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Feira de Santana/BA
2016
SILVANA MACIEL PIRES
Feira de Santana/BA
2016
AGRADECIMENTO
Minha família, tão GRANDE! Minha gratidão é do tamanho de todos vocês. Carrego
emocionada toda confiança e responsabilidade que vocês me atribuem para tudo que faço.
Matheus, meu lindo, significou muito a sua colaboração na leitura desse trabalho, valeu
mesmo. Obrigado a todas (os) pelas correntes de orações e boas energias em prol dessa
conquista, em especial, minhas avós Matilde e Isabel, mainha Ivete (obrigada pelas orações) e
minhas irmãs Cíntia e Patrícia pelo carinho.
Ao meu Bem Luciano, que acompanhou o dia a dia dessa construção, obrigado pela presença e
por somar sempre suas impressões às minhas. Seu olhar melhora o meu todos os dias, isso é um
fato.
À minha querida amiga Aracele que se disponibilizou para construção dos mapas na fase de
qualificação e à Irialine (Pernalonga), que com sua bondade e atenção contribuiu para
construção dos mapas finais deste trabalho. Amigas, desejo de coração que a luz de cada uma
brilhe incessantemente em todas as direções. Foi muito significativo a contribuição de vocês.
À família Sementes do Sertão porque como diz letra da música “Família que se escolhe são os
amigos que tu tem, tu carrega um pouco deles e eles levam um pouco de tu também [...]”.
Agradeço o imenso carinho, a compreensão pelas muitas vezes que faltei aos nossos encontros
e a torcida de todas e todos. Obrigado por tornarem o nosso grupo um espaço acolhedor,
iluminado e, portanto, muito prazeroso de se estar.
Aos mestres da vida, pelas vivências experimentadas nas instituições de ensino que passei e
fora delas também. A todos os professores do Programa em planejamento Territorial –
Mestrado Profissional da Universidade Estadual de Feira de Santana (PLANTERR-UEFS),
pela responsabilidade, partilha de conhecimento, disponibilidade e pelo amor dedicado ao
trabalho de vocês. Parabenizo desde já a profª Jocimara Lobão (primeira coordenadora do
programa), pelo esforço em organizar e administrar o curso na perspectiva de formar
profissionais qualificados no campo do planejamento, da gestão territorial e visando tornar o
programa referência no estado e no Brasil.
A todas (os) as (os) funcionárias (os) da administração, limpeza e segurança que zelam
humildemente pela nossa instituição de ensino na pessoa de dona Antônia (serviços gerais),
Jakson (estagiário) e Weliza/Kênia (secretária), pela contribuição e importância dos serviços
prestados a nós - mantendo os espaços limpos e disponibilizando as informações e orientações
necessárias. Significa muito o trabalho, a simpatia e a receptividade de todas (os). Desejo
sempre muito sucesso a todas (os).
Francisco Galvão
LISTA DE FIGURAS
Figura 12: Curso de Panetone para mulheres do Território do Sisal – Realização COOPEREDE
Feira de Santana - novembro de 2015.......................................................................................130
Figura 14: Espaços onde atuam os grupos da AMMTRAFAS que não têm sedes próprias –
Santaluz/Bahia/Brasil (2015).....................................................................................................133
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE MAPAS
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Documentos utilizados para análise dos programas PAA e PNAE – Brasil
(2015)..........................................................................................................................................31
Quadro 3: Caracterização do PAA e limites em reais (R$) para acesso por unidade familiar –
Brasil...................................................................................................................................86
Quadro 4: Caracterização do PAA e limites em reais (R$) para acesso por organização
fornecedora – Brasil...........................................................................................................87
Tabela 4: Repasse em reais (R$) para o PAA pelo Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS) – Santaluz/Bahia/Brasil
(2015)........................................................................................................................................106
Tabela 6: Valor (R$) recebido pelas mulheres dos grupos de produção da AMMTRAFAS que
comercializaram alimentos para o PNAE em Santaluz (2015).................................................115
Tabela 13: Relação dos estudantes atendidos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE) matriculados na rede pública de Santaluz e valores em R$ por modalidade de ensino
no ano de 2015 – Santaluz/Bahia/Brasil....................................................................................120
LISTA DE SIGLAS
This thesis aims to analyze the performance context of the Movement Association of Rural
Women Workers of Family Agriculture Santaluz (AMMTRAFAS), in order to understand the
new territoriality laid down by the civil society organization in Santaluz municipality in Bahia,
situated in Bahia's semiarid region. Considered for both, women's participation in the Food
Acquisition Program (PAA) and the National School Feeding Programme (PNAE) and the
changes occurring in the context of life and work of these women from the participation of
women in these federal programs. As for the methodological procedures adopted for this work,
we considered the qualitative and quantitative approaches and used the following tools for
gathering information: bibliographical and documentary research, participant observation,
questionnaires and interviews. AMMTRAFAS emerged in the 1990s as a Movement of Rural
Women Workers of Santaluz (MMTR-Santaluz), institutionalized civil entity in December
2010 in order to access public policies for rural women. From the second half of the 2000s,
rural workers of AMMTRAFAS were gradually inserted in federal programs PAA (2007) and
PNAE (2010). It can be said that the inclusion of farmers in these programs contributed to the
generation of employment and income as desired. However, do not just think and analyze the
women's movement only from the organization bias and labor relations, because such actions
are carried out in space, considering social, political, economic and cultural dimensions. The
movement, therefore, presents itself with a strong territorial expression and significant
emancipatory potential, by coming up with a proposal for recovery and strengthening of rural
women workers, to consolidate a system of organization of space based on the deployment of
physical headquarters groups women in communities, interconnected and assisted by an
association from their own. Hence the territorial configuration assumed by AMMTRAFAS that
by creating social relations and conditions to address their interests, produce their own spaces,
their territories and thus propagate their territoriality.
Key words: Association of Rural Women Workers Movement. Work and income. Public
policy. Territoriality.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 166
1.1 O universo da pesquisa: contextualização e procedimentos metodológicos ...................... 277
1.1.1 Coleta e sistematização dos dados ..................................................................................... 29
“Onde quer que haja mulheres e homens, há sempre o que fazer, há sempre o que ensinar, há
sempre o que aprender.”
Paulo Freire
16
INTRODUÇÃO
1
Período em que o país esteve sob controle das Forças Armadas Nacionais. Após uma intensa campanha no Brasil que
reivindicava o fim do regime militar e a instauração das eleições diretas para presidente da República iniciada em 1983-1984,
Tancredo Neves vence eleições em 15 de janeiro de 1985 (indiretamente), marcando o fim da ditadura militar no país.
2
Órgão institucional criado pelo Decreto n. 20.892, de 4/4/1983 e institucionalizado pela Lei n. 5.447, de 1/12/1986.
Integrado por representantes da sociedade civil e do poder público, contribui para a formulação e acompanhamento das
políticas públicas referentes aos direitos da mulher. Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br> Acesso em 22 jul.
2015.
3
O I PNPM foi lançado em 2004 e tinha por objetivo apontar os princípios da Política Nacional para as Mulheres através de
um conjunto de diretrizes que devem orientar, ampla e irrestritamente, a atuação estatal na construção de suas políticas
públicas. BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Relatório Final de
Implementação: I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres 2005/2007. Brasília: SPM, 2009.
17
Grande do Sul (criado em 1986 e sancionado pela Lei nº 13.947/2012), Santa Catarina (criado
pela Lei nº 11.159/1999), entre outros. Os conselhos expressavam a institucionalização da
democracia participativa no país e a possibilidade de implementação de políticas públicas,
pelas quais as demandas sociais poderiam, efetivamente, serem consideradas e atendidas.
Tendo em vista essa conjuntura, emergiram em diversas regiões do Brasil e também na
região Nordeste experiências de movimentos organizados por mulheres trabalhadoras rurais,
como o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE). Uma
associação de mulheres do espaço rural, sem fins lucrativos que defende os direitos das
trabalhadoras rurais do nordeste brasileiro. Teve sua origem na década de 1980 a partir da
organização das mulheres dos estados de Pernambuco e da Paraíba, depois estendeu suas
ações pelos demais estados do nordeste, tornando-se referência e contribuindo para a criação e
o fortalecimento de mais grupos ou coletivos de mulheres.
A região Nordeste caracteriza uma divisão administrativa dos estados brasileiros, que
foi assim classificada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 19804. É
formada por nove estados: Alagoas (AL), Bahia (BA), Ceará (CE), Maranhão (MA), Paraíba
(PB), Pernambuco (PE), Piauí (PI), Rio Grande do Norte (RN) e Sergipe (SE). A região
apresenta características físicas e socioeconômicas bem variadas, em função da diversidade
natural e de fatores relacionados à dinâmica social e econômica.
O município de Santaluz, recorte espacial deste estudo, localiza-se no estado da Bahia e
especificamente no Sertão nordestino, como mostra Mapa 1 (página 19), no qual predomina o
clima semiárido que se distingue por apresentar temperaturas elevadas e estiagens
prolongadas durante todo o ano. É um município que dispõe de uma população de 33.838
habitantes, desses 20.795 residem no perímetro urbano enquanto que 13.043 residem no
espaço rural, segundo dados do censo demográfico do IBGE (2010). Porém, o próprio IBGE
estima que a população de Santaluz tenha chegado a 36.915 habitantes em 2015.
Santaluz foi desmembrada do município de Queimadas em julho de 1935 e elevado à
categoria de cidade em 1938 com a denominação de Santa Luzia e, em 1943 o topônimo foi
alterado para Santaluz. A área do município é de 1.563,291 km² e está distante da capital do
estado (Salvador) 261 km (distância percorrida pela BR 324).
4
ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO BRASIL. Rio de Janeiro: IBGE, 2007.
Mapa 1 -
18
19
5
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santaluz foi criado em dezembro de 1973. (SILVA, 2006)
6
A Central das Associações foi criada em 15 de Novembro de 1993, com a finalidade legal de organizar, legalizar e
assessorar as associações comunitárias (SILVA, 2006).
7
Organização Não Governamental que surgiu nos finais da década de 1960 a partir do trabalho comunitário desenvolvido
pela Igreja Católica nos bairros do Cruzeiro, Rua Nova, Baraúnas e Galileia de Feira de Santana, de iniciativa da então
Diocese de Feira d Santana (Bahia). (MOC, 2007)
8
Associações de moradores e pequenos agricultores rurais das comunidades de Ferreiros, Miranda, Lagoa Escura, Rose,
Serra Branca, Morro dos Lopes, Calumbi entre outras de Santaluz - Bahia.
22
12
A sede da COOBENCOL está localizada na rua Rio Branco nº 180 Cep. 48880-000 Centro de Santaluz/Bahia.
13
Disponível em: <www.ascoobitapicuru.com.br> Acesso em: 17 fev. 2016.
24
Ferreiros, Lagoa Escura, Lagedinho, Miranda, Mocambinho, Morro dos Lopes, Rio do Peixe,
Rose, Serra Branca, Tombador, Várzea da Pedra e dois grupos na comunidade de Várzea da
Pedrinha.
A preocupação com questões envolvendo trabalho e renda sempre esteve presente na
pauta da luta das trabalhadoras rurais, seja pelo fato de seu trabalho não ser valorizado ou
porque não é reconhecido. A desigualdade na participação das mulheres no mercado de
trabalho, seja econômica e social a partir das tarefas desempenhadas por elas, refletem em
menores salários e na segregação ocupacional, que reserva para elas, muitas vezes, as piores
condições de trabalho e a informalidade (BERRO, 2008). Diante de tal constatação formulou-
se as seguintes questões com objetivo de orientar a pesquisa: 1) Quais as estratégias de luta da
AMMTRAFAS para acessar programas do governo voltadas à geração de trabalho e renda
para as mulheres do campo? 2) Qual a importância da participação das mulheres nos
programas PAA e PNAE? 3) A ação da AMMTRAFAS, nesse sentido, tem constituído novas
territorialidades no município?
Determinado o problema, construímos o seguinte objetivo geral: Compreender a
atuação da AMMTRAFAS para a constituição de novas territorialidades no município de
Santaluz Bahia, sobretudo, a partir de sua participação nas políticas de segurança alimentar
(PAA e PNAE). E foram elencados os seguintes objetivos específicos:
brasileira, pois, as desigualdades sociais tem relação direta com as desigualdades de gênero e
raça.
O interesse pelo tema desenvolvido neste trabalho perpassava a possibilidade de
relacionar a AMMTRAFAS às políticas públicas de trabalho e renda e a atuação da
associação de mulheres para constituição de territorialidades. Vislumbra também, destacar a
expressiva contribuição das mulheres trabalhadoras rurais na esfera da vida pública, que se
manifesta por meio da participação política e do diálogo estabelecido entre o movimento de
mulheres e o poder público, municipal e estadual principalmente.
Outra motivação para essa pesquisa surgiu do conhecimento adquirido no decorrer de
uma investigação realizada, no Curso de Especialização em Dinâmica Territorial e
Socioambiental do Espaço Baiano (2010 a 2012), na UEFS. Na oportunidade, buscamos
analisar as implicações socioespaciais da organização política do Movimento de Mulheres
Trabalhadoras Rurais de Serrinha, na Bahia (MMTR-SHA), município que também compõe o
Território de Identidade do Sisal. E constatamos que a luta do movimento contribuiu para sua
organização espacial, para a reconstrução de valores acerca da mulher na sociedade e
promoveu a visibilidade da trabalhadora rural.
Daí a necessidade de produzir uma pesquisa que enfatizasse os processos, as
experiências e as transformações geradas na vida das trabalhadoras rurais, a partir do acesso
às políticas públicas voltadas para a geração de trabalho e renda. Tomou-se como objeto de
estudo a AMMTRAFAS porque é um movimento com expressiva participação das mulheres16
nos programas PAA e PNAE, tendo em vista que são programas que objetivam a inclusão
produtiva das mulheres do campo, proporcionando trabalho e gerando renda para suas
famílias.
Esta dissertação encontra-se estruturada em cinco capítulos e as considerações finais. O
primeiro deles constitui a Introdução, direcionada a apresentação da proposta de pesquisa, a
problematização da temática, os objetivos e a estruturação da metodologia com a descrição
dos procedimentos e instrumentos da pesquisa, bem como, a síntese de cada uma das seções
que se seguem.
O segundo capítulo, Associação do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais da
Agricultura Familiar de Santaluz Bahia (AMMTRAFAS): origem e particularidades, aborda a
trajetória de formação do movimento de mulheres trabalhadoras rurais de Santaluz e apresenta
o panorama de formação da atual associação de mulheres, sua estrutura e suas características.
16
São 16 grupos de mulheres que vendem para o PAA e /ou PNAE no município, caracterizando um total de 142
trabalhadoras rurais que participam dos programas através da comercialização institucional.
27
17
Órgão da Presidência da República criado para formular, coordenar e articular políticas públicas para as mulheres através
do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres em todo território nacional. Disponível em: <http://www.spm.gov.br>
Acesso em: 14 ago. 2015.
28
Quadro 1 - Documentos utilizados para análise dos programas PAA e PNAE – Brasil (2015)
Um roteiro foi necessário para orientar a análise dos documentos, a fim de expor de
forma objetiva a representação e o entendimento desses instrumentos. O roteiro foi pensado
para auxiliar na organização das informações e, por conseguinte, na interpretação dos dados
obtidos. Os tópicos disponibilizados no roteiro para a exploração da pesquisa documental,
sobretudo, dos instrumentos normativos leis, decretos e resolução são os seguintes:
Contexto da criação dos instrumentos
Período de implementação
Marco legal para implantação
Órgãos públicos responsáveis pela execução
Objetivos dos programas
Principais ações
A quem se direciona
As leis, decretos e resoluções caracterizam o conjunto de normas jurídicas criadas no
âmbito do legislativo e estabelecidas pelas autoridades competentes. Eles orientam o
cumprimento e a execução dos programas PAA e PNAE. Para acessar tais recursos,
consultamos o site oficial do senado19, que disponibiliza leis e decretos promulgados, sites do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)20, do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE)21 e do Ministério do Desenvolvimento Agrário
19
Disponível em: <www.senado.gov.br/legislacao> Acesso em: 27 mar. 2015.
20
Disponível em: <www.mds.gov.br> Acesso em: 23 mar. 2015.
21
Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/alimentacao-escolar> Acesso em: 30 mar. 2015.
32
(MDA)22, que disponibilizam informações acerca dos programas PAA e PNAE, incluindo, os
relatórios dos programas em formato PDF como o relatório PAA: 10 anos de Aquisição de
Alimentos publicado em 2014.
A terceira fase se caracteriza pelas atividades desenvolvidas a partir do trabalho de
campo durante os meses de setembro de 2015 a janeiro de 2016. A coleta, a estruturação e a
análise dos dados de campo, caracterizou esta última fase da pesquisa que contou com a
utilização dos seguintes instrumentos de coleta: observação participante, questionário,
entrevistas semiestruturadas, análise do Estatuto da AMMTRAFAS, coleta de pontos
georreferenciados com aparelho GPS nas comunidades rurais e o registro de imagens das
atividades dos grupos, desde que autorizadas pelas mulheres. É preciso ressaltar que este
trabalho obteve aprovação junto ao Comitê de Ética da Universidade Estadual de Feira de
Santana (CEP/UEFS)23 para efetivação das atividades de campo.
Através da observação participante foi possível conhecer os espaços de atuação da
AMMTRAFAS, as comunidades rurais onde atuam os grupos de mulheres desta associação e,
especificamente, as sedes dos grupos e as pessoas que compõem os grupos. Além de
possibilitar a interação entre observador (a) e o conjunto de mulheres que formam a
AMMTRAFAS. A opção pela observação participante se fez pela necessidade de maior
conhecimento e apropriação da realidade e das pessoas em estudo, a observação se deu de
forma descritiva, focando aspectos considerados relevantes para o contexto da pesquisa como,
por exemplo: as condições de organização dos grupos de mulheres da AMMTRAFAS
(físicas, econômicas, contingente de membros); a existência de vários grupos de mulheres em
comunidades próximas umas das outras; a relação estabelecida entre os grupos e as
associações de moradores em suas comunidades, entre outras questões.
A amostra adotada para aplicação dos questionários foi representativa e contemplou
50% do total de mulheres de cada grupo da AMMTRAFAS. A amostragem foi por
conveniência, ou seja, as mulheres eram convidadas a responderem ao questionário e sem que
houvesse um critério rígido elas iam se disponibilizando de acordo com a vontade de cada
uma. A tabela 1 representa os grupos da AMMTRAFAS que acessaram o PAA e o PNAE em
2015 e o percentual de questionários aplicados por grupo.
22
Disponível em: <http://www.mda.gov.br> Acesso em: 23 mar. 2015.
23
A carta de aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UEFS está disponível em anexo.
33
CAPÍTULO 2
Nísia Floresta
36
24
A Constituição de 1988 constitui o marco legal desse processo.
37
25
Disponível em: www.mmtrne.org.br Acesso em: 03/03/2015.
38
A partir da década de 1980, diversos MMTR passaram a fazer parte da esfera política nos
espaços rurais do Estado da Bahia. Segundo Firmo (2010), ao tratar da organização política
das mulheres na Bahia e em especial as dos municípios pertencentes ao Território do Sisal, há
“registros da organização de suas lutas no início da década de 80 com os clubes de mães, mas
também na mesma década surgem os primeiros Movimentos de Mulheres Trabalhadoras
Rurais (MMTR), em Araci e Retirolândia” (FIRMO, 2010, p. 27). A autora ainda ressalta
que:
26
SOUZA-LOBOO, Elizabeth. O gênero da representação: movimento de mulheres e representação política no Brasil (1980-
1990). Revista Brasileira de Ciências Sociais. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, n.
17, ano 6, out. de 1991.
39
27
Bolsa típica do nordeste brasileiro, onde se guarda qualquer coisa. Uma espécie de bolsão.
28
Entrevista concedida por representante da AMMTRAFAS em 15 out. 2015 (33 anos de idade). Entrevistadora: Silvana
Maciel Pires.
40
comunidades onde moravam, como o crochê, produção de artigos em palha como chapéus e
esteiras, em tecido como o aió e o fuxico29, pintura em tecido e a produção de alimentos.
A luta das mulheres por autonomia perpassa, também, o fato de seu trabalho ser pouco
valorizado no contexto rural. Por isso que a existência do movimento de mulheres deve ser
abordada também “(...) na perspectiva da construção de sua emergência como grupo, coletivo
personalizado, em luta por reconhecimento e direitos” (MOTA, 2006, p. 340). A categoria
„movimento de mulheres trabalhadoras rurais‟ se configura enquanto condição para reuni-las,
seja pelas experiências de vida, trabalho e/ou espaço de vivência. Para Elisabeth Souza-Lobo
A desmotivação das mulheres se dava muitas vezes pela falta de recursos que
custeassem ou garantissem a participação sobremaneira delas nas atividades do movimento:
reuniões, encontros de formação e troca de experiências. Ainda, de acordo com a fala de uma
das representantes da AMMTRAFAS, a partir dos incentivos para a formação dos grupos de
produção (discussões efetuadas juntamente com o Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais – Santaluz) o movimento se reestabeleceu, tendo a autonomia da mulher
como um fator preponderante para a caminhada do movimento.
A consolidação do MMTR em Santaluz contribuiu para que se rompesse com a
concepção das mulheres associada à esfera da vida privada, fazendo com que o movimento se
fortalecesse e tivesse um alcance mais abrangente, tanto espacial considerando os limites do
município quanto da representação social e política. Sendo assim, formar um movimento de
mulheres naquele contexto significava se impor enquanto mulheres trabalhadoras rurais, na
expectativa de que seus direitos sociais fossem, acima e tudo, reconhecidos e atendidos. Mas,
as mulheres não deixaram de atuar em outras esferas de ação social, continuaram somando
esforços, forças e atuando como parte fundamental em ações organizadas pelo próprio
Sindicato Rural do município e/ou pelas associações de moradores das comunidades, para
citar alguns exemplos.
No intuito de ver seus objetivos materializados, as mulheres transformaram o MMTR
de Santaluz em Associação do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Agricultura
Familiar de Santaluz - AMMTRAFAS. Observa-se, no entanto, que a identidade de MMTR se
manteve no nome, na composição e nas prioridades desta nova entidade por desejo das
próprias mulheres. Para uma representante da AMMTRAFAS, elas se identificam:
Como movimento e até hoje nós ainda somos movimento. Porque nós
reconhecemos que muito dos frutos de hoje foi da batalha de outras mulheres
anterior e se não tivesse atuação delas seria mais complicado chegar até aqui.
Então assim, a gente sabe que no futuro não estaremos, mas, virão outras e
30
Entrevista concedida por representante da AMMTRAFAS em 15 out. 2015 (33 anos de idade e 16 anos no movimento de
mulheres). Entrevistadora: Silvana Maciel Pires.
42
A institucionalização do movimento foi necessária porque dessa forma seria mais fácil
acessar projetos e programas do governo que viessem a beneficiar as mulheres, pois, os
processos de participação nessas políticas têm exigências de ordem burocrática, devendo o
movimento estar legalmente registrado como entidade jurídica para participar dos programas
de governo.
Mas, é preciso ressaltar que muitos objetivos estabelecidos no Estatuto da
AMMTRAFAS já eram desenvolvidos pelo movimento antes mesmo da sua
institucionalização, inclusive, quando a AMMTRAFAS foi registrada o movimento já contava
com onze grupos de mulheres atuando na produção de alimentos para as compras
governamentais do PAA e do PNAE.
Até o presente momento (março de 2016), a associação é uma entidade constituída
somente por mulheres, todas trabalhadoras rurais que vivem em diferentes comunidades rurais
do município e, também, de Araci município vizinho à Santaluz e que, também, constitui o
Território do Sisal. A associação conta com 22 grupos de mulheres associados,
correspondendo a 280 membros até o final do ano de 2015. A maioria são mulheres casadas,
mães de família que compõem faixas etárias entre os 19 e 60 anos de idade.
Dentre as motivações que levaram as mulheres a associarem-se à AMMTRAFAS,
destaca-se o fato da associação poder propiciar trabalho e renda para elas. Seja porque a
associação dispõe dos meios para acessar programas de governos com foco no trabalho e no
apoio aos grupos produtivos ou porque a própria associação cria estratégias que venham a
favorecer aspectos relacionados a trabalho e renda para as mulheres como, por exemplo, a
inserção delas ao mercado através da COOBENCOL e da loja Maria Bunita. Além dessa
motivação, outras podem ser observadas no gráfico 1 a seguir.
31
Entrevista concedida por representante da AMMTRAFAS em 15 out. 2015 (33 anos de idade e 16 anos no movimento de
mulheres). Entrevistadora: Silvana Maciel Pires.
43
5%
7%
12%
51%
24%
exemplo. Há, portanto, a compreensão de que o lazer promove bem estar, satisfação pessoal e
coletiva e proporciona felicidade às mulheres. O lazer está presente nos eventos e datas
comemorativas festejadas por elas como: os festejos juninos (junho), aniversários, dia
internacional da mulher (março), o natal (dezembro) e também nas atividades de intercâmbio
e formações que são proporcionadas através da AMMTRAFAS, que ocorrem em outros
contextos que não o do município de Santaluz.
Então, o contexto de formação da AMMTRAFAS, foi motivada pela necessidade de
organização e representação das trabalhadoras rurais na luta pelas demandas específicas de
gênero na sociedade. Dentre as demandas, a que mais se destacou foi a de trabalho e renda
para as mulheres rurais porque não se valorizava o trabalho realizado por elas, qualificado
muitas vezes como mera ajuda, “[...] o que inviabilizou durante muito tempo o
reconhecimento das mulheres como trabalhadoras e, consequentemente, a garantia de seus
direitos sociais” (SALES, 2007, p. 441).
Mas, a consolidação do movimento e, sua posterior transformação em associação,
significava muito mais que a garantia de trabalho e renda para as mulheres que se permitiram
fazer parte desse sonho. Representava diversas outras oportunidades e possibilidades de
crescimento e bem estar, concebidas por elas como espaço de diversão, construção de
conhecimento, exposição das demandas, inclusive, do combate à violência contra a mulher.
Desde o final do ano de 2010 que o movimento de mulheres (MMTR Santaluz) passou a
se chamar Associação do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Agricultura
Familiar de Santaluz (AMMTRAFAS) por iniciativa das mulheres que desejavam tornar o
movimento uma personalidade jurídica, com existência legal. As mulheres almejavam o
reconhecimento do movimento por parte das autoridades, sobretudo, do Poder Público.
Discutiram a proposta em diversas reuniões, realizaram uma Assembleia Geral para a criação
da associação, elaboraram o Estatuto e a Ata da Assembleia e encaminharam a documentação
para a inscrição da instituição à Receita Federal.
A AMMTRAFAS foi instituída como entidade jurídica, de natureza privada e sem fins
lucrativo em 6 de dezembro de 2010, para representar as associadas e desenvolver atividades
que estivessem relacionadas aos interesses das trabalhadoras rurais. Desde então, a entidade
passou a ter a seguinte atribuição: organizar e representar as mulheres produtoras e
45
Os objetivos discriminados no Estatuto são bem abrangentes, como se pode notar. Parte
do princípio da organização e representação das trabalhadoras rurais com a perspectiva de que
elas alcancem melhores condições de vida. A prestação de serviço de natureza diversificada
(social, educacional, cultural, esportiva, recreativa) incorporada pela associação, torna-se um
desafio constante para a entidade, devido ao tamanho da demanda – de serviços e de mulheres
a serem contempladas. Todavia, reflete a sensibilidade da instituição de perceber, da mesma
forma, que o bem estar coletivo depende de uma série de fatores (essenciais à vida) da qual
elas próprias se percebem como responsáveis.
Atividades de formação, cursos e capacitações que a AMMTRAFAS viabiliza para os
grupos de mulheres, momentos de recreação e intercâmbios são exemplos de ações
diversificadas, proporcionadas pela associação às mulheres. De acordo com o Estatuto, a
AMMTRAFAS se compromete a combater todas as formas de opressão e exploração de suas
associadas. Algo que pode ser realizado por meio do apoio e assistência às mulheres vítimas
de violência, por meio da denúncia ou da orientação para as mulheres acerca das várias
formas de manifestação da violência, dos diferentes graus de severidade e de como agir no
sentido de se defenderem.
Por isso, pensar ações do tipo, formalização de campanhas e encontros sobre o tema da
violência contra a mulher, lutar pela implantação de equipamentos de combate à violência
contra as mulheres (delegacias e casa abrigo para as mulheres vítimas da violência) e
estabelecer estratégias de acompanhamento e fiscalização do funcionamento desses
equipamentos, são na verdade possibilidades de prestação de serviços reconhecidos pela
instituição.
Em se tratando da compra e comercialização de produtos e mercadorias das agricultoras
rurais, na perspectiva de gerar renda para as associadas, a AMMTRAFAS tem de fato
cumprido com este objetivo quando compra das mulheres produtos alimentícios como a
fécula da mandioca, o beiju, o sequilho, a farinha de tapioca, ovos e frango caipira, polpa de
frutas, hortaliças, doces e outros gêneros alimentícios, para comercializar na Cooperativa de
Beneficiamento e Comercialização (COOBENCOL, da qual elas também são associadas,
inclusive, as mulheres da AMMTRAFAS assumiram a presidência da COOBENCOL desde
2014.
47
32
Município pertencente ao Território de Identidade do Sisal, que faz limite com Santaluz estando distante desta 49 km.
33
O município de Abaíra pertence ao Território de Identidade Chapada Diamantina e está distante de Santaluz 478 km.
48
34
A loja Maria Bunita está localizada na Rua Rio Branco s/n, Cep 48880-000 Centro de Santaluz/Bahia.
35
Municípios do interior da Bahia pertencentes ao Território de Identidade do Sisal e distante de Santaluz 52 km e 116 km,
respectivamente.
49
36
Maria Gomes de Oliveira (1911-1938), mais conhecida como Maria Bonita, participou do movimento social denominado
de Cangaço ocorrido no sertão nordestino, entre o século XIX e início do XX. Ela foi companheira de Virgulino Ferreira da
Silva (o Lampião) líder do Cangaço e foi a primeira mulher a entrar no movimento. Disponível em:
<www.eunapolis.ifba.educa.br> Acesso em 10 mar. 2016.
37
O Cangaço foi motivado por disputas entre famílias poderosas e pela falta de perspectiva de ascensão social na região
marcada pela miséria. Cangaceiro era o nome usado para designar bandos de camponeses pobres que habitavam o sertão
nordestino, vestindo roupas de couro, chapéus e utilizando armas como carabinas, revólveres e facas. Disponível em:
<www.eunapolis.ifba.educa.br> Acesso em 10 mar. 2016.
50
Diretoria Executiva
Conselho Fiscal
Presidente 1ª Secretária 1ª Tesoureira
3 titulares
38
O CTM do Sisal foi fomentado a partir do Movimento de Organização Comunitária (MOC) e se legitima enquanto fórum
de discussão e capacitação específico para as mulheres e para fomentar ações de intervenção nas políticas públicas que
atendam especialmente suas demandas, seus direitos (OLIVEIRA, 2012). Não está ligada à uma esfera do poder público,
mas, à sociedade civil.
52
CAPÍTULO 3
“Que o espaço se torne, cada vez mais, o espaço de toda sociedade, e não o espaço do capital,
que oprime e explora.”
Milton Santos
53
39
“O território, objeto deste ensaio, é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder
(...)” (SOUZA, 2005, p. 78). Grifos do autor.
55
o poder não é alguma coisa que se adquire (...); o poder se exercita a partir
de inumeráveis pontos e no jogo de relações desiguais e móveis; as relações
de poder são, contemporaneamente, intencionais e não subjetivas; onde há
poder há resistência (...). Isto significa o caráter estritamente relacional das
relações de poder (FOUCAULT, 1979, p. 83-85).
[...] Sem dúvida, sempre que houver homens em interação com um espaço,
primeiramente transformando a natureza (espaço natural) através do
trabalho, e depois criando continuamente valor ao modificar e retrabalhar o
espaço social, estar-se-á também diante de um território, e não só de um
espaço econômico: é inconcebível que um espaço que tenha sido alvo de
valorização pelo trabalho possa deixar de estar territorializado por alguém.
Assim como o poder é onipresente nas relações sociais, o território está,
outrossim, presente em toda a espacialidade social – ao menos enquanto o
homem também estiver presente. (SOUZA, 1995, p. 96, grifos do autor)
Trata-se, portanto, de perceber como território aquele espaço que, além de ser
delimitado, é apropriado por uma ou mais pessoas que, estando em interação, cria valor e
significação para as relações e para a fração de espaço na qual se vive, interage.
De acordo com Raffestin (1993, p. 143), é imprescindível a compreensão de que o
espaço existe antes mesmo que o território, pois, a formação deste último só acontece a partir
do espaço, e “(...) é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que
realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou
abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o espaço”. Quer dizer
que, o território se caracteriza por ser a porção de espaço onde ocorre e se conforma uma
57
ação, um trabalho. Por isso, o autor afirma que como consequência o território vai revelar as
relações marcadas pelo poder.
Para o autor, ainda, a formação do território pressupõe a existência de um espaço social,
organizado e transformado pela ação da sociedade. As relações e as práticas sociais se
configuram enquanto sistemas de ações e comportamentos que vão se tornando perceptíveis
através do aparecimento dos nós e redes espaciais. Logo, o Estado, uma empresa, uma
organização social ou as pessoas individualmente, quando instalam-se em determinados
espaços, produzem territórios, pois, “Todos nós elaboramos estratégias de produção, que se
chocam com outras estratégias em diversas relações de poder” (RAFFESTIN, 1993, p. 153).
E, nessa perspectiva, a territorialidade pode ser definida “como um conjunto de relações que
se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior
autonomia possível, compatível com os recursos do sistema”, segundo Raffestin (1993, p.
160).
Para Brito (2006), o território é uma categoria geográfica construída historicamente,
podendo ser apreendido através das ações humanas empreendidas por certos agentes sociais e
que podem ser, em sua maioria, mensuradas a partir da investigação dos sistemas de objetos
(cidades, indústrias, rodovias, etc.), dos sistemas de ações (normas relacionadas às relações
sociais, de produção e de trocas) e também da cultura. Observa-se, na reflexão do autor, a
relevância do tempo e da ação humana para análise do território, passando pela compreensão
de que este se forma a partir da dinâmica dos diversos agentes sociais (pessoas, sociedade
civil, empresas, poder público) estabelecida por meio dos sistemas que compõem a sociedade:
objetos, ações e a cultura.
A territorialidade, segundo Brito (2006), é o resultado das relações sociais realizadas
por esses agentes mencionados anteriormente, porém, mediadas pelo poder e, quando
projetadas numa dada porção do espaço, configura-se o território. Logo,
A partir desta concepção do autor é possível fazer uma relação com as ações da
AMMTRAFAS no município de Santaluz: é uma associação que se estabeleceu
territorialmente abrangendo-se para diversas comunidades rurais (22 povoados) e institui
relações intersubjetivamente. Tais relações orientam a ação do movimento no intuito de tecer
redes de relações e cooperação tanto na escala local, entre as comunidades, quanto na escala
regional, através de outras organizações como MMTR Regional, a COOPEREDE e o MOC,
por exemplo.
Interessa, ainda, a essa análise as considerações de Haesbaert (2005) sobre a
multiterritorialidade, porque propõe discutir a complexidade dos processos de (re)
territorialização em que a sociedade se insere, percebendo esses processos como múltiplos
territórios – multiterritorialidade. Nesse sentido ele analisa a desterritorialização como um
mito, algo inexistente. Para Haesbaert (2005) estes processos de multiterritorialização
precisam ser compreendidos especificamente porque relacionam perspectivas políticas
inovadoras.
O autor associa o território a poder, no sentido concreto da dominação, ou seja,
funcional e no sentido simbólico da apropriação, que relaciona-se ao vivido. De acordo com
ele, “(...) todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações,
funcional e simbólico, pois, exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar funções
quanto para produzir significados” (HAESBAERT, 2005, p. 6776).
A perspectiva de Haesbaert chama atenção nesse processo de reflexão e aplicação do
conceito de território porque, para além de reconhecer o sentido relacional do território, parte
dessa apreensão para afirmar que o território inclui também o movimento e a fluidez
59
Sisal. A compreensão que se tem a esse respeito, é que ele estabeleceu uma possibilidade de
apreensão dessas relações instituídas naquele contexto, mas, que não é a única forma de
interpretação possível para a realidade (COELHO NETO, 2010).
O entendimento que se elabora a partir dessa compreensão de territorialidade, através da
AMMTRAFAS no município, é justamente a possibilidade de a associação de mulheres ser
um agente social capaz de construir novas territorialidades, tendo em consideração sua
organização, suas demandas e suas estratégias de ação.
40
Retrato das desigualdades de gênero e raça. 3ª edição (IPEA, 2008), e Retrato das desigualdades de gênero e raça. 4ª edição
(IPEA, 2011).
61
41
Para contextualizar a origem das discussões sobre a categoria gênero consultar: Rosa Ester Rossine (1988), Isabel
Margarida André (1990), Elisabeth Souza-Lobo (1991), Celi Pinto (1992), Vera Soares (1994), Cristina Bruschini (1994),
Rachel Soihet (1997).
42
Educadora, escritora e poetisa nascida em 1810 no Rio Grande do Norte. Considerada uma pioneira do feminismo no
Brasil. O livro Direitos das mulheres e injustiça dos homens (1832) foi sua primeira obra escrita, e o primeiro no Brasil a
tratar dos direitos das mulheres à instrução e ao trabalho. Disponível em: http://www.semira.go.gov.br/post/ver/148219/nisia-
floresta-brasileira-augusta. Acesso em 22/12/2014.
43
Foi o Ano Internacional da Mulher organizado pela ONU e muitas mulheres representando várias partes do mundo foram
ao México, sede da Conferência Internacional da Mulher. Na tribuna paralela, Therezinha de Godoy Zerbini lê um
documento onde expressa a importância da anistia para o Brasil. (PERES, 2009, p. 101)
62
as mulheres brasileiras viviam, fez despontar naquele período com maior efervescência, a luta
das mulheres por igualdade de gênero. Logo, os movimentos de mulheres e feministas foram
assim como outros movimentos sociais no Brasil nos anos finais do século XX, precursores
também do processo de redemocratização do país, pautando questões que interessavam de
modo geral a população, como o acesso aos direitos e a cidadania para as mulheres.
A categoria gênero também foi valorizada no contexto da Geografia, principalmente a
partir de meados da década de 1980, quando a componente gênero passou a ser utilizada para
evidenciar que “[...] a organização social e territorial engloba diferenças consideráveis entre
homens e mulheres e que as relações entre ambos são um elemento estruturador importante da
sociedade [...]” (ANDRÉ, 1990, p. 334). Para a autora, esse seria um motivo importante para
que as pesquisas e discussões envolvendo gênero não fossem restringidas ao espaço da vida
privada.
É nessa perspectiva, que se faz necessário apontar e analisar, por exemplo, as
desigualdades de gênero que se apresentam ainda na nossa sociedade. O Ipea divulgou, na sua
última edição, o retrato das desigualdades de gênero e raça existentes na sociedade brasileira.
No tópico sobre pobreza e desigualdade de renda, os dados são apresentados segundo o
rendimento médio do trabalho e de todas as fontes com base na renda domiciliar per capita
(IPEA, 2011)44. Dessa forma, o Instituto afirma que em 2009, a renda da mulher branca
correspondia a 55% da renda média dos homens brancos; já as mulheres negras permanecem
bem isoladas na base da hierarquia social “sua renda média equivalia a 18% dos rendimentos
percebidos pelos homens brancos, em 1995, e chega a 30,5% em 2009” (IPEA, 2011, p. 35).
A figura 6 demonstra a posição das mulheres brancas e negras em relação à distribuição da
renda em comparação com os homens brancos e negros.
44
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Retrato das desigualdades de gênero e raça. 4 ed. Brasília: Ipea, 2011.
63
45
Conselhos Municipal e Estadual dos Direitos das Mulheres, Secretaria de Políticas para as Mulheres, Delegacia da Mulher.
64
3.2.1 Movimentos sociais: percepções teóricas e reflexões sobre a espacialidade das ações
coletivas
Ou seja, os movimentos sociais desenvolvem ações de cunho social e político e por isso
mesmo, tais ações assumem uma perspectiva de transformação da sociedade. Outra questão
importante, fruto dessas ações, está relacionada com a problemática do conflito social, uma
vez que, através das ações empreendidas os movimentos podem ou não expressar poder e,
desse modo, geram um campo de correlação de forças na sociedade. A autora citada refere-se,
ainda, a capacidade dos movimentos sociais em gerar solidariedade e coesão social, mobilizar
ideias e valores e, gerar saberes e aprendizados coletivos, afirmando que esses saberes
decorrem de suas práticas cotidianas.
Dagnino (2001) lembra que foi com a transição do regime autoritário para um Estado de
Direito no Brasil, que surgiu um contingente expressivo de movimentos sociais com a
pretensão de contribuir para a efetivação da democracia no país. Dentre esses, podemos citar
as organizações de direitos humanos, movimentos urbanos, associações comunitárias,
Comunidades Eclesiais de Base ligadas à Igreja Católica, movimentos de mulheres, de negros,
entre outros. A expectativa gerada com o fim da Ditadura Militar e a promulgação da
Constituição Brasileira de 1988 significou um resgate do sentido de participação, como meio
e recurso fundamental do processo de construção democrática.
A Constituição de 1988 assegurava institucionalmente a possibilidade real de
construção e implantação de uma cidadania no Brasil, através da participação da sociedade
nas decisões políticas. A própria constituição já garante essa participação do povo brasileiro,
conforme o artigo 1º da Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente48, nos termos desta Constituição”
(BRASIL, 1988, grifo nosso).
A trajetória recente e intensa dos movimentos sociais fez com que as pessoas se
reconhecessem como capazes (através de uma organização coletiva) de pensar, discutir e
deliberar ações de políticas públicas em parceria com o Estado, para a construção da
democracia brasileira. Assim também aconteceu com as associações comunitárias, em
especial, que representam uma escala local e reflete em parte essa realidade, pois, passaram
segundo Santos (2010), a desempenhar um papel mais ativo no sentido de propiciar maior
48
Grifo nosso para evidenciar a instituição da possibilidade legal da participação popular, além de outros mecanismos
previstos também pela Constituição como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular disposto no capítulo 5 dos direitos
políticos da Constituição de 1988 que fazem referência à participação direta da sociedade nas decisões políticas.
68
participação das pessoas em relação à gestão municipal, sobretudo, através da formação dos
conselhos de gestão. Nesse sentido, é válido destacar que:
49
“Os Novos Movimentos Sociais (NMS) introduziram novas questões e assinalaram novas dimensões nas sociedades
modernas que passaram a ser entendidas como substitutas da antiga divisão baseada nas classes, assim como na divisão entre
capital e trabalho. (...) A nova perspectiva busca ir além das análises da inserção dos sujeitos sociais envolvidos com o
“universo dos movimentos sociais”. (PEDON, 2013, p. 63)
70
movimentos como condições que expressam sua territorialidade numa dada porção do espaço
geográfico. De acordo com Moraes (2005, p. 15): “O espaço produzido é um resultado da
ação humana sobre a superfície terrestre que expressa, a cada momento, as relações sociais
que lhes deram origem”. Atribui-se, desse modo, ao espaço geográfico um sentido de
construção social.
Se o espaço é percebido enquanto uma dimensão da realidade, é por consequência
multidimensional e deve ser considerado a partir de algumas peculiaridades que lhe são
próprias como: movimento, fixidez, processo, resultado, entre outros. Pois, a produção do
espaço ocorre pela intervenção das relações sociais no processo de consolidação da sociedade,
estando relacionada diretamente às intencionalidades de quem o produz (FERNANDES,
2005).
Sendo assim, destaca-se a análise proposta por Fernandes (2005) porque afirma que os
movimentos sociais representam mais do que formas de organização política e relações
sociais estabelecidas. A ação política dos movimentos sociais resulta de uma intencionalidade
que perpassa, necessariamente, a dimensão espacial. O referido autor compreende que:
3.3 Políticas públicas: perspectiva conceitual e a configuração das políticas públicas para
as mulheres no Brasil
[...] as ações que nascem do contexto social, mas que passam pela esfera
estatal como uma decisão de intervenção pública numa realidade social, quer
seja para fazer investimentos ou para uma mera regulamentação
administrativa. Entende-se por políticas públicas o resultado da dinâmica do
50
“(...) o ideário feminista, independente de sua filiação teórica ou tendência política, além de desestabilizar a lógica moldada
por mitos e estereótipos, que reforçava a discriminação das mulheres, contribuiu para a incorporação do tema da igualdade de
gênero à agenda pública e às instâncias políticas. (...)” (PRÁ; CARVALHO, 2004, p. 2).
73
Portanto, são as demandas da sociedade que movem as ações de políticas públicas, que
somente se efetivam quando se instala um jogo de forças, reflexo das relações de poder
próprias dos agentes que constituem a sociedade. Dessas relações saem os direcionamentos
necessários às ações que deverão ser executadas pela administração pública, visando intervir
na realidade social. Ao final desse processo de correlação de forças, tem-se as políticas
públicas consubstanciadas em um plano de ação, que só deve ser considerado tomando como
base a sociedade, porque pressupõem um alcance social.
De acordo com Teixeira (1997), participar significa “[...] fazer parte, tomar parte, ser
parte de um ato ou processo, de uma atividade pública, de ações coletivas. (...) implica pensar
o todo, a sociedade, o Estado, a relação entre as partes entre si e com o todo. [...]”
(TEIXEIRA, 1997, p. 187). O autor compreende ainda, que esse todo não é homogêneo,
porque as partes apresentam interesses, aspirações, valores e recursos de poder que se
diferenciam. Daí o primeiro sinal de quanto as relações de poder em uma sociedade podem
ser complexas, principalmente, quando nela predominam a cultura do individualismo e da
fragmentação.
Segundo Boneti (2007), os agentes do poder que fazem parte dessa correlação de forças
na sociedade e no processo de elaboração das políticas públicas, podem ser identificados
como sendo os representantes dos grupos econômicos, das empresas, dos grupos políticos, os
agentes individuais e/ou a sociedade civil organizada. Sendo, porém, de responsabilidade do
poder público, por meio de suas instituições, por em prática as decisões.
Porém, é preciso compreender que o governo não deve ser considerado neste processo,
como um agente responsável somente pelo cumprimento das metas que são estabelecidas por
aqueles agentes outros destacados por Boneti (2007). Ao contrário, é preciso ponderar que o
próprio Governo é constituído por pessoas que representam diferentes grupos sociais, e que
esses grupos integram-se a essa esfera de poder pelo interesse de fazer valer seus interesses, já
que compreendem que ao Estado cabe a execução das políticas públicas. Por isso, os
Governos não se configuram agentes neutros no processo de construção das políticas públicas,
ele está inserido em todos os processos da elaboração à avaliação.
Assim também deve acontecer com a sociedade de modo geral. Todos os agentes devem
participar necessariamente da elaboração até a avaliação das políticas públicas, pois:
74
Então, a construção das políticas públicas não deve ser pensada separadamente,
atribuindo-se responsabilidades diferenciadas aos agentes no decorrer do processo de sua
criação, mas, todos devem estar atentos e inseridos no processo por se tratar de uma
intervenção social que atinge a todos os interessados.
De modo geral, comportamentos e atitudes procedentes da sociedade influenciam na
organização das políticas públicas. Dinâmicas que se relacionam a diversos aspectos da
sociedade como a organização da produção e as relações de poder, sejam elas em escala
nacional ou global, motivam as estratégias e os interesses econômicos e sociais dos grupos
proponentes de políticas públicas em uma sociedade de dimensões capitalista (BONETI,
2007). Isso quer dizer que interesses diversos e abrangentes estão por detrás das propostas de
políticas públicas, logo, é preciso estar atento ao contexto, aos agentes e às diretrizes dessas
ações a serem implementadas.
Inserindo a este debate a contribuição do Teixeira (2002), que compreende as políticas
públicas como “[...] diretrizes, princípios norteadores de ação do poder político; regras e
procedimentos para as relações entre poder público e sociedade [...]” (TEIXEIRA, 2002, p. 2),
ou seja, perpassa também a sistematização das ações voltadas à regulação das relações entre
sociedade e Estado. O autor trata o tema das políticas públicas de forma ampla, a apreende
enquanto princípio, diretriz, regra e procedimentos que são sistematizados em documentos
como leis ou programas entre outros exemplos.
A participação como registrada anteriormente, deve ser considerada na perspectiva das
políticas públicas por se tratar de um processo importante para a interação constante dos
diferentes agentes que simbolizam as partes de um todo que é a própria sociedade,
representada através do Estado, demais instituições públicas ou privadas, agentes individuais,
movimentos sociais etc. Estas relações, complexas e contraditórias em sua essência,
demandam condições e/ou estruturas de ambos os envolvidos, a fim de tornar as ações de
políticas públicas mais eficazes.
Outra questão importante do ponto de vista das discussões sobre políticas públicas diz
respeito à convicção de que:
75
Elaborar uma política pública significa definir quem decide o quê, quando,
com que consequência e para quem. São definições relacionadas com a
natureza do regime político em que se vive, com o grau de organização da
sociedade civil e com a cultura política vigente. [...] Para serem “públicas”, é
preciso considerar a quem se destinam os resultados ou benefícios, e se o seu
processo de elaboração é submetido ao debate público (TEIXEIRA, 2002, p.
2, grifos do autor).
Esses critérios assinalados pelo autor são fundamentais, devendo ser admitidos como
base para interpretação e compreensão das políticas sociais implantadas pelos governos no
Brasil. As políticas públicas assumem uma significação que se relaciona com a necessidade
de participação social nos debates e demais processos de sua constituição. Quem define as
estratégias, quando essas deverão ser executadas e prevê um benefício para alguém ou algum
grupo especificamente, deve estar ciente dos processos de construção das políticas públicas.
Acredita-se que os questionamentos (quem, o quê, quando, com que consequência e
para quem) sinalizados pelo autor são de fato relevantes, na medida em que orientam as
análises a respeito das políticas públicas, mas, não são suficientes para a compreensão do
processo como um todo. Faltam outras questões tão importantes quanto as já estabelecidas por
Teixeira (2002), que aumentam consideravelmente as possibilidades de interpretação e
compreensão do processo de gestação e efetivação das políticas como, por exemplo: por que e
para qual recorte espacial se define tal ação. O „para quem‟ caracteriza a identificação das
pessoas que deverão ser beneficiadas com a ação de política pública, como consequência, essa
questão suscita a compreensão do „por que‟ decidir por essa ou aquela opção, também.
É preciso pensar, ainda, que programas e projetos de governo são constantemente
executados tomando como referência a dimensão espacial de atuação e realização da
sociedade. Seja do espaço rural, da floresta ou da cidade, do centro ou da periferia, do espaço
público ou do espaço privado, todas essas classificações de recortes espaciais perpassam as
agendas e os planos de ação do Governo e, de uma forma ou de outra, a ação que se realiza
nesses espaços promovem transformações de ordem estrutural e/ou simbólica cultural. Por
isso que a Geografia pode contribuir, de diferentes maneiras, para a construção e avaliação
das políticas públicas. De acordo com Serpa (2011):
O fato de homens e mulheres exercerem papéis distintos na sociedade, não quer dizer
que o Estado deva, por meio dessa circunstância, passar a tratá-los como iguais em tudo, sem
considerar as especificidades. O que a autora enfatiza enquanto relevante é, justamente, a
dinamicidade da população observando que homens e mulheres apresentam necessidades
específicas e que, de acordo com esta reflexão, as ações de políticas públicas muitas vezes
orientam a construção ou perpetuação dessas desigualdades, quando privilegia um grupo em
função de outro e não reflete sobre a possibilidade de se atender às diferenças.
Analisar, portanto, políticas públicas voltadas à geração de trabalho e renda,
reconhecendo os programas de segurança alimentar – PAA e PNAE – como políticas que
assumiram essa perspectiva de fortalecimento da agricultura familiar através da geração de
trabalho e renda para os/as agricultores/as, torna-se uma questão preponderante para a
compreensão das relações instituídas no contexto rural de Santaluz, especificamente, a partir
da atuação de uma associação de mulheres que vem sendo beneficiada com essa possibilidade
de trabalho e renda, ao longo desses últimos 5 anos. Essa é uma oportunidade para
caracterizar as reais configurações das políticas públicas que aderem à concepção de
igualdade de gênero.
79
CAPÍTULO 4
[...] a igualdade dos cidadãos supõe, para todos, uma acessibilidade semelhante aos bens e
serviços, sem os quais a vida não será vivida com aquele mínimo de dignidade que se impõe.
[...] O simples nascer investe o indivíduo de uma soma inalienável de direitos, apenas pelo
fato de ingressar na sociedade humana. [...] Direito a um teto, à comida, à educação, à saúde,
à proteção contra o frio, a chuva, as intempéries; direito ao trabalho, à justiça, à liberdade e a
uma existência digna (SANTOS, 2007, p. 19).
Milton Santos
80
52
Organização não governamental que nasceu em 1993 por iniciativa do sociólogo Herbert de Souza (Betinho) a partir
do Movimento pela Ética na Política. Disponível em http://www.acaodacidadania.com.br Acesso em 25 de março de 2015.
53
Disponível em: http://www.acaodacidadania.com.br Acesso em: 25/03/2015.
54
Grupo de ação política liderado por Lula, fundado em 1990 para o exercício de uma oposição qualificada ao recém eleito
presidente da República Fernando Collor de Melo empreender uma fiscalização democrática da nova gestão. Disponível em
http://www.institutolula.org Acesso em 25 de março de 2015.
81
(...) depois de sua recriação, logrou uma série de êxitos, tendo sido o espaço
onde foi construído o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura
Familiar; onde foi elaborada a proposta de Lei Orgânica de Segurança
Alimentar e Nutricional; onde foi negociado com o Presidente da República
a recuperação do valor per capita da alimentação escolar e elaborada a
proposta de uma nova e avançada legislação sobre o programa e, também,
aprofundadas propostas para o aperfeiçoamento do Programa Bolsa Família,
algumas delas implementadas (...) (BRASIL, 2009, p. 42).
55
No âmbito do governo, define-se a agricultura familiar como sendo o cultivo da terra realizado por pequenos proprietários
rurais, que utilizam o núcleo familiar como mão de obra essencial, a agricultura familiar foi assim definida na Lei nº 11.326,
de 24 de julho de 2006.
82
O artigo firma duas grandes metas, que se destacam porque são diretrizes que
fundamentam toda a política do PAA. A primeira meta: apoiar a comercialização dos
produtos agropecuário dos agricultores familiares, a partir do estímulo à produção de
alimentos; a segunda meta: disponibilizar às famílias em situação de insegurança alimentar o
acesso a alimentos em quantidade, qualidade e regularidade. Nesse contexto, o PAA é tanto
um instrumento da política agrícola quanto da política de segurança alimentar do país.
Outras normas legais (leis, decretos e resoluções) foram criadas no decorrer desses anos
após instituição do PAA, a fim de melhorar as diretrizes que foram determinadas no artigo 19
56
Lei nº 11.346 de 15 de setembro de 2006, criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, com vistas a
assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências.
83
da Lei nº 10.696/2003, explicitando de forma mais específica cada meta. A Lei nº 12.512, de
14 de outubro de 2011, por exemplo, institui o Programa de Apoio à Conservação Ambiental
e o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais, tendo como finalidade alterar as
Leis nº 10.696/2003, 10.836/2004, e 11.326/2006. O capítulo III da Lei nº 12.512/2011 trata,
especificamente do PAA que, nesse texto da Lei, foi organizado em artigos e incisos que
estabelecem as diretrizes do PAA de forma mais esmiuçada, se comparada com o artigo 19 da
Lei nº 10.696/2003.
A respeito dos beneficiários aptos a fornecerem alimentos ao programa PAA, o Decreto
7.775/2012 os classificam da seguinte forma:
É interessante destacar que o parágrafo 5º deste mesmo Decreto (nº 7.775/2012, artigo
4), estabelece que das organizações fornecedoras aptas a participarem do PAA serão
priorizadas aquelas constituídas por mulheres.
O Artigo 17 da Lei nº 12.512, autoriza o Poder Executivo Federal, Estadual, Municipal
e o Distrito Federal a adquirir alimentos produzidos pelos agricultores familiares,
dispensando-se o procedimento licitatório. Ainda nesse artigo, determina-se que os preços
pagos pelos produtos sejam compatíveis com os vigentes no mercado em escala local ou
regional, desde que submetidos à metodologia instituída pelo Grupo Gestor do PAA
(GGPAA); e que o valor máximo anual ou semanal para aquisições de alimento, por unidade
familiar seja conforme regulamento.
O GGPAA é composto e coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social
(MDS) e por representantes de mais cinco órgãos federais, visando uma gestão compartilhada
entre os Ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA); da Agricultura, Pecuária e
84
Quadro 3 - Caracterização do PAA e limite em reais (R$) para acesso por unidade familiar –
Brasil
Quadro 4 - Caracterização do PAA e limite em reais (R$) para acesso por organização
fornecedora – Brasil
Com relação ao termo de adesão ao programa PAA, a lei determina que os modelos de
termos de adesão ao PAA deverão atender às normas aprovadas pelo GGPAA e conterão, no
mínimo, a descrição: I) do objeto do termo; II) dos compromissos assumidos pelas partes; III)
da vigência do termo; e IV) da previsão de alteração, denúncia ou rescisão.
Para concorrer aos editais é necessário estar atento ao período de publicação dos
mesmos, pois são divulgados e publicados através de portal do MDS em endereço
eletrônico58. Nas páginas do site do ministério é possível conhecer as ações e o Programa de
Segurança Alimentar e Nutricional, saber a respeito do que é oferecido, a forma de
participação, as datas e as informações adicionais que sejam necessárias.
58
www.mds.gov.br
88
59
Josué de Castro denunciou a fome como sendo um fenômeno universal. Para ele, a fome coletiva não resulta de fatores
naturais, mas sim de fatores sociais, sobretudo, estruturas econômicas imperfeitas. Principais obras de Josué de Castro: O
problema fisiológico da alimentação no Brasil (1932), Alimentação brasileira à luz da Geografia humana (1937), Geografia
da Fome (1947), Geopolítica da Fome (1951) entre outras. MANÇANO, B.; PORTO-GONÇALVES, C. V. Josué de Castro:
vida e obra. 2000.
89
60
Criado em dezembro de 1946 por decisão da Assembleia Geral das Nações Unidas. Em 1950 foi instalado o primeiro
escritório do UNICEF no Brasil (João Pessoa/Paraíba). Em setembro de 1954 foi liberado pela primeira vez recursos do
UNICEF para alimentação nas escolas, permitindo a execução do programa nacional de merenda escolar. Disponível em:
<www.unicef.or/brazil> Acesso em: 18 fev. 2015.
61
O INAN foi criado pela Lei nº 5.829, de 30 de novembro de 1972.
90
lácteas, etc.). Em 1978, atendia a 9,4 milhões de crianças, ampliando para 30,9 milhões, em
1986”.
Em 1983, foi criada a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), instituição
vinculada ao MEC e que assume, desde então, a responsabilidade pela formulação,
financiamento e gerenciamento da alimentação escolar. Desde então, o PNAE começou a
passar por um processo de descentralização, através da municipalização da gestão da
alimentação escolar nos estados de São Paulo, durante o governo de André Franco Montoro
(1983-1987), e do Rio de Janeiro, durante o governo de Leonel Brizola (1983-1987) -
(BRASIL, 2014). Entre os anos de 1986 e 1988, a FAE estimulou a descentralização do
PNAE por meio da municipalização e dessa forma:
62
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – Artigo 208, incisos IV e VII.
91
lei tornou obrigatório a utilização de no mínimo 30% dos recursos financeiros transferidos
pelo FNDE para aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar. O
artigo 2º da Lei nº 11.947/2009, define as seguintes diretrizes para alimentação escolar:
âmbito do PNAE, no mínimo 30% deverão ser utilizados para aquisição de alimentos
diretamente da agricultura familiar (BRASIL, Lei nº 11.947/2009, artigo 14º).
O valor que é repassado pela União a estados e municípios por dia letivo para cada
estudante, atualmente, é definido de acordo com a etapa e a modalidade de ensino na qual o
estudante se encontra, como pode ser observado no quadro 5 a seguir. Os recursos financeiros
são originários do Tesouro Nacional e estão assegurados no Orçamento da União. O FNDE é
quem realiza a transferência financeira às Entidades Executoras por meio de contas correntes
definidas e abertas pelo próprio FNDE (BRASIL, Lei nº 11.947/2009, artigo 5º).
Fonte: Cartilha Aquisição de produtos da Agricultura Familiar para Alimentação Escolar. MEC/FNDE.
Disponível em: http://www.fnde.gov.br Acesso em: 02/04/2015.
Elaboração: Silvana Maciel Pires, 2015
CAPÍTULO 5
63
Compra governamental de alimentos das associações proponentes no programa e a realização de doação simultânea, ou
seja, o imediato atendimento às demandas locais de suplementação alimentar de pessoas em situação de insegurança
alimentar (BRASIL, 2014).
97
Sexo Nº de agricultores
Feminino 4.036
Masculino 1.758
Total 5.794
Fonte: SAGI/MDS. Disponível em: <http://aplicacoes.mds.gov.br> Acesso em: 13/01/2016
Elaboração: Silvana Maciel Pires, 2016
A crescente participação das mulheres no PAA foi possibilitada por diferentes motivos.
Destacamos, porém, dois que reconhecemos relevantes para a modalidade de compra
específica realizada nesse contexto do município de Santaluz (compra com doação
simultânea):
I) os produtos vendidos para a Conab estão relacionados mais diretamente com atividades
que são desenvolvidas pelas agricultoras como, por exemplo, o cultivo de hortaliças, a
produção de bolo, sequilho e beiju. Isso caracteriza, de certa forma, uma divisão do
trabalho no contexto do espaço rural, pois, às mulheres atribuem-se funções
diferenciadas àquelas atribuídas aos homens;
II) a Resolução GGPAA nº 44/2011, ressalta que nas compras realizadas nas modalidades
de compra com doação simultânea e de formação de estoques, será exigida a
participação de, pelo menos, 40% e 30% de mulheres, respectivamente, do total de
produtores fornecedores (RESOLUÇÃO nº 44, 2011, artigo 4º) e o § 5º do Artigo 4 do
Decreto nº 7.775/201264 estabelece prioridade para as organizações constituídas por
mulheres, no ato de seleção das entidades.
64
Decreto que está em vigência no momento.
98
Várzea da
5 Novo Sabor 2009 4 5
Pedrinha
6 Mulheres de
Areal 2010 8 3
Força
Total 6 5 83
porém, sem vínculo com a AMMTRAFAS - são elas: Associação Comunitária da Fazenda
Nova e Associação dos Moradores de Sítio Novo.
Nesta modalidade, compra com doação simultânea, os alimentos comercializados pelas
associações e grupos de mulheres devem ser característicos dos hábitos alimentares locais
(alimentos perecíveis, produtos in natura ou processados), devendo cumprir os requisitos de
controle de qualidade exigidos nas normas vigentes. Os alimentos são entregues duas vezes ao
mês a cada 15 dias para as associações das comunidades carentes beneficiadas com a política
de segurança alimentar. As comunidades beneficiadas com os alimentos produzidos pelas
mulheres da AMMTRAFAS são: Antônio Conselheiro, Arapuá, Areal, Boa Esperança,
Caldeirãozinho, Junco, Lagoa das Cabras, Lagoa Escura, Nova Divinéia, Queimada do Milho,
Sítio e Várzea da Pedra.
Cada grupo de produção das mulheres está organizado de modo que apresenta uma
coordenação com atribuições muito bem estabelecidas. Geralmente, todas elas são nomeadas
a uma função dentro do grupo (coordenação e vice, tesouraria e vice, secretaria e vice,
conselho fiscal e suplentes).
As atividades desempenhadas pelos grupos estão voltadas para o planejamento da
produção e a comercialização principalmente, embora, os grupos não se limitem às questões
da geração de renda para as mulheres, também se dedicam a estudos e momentos de lazer. As
atividades de produção são desenvolvidas todas as semanas, entre 2 a 3 dias correspondendo a
uma dedicação diária de 8 horas por dia de trabalho e às vezes menos que isso. Os grupos
produzem sempre a mesma quantidade de alimentos por quinzena e a entrega é feita de 24h a
48h após a produção.
Quatro desses grupos fretam transporte particular - que em geral já faz linha da
comunidade para o centro da cidade de Santaluz diariamente - para efetuar as compras dos
materiais da produção (fécula da mandioca e de trigo, manteiga, açúcar) e, também, para fazer
a entrega dos alimentos às comunidades beneficiadas com o PAA. Apenas o grupo Mulheres
Virtuosas da comunidade de Ferreiros tem transporte próprio para realizar tais atividades. O
transporte foi adquirido com recursos de Projeto65 lançado pela Secretaria de Políticas para as
Mulheres (SPM) do Governo Federal, via edital público no ano de 2014.
O carro representou para as mulheres uma autonomia, pois, deixaram de depender dos
serviços de terceiros e aos poucos foram se habilitando com objetivo de exercerem, também,
mais essa função no grupo - de conduzirem elas próprias suas mercadorias. Essa, porém, não
65
A coordenadora do Grupo Mulheres Virtuosas não soube informar o nome do Projeto ou número do Edital para o qual
concorreram e ganharam o carro.
103
foi uma motivação apenas do grupo da comunidade de Ferreiros, mas, das demais mulheres
dos grupos da AMMTRAFAS que desejam um dia ter a chance de comprar um carro ou
adquiri-lo através de projetos de iniciativa do poder público.
Os grupos fornecem para o PAA os seguintes gêneros alimentícios: beiju66, bolo,
bolacha de goma67, broa de milho68, farinha de tapioca69, hortaliças, polpa de frutas e sequilho.
A AMMTRAFAS se encarrega de fazer a distribuição da quantidade de alimentos que deve
ser produzido e entregues por quinzena e segundo a diretoria da associação de mulheres, não
há privilégios na hora da distribuição das encomendas, todos os grupos recebem a mesma
quantidade de pedidos. As próprias mulheres dos grupos confirmam não terem problemas ou
queixas com relação aos critérios de partilha da produção.
Para a AMMTRAFAS, a distribuição dos alimentos para os grupos de produção deve se
basear no princípio da igualdade porque todos contribuem com a associação de mulheres da
mesma forma e, portanto, não deve haver benefícios para um e outro não. Embora se perceba
diferenças nesta distribuição, a justificativa para esta situação está no fato de haver grupos
mais habilitados seja em estrutura física (disponibilidade de equipamentos) ou em
competências adquiridas em relação à variedade de produtos oferecidos.
Os dados colhidos com as mulheres dos seis grupos, indicam o panorama da
distribuição da produção desses alimentos entre os grupos. Todos os seis fornecem o bolo e
três deles fornecem hortaliças (Mulheres de Fibra, Produtoras do Rose e Mulheres Virtuosas),
três o beiju (Mulheres de Fibra, Mulheres Virtuosas, Produtoras do Rose), três o sequilho
(Mulheres de Força, Produtoras do Rose e Mulheres Virtuosas) e três a bolacha de goma
(Novo Sabor, Garra Feminina e Mulheres de Fibra). A figura 8 a seguir retrata tais gêneros
alimentícios:
66
Iguaria típica da culinária brasileira, de origem indígena, feita com a fécula extraída da mandioca (substância farinácea
também conhecida como goma da tapioca).
67
Biscoito seco, assado no forno e feito da mistura da fécula de mandioca, água, açúcar, sal, óleo.
68
Biscoito grande de milho redondo e achatado, feito com fubá de milho, fécula de mandioca ou trigo, açúcar, fermento,
manteiga e sal.
69
Espécie de farinha granulada feita com a fécula extraída da mandioca, que serve para fazer bolos e mingaus.
104
1 2
3 4
5 6
Na figura 8 temos os tipos de alimentos que foram fornecidos ao PAA, durante o ano de
2015, numerados nessa ordem: 1) beiju; 2) bolacha de goma, sequilho; 3) bolo de aipim; 4)
broa de milho; 5) farinha de tapioca; 6) polpa de frutas; 7) hortaliças (coentro, cebolinha
verde, couve, alface). Todos esses alimentos compõem cestas básicas entregues às famílias
em situação de insegurança alimentar assistidas pelo PAA no município de Santaluz.
O recurso obtido com as vendas para o PAA garante às mulheres valores, em reais por
mês, que variam entre cinquenta reais e trezentos reais individualmente. Esse valor que as
mulheres recebem individualmente caracteriza o lucro obtido pelo grupo com a
105
comercialização feita para o programa, pois, do valor bruto recebido elas administram o
recurso da seguinte forma:
1) priorizam o pagamento de dívida/empréstimo contraído pelo grupo;
2) efetuam a reposição de materiais necessários à próxima produção (fécula da
mandioca, manteiga, açúcar, frutas etc.);
3) custeiam as despesas com transporte (frete) contratado naquele mês;
4) direcionam entre 10% a 30% do recurso para manter a poupança do grupo e;
5) o valor restante é dividido entre elas, de acordo a horas trabalhadas no mês.
Os seis grupos da AMMTRAFAS apresentam realidades diferentes como, por exemplo,
uns tem sede própria (Mulheres de Fibra, Produtoras do Rose, Mulheres Virtuosas), outro está
no processo de construção de sua sede (Novo Sabor), outros ainda trabalham em espaços
cedidos pela comunidade (Mulheres de Força, Garra Feminina); alguns são mais estruturados
em termos de equipamentos de produção (Mulheres de Fibra, Mulheres Virtuosas, Produtoras
do Rose) outros dispõem de menos estrutura (Garra Feminina, Mulheres de Força, Novo
Sabor). Ou seja, o valor que elas recebem e a quantia que investem para melhorias de seus
próprios grupos se diferenciam porque apresentam singularidades e necessidades muito
específicas.
Portanto, o PAA tem gerado renda para as trabalhadoras rurais da AMMTRAFAS,
ainda que consideremos um valor significativamente pequeno, que se caracteriza enquanto
complemento de renda porque as mulheres não conseguem sobreviver apenas desse recurso e,
por isso mesmo, em sua maioria, elas se inserem em outros postos de trabalho voltados
principalmente para a cultura do sisal, exercendo diferentes funções: corte da planta,
transporte da palha, secagem da fibra ao sol, aproveitamento da planta do sisal para produção
de artesanato.
Os recursos destinados ao contrato do PAA são pagos através do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico Social - Fundo Social (BNDES Fundo Social)70. Para que as
associações participem do programa, elas concorrem a edital do BNDES-CONAB
inscrevendo projetos. O edital dispõe, entre outras informações, sobre o valor total (montante)
destinado ao programa naquele ano e do limite de valor a ser destinado a cada organização
proponente. Significa que ao elaborar o projeto as entidades proponentes estabelecem um
orçamento, que deve estar dentro desse limite estipulado pelo BNDES.
70
O BNDES Fundo Social é constituído com parte dos lucros anuais do BNDES para apoiar projetos de caráter social nas
áreas de geração de emprego e renda, serviços urbanos, saúde, educação e desportos, justiça, meio ambiente e outras
vinculadas ao desenvolvimento regional e social. Disponível em: <www.bndes.gov.br> Acesso: 25/03/2016.
106
Tabela 4 - Repasse em reais (R$) para o PAA pelo Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS). Santaluz/Bahia/ Brasil – 2015
684.158,50
Fonte: Conab. Disponível em: <www.conab.gov.br> Acesso em: 12/04/2015. Grifo nosso.
Elaboração: Silvana Maciel Pires, 2016
71
Edital de Chamada Pública BNDES-CONAB, nº 001/2013. Disponível em: <www.conab.gov.br/bndes> Acesso em:
12/05/2015.
107
na perspectiva de fazer parte desse projeto; II) a produção qualificada dos gêneros
alimentícios; III) o reconhecimento do poder público municipal, da sociedade civil e das
comunidades atendidas pelos PAA, dos alimentos produzido pelos grupos de mulheres; IV) o
PAA tem se consolidado enquanto uma fonte de geração de renda para as mulheres e; V) o
programa vem inserindo cada vez mais os grupos de mulheres na produção de seus gêneros
alimentícios, inclusive, a Resolução nº 44/2011 e o § 5º do Artigo 4º do Decreto nº
7.775/2012 estabelecem que as organizações de mulheres tem prioridades no fornecimento
desses alimentos.
Apesar de apontar questões que são bastante significativas do ponto de vista da
participação das mulheres da AMMTRAFAS no PAA, é preciso também destacar que esse
contexto ou arranjo ainda é muito recente, tanto no âmbito municipal quanto nacional e ele
tem se concretizado, sobretudo, a partir da luta das trabalhadoras rurais na busca pela
construção, inserção e efetivação de políticas para as mulheres rurais, em diferentes linhas de
ação dos programas do governo, como ocorre com o PAA.
Há, portanto, uma articulação com as associações para que elas pleiteiem o contrato do
PNAE no município, porém, de forma que não se tornem umas para as outras concorrentes, há
nesse processo o entendimento de que todas as entidades são parceiras. Contudo, a associação
comunitária não terá, em contrapartida, responsabilidades alguma no que se refere à
organização e assistência aos grupos, que ficam a cargo da AMMTRAFAS. Cabe apenas às
associações, fechar o contrato, prestar contas e repassar os valores todos os meses para as
mulheres, que são também associadas nestas entidades.
Isso não significa, porém, que as quatro associações citadas não tenham competência
para assistir aos grupos de mulheres nas suas comunidades, mas, que há uma divisão de
tarefas e responsabilidades assumidas em comum acordo entre a AMMTRAFAS e as cinco
entidades (associações comunitárias e a COOBENCOL) que participam desse processo de
chamada pública para o PNAE. Em 2015, a AMMTRAFAS contribuiu para que dezesseis
grupos de mulheres participassem do PNAE no município, esses grupos estão caracterizados
na próxima tabela.
73
Entrevista concedida por representante da AMMTRAFAS em 27 nov. 2015. Entrevistadora: Silvana Maciel Pires.
110
Nº Tempo de
Comunidade Criação do
Nº Grupo mulheres atuação no
rural grupo
grupo PNAE/anos
1 Mulheres de Fibra Miranda 2004 27 5
Mulheres Artesãs
2 Mocambinho 2005 5 4
de Mocambinho
3 Mãos Artistas Morro dos Lopes 2007 4 4
4 Mão na Massa Serra Branca 2007 7 5
5 Arte e Sabores Várzea da Pedra 2008 6 5
Mulheres
6 Rose 2008 20 4
Produtoras do Rose
7 Mulheres Virtuosas Ferreiros 2009 19 5
8 Mulheres em Ação Lagoa Escura 2009 9 3
Mulheres
9 Rio do Peixe 2009 6 5
Sonhadoras
10 Mulheres de Garra Tombador 2009 7 5
Várzea da
11 Garra Feminina 2009 5 5
Pedrinha
Várzea da
12 Novo Sabor 2009 4 5
Pedrinha
13 Sabores da Caatinga Lagedinho 2010 4 4
14 Mulheres de Força Areal 2010 8 3
Mulheres
15 Calumbi 2011 6 4
Vencedoras
Mãos que
16 Barreirinho 2013 5 1
Produzem
Total 16 15 142
O mapa 4 (p. 111) representa a localização das comunidades rurais de Santaluz onde
existem os grupos da AMMTRAFAS que participaram do PNAE em 2015, ou seja, destaca a
abrangência dos grupos de mulheres atuantes no programa e também a espacialização destes
no espaço rural do município.
Mapa 4 111
112
Desde que o PNAE passou a ser executado no município, em 2010, que as mulheres da
AMMTRAFAS participam no processo de compra institucional, evidentemente que através
das associações comunitárias, vendendo os produtos da agricultura familiar produzido por
elas. Portanto, há cinco anos que a produção dos alimentos para o PNAE tem sido realizada
exclusivamente pelas mulheres da AMMTRAFAS. Se a associação de mulheres consolidou
esse espaço diante das outras organizações da sociedade civil atuantes em Santaluz (BA) e
diante do poder público, é porque a AMMTRAFAS age de forma estratégica e planejada.
Logo, é pertinente sinalizar algumas de suas estratégias que as orientam para essa conquista:
Realiza reuniões com as entidades consorciadas, renovando a cada ano as
parcerias estabelecidas (associações comunitárias de Ferreiros, Lagoa Escura, Miranda e Rose
e, mais recentemente, com a Cooperativa de Beneficiamento – COOBENCOL);
Viabiliza constantemente cursos de formação e aprimoramento para as mulheres;
Assegura representação da AMMTRAFAS no Conselho de Alimentação Escolar
(CAE), órgão que fiscaliza a aplicação dos recursos transferidos para realização do PNAE,
que zela pela qualidade dos produtos no município e tem mandato de quatro anos;
Inscreve os grupos de produção em projetos e demais programas do Governo
Federal/Estadual, que tenham como objetivo disponibilizar aos empreendimentos solidários
equipamentos de produção, escritório ou mesmo recurso financeiro para estruturação das
sedes dos grupos;
Disponibiliza informações para os grupos sobre o PNAE, para que as mulheres
conheçam as normas e as diretrizes do programa e saibam que atitudes devem ser tomadas
caso a Lei não se cumpra;
Presta assessoria e acompanhamento constante aos grupos nas comunidades, algo
que é realizado em parceria com o MOC e a COOPEREDE, através de profissionais técnicos
que trabalham diretamente com os grupos, inclusive, as técnicas que acompanham esse
trabalho são da própria AMMTRAFAS, já que duas dessas mulheres são funcionárias: uma do
MOC e outra da COOPEREDE;
Realiza avaliações do programa com os grupos de produção todo ano em
assembleia geral do movimento ou, mesmo, extraordinária quando se faz necessária.
Os grupos fornecem diferentes gêneros alimentícios ao PNAE, que em sua maioria são
produzidos manualmente principalmente porque essa é uma característica própria da produção
e manuseio desses alimentos como: sequilho, broa, pão, beiju e polpa de frutas.
113
O beiju, por exemplo, pode ser produzido em diferentes formatos, mas para atender ao
PNAE apenas dois são exigidos, um em forma de conchinha sem nenhum recheio, outro
quadrado com recheio de côco e açúcar. A técnica para fazer o beiju é a mesma utilizada
desde outrora pelas mães e avós dessas mulheres: em um chapa de ferro (medindo entre 120
cm² a 150 cm²) aquecida à lenha é espalhada a fécula da mandioca fresca (semiúmida) com
auxílio de uma colher ou peneira, distribuindo-a de tal maneira que ela vai assumindo a forma
que se deseja, depois espera-se até que o beiju esteja torrado para retirá-lo do forno e após
esfriar é embalado. As figuras 9 e 10 retratam, respectivamente, processos diferenciados de
produção do beiju pelos grupos Mulheres Artesãs de Mocambinho e Mulheres de Fibra.
A gente não tem uma limitação de dizer: cinco grupos fornecem para o
PNAE e não vai fornecer mais nenhum. Não. Enquanto tiver grupo e eles se
identificarem com a produção, aquele pouco e o que a prefeitura pedir vai
ser distribuído para todos os grupos que mostrarem interesse em está
fornecendo seu produto. (Representante da AMMTRAFAS, 2015)74
Tabela 6 - Valores (R$) recebidos pelas mulheres dos respectivos grupos de produção da
AMMTRAFAS que comercializaram alimentos para o PNAE em Santaluz (2015)
74
Entrevista concedida por representante da AMMTRAFAS em 27 nov. 2015. Entrevistadora: Silvana Maciel Pires.
116
A sistematização dos dados demonstra que os valores declarados pelas mulheres dos
grupos de produção se diferenciam uns dos outros e pode-se dizer que é consideravelmente
baixo. Mas, é preciso considerar que esse resultado é reflexo de alguns fatores como:
estruturação dos grupos, pois, parte do dinheiro que elas receberam com o PNAE foi investido
no próprio coletivo para construção e/ou manutenção da sede do grupo, compra de
equipamentos de produção; quitação de empréstimos realizado pelo coletivo em benefício do
grupo, dentre outros. Enfim, por terem realidades diferenciadas os grupos apresentaram
resultados financeiros também diferenciados.
As mulheres demostraram, por um lado, insatisfação ao falar do rendimento com o
PNAE, pois, segundo elas o ganho com o programa se torna pouco por consequência da ação
da própria Prefeitura, que não estabeleceu uma quantidade fixa de gêneros alimentícios nos
pedidos que foram executados durante todo o ano de 2015. Existindo, dessa forma, meses em
que a renda individual chegava a ser satisfatória e meses em que, praticamente, não se tinha
renda, porque depois de custear as prioridades do coletivo, o que sobrava do dinheiro para
repartir entre elas era pouco ou, simplesmente, não existiam sobras. Por outro lado, elas
entendem que o PNAE é uma possibilidade de fonte de renda, desejam continuar participando
117
do programa e têm esperança de que esta renda que chega até suas mãos, futuramente, seja
mais significativa.
As mulheres percebem o programa como uma condição para mantê-las em atividade,
desempenhando um trabalho e fortalecendo os vínculos entre elas mesmas. Ou seja, não se
restringe só ao trabalho com a produção, compartilham toda semana fatos que se relacionam
às suas vidas particulares, isso para elas se configura como uma terapia. Então, o PNAE tem
sua importância atribuída não só à geração de renda, mas, ao fortalecimento e
amadurecimento das mulheres proporcionado através das relações que se desenvolvem
durante a prática de produção para o programa. As atividades representam diferentes ganhos:
de ordem sentimental (vínculos, interação), procedimental (habilidades), atitudinal
(personalidade), econômica (financeira). De acordo representantes75 da AMMTRAFAS, o
PNAE:
É muito importante, porque assim, além de ter uma geração de renda que
não seja grande, mas, é uma auto estima também pra nossa mente. É um
relaxante pra nosso corpo, nossa alma. No meu grupo mesmo, ninguém tem
emprego fixo. Então assim, o que vem do grupo, que não seja muito, já é
alguma coisa. Mesmo que reclame, mas, ninguém diz que vai sair porque
não tá dando. Fica em cima do muro, mas ninguém sai. Então assim, talvez
não seja pra sobreviver só disso, mas que seja uma ajuda dentro de casa, não
só para alimento, mas para outras coisas pessoais também. (Representante do
Grupo Mulheres Artesãs de Mocambinho, 2016).
Tem importância. A gente aprendeu muita coisa que a gente não sabia. Sem
contar nas amizades que a gente faz lá fora, isso é muito bom... Nossa renda
que aumentou. A gente não tinha renda, não quer dizer que hoje a gente já
tenha uma renda fixa, mas, a gente já conta com aquele que a gente tem.
(Representante do Grupo Novo Sabor, 2016).
Pra mim é importante... para nós todas, porque a gente não tem outro
trabalho. O trabalho é esse mesmo e a gente não tem como se manter de
outro jeito. Damos graças a Deus que apareceu esse e peço que nunca acabe.
Hoje ela não é suficiente porque as mercadorias do mercado vão subindo de
preço, enquanto que o preço que a gente vende para a prefeitura durante o
ano todo é o mesmo, não muda. A gente não tem lucro por causa disso,
porque a gente tem muita despesa, inclusive, com o frete do carro para
75
Entrevistas concedidas por representantes da AMMTRAFAS/ Grupo Mulheres Produtoras do Rose e o Grupo Mulheres
Vencedoras em 04 jan. 2016; Grupo Mulheres Artesãs de Mocambinho em 05 jan. 2016; Grupo Novo Sabor em 07 jan. 2016.
Entrevistadora: Silvana Maciel Pires
118
Ou seja, o que parece pouco inicialmente, representa uma parte da aplicação da renda
gerada com o programa que cabe a cada uma delas depois de custos com a produção,
maquinário, empréstimo, estrutura física, entre outros. E esses custos de ordem coletiva, do
grupo, caracterizam um investimento financeiro muitas vezes momentâneo, pois, em alguns
casos, não ocorrerão futuramente, tendo em vista que os benefícios uma vez agregados ao
grupo farão parte de sua estrutura, proporcionando-lhes mais autonomia de gestão.
Todo esse processo de participação das mulheres da AMMTRAFAS no PNAE ainda é
muito recente, considerando que o programa foi implementado no município no ano de 2010 e
que nem todos os grupos de mulheres foram contemplados naquele primeiro momento. Isso
explica, por exemplo, o fato de existirem grupos mais organizados do ponto de vista da
estrutura física e também da logística como os grupos: Mulheres Virtuosas, Mulheres de
Fibra, Arte e Sabores, Artesãs de Mocambinho e Produtoras do Rose. Demandas que para uns
grupos já foram superadas, para outros se faz de forma ainda muito expressiva como, por
exemplo, as sedes próprias de produção dos grupos Mulheres Sonhadoras, Mulheres de Garra,
Novo Sabor (além de outros) que se encontram em fase de construção ou acabamento e, por
isso mesmo, os rendimentos financeiros do grupo passam a ser investidos para este propósito
específico.
As declarações apresentadas por elas em relação à renda do PNAE, confirmam que o
ganho individual não é suficiente para se manterem, mas, de modo geral, a renda com o
programa é revestida para benefício do coletivo e, ainda que não se tenha abordado sobre este
fato, as mulheres reconhecem a importância de participar do programa para além da geração
de renda. Para algumas delas, as atividades desenvolvidas no grupo de produção tem se
estabelecido como o único trabalho rentável e que lhes oferecem certa qualidade de vida no
espaço rural.
Segundo a legislação que dispõe sobre o funcionamento do PNAE (Lei nº 11.947/2009),
a compra de gêneros alimentícios da agricultura familiar deve ser realizada desde que os
preços sejam compatíveis com os vigentes no mercado local e a Prefeitura enquanto entidade
executora do programa é responsável por este levantamento dos preços.
Fazendo uma análise dos dados referentes aos repasses financeiros do Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para compras da merenda escolar no município de
Santaluz, nos anos de 2012, 2013 e 2014, destaca-se que a Prefeitura tem de fato investido o
119
percentual que cabe às compras da agricultura familiar, tendo por referência a Lei nº
11.947/2009, como mostra tabela 7.
Os valores que são transferidos pelo Governo Federal para execução do PNAE no
município de Santaluz e os valores que foram investidos pela Prefeitura, nesses três anos
destacados, afirmam que a Prefeitura tem cumprido com o determinado na Lei nº
11.947/2009: “Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE,
no mínimo 30% deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da
agricultura familiar e de suas organizações [...]” (BRASIL, Lei nº 11.947 de 16 de junho de
2009, artigo 14). E, o município tem até mesmo ultrapassado o mínimo obrigatório, embora o
faça de forma tímida, reduzida.
De acordo com as próprias mulheres da AMMTRAFAS, a agricultura familiar de
Santaluz tem potencial para oferecer muito além daquilo que é estipulado em lei e adquirido
pela Prefeitura. Embora essa seja uma questão de prioridade que perpassa as decisões do
poder público municipal, já que tem cumprido com o mínimo estabelecido, a AMMTRAFAS
tem pautado essa questão do aumento do percentual de compras do PNAE, como sendo uma
alternativa para gerar mais renda e qualidade de vida para as trabalhadoras rurais, que vivem
basicamente dos trabalhos gerados com os grupos de produção.
Ao observar os valores transferidos pelo FNDE para a merenda escolar à Prefeitura,
atribuídos individualmente por alunos, compreende-se que são valores incontestavelmente
reduzidos e vergonhosos para um país que diz se preocupar com alimentação escolar em
quantidade e qualidade. Até o ano de 2015, o valor transferido para os municípios por dia
letivo para cada aluno foi definido de acordo com a etapa e a modalidade de ensino, como
mostra tabela 8.
120
Modalidade de etapas Valor repassado por Estudantes matriculados na Total para o ano letivo
de ensino estudante e por dia rede pública por modalidade de 200 dias por
letivo (200 dias) de ensino atendidos pelo modalidade de ensino
PNAE
Creche 1,00 306 72.000,00
Pré-escola 0,50 794 79.400,00
Escolas Indígenas e 0,60 0 0
Quilombolas
Ensino Fundamental 0,30 5.336 320.160,00
Ensino Médio 0,30 0 0
Educação de Jovens e 0,30 615 36.900,00
Adultos
Atendimento à 0,50 101 10.100,00
Educação Especial
Mais Educação 0,90 250 45.000,00
Total geral 7.402 563,560,00
Fonte: FNDE. Disponível em: www.fnde.gov.br Acesso em: 18 fev. 2016
Elaboração: Silvana Maciel Pires, 2016
Valorização dos produtos “A prefeitura tem que valorizar mais e pagar melhor pelos nossos produtos”.
da agricultura familiar do (Representante do Grupo Novo Sabor)
ponto de vista do poder
público municipal. “O prefeito deveria ter uma visão mais voltada para o produtor rural e
principalmente para os grupos de produção, que já é seu dever”. (Representante
do Grupo Mão na Massa)
“O dinheiro que o governo paga é muito pouco, nosso trabalho não é valorizado”.
(Representante do Grupo Mulheres Artesãs de Mocambinho)
“Comprar mais da agricultura familiar. Ainda é pouco os 30% que eles compram
dos nossos grupos”. (Representante do Grupo Arte e Sabores)
“O preço pago pelos nossos produtos, porque tudo aumenta (matéria prima no
mercado), mas, a prefeitura não quer comprar nada caro”. (Representante do
Grupo Mulheres Virtuosas)
“Se o valor que eles pagam para a gente fosse mais alto, seria melhor pra gente,
mesmo que fosse mais trabalho” (Representante do Grupo Mulheres Virtuosas)
“A porcentagem de 30% é pouca pra nós, eles podem pagar mais, até 50%. Por
que não?” (Representante do Grupo Mulheres em Ação)
“Sempre tem o que melhorar. O preço mesmo que a prefeitura compra nossos
produtos tem que aumentar”. (Representante do Grupo Mulheres de Fibra)
“O programa é ruim porque a prefeitura não compra o suficiente dos grupos. Tem
que comprar mais dos nossos produtos e pagar bem”. (Representante do Grupo
Mulheres Produtoras do Rose)
“Ter mais pedidos, toda semana porque só pedem por quinzena e pedir em maior
quantidade”. (Representante do Grupo mulheres de Garra)
Desburocratização da “Precisa melhorar o nosso pagamento que nunca é no mês certinho, o valor que a
prestação de contas para prefeitura paga é muito barato e a gente tem muitos gastos”. (Representante do
122
Mais organização na “Fazer os pedidos com antecedência que é pra gente se organizar melhor”.
solicitação dos produtos (Representante do Grupo Mulheres de Força)
da agricultura familiar
para merenda escolar: “Prazo para a entrega dos produtos e também, a quantidade que a prefeitura pede
determinar quantidades poderia ser sempre a mesma”. (Representante do Grupo Mãos que Produzem)
fixa por semana/mês.
“As vezes, os pedidos são feitos muito próximo da data de entrega, não tendo
muito tempo para fazer as compras necessárias para a produção” (Representante
do Grupo Novo Sabor)
Melhorar a logística de “O frete poderia ser feito pela própria prefeitura. Seria uma ajuda e tanto para os
entrega desses produtos – nossos grupos” (Representante do Grupo Mãos que Produzem)
realizar parceria com a
prefeitura municipal. “A coleta dos produtos da merenda escolar poderia ser feita por carro da
prefeitura nas comunidades, pra economizar nossos gastos com transporte”
(Representante do Grupo Mulheres em Ação)
“O transporte para entregar a merenda em Santaluz (sede) fica muito caro pra
gente por causa da distância”. (Representante do Grupo Sabores da Caatinga)
“Se a prefeitura colocasse um carro pra pegar os alimentos nas comunidades era
melhor pra gente”. (Representante do Grupo Mulheres de Garra)
Diversificar o cardápio da “Pedem produtos novos para a merenda, a gente apresenta como, por exemplo, as
merenda escolar, solicitar geleias de fruta que a gente apresentou em reunião no meio do ano, e depois não
novos produtos e efetivar compram dizendo que está caro...” (Representante do Grupo Mulheres
compras. Vencedoras)
“Fazer mudança no cardápio seria uma forma de dar mais oportunidade para
agricultura familiar” (Representante do Grupo Mulheres em Ação)
delas dependem (...)” (BRASIL, 2014, p. 103), e ter a possibilidade de decidir sobre o que
fazer com o dinheiro que se ganha fruto da sua força de trabalho.
A questão financeira é tão importante nesse processo de autonomia das mulheres que,
muitas vezes, elas precisam acumular mais de uma ocupação remunerada para garantir uma
renda que seja significativa e exercer sua autonomia em uma sociedade em que as relações se
manifestam de forma tão desigual para elas. Historicamente os homens ocuparam posições de
trabalho mais expressivas do que as mulheres, socialmente e financeiramente. Este fato criou
em muitos casos uma condição de subordinação das mulheres em relação aos homens,
principalmente, de ordem financeira e por conta desse contexto, a independência financeira da
mulher é fator preponderante para o exercício da sua autonomia.
O próprio fato de algumas mulheres da AMMTRAFAS sobreviverem com tão pouca
renda - menos que o atual salário mínimo (R$ 788,00) – pode inclusive, ser analisada como
uma forma de manutenção dos padrões e das relações desiguais de gênero manifestadas no
espaço rural. A divisão sexual do trabalho, que se apresenta nesse contexto, agrega
principalmente remunerações diferenciadas para ambos os gêneros. Além de outras questões,
que se mostram enquanto limitações para autonomia plena das mulheres, por exemplo: o
medo de represália do companheiro por terem que se ausentar todos os dias para o trabalho
fora do lar, a preocupação por não ter (às vezes) um grau de instrução suficiente para
desempenhar outros trabalhos, as atribuições nos cuidados com os filhos, a casa, o marido ou
mesmo doentes na família.
Então, é importante lembrar que a autonomia para mulher representa mais que a
garantia de autonomia financeira. “[...] A remuneração não é a única fonte de autonomia; esta
depende de nossa formação, do acesso aos bens comuns, ao crédito, à economia solidária e
aos serviços públicos [...]” (BRASIL, 2014, p. 101). Por isso, consideramos que a autonomia
das mulheres da AMMTRAFAS tem sido conquistada todos os dias, por meio de muita luta e
persistência de cada uma delas, seja através da associação ou individualmente onde quer que
estejam inseridas. A AMMTRAFAS tem sido responsável por construir juntamente com as
agricultoras, processos organizativos que geram renda para as mulheres, como os grupos de
produção e a própria associação se constitui condição e consequência da autonomia das
mulheres, sobretudo, porque ela existe em função das atividades desempenhadas pelas
trabalhadoras rurais.
Uma das representantes da AMMTRAFAS, ao avaliar o resultado do PAA e do PNAE
para a realidade das agricultoras associadas, compreende que os programas contribuíram para
transformação da vida dessas mulheres, porém, não se limita a uma transformação apenas
125
financeira, mas também social, pois, motivadas pelo trabalho desenvolvido para os
programas, elas participam de capacitações, intercâmbios, reuniões direcionadas às demandas
dessas políticas e tudo isso contribui para o desenvolvimento/desempenho pessoal,
profissional e político das mulheres. Para ela:
São duas políticas que tem transformado bastante a vida das mulheres,
porque são oportunidades que elas tem hoje que antigamente nem se sonhava
em ter. Onde a mulher, a mãe (vamos dizer assim, vamos tratar na questão
da mãe) está ali produzindo seu produto, sabendo que seu produto vai para
as escolas e que seus próprios filhos irão se alimentar daquilo que elas estão
fazendo. E, além disso, da mãe produzir a própria merenda, alimentação para
seus filhos, elas ainda são compensadas financeiramente por isso. Então,
olhando por esse lado do cuidado da mãe e da questão financeira de ter
melhorado a renda delas... Muitas trabalham no sisal, muitas são donas de
casa e esses dois programas vieram pra complementar e, às vezes, é a
principal renda na casa dessas mulheres. (Representante da AMMTRAFAS,
2015)76
76
Entrevista concedida por representante da AMMTRAFAS em 27 nov. 2015. Entrevistadora: Silvana Maciel Pires.
126
respeito ao trabalho que elas desenvolvem na direção da associação, para que ele seja
contínuo. As mulheres reconhecem a importância que tem a entidade (AMMTRAFAS) para
a organização das trabalhadoras rurais no município, por isso, se preocupam em repassar o
conhecimento e as responsabilidades com a gestão da associação às demais companheiras da
luta, a fim de que o trabalho por elas desempenhado não morra. E, também, que à medida
que as mulheres chegam à direção da associação, se afastam dessa pela necessidade de
assumir outros postos de representação no município ou no território em prol da coletividade
do movimento.
A AMMTRAFAS representa um espaço de projeção das mulheres no município e no
Território do Sisal, tem sua importância e por isso mesmo as mulheres são convidadas a
participarem de outras instituições. Esses espaços de inserção tanto servem à projeção da
associação como representam formas instituídas de relações de poder, pois, assegurar sua
participação em espaços de discussão e decisão no município como, o Conselho de
Alimentação Escolar (CAE), Conselho de Desenvolvimento Rural e a Secretaria de Mulheres
do Sindicato Rural, é compreender que daí sai deliberações e projetos que podem favorecer
as agricultoras da AMMTRAFAS necessitando, portanto, que a associação esteja pronta para
demandar, questionar e disputar o que for de seu interesse. Assim como, fiscalizar a
aplicação dos recursos repassados para os programas (PAA e PNAE) e a prestação de contas
do gestor público. Portanto, os conselhos representam espaços de exercício de poder e,
também, são instâncias tão importantes para a execução dos programas que, caso eles não
funcionem corretamente, o Governo Federal pode até suspender os recursos para o
funcionamento dos programas.
A COOPEREDE, outra entidade da sociedade civil com atuação em diferentes
territórios de identidade da Bahia, é considerada pelas mulheres da associação, como a “mãe”
dos grupos de produção. A COOPEREDE estabelece parceria com o MOC que é responsável
por assessorar projetos do Governo Federal e Estadual, e a cooperativa executa os projetos.
Através desses projetos os grupos são beneficiados com formação, capacitação,
equipamentos, intercâmbio entre outros. Daí a necessidade delas em constituir parceria e
compor esse espaço de efetivação de políticas públicas para as mulheres.
Para representante da AMMTRAFAS, a importância de se efetivar parcerias com outras
instituições em escala de atuação territorial e estadual, está na possibilidade de reunir forças
na hora de demandar questões específicas das mulheres do município. de acordo
representante da AMMTRAFAS do Grupo Mulheres Artesãs de Mocambinho:
128
Eu acho que a REDE hoje é a mãe dos grupos de produção, porque a REDE
tem parceria com o MOC e boa parte dos projetos hoje (Federal e Estadual)
o responsável pelo projeto é o MOC, mas, tem a REDE de PRODUTORAS
como a executora desses projetos. A Rede faz essa articulação com os
grupos de produção e todos os nossos grupos, hoje, são filiados à
COOPEREDE, aonde eles são beneficiados com formação, capacitação,
equipamentos, intercâmbio. Hoje a REDE é para gente um braço forte e o
MOC também, porque se não tivesse eles, só a gente em si conseguiria
alguma coisa, mas, não tanto quanto se todo mundo unir forças para buscar
algo. A voz de uma entidade que é a nível de território, a nível de estado, ela
tem mais força do que uma entidade que é só a nível municipal. Por isso que
a gente acha importante estar também nesses espaços e boa parte dessas
mulheres daqui estão nessa cooperativa, inclusive, a coordenadora da REDE,
hoje, é daqui da AMMTRAFAS. (Representante da AMMTRAFAS, 2015)79
79
Entrevista concedida por representante da AMMTRAFAS em 15 de out. 2015. Entrevistadora: Silvana Maciel.
129
1 2
80
Entrevistas concedidas por representantes da AMMTRAFAS. Jan. 2016. Entrevistadora: Silvana Maciel Pires.
130
Desse modo, concorda-se com a reflexão do professor Coelho Neto (2014), que
denomina essas formas de articulações estabelecidas entre agentes sociais de coletivos em
redes, porque priorizam questões e pautas de caráter territorial. Ele afirma que esse tipo de
articulação pode ser pensado na perspectiva de redes socioterritoriais, pois, “acionam e
delimitam um espaço referência como base de suas estratégias de operações, e suas ações se
dirigem para construção de territorialidades” (COELHO NETO, 2014, p. 140). As
capacitações e cursos ministrados por entidades parceiras da AMMTRAFAS caracterizam
uma consolidação de parcerias, como esta retratada na figura 12:
81
Constitui um pão doce, tradicional da ceia de Natal.
82
Rua Lomanto Junior nº 104, Centro Santaluz Bahia CEP: 48880-000
132
83
Entrevista concedida pela presidenta da AMMTRAFAS em 27 nov. 2015. Entrevistadora: Silvana Maciel Pires.
135
espaços que lhes representem, uma possibilidade de firmar vínculo, agregar mais mulheres e
realizar fluxos de pessoas e de produtos. Por isso, “além da preocupação com as formas, ações
e relações, é fundamental compreender os espaços e territórios produzidos ou construídos
pelos movimentos” (FERNANDES, 2005, p. 8).
Para compreender os fatores ou o contexto da territorialização da associação de
mulheres em Santaluz, é preciso identificar quais são os demais agentes (instituições e/ou
formas organizativas da sociedade) que se estabelecem neste mesmo território e que
desenvolvem suas relações direta ou indiretamente com a AMMTRAFAS, para pensar as
possibilidades de como essas relações se desenvolvem. Então, destacamos aqui os seguintes
agentes que estabelecem relações com a associação do movimento de mulheres: as pessoas
individualmente; as associações comunitárias dos povoados onde existem grupos de
mulheres; as associações beneficiadas com o PAA e aquelas que não têm vínculo com a
AMMTRAFAS, mas concorreram ao PAA em 201584; o Sindicato Rural do município; a
ASCOOB e a Prefeitura. Esses são, apenas, alguns dos agentes também atuantes no
município.
A partir dessa perspectiva, de identificar os diversos agentes sociais atuantes no
município, que se pode considerar a existência de múltiplos territórios e territorialidades,
como consequência das relações que eles estabelecem entre si e para devidos fins. A
territorialização do espaço por estes agentes se dá de forma complexa, no momento em que
envolve diferentes formas de apropriação e funcionalidades. Uma dessas formas, percebida
nas relações empreendidas pela AMMTRAFAS envolve, justamente, o poder de articulação
que o movimento tem ao estabelecer parcerias para a realização de seus objetivos.
Observa-se a partir da declaração da representante da AMMTRAFAS, que o
reconhecimento do grupo é buscado, primeiramente, na própria comunidade e o desejo é que
se estenda para outras esferas do município e quiçá do estado. A configuração territorial
estabelecida pelas mulheres, através de suas sedes e de seu trabalho, é um produto da
valorização simbólica do grupo em relação ao seu espaço vivido. Uma configuração territorial
compreendida pelo valor de uso, pelas vivências experimentadas no espaço e por uma
subjetividade que reflete as relações de poder abstratas.
A representante afirma que as sedes de produção e a estruturação adequada delas não
representam, ainda, uma realidade comum a todos os grupos, devido ao fato de muitos grupos
(8 ao todo) não possuírem sedes próprias, o que impossibilita uma autonomia das mulheres na
gestão desses espaços. Mas, essa é uma meta da AMMTRAFAS, apoiar os grupos e contribuir
84
Associação Comunitária da Fazenda Nova e Associação dos Moradores de Sítio Novo.
136
para que construam seus espaços físicos para reuniões e para desenvolver seus trabalhos,
inclusive, é uma forma de estimular os jovens da comunidade a não deixarem seu espaço de
vivência em busca de emprego na cidade. Ou seja, os grupos de mulheres tornam-se
referências organizativas para as comunidades.
Outra questão relevante a ser destacada na fala da representante da AMMTRAFAS, é a
necessidade de valorização do espaço rural para organização de empreendimentos solidários
de mulheres e para construção de oportunidades de trabalho que objetivam melhorar a
qualidade de vida das pessoas que vivem no rural. Pensar a valorização do espaço rural a
partir das ações do movimento de mulheres, é compreender que há nesse processo uma
possibilidade de constituição de novas territorialidades.
A implantação dos empreendimentos de mulheres nas comunidades rurais expressão
uma configuração territorial organizada por influência e ação da AMMTRAFAS. Grupos
foram criados e sedes foram instaladas para realização de atividades relacionadas ao trabalho
dessas mulheres do campo. Na medida em que a associação de mulheres cresce no município
pode-se observar o estabelecimento de novas territorialidade, porque incorpora desde
dimensões políticas, daquilo que as mulheres acreditam e defendem enquanto meta, até as
dimensões econômicas ligadas à forma como utilizam esse espaço na comunidade, para qual
fim e como lhe atribuem significados. De acordo com Haesbaert (2005):
85
“[...] Definem-se os EES como uma organização coletiva, onde os indivíduos juntam-se para produzir em conjunto,
solidarizando os ônus e bônus inerentes às suas atividades produtivas. Nota-se que nestes empreendimentos as vantagens
produtivas locacionais (como a existência de matérias-primas e capital social nos territórios, por exemplo) são aproveitadas
pela coletividade como um todo [...]” (MARIANI; ARRUDA, 2010, p. 11).
137
As próprias mulheres afirmam que os grupos assumem outras responsabilidades, que elas
não se dedicam somente para o trabalho com a produção. Ou seja, os grupos ou as mulheres
dos grupos se inserem, também, em eventos e atividades organizados na comunidade, o que
demonstra a preocupação das mulheres da AMMTRAFAS em atuar também para benefício da
comunidade, como sinalizaram as respostas delas, ao serem questionadas sobre a
possibilidade de se envolverem em atividades locais. Buscando entender se os grupos se
dedicavam apenas ao trabalho com a produção, elas responderam que:
Não! Só pra produção não, a gente se reúne... A gente convoca reuniões, faz
eventos voltados para o grupo mesmo e para comunidade (Representante da
AMMTRAFAS/ Grupo Novo Sabor).
Nós temos outras atividades, hoje mesmo tem reunião da associação. Nós
participamos de missa, de evento na comunidade, torneio de futebol, passeio.
A gente participa e organiza também. Nós participamos de tudo! De tudo
a gente participa! O grupo cultural são quase as mesmas, só tem poucas que
são diferentes, porque são mais idosas... Mas somos todas, tudo junto
(Representante da AMMTRAFAS/Grupo Mulheres Produtoras do Rose,
grifo nosso).
Logo, desenvolver trabalhos coletivos em prol da comunidade faz parte dos objetivos
dos grupos da AMMTRAFAS. As mulheres participam no grupo e nos demais espaços de
organização coletiva da comunidade, como a associação comunitária, a Igreja, o grupo
cultural. Até aqueles grupos, que atuam mais especificamente para a produção, ainda assim,
algumas mulheres participam destes outros espaços coletivos da comunidade.
Há situações em que o compromisso com a comunidade é uma condição primeira para
participar no grupo de mulheres, como descreve representante do Grupo Mulheres Virtuosas.
Isso é muito significativo, porque estimula as mulheres a se comprometerem também com
questões que envolvem sua comunidade de modo mais amplo, no sentido de assegurar um
86
As três entrevistas foram concedidas por representantes da AMMTRAFAS em Jan. 2016. Entrevistadora: Silvana Maciel
Pires
138
bem estar para todos e não somente para seu grupo. Esse pensar e agir coletivo fortalece a
articulação das mulheres nos povoados e no município.
As falas traduzem a importância e a responsabilidade que elas próprias assumem
enquanto grupo na comunidade, de promover momentos de lazer e diversão para elas próprias
e para as demais pessoas que ali vivem. Eventos, comemorações, passeios e confraternizações
são palavras de ordem que estão presentes nos discursos dessas mulheres e se caracterizam
enquanto compromissos dos quais se encarregam os grupos em relação às comunidades.
Se os movimentos sociais são expressões de poder da sociedade civil, ao agir de forma
organizada e num contexto de correlações de força social (Gohn, 1997), devemos levar em
consideração a existência de múltiplos territórios disposto sobre o espaço geográfico. Esses
múltiplos territórios se entrecruzam e se sobrepõe, a depender do contexto, da escala e dos
agentes envolvidos. E essas territorializações múltiplas refletem as multiterritorialidades –
“Ou seja, o poder no seu sentido simbólico também precisa ser devidamente considerado em
nossas concepções de território” (HAESBAERT, 2004).
A AMMTRAFAS caracteriza, desse modo e como o próprio nome define, uma
Associação do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais, que atua ha 25 anos no
município de Santaluz acompanhando e articulando as mulheres rurais visando garantir suas
demandas. Essas ações postas em prática pela AMMTRAFAS nem sempre são compatíveis
com os interesses de outros agentes sociais que atuam também no município, daí os conflitos
e a certeza de que existem múltiplos territórios porque eles se atravessam.
Um exemplo específico desta situação está no fato de a AMMTRAFAS ter estabelecido,
em 2014, parceria com a ASCOOB Itapicuru para reabilitar a COOBENCOL. Uma parceria
proposta por membros da ASCOOB, a fim de realizar a junção das duas entidades para
reestabelecer a cooperativa de beneficiamento, como afirma representante da AMMTRAFAS:
87
Entrevista concedida por representante da AMMTRAFAS em 15 out. 2015. Entrevistadora: Silvana Maciel Pires.
140
Tem e como nós decidimos um bocado de coisa, viu? Tem coisa que se for
para nossos grupos e não discutir com a AMMTRAFAS e a gente vê que no
início pode ser bom, mas, que lá na frente o negócio não vai ter um bom
resultado, a gente interfere logo. Por exemplo, a gente já teve duas entidades
que já vieram para o município e queriam fazer assessoria técnica nos
empreendimentos. A gente vai lá e interfere porque os empreendimentos já
tem assessoria técnica. Como é que chega outro técnico para acompanhar os
mesmos grupos que já estão sendo acompanhados? Então assim, tem alguns
tipos de articulação feita no município, desenvolvida aí por outras pessoas,
que a gente vê que é para ganhar nome em cima do grupo... Se a gente vê
que é pra tirar vantagem, a gente alerta os grupos. Não é que a gente impede
o grupo de fazer, não. O grupo é independente, a gente sempre diz isso para
elas. Não é que a gente proíbe elas da decisão, a gente mostra o que foi
encaminhado e elas tomam a decisão. (Representante da AMMTRAFAS,
2015)88
88
Entrevista concedida por representante da AMMTRAFAS em 15 out. 2015. Entrevistadora: Silvana Maciel Pires.
141
89
Lei nº 11.947/2009 artigo 14º; Decreto 7.775/2012 § 5º; Resolução nº 44/2011 do Comitê Gestor do Programa (CGPAA).
142
porque a gente sabe que tem essas políticas específicas para elas. (Presidenta
da AMMTRAFAS, 2015)90
90
Entrevista concedida pela presidenta da AMMTRAFAS em 27 nov. 2015. Entrevistadora: Silvana Maciel Pires.
143
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É... A gente quer valer o nosso amor, a gente quer valer nosso suor, a gente quer valer o nosso
humor, a gente quer do bom e do melhor, a gente quer carinho e atenção, a gente quer calor
no coração, a gente quer suar mas de prazer, a gente quer é ter muita saúde
a gente quer viver a liberdade, a gente quer viver felicidade [...]
É... A gente quer viver pleno direito, a gente quer é ter todo respeito, a gente quer viver numa
nação, a gente quer é ser um cidadão.
É - Gonzaguinha
144
CONSIDERAÇÕES FINAIS
91
Disponível em: www.fnde.gov.br Acesso em: 27 jan. 2016.
92
A 4ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres teve como tema “Mais direitos, participação e poder para as
Mulheres” e foi realizada entre os dias 10 e 13 de maio de 2016 em Brasília . O desafio principal dessa Conferência foi traçar
estratégias para que as políticas públicas de igualdade para as mulheres sejam efetivadas nas 27 unidades da Federação e nos
5.570 municípios do país. Para mais informações, consultar texto base da 4ª Conferencia Estadual de Políticas para Mulheres,
disponível no endereço: www.spm.gov.br.
146
no intuito de gerar renda para o coletivo. O cenário político brasileiro tem se mostrado
favorável a execução de programas dessa natureza e, principalmente, à valorização e inserção
dos movimentos de mulheres nessas políticas na perspectiva de ampliar a autonomia das
mulheres. Porém, é importante compreender que o contexto da política nacional é, por
natureza, imprevisível e pode mudar. Então, como ficam os grupos de produção da
AMMTRAFAS se ocorrer um retrocesso ou redução significativa desses programas? A
autonomia das mulheres precisa ser pensada a partir de estratégias que venham a fortalecer o
coletivo independente das ações de políticas públicas, embora, se reconheça que esta é um
direito social.
A organização do movimento das trabalhadoras rurais de Santaluz caracteriza-se, dessa
forma, pela emergência de novas relações sociais no contexto da sociedade, estejam elas
relacionadas ao mundo do trabalho, das políticas públicas e, também, da vida privada. A
AMMTRAFAS atua na perspectiva de proporcionar às suas associadas (trabalhadoras rurais)
melhores condições de vida, por isso, a associação busca construir as alternativas para
consolidação dos seus projetos: fortalecer a organização e autonomia das mulheres, ocupar
espaços de discussão, proposição e deliberações das ações de políticas públicas e estabelecer
ou se inserir em redes de cooperação no município e no Território.
Pensar a emergência de novas relações sociais a partir do movimento de mulheres de
Santaluz significa pensar na instituição de novas territorialidades. Porque há nessas relações
uma subjetividade que se relaciona às mulheres individualmente ou enquanto coletivo através
da ação da AMMTRAFAS, que atinge uma dada forma conteúdo, evidentemente,
territorializada com resultados socialmente mensuráveis como: as sedes dos grupos de
produção, formação e conhecimento para as mulheres, produção e comercialização de
produtos alimentícios e artesanais e o acréscimo na renda dessas trabalhadoras rurais. Nesse
sentido, que a territorialidade reflete a dimensão do que é vivido territorialmente pelas
mulheres da Associação, sobretudo, na escala local. E, é preciso ressaltar, que as parcerias
efetivadas com outras instituições é fator preponderante para a configuração de novas
territorialidades no município, pois, caracterizam um apoio à organização e ao fortalecimento
do movimento de mulheres rurais, na medida em que suas propostas são ouvidas e discutidas
de forma integrada.
148
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APÊNDICE I
QUESTIONÁRIO DE PESQUISA PARA AS MULHERES DA AMMTRAFAS
SESSÃO III: Participação das mulheres nos programas do governo PAA e/ou PNAE
5-Através de quem você ficou sabendo do PAA? 5-Através de quem você ficou sabendo do
PNAE?
(__) AMMTRAFAS
(__) Associação da comunidade (__) AMMTRAFAS
(__) Prefeitura (__) Associação da comunidade
(__) Televisão/Jornal (__) Prefeitura
(__) Outros (__) Televisão/Jornal
(__) Outros
6-Há quanto tempo seu grupo fornece para o 6-Há quanto tempo seu grupo fornece para o
PAA? PNAE?
161
7-De quanto é sua renda mensal com o PAA? 7-De quanto é sua renda mensal com o PNAE?
8-Quanto tempo (horas) você dedica para a 8-Quanto tempo (horas) você dedica para a
produção durante a semana? produção durante a semana?
9- O PAA é hoje a sua única fonte de renda? Caso 9- O PNAE é hoje a sua única fonte de renda?
não seja, qual (is) é (são) a (s) outra (s) formas de Caso não seja, qual (is) é (são) a (s) outra (s)
renda? formas de renda?
10- Como ficou a sua rotina de trabalho após as atividades do grupo de produção?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
______________________________________________________
11- Hoje, você se considera uma mulher que tem autonomia financeira? Por quê?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________
12- Há alguma coisa que você acredita que poderia melhorar com relação à execução
do programa? O que exatamente, poderia descrever?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
______________________________________________________
162
APÊNDICE II
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA PARA A PRESIDENTE DA
AMMTRAFAS
3- Qual (is) estratégia (s) a associação utiliza para que os grupos de mulheres se
mantenham nos programas?
APÊNDICE III
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA PARA AS MULHERES DOS
GRUPOS DE PRODUÇÃO DA AMMTRAFAS
1- Além do trabalho com a produção para o (s) programa (s) PAA e/ou PNAE, a
AMMTRAFAS proporciona aos grupos outras atividades durante o ano? Quais?
2- Qual a importância do (s) programa (s) PAA e/ou PNAE para vocês do grupo (X)?
3- Vocês recebem capacitações para participarem do (s) programa (s) PAA e/ou PNAE?
Onde e quem realiza as capacitações?
5- A renda gerada com o (s) programa (s), hoje, é suficiente para que as mulheres se
mantenham? Explique?
7- Vocês fazem avaliação das atividades do grupo juntamente com as demais mulheres
da AMMTRAFAS? Quando e como acontecem as avaliações? O que exatamente
vocês avaliam
164
APÊNDICE IV
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – MODELO PARA
ENTREVISTA
APÊNDICE V
RETRATOS DOS GRUPOS DE PRODUÇÃO DA AMMTRAFAS
1 2
(1) Grupo Mãos Artistas – Comunidade Morro dos Lopes. (2) Grupo Mulheres Vencedoras – Comunidade Calumbi
Imagens: Silvana Maciel Pires, 2015.