é possível entender o ponto de inflexão entre o forró


elétrico e o tradicional. Enquanto os forrós pé-de-serra e o universitário fazem questão
de manter o formato que se tornou um clássico regional e seguem investindo nas
temáticas que eram produzidas há décadas por artistas canônicos do gênero, o forró

46
elétrico rompe com essa cristalização. Os representantes do novo subgênero estão
constantemente se atualizando e se reinventando, mesclando sonoridades de outros
ritmos e apostando em temas atuais em suas canções, que já não se preocupam tanto em
conversas com um coletivo, mas sim com experiências individuais.
Essa mudança foi, com certeza, um sucesso de mercado, o que se prova pela alta
popularidade que as bandas de forró elétrico mantêm até hoje. A banda Calcinha Preta,
por exemplo, que foi criada em 1995, registra hoje 921.56620 ouvintes mensais na
plataforma de streaming Spotify. Já o cantor Wesley Safadão, que começou sua carreira
em 2003 como vocalista da banda Garota Safada, registra mais de 8 milhões e meio de
ouvintes mensais na mesma plataforma.
Em contrapartida a esse sucesso de público, porém, as bandas de forró elétrico
são alvo de críticas devido à sonoridade e entram no centro de discussões sobre a
autenticidade da cultura nordestina. Essa discussão será ilustrada no próximo capítulo, a
partir da observação da sonoridade na Feira de São Cristóvão.

20
Dado coletado no dia 08 de setembro de 2021.

47
3. OS LUGARES DA MÚSICA NA FEIRA DE SÃO CRISTÓVÃO

Quem pensa em sair para dançar no Rio de Janeiro a princípio pode se lembrar
do samba de gafieira ou do funk carioca. Ambos os ritmos são fortemente associados à
cidade e fazem parte da identidade local. Mas Jackson do Pandeiro não estava errado
quando previu que o forró podia fazer parte da programação local e cair no gosto dos
moradores da Cidade Maravilhosa. Na Feira de São Cristóvão, o ritmo e seus derivados
dão o tom das noites, quando milhares de pessoas se dirigem ao Pavilhão para assistir às
bandas e trios forrozeiros e arriscar alguns passos da dança, sozinhas ou acompanhadas.
Como já foi dito na seção 1.3, os shows realizados nos palcos da Feira de São
Cristóvão são o principal atrativo para o público, que lota o espaço principalmente
durante os fins de semana, quando a Feira funciona sem parar de sexta até a noite de
domingo. Nesses dias, a programação costuma trazer bandas de projeção nacional, em
especial aquelas vinculadas ao forró elétrico, mas também inclui apresentações de
grupos e artistas tradicionais, como trios forrozeiros e repentistas.
A existência dos palcos é algo que merece destaque quando se trata da
transferência para o Pavilhão. Enquanto a Feira era realizada nas ruas no entorno do
Campo de São Cristóvão, já era comum a apresentação de trios forrozeiros e grupos de
gêneros afins em meio às barracas. Nesses casos, os próprios feirantes contratavam os
artistas como estratégia para atrair clientela, que degustava os sabores regionais
enquanto cantava e dançava ao som das músicas entendidas como típicas.
Com a mudança de local, as atrações musicais ganharam maior destaque e
passaram a ser agendadas por uma programação oficial. Hoje em dia, elas se apresentam
em sete palcos diferentes, sendo três palcos principais e quatro menores. O palco
central, localizado na Praça dos Repentistas, é exclusivo para a apresentação de
sanfoneiros e repentistas que produzem música à moda antiga. Nos outros, a
distribuição das atrações se dá a depender do porte dos shows, como explicarei adiante.
Além dos palcos com programação oficial, ainda destaco a presença dos bares com
karaokê, que extraoficialmente também fazem parte da paisagem sonora da Feira de São
Cristóvão e colocam mais um elemento de tensão na construção da realidade.
Durante as visitações realizadas, foram selecionados dois palcos específicos para
a observação: o Palco Jackson do Pandeiro e o palco da Praça Frei Damião (ver a figura

48
1 para identificar a localização). A escolha se deu porque ambos apresentam
programações e dinâmicas interessantes para observar como a Feira opera com base em
hibridismos, já que ambos são contraditórios entre si. Enquanto o primeiro privilegia
ritmos modernos (como o forró elétrico e o brega), o segundo recorre à tradição, mas os
dois sempre apelam para uma suposta essência cultural nordestina.
Nos tópicos a seguir, faço uma descrição das dinâmicas dos palcos nos dias de
visitação, levando em consideração a sonoridade das bandas, os temas abordados nas
letras das canções e também as formas de sociabilidade que se desenrolam na plateia,
considerando as diferentes formas de dançar e até mesmo de organização do público
diante do palco. A partir dessa descrição, é possível fazer a análise sobre como ambos
os palcos, apesar de distintos e tensos entre si, fazem parte da construção de uma ideia
de nordestinidade.

3.1 A dinâmica dos palcos: a sala de reboco e os holofotes em disputa

Em um dos dias de visitação, a Praça Frei Damião, localizada em um


cruzamento, estava completamente escura. No local, um pequeno palco abrigava o Trio
Rapa-Côco, formado segundo o molde consagrado por Luiz Gonzaga. Sem a
necessidade de energia elétrica, já que seus instrumentos não dependem da tecnologia, o
conjunto executava canções tradicionais do forró pé-de-serra, como “Asa Branca” e
“Numa Sala de Reboco”.
Como na canção de Gonzaga que diz que o candeeiro se apagou e, mesmo assim,
o forró continuou21, apesar da escuridão, o público não desanimou e se manteve firme e
forte, emulando os antigos bailes de salão: as mulheres se colocavam a postos nas
bordas, enquanto os homens circulavam à procura de pares para arrastar pé. Vale
destacar, ainda, que o público era composto majoritariamente por pessoas mais velhas,
que dançavam à maneira tradicional. Com os corpos colados, repetiam passos
tradicionais e discretos, dois-pra-lá, dois-pra-cá.

21
GONZAGA, Luiz. Forró no Escuro. In: O Rei do Baião. RCA Victor, 1957.

49
A poucos metros dali, os espectadores do Palco Jackson do Pandeiro assistiam a
uma apresentação de uma banda de forró elétrico, que executava covers de sucessos
atuais, de bandas como Garota Safada e Aviões do Forró. A instrumentação da banda
trazia a sanfona, protagonista da sonoridade forrozeira, mas ela estava acompanhada
também de guitarra e baixos elétricos e de uma percussão feita por baterista, além de um
naipe de metais.
Em contraponto ao outro, o Palco Jackson do Pandeiro se encontrava iluminado
e se valia de holofotes e outros efeitos de iluminação para compor a cenografia. Na
plateia, crianças, casais e pessoas sozinhas se distribuíam de forma desorganizada no
ambiente e não havia uma separação clara entre aqueles que dançavam e os que apenas
assistiam ao show. Além disso, as coreografias do público iam muito além dos passos
básicos do forró tradicional, com direito a rodopios dignos de uma apresentação
ginástica rítmica. Dessa forma, os jovens casais investiam em performances mais
extravagantes e a distribuição dos pares na plateia não apresentava uma organização
clara, ao contrário do palco anterior.
Vê-se, então, que há em ambos os casos uma sensualidade implícita na maneira
de dançar, mas o segundo caso leva essa sensualidade a um nível mais arrojado. Nas
palavras de Cláudia Matos:

[...] forró, no sentido amplo, só se dança junto. E muito junto! Forró se


dança colado, estimulando o namoro, acoitando e celebrando o contato
erótico dos corpos. É o paraíso da paquera, a ocasião ideal para se
permitir um chamego, uns cheiros, uns beijos (...). Com a liberação
sexual contemporânea, essa conduta e significação eróticas
exacerbaram-se. Frequentado majoritariamente por jovens e muito
jovens, o forró hoje em dia é um dos ambientes mais propícios para
“ficar”, numa facilidade de aproximação embalada pela coreografia do
sarro. (MATOS, apud TROTTA, 2014, p. 78).

Além da questão da sensualidade, é importante dar destaque aos temas que as


canções tradicionais e do forró elétrico carregam em seu conteúdo. O forró pé-de-serra
costuma trabalhar assuntos ligados à migração, à saudade e ao Sertão, apelando para um
Nordeste tradicional e que se opõe ao ambiente urbano, muitas vezes colocado como
uma pedra no sapato do migrante. Como explicitado no capítulo anterior, ele foi criado
e disseminado especialmente nas primeiras décadas da diáspora nordestina, quando

50
serviu como elemento de coesão para reunir os retirantes em torno da mesma ideia e
fortalecer uma noção de pertencimento a um mesmo local, ainda que fizessem parte de
cidades ou até mesmo Estados diferentes. Sobre a produção de Luiz Gonzaga, precursor
do ritmo, Albuquerque Jr. diz que:

O sucesso de suas músicas entre os migrantes participa da


própria solidificação de uma identidade regional entre indivíduos que
são igualmente marcados, nestas grandes cidades, por estereótipos
como o do “baiano”, em São Paulo, e do “paraíba”, no Rio de Janeiro.
Eles começam a se perceberem como iguais, como “falando com o
mesmo sotaque”, tendo os mesmos gostos, costumes e valores, o que
não ocorria quando estavam na própria região (ALBUQUERQUE JR,
2011, p. 180).

Já o forró elétrico é uma vertente que está diretamente relacionada à vida jovem
e urbana, com a abordagem de temas como relacionamentos amorosos, bebedeira,
traição e festas. Segundo Felipe Trotta, “o forró contemporâneo é uma música
nordestina nacional, que [...] constrói uma nordestinidade inclusiva, feliz com seu
pertencimento regional, mas querendo falar outras línguas” (2014, pp. 160-161). Nesse
caso, podemos entender que a nordestinidade se faz presente no forró elétrico
principalmente a partir da sonoridade, tendo em vista que a sanfona, que se consolidou
como elemento representante da cultura nordestina, faz parte da instrumentação, assim
como, eventualmente, triângulo e zabumba. Complementando a citação de Trotta:

No tipo de performance promovido pelas bandas de forró


manifestava-se uma tendência nova no panorama da tradição; a
tendência à experimentação, visível no estilo dos novos grupos,
marcados pela pesquisa com sons inusitados, pela busca de misturas
incomuns, pela fusão dos ritmos folclóricos nordestinos com os sons
da guitarra, do baixo e da bateria. (NEMER, 2016, p. 68)

Como visto na seção 2.3, essas inovações que o forró elétrico incorpora são
justamente o ponto de tensão entre o gênero e o forró tradicional. Os trios forrozeiros
arrogam para si a missão de manter uma cultura que estaria ameaçada e, para tanto,
precisaria ser preservada a partir da reprodução fiel do que era feito décadas e décadas
no passado. Assim, seu formato se cristalizou, não somente na composição do grupo
(triângulo - sanfona - zabumba), mas também nos temas abordados nas canções. Os

51
elementos extramusicais, aliás, também servem para observar como a estética visual
também permanece: é comum ver os músicos vestidos a caráter, com camisas de chita e
chapéu de couro. Nesse mesmo caminho estão os repentistas e cordelistas, que também
se fazem presentes na Feira.
Em um ambiente que pretende ser o relicário da cultura nordestina, então, esses
músicos tradicionais, bem como os cordelistas, questionam a presença das bandas de
forró elétrico. Em versos, o cordelista Raimundo Santa Helena expôs o
descontentamento:

A Feira virou buzina


Sem repentes nem cordéis
Só se ouve som mecânico
Com mais de cem decibéis
Não sobra do estrangeiro
Para nossos menestréis

(SANTA HELENA apud NEMER, 2016, p. 68)

Como se vê nesses versos, o forró elétrico é associado até mesmo a uma cultura
estrangeira, o que remonta às discussões sobre a incorporação da guitarra elétrica na
MPB22, que seria uma ameaça à autenticidade nacional, mas foi desafiado pelos músicos
da Tropicália23. Estes, por sua vez, conseguiram se fazer ouvir e criaram um ponto de
inflexão na música popular brasileira, que deu início a um novo capítulo depois dos
festivais de televisão do fim dos anos 1960.
Assim como os tropicalistas há 60 anos, experimentando novas instrumentações
e se afiliando a uma cultura urbana, os grupos de forró elétrico são acusados de não se
importar com a manutenção das tradições e de tirar o brilho daqueles que ainda tentam
preservá-la. Muitas acusações trazem o argumento da preocupação com o mercado: o
forró elétrico se “venderia” em nome de dinheiro. O fato é que, em seu modo de
produção, eles atualizam o forró incorporando sons, temáticas e até uma estética urbana

22
Em julho de 1967, foi realizada uma passeata contra a guitarra elétrica em São Paulo, sob o pretexto de
defender a música nacional da influência estrangeira.
23
Inspirados no Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade, que defendia a incorporação de
elementos da cultura estrangeira para fortalecimento da cultura nacional, os músicos tropicalistas
apostaram em uma miscelânea de referências na sonoridade, nas letras e nas suas apresentações visuais.
Para mais informações, ver Dunn (2009).

52
e deixam para trás o saudosismo das canções antigas. Mas por que isso não poderia ser
uma reinvenção da identidade nordestina?

3.2 Além das tensões: a sanfona não parou e o forró continuou!

Como visto na seção anterior, os dois tipos de forró presentes nos palcos da Feira
de São Cristóvão estão em constante tensão, mas essa discussão não se limita à feira. No
primeiro capítulo do livro “No Ceará não tem disso não” (2014, pp. 23 – 45), Trotta traz
como exemplo a polêmica que envolveu o então Secretário de Cultura da Paraíba, o
cantor Chico César, quando este se recusou a contratar bandas de forró elétrico para os
festejos juninos de 2011. Na ocasião, o Secretário se referiu ao ritmo das bandas como
“forró de plástico” e afirmou que elas nada tinham a ver com a “herança tradicional
nordestina”.
Em contrapartida às tensões, Jack Draper III nos mostra que é possível traçar
uma linha do tempo contínua entre o desenvolvimento do Baião de Luiz Gonzaga e a
explosão do forró elétrico. Para o autor, o surgimento deste último só foi possível com a
transformação do ritmo tradicional em uma expressão alegórica, que foi o que permitiu
o ressurgimento do forró no mercado fonográfico nacional após a queda de
popularidade dos ritmos tradicionais.
Sendo assim, segundo o autor, o forró elétrico seria responsável pela redenção
do forró tradicional, possível graças a um processo de recorte e colagem de aspectos
essenciais a uma nova linguagem e estética, como a união dos instrumentos tradicionais
a sonoridades eletrônicas. Nas palavras do autor, a alegoria “implica vasculhar as ruínas
do passado para combinar fragmentos em uma nova estrutura que não nos une em um
todo, mas antes excede as harmonias remotas em seu estado de destruição ou arruinado”
(DRAPER III, 2014, p. 52). De acordo com Canclini, “a análise empírica desses
processos, articulados com estratégias de reconversão, demonstra que a hibridação
interessa tanto aos setores hegemônicos como aos populares que querem apropriar-se
dos benefícios da modernidade” (2003, p. 22).

53
É importante ressaltar, no entanto, que não são apenas as bandas de forró que
têm lugar na programação. Os forrós tradicional e elétrico se configuram como principal
atrativo, especialmente para o público migrante, mas há também outros ritmos regionais
que fazem parte da construção sonora da Feira, como o brega ou até mesmo o calipso,
oriundo da Região Norte.
Além das bandas ao vivo, ainda existem diversos bares com karaokês nas vielas
do Pavilhão, que também contribuem para a construção de uma paisagem sonora na
Feira de São Cristóvão. Eles chamam a atenção e merecem ser mencionados aqui
porque rompem completamente com qualquer noção de regionalidade e sua trilha
musical depende muito mais do perfil dos clientes que aparecem a cada noite do que de
regras pré-estabelecidas pela administração local.
Dessa forma, enquanto os palcos trazem artistas que investem em sonoridades
representativas da identidade nordestina - ainda que haja controvérsias entre eles - as
ruas internas com seus karaokês são território livre para a reprodução de qualquer
gênero musical. Durante as visitas, por exemplo, era comum ouvir cantorias desafinadas
de versões de canções internacionais, que nada têm a ver com a história dos migrantes
que deram início à história da Feira. Fora dos palcos, basta caminhar pelas pequenas
ruas para ver as brechas que permitem fugir completamente do ideal de autenticidade
nordestina.
A construção da sonoridade da Feira pode ser entendida, então, como uma
operação formada por hibridismos, “processos socioculturais nos quais estruturas ou
práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas
estruturas, objetos e práticas” (CANCLINI, 2003, p. 19). As expressões que a compõem
confundem as fronteiras entre o urbano e o sertanejo, entre o tradicional e o elétrico, e, a
partir dessas controvérsias e de seus pontos de contato, tentam criar um ambiente
regional nordestino no meio do Rio de Janeiro.
A mesma lógica se observa na cenografia local, que apela principalmente a
elementos do Sertão e tem como resultado uma estética que remete às paisagens áridas e
à cultura desses locais, com o uso de bandeirinhas de São João, toalhas de mesa de
chita, esculturas de barro e representações de cactos. Apesar disso, a cenografia também
inclui imagens de praias famosas e do cotidiano litorâneo, como as jangadas que saem
para pescar e coqueiros, presentes nas paredes dos restaurantes ou em banners no local.

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Draper III atenta para o mesmo fenômeno presente na Feira de São Cristóvão
quando avalia o Centro de Tradições Nordestinas de São Paulo (CTN-SP) e um evento
chamado São João do Nordeste de São Paulo, realizado em 2004. Segundo o autor,
ambos os ambientes tentavam emular a paisagem nordestina, com cenografias que
remetem às vilas sertanejas, e tinham como principal objetivo ser um espaço para matar
as saudades da terra natal, oferecendo produtos e comidas regionais, tal qual acontece
na Feira de São Cristóvão.
O autor dá maior destaque, no entanto, à programação musical de ambos os
eventos. De acordo com ele, os palcos principais estavam reservados para bandas de
forró elétrico, compostas especialmente por músicos jovens, enquanto “os músicos mais
velhos, tocando forró tradicional e outras músicas nordestinas como pífano e cantoria,
podiam ser encontrados no espaço mais inspirador da saudade, localizado atrás das
arquibancadas” (DRAPER III, 2014, p. 79).
Dessa forma, para compreender a formação da nordestinidade no ambiente da
Feira de São Cristóvão (e a mesma afirmativa seria válida para o estudo levantado por
Draper III), é preciso levar em consideração o trabalho de duas autoras, Maura Penna e
Kathryn Woordward.
Segundo Maura Penna, que se dedicou à compreensão da formação da
identidade nordestina, quando traços e práticas culturais são selecionados como
símbolos de uma identidade, ainda que a escolha seja feita por sujeitos exteriores a ela,
como é o caso da Prefeitura do Rio, eles buscam reproduzir o autêntico e o tradicional
(PENNA, 1992, p. 77).
Já segundo Kathryn Woodward (2014), a identidade é construída em um
processo relacional. Em outras palavras, ser parte de um grupo específico implica não
ser parte de um outro grupo. Ou seja, ser nordestino só faz sentido pois existem outras
identidades regionais, com seus próprios traços que se diferenciam.
Dessa forma, o forró, seja elétrico ou tradicional, bem como os outros ritmos que
compõem a programação da Feira, funcionam como elementos demarcadores da
identidade nordestina, na medida que servem como instrumento de identificação entre
os nordestinos migrantes que frequentam o espaço. Na mesma medida, eles funcionam
como elementos de diferenciação, ocupando o lugar do “outro”, já que a sua sonoridade
não faz parte da cultura local do Rio de Janeiro.

55
Em um ambiente, aliás, que permite que haja brechas para a presença de
performances musicais que em nada dialogam com a cultura nordestina, como é o caso
dos karaokês, percebe-se que a questão da autenticidade se tornou uma preocupação à
parte para a administração. Depois de inúmeras negociações para tornar a Feira de São
Cristóvão a manifestação mais típica da cultura nordestina, hoje em dia é possível
observar que esses regulamentos estão afrouxando e dando espaço para outras
expressões. As disputas, então, são muito mais internas, entre os personagens que
constroem a feira na prática e tentam provar que suas formas são as mais autênticas e
representativas do migrante nordestino.
Para além das controvérsias sobre o valor dos ritmos que constroem a sonoridade
da Feira, o que sabemos é que o forró, independentemente de sua roupagem, é parte do
imaginário sobre o Nordeste e se coloca na programação da Feira de São Cristóvão
enquanto elemento essencial à nordestinidade. “O forró é um marco identitário, um
símbolo de pertencimento, uma chave de compartilhamento de ideias, um ambiente de
interação festiva e um eixo de negociações culturais” (TROTTA, 2014, p. 17). O que se
pode tirar de tudo isso, então, é que a história da Feira de São Cristóvão ainda está
sendo escrita, mas algo parece fácil de afirmar: o forró vai continuar!

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Criada espontaneamente com um espaço para sociabilidade entre migrantes


nordestinos que se estabeleceram no Rio de Janeiro, a Feira de São Cristóvão é um
excelente objeto de pesquisa para quem pretende observar os jogos que levam à
produção de representações identitárias. Observando episódios dos seus quase 80 anos
de existência, fica claro como diferentes grupos podem entrar em disputa ou negociação
em torno dos símbolos, para selecioná-los, afirmá-los ou negá-los.
Na primeira parte deste trabalho, então, apresentei o panorama histórico do
funcionamento da Feira, entremeado por análises a partir de autores que se debruçaram
a compreender esses processos de representação. Com isso, a intenção era colocar uma
lupa sobre essas relações de conflito ou conciliação para mostrar que não existe
linearidade, mas sim uma constante reconfiguração. Afinal, as construções não são
fixas, mas sim mutáveis e sujeitas à influência dos processos sócio-históricos que lhe
envolvem.
Partindo para a questão da música, que é o objeto central da análise aqui
desenvolvida, a compreensão de como se formou a noção de música regional nordestina
foi fundamental para partir para a análise do caso específico da feira. Por isso, o
primeiro passo foi observar como elementos sonoros e extramusicais foram acionados
ao longo do século XX (em especial da primeira metade) para produzir uma
representação autêntica. A partir daí, foi possível identificar quais foram esses
elementos para, então, partir para as tensões na música, aqui representadas pelo
surgimento do forró elétrico, que tenta ser também um símbolo de nordestinidade.
Essas tensões se tornam ainda mais evidentes no capítulo 3, quando, enfim, levo
a discussão para o interior do Pavilhão de São Cristóvão. A observação de dois palcos
contraditórios entre si mostra como, mesmo depois de 80 anos tentando ajustar o
funcionamento para tornar a feira o mais típica possível, as negociações e os conflitos
continuam em curso. A questão se torna ainda mais complexa ao perceber a presença de
karaokês localizados em ruas internas, onde os frequentadores da Feira têm liberdade
para selecionar seus repertórios, sem precisar considerar regionalismos.
Observando especificamente os dois palcos onde acontecem apresentações de
artistas ao vivo e considerando as suas particularidades – em relação à sonoridade, aos

57
temas abordados e até mesmo à sociabilidade que se forma ao redor de cada um deles –,
a disparidade das bandas que se apresentam nesses palcos é o que nos chama a atenção.
Enquanto os trios forrozeiros arrogam para si a tarefa de proteger e resgatar uma
essência nordestina, o forró elétrico se coloca como uma versão atualizada, que, de
forma alegórica, faz uma colagem de traços tradicionais com uma linguagem urbanizada
e moderna.
Apesar das dissonâncias e até mesmo das disputas que os artistas travam entre si
para defender a autenticidade nordestina, vimos que a versão modernizada é produto
direto do forró tradicional e pode, inclusive, ser considerada como a responsável por
manter o gênero forró dentro do mercado fonográfico. Isso porque foi graças à
atualização da sonoridade e de seus temas que o ritmo foi resgatado, após um período
de decadência entre as décadas de 1950 e 1970, como é demonstrado por Draper III.
Pensando especificamente na produção da nordestinidade da Feira de São
Cristóvão, tanto o forró elétrico quanto o tradicional se posicionam como elementos
fundamentais na construção da sonoridade. Inseridos na Feira, os dois ocupam,
inclusive, posições invertidas em relação ao senso comum, já que o forró tradicional
está resumido a um pequeno palco, que pode ser definido nas palavras de Draper III
como o “espaço da saudade”.
Vemos, então, que, na construção de uma sonoridade nordestina para a Feira
atualmente, ficam de fora as discussões sobre quais ritmos merecem mais ou menos
valorização, quais seriam mais ou menos tradicionais, quais representariam melhor a
cultura do Nordeste. Em vez disso, a programação investe em uma hibridização, a partir
da qual sintetiza em seu interior duas vertentes que são importantes na formação
cultural da Região Nordeste, seja por questões mercadológicas, de sociabilidade ou
saudosismo.

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