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1. Angústia
O narrador revela momentos de grande angústia, referindo muitas vezes que “bateram
no fundo”, isto é, situação pior não existe. Até a linguagem é insuficiente para expressar
este sentimento:
“a nossa língua carece de palavras para exprimir esta ofensa, a destruição de um homem. (…) chegámos
ao fundo. Mais para baixo do que isto não se pode ir. Não há nem se pode imaginar condição humana
mais miserável. Já nada nos pertence: tiraram-nos a roupa, os sapatos, até os cabelos; se falarmos, não nos
escutarão – e, se nos escutassem, não nos perceberiam.” (p. 25-26)
A descrição que Levi faz do Campo em que permaneceu revela que pensar e raciocinar
são atos inúteis e muito dolorosos num mundo destruído, em que apenas a animalidade
o mantém vivo:
Imagine-se, agora, um homem privado não apenas dos seres queridos, mas de sua casa, seus hábitos, sua
roupa, tudo, enfim, rigorosamente tudo que possuía; ele será um ser vazio, reduzido a puro sofrimento e
carência, esquecido de dignidade e discernimento – pois quem perde tudo, muitas vezes perde também a
si mesmo; (...) Ficará claro (…) quando digo chegar no fundo. (p.26)
Primo Levi relata um episódio em que ia com Jean buscar a marmita de cinquenta litros
de sopa para o almoço do Kommando Químico. Durante o percurso até às cozinhas,
Jean mostra-se interessado em aprender italiano e Primo Levi recorre ao canto de
Ulisses, da Divina Comédia, de Dante.
Mas o esforço de Levi para se recordar dos versos é enorme e traduz-se na ânsia de se
apegar ao que ainda vale a pena: a cultura.
“Dava a minha sopa de hoje para saber ligar “a mais alta que então vira” com o final. Esforço-me por
reconstruir através das rimas, fecho os olhos, mordo os dedos, o resto é silêncio. Dançam na minha
cabeça outros versos”. (p. 121)