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Artigo Comentado - Os aspectos atuais da imunologia de mucosas e as suas influências

através da nutrição
Current aspects of mucosal immunology and its influence by nutrition. Kudsk KA. Am J Surg
2002; 183: 390 - 98."

A equipe do Prof. Kudsk mantém um investimento intenso em pesquisa clínica e experimental


relacionadas aos aspectos anatômicos, metabólicos, inflamatórios e fisiopatológicos da
barreira mucosa gastro-intestinal (GI).

No artigo de revisão em foco o autor cita os principais fatores associados à manutenção da


imunidade GI e as suas relações com a nutrição e / ou a terapia nutricional. Desse modo,
essas características podem ser delineadas como se seguem:
· A hipótese da imunidade comum às mucosas;
· A celularidade e a histologia do tecido linfóide associado à mucosa intestinal (TLAMI);
· A molécula de adesão MAdCAM-1 (Mucosal Addressin Celular Adhesion Molecule-1): "O portão
de entrada para a imunidade das mucosas"; e as citocinas;
· A importância da nutrição enteral (NE) e dos seus substitutos ou substratos adjuvantes - O
sistema nervoso entérico.
No final da década de 1960, a introdução clínica da nutrição parenteral total (NPT), tornou
disponível uma solução nutritiva capaz de salvar vidas, quando da impossibilidade de se
sustar o consumo progressivo da massa corporal magra. Esse estado clínico geralmente ocorre
naqueles pacientes com obstrução intestinal crônica, as fístulas, a perda das superfícies
mucosas do organismo, levando à falência intestinal, e outras situações clínicas que
impossibilitavam a utilização do tubo GI para a nutrição por via oral (VO). Essa nova
metodologia nutricional à época proporcionou a administração adequada e suficiente de
macro- e de micro-nutrientes, capaz de evitar a desnutrição progressiva induzida pelo jejum
prolongado, alterando sobremaneira a sobrevida dos pacientes que evoluiriam inexoravelmente
para o êxito letal.
Entretanto, no final de década de 1970 aparecem as primeiras evidências clínicas e
experimentais que sugeriam o processamento intestinal dos nutrientes, como indutor de
efeitos específicos na resposta metabólica às agressões sépticas, através da melhora das
defesas do hospedeiro. No final da década de 1980 e início da de 1990 surgem os estudos
sobre a permeabilidade intestinal após a agressão e a translocação das bactérias
intraluminais para os linfonodos mesentéricos e para a circulação sistêmica.
Subseqüentemente, a pesquisa enfocou os aspectos fisiopatológicos da barreira mucosa
intestinal, relacionados com a imunidade das mucosas e os estímulos primários dos
neutrófilos a partir do intestino. Essas duas últimas atividades parecem estar
inter-relacionadas e influenciadas tanto pela via como pelo tipo de nutrição.

1) A hipótese da imunidade comum às mucosas:


O tecido linfóide associado às mucosas (TLAM) e "MALT" em inglês congrega aqueles da mucosa
intestinal (TLAMI), das mucosas naso-faríngeas (TLAMF), da mucosa brônquica (TLAMB) e das
mucosas de outros tecidos linfóides associados com os Sistemas lacrimal, mamário, glandular,
gênito-urinário, cutâneo, etc.
Aproximadamente 50% a 60% da imunidade total do organismo humano localiza-se subjacente às
superfícies mucosas das vias respiratórias altas e baixas, do intestino delgado e do colo,
responsáveis por 70% a 80% da produção de anticorpos (basicamente a imunoglobulina A de
secreção - IgAs) do organismo. A IgAs é a principal imunoglobulina encontrada em todas as
secreções orgânicas externas e o componente estratégico desse sistema. O sítio primário e
responsável pela sensibilização dessa massa imunológica é a Placa de Peyer, que se localiza
em todo o intestino delgado, mas fundamentalmente no intestino distal.
Os resultados dos estudos experimentais e clínicos levantaram a especulação da existência de
ligações interdependentes entre o tubo GI e os sítios mucosos extra-intestinais. Esse
sistema supracitado é integrante da Hipótese da Imunidade Comum às Mucosas e em conseqüência
da exacerbação da resposta imunológica sistêmica e da proteção orgânica aos agentes nociceptivos.
2) A celularidade e a histologia do tecido linfóide associado à mucosa intestinal (TLAMI):As
células do TLAMI se dispõem nas seguintes estruturas:
Células Linfóides Agregadas e Não Agregadas e Lâmina Própria

· Agregadas: Folículos Linfóides (Delgado)


Placas de Peyer
Agregados Linfóides do Apêndice
Nódulos Linfóides (Delgado / Grosso)

· Não Agregadas:Linfócitos T / B, Plasmócitos, Macrófagos, Mastócitos, Eosinófilos e Linfócitos


Intra-Epiteliais.

A disposição histológica dessas células no interior da lâmina própria da mucosa GI é básica


na manutenção da atividade imune desse sistema específico e nas influências externas que
recebe.
3) A molécula de adesão MAdCAM-1 (Mucosal Addressin Celular Adhesion Molecule-1): "O
portão de entrada para a imunidade das mucosas"; e as citocinas:
Essa molécula de adesão está localizada nas vênulas de endotélio alto das placas de Peyer e
regulam o tráfico dos linfócitos T e B não estimulados dentro e através do TLAM. Essa
molécula é ligante das moléculas de adesão L-selectina e a4ß7 existentes nesses linfócitos
e este conjunto de moléculas de adesão é fundamental no direcionamento desses linfócitos nos
seus processos de sensibilização imune dentro do TLAM.
As células B são transformadas em plasmócitos quando expostas às citocinas próprias
secretadas pelas células T. As células T produzem as citocinas (IL-4, IL-5, IL-6, IL-10 e
IL-13) que são estimulantes das células T2 auxiliares (Ta2) secretoras de IgAs, ou as
citocinas inibidoras (Interferon - IFN?, Fator de Necrose Tumoral - FNTß e IL-2) das células
T1 auxiliares (Ta1) secretoras de IgAs. Logo, é a interação entre as células T e B, e o
balanço das citocinas, que controlam a produção de IgA para transporte e para a proteção das
mucosas. Essa característica fisiopatológica determinará o tipo de reposta imune pelas
mucosas do organismo: Se protetora, alérgica, inbidora ou estimulante da resposta metabólica
à agressão.
4) A importância da nutrição enteral (NE) e dos seus substitutos ou substratos adjuvantes -
O sistema nervoso entérico:
Tanto a via como o tipo de nutrição influenciam a histologia, os níveis das
citocinas, os níveis de IgAs e a eficácia das imunidades intestinal e respiratória. As alterações
histológicas no TLAMI ocorrem dentro de 3 a 4 dias seguindo-se à manipulação nutricional da via e
do tipo de nutrição.A NPT deprime a expressão da MAdCAM-1 em relação à sua concentração
normal, acarretando a atrofia da placa de Peyer e, provavelmente os efeitos deletérios sobre a
imunidade estabelecida da mucosa. O bloqueio dessa molécula de adesão diminui em 50% a 60% a
proliferação total dos linfócitos nas placas de Peyer, estabelecendo a relação de causa e efeito entre
a inibição dessa molécula, o afluxo de células para o TLAMI e a atrofia da placa de Peyer.

As infecções respiratórias freqüentemente complicam a recuperação dos pacientes


traumatizados e os estudos clínicos da equipe do autor mostraram que a NE reduz para 11% a
prevalência dessa complicação, enquanto que com a NPT essa é de 31%. A maioria das
infecções respiratórias está associada às suas superfícies mucosas, que são protegidas pelas
suas próprias defesas imunes locais.
A NE exerce vários efeitos benéficos e estimulantes na manutenção da integridade intestinal,
respiratória e sistêmica, enquanto que a NPT tem os efeitos depressores sobre todas as
estruturas e funções do Sistema Imune Comum às Mucosas, com os seus reflexos sobre a
imunidade sistêmica.

A glutamina como nutriente especial pode ser uma promessa clínica de efeitos benéficos sobre
a imunidade das mucosas. Todavia, até o presente momento não existe qualquer evidência
científica de que as imunidades GI e sistêmica podem ser normalizadas com um único nutriente.
Outro sistema importante para a imunidade do TLAMI é o sistema nervoso entérico, responsável
pela secreção dos neuropeptídeos, tais como o peptídeo liberatório de gastrina, a
neurotensina, a colecistocinina, a gastrina, a bombesina, etc. O trabalho do autor sugere
que não são os nutrientes que determinam específica e diretamente o estímulo e a integridade
imunológica do TLAMI, mas sim a liberação dos neuropeptídeos em resposta à presença dos
nutrientes em contato com a mucosa GI, regulando essa função imunológica.

Nos pacientes com qualquer agressão orgânica e em risco de desenvolverem as complicações


sépticas subseqüentes, a NE reduz significativamente a freqüência de sepse e a incidência da
disfunção de múltiplos órgãos e sistemas. A via de nutrição exerce um efeito relativamente
mais importante sobre o tubo GI, do que a atrofia da mucosa e a diminuição das enzimas
digestivas para a absorção. A ausência da NE afeta intensamente o estado imunológico GI
específico, estruturado a fim de proteger o hospedeiro da invasão de bactérias e produtos
tóxicos intraluminais.

Várias evidências clínicas apóiam a existência da comunicação imunológica entre o tubo GI e


às superfícies mucosas disseminadas no organismo, via o Sistema Imune Comum às Mucosas.
Embora essa área de pesquisa esteja somente em seu início, a habilidade em manipular a
imunidade das mucosas através à nutrição e os seus substitutos e adjuvantes da estimulação
intestinal, têm as implicações potenciais, para direcionar o balanço imunológico em favor do
hospedeiro.

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