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Produção Científica de Enfermagem sobre ansiedade e morte:

implicações para o enfermeiro de terapia intensiva *

René Spezani **
Isabel Cruz ***

UNITERMOS: Morte; Ansiedade; Enfermagem; UTI.

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RESUMO: Conviver com a morte e a ansiedade a ela relacionada faz parte do

cotidiano dos profissionais de enfermagem que trabalham em UTI. Devido à

complexidade e importância do tema para a prática profissional foi elaborado

este estudo objetivando abordar a sua problemática na prestação dos serviços

de enfermagem nas unidades de terapia intensiva, identificando através da

pesquisa e da análise do discurso literário contemporâneo as implicações para

o enfermeiro intensivista. Os resultados obtidos evidenciam que apesar da

modernidade e de seus advindos tecnológicos a enfermagem ainda se defronta

com dificuldades para lidar e agir perante a questão, levando-nos a crer que a

melhoria da qualidade de suas prescrições e execução de serviços é na

atualidade ainda um grande desafio.

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Introdução

Embora faça parte do ciclo natural da vida a morte ainda nos dias atuais

é um tema bastante polêmico, por vezes evitado e por muitos não

compreendido, gerando medo e ansiedade nas pessoas. Se no contexto social

adquire vastos significados, nas unidades de terapia intensiva as suas nuance


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são acentuadas por serem locais onde o viver e o morrer se aproximam com

maior freqüência.

A enfermagem tem em seus ideais o compromisso com a vida. Não

obstante ao que tudo isso venha a significar, tem a responsabilidade de assistir

a clientela em todo o seu ciclo vital, contemplando-a holisticamente.

À medida que se busca a melhoria das condições de saúde e o

aprimoramento técnico científico da assistência de enfermagem, refletir sobre

questões como esta, bem como seus reflexos sobre as pessoas com ela

envolvidas, torna-se uma necessidade.

Dada a importância e a complexidade do tema em evidência, foi

elaborado este estudo, buscando analisar através do discurso literário a sua

aplicabilidade e implicações para o enfermeiro em cuidados intensivos.

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Metodologia

Para a elaboração deste estudo optou-se pela realização de uma

pesquisa exploratória sobre o discurso da literatura profissional pertinente ao

assunto, por meio da busca bibliográfica computadorizada e/ou manual no

período de 1995 a 2001, utilizando as palavras-chave: morte; ansiedade;

enfermagem; UTI.

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Desenvolvimento

A vida é o primeiro bem a que todos os seres humanos têm direito.

“Todos temos direito a nascer, crescer, envelhecer e morrer” (BEYERS

et.al,1995).
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A morte de uma forma geral é a única certeza da vida, uma vez que se

constitui no ponto crucial de sua existência. De acordo com PRADO (1995), é

talvez o caráter irrevogável da morte que a reveste de mistérios, sedução,

curiosidade e ansiedade, sendo uma das maiores interrogações da

humanidade. Para SOUZA (1982): “a morte está ligada à vida”.

Segundo COSTA (1977), ao longo da história do homem esta questão

tem despertado sentimentos diversos e inúmeras reflexões. De forma geral, no

percurso de seu estudo e como a mesma tem sido tratada, a ansiedade e o

medo gerados por ela levam à negação pela sociedade. MAGALHÃES et al.

(1995) afirmam que hoje está mais difícil enfrentar a morte.

Para a enfermagem, vivenciar na prática e atender pacientes graves e

em situação de morte iminente é um grande desafio (SANTOS, 1996). Tal fato

se explica pelo compromisso que assume com a sociedade, “pois tem em seus

ideais a preservação da vida” (FIGUEIREDO et al., 1995). Para MIRANDA

(1996) é provável que esta seja a questão mais difícil e delicada quando se fala

da área de saúde, “pois todo o movimento do profissional dessa área é em

direção ao bem estar, à saúde, à vida”. E de repente há o defrontamento com,

o seu exato avesso - a perda, a finitude, a morte.

Ninguém deixa de pensar a respeito da morte. Por mais que tentemos

negá-la ou mesmo evita-la, a sua existência é um fato e dela ninguém poderá

fugir. Ao pensarmos sobre ela tornamo-nos ansiosos e os valores e as crenças

pessoais de cada um interferem decisivamente no comportamento adotado

individualmente perante a questão.


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Em se tratando de uma UTI, percebe-se na sociedade que a visão que

se tem com relação a este setor é a de que lá a morte ocorre com maior

predominância, onde estão pacientes graves, que dependem de cuidados

complexos e aparelhos sofisticados para não morrer. O medo de morrer e a

ansiedade são aqui mais acentuados ao se evidenciarem situações potenciais

para atingir a finitude.

Se por um lado a enfermagem tem através da prestação de seus

cuidados a finalidade de contemplar os indivíduos com uma assistência

holística em todo ciclo vital, por outro a literatura aponta que esta classe de

profissionais ainda apresenta dificuldades em situações que envolvam a

potencialidade, a iminência e a configuração de morte.

ELIAS (1999) afirmou que pouco se fala sobre morte porque ela é uma

evidência de nosso limite, da nossa fragilidade enquanto condição humana.

RIBEIRO et al. (19998) afirmam que a equipe de enfermagem sofre com tais

situações, mas este sofrimento parece ser mascarado pelo cumprimento de

rotinas.

O profissional de enfermagem é gente que cuida de gente, e como todo

ser humano tem suas tristezas, irritações, receios, dentre outros sentimentos.

Quando pensamos sobre esta problemática, supomos ser esta a primeira

implicação para o intensivista com relação ao lidar com a sua clientela: o

afastar de seus sentimentos e receios, de forma que ao os isolar, minimize

suas tensões para assegurar que as suas respostas individuais não

prejudiquem o paciente que está sendo atendido. Tendo esta questão bem

definida, é possível chegar ao doente, configurar diagnósticos, planejar


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sistematicamente a assistência e a partir daí, implementá-la, avaliá-la e

modificá-la quando houver necessidade.

O paciente lúcido internado na UTI geralmente tem medo de morrer, de

que a sua condição de saúde seja mais grave do que imagine. Torna-se por si

mais ansioso, pois sabe que sua situação de saúde é preocupante. Na

prestação da assistência é imprescindível informá-lo sobre tudo o que

acontece, o porquê e a verdadeira razão do emprego de aparelhos e técnicas.

É preciso transmitir-lhe segurança, carinho, conforto e apoio psicológico, pois o

mesmo vaga em um ambiente desconhecido, num mundo de inquietação. Isto

implica ao enfermeiro a capacidade de ouvir, entender, se ver no lugar do outro

- o cliente, para então agir com respeito, conhecimento e eficácia. Desenvolver

as habilidades de observação, avaliação e ação.

De acordo com RIBEIRO et al. (1998), “a enfermagem é geralmente a

primeira a lidar e sentir a morte do paciente, já que estes se tornam

dependentes de seus cuidados”.

O enfermeiro tem o dever ético de zelar pelo paciente, inclusive pelo seu

corpo no pós-morte. A literatura qualifica terminologicamente como moribundo

o paciente terminal, sendo um consenso entre os diversos autores consultados

que o enfermeiro enquanto líder de sua equipe necessita ter o conhecimento

sobre o potencial de capacitação e entendimento de cada um de seus

membros para gerenciar o cuidado e seus conflitos de forma que ninguém seja

sobrecarregado ou induzido a prestar uma assistência para o qual não esteja

preparado e o paciente não seja receptor de uma atuação que a ele não traga

benefício. Com relação ao gerenciamento, a idéia é reforçada com o relato de


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MAGALHÃES et al. (1995), que dizem ser o enfermeiro “o profissional

responsável por prever e prover os recursos materiais e humanos necessários

para o atendimento ao paciente que vai morrer”.

Quando o indivíduo gravemente internado em uma unidade de terapia

intensiva morre, o seu corpo é submetido a um preparo. GONÇALVES (1997)

afirma que quando isso ocorre, os profissionais de enfermagem tamponam,

lavam o corpo, esparadrapam, identificam, cobrem, enrolam-no considerando

tais atividades como uma rotina de serviço. A literatura aponta o preparo do

corpo como uma mescla de um ritual com seguimento de uma rotina e rigor

técnico, consensualizando a idéia de que este preparo segue a rotina

estabelecida normalmente em função da cultura social e que esta atividade é

realizada em sua totalidade pela equipe de enfermagem.

Sob esta ótica, pode-se compreender com exatidão a importância destes

profissionais nesta fase da existência humana através de SANTOS (1996) ao

afirmar consubstancialmente que a morte não é um acontecimento meramente

biológico e sim um fenômeno social. Entender este fenômeno dentro desta

perspectiva e espacialidade incute ao profissional de enfermagem, e em

especial ao enfermeiro, o dever de compreendê-lo num sentido mais amplo,

onde sua prática seja um reflexo de seu entendimento através de uma

abordagem ética, psicológica, filosófica, histórica, religiosa, cultural e jurídica

sobre o que se faz e seus resultados sobre os receptores deste fazer.

Considerações Finais

Conforme RESENDE et al. (1995), os avanços tecnológicos e do

conhecimento médico-biológico “acabaram por determinar a medicalização


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social e fizeram do ser humano um consumidor de cuidados de saúde”.

Entretanto, é pertinente afirmar que a parafernália da tecnologização da saúde

não foi capaz de afastar a angústia humana diante da morte.

É verdadeira a afirmação de diversos autores ao referirem que a ciência

não pode curar o homem da morte e nem do medo e da ansiedade que ela

suscita e que através de seus profissionais as instituições tentam ritualizar

funcionalmente o fenômeno para recompor a perda, integrá-la no cotidiano e

gerenciar a desordem por ela causada.

A literatura contemporânea relativa à questão no que tange à

sistematização assistencial da enfermagem não se mostra muito ampla e é

predominantemente ligada a fatores emocionais, considerando ser estes elos

principais para contrapartir a sua execução.

A modernidade vem por em evidência antigos conceitos até então pouco

enfatizados. Assim sendo, a tecnologia desfaz algumas das antigas distinções

entre a vida e a morte, dando ao enfermeiro intensivista uma maior amplitude

de avaliação, mas em conseqüência uma necessidade maior de sabedoria.

Os resultados obtidos através da análise dos textos abordados

demonstram que as prescrições de enfermagem são feitas no sentido de

preparar o paciente psicossócio-espiritualmente para lidar com sua ansiedade

e para a morte, preservando e respeitando sua dignidade inclusive no pós-

morte; mas há evidências de conflitos nesta interação no âmbito pessoal e

profissional e conseqüentemente nas formas de intervenção da enfermagem.


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NOTAS: * Trabalho apresentado no curso de pós-graduação em Enfermagem

em Cuidados Intensivos da UFF.

** Enfermeiro pós-graduando do curso de enfermagem em cuidados

intensivos da UFF.

*** Doutora em enfermagem e professora titular da UFF.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEYERS, Morjorce & DUDAS, Susan. The Clinical Practice of Medical

Sirurgical Nursing. Boston/ Toronto. Little, Brown and Company, 1995.

COSTA, Luiza Aparecida Teixeira. Situações: vida X morte - Participação da

Enfermagem. Rio de Janeiro, 1977. Dissertação (Mestrado)- EEAN/

Universidade Federal do Rio de Janeiro.

ELIAS, N. La soledad de los moribundos. México, Fondo de Cultura

Econômica, 1999.

FIGUEIREDO, N.M.A. et al. Dama de negro X Dama de branco: o cuidado

na fronteira vida/morte. Rev. Enf. UERJ, v.3, n.2, p.139-149, out, 1995.

GONÇALVES, M.M.C. Nós e a morte: um estudo psicológico. Rev. Esc. Enf.

USP, v.28, n.3, p.243-50, dez, 1995.

MAGALHÃES, Z.R. et al. Morte nas instituições de saúde: uma abordagem

ética. Enf. Rev., Belo Horizonte, v.2, n.4, p.15-19, dez. 1995.

PRADO, M.L. Uma narrativa sem epílogo? Refletindo acerca do sentido da

morte violenta a partir do pensamento de Pasolini. Texto Contexto Enf.,

Florianópolis, v.4, n.2, p. 30-37, jul-dez, 1995.


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REZENDE, A.L.M. et al. Ritos de morte na lembrança de velhos. Rev. Bras.

Enf., v. 48, n.1, p. 7-16, jan-mar, 1995.

RIBEIRO, M.C. et al. A percepção da equipe de enfermagem em situação

de morte: ritual do preparo do corpo “pós-morte”. Rev. Esc. Enf. USP, v.32,

n.2, p.117-23, agosto, 1998.

SANTOS, Geralda Fortina dos. O ser no mundo: vida e morte. Enf. Rev.

Belo Horizonte, v.2, n.5, p. 21-23, dez, 1996.

SANTOS, Neiva Maria Picinini. Experiências de situação de morte:

depoimentos dos estudantes da EEAN/UFRJ. Rio de Janeiro, 1996.

Dissertação (Mestrado)- EEAN/UFRJ

SOUZA, Maria de Lourdes de. Mortalidade materna em Florianópolis, Santa

Catarina, 1975 a 1979: obituário hospitalar. São Paulo: USP, 1982. Tese

(Doutorado) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, 1982.

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Cientific Production About Anxiety and Death : Implications for the Nurse

of Intensive CareAbstract:

Living with death and the anxiety related to her, takes part of the day by day of

nursing's professionals that works in the ITU. Because of the complexity and

importance of this topic for the professional's practice this study was elaborated

objectiving aboard its problematic during the execution of nursing care in the

ITU, identifying by the research and analisys of contemporanian literature

discuss, the implications to the intensive's nurse. The results show that in spite

of the modernity and its technological discoveries, the nurses still find

difficulties to deal and act when in front of that question, leading us to believe
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that the increament of the quality of its prescriptions and execution of the works

is still a challenge.

Key-words: Nursing/ Anxiety / Death /ITU

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La Producción Científica acerca de la muerte: implicaciones para el

enfermero en la unidad intensiva de tratamiento

RESUMEN:Convivir junto a la muerte y ansiedad a ella relacionado es la parte

del día a día de los profesionales lactantes que trabajan en las unidades del

Cuidado Intensivas. Debido a la complejidad e importancia del tema para la

práctica profesional este estudio se elaboró con el objetivo de abordar su

problemática en la prestación de los servicios de enfermagen en las unidades

de terapia intensiva, identificando através de la investigación y del análisis del

discurso literario contemporáneo las implicaciones para el intensivista de la

enfermagen.Los resultados evidencian que a pesar de la modernidad y de sus

tadvindos tecnológicos la enfermagen se confronta todavía con las dificultades

para trabajar y actuar delante de las cuestiones, llevándonos a creer que la

mejora en la calidad de sus prescripciones y ejecuciones de servicios es en la

actualidad, todavía un gran desafío.

UNITERMOS : Enfermera, muerte, ansiedad y UTI

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