Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Este texto analisa uma proposição de trabalho vocal para teatro, utilizando-a para discutir a potência Palavras-chave:
das práticas políticas. Com efeito, problematiza-se a noção de corpo-voz como prática política, Ancestralidade. Negritude.
Corpo. Voz. Prática Teatral.
não apenas no sentido da temática, do que é efetivamente dito, mas também na relação com as
noções de palavras praticadas e de corpo que fala a partir de sua existência-inscrição e, mesmo,
de sua inserção em determinados espaços de saber e poder. Para tanto, faz-se uso de conceitos
como negritude, ancestralidade, corpóreo vocal, a partir da interlocução com autores como Aimeé
Cesaire, Carlos Moore, Eduardo David de Oliveira, Michel Foucault e outros. Tal discussão foi
empreendida com base nas práticas realizadas em uma disciplina, num curso de graduação em
teatro, numa universidade pública brasileira. Nesse sentido, a pesquisadora traça um percurso
desde os seus cultivos corpóreo vocais de mulher negra até componentes de uma formação
universitária teatral como aluna e, depois, como professora pesquisadora. Enfim, delineia-se a
ideia de uma constituição vocal como algo para além das fronteiras da própria prática teatral,
ainda que tomando esses lócus como fonte de experimentação e análise.
ABSTRACT
This text analyses a vocal theatrical work proposal, using it to discuss the power of political Keywords:
practices. In fact, the notion of the body-voice as political practice is problematised, not only in the Ancestry. Negritude. Body.
Voice. Theatrical Practice.
sense of its subject matter (what is effectively said), but also in the relationship with the notions
of practiced words and body which speaks from the its existence-inclusion, and, indeed, from its
insertion in certain spaces of knowledge and power. To do so, the text makes use of notions and
concepts such as négritude, ancestry, body and voice, based on authors such as Aimeé Cesaire,
Carlos Moore, Eduardo David de Oliveira and Michel Foucault and others. The discussion is based
on practices developed during an undergraduate theatre course in a public university in Brazil.
In this sense, the researcher provides an overview of the journey from her vocal and physical
culture as a black woman to components of university theatre education, first as a pupil
and then as a professor and researcher. Finally, the text outlines the idea of vocal constitution
as something beyond the boundaries of theatrical practice itself, although taking these loci as
sources of experimentation and analysis.
RESUMEN
Este texto analiza una proposición de trabajo vocal para teatro, utilizándola para discutir la potencia Palabras-clave:
de las prácticas políticas. En efecto, se problematiza la noción de cuerpo-voz como práctica política, Ancestralidad. Negritud.
Cuerpo. Voz. Práctica Teatral.
no sólo en el sentido de la temática, de lo que es efectivamente dicho, sino también en la relación
con las nociones de palabras practicadas y de cuerpo que habla a partir de su existencia-inscripción
y, incluso, de su inserción en determinados espacios de saber y poder. Para ello, se hace uso de los
283 REPERT. Salvador,
ano 21, n. 30,
p. 281-295,
conceptos como negritud, ancestralidad, corpóreo vocal, a partir de la interlocución con autores 2018.1
como Aimee Cesaire, Carlos Moore, Eduardo David de Oliveira, Michel Foucault y otros más. Tal
discusión fue emprendida con base en las prácticas realizadas en una disciplina, en un curso de
graduación en teatro, en una universidad pública brasileña. En ese sentido, la investigadora traza
un recorrido desde sus cultivos corpóreos vocales de mujer negra hasta componentes de una
formación universitaria teatral como alumna y, después, como profesora investigadora. Al final, se
delinea la idea de una constitución vocal como algo más allá de las fronteras de la propia práctica
teatral, aunque tomando esos locus como fuente de experimentación y análisis.
⁄
INTRODUÇÃO
⁄
nando-as a herança afro e de se situar no campo teatral a partir delas.
somente com a temática, no sentido do que é dito, proferido, mas na relação 7 Desenvolvo uma pes-
quisa com um grupo com a
com as noções de palavras praticadas e de corpo que fala a partir mesmo de
participação de quatro alu-
sua existência e inserção em determinados espaços de saber e poder. As duas nas de Iniciação Cientifica
que se chama Formação
noções citadas têm sido importantes na minhas discussões e problematizações Teatral como criação de si.
⁄
tornar-se permeável ao outro.
BASES CONCEITUAIS DE
UMA FALA NEGRA
Outro autor importante, para essa discussão, Aimè Cesaire (2010), a quem foi
atribuído a criação do termo “negritude”, por sua vez, fala de uma relação histórica,
de uma vivência singular num espaço tempo preciso, como um modo de narrar a
história de um determinado grupo social e refere, também, a ideia de identidade
pensada como algo que estaria incrustrado na memória coletiva dos povos negros
e seus descendentes. Ele afirma:
Por outros meandros, Cesaire (2010) refere a noção de ancestralidade ainda que
não utilize essa palavra, pensando a ancestralidade como um conceito mais amplo
para interpretar e explicar aquilo que está relacionado às africanidades, a partir de
uma cosmovisão africana. Para tal discussão, irei me abster de estabelecer uma
análise em torno do conceito de “cosmovisão africana”9 porque ele aduz a um 9 A propósito deste
tópico conceitual, sugiro o
universo teórico bastante extenso e complexo. Ao invés disso, prefiro pensar com texto do filosofo educador
Eduardo David de Oliveira
Cesaire (2010, p. 109) sobre a negritude como possibilidade de “um despertar”,
intitulado Cosmovisão
de “uma rejeição” e de “luta”. O despertar para uma dignidade subtraída com a africana no Brasil: elementos
para uma filosofia afrodes-
escravização, o racismo, a racialização, ao mesmo passo que uma rejeição a todas cendente que se encontra
nas referências.
essas opressões e a necessidade de luta ante as desigualdades por elas instadas.
Nesse sentido, a ancestralidade e a inclusão são frutos de uma relação com uma
“experiência negro-africana em solo brasileiro, que mantém e atualiza sua forma
cultural seja na capoeira angola, no Candomblé tradicional, na economia solidária
das favelas, etc.” (OLIVEIRA, 2012, p. 40), mas, também, acrescento, com o mo-
mento presente, uma vez que é o aqui agora que ressignifica o tempo do ontem.
Eis uma pequena síntese de uma teorização que tenho buscado sistematizar e
que tem me auxiliado a repensar tanto os modos de propor a prática teatral, como
também o meu modo de operar com os temas da negritude, da ancestralidade
e do próprio racismo. Pensar teoricamente esses conceitos retira-os do lugar
dos usos perpetrados no senso comum e os lança na seara de uma discussão
conceitual que demanda uma busca por ideias, narrativas, usos que possibilitem
uma discussão mais vertical em torno dessas noções.
⁄
CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA FALA
NEGRA COMO LÓCUS POLÍTICO
⁄
de um tempo/espaço e de seus múltiplos atravessamentos.
REFERÊNCIAS
ALCÂNTARA, Celina Nunes de. Formação teatral como criação: narrativas sobre modos de
ficcionar a si mesmo. 2013. 163 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-graduação
em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.
GROS, Frédéric (Org.). Foucault: a coragem da verdade. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
OLIVEIRA, Eduardo David de. Filosofia da ancestralidade como filosofia africana: Educação e
Cultura afro-brasileira. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação – RESAFE, [Brasília], n. 18,
p. 28-47, maio/out. 2012.
Celina Nunes de A lcântara: Possui Graduação em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), Mestrado e doutorado em Educação pela UFRGS. É professora adjunta da UFRGS, no
Departamento de Arte Dramática (DAD) e no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGAC). Tem
experiência na área de Artes, com ênfase em formação do ator e professor de Teatro, atuando principalmen-
te nos seguintes temas: apresentação de espetáculo, atuação, performance, práticas vocais, cena negra e
relações étnico-raciais. Coordena os projetos: A formação teatral como criação de si mesmo: narrativas sobre
uma proposição de constituição ética e política (pesquisa) e Ações performáticas afirmativas (extensão). É
integrante da UTA-Usina do Trabalho do Ator (www.utateatro.com.br), grupo de criação e investigação teatral,
ligado ao GETEPE-Grupo de Estudos em Educação, Teatro e Performance (www.ufrgs.br/getepe). É editora
associada da Revista Brasileira de Estudos da Presença.