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THESOURO PARTICULAR DO FEITICEIRO


Tirado d'um_ manuccripto feito polo mesmo Santo
"que ensina a desencantar
todos os encantos feitos pelos mouros n'este reino de Portugal
e também indicando o logar onde se encontram
CONTENDO TODAS AS REZAS PARA DESFAZER OS ENCANTOS
E TENDO AS NECESSÁRIAS EXPLICAÇÕES
AONDE EXISTEM OS HAVKRK8 ENCANTADOS, ETC.

NOVÍSSIMA edição
AUQMENTAOA COM A CARTOMANCIA OU ARTE CE DEITAR AS CARTAS
COMO FAZEM AS FEIIICEIRAS
« * *

A' venda no Porto, 11a Livraria Portngneza do Joaquim


Maria da Costa—55, Largo dos Loj os, 56—Porto.
Typ. de Arthur J. de Sousa & IrmSo, L. de S. Domingos, 74
1

DUAS PALAVRAS AO LEITOR


PARA ESCLARECIMENTO DA ORRA QUE SE YAE LER

Este é o Livro do Milagroso S. Cypriano, que


ensina a desfazer toda a qualidade de feiticerias,
descobrimentos encantados, trastes de ouro e prata,
e indica todos os logares onde se podem encontrar, i
os quaes poderá descobrir facilmente quem tiver
animo; porque no acto do desencantamento appa-
recerào grandes fantasmas, estremecimentos de ro-
chedos, e grandes ruidos de ventos; porém, quem |
tiver animo depois de estar dentro dos riscos atraz,
os quaes terão riscados no chão, não lhe succederá
mal algum, porque o Santo aprendeu com o diabo,
a desencantar todas as çousas que adiante se dirá.
Também por arte do diabo apparecem todos estes
ruidos, só para assustarem aos que querem desfa-
zer os mesmos encantos e vêr se fogem, para não
conseguirem o fim a que vão.

Como os tempos vão famintos de dinheiro,


não deixa de ter algum interesse o famoso livro de
_ 4 —

S. Cypriano, que ensina a desencantar thesouros es-


condidos ha séculos, e que podem em poucos ins-
tantes elevar o homem pobre á maior de todas as
grandezas. Ora, como no mundo ha muita gente
crédula e animosa, e que não hesitará deante das
maiores difficuldades, muito folgarão de ler o nosso
livro que foi copiado do verdadeiro manuscripto,
que felizmente encontramos, depois d'um trabalho
insano que tivemos para o procurar, por que não
queríamos copiar os que ahi existem publicados.
E' este pois o livro do milagroso S. Cypriano,
que ensina a desfazer toda a qualidade de feitice-
rias, a descobrir todos os encantos d'ouro e prata,
e indica todos os logares onde se podem encontrar
os thesouros que existem occultos em vários sitios
de Portugal, desde o tempo dos mouros, os quaes
poderão facilmente ser .descobertos por quem tiver
animo, pois que no acto do desencantamento ap-
parecerão grandes fantasmas, estremecimentos de
rochedos e grandes ruidos de ventos; porém quem
tiver animo, depois de estar dentro do triangulo
que devem ter riscado no chão, (como adiante se
verá) não lhe succederá mal algum, pois que o santo
aprendeu com o diabo a desencantar todas as cou-
sas, que adiante diremos. Também por arte do
diabo ó que apparecem todos estes ruidos, só para
assustar aos que querem desfazer os mesmos en-
cantos, e vêr se fogem, para não conseguirem o fim
a que vão, porém quem tiver coragem nada deve
temer.
I

f *

DECLARAÇÃO

DO QUE SE DEVE FAZER PARA O DESENCANTO


DOS THESOUKOS MENCIONADOS NESTE LIVRO

O sacerdote levará sobrepelliz, estola, e reza-


rão todos em voz alta a Ladainha dos Santos e os
Evangelhos; tudo isto ha de ser lido por um mis-
sal, e feitos todos estes preparos não se mova du-
vida que ha de sortir effeito, por quanto já está
experimentado com bom successo.
Declaro que tudo o que se lêr e rezar, tudo
hade ser lido e rezado por um sacerdote no silen-
cio da noite, e dentro do risco atraz d'onde esta-
rão todos os que quizerem assistir alumiando-lhe
com umas vélas que já tenham servido ao sepul-
chro de Nosso Senhor Jesus Christo, que por via
d'estas mesmas luzes, desconjuros, e valor do sa-
cerdote, se ha de adquirir como a haja o que se
pretende no dito sitio. Declaro que tudo se expe-
rimentou e observou n'este caso com bom suc-
cesso.
DESCONJUROS DOS ENCANTOS

«Ecce crucem Domine viest leo Radix David.

«In nomine Jesu omne genuilutantur Crnles-


«tum terrestuni, infernorum, et omnis lingua con-
«filiatur quia Dominus Jesu Christus in gloria est
«Dei Patri viest leo.»

«Ecce crucem Domine >í< de Tribu Judá Radix


«David, fugite portes adversas visibilium in nomine
«Jesu omne genufhitantur Ctelestum terrestum, in-
«fernorum omnia lingua confilcatur, quia Dominus
«Jesu Christus in gloria est Dei Patri. Amen.»

Jesus, Maria e José em Nome de Deus Padre,


em nome de Deus Filho, em nome de Deus Espi-
rito Santo, em virtude de Deus Padre santo tres
pessoas distinctas, e um só Deus por Virtude da
Virgem Maria, e de todos os Santos Apostolos,
Evangelistas, Patriarchas, Prophetas, Confessores,
Virgens, Martyres, e da Virtude do Senhor Santo
Ubaldo Francisco.
Eu vos absolvo de todos os males por encan-
tos ou feiticerias, que fazem homens ou mulhe-
res, e por estes nomes santos de Deus d'Abraham,
de Jacob, de Izac, e em virtude de todos sejam
desatadas, e desligadas todas as cousas d'este ha-
ver, que nós outros buscamos, e quem esta ora-
ção lêr, ou sobre elle fizer ler, lhe appareça Deus
por portas da misericórdia, e que seja com elle o
anjo S. Raphael, e todos 03 mais santos e archan-
jos, principados, potestades, e virtudes dos Ceus e
as Ordens dos Bemaventurados S. João Baptista,
S. Thomé, S. Filippe, S. Marcos, S. Matheus, S.
Simão, S. Judas, S. Martinho, e todas as Ordens
dos Martyres S. Sebastião, S. Fabião, S. Cosme,
S. Damião, S. Cypriano, S. Dionizio, com todos
os seus companheiros, por todas as Ordens das
Virgens Martyres, e confessores de Deus, e pela
coroação d'El-Rei David e pelos 4 Evangelistas
João, Lucas, Marcos, e Matheus, 4 Columnas do
Céu que lhe não impede nada, e pelas 72 Línguas
que estão repartidas pelo mundo, e por esta absol-
vição, e pela que deu o Senhor quando chamou a
Adam, dizendo: Aonde estás! por esta virtude, e
pela qual se levantou elle, e lhe disse Deus: Le-
vanta-te toma habito, e' vai-te a tua, e d'aqui em
diante não queiras mais peccar, e d'aquella enfer-
ma em 28 annos doente e paralytica absolveu-vos
Deus poderoso, que todos os Santos couberam so-
bre a terra, agora dá seu fructo; pela união de Je-
remias Propheta, e pela humanidade de José, e pe-
la paciência de Job, e pelo sentido de Deus, e
mais por todos os Santos de Deus absolva esse
haver de todas as cousas más, e seja livrado em
Manoel para haver de ser Deus com nós outros, e
pelo santo nome de Deus e de todas as cousas que
estão aqui nomeadas, sejam desatadas e desli-
gadas d'este haver, e aparte-se da má ventura,
e de todos os mais males feitos feitiços en-
cantações e ligamentos que estejam feitos em
pó d'ouro, e de prata ou de seda, ou d'algodão, ou
de linho, ou de camelão, ou em osso de Christao,
ou de peixe, ou se for feito em madeira, ou em
livro, ou em peitos ou em alguma figura, ou em
alguma sepultura de Mouro ou de Christão, ou em
ponte, ou em fonte, ou em mar, ou em rio, ou em
casa, ou em parede de feitio, ou de cal, ou em
souto, ou em campo, ou em vinha, ou em arvore
solitária, ou em deserto, ou em reparti mento de
rio, ou encruzilhada, ou em fita de seda, ou de
ferro, todas sejam desatadas, ou desligadas, ou se
fór-feito em sino, ou em prata, ou em arame, ou
em ferro, ou em chumbo, ou em outro qual-
quer metal, tudo seja tornado a seu proprio ser,
que d'antes tinha, ou em sua propria figura, em
que Deus nosso Senhor te criou, desconjuro-te,
amaldiçoo-te maligno inimigo com minhas invo-
cações, quer maneiras que applique esta pintura de
Deus por encantamentos, ou ligamentos, ou supers-
tição, ou feiticeria, ou por qualquer arte diabólica,
pela virtude d'El-Rei invisível e Rei que è de to-
dos os mais senhores; Nosso Senhor Jesus Christo
que appareceu no mundo para desatar, e desfazer
todas as cousas, desatinos por desatadas, e desliga-
daâ, assim como pelos Bemaventurados S. Pedro
e S. Paulo se desataram, e desligarão todos os fei-
tiços, e malefícios, encantamentos, e superstições,
feitos pelo sábio Simão Mago membro seu como
pelo Bemaventurado S. Bartholomeu Apostolo que
curou todos os feridos e chagados do demonio
ídolo, e fpá que S. Bento è o proplieta Moyses
-10-

que descobriu segredos e adivinhações dos sábios,


isto é Granel e Abranus tomus omnipotentis Dei,
e dizia assim e procedido do Padre, do Pilho e do
Espirito Santo Nosso Senhor Jesus Christo desate
todas as cousas ligadas, encantações, feiticerias, e
adivinhações feitas sobre este haver, para o qual in-
voco, anteponho a Santissima Redempção, e Pre-
cioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Christo, e por
aquelles Sacratíssimos Nomes de Deus desatadas e
desligadas as adivinhações, cartas sacrílegas, feitice-
rias, ligamentos, encantamentos, e superstições dia-
bólicas d'esse haver. Creaturas de Deus por aquelle
que ha-de vir a julgar os vivos e os mortos com o
Padre e Espirito Santo reina por seculum sem fim.
Amen.
D'esta forma a achei, e assim a trasladei sem
lhes poder tirar mais sentidc ao que achei escripto,
etc.

TOMBO

OU LOGAK ONDE SE ACHAM ENCANTADOS


OS THESOUKOS

1. No Castello de Castro desterramos o mesmo


Castro da parte do nascente e fizemos um rego de-
baixo da mesma parede d'onde ficaram duas telhas
d-'ouro.
2. A fonte da Soalheria por baixo da fonte 9
passos fica uma fraga enterrada, aonde fica um
azado de moedas d'ouro.
3. Na fonte da Moura 25 passos da fonte,
fica um azado d'ouro.
— 11 —

4. A fonte Frasqua por cima ao Nasc. fica


um cofre de jóias.
5. Nas tres fontes dos Navalhos no Castro
feimano em cada uma delias seu haver.
6. Na fonte que está no Castro que chamam
Navalho está debaixo da entrada um grande ha-
ver.
7. No Castello que está-defronte do Norte
entre a figueira ao pé da Edreyra dous estados de
homem, está a cara d'um homem, ahi acharão um
caixão de canto, e dentro 9 barras d'ouro.
8. Na fonte de Miraudella, ao longo da pa-
rede do Serrado, junto do pilar, acharão um aza-
do de cobre cheio de moedas d ouro.
9. No Castello do Syrio ao pé da fonte, estão
defronte ao meio dia, no meio da torre dous for-
nos mettidos na parede, e ahi acharão as armas de
D. Teludo Seminadas, e 4 dobras d'ouro.
10. No mesmo Castello no portal, por onde
entra o Sol na couçoeira da porta acharão um aza-
do d'ouro.
11. No Castro do máo Visinho ao nascer do
Sol debaixo da parede digo peneda 61 passos do
Castello está uma mão pintada, tres estados d'um
homem acharão em um caixão muita moeda d'ouro,
em uma tina.
12. Na fonte Ferradoza defronte ao JNorte,
por cima da fonte, ao longo do castanheiro, acha-
rão um montão de barro e 2 barras, tudo mettido
n'um tacho. . .
13. Na fonte do Valle, limite do Castro do
máo Visinho, que nasce defronte, a.o meio dia, de-
fronte 12 passos está um vestido d ouro.
14. Na fonte do Cavalheiro, limite do Cas-
tro, defronte do nascer do Sol ao pó d'um ermidei-
O" "™
— 12 —

ro, tem uma peneda que desce ao Castro e por


baixo no meio da peneda dous estados, acharão 4
Capilhos d'ouro, e o que está vivo, não o matem.
15. Na fonte do Cavalheiro, defronte ao Nor-
te, por cima junto a 8. 9. 5. 1. dentro do prato
está uma pedra com um letreiro, acharão um cai-
xão com moedas d'ouro.
16. Na mesma fonte do Castro de Curnun-
que, ao longo da fonte, acharão idolos dos Deuses.
17. Na fonte d'El-Rei, acharão uma Baixei-
la de prata encantada.
18. A fonte das Lamas acharão uns penedos,
e por baixo d'elles uns seixos brancos, e um seixo
branco fóra da terra, e ao pé d'elle cavarão um
pouco debaixo e acharão um grande haver.
19. A fonte Encalada por cima da fonte dois
passos e meio entre muitas silvas, acharão muitos
ladrilhos argamassados, e debaixo d'elles acharão
35 pedras fincadas e atraz destas uma pedra
redonda, e debaixo os haveres d'um rei.
20. Na fonte do Salgueiro, por cima do ri-
beiro 3 passos á mão de cima estão salgueiros em
frente d'elle e debaixo acharão um manto que vale
dois milhões.
21. No Castro do máo Visinho, aguas ver-
tentes para um hervideiro, ao pé está um penedo
mármore, acharão uma iouza furada e debaixo um
haver muito grande.
22. As Castro Quintal, aonde se juntam os
ribeiros, acbarão 4 marcos fincados, e um fica
fóra da terra em meio d'elles acharão uma pedra
de canto, e debaixo acharão ladrilhos com bastante
ouro.
23. A pedra dos Namorados, ao pó aonde
está uma figueira da mesma pedra, e uma estatua
— 13 —

na terra, cavarão uma braça, e acharão uma caixa


de sabão cheia de moedas.
24. A fonte do Mouro, defronte ao meio dia,
sáe agua por um cano, e na ponta do cano acha-
rão 150 saquinhas d'ouro.
25. Na fonte da serra do Gato, no cabo do
nascedouro d'agoa, se achará um penedo alto de
cinco quinas, e junto do penedo um cofre de moe-
das d'ouro.
26. Na mesma fonte quasi no meio acharão
uma torre pequena, com tornos mettidos, e de-
baixo da parede, ou no chão, acharão 4 barras
d'ouro.
27. Aos 4 passos da mesma Serra do Gato
acharão um cavado, aonde está o cavado não está
nada, mas aonde está um desabrido de 17 passos
do cavado acharão uma mão de moinho, e debaixo
uma talha de pedra cheia de moedas d'ouro.
28. Na peneda do Cavado, por cima da fon-
te ao longo d'um pedestal, acharão portas d'ouro..
29. Na fonte secca para o meio dia por cima
da fonte, acharão uma peneda desfeita, e debaixo
uma carga d'ouro.
30. Na fonte do Cavado, junto do cavado
está um sino d'ouro.
31. na llibeira dos Namorados debaixo do
Altar ou rezatorio, acharão 15 saquinhas d'ouro.
32. Na fonte de Ferradoza, junto da fonte
ao pé do penedo acharão graude haver.
33. No passo do Cavado, ao longo d'uma fi •
gueira preta se acha um haver.
34. No Castello do Ervideiro em Val de
Martim, lançado contra uma carvalheira ao pé
d'Oratorio, acharão um cavallo d'ouro.
35. Na fonte das Meijoadas, mais ao travez
— 14 —

da fonte tres passos, ao longo da carvalheira se


achará um cofre d'ouro.
36. No Castello do Ervideiro ficam as jóias
d'um Rei.
37. Na fonte da Villa Velha, na mesma can-
taria, fica um azado de moedas d'ouro.
38. Nas mesmas pedras d'outra fonte fica
outro azado de moedas d'ouro.
39. No caminho debaixo do Canacho 9 pas-
sos está um haver muito grande.
40. Na fonte da estrada ao Nasc. fica um
caixão com muita somma d'ouro.
41. Nos barreiros fica em baixo de Anadou-
ro um haver muito grande, para o achar é neces-
sário desviar a agua.
42. No Castello das Passadas, e ao redor do
Castello tres passos fica um azado d'ouro.
43. Na fonte dos Navalhos que nasce ao
Nasc. do Lamacego em uma lameira mette-se em
um ribeiro junto ao moinho, e junto da lameira
tres marcos está um carneiro, em uma lameira ao
meio dia está debaixo um grande poder.
44. No penedo Pilheiro, em cima do penedo
fizemos um caixão, ao pico aonde fica muita somma
d'ouro.
45. Na fonte do Rego 9 passos da fonte fica
um grande haver.
46. No penedo Salgozo derrubamos muita
somma de muralha, aonde ficam os haveres de D.
Gurino Moradora no penedo.
47. Nas outras portas do Caramello ao pé da
fonte 15 passos da parede por baixo da fonte, está
a ponta d'uma relha feita em uma fraga, aonde fica
muita somma d'ouro.
48. Na fonte da Leda, 9 passos do caminho
— 15 —

ao Nasc. fizemos um caixão onde ficam os haveres


de D. Caprina.
49. Na fonte dos Salgueiros fica um grande
haver, e no corredouro da mesma fonte fica outro.
50. Na fonte do Seixo 11 passos de Cyprião
fica ao Norte uma cobra de pedra debaixo da mesma
corrente da agua olhando para o thesouro.
51. Na Silveira onde se junta a agua do ri-
beiro fica um grande haver.
52. A fonte de Vallongo por cima da fonte
do Nascedouro fizemos um fojo na terra ao Norte,
e fica um grande haver.
53. Na fonte do Ervideiro por cima da fonte
12 passos de Cyprião fica 12 collos d'ouro.
54. No Castro Trancado no fundo do Castro
fica muita somma de ouro destemperado.
55. Nas fragoas Velhas aonde tiraram anti-
gamente agoa, fica a cadeira d'um Rei.
56. No penedo das Pombas fizemos um fojo
em. cima do penedo aonde fica muita somma d'ouro.
57. Na fonte da Rima por cima da fonte 18
passos ao Norte fica um caixão de ladrilhós cheio
de jóias e seda acharada.
58. No penedo da Edra, por onde sabe a
agua por uma friesta ficam cinco barras d'ouro e
cinco de prata que lhes faz a agua muito mal.

Somma dos haveres do Porto de D. Gazua

AGUAS VERTENTES

59. Entre ambos os rios no Castello da Ci-


dade, visinho do Castro das Lamas á mão de cima
dez passos está uma fraga, e debaixo um haver
grande.
(30. Na mesma cidade no Portal do Sol por
debaixo da porta estão muitas barras d'ouro.
61. Ao longo da mesma cidade para a parte
do poente, na fonte ao pé d'ella estão uns riscos
n'uma pedra, e debaixo um jogo de bollas d'ouro.
62. No mesmo Castro junto ao rio para a
parte do meio dia, está uma fraga que tem umas
ferraduras estado d'um homem, por baixo está um
grande haver.
63. Na fonte do Castro tres passos á mão de
cima está um pico d'ouro.
64. No Castello visinho descente ao rio está
uma pedra que tem uns riscos feitos ao pico, e de-
baixo um caixão de latão cheio d'ouro.
65. No portal do meio dia está muita somma
d'ouro.
66. Na fonte do mesmo Castello para a parte
do nascente 2 braças está uma pedra mettida no
"chão, debaixo uma lousa e debaixo um grande ha-
ver.
67. Na fonte dos Lagoalhos, no meio está
uma pedra de canto, e debaixo um estado d'ho-
mem, e debaixo muitas barras d'ouro.
68. Indo para o Val está uma pedra com um
letreiro, e debaixo um estado d'homem está um
grande haver.
69. Ao pó do monte do Sereijal se achará
uma caixa d'ouro.
70. Na fonte do Castello se achará um pico
d'ouro.
71. Na fonte do Salgueiro está uma carga
d'ouro.
72. Ao pé da peneda dos Namorados a Sin-
— 17 —

deiro debaixo d'um penedo se achará um grande


haver de D. Moura.
73. No penedo do Castello do Ervelino ao
corredor ao pé d'uma figueira, penedo honroso
acharão uma nacerga na ponta de lá, está uma do-
bra d'ouro.
74. No brosco do Castello ao poente acharão
uma baixella de prata.
75. Na fonte d'El-Rei por baixo do Castello
ao nascente, está um grande haver.
76. No Terreiro do Castello se acharão uns
chapins d'ouro cheios de moedas.
77. Na fonte da Mó ao meio dia por baixo
da parede de D. Martha por cima da parede 17
passadas se achará um cofre argenteo cheio de moe-
das d'ouro.
78. No Castello adiante do Carrazedo ás 5
penedas bernozas, é cada uma d'ellas d'altura d'um
homem, por cima da fonte altura d'um homem
acharão um azado de moedas d'ouro.
79. Na fonte adiante do Carrazedo por ci-
ma da fonte 17 passos, acharão uma caixa cheia
de moedas d'ouro.
80. No Castello das Seilhadas 12 passos
adiante ao poente está muito ouro.
81. Aos estevaes na mesma fonte velha 15
passos ao corrente, fica um azado d'ouro.
82. Ao tres gaijo está á borda do ribeiro
uma mula de pedra, e debaixo d'ella um grande
haver.
83. Na encruzilhada ficam 12 passos do. ca-
minho sete milhas de pérolas d'ouro e diamantes,
encantados.
84. No penedo do Corvo, ao nascente 15
2
— 18 —

passos do Cyprião está um caixão de argamassa»


onde ficam dez aguias d'ouro.
85. No penedo sertaneiro para a porta do
sol ao pé do penedo ; uma caldeira d'ouro.
86. Na fonte antiga passando o pontão di-
reito ao norte, um haver muito grande. ■*"
87. No Seixo de ancias na mesma fonte es-
tá um seixo, debaixo d'elle fica um azado de co-
bre cheio d'ouro.
88. No mesmo Castello de ancias na esquina
que olha para o nascente, fizemos um caixão de
argamassa feito na mesma torre, onde ficam 7 do-
brões d'ouro.
89. Seguindo-se a outra fonte do mesmo
Castello no corredouro da agua, fica uma talha co-
berta com a mó d'urn moinho cheia de moedas
d'ouro.
90. No Sombreiro de Roldão fica uma cabra
pintada que está olhando para o haver.
91. Aos manadouros por onde sae a agoa
por uma fresta d'uma fraga, está uma telha, por
baixo um haver grande.
92. Na olha velha, no poço do mesmo, por
baixo 25 passos ao poente ao pé d'urn alcorno
fica um caixão cheia de jóias.
93. A palha parda Barca antiga da desem-
barcação, onde estão umas ca-lêas pintadas, ahi
acharão uma talha cheia de barras d'ouro.
94. Na fonte do Pingão, está um haver
muito grande.
95. No sitio de Cabrões, na peneda do La-
garto distancia de 3 passos da parte do norte
acharão uma contrasina que está cara ao nascen-
te, e d'ahi a 10 passos da mesma cara acima acha-
— 19 —

ião debaixo da torre dous estados e meio d'um


homem, uma arca feita de argamassa, que serão
necessárias tres bestas para tirarem as moedas que
tem.
96. Na fonte da Costa 16 passos acharão
uma cabra em cima d'uma peneda de meio estado
d'um homem e d'ahi a 9 passos cara ao poente,
está uma talha de moedas d'ouro, que com facili-
dade se descobrirá.
97. Na fonte do ouro a 9 passos está meio
estado d'um homem, uma panella com dinheiro á
porta do norte.
98. Na fonte da Teixeira, á porta do nas-
cente, está estado e meio d'um homem muita
somma de ouro e prata.
99. Na fonte das Navalhas, 10 passos da fon-
te cara ao sul, meio estado d'um homem, está va-
lia de mais de mil cruzados.
100. Na fonte da Silva ao lado esquerdo á
parte debaixo da mesma fonte altura d'um homem,
está urna panella cheia de jóias preciosas.
101. No Castro de cima ás 5 portadas, está
enterrada uma panella de ouro, 2 estados d'um
homem.
102. No sitio da mesma porta cara ao meio
dia no sitio do cavalleiro distancia d'um tiro; a
15 passos estado e meio d'um homem, está uma
pia de peças d'ouro.
103. No Castello do mau visiuho está uma pe-
dra de 3 esquinas, e defronte da mesma pedra oito
passos, está uma tina de prata e debaixo está mui-
to ouro, cara ao sul.
104. Na pedra do Corvo no lado da mesma
— 20 —

pedra, está um caixão argamassado cheio de moe-


das d'ouro.
105. No sitio da Peneda Redonda cara ao
meio dia, 27 passos estado d'um homeip, está muita
somma d'ouro e prata lavrada.
106. No sitio do Castro sucher acharão um
caixão de 6 palmos d'alto, onde está muita somma
de riqueza.
107. Na fonte do Monte-frio estado de 20
palmos; cara ao poente, acharão a 16 passos uma
sina ouro, e debaixo muita serventia de prata.
108. A fonte do Carvalho estado d'um
homem cara ao norte, acharão mais de doze mil
cruzados de ouro e prata, distancia de 6 palmos.
109. No sitio do Castro Troncada cara ao
sul, a dez passos ao entrar na primeira portada
estão duas cadeiras d'ouro com muita valia.
110. Na peneda do Rio Fragoza, está uma
cabra em volta cara ao meio dia, e da outra par-
te cara ao nascente a 18 passos está a arte d'um
ferrador tudo d'ouro.
111. Desterramos o Castro onde fica muita
riqueza dentro do mesmo Castello, que tudo vale
mais de cem mil cruzados em peças d'ouro.
112. Na peneda d'Olho redondo, ao virar o
sol a 15 passos, está muita riqueza.
113. No Castello do mau visinho, defronte
do meio dia debaixo da portada, acharão um gran-
de haver.
114." A' porta do Sabugueiro da casa do Cala-
bor está um grande haver na mesma porta, que
são 40 barras d'ouro.
115. Defronte do penedo furado 7 braças,
estão 40 barras d'ouro e 40 de prata.
— 21 —

116. No Cabeço da Velha, está um signal


que e a cabeça d'um cavallo, ao pó d'elle está uma
cabrita d'ouro é 20 barras de prata.
117. Ao pé do Seixo branco, estão 7 barras
d'ouro.
118. No Castro da Bolha, ao longo da fonte
7 passos, está o haver d'um rei, sete milhões de
ouro em moedas.
119. No Porto da Calçada ao pé" d'uma fra-
ga da banda do Castello está um grande haver,
mil escudos d'ouro e 29 barras de prata, defronte
da fonte que está da outra parte espetada na
mesma fraga, a cara d'um homem pintado.
120. No poço que fica por cima da guadra-
mil em cima da serra, tem dentro em si duas ca-
ras de peças d'ouro e prata, e mil quintaes de ferro
por cima, e tem de um lado um buraco por onde
se esgota a agua.
121. Nas rachas em uma fonte que tem um
salgueiro, ao pé d'onde nasce a fonte, e ao pé estão
40 barras d'ouro e 20 de prata, mettidas em um
caixão no cabo da fonte.
122. No penedo da Mira, ao pé d'elle á parte
do nascente está um thesouro, e tem em cima um
marco e são 200 barras d'ouro, e 500 de prata.
123. Na penegada em Varge está um grande
haver que não tem couta, e tem a cabeça d'um
cavallo pintada e debaixo está o haver.
124. Nas fontes do Navalho, em cada uma
d'ellas fica seu haver, e por cima da principal a 15
passos, fica uma tinalha cheia d'ouro.
125. Na outra fonte do Navalho aonde está
uma ferradura escripta em uma pedra, entre a
— 22 —

fonte e a ferradura fica um grande haver, e o que


, está vivo não o matem.
126. Na outra fonte do Navalho, ao norte en-
tre a estrada e a fonte, tanto para uma como para
outra parte, fica um azado d'ouro.
127. Na fonte Salgueira, fica um grande ha-
ver que são 500 barras d'ouro.
128. Na fonte do velho, um pico d'ouro.
129. No limite do Castro socham, está uma
fornalha de fazer telha, na quina d'ella para o sul
está uma cadeira de pedra, e debaixo uma tina de
pérolas e diamantes, 15 barras d'ouro.
130. Na fonte da Sagraça da parte de cima
daf fonte estão 40 marcos fincados, e no meio d'el-
les está uma tina de ouro, altura d'um homem.
131. Na fonte da Moura, a tres passos está
uma tina d'ouro, altura d'um homem.
132. Na fonte da Moura, a tres passos está
uma tina d'ouro, altura d'um homem.
133. No vai dos Namorados está uma barra
branca na fonte, e tem uma silveira na ilharga,
para a parte do norte, tem um seixo branco
quinze passos está uma mão, e debaixo d'ella estão
4 capellas de ouro, que andou um azemel quinze
dias a acarretar, e tudo vale 4 milhões, e tem um
idolo dos Deuses.
134. No vai de Balbom, está um penedo
furado, da parte do poente, ha 150 saquinhas d'ouro
altura d'um homem.
135. No Castello de Vorim, na fonte de El-
Kei para a parte do nascente tem um seixo branco
com uma medalha pintada, ao direito d'elle a um
passo está uma cara redonda cheia de moedas d'ou-
ro, altura de dous homens.
— 23 —

136. No mesmo limite por baixo do Castello


está um lameiro, onde se apartam os dous ribeiros,
está uma meza redonda de pedra pintada, na outra
parte uma ferradura e por baixo d'ella a 25 palmos
d'alto, está a prata e ouro d'uma viuva.
137. No limite do Yal-curto, está uma lage
grande, debaixo d'ella estão 4 arrobas d'ouro, al-
tura d'uin homem.
138. No Castello do máo visinbo nas portas
ao poente, por baixo d'ellas está um nenedo re-
dondo aonde acharão duas pias mettidas na fraga,
uma de ouro, outra de prata.
139. No mesmo limite do Valle, sae agua
debaixo d'elle, abi acharão 2 ferraduras pintadas,
por cima onde sae a agua, a 6 passos para o norte
acharão uma tina de diamantes, e uma barra
d'ouro, altura de 2 homens.

Motivos porque Deus permitte


que o demonio atormente as creaturas

1.° E' para que o homem porfiado em cul-


pas, sirva de terror e exemplo aos outros homens.
2.° Para que aquelles que não são obstina-
dos, recebam só n'este mundo o castigo de suas
culpas. •
3.° Para que o homem vendo-se flagellado
pelo demonio, se lembre que offeudeu a Deus, e
se arrependa.
4.° Para punir algum leve peccado, do qual
se quer satisfazer logo a justiça de Deus.
— 24 —

5.® Para que aquelles que estão em graça,


não descaiam d'ella.
6.° Para que os peccadores se arrependam,
vendo com os proprios olhos o castigo divino.
7.° Para manifestar o poder de Deus.
8.° Para conhecer a fé e a paciência d'algu-
mas creaturas.
9.° Para augmentar os bons sentimentos ás
pessoas que começam a aborrecer os vicios.
10.° Para purificar mais os seus escolhidos.
11.° Para que as creaturas tenham o purga-
tório n'este mundo, e se confundam vendo que os
seus males resultam ás creaturas tantos bens.

CARTOMANCIA

OU MODO DE DEITAR AS CARTAS DE JOGAR


TARA ADIVINHAR OS SEGREDOS D'UMA PESSOA

Não é só d'agora, é da mais remota antigui-


dade, que os homens procuram levantar o espesso
véo que encobre o futuro. As continuas vicissitu-
des por que elles passam n'esta vida transitória, a
todos os instantes instigam os seus pensamentos
para descobrirem o que é possível descobrir; mas
n'este manejo continuo do espirito, n'este lidar
incessante, que lisongeia o seu amor proprio, um
sem numero de parvoíces se desenvolvera, que
morrem logo com a experiência dos factos; mas
assim mesmo e apezar d'um evidente desengano,
— 25 —

a cegueira do entendimento é tal, que se persiste


no erro, como se elle fosse o talisman da sua sal-
vação. E' para comprovarmos estes erros, que nós
lemos na historia dos povos, os mais soberbos
desconcertos taes como foram os prognósticos que
os Augures tiveram do vôo das aves, do seu canto,
do modo como ellas comiam, e das entranhas
fumantes dos animaes que immolavam nos sacrifí-
cios. As Sibyllas, e notavelmente a de Cumas,
( donzella formosíssima de quem Appollo se namo-
rou concedendo lhe em paga da suadeshonra, tan-
tos annos de vida quantos grãos de arèa apanhasse
na sua mão,) prediziam o porvir d'um modo tão
crente, que Enéas, o fundador do império Romano,
não deixou de consultar esta feiticeira de Cumas.
Os Astrologos também adivinhavam pelas posições
dos astros, e induziam os Reis a grandes commet- ^
timentos, dos quaes, muitas vezes não sabiam,
airosamente. Esta sciencia qUe se chama — Astro-
logia Judiciaria, — tinha até nos Reis de Portugal
grande voga. El-Rei D. Affonso VI foi um d'elles
que a cultivou, com afinco e credulidade.
Ainda aqui não ficam as aberrações do espi-
rito humano, porque depois'que o uso das cartas
se introduziu na Europa, (1) os diversos jogos que
com ellas se criam, despertou a idea, que hoje vo-
ga entre os crédulos das mistificações que ellas
produzem. Napoleão I consultando a celebre

(1) Attribue se aos chinezes a invenção das cartas de


jogar; porquanto no século xi da nossa era, eram conheci-
das na China, e no secnlo xiii em Provença, província da
França.
_ 26 —

Demoiselle. Lenormand soube d'ella (talvez ava-


liando os effeitos da liga da Santa Alliança contra
elle) as prophecias das suas grandes victorias e da
que o levou prisioneiro á ilha de Santa Helena.
Se depois de tantas invenções, que mostram até
que ponto chega a loucura humana, para lobrigar
por entre as malhas d'um vèo escuro e impenetrá-
vel o porvir d'um individuo, não devemos censu-
rar aquellas pessoas, mais apoucadas do entendi-
mento que as que ficam apontadas por exemplo,
pelo desejo que mostram de esquadrinhar qual
será a sua sorte futura, entregando-se d'alma e
coração aos embustes d'uina mulher matreira e
comedora, que se algumas vezes adivinha, ou é a
" casualidade que a favorece, ou é o sentido guisado
ao modo das suas conveniências.
Para desenganar estes espiritos fracos e supers-
ticiosos vamos desenvolver esta nigromaucia, dei-
tando as cartas conforme as deitava S. Cypriano.
Esta sorte é feita com um baralho de 40 cartas
tendo cada uma d'ellas a seguinte significação:
— 27 —

SIGNIFICAÇÃO DAS CARTAS

NAIPE D'OUROS NAIPE DE COPAS

Az—uma prenda. Az—fandago.


Dous—brevemente. Dous—uma carta.
Três—com alegria. Tres—boas palavras.
Quatro—egreja. Quatro—pela porta da
Cinco —novidade. rua.
Seis—dinheiros peque- Cinco -- lagrimas.
nos, ou pouco dinheiro. ; Seis—por caminhos,
Sete—dinheiros grandes, j Sete—a hora de comidas
ou muito dinheiro. e bebidas.

NAIPE DE ESPADAS NAIPE DE PAUS

Az—affirma. Az—por naute.


Dous- cortando. Dous—caminhos vaga-
Tres—más palavras. rosos.
Quatro—na cama. Tres—caminhos breves.
Cinco—doença ou tum- Quatro—n'esta casa.
ba. Cinco—com cinco senti-
Seis—desvio. dos.
Sete —paixão d'alma. Seis—zelos.
Sete—com muito gosto.
— 28 —

Para se saber o que as figuras das cartas


representam

A dama de espadas é uma mulher de má lin-


gua, o rei e valete da mesmo naipe, o corpo e pen-
samento dum homem de justiça, que pôde ser ad-
vogado, juiz, procurador, etc.
A dama d'ouros representa a pessoa que vai
consultar a feiticeira; o rei e valete o corpo e pen-
samento d'aquelle de quem queremos saber alguma
cousa. Se fôr homem o que consulta, deve ser re-
presentado pelo rei e valete d'ouros e a dama con-
sultada, pela dama do mesmo naipe.
As outras figuras servem para marcar qualquer
pessoa que tenha de figurar n'esta nigromancia,
entendendo-se que os valetes representam os pen-
samentos dos indivíduos marcados nos reis do
mesmo naipe.

Isto sabido e bem decorado, baralham-se as


cartas; partem-se em cruz, e collocam-se com as
costas para cima, da fórraa seguinte:

1.°
3.°-5.°-4.°
2.°

Depois de estarem assim, benzem-se com a


mão direita, e reza-se o seguinte:
RESPONSO QUE SE DEVE DIZER
QUANDO SE DEITAM AS CARTAS

O' meu amantíssimo Senhor, vós que sois o


Deus do universo, permitti que estas cartas me de-
clarem o que eu quero saber, porque, Senhor, não
tenho mais a quem pedir; -o Senhor seja commigo
e me ajude e me soccorra, Maria Santíssima minha
Mãe soccorrei-me por intenção do vosso amado
filho, Senhor meu, a quem com uma vivíssima fé
amo de todo o meu coração, corpo, alma e vida;
cartas vós não me haveis de faltar a isto que vos
peço, pelo sangue derramado de Nosso Senhor
Jesus Christo. Amen. (1)
Logo em seguida viram-se os 5 montes afim
de ver as figuras que teem.
Supponhamos que uma senhora deseja saber
se o seu marido JPolicarpq lhe é fiel, ou se empre-
ga a sua affeição em eutra mulher, que levantan-
do as cartas, encontra as seguintes :

(1) Este responso é como o fazia S. Cypriano todas as


vezes que deitava as cartas.
— 30 —

Estas cartas dizem, qne ha uma novidade, e


uma mulher de boas palavras com todos os senti-
dos empregados no desvio d'alguem.

Juutam-se então os 5 montes, baralham-se de


novo, e estendem-se as cartas em linha horizontal
formando cinco columnas como se vê n'este exem-
plo :
— 31 —

Acabando de as estender, examina-se bem o


o que elles significam na presente sorte, e começa-
se a colher as cartas *em cruz principiando pelo
n.° 1 da 5.a columua e pelo n.° 1 da 1.". seguindo
n'estas duas columnas a ordem da numeração.
Tendo colhido estas 16 cartas, principia-se a colher
a do n.° 8 da 2." columna com outra de igual nu-
mero da 4." sempre com iguaes números.

Isto assim entendido, principia-se a explica-


ção das cartas do modo seguinte:

Az d'ouros Uma prenda


7 d'ouros de subido valor,
Rei d'ouros que este snr. Polycarpo em corpo
Valete d'ouros e pensamento
Az de paus por noute e
3 de paus por caminhos breves
Dama de copas deseja offerecer a esta dama para
obter d'ella
4 d'espadas na cama
Az de copas o que a prudência manda calar.
Dama d'ouros Esta senhora esposa fiel de Poly-
carpo, com
6 de paus zelos,
5 de copas lagrimas e grande
7 d'espadas paixão d'alma, acha-se em
6 d'espadas desvio
4 de paus n'esta casa.
Az d'espadas Tudo isto ó confirmado por este az.
Rei d'espadas Este homem de justiça encontra-
se com
Rei de copas este senhor,
7 de paus e com muito gosto
7 de copas a horas de comidas e bebidas
Kei de paus em corpo e •
Valete de paus pensamento, traz por
5 d'ouros novidade que o pae ou irmão da
Valete de copas mulher que rouba o coração de
Polycarpo a desviará
2 d'ouros brevemente do seu pensamento o
que lhe causará
5 d'espadas uma doença que a levará á
4 d'ouros egreja; isto é, á sepultura.
Dama d'espadas Esta mulher de má lingua com
Dama de paus outra sua amiga, veem
3 d'ouros com muita alegria
Valete d'espadas em corpo e pensamento dar esta
novidade
3 d'espadas juntando-lbe más palavras com
intenção maléfica.

Chegando á columna do meio vê-se que ha


uma novidade, porque não tem figura alguma. Pede-
se então a esta novidade alguma cousa que se
queira saber.
Sem levantar as 8 cartas da carreira do meio
baralham se as outras que já se colheram, e esten-
dem-se em cruz sobre as ditas 8 cartas, ficando 3
na mão, e se estas não dizem nada, põem-se de
parte.
— 33 —

Eis aqui como se collocam as cartas:

1
2
A 3 B
4
5
6
7
8

Depois de tornar a dizer o responso de S. Cy-


priano, põem-se 4 cartas em cruz sobre o lado A,
outras tantas do lado B, e as restantes vào-se pon-
do também em cruz desde o -u.° 1 até ao n.° 8.
Isto feito começam a tirar-se em cruz ; isto é, tira-
se uma do lado A e outra do lado B até acabarem
as 8 cartas; depois vae-se á carreira do meio e ti-
ra-se uma do lado de cima, outra do lado de baixo,
e assim successivamente ate tirar as cartas todas,
dizendo a prognosticação d'ellas.
E' preciso saber-se que se sahir o quatro d'ou-
ros com o quatro ou cinco de espadas, é signal de
morte próxima.
E se sahir o dous de copas com o quatro de
ouros, é um annuucio de casamento.

3
— 34 —

ABRACADABRA
PALAVRA CABALÍSTICA
Era este um nome a que alguns povos anti-
gos attribuiam a virtude de evitar enfermidades e
cural-as. Creem alguns ser o nome d'uma deidade,
a Mithra dos persas. Todo o grande mysterio con-
sistia em que as lettras d'este nome em caracteres
gregos, tomadas cada uma por um numero, som-
mam o dos dias do anno.
As letras deviam collocar-se d'este modo:

Abracadabra
Abracadabr
Abracadab
Abraçada
Abracad
Abraça
Abrac
Abra
Abr
Ab
A

Origem do arrependimento de S. Cypriano


S. Cypriano, denominado feiticeiro para se não
confundir com outro, bispo de Carthago, nasceu
em Anthiochia de paes idolatras, e abastados, e
conhecendo estes que seu filho era dotado de ta-
lentos proprios para grangear a estima dos homens
o destinaram para as falsas divindades, instrnin-
áo-o na sciencia dos sacrifícios que se offereciam
35 —

aos ídolos, de modo que ninguém como elle tinha


tão vasto conhecimento dos profanos mysterios do
barbaro gentilismo.
-Sendo já homem, fez uma viagem a Babylo-
nia onde aprendeu a astrologia judiciaria, ou arte
de predizer o futuro, assim como as sciencias phy-
sicas e chimicas, conforme eram conhecidas no se-
-culo ill, em que viveu.
Com o estudo d'estas sciencias, que cultivou
perante a ignorância do povo, fazia elle cousas mi-
raculosas que a todos causavam admiração, e di-
ziam que elle tinha feito pacto com o demonio, e
que mantinha relações com todos os espiritos in-
fernaes.
Havia em Antiochia uma donzella pagã cha-
mada Justina, dotada de extraordinária formosura
e namorando-se d'ella um mancebo por nome Acla-
dio, como viu que não bastavam todas as suas in-
dustrias e continuas diligencias para expugnar o
coração de Justina, firmemente resoluta a conser-
var-se virgem, recorreu a Cypríano, o famoso ma-
gico, para que o ajudasse com os sortilégios da sua
arte nigromautica a conseguir pcfr ultimo o dese-
jado intento. Fez logo Cypriano todos os seus es-
forçós, e obrigou o demonio a que procurasse com
suas suggestões internas induzir e preverter a Jus-
tina. Porem sahiram vãos os assaltos do tentador,
por v rtude da Sagrada Cruz, com cujo signal o re-
pelliu a donzella, sempre que foi por elle accom-
mettida. O que, visto e observado por Cypriano, e
convencido pela attestação do mesmo demónio, de
que, a toda a industria diabólica prevalecia o Po-
der de Christo, e a virtude da sua Cruz, renunciou
a nigromancia e se fez christão.
r-
— 36 —

Depois d'isto, disse S. Gregorio a Cypriano


que elle só teria a salvação quando desligasse tudo
quanto tinha ligado. Cypriano revestiu-so da graça
de Deus e chamou a si todas as miseráveis crea-
turas para as desligar de todas as prestigiações do
demonio!
Eis aqui o motivo porque Cypriano deixou a
sua vida de réprobo e feiticeiro, e abraçou a fó
christà, arrependeudo-se de todos os males '.]ue ti-
nha causado; d'ahi em diante, quando o demonio
lhe apparecia para o tentar afugentava-o com o si-
gnal da cruz.

Oração para assistir aos enfermos na hora da


sua morte
Dié S. Cypriano no seu livro que esta oração
é tão efficaz, que nenhuma alma se perde, quando
é rezada com devoção e fé em Jesus Christo.
ORAÇÃO
Jesus, meu redemptor, em vossas mãos, Se-
nhor, encommendo a alma d'este servo, para que
vós, Salvador do Mundo, o leveis para a companhia
dos Anjos.
Jesus seja conitigo, para que te defenda; Je-
sus esteja na tua alma, para que te assente; Jesus
esteja deante de ti, para que te guie ; Jesus esteja
deante de ti, para que te guarde, Jesus reina, Je-
sus domina, Jesus de todo o mal te defenda. Esta é
a cruz do Divino Redemptor: fugi e ausentai-vos,
inimigos das almas remidas com o sangue precio-
síssimo de Jesus Christo.
— 37 —

Jesus, Jesus, Jesus; Maria, Mui de graça, Mãi


de misericórdia, defendei-me do inimigo e ampa-
rai-me n'esta hora. Não me desampareis, Senho-
ra, rõgai por este vosso servo, a vosso amado Fi-
lho, para que com vossa intercessão saia livre de
perigo de todos os seus inimigos e das suas tenta-
ções.
Jesus, Jesus, Jesus; recebei a alma d'este
vosso servo; olhai-o com olhos de compaixão:
abri-lhe esses braços; amparai-o, Senhor, com a
vossa misericórdia, pois é leitura de vossas mãos
e a alma imagem vossa.
Jesus, Jesus, Jesus; não lhe negueis a vossa graça
n'esta hora/^ois eu vos clamo, ó Deus poderoso,
para que venhaes sem demora receber esta alma
nos vossos santíssimos braços; vinde Senhor, vin-
de em seu soccorro, assim como viestes em soc-
corro de Cypriano quando andava em guerra com
Lucifer.
Jesus, Jesus, Jesus; Creio Senhor, firmemen-
te em tudo quanto manda crêr a Igreja Catbolica
Apostólica Romana; fortalecei pois, a alma doeste
vosso servo. Vinde, Jesus, ó vida verdadeira de
todas as almas! Livrai-o, Senhor, de seíis inimi-
gos; como medico soberano, curai todas as suas
enfermidades; purificai-o meu Jesus, com o vosso
precioso sangue, pois prostrado a vossos pés clamo
pela vossa misericórdia.
Jesus, Jesus, Jesus; O' Maria Santíssima,
Mãe de Nosso Senhor; agora, Senhora é tempo
que mostreis que sois mãe sua e de todos nós.
Soccorrei-o n'esta tão arriscada hora, pois em vos-
sas mãos temos posto o importante negocio da
nossa salvação.
— 38 —

Tirai-o d'este conflicto e agonia em que se


vè e ponde-lhe a sua alma na presença de vosso
amado Filho.
Jesus, salvai-a; Jesus, soccorrei-a; Jesus am-
parai-a; ó meu Deus, meu Senhor, tende compai-
xão de todos nós; livrai-nos de todas as cousas; a
minha alma vos deseja, a vós; meu Jesus, como o
servo deseja as fontes das aguas. Quando chama-
reis por mim? Oh ! ouçam já meus ouvidos de vos-
sa sagrada bocca aquellas palavras;» — Entra e
vem alma minha no goso de teu senhor!»
Jesus, Jesus, Jesus; em vossas mãos, Deus
meu, offereço e ponho o meu e teu espirito ! que
justo é que torne a vós o que de vós recebi; sêde
pois, por nossa alma, justo e salvai-a das tre-
vas.
Defendei-a, Senhor, de todcs os combates,
para que eternamente vá cantar no céo as vossas
infinitas misericórdias.
Misericórdia, dulcíssimo Jesus; misericórdia,
amabilissimo Jesus; misericórdia e perdão para
todos os vossos filhos, pelos quaes vós soffrestes
na Cruz. E' pois justo que nos salvemos. Amen.

Grande requerimento que fez Cypriano de-


pois que era Santo para castigar Lucifer
que sempre o tentava nas suas orações.

Quando Cypriano conheceu o bem que ia go-


sar no céo, e o que lhe sobrevinha se não deixas-
se a Lucifer, resolveu-se a ir castigal-o para um
deserto medonho, fazendo-o vir á sua presença.
— 39 —

Sahiu Cypriano de sua casa e requereu o de-


mónio da seguinte maneira:
«Eu, Cypriano servo de Deus a quem amo
de todo o meu coração ha dez ânuos, e que me
peza Senhor ed não vos ter amado desde a minha
infancia. Levantaste Lucifer lá d'esses infernos e
vem já á minha presença, traidor e falso deus a
quem eu tanto amava por ignorância.
«Porém estou desenganado que o Ente Supremo
a quem agora adoro, é um Deus verdadeiro, pode-
roso e cheio de bondade, pelo que te ordeno que
me appareças sob pena de grande castigo se me
não obedeceres. Apparece promptamente Lucifer!
que eu assim mando da parte de Deus, de Maria
Santíssima e do Padre Eterno; eu te esconjuro
pela força do ceu e pelo poder de Deus que está
nas alturas com os braços abertos e prompto para
receber aquelles seus filhos que deixam de adorar
os idolos e os falsos deuses, a quem eu adorava ha
trinta annos, porém agora com a ajuda de Jesus
Christo, já deixei essas falsas divindades e adoro a
um Deus poderoso que está no ceu, com quem eq
agora tenho feito todo o pacto e o terei até á mor-
te ; e por este mesmo pacto que tenho com Jesus
Christo, te cito e obrigo Lucifer para que me ap-
pareças promptamente.
«Abram-as as portas do inferno. Vem Satanaz
á minha presença. Vem da parte do Oriente em
figura de creatura humana. »
Dito isto, appareceu Lucifer cercado de todos
os demonios do inferno, como diz S. Cypriano no
seu livro.
« Cheguei a contar tres mil demonios em volta
de mim, porém debalde tentaram elles illudir-me,
— 40 —

e vendo que nada podiam fazer, revoltaram-se-


contra mim de tal fórma, que fizerem cahir fogo
dos astros e com tal abundancia que o mundo pa-
recia uma chamma. Tentavam os demonios des-
truir-me, porém eu invocava o nome de Jesus e
nunca o fogo me pôde causar damno algum».
Vendo o demonio que Cypriano já tinha grande
poder em nome de Deus, resolveu-se a desobede-
cer-lhe e a retirar-se para os estados infernaes.

Continua o requerimento de S Cypriano fa-


zendo voltar de novo á sua presença o de-
monio para ser castigado como merecia.

Ego, Cypriano, Prmcepitivr in nomine Jesu Chris-


tum, ergo sum te nos brodio.
«Vós que estaes na gloria de Deus Padre, de
Deus Filho e de Deus Espirito Santo, e no poder
e virtude de Maria Santíssima e do Verbo Divino
Encarnado, e no poder dos anjos do ceu e dos
cherubins e seraphins, creados por obra e graça
do Divino Espirito Santo, mando que, sem appel-
lação nem aggravo sejam abertas as portas do in-
ferno e que venha Lucifer á minha presença, para
que seja cumprida e executada a minha ordem
conforme eu lhe ordenei.
«Appareça promptamente Lucifer em figura
de passoa humana sem estrépito nem mau cheiro.
«Sejam já abertas as portas do inferno, assim
como se abriram as portas do cárcere onde esta-
vam presos alguns dos apostolos, quando lhes ap-
pareceu um anjo enviado por Deus para os libertar,
- 41 -

elevando-se depois o anjo ao céu como Jesus Christo


lhe havia ordenado.
«Jesus, Jesus; eu mando em vosso Santíssimo
Nome ao demonio que venha já á minha presença
sem que offenda a minha pessoa, nem o meu corpo,
nem a minha alma.
«Apparece Lucifer, pois eu te requeiro pelo
poder e virtude d'aquellas Santas palavras que Je-
sus disse quando exhalava o ultimo suspiro na
santa Cruz, exclamando em tom angustioso e com
os olhos elevados ao céu: —« Meu Deus, meu Deus,
perdoai aos que me crucificaram porque não sabem
o que fazem».
«Por estas Santas palavras te esconjuro e re-
queiro Belzebuth, rei dos infernos; vem á minha
presença sem appellação nem aggravo em nome de
Jesus, Maria, José, pela virtude dos doze apósto-
los, e do anjo S. Raphael, de todos os mais santos
e virtudes dos ceus e ordens dos bemaventurados;
eu te requeiro Lucifer pela virtude do bemaventu-
rado S. João Baptista, S. Thomé, S. Filippe, S.
Simão, S. Judas, S. Martinho, e por todas as or-
dens dos Martyres S. Sebastião, S. Fabião, S.
Cosme, S. Damião, S. Dionizio e seus companhei-
ros, por todas as ordens das Virgens Martvres,
confessores de Deus, pelo coração do Rei David, e
pelos quatro Evangelistas João, Lucas, Marcos e
Matheus.
«Eu creatura de Deus te requeiro e obrigo para
que me appareças sem perda de tempo.»
N'este momento apparece Lucifer e diz:
—Que me queres, Cypriauo ?
—Quero castigar-te como mereces.
—Então Cypriano.já não te lembras das infa-
>3
— 42 —

mias e deshonras que praticaste pactuado commi-


go? Já esqueceste que te fiz senhor do mundo in-
teiro com os meus poderes occultos?
— Infame! bradou Cypriano. Se não fosse ge-
neroso comtigo, tinha-te fulminado.
— Desça já,, já, fogo sobre este homem, gritou
Lucifer, e seja reduzido a cinzas. E' esse o pacto
que fizeste commigo, é esse o tractado que fize-
mos e não o cumpriste. Infame és tú! caia já fogo
sobre ti.
No momento em que o demonio disse estas
palavras, eram tantos os raios e trovões, que fa-
ziam tremer a terra.
Porém S. Cypriano não teve medo, porque o
seu poder era forte contra Lucifer, por isso disse-
lbe : « Suspende, Satanaz, esses trovões e raios que
estão caindo das alturas, sob pena de castigo rigo-
roso. »
Ouvindo isto Lucifer fez parar aquella tem-
pestade.
Então Cypriano prendeu Satanaz com uma
cadeia feita de chifres de carneiro, e depois de bem
amarrado, disse-lbe:
«Estás preso maldito, traidor; não tentas mais,
nem me roubas a alma. Deus pela sua infinita mi-
sericórdia, perdoa-me os meus peccados e todas
as offensas praticadas contra Elie, por tua causa.»
Acabando dizer estas palazras, Cypriano açou-
tou o demonio com a vara boleante, e poz-lhe pre-
ceito de elle nunca mais fazer pacto com nin-
guém.
— 43 —

Modo como se ha-de preparar


a vara boleante para castigar o demonio

Cortai, uma vara de avelleira que tenha gros-


sura suficiente para aguentar com tres pregos do
comprimento d'um centímetro, depois preparai os
pregos do seguinte modo :
Matai um cordeirinho com uma faca d'aço e
logo depois que esteja morto, levai a faca a um
ferreiro que vos faça d'ella tres pregos e cravai-os
na vara, um 110 meio e dous nas extremidades, e
d'esta forma podeis castigar o demonio facilmente
A faca deve metter-se 110 fogo com o sangue
do cordeiro. As cadeias para prender o demonio
pódem ser de chifres de carneiro ou melhor será
um cordão de S. Francisco, ou a estola de um pa-
dre que tenha dito com ella, pelo menos dezoito
missas.

Lucifer e o Anjo

— Anjo Custodio,amigo meu, queres salvar-te?


— Sim, quero! Sou o anjo Custodio, mas teu
amigo não.
— Queres ter salvação ?
— Sim, quero.
— Quaes são as principaes virtudes do ceu, e
que te podem salvar?
— São:
1." O sol mais claro que a lua.
2.a As duas tabnas de Moysés, aonde nosso
Senhor poz os seus sagrados pés.
- 44 —

3." As tres pessoas da Santíssima Trindade


e toda a familia da Christandade.
4." Os quatro Evangelistas .Tono, Marcos,
Matheus e Lucas.
5." As cinco Chagas de nosso Senhor Jesus
Christo, que tanto soffreu para te quebrar as tuas
forças, Lucifer!
6." Os seis cirios bentos que illuminaram em
torno da sepultura de nosso Senhor Jesus Christo,
e me illuininam a mim para me livrar das astú-
cias de Lucifer, o deus dos infernos.
7." Os sete Sacramentos da Eucharistia, por
que sem elles não ha salvação.
8." As oito bemaventuranças.
9.a Os nove mezes que a Virgem Maria San-
tíssima trouxe no ventre, seu amado Filho Jesus
Christo, e por esta virtude somos livres do teu
poder, Satanaz!
10.'1 Os dez mandamentos da Lei de Deus,
por que, quem n'elles crer, não entra nos abys-
mos do inferno.
11.1 As onze mil virgens que pedem inces-
santemente ao Senhor por nós.
12.a Os doze apostolos que acompanharam
sempre nosso Senhor Jesus Christo até á hora da
sua morte e depois na sua eterna redempção.
13." Os treze raios do sol que eternamente
te esconjuram, a ti Satanaz.
N'este momento Satanazsubmergiu-se, acom-
panhado d'um trovão e relâmpago, enviado por
Deus nosso Senhor.
Esta oração deve ser dita toda, e sendo ne-
cessária torna-se a repetir até terceira vez.
Poder Ocoalto

Diz S. Cypriano no seu livro, que para um


homem se fazer amar das mulheres, precisa tomar
o coração d'um pombinho, fazel-o enguiir por uma
cobra, e conserval-a presa algum tempo, até que
morra.
Depois de morta corta-se-lhe a cabeça e sec-
ca-se bem no borralho ou sobre uma braza, reduz-se
depois a pó e junta-se-lhe trinta gottas de laudano,
e deita-se n'um vidro novo.

MODO DE SE USAR

Esfreguem se as mãos com uma pequena por-


ção, dizendo as seguintes palavras:
Ezelino Belzebuth, canta-galen-se-chando-qui-
nha, é a propria xirne, é golote.
E' tão forte esta magica, que para se attrabir
uma creatura a outra e mais que admirável! e S.
Cypriano assim a ensinava aos seus servos a quem
livrava do poder de Satanaz.

Magica para adivinhar com 6 paus de alecrim

Pegai em seis pausinhos de alecrim e embru-


lhai-os em tiras de papel, de modo que as extre-
midades do papel se juntem; depois dobrai-os pa-
ra traz de maneira que o pausinho fique bem em-
brulhado e peçam a S. Cypriano d'esta forma:
«Meu milagroso S. Cypriano, eu vos peço por
aquella hora em que vos arrependestes de terdos
— 46 —

feito pacto com o demonio, e que o obrigasteis a


entregar-vos a fatal esçriptura que lhe tínheis fei-
to de entregar-lhes a vossa alma, eu vos peço que
me declareis se eu tenho de fazer isto ou aquillo.
Se os paus sahirem de dentro do papel e se
gradarem sem que este se rompa é verdade acon-
tecer o que se lhe pediu.

DO DIABO E SUAS DIABRURAS

SAItE-SE E É DEMONSTRADO POR MUITAS FORMAS


COMO SATANAZ FOI POSTO FÓRA DA PRISÃO, E DO
ABVSMO DO INFERNO, E COMO FICOU LIVRE DO
CAPTIVEIRO E TEVE LICENÇA DE DEUS, PARA VIR
ENCHER A TERRA DE TRIBULAÇÕES, PORQUE O
SENHOR ESTAVA IRRITADO PELOS PECCADOS DO
POVO ; É TAMBÉM DEMONSTRADO QUE UMA VELHA
MULHER TEVE MAIS FINURA QUE SATANAZ, F.XGA-
NANDO-O COM A SUA ASTÚCIA, SEM ELLE A CO-
NHECER.

No anno do nascimento de nosso Senhor em


136(5 Satanaz foi desligado, e por esta razão pôde
enganar os povos do mundo, como consta do Apo-
calipse : Et sum consummati fuerint anni mille:
Isto quer dizer: — Quando mil annos tiverem
terminado, Satanaz será desligado da sua prisão,
e sahirá, e seduzirá os povos que estão nos quatro
ângulos da terra e do mar.
Porque o diabo descerá até vós, com grande
ira, sabendo que lhe resta pouco tempo.
E o sexto anjo tocou a sua trombeta: e eu
— 47 —

ouvi uma voz que sahia dos quatro cantos do Al-


tar d'ouro, que está ante os olhos de Deus, a qual
dizia ao sexto Anjo que tinha a Trombeta: Solta
os quatro Anjos que estão atados no grande rio
Eufrates, e os quatro Anjos foram desatados, os
quaes estavam prestes para a hora, e dia, e mez e
anno, para matarem a terça parte dos homens: e
o numero d'este exercito de cavallaria era de du-
zentos mil.
Elie deu a sete Anjos sete cálices d'ouro,
cheios da ira de Deus que vive por séculos dos
séculos.
E eu ouvi uma grande voz que sahia do Tem-
plo, a qual dizia aos Anjos! Ide e derramai sobre
a terra os sete cálices da ira de Deus.
E o sexto Anjo derramou o seu cálice no
grande rio Eufrates e seccou as suas aguas, para
que apparelhasse caminho para os Beis do Oriente.
No anno do nascimento de nosso senhor em
1378, Satanaz enganou e induziu o Clero, os Im-
peradores, os Beis, e Príncipes, e outros povos,
aos scismas e ás batalhas. E eu vi sahirem da
bocca do Dragão, e da bocca da Besta, e da bocca
do falso propheta, três espíritos immundos semi-
lhantes ás rãs, estes são pois uns espíritos de
demonios que fazem prodígios, e que vão aos
Beis de toda a terra, para os ajuntar para a bata-
lha no grande dia de Deus Todo Poderoso.
Eu vi a Besta e os Beis da terra, e os seus
exércitos reunidos para fazerem guerra áquelle que
estava montado a cavallo, e ao seu exercito.
Mas a Besta foi presa, e com ella o falso pro-
pheta, que fez prodígios na sua presença, com os
quaes elle havia seduzido aos que tinham tomado
- 48 —
o caracter da Besta, e que tinham adorado a sua
imagem.
Nesta mesma epocha, uma velha mulher, des-
graçada como as pedras da rua, sustentando-se
apenas com o seu pouco ganho, cahiu doente d'um
modo tão repentino que, deitada no seu pobre leito,
dizia com uma voz lastimosa:
—B' chegada a minha ultima hora, estou certa
d isso; ja não verei o nascer do sol do dia dama-
nhã.
l)e repente d'um canto da sua choupana, par-
tiu uma voz estranha que dizia:
— Lu te farei viver ainda muito tempo ... se
tu quizeres fazer alliança comniigo.
E a velha que via já na soleira da sua porta
a sombra da morte, e que sentia 110 rosto o sopro
gelado da sinistra visitante, exclamou com a pouca
força que lhe deixava a sua extrema fraqueza:
— Lu faço seja com quem fòr todas as allian-
ças que queiram propor-me com tanto que eu
viva. . . . porque não quero morrer!. . .
NTo mesmo instante uma grande claridade
azul, verde e amarella, invadiu a cabana; um
cheiro d enxofre atacou a garganta da velha, e su-
biu-lhe com tal força á cabeça, que ella espirrou
tres vezes, d'um modo tão estrondoso, que a mi-
serável louça que estava sobre o armario carun-
chento começou a dançar, emquanto qne a infusa
e o copo por onde ella bebia a agua, apesar de se-
rem mais fortes, tocavam um no outro com grande
0
estrépito.
— Cumpram-se os teus desejos! disse a voz
que, ainda ha pouco lhe tinha dirigido as palavras
que nos sabemos.
— Os meus desejos! replicou vivamente a mo-
ribunda; um só, e esse basta: — Viver muito tem-
po, viver sempre !. . .
— Para que? lhe perguntaram ainda, parece-
me que a tua existência é bastante miserável e des-
graçada para que não tenhas vontade de separar-te
d'ella.
— Não, não! exclamou a velha, ninguém se
separa jamais da vida por sua propria vontade; eu
quero viver, como já vos disse, longo tempo, sem-
pre, ou mais ainda se é possivel, porque cada dia
que passa sobre a minha cabeça, me ensina alguma
cousa.
— Então queres viver para aprender? repetiu
a voz.
— O meu Deus, sim, quero.
— Pois bem não te entregarei á morte minha
comadre emquanto tiveres que aprender n'este
mundo; porém visitar-te-hei todos os dias, e tu me
darás parte do bocado de sciencia que tiveres adqui-
rido, nas vinte e quatro horas que forem decorri-
das. Emquanto aprenderes, tu viverás; mas quando
durante as vinte e quatro horas, não tiveres
aprendido nada de novo, ao dar da meia noute, a
morte, que está alli, e que vou mandar embora,
virá de novo bater á tua porta, e eu esperarei pela
tua alma juuto da janella.
—<E' negocio concluído, disse a velha mulher,
e tanto mais que a tua visita não me desagrada;
eu sou só, a companhia me foge: — A mocidade
só procura logar nas numerosas e alegres reu-
niões ; a tua visita diaria ser-me-ha de grande
distracção, e quanto a mim, prometto que terei
— 50 —

todos os dias alguma cousa de novo a contar.—


Até á vista compadre, até á vista!
A morte que já tinha entre-aberto a porta
ara entrar e apoderar-se da sua preza, atirou so-
re si com um ruido secco que se assimilhava a
quebrar d'ossos, a porta carunchosa da miserável
choupana.
Comtudo a janella abriu-se com ruido, e al-
guma cousa como um enorme gato preto, d'olhos
phosphorecentes, fugiu como uma aguia, atravez
da sombra.
Apenas a velha se viu desembaraçada d'estas
extraordinárias visitas, correu a botar os ferrolhos
á porta, e fechou a janella, e accendeu o lume
com hervas seccas e alguns paus que tinha na la-
reira.
Depois, como ella tinha estado muito tempo
doente, e sem comer, sentia grande fome; fez pois
um caldo com duas folhas d'azedas, uma cebola e
sal, e sentada n'um banco de carvalho, ao canto
do lar, poz-se a scismar.
Comprehende-se facilmente que ella pensava
no que diria no dia seguinte ao seu desconhecido
visitante, que não deixaria dè vir á hora aprazada,
conforme estava convencionado, perguntar-lhè o
que tinha aprendido.
Conservou-se sentada ao lume, com a cabeça
encanecida enterrada nas duas mãos ossudas e en-
rugadas, e dormiu um pouco sem deixar o canto
do lar, acordando só quando o sol entrava pelo
pequeno vidro da sua estreita janella.
No mesmo instante saiu e foi á floresta apa-
nhar ramos seccos que o vento deitava ao chão,
para renovar a sua provisão de lenha.
— 51 —

Em quanto ella por lá andou teve ura grande


susto, porque n'uma clareira, junto d'ura im-
raenso ôlrao, avistou ura enorme lobo e uma ra-
posa de grandes dimensões.
Os dous animaes conversavam, como se fos-
sem amigos de longa data.
O terror da velha não apagou a sua curiosi-
dade, porque é um facto provado e reconhecido
por todos, e os feiticeiros e adivinhos, o affirma'm
em todos cs seus escriptos: — Nada d'este mundo
é tão curioso, como as narrativas, d'uma velha
mulher, aonde quèr que seja,
Ella escutou,, e depois de ter ouvido tudo,
esfregou as mãos uma na outra, produzindo o
mesmo barulho como se batesse n'uma pedra de
fusil para inflamar a isca.
— Ah! ah ! disse ella com a sua voz tremula,
o diabo não me levará ainda hoje; e carregada
com o molho da lenha que tinha amarrado, tomou
o caminho da choupana.
Era noute, quando o diabo entrou em sua
casa: — Saberás, disse a velha ao espirito mau,
que hoje aprendi alguma cousa.
— O que? perguntou o visitante cornigero.
— Assenta-te, disse a velha; vou contar-te.
uma historia.
- O diabo metteu-se no meio da lareira, as-
sentado n'uma braza, e achava-se alli muito á sua
vontade, por que estava 110 seu elemento.— Con-
ta, disse elle .á velha, eu estou em boa situação
para te ouvir.
— Eu encontrei um lobo e uma rapoza que
fallavam de seus negocios.
— Animaes que faliam, não é cousa rara nem
— 52 —

nova, disse Satanaz. Faliam para substituir as


pessoas de espirito que se callam.
— Deixa-me acabar, ajuntou a velha.
— Era o lobo que fallava. — Tu sabes, dizia
elle á rapoza, que a nossa colheita cobre toda a
terra, que nos associamos para alugar um campo
e que temos trabalhado e semeado. Assim, custou-
me muito lavrar a terra com a ajuda das minhas
unhas, emquaiito que tu, sob pretexto de seres
mais hábil que forte, apenas semeaste; por isso
foi convencionado que partíssemos o producto
ao meio. »
— Como! se isso fo'i convencionado, meu
amigo lobo, certamente não haverá a menor con-
tenda a esse respeito; espera, nós vamos já ar-
ranjar tudo, e como eu sou boa pessoa, far-te-hei
escolher.
— Far-me-Tias escolher, exclamou o lobo, tu
és muito fina, minha comadre rapoza, mas eu en-
carrego-me de tomar a melhor e a maior parte.
— Pois bem, ajuntou a rapoza, em todos os
fructos da terra, ha uma parte que fica de fora e
outra de dentro; uma nutre-se com a sombra, a
humidade e o adubo que se mette n'ella, emquan-
to que a outra brota á luz do dia, ao ar, á tem-
peratura morna e aos nobres raios do sol; assim,
lobo, que parte queres tu ?' a que está na terra, ou
a que se eleva acima d'ella, e vê o ccu azul?
— Tu porque és espirituosa, imaginas que eu
sou algum papalvo, e tão rude do. espirito, como
sou na apparencia, replicou o senhor lobo. Enga-
nas-te, e vou mostrar-t'o immediatamento:—Eu
não quero a raiz, mas sim o que vê o sol e ama-
durece aos seus raios.
— Estás decidido a isso? perguntou a rapoza
cora uma voz afflautada.
— Eu não. tenho duas vontades, disse o lobo
n'um tom arrogante; já o disse, tomo o que está
fora da terra, e é banhado com os raios do sol.
— E eu guardarei o resto, replicou a rapoza.
E, depois de terem trocado uma apertadella
de patas para firmar este convénio, a rapoza e o
lobo partiram para irem recolher o que haviam
semeado.
E' necessário dizer aqui que o campo estava
semeado de rabanetes, aos quaes os dois amigos
tinham prestado todos os seus cuidados, tanto que
a comadre rapoza teve uma colheita magnifica, de
grandes rabanetes brancos de collo rosado; colhei-
ta que 110 meio dia da França, faria as delicias
das pessoas e dos animaes, em quanto que o se-
nhor lobo teve grandes feixes de folhas verdes,
deixando-as na terra, o que a estercou para a
próxima primavera.
O lobo voltou para casa com a orelha caliida,
emquanto que a rapoza tendo vendido a sua co-
lheita entrava na sua cova com os bolsos cheios.
—Aprendi pois, concluiu a velha, que os
mais finos conduziram sempre os mais fortes,
mesmo á sua perda total, se isso fôr do seu inte-
resse: o espirito domina a materia.
— Muito bem, disse o demonio, até amanhã.
E fugiu como tinha entrado, divertindo-se
bastante com as astúcias da rapoza, animal no-
cturno que está debaixo da sua independência im-
mediata.
No dia seguinte á tarde, sob a forma d'um
mocho, o espirito mau appareceu á velha.
;
— Que aprendeste tu hoje? lhe perguntou
elle.
— A saber que um pouco de discernimento
não prejudica ninguém, nem mesmo os animaes.
— Não te comprehendo, respondeu elle.
— Vou fazer-me compreheuder, ajuntou ella
continuando:
— O lobo e a raposa continuaram a ser bons
amigos; semearam de novo o seu campo, a meias,
mas d'esta vez deitaram-lhe trigo; quando chegou
o momento da seifa, a rapoza que conhecia o pouco
desenvolvimento d'espirito do seu compadre, lhe
disse antes de mandar os segadores para o campo:
— D'esta vez, compadre lobo, que é o que tu
queres? O que o sol doura e amadurece, ou o que
está nos regos sombrios e húmidos?
— Oh! Eu conheço-te, trapaceira, e as tuas
bellas palavras, replicou o lobo, com o teu sol e a
terra húmida, não me illudirás mais: d'esta vez,
quero o que está na terra.
— Está tratado! respondeu a rapoza.
— Inteiramente.
— E' negocio concluído, ajuntou a rapoza es-
tendendo a sua pata que o lobo apertou 11a sua
em signal d'accordo.
E depois de ceifado o trigo, o lobo apenas
teve as raizes e os molhos de palha, emquanto
que a rapoza tendo vendido o grão muito caro,
tornou a entrar na cova carregada de dinheiro.
E tu que dizes a isso V perguntou o diabo.
A velha respondeu:
— Antes de manifestar a sua opinião, é preciso
firmal-a sobre qualquer conhecimento, e não se
— 55 —

deve jamais fallar das cousas atites de as conhe-


cer.
— Tens razão, disse o diabo, aprendeste hoje
alguma cousa; até amanhã.
No dia seguinte, quando o demonio entrou,
perguntou logo : — Que sabes tu ?
— Quonenhuma mulher idosa deve tomar crea-
da nova, porque haverá n'isso grande perigo, por
muito velho e feio que seja seu esposo.
No dia seguinte: — Que sabes tu, velha? per-
Íguntou elle vinte e quatro horas depois.
— Que o ouro é o melhor de todos os nossos
amigos; é o único que não se agasta com cousa
alguma, que paga tudo o que queremos adquirir,
seja bom ou mau, sem jamais nos fatigar com as
, suas advertências.
— Acabas de me dizer ainda uma eterna ver-
dade, exclamou o demonio fugindo pela janella.
No dia seguinte, antes que o visitante a in-
terrogasse a velha mulher bradou.
— Aquelle que se descalça antes de morrer,
que se despe antes de ser amortalhado, irá com
os pés nús, e sem camisa, porque, continuou ella
. é mais fácil dar que receber.
— Mas, disse o demonio, esperando que a
pobre mulher cahisse em falta, se tu tivesses filhos,
velha feiticeira, não lhes darias nada ? .. •
-Eu os sustentaria como podesse, respondeu
a velha rindo, mas não lhes daria a chave do
meu cofre, em quanto eu tivesse uma mão para o
abrir ; porque, uma mãe sustenta cem filhos e cem
filhos não sustentam uma mãe.
— Isso é verdade, respondeu o diabo.
E a velha ia sempre aprendendo cada dia al-
— 56 —

guma cousa, de tal forma que o espirito maligno


desesperava de levar a sua alma com elle para o
inferno.
Passavam-se gerações e gerações e a velha vi-
via sempre.
Quantas vezes foi ella centenária? Ninguém
o sabia ! .. .
Com a longevidade dos aunos tornou-se tão .
surda, que não podia entender ninguém ; todos os
dentes lhe tinham cabido havia já longo tempo, e
quando faliava gaguejava de tal modo, que nin-
guém a comprehendia.
A sua vista tinha enfraquecido tanto, que
apenas via para se conduzir com custo pelos ca-
minhos ; muitas vezes tropeçava nas pedras das
estradas e calha; agarrava-se aos tojos e ás silvas,
e ía com a cabeça d'encontro ás grandes arvores
da floresta.
— Tudo que Deus faz é bem feito, murmura-
va ella em voz baixa; existe um tempo para vi-
ver, assim como existe um tempo para morrer ;
em vão se negam a comprehender a magnificência
d'esta ordem estabelecida, é forçoso confessal-a.
N'aquelle dia, a-velha foi, com bastante custo
apegada á sua muleta, até á igreja da Nossa Se-
nhora da Livração; chegando lá, tirou uma gar-
rafinha do bolso e encbeu-a d'agua benta mesmo
na pia; depois recebendo do cura aquém se tinha
confessado a absolvição dos peccados que podessé
ter commettido, voltou para sua casa e esperou
tranquilamente o visitante que vinha todas as
tardes.
— Que aprendeste tu, feiticeira? lhe pergun-
tou o espirito maligno.
— Aprendi que, com um coração honesto e
puro, não fazendo mal a ninguém, e ensinando o
que se sabe ao mais ignorante que seja, não se
perde nunca o seu logar no pai'aiso, e que, com
uma pouca d'agua benta, se põe o diabo em fugi-
da, ajuntou ella emquanto tirava do bolso a gar-
rafinha e a derramava 11a figura que estava a seu
lado, com pés de cabra.
Um grande ruido agitou a choupana, os pe-
quenos vidros voaram em estilhas, a porta cahiu
por si mesmo, e emquanto um bando de passaros
nocturnos, que não eram outros senão os diabi-
nhos que formavam o cortejo de Satanaz, fugiam
de todas as partes, a velha mulher estendida 11a
sua pobre cama com as mãos juntas sobre o peito
depois de ter feito o signal da cruz, dizia:
— Santa Virgem, doce Jesus ! recebei-me 110
ceu; se eu quiz viver longo tempo na terra, foi
para admirar melhor as maravilhas creadas por
Deus; mas se vós me tirastes ao mesmo tempo o
olfato, o ouvir e a vivacidade do andar, foi para
me fazerdes comprehender que esta terra não é
mais que uma passagem, emquanto que o Ceu
sendo a nossa verdadeira patria, não nos devemos
pôr tarde a caminho.
Nc dia seguinte, os habitantes da aldeia en-
contraram a velha mulher morta na sua cabana;
enterraram-a cliristãmente, e affirma-se que sobre
o seu tumulo se fazem milagres, porque todos, re-
cordando-se da velha e do que ella havia ensinado
depois de o ter aprendido, se guiavam pelas ver-
dades que ella tinha divulgado.
A sua memoria está em cheiro de santidade,
pois que do alto do ceu ella ensina ainda as gera-
— 58 —

ções novas nas cousas que teem a fazer, e n'aquel-


las que devem evitar.
Desde o dia em que Deus permittiu que o de-
mónio fosse desligado, assim como está descripto
110 principio d'esta verídica historia, enviou tam-
bém á terra quem luctasse com elle, e foi no es-
pirito das mulheres que poz a pedra da sciencia e
da finura que devia restringir o império do espirito
do mal luctaudo com elle.
Baldados foram os esforços do demonio para
para levar comsigo para o inferno a alma da pobre
velha que soube illudil-o emquanto viveu, e á hora
da morte o afugentou com o signal da cruz e agua
benta; o que prova que as tentações e astúcias do
demonio, não teem poder algum sobre o signal da
cruz, nem sobre a invocação do santíssimo nome
de Jesus.

O DESENCANTO DA MOURA

Uma tesoura abri


Com'a cruz de Sant'André ;
Se lhe ajuntas P, T, O,
Não remas contra a maré.
Este talisman sagrado
Das lettras e da tesoura,
Excede o de Salomão
P'ra desencanto da moura.
Logo pois, seguidamente
Lá quando o gallo cantar,
De trevo, arruda e aipo
Tres raminhos vai cortar.
Com o sangue de carneiro
Os ramos borrifarás;
Sobre a lousa do sepulchro
Tu em cruz os deixarás.

E então que lá do fundo,


Ema voz se ouvirá
Que te diga com certeza
Onde o thesouro está.

MAGICA

PARA FAZER DIZER A UMA MULHER


TUDO O QUE ELLA TEM FEITO E PENSADO

Pega-se no coração d'um pombo e na cabeça


d'uma rã, e põem-se a seccar; depois de estarem
bem seccos, reduzem-se a pó sobre o estomago da
pessoa que dorme, o que lhe fará confessar tudo o
que tem no pensamento; logo que tenha dito tudo
tira-se-lhe o pó, com receio que ella não accorde.
»■ Para se saber, segundo diz um celebre feiticeiro
se uma mulher é ou não fiel a seu marido, póe-se-
lhe um diamante sobre a cabeça emquanto ella
dorme; se ella é infiel accorda em sobresalto, ao
contrario, se é casta, abraça seu marido com affei-
ção. Eis aqui ainda outro segredo para fazer fallar
as mulheres, como que ellas não fallassem sem se-
rem para isso convidadas.
Para fazer confessar uma mulher o que ella
tem feito, toma-se uma rã viva, arranca-se-lhe a
lingua, e em seguida lauça-se de novo á agua, ap-
— 60 —

plicar se-ha esta lingua sobre o coração da mulher


emquanto dormir, e ella responderá a todas as per-
guntas que lhe fizerem.

Arte de ler a signa na borra do café


PREPARATIVOS

1.° Deixareis na cafeteira a borra que o café'


tiver, depositado 110 fundo, mas tende cuidado de
lhe tirar bem o liquido, de modo que a borra fi-
que inuito espessa no fundo da cafeteira e deixai a
repousar pelo menos uma hora. A borra da vés-
pera é igualmente propria para a operação, pois
quer seja fresca ou velha, dá sempre resultado se-
guro, com tanto que seja secca pouco antes de a
quererdes empregar; então tomareis a cafeteira
em que ella se acha, e deitar-lhe-heis dentro um
copo d'agua se o pó for d'uma onça de café e dois
copos se for de duas onças, porém tende o cuida-
do de a não agitar.
2.° Poreis em seguida a cafeteira ao lume,
e deixareis ferver o pó até que se dilua 11a agua;
depois mexei a borra mesmo na cafeteira com
uma colher, e deitai-a n'um prato sem ser vidrado,
de barro branco, sem mancha, bem enxuto e secco
ao fogo, se o tempo estiver húmido, mas vasai-a
pouco a pouco de modo que se encha o prato só
até ao meio. Agitareis então o prato com toda a
ligeireza, por espaço d'um minuto pouco mais ou
menos; em seguida espalhai ao de leve tudo o que
se achar 110 prato em outro vaso.
3.® Por este meio não fica nenhuma agua 110
prato, mas somente as partículas do café, dispos-
tas de mil maneiras e formando uma multidão de
desenhos hiéroglyphicos. Se estes desenhos são
muito confusos, e se a borra estiver tão espessa,
que o prato não mostre um mosaico irregular,
deitareis uma pouca d'agua na borra, fa!-a-heis
ferver de novo e recommeçareis a operação. Não se
podem ler os segredos do destino sem que os de-
senhos do prato sejam claros e distinctos, ainda
que muito passados.
4.° As extremidades são ordinariamente mais
espessas e muitas vezes ha mesmo 110 meio par-
tes confusas, mas isso nada faz ao caso, e pode-se
adivinhar, quando a maior parte do prato esteja
decifravel.
5.° As borras do café, depois que se vasam
no prato,, deixam abi diversas figuras todas signi-
ficativas. Trata-se de bem as decifrar, porque ha
n'ellas redondos, quadrados, cruzes, linhas, etc,
etc.
TEMPO CONVENIENTE

6.° Pode-se ler nas borras do café, todos os


dias da semana indistinctamente e a todas as ho-
ras do dia e da noute; para esta operação, basta
consultar a temperatura do ar , e o tempo só é con-
trario a este prognostico, quando está húmido, chu-
voso ou carregado de nuvens.
7.c Ha comtudo um meio de prevenir os in-
convenientes da humidade, é seccar bem o prato
de que tem de servir-se, e de o deixar um quarto
d'hora junto do fogão, de maneira que a mão
quando se lhe chegue, sinta um calor suave. Com
esta precaução, opera-se com todo o tempo, como
— 62 —

que se estivessem gosando o bello sol do mez


d'Agosto.

INTERPRETAÇÃO DAS CRUZES

8.° Uma cruz no meio dos desenhos do prato


promette uma longa vida e uma morte socegada;
quatro cruzes que quasi se tocam, annunciam que
a pessoa terá uma grave doença se fôr mulher ;
uma queda se fór homem; tres cruzes presagiam
algumas honras ou riquezas. Se se encontra no
prato um grande numero de cruzes, denotam que
a pessoa se tornará devota passado o ardor das
paixões, e se atormentará com diversas austerida-
des na sua velhice.

INTERPRETAÇÃO DOS QUADRADOS, DOS ÂNGULOS,


DOS TRIÂNGULOS E DOS OVADOS

9.° As figuras quadradas annunciam desgosto


em razão do seu numero. As figuras ovadas pro-
mettem boni successo nos seus negocios quando
ellas são numerosas ou distinctamente marcadas.
10.° Um triangulo promette um emprego hon-
roso. Tres triângulos a pouca distancia uns dos ou-
tros, são um signal extremamente feliz para a for-
tuna. Em geral, esta figura é de bom presagio;
em pequeno numero, é alguma honra; em grande
numero é dinheiro.
11.° Um circulo de muitas faces, isto é, com-
posto de muitos ângulos obtusos e reunidos, an-
nunciam um feliz casamento. Um quadrilongo bem
distincto, promette discórdias caseiras: se este
quadrilongo é rodeado de cruzes mais ou menos
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perfeitas, denota (se fôr mulher) que se manchará


com alguma infidelidade, e se fôr homem, comme-
terá a mesma falta, se apparecerem muitos ângu-
los á roda do quadrilongo.

INTERPRETAÇÃO DAS LINHAS

12.° As linhas grandes ou pequenas, quando


são salientes ou multiplicadas, presagiam uma fe-
liz velhice; em pequeno numero, denotam o bem
estar e a mediocridade de fortuna.
13.° Se notardes no meio dos desenhos do
prato uma risca de duas ou tres pollegadas, me-
nos carregada que o resto, mais livre de figuras,
ou inteiramente limpa, é um caminho que vosan-
nuncia uma viagem, será longa, se o caminho se
estender; fácil, se o caminho é limpo; embaraça-
da se o caminho é carregado de pontas ou peque-
nas linhas. Se elle sai do fundo do prato, este
caminho annuncia uma viagem a um paiz estran-
geiro.

INTERPRETAÇÃO DOS REDONDOS, DAS COROAS


E DOS MEDALHÕES

14.° Se o numero dos redondos ou círculos


mais ou menos perfeitos, excede a quantidade das
outras figuras, este signal denota que a pessoa re-
ceberá dinheiro. Se ha peucos rodondos, haverá
poucos lucros nos negocios da pessoa que consulta.
15.0 Um redondo no qual se achem quatro
pontos bem marcados, promettem um filho, se a
pessoa que consulta é casada; dous redondos pro-
mettem dous filhos, e assim successivamente. Se ;
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o redondo formar um circulo quasi perfeito,


creauça que annuncia, será um rapaz, e é um
menina, se o redondo fòr imperfeito. Um dos re
dondos que encerra quatro pontos, se fòr acompí
nhado d'uma linha curva e ondeada, é o presagh
infallivel de que a creança esperada ha-de ser et
pirituosa. Se esta curva ondeada formar um s
-gundo circulo á volta do dito redondo, se podei,
com razão esperar uma creança de génio e espirito'
muito original.
16.° Se virdes no prato a fórma d'uma co-<
rôa, elia vos annunciará successos na corte. Sf
virdes medalhões, sereis feliz em amor. Se distii
guirdes muitas figuras mais ou menos redonda
ligadas umas ás outras, como as contas d'um r<
sario, annai-vos de paciência, pois que sereis con-
frangida em vossos amores, e não espereis o cui
primeuto de vossos mais caros votos, senão ei
contrardes um triangulo uo fim do rosário.
17.° Se virdes uma coroa de cruzes, um d
vossos parentes- morrerá n'esse anno; uma coroai
de triângulos ou quadrados, a morte d'uma de!
vossas parentas, igualmente n'esse anuo.

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