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DE PERSONAGEM A IMPERSONAGEM

Roberto Lyrio Duarte Guimarães

Introdução.

Este trabalho tem por objetivo delimitar as dimensões do conceito de perso-


nagem a ser aplicado em pesquisas sobre obras de ficção, sejam literárias, audiovisu-
ais, musicais ou de outras linguagens, produzidas no território cultural denominado
Recôncavo Baiano, particularmente na área do Rio Paraguaçu e seu em torno.
Aqui será feita uma revisão do conceito de personagem na tradição das litera-
turas e das dramaturgias para situar as principais ocorrências do uso do termo. Litera-
turas e dramaturgias aparecem no plural porque deve-se admitir sentidos divergentes
ou contraditórios da noção de personagem, em decorrência de disputas teóricas, ideo-
lógicas, estéticas ou poéticas vinculadas, ou não, a sistemas ideológicos e de poder.
Ao mesmo tempo, se procurará delimitar o conceito de personagem em relação às nar-
rativas de ficção, localizando mudanças de sentido que ocorrem quando ele é aplica-
do em outros campos de conhecimento como nas Ciências Sociais, na História ou na
Comunicação Jornalística.
Em termos simples, um1 personagem é a representação de uma pessoa por
meio de uma linguagem ou “pelos meios próprios da ficção”, para assumirmos a defi-
nição proposta por Beth Brait (BRAIT, 1985, p.11). Poderíamos também usar ficções,
no plural, e estender o conceito, nascido entre o teatro e a literatura, para os meios au-
diovisuais e as representações pictóricas. Pessoa representada significa tanto um ser
pertencente à espécie humana quanto um que simula comportamento humano, no caso

1 A forma dicionarizada do termo personagem admite seu uso tanto no masculino


como no feminino. Nas citações, serão respeitadas as formas usadas pelos autores ou aplicadas pelos
tradutores. Por mera questão de hábito, neste texto o termo personagem será assumido como masculi-
no.
de animais ou coisas antropomorfizadas. Tratando-se de um ser da ficção, é necessá-
rio que tenha sido inventado por um outro ser humano. Poderão ser estabelecidas
também outras diferenças específicas, caracterizadas tanto pelas linguagens da repre-
sentação como pela natureza do objeto da representação, mas, acima de tudo, pelo
vínculo estabelecido entre representante e “coisa” representada. O objeto principal
deste trabalho será é a questão da(s) representação(ões) do ser humano nas linguagens
das ficções.
Na primeira parte, será feita uma revisão das origens mais antigas da drama-
turgia na tradição ocidental, tratando-se especificamente do surgimento do persona-
gem, tendo como eixo o desenvolvimento da tragédia grega. Aqui não há pretensão de
restabelecer verdades ontológicas ou fazer revisões metodológicas sobre as formas de
analisar as origens de nossas culturas mas, simplesmente, situar o aparecimento da no-
ção de personagem entre as prováveis origens ancestrais das formas artísticas atuais.
A segunda parte deste texto vai tratar da evolução da forma de se entender a
representação de personagens, através de diferentes linguagens e concepções poéticas,
em obras de ficção. Está assumida aqui a necessidade de compreender como a questão
do personagem foi problematizada desde a antiguidade até a contemporaneidade.
Na terceira parte será feita a revisão do que se chama de desconstrução ou de
uma pós-dramaturgia. Sem maiores polêmicas, poder-se-ia arriscar dizer dramaturgia
da pós-modernidade. Trata-se do período em que as práticas, técnicas, valores e cren-
ças da modernidade começaram a sofrer intensa revisão, levando a diferentes resulta-
dos mas, será sempre preciso apontar, sem impedir a permanência de práticas, valores
e crenças do(s) período(s) anterior(es), mesmo que renovadas, sobretudo no campo da
indústria cultural.
Na conclusão final deverá ser sugerido o modo de usar do conteúdo aqui dis-
cutido para ser aplicado na análise de personagens de obras de ficção. Tudo isto vi-
sando apenas ao aprofundamento da compreensão de como operam os regimes estéti-
cos das obras a serem analisadas, ou seja, a identificação das estratégias para a produ-
ção de seus efeitos.
É preciso deixar registrado que este trabalho se desenvolveu durante alguns
anos de práticas e discussões, com a contribuição de diversos colegas professores e
alunos, no âmbito do Laboratório de Dramaturgia do Curso de Cinema e Audiovisual
do CAHL-UFRB, e chegou a seu estado atual durante um estágio de pesquisa junto à
Universidade de Aveiro, em Portugal, entre maio e julho de 20182.

As origens.

Segundo Arnold Hauser3, a Grécia antiga se formou a partir das invasões de


povos do norte, Eólios, Aqueus, Jônios e Dóricos, que, entre 2000 e 1200 AC, domi-
naram e escravizaram as populações de pele morena que anteriormente ocupavam a
Hélade, área que veio a constituir a Grécia Antiga. O termo gregos só foi atribuído a
esses povos pelos romanos, mais tarde. Eles se autodenominavam helenos, civilização
Helênica.
Hauser descreve esses povos como bandos de assaltantes armados que con-
quistaram suas terras à base da força e formaram os núcleos originais de seus povos.
Eram clãs liderados por homens que reuniam qualidades de liderança, bravura e estra-
tégia militar. Uma vez fixados nos novos territórios, as histórias dos seus feitos pas-
saram a ser contadas e recontadas, sendo transmitidos às gerações seguintes, num pro-
cesso de construção de suas identidades coletivas. Aos poucos os conquistadores ori-
ginais foram se transformando e deram origem aos heróis da primeira ficção. Ao lon-
go de muito tempo, através de narrativas orais, os feitos e os heróis desvincularam-se
de suas pessoas físicas singulares originais e foram sendo elevados à condição de enti-
dades mitológicas, com o intuito de reforçar uma condição simbólica que deveria dar
coesão e unidade a cada povo em formação.
Conta o historiador que a tradição teria sido iniciada em rituais noturnos, ao
redor do fogo, quando essas histórias eram contadas e recontadas. Desses rituais teri-
am se originado os cultos dionisíacos, alimentados pelas fantasias históricas, por cele-
brações religiosas e pelo vinho. Possivelmente aí se tenha originado a poesia lírica, na
forma de cantos que tinham como objeto a identidade coletiva, algo que talvez possa-
mos associar, guardadas as distâncias, aos hinos nacionais contemporâneos. Em al-
gum momento, nesta época, apareceram os ditirambos como forma poética. A evolu-

2 Este estágio foi possível graças ao acolhimento e orientação no Departa-


mento de Comunicação e Arte pela Profa. Dra. Lídia Oliveira, além da interlocução com o
Prof. Pedro Almeida.
3 HAUSER, Arnold. Historia social da arte e da literatura. Tradução de Álvaro
Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
ção dos rituais teria levado a profissionalização de funções dentro deles, originando os
coros e os corifeus, as figuras dos cantores, dos autores, dos rapsodos e, mais tarde,
dos atores.
Resumindo: nas suas origens, os rituais eram manifestações comunitárias ao
pé da fogueira onde se contavam as histórias que recordavam e fixavam as origens do
grupo na memória na coletiva.
Com o tempo e a sucessão das gerações, esses rituais foram evoluindo até
que um evento possibilitou a origem do que mais tarde viria a ser o teatro e a drama -
turgia: foi o surgimento do coro, como voz coletiva. Momento em que o acontecimen-
to, que era comunitário e incluia todos os participantes numa ação comum e conjunta,
dividiu-se entre dois grupos. Surgiu o coro que se apresentava diante de uma plateia.
Estava estabelecida a divisão entre palco e plateia.
Aí aparecem os rapsodos, um misto de compositor da história e seu apresen-
tador. Mais tarde esta função se teria desmembrado duas, autor e ator. Paralelamente,
aconteceu a evolução da forma poética.
O gênero lírico tem sua origem no cântico identitário, voz coletiva que canta-
va ‘o ser’ do povo, da nação, um canto na primeira pessoa, com o verbo num tempo
presente atemporal, em que o sujeito tinha a si mesmo como objeto. Falava de si mes-
mo. Esta forma teria evoluido para uma narrativa na terceira pessoa, com verbo no
tempo passado, narrando uma história já elevada à condição de mito, dando origem a
narrativas com características da epopéia, origem do que viria a ser na literatura o gê-
nero épico.
Conta também a tradição que Thespis, no século VI a.C., foi provavelmente
o primeiro ator a representar um personagem. Curiosamente, o primeiro ator nasce
juntamente com a representação do primeiro personagem teatral. Thespis destacou-se
do coro, representando Dioniso. Representou um personagem ao falar não em seu pró-
prio nome, mas assumindo a personalidade de um outro. Teria sido, assim o inventor
do personagem em cena. Isto consolidava o terceiro gênero poético, o dramático. Tem
por base a ação que ocorre diante dos olhos e ouvidos da plateia, no tempo presente,
sem intervenção explícita de um narrador.
Alguns historiadores, como o próprio Hauser, apontam o surgimento do pro-
tagonista, um ator destacado do coro e que passou a dialogar com o coro, como o pri-
meiro passo na direção da tragédia, da poesia dramática ou do teatro. Além disso, se-
ria decorrente da divisão da sociedade em classes, de senhores e escravos. O protago-
nista passava a representar a voz do poder, de uma classe superior, diante da popula-
ção em geral, o povo, representado pelo coro.
Na poesia de gênero dramático a ação se passa no tempo presente e, ao invés
de ser narrada na terceira pessoa, ela é mostrada diretamente ao espectador através da
atuação de seres que encarnam personas históricas – personagens – agora levados à
condição de figuras míticas, originadas pelas tradições, mas não mais representações
de pessoas reais existentes.
Até o século V a.C. a tragédia já estava consolidada como forma de represen-
tação da vida social. Todos os seus elementos haviam amadurecido e as figuras huma-
nas representadas eram comuns nessas obras. Houve uma grande evolução num perío-
do relativamente curto de tempo, estimulada pelos festivais em que distribuiam louvo-
res e prêmios para as que eram consideradas as melhoras obras. Ésquilo, Sófocles e
Eurípedes se seguiram no tempo e permanecem hoje como os três maiores autores
trágicos. Até o final daquele período, em que houve grande evolução da forma poética
da tragédia, todos os seus elementos estruturais já estavam estabelecidos.

Mito e mythos

Da leitura da Paidéia4, entende-se que a mais antiga origem da ficção atual é o


mito. E o mito contém os primeiros personagens ao, supostamente, transformar os re-
gistros históricos de feitos de bravura e heroísmos individuais ou coletivos em contos,
ou seja, narrativas que remetem a sentidos que estão além do relato de fatos históri-
cos e procuram captar dimensões permanentes, intemporais, da existência humana. Os
homens apresentados são elevados de sua condição individual singular à condição de
imortalidade, de divindade ou a alguma dimensão mística qualquer. Faz-se assim a
passagem do relato histórico à composição poética.

4 JAEGER, Werner. Paidéia: A formação do Homem Grego. São Paulo: Martins,


Fontes, 1983.
No capítulo IX da Poética5 (1451b), Aristóteles distingue a poesia da história,
o poeta do historiador. É da passagem do fato ao mito que ele se refere. Poeta e histo-
riador são diferentes não pelas linguagens que usam, mas pelos objetos a que se refe-
rem. O historiador refere-se ao acontecimento singular e o poeta ao geral. O historia-
dor conta o que aconteceu, enquanto o poeta fala do que deveria e ou poderia aconte-
cer, dentro dos limites “do necessário e de verossimilhante”. Palavras de Aristóteles,
na Poética.
O poeta produz formas exemplares do agir: tradução em ação de modelos da
virtude ou do vício. Na poesia da antiguidade, a estética contém a ética. A arte prenhe
de pedagogia. É a passagem da narrativa do fato acontecido à condição do mito que
nos interessa quando procuramos situar a origem do personagem. Ou seja, quando o
relato histórico eleva-se à condição de mito a pessoa histórica dá origem ao persona-
gem. Quando isso acontece, o agente da ação relatada deixa de ser um ser real e, as-
sim como a própria ação, passa a ser imaginário. Devemos, por enquanto nos fixar
nesta passagem, de real a imaginário. Os mitos terminaram sendo formas de apropria-
ção narrativa dos acontecimentos históricos, não como acontecimentos singulares do
passado, mas como revelação de realidades intemporais, permanentes. Daí adquirir a
dimensão pedagógica.
Contudo, a forma de relato, de história que se conta, com uma sucessão tem-
poral de eventos interligados como causa e consequência, foi o que deu origem ao
mythos a que refere Aristóteles, na Poética. Isso gera um segundo sentido para o ter-
mo mito. Segundo Aristóteles, “o mito é o princípio e como que a alma da tragédia; só
depois vêm os caracteres”. […] “O mito é a imitação de ações; e por “mito” entendo a
composição dos fatos;”(1450b). Os caracteres são os personagens, outro dos elemen-
tos da tragédia. Naquele momento, ao que parece, a noção de personagem ainda não
era concebida na sua unidade de ser atuante, como hoje, mas como um agente , consti-
tuído de caráter, pensamento e fala (as traduções usam o termo elocução no lugar de
fala).
Por que retornar a Aristóteles e à Poética na tentativa de rastrear as origens
do drama e das narrativas ficcionais contemporâneas? Vem de Aristóteles o estabele-

5 ARISTÓTELES. Poética. Tradução, prefácio, introdução, comentário e apêndices


de Eudoro de Sousa. 4. ed. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1994.
cimento de alguns pontos fundamentais do pensamento sobre a arte em geral e sobre a
dramaturgia, em particular, que continuam em debate até os dias de hoje.

Mimese

Primeiro, Aristóteles traz a noção de mimese, como relação que se estabele-


ce entre obra de arte e mundo. A poesia é imitação da ação humana, afirma ele. A tra-
dução de mimese como imitação e sobretudo as interpretações do seu sentido mais
profundo continuam, ainda hoje, objeto de vasta discussão. Certamente não se trata de
imitação ponto a ponto, mera reprodução de detalhes, mas algo mais amplo e profun-
do. Algo como uma transfiguração reveladora. Esta discussão reaparecerá na drama-
turgia e na literatura também nos séculos XX e XXI.

A catarse

Quando Aristóteles observa os efeitos próprios da tragédia, fala (ou não teria
falado6) de catarse7. A catarse vem a ser a experiência estética resultante do efeito de
identificação emocional dos espectadores com os personagens no decorrer da ação
dramática através dos sentimentos de terror e piedade decorrentes de seus sofrimen-
tos. O choque emocional, sofrido em consequência da identificação com o persona-
gem no desenlace catastrófico da tragédia, produziria no espectador a purgação de
seus próprios vícios e falhas morais. Através da transferência para si mesmo, por
identificação, pela empatia, das qualidades positivas e negativas dos personagens em
cena, ele purgaria suas próprias falhas morais. Mas a dimensão da catarse depende do
grau de empatia produzida no decorrer da apreciação do espetáculo. A catarse se pro-
duz no desfecho da tragédia, como uma espécie de abalo emocional do espectador,
permitindo que ele transfira para si mesmo, como se fosse sua, a experiência vivida

6 A história do texto da Poética é controversa. Discutiu-se muito sobre a presença do


termo catarse. Vale a pena ler as notas e a introdução de Eudoro de Souza à tradução portuguesa da Po-
ética. Vide as referências bibliográficas.
7 Vide FREIRE, Antonio. A catarse em Aristóteles. Braga: Publicações da Faculdade
de Filosofia, 1982.
pelos personagens em cena. Este ponto será retomado mais adiante, quando forem
abordadas as grandes discussões sobre o teatro, no século XX8.
Outra contribuição fundamental de Aristóteles foi o método de análise que
permitiu a identificação dos gêneros da poesia, já definidos anteriormente, e que até
hoje servem de referência para toda a literatura. O lírico, o épico e o dramático. Ao
estudar as obras poéticas a partir do meios, dos modos e dos objetos de sua imitação,
por efeito de combinações desses elementos, ele tornou possível classificar as obras
como pertencentes a um desses gêneros. Os meios são a linguagem (palavras), o ritmo
e a melopeia (música). Os modos são o narrativo (contar) ou dramático (mostrar) e os
objetos da imitação são as ações de homens superiores, inferiores ou iguais a nós.
As obras de ficção têm começo datado na história da civilização ocidental.
Não começaram a existir de uma hora para outra nem num evento isolado. No próxi-
mo tópico será feita uma breve explanação sobre o surgimento e a evolução da ficção
e de seus personagens.

As heranças das tradições.

Na Poética, como já foi visto, Aristóteles estabeleceu o que tem sido o mais
permanente modelo de análise daquilo que primeiro definiu como poesia, ou seja, a
imitação da ação humana (pelas diversas linguagens), e depois a sua classificação em
gêneros, através da identificação dos meios, modos e objetos com que a poesia realiza
a imitação.
Todas as vezes que um investigador se aproxima do texto da Poética, de
Aristóteles, ele se vê atraído para a decifração de sentidos alí contidos que estão enco-
bertos pela evolução das línguas e pela sequência de traduções sofridas ou pelas lacu-
nas existentes em partes não recuperadas do texto original. No caso aqui tratado, seria
desviar da apreciação da questão dos personagens tentar entrar nas discussões sobre a
Poética. Há diversos autores que se dedicaram a isso e quando for o caso será feita re-
ferência em nota de pé de página.

8 Indispensável a leitura de primeiro capítulo de A Gargalhada de Ulisses, de Cleise


Mendes, que será citado mais adiante, para uma compreensão mais profunda dos sentidos da catarse,
inclusive na comédia.
Beth Brait, autora do livro A Personagem, também revisita Aristóteles e rea-
firma o caráter pedagógico da visão “ético-representativa” aristotélica e passa depois
a Horácio, que legou à tradição uma Arte Poética datada do Século I. A Ars Poetica9
de Horácio insiste na visão utilitarista da arte, legada por Aristóteles, e concebe o per-
sonagem como um modelo moral a ser imitado. Horácio não deve ter tido contato di-
reto com os textos de Aristóteles, não os cita, mas sua visão da poética sofre notável
influência do seu pensamento, a que deve ter chegado por vias indiretas.
Esse pensamento atravessa predominante o longo período da Idade Média e
chega ao Renascimento. Conforme B.Brait:
[…] vamos encontrar tanto na Idade Média como na Renascença o floresci-
mento da concepção de personagem herdada dos dois pensadores. A nature-
za da literatura produzida na Idade Média e o imperialismo dos princípios
cristãos propiciam a identificação da personagem com fonte de aprimora-
mento moral. A canção de gesta, como se sabe, ocupa-se das façanhas de
um herói que personifica uma ação coletiva, enraizada na memória coletiva.
O romance medieval, por sua vez, está profundamente ligado à historiogra-
fia, espelhando a vivência cortês e o idealismo guerreiro. Em função dessas
narrativas e das constantes formulações acerca da moralidade na arte, a per-
sonagem conserva na Idade Média o caráter de força representativa, de mo-
delo humano moralizante, servindo inteiramente aos ideais cristãos.
(BRAIT, 1985, p. 36)

O caráter moralizante do personagem, a concepção antropomórfica, e a ques-


tão das três unidades, de tempo, de espaço e de ação, como elementos indispensáveis
da poesia dramática bem feita, permaneceram predominantes durante os séculos XVI
e XVII. Diversos autores legaram à posteridade “estudos da personagem como ima-
gem de pessoa, revestida da moralizante condição de verdadeiro retrato do melhor do
ser humano” (BRAIT, idem).
As três unidades são um interpretação exagerada de uma versão do texto da
Poética, ainda não consolidada na forma atual. Vale lembrar que a Poética ficou desa-
parecida do Ocidente durante mais de mil anos, depois do fim do período helenístico.
A primeira versão dela chega de volta à Europa traduzida do árabe, no século XIV.
Dai em diante, pelo menos cinco diferentes versões foram recuperadas, sendo a última
no século XIX. Este processo é minuciosamente descrito por Eudoro de Souza na in-
trodução à tradução da Poética10.

9 HORÁCIO. Arte Poética.Int., trad. e comentários de R. M. Rosado Fernandes. Lis-


boa: ed. Inquérito, 1984.
10 ARISTÓTELES. Poética. Tradução, prefácio, introdução, comentário e apêndices
de Eudoro de Sousa. 4. ed. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1994.
A partir do Renascimento, dramaturgos e críticos do teatro confrontavam as
peças com as exigências da teoria aristotélica, sinônimo de obediência aos princípios
supostamente indispensáveis das três unidades. Uma boa peça deveria se passar num
único lugar, num período de tempo “de uma revolução solar”, um dia, ou seja, o tem-
po da representação deveria ser quase equivalente ao tempo ficcional representado e a
ação dramática deveria ter um motivo central ao qual todos os eventos narrados estari-
am ligados. Quando algum autor, e houve muitos, transgredia essas regras, acirra-
vam-se os debates, sempre opondo progressistas a conservadores, uns enaltecendo e
os outros condenando as “inovações”. William Shakespeare e Lope De Vega foram
transgressores notórios.
Desde o Renascimento, na França, Inglaterra e Itália produziram-se as gran-
des discussões filosóficas e estéticas do mundo ocidental. Por razões que é impossível
sintetizar aqui, assistiu-se no século XVIII a um deslocamento do centro do pensa-
mento europeu para a Alemanha. Num intervalo histórico que vai de Kant a Hegel, há
uma evolução acelerada do pensamento filosófico e da dramaturgia. Vale a pena
transcrever um pequeno parágrafo de B. Brait que sintetiza esta evolução:
Especialmente no século XVIII, o romance entrega-se à análise das paixões
e dos sentimentos humanos, à sátira social e política e também às narrativas
de intenções filosóficas. Com o advento do romantismo, chega a vez do ro-
mance psicológico, da confissão e da “análise das almas”, do romance his-
tórico, romance de crítica e análise da realidade social. E é durante a segun-
da metade do século XIX que o gênero alcança seu apogeu, refinando-se en-
quanto escritura e articulando as experiências humanas mais diversificadas.
Aos realistas e naturalista coube perseguir a exatidão monográfica dos estu-
dos científicos dos temperamentos e dos meios sociais.(BRAIT, 1985, p. 38)

Verificou-se neste período a consolidação do romance como forma literária e


a difusão pela imprensa de novos produtos culturais, como os livros e jornais, que am-
pliaram seu alcance com o progresso das técnicas de impressão e transporte, multipli-
cando e barateando a oferta de exemplares oferecidos aos leitores.
Conservava-se, ainda a concepção antropomórfica do personagem. Hegel,
em suas “Estética11”, reafirma o caráter ético-estético do personagem de ficção ao de-
finir o personagem pelo seu motivo dramático para agir, que vai ser chamado por ele
de vontade consciente. O personagem age movido por uma necessidade ou vontade da

11 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Estética. Tradução de Álvaro Ribeiro. Lisboa:


Guimaraes & C. Editores, 1980.
qual é plenamente consciente e portanto é por ela moralmente responsável (HEGEL,
1980, pág. 282).
Embora esta visão do personagem ainda venha a sofrer diversas revoluções
ao longo dos séculos XX e XXI, do ponto de vista analítico e crítico, ainda será verifi-
cável em grande parte das obras de ficção difundidas pelos meios de comunicação de
massa nos dias atuais. Ou seja, permanece atual para boa parte da produção ficcional.
Por outro lado, sobretudo a partir do início do século XX os critérios críticos
sobre as obras de ficção começam a sofrer radical reformulação. Da visão da obra
como reflexo do mundo exterior, estabelecem-se novos conceitos analíticos que pas-
sam a enxergar as obras como sistemas sígnicos quase autônomos. A relação entre os
elementos internos de suas composições, notadamente, intriga, história e personagens,
elementos estruturais fundamentais das narrativas, passa a ser o motivo da atenção.
São marcos importantes desse século alguns movimentos literários como o new criti-
cism norte americano e os formalistas russos.
Nos anos 20, György Lukács publica A Teoria do Romance. No que diz res-
peito ao romance e ao personagem de ficção ele retoma a discussão em novas bases,
relacionando o romance com a concepção do mundo burguês, como lugar de confron-
to entre o herói problemático e o mundo do conformismo e das convenções (BRAIT,
1985, pág. 39).
Entram em cena a Linguística, a Semiótica e o Estruturalismo. O estudos da
literatura e da ficção passam a ter caráter científico e convocam diferentes vieses e
olhares metodológicos. No prosseguimento deste levantamento, algumas das mais im-
portantes e úteis abordagens serão revistas, sempre com o intuito de fundamentar
análises futuras de obras narrativas e seus personagens.

Conceitos práticos.

Pessoas e personagens.

Para o senso comum, a noção de personagem parece uma coisa óbvia, sem
maior discussão. Afinal, personagem é personagem. Ana Kerenina, Zumbi dos Palma-
res, Mãe Estela, Donald Trump, Madame Curie, Catarina Paraguaçu, Brad Pitt, Albert
Einstein, Pelé, Hamlet, Jubiabá, Gabriela, D. Raquel, minha vizinha, Sérgio, jardinei-
ro de condomínios e torcedor de futebol, são todos personagens?
A resposta não é simples. Todos são ou se tornam personagens no momento
em que aparecem neste ou em qualquer outro texto. Mas quase todos têm existências
próprias, independente do fato de estarem ou não no texto. Enquanto alguns deles
existem apenas em forma de linguagem, outros estão em vivos em algum lugar, exis-
tindo independentemente de serem ou não representados através de linguagens. No
entanto, a categoria que mais nos interessa é a daqueles personagens que existirão
para sempre, embora nunca tenham existido em carne e osso, só na forma texto. São
seres inventados por um autor e inscritos num suporte qualquer, através de uma lin-
guagem. São aqueles a que chamamos de personagens de ficção.
No que concerne à mimese, um personagem de ficção pode, em alguns casos,
ser inspirado numa pessoa real, existente em carne e osso, do presente ou do passado,
pode se basear em registros históricos, em tradições, lendas ou simplesmente em cren-
ças. Pode ser apresentado num romance, conto, filme, história em quadrinhos ou série
audiovisual, sem restrição de tipo de obra ou de linguagem. No campo deste trabalho
e das reflexões aqui desenvolvidas, o que interessa é o personagem enquanto texto, no
sentido amplo de texto semiótico, seja ele verbal, visual, acústico, cinematográfico ou
televisivo.
Os personagens de ficção costumam ser réplicas de pessoas, no sentido de
que duplicam as qualidades básicas que tornam um ser numa pessoa. Têm identidade,
corpo, aparência, características psicológicas, vida social, qualidades morais, necessi-
dades e vontades. De tudo isso resulta um modo de agir. Desde Aristóteles que a aten-
ção do crítico ou do analista está voltada para este agir, para a ação dramática. O per-
sonagem age dentro dos limites estabelecidos pelo autor entre dois parâmetros funda-
mentais: a necessidade e a verossimilhança. A necessidade é o que justifica o que ele
faz. A verossimilhança é o que torna a ação aceitável para o apreciador, dentro das
condições estabelecidas no mundo ficcional.
Fica desenhada aqui a questão da mimese. Qual relação que se estabelece en-
tre o personagem e a pessoa da qual é uma réplica? Qual a relação entre a obra e o
mundo? Grande parte da avaliação crítica das obras de ficção se baseia em como a
obra representa o mundo e quais posições assume diante dos valores, das ideias, das
relações sociais desse mundo. Mas há também posturas críticas que valorizam os as-
pectos formais internos da obra, como estrutura, linguagem, inovações e estilo, dei-
xando a crítica ao mundo concreto que representa ou apresenta, relegada a um segun-
do plano de importância. Entre os extremos dessas duas posições há uma possibilida-
de de atitude intermediária que, em vez de buscar afirmar ou negar a mimese, investi-
ga como se dá a mimese. A pergunta seria: qual modo de mimese a obra propõe?
Para encaminhar a análise do modo de mimese, tem que ser considerada aqui
também a relação proposta entre o autor e o leitor. O modo de mimese tem início
numa proposta do autor que dialoga com uma expectativa do leitor. Criação e recep-
ção. Entre as intenções e posições estéticas dos autores e as expectativas dos aprecia-
dores pode haver abismos. Umberto Eco, em seu livro Seis Passeios pelos Bosques da
Ficção12, propõe analisar essa relação a partir dos conceitos de autor modelo e leitor
modelo. Para cada tipo de obra há um tipo(modelo) de leitor e de autor. Eco pontua a
necessidade de distinguir entre autor modelo e autor empírico, e do mesmo modo, lei-
tor modelo e empírico. Esta relação supõe a interdependência entre os dois membros
da relação. Assim como o autor modelo é configurado no ato de composição da obra,
também o leitor modelo se qualifica e, por assim dizer, se adestra, desenvolve as com-
petências próprias para ler, decodificar, interpretar e fruir completamente os conteú-
dos da obras que aprecia, passando subjetivamente a coabitar o universo ficcional da
obra. Assim como há autores de histórias policiais ou de ficção científica, há leitores
especializados em determinados gêneros e linguagens. Alguns chegam a incorporar a
suas vidas pessoais aspectos, símbolos e objetos dos universos ficcionais que mais
apreciam.
Um dos fundamentos da relação autor, obra, leitor, na ficção, é a suspensão
da descrença, pelo leitor. Exigir do relato lido o caráter de plausibilidade dentro das
condições construídas, em vez de exigir do relato o caráter de verdade absoluta – mas
tomá-lo como se verdade absoluta fosse. O faz-de-conta que... Isto estabelece uma es-
pécie de contrato de leitura que deve ser observado pelos dois lados para que se reali-
ze com sucesso. Aí se inclui a construção da verossimilhança, já identificada por Aris-
tóteles. Verossímil não é sinônimo de possível. É sinônimo de crível. A autoria cons-
trói as condições para que o regime de crença seja instituído no leitor e que este assu-
12 ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção.Traduzido por Hildegard
Feist. São Paulo: Cia. das Letras, 1994.
ma sua condição de credulidade, que não é tomar a narrativa como absolutamente ver-
dadeira, mas aceitar as condições do faz-de-conta.

O personagem na não ficção

Há muitas obras audiovisuais que estão na área da não-ficção e que no entan-


to contém personagens. A diversidade de efeitos estéticos propostos por estes tipos de
obras torna difícil a sua classificação rigorosa. Há obras que se aproximam dos efeitos
das artes visuais, chamadas de video arte. São obras em que frequentemente aparecem
figuras humanas, apesar dessas obras não terem intenções ou propriedades narrativas.
O prazer estético decorrente de sua apreciação se produz principalmente no campo do
sensorial ou do conceitual e, por assim dizer, independe de uma estrutura narrativa
que se complete no desfecho da história. Não há histórias a serem contadas. Há for-
mas que se desenvolvem e evoluem para serem sentidas, percebidas, por algum aspec-
to sensorial ou conceitual. Parte do esforço de análise deste tipo de obra observará as-
pectos como imagem, som, ritmo, assim como as técnicas de elaboração ou captura
das imagens e sons componentes destas obras.
Quando as técnicas de produção de imagens, décadas atrás, estavam restritas
às câmeras analógicas ou ao desenho e pintura, o aspecto técnico levava o analista a
se concentrar no contato com o mundo físico em torno e falava-se do aspecto indexi-
cal da imagem fotográfica, por exemplo. O indexical aqui deriva de índice, como tipo
de signo que depende de uma relação física entre o signo e a coisa por ele representa -
da. Com as técnicas digitais de computação gráfica, o compositor das imagens e figu-
ras deixou de depender do mundo físico em torno, sendo levado a cair de volta e ficar
restrito à sua própria imaginação como fonte da “realidade”.
Seria a imaginação o último esconderijo da mimese? De qualquer modo,
será sempre complicado para o espectador ingênuo desvincular as imagens e sons que
ele vê, do mundo que ele conhece.
Na área da não-ficção, há também o campo do chamado documentário. Uma
regra aparente do documentário é que nele são apresentadas pessoas e coisas que já
existiam no mundo desde antes da realização do documentário, não tendo, portanto,
sido inventadas pelo criador do filme. Isto configura modos particulares de mimese
que se desdobram entre diversas poéticas, desde a “mera” reportagem televisiva, presa
ao fato em si, até o filme poético, noutra extremidade, cujos efeitos se aproximariam
dos efeitos da ficção e das narrativas dos mitos. A evolução da teoria do documentá-
rio, paralelamente à do pensamento filosófico sobre a ciência, vai nos colocar numa
difícil situação, aparentemente contraditória. De um lado, tudo seria ficção, não ha-
vendo como fugir da realidade do discurso e da operação mental de organizar o mun-
do subjetivamente. O objeto, desse modo, é sempre uma construção subjetiva. Mas,
por outro lado, não haveria também como escapar do real. E até mesmo a ficção ine-
vitavelmente seria produto de um real inevitável, formatador de toda subjetividade.
Isso questiona o termo documentário.
É difícil generalizar ou estabelecer regras. O documentário é um campo vas-
to, múltiplo e já tem suficiente produção de reflexão a respeito. O estatuto da ficção
ou não-ficção terá que obrigatoriamente observar os modos de mimese. Apesar disso,
impunemente, as figuras humanas que aparecem em ambos os regimes de representa-
ção, continuarão sendo chamadas de personagens (e o documentário de documentá-
rio).
Para sair provisoriamente desta questão, será bom reter a ideia de que o per-
sonagem é um ser inventado à imagem de uma pessoa e que ele mantém alguma for-
ma de vínculo com o mundo exterior à obra para a qual foi inventado ou na qual foi
reinventado. Ao analista caberá rastrear este vínculo e defini-lo – entre muitas outras
coisas. Assim ficará visível o modo de mimese, anteriormente falado.

Situação dramática e função dramática.

Um passo decisivo na evolução da análise das narrativas e da dramaturgia foi


o desenvolvimento do conceito de função dramática. Desde quando Aristóteles fala
em nó e desenlace como partes dos mitos trágicos, percebe-se que há algo em comum
entre as narrativas, além do fato delas reproduzirem mimeticamente aspectos da vida
“como ela é”. Este algo em comum pode ser descrito como a repetição de certos ele-
mentos e das relações entre elementos. Em outros termos, dir-se-ia, homologia de for-
ma. Semelhança estrutural. A terminologia vai variar um pouco, a depender da filia-
ção metodológica do analista.
No século XVIII esta discussão começou a aparecer em escritos teóricos de
diversas origens. Carlo Gozzi, dramaturgo italiano que defendia a manutenção da im-
provisação na comedia dell’Arte, contra a exigência de peças escritas, propos a exis-
tência de 36 situações dramáticas que se repetiriam em todas as peças teatrais, sem di-
zer quais eram elas. Até então, a commedia dell’Arte se caracterizava pela improvisa-
ção dos atores a partir de um roteiro básico das cenas, o canovaccio, em que era defi-
nido tema, a situação geral e os personagens. Este número de Gozzi teria sido discuti-
do também por Goethe e Eckermann, e Schiller (SOURIAU, 1993, p. 11).
Mas, com 36 situações possíveis, como criar algo novo? Renata Palotinni,
em Dramaturgia: Construção do Personagem13, no capítulo dedicado à polêmica des-
sas situações, define situação dramática como “uma configuração ou desenho de for-
ças que, representadas por personagens em ação, redundam no núcleo de uma peça
de teatro”(PALOTINNI, 1989, p. 124).
Renata conta. Inspirado por Gozzi e Goethe, George Polti, no final do século
XIX, lançou um curioso livro intitulado as 36 Situações Dramáticas 14. Polti elaborou
uma lista, de certa forma ingênua, daquelas que ele considerava como sendo as 36 si-
tuações presentes em todas as obras de ficção. Ele afirma ter partido de um corpus de
cerca de 1200 obras entre contos e peças teatrais para selecionar as que seriam as 36
situações, mas não explica quais os critérios usados para chegar a elas. Palotinni afir-
ma que “o que ele pretendia era servir a quem desejasse se informar sobre o número e
a qualidade combinações de ações e fatos que pudessem redundar, com maior eficá-
cia, numa peça de teatro original e na exploração de situações mais novas e inusita-
das” (PALOTINNI, 1989, p. 125).
Na verdade a lista de Polti não é propriamente de situações, mas de assuntos,
específicos, ou temas, mais genéricos, para compor histórias.
Eis a lista15:
1. SÚPLICA - um Perseguidor, um Suplicante, um Poder indeciso.
2. RESGATE OU LIBERTAÇÃO - Um Desafortunado, uma Ameaça, um Libertador

13 PALOTINNI, Renata. Dramaturgia: construção do personagem. São Paulo: Ática,


1989.
14 POLTI, George. 36 situaciones dramaticas. Sem indicação de tradução, Havana:
Editorial Nacional de Cuba, 1963. A tradução do título para português é nossa.
15 Tradução obtida num comentário de Robert Mallet sobre as 36 situações no endere-
ço eletrônico: http://www.grupotempo.com.br/tex_36.html em 22/07/2018
3. CRIME SEGUIDO DE VINGANÇA - um Vingador, um Criminoso.
4. VINGANÇA DE PARENTE CONTRA PARENTE - um Parente vingador, um Parente cul-
pado, (uma vítima), a recordação da vítima, uma relação familiar entre os dois.
5. PERSEGUIÇÃO - um Castigo e um Fugitivo (fugir de um castigo).
6. DESASTRE - um Poder subjugado, um Inimigo vitorioso ou um Mensageiro.
7. SER VÍTIMA DE CRUELDADE OU DE INFORTÚNIO - um Desafortunado, um Execu-
tor ou um Infortúnio.
8. REVOLTA - um Tirano, um Conspirador.
9. EMPREENDIMENTO AUDACIOSO - um Líder audacioso, um Objetivo, um Adversário.
10. SEQÜESTRO - um Sequestrador, um Sequestrado, um Guardião.
11. O ENIGMA - um Interrogante, um Investigador, um Problema (a resolver).
12. OBTENÇÃO - um Solicitante e um Adversário que recusa, ou um Árbitro e as Partes
opostas.
13. INIMIZADE ENTRE PARENTES - um Parente malévolo e um Parente odiado ou Ódio
recíproco entre parentes.
14. RIVALIDADE ENTRE PARENTES - um Parente preferido, um Parente rejeitado, o Ob-
jeto da rivalidade.
15. ADULTÉRIO ASSASSINO - dois Adúlteros, um Marido ou uma Esposa.
16. LOUCURA - um Louco, uma Vítima.
17. IMPRUDÊNCIA FATAL - um Imprudente, uma Vítima ou um Objeto perdido.
18. CRIMES INVOLUNTÁRIOS POR AMOR - um Amante, um Amado, um Anunciador da
revelação.
19. ASSASSINATO DE UM PARENTE NÃO RECONHECIDO - um Assassino, uma Vítima
não reconhecida.
20. AUTO-SACRIFÍCIO POR UM IDEAL - um Herói, um Ideal, um "Bem" ou uma Pessoa
ou uma Coisa sacrificada.
21. AUTO-SACRIFÍCIO POR UM PARENTE - um Herói, um Parente, um "Bem" ou uma
Pessoa ou uma Coisa sacrificada.
22. SACRIFÍCIO DE TUDO POR UMA PAIXÃO - um Apaixonado, o Objeto da paixão fa-
tal, a Pessoa ou Coisa sacrificada.
23. NECESSIDADE DE SACRIFICAR SERES AMADOS - um Herói, uma Vítima amada, a
Necessidade do sacrifício.
24. RIVALIDADE ENTRE UM SUPERIOR E UM INFERIOR - um Rival superior, um Rival
inferior, o Objeto da rivalidade.
25. ADULTÉRIO - um Cônjuge traído, dois Adúlteros.
26. CRIMES DE AMOR - um Amante, a Pessoa amada, (o Crime de amor).
27. DESCOBERTA DA DESONRA DE UM SER AMADO - um Descobridor, o Culpado.
28. OBSTÁCULOS AO AMOR - dois Amantes, um Obstáculo.
29. UM INIMIGO AMADO - um Inimigo amado, Aquele que ama, Aquele que odeia.
30. AMBIÇÃO - Um Ambicioso, a Coisa cobiçada, um Adversário.
31. CONFLITO COM UM DEUS - um Mortal, um Imortal.
32. CIÚME EQUIVOCADO - um Ciumento, o Objeto de que ele tem ciúmes, o Suposto cúm-
plice, a Causa ou o Autor do engano.
33. JULGAMENTO ERRADO - um Erro, a Vítima do erro, a Causa ou o Autor do erro, o
Verdadeiro culpado.
34. REMORSO - um Culpado, a Vítima ou a Culpa, o Interrogador.
35. RESGATE DE UMA PESSOA PERDIDA - o Resgatador, um Reencontrado.
36. PERDA DE PESSOAS AMADAS - um Familiar desgraçado, um Familiar que observa
impotente, um Executor da desgraça.

Apesar de Polti analisar cada uma das situações apresentadas, alguns temas
se repetem ou estão muito próximos. Como distinguir entre os temas em torno de sa-
crifício, de vingança ou de adultério? Ao que tudo indica, o interesse gerado pelo tra-
balho de Polti se concentra no fato de ter sido uma inciativa pioneira em relação à per-
cepção de elementos que se repetem nas obras narrativas. Seriam manifestações ante-
cipadas daquilo que apareceria mais tarde como estruturas profundas. Algo como re-
gras presentes, mas não aparentes, regulando a construção das obras narrativas, como
sintaxes da ação dramática (DUCROT e TODOROV, 1972, pág. 221).
O mais radical avanço nos métodos e conceitos da crítica literária viria no
início do século XX da Russia, com o lançamento das bases da análise estrutural das
narrativas por um grupo que ficou conhecido como Formalistas Russos. Vladimir
Propp, integrante desse grupo, publicou, em 1928, A Morfologia do Conto16. Propp
reuniu e analisou um corpus de quase quinhentos contos de fadas e identificou nesses
contos 31 funções dramáticas permanentes, presentes em todos eles. Ele definiu uma
função dramática como “a ação de uma personagem, definida do ponto de vista do
seu significado no desenrolar da intriga.” (PROPP, 1983, pág. 60). Nesse estágio, as
funções de Propp eram as partes das ações desenvolvidas no enredo ao longo de sua
linha de tempo. Uma depois da outra. Essas funções estavam sempre presentes, em to-
das as histórias analisadas, mas encarnadas por personagens diferentes. Em situações
estruturalmente equivalentes mas diferentes na aparência.
Por exemplo, as primeiras funções estabeleciam a situação de solidão da fu-
tura vítima de um malfeitor. Essa função era
1 – Afastamento. Ela era deixada só por causa de um afastamento dos mais
velhos, que podiam ser seus pais, o Rei ou outra figura qualquer que detivesse poder e
autoridade.
2 - A Proibição. À futura vítima era imposta uma interdição, algo que não
poderia fazer em hipótese alguma sob pena de quebrar uma regra moral ou mágica, e

16 PROPP, Vladimir I. Morfologia do conto. 2ª ed. Traduzido por Jaime Ferreira e Vic-
tor Oliveira. Lisboa: Vega, 1983.
3 - Transgressão. A futura vítima transgredia a proibição.
4 – Interrogatório. O vilão se aproxima e procura obter informações.
5 – Informação. O vilão obtém a informação que revela uma fragilidade de
sua vítima.
6 – Ardil. O vilão arma sua estratégia para se apoderar da vítima.
E assim a história prossegue até o desfecho. Propp encontrou 31 funções des-
ta natureza.
Embora sua preocupação principal fossem as funções dramáticas, Prop não
podia deixar de considerar a questão da distribuição dessas funções entre os persona-
gens. Para isso ele agrupou logicamente as funções que correspondiam aos persona-
gens que as realizavam e chegou às esferas de ação, que eram sete.
1. A esfera de ação do Antagonista (ou malfeitor).
2. A esfera do Doador (ou provedor), que fornece o objeto mágico ao herói.
3. A esfera do Auxiliar, que ajuda o herói em tarefas difíceis.
4. A esfera da Princesa (personagem procurado) e seu pai, que compreende:
da princesa o as de seu pai.
5. A esfera do Mandante. Que envia o herói.
6. A esfera do Herói. Pode ser o herói doador ou o herói-vítima.
7. A esfera de ação do Falso Herói, de pretensões enganosas.
O conceito de esfera de ação produz uma importante mudança no método de
analisar as obras narrativas. O conceito fundamental de morfologia. Daí, o título do li-
vro, A morfologia do conto maravilhoso: “uma morfologia, isto é, uma descrição do
conto maravilhoso segundo as partes que o constituem, e as relações destas partes
entre si e com o conjunto.”(PROPP, 1983, p. 57).
Por razões que se torna impossível detectar, o livro de Vladimir Propp só
chegou à França no final dos anos 50, traduzido de uma versão em língua inglesa, pu-
blicada nos EUA.
Antes disso, foi lançada em Paris uma espécie de resposta, um tanto irônica,
às 36 situações dramáticas de Gozzi-Goethe-Polti. Foi o livro As 200 mil Situações
Dramáticas17, lançado em 1950, por Étienne Souriau, que deslocava a questão das si-
tuações dramáticas para funções dramatúrgicas.
17 SOURIAU, Etienne. As duzentas mil situações dramáticas. Traduzido por Maria Lú-
cia Pereira. São Paulo: Ática, 1993.
Souriau estabeleceu seis as funções dramatúrgicas que de longe se asseme-
lham às esferas de ação de Propp: “Chamo de Função Dramatúrgica o modo específi-
co de trabalho em situação de um personagem: seu papel próprio enquanto força
num sistema de forças” (SSOURIAU, 1993, p. 52).
Por que 200 mil? A operação lógica de Souriau é conceber a situação dra-
mática como o agrupamento e modo de interação das funções dramatúrgicas em cada
peça. O número resulta da possibilidade matemática de combinações dessas seis fun-
ções, umas com as outras, uma a uma, duas a duas, três a três e assim por diante. O
trabalho de Souriau é dirigido principalmente aos dramaturgos e críticos de teatro,
como instrumentação dos seus processos de trabalho. Ele enumera as seis principais
funções dramatúrgicas e dá a cada uma delas um nome tirado da astrologia, de forma
relativamente arbitrária e possivelmente imbuído de certa ironia:
Leão ou força temática. É a força geradora de toda tensão dramática. Condu-
tora da ação.
Sol ou o Bem Desejado. É aquilo que resulta da ação do Sol. Pode ser uma
coisa, um valor ou um outro personagem. Pode ser pensado como o Bem decorrente
da ação do Sol.
Terra ou Astro Receptor. Aquele que obtém o resultado da ação do Sol. Se o
herói luta por algo para si mesmo, ele reune as duas funções, de Sol e Terra. Se ele
luta pela salvação de alguém ou da sua aldeia, estes terão a função Terra.
Marte ou o oponente. A força diretamente oposta, o obstáculo à ação do Sol.
Representa tudo que se oponha à necessidade, desejo ou vontade do herói.
Balança ou árbitro. Não deve ser confundido com o papel de juiz, na verdade
é a função daquele que detem o poder de atribuir o Bem Desejado às forças que o dis-
putam.
Lua ou espelho da força. Satélite e espelho astral. Não tem luz própria. Cúm-
plice; Aliado de alguma das outras forças atuantes.
Uma função dramática não coincide necessariamente com um personagem.
Vários personagens podem exercer em conjunto a função de Marte, por exemplo, ou
várias funções podem ser exercidas por único personagem. O herói romântico que luta
para conquistar a sua amada acumulará as funções Leão e Terra. Ela, Sol.
A percepção do significado destas funções dentro de um enredo ajuda o autor
a configurar as ações de seus personagens de acordo com o jogo das forças em con-
fronto, que vem a ser a estrutura do conflito dramático. Com este tipo de percepção o
olhar do autor deixa de ficar restrito às particularidades psicológicas ou sociais de
cada personagem e passa a enxergar como se estruturam as suas relações, uns com os
outros. A partir de Souriau, é possível entender que a situação dramática não é apenas
um conjunto de personagens num lugar, agindo em função de seus motivos particula-
res. Eles passam a ser peças de um sistema articulado que funciona num espaço e tem-
po e põe em confronto as funções assumidas por cada um dos personagens, que agem
tanto de acordo com o caráter de cada um quanto de acordo com a função que devem
desempenhar na narrativa. Como um sistema de forças. Essa consciência dá ao autor o
poder de ajustar o nível do efeito que deseja que se produza sobre o espectador, e ao
analista, o entendimento de como a estrutura dramática se organiza.

Quem age - personagem, pessoa, papel, ator e actante.

Na cadeia da evolução conceitual da análise das narrativas e da dramaturgia,


a questão do personagem vai incorporar um companheiro novo, o ator. Antes, o perso-
nagem era contraposto à sua imagem espectral, a pessoa. Essa relação traz sempre a
mimese como decorrência obrigatória. No teatro, essa relação passa a configurar um
triângulo já que traz junto a figura do ator. Em verdade, a figura do ator só é abstraída
quando se tratam as narrativas literárias, não dramáticas. Por exemplo, na poesia épica
ou na lírica. Na forma dramática, desde os primórdios do teatro, o ator sempre esteve
presente, instituído no momento em que uma pessoa passou a falar em nome de outra,
como se fosse uma outra, um personagem. O ator, o personagem e o teatro surgiram
simultaneamente, partes de um mesmo conjunto.
Com a evolução do conceito de situação dramática e com a incorporação
das relativamente recentes funções dramáticas e funções dramatúrgicas, as análises,
tanto das narrativas em geral como do teatro, incorporaram a existência de dois níveis
de estruturas: as de superfície e as estruturas profundas,
As estruturas de superfície estão no campo das aparências e dos fenômenos
visíveis ou ao alcance dos sentidos. Correspondem ao estilo, como David Bordwell
descreve em Figuras Traçadas na Luz18. As estruturas profundas só se revelam às
análises que decompõem os fenômenos em suas unidades e depois procuram estabele-
cer as relações entre estas unidades, como regras de articulação entre elas. Na busca
de uma sintaxe tanto das narrativas como da dramaturgia teatral.
Surge então uma nova figura, o actante ou atuante, como um dos elementos
dessas estruturas profundas. Será adotada aqui a versão actante. (Os dois termos refe-
rem-se às mesmas coisas e a diferença parece dever-se a escolhas de tradutores).
O termo actante foi usado originalmente na linguística para denotar as princi-
pais funções sintáticas que dependem do verbo: sujeito, objeto direto e objeto indireto.
Foi o linguista lituano Algirdas Julien Greimas 19 quem utilizou o termo aplicado às
categorias dos sujeitos actantes nas narrativas de modo geral. Estes sujeitos são os su-
jeitos das ações e não necessariamente correspondem aos personagens. Diferentes
personagens exercem as mesmas funções em diferentes narrativas. As funções estão
sempre presentes. Dentro de uma narrativa singular os personagens exercem as suas
funções pelo sentido do que fazem e podem acumular ou dividir uma ou mais fun-
ções. Um suicida será sujeito e objeto, ao mesmo tempo. Um apaixonado será sujeito
e destinatário de sua ação. O objeto de uma paixão será destinador e objeto ao mesmo
tempo. Sujeito, objeto, destinador e destinatário são funções actanciais. Isto será visto
mais abaixo.
No seu livro Semântica Estrutural, lançado em Paris, em 1966, Greimas
apresenta um quadro a que chamou de modelo actancial. Este quadro sintetiza e flexi-
biliza os estudos das funções de Propp e de Souriau, a partir das esferas de ação do
primeiro e das funções dramatúrgicas do outro. O autor lituano apresenta os seis ac-
tantes: sujeito, objeto, destinador, destinatário, adjuvante e oponente.
A partir destes actantes compõe-se uma figura que torna mais fácil a com-
preensão:

18 BORDWELL, David. Figuras traçadas na luz. Trad. Maria Luiza Machado Jatobá.
São Paulo: Papirus, 2008.
19 GREIMAS, A. J. Semântica estrutural.Trad. de Hakira Osakap e Izidoro Blikstein.
São Paulo: Cultrix, 1973.
Os elementos desta figura20 são sempre dispostos em pares, por oposição: Su-
jeito x Objeto, Destinador x Destinatário, Adjuvante x Oponente.
Em qualquer situação narrativa em que haja ação dramática, e portanto con-
flito, haverá presença dessas funções. Cada uma se define dentro dos pares a que per-
tencem.
Sujeito x Objeto. Sujeito é o actante da ação principal que determina uma
operação verbal na qual há um octante que sofre a ação, o Objeto. Observe-se que o
Sujeito vai corresponder ao herói de Propp e ao Leão de Souriau. O Objeto correspon-
derá ao ser amado em Propp e ao Sol em Souriau.
Destinador x Destinatário. O Destinador é aquele que motiva a ação do Su-
jeito. Vai corresponder ao Doador, em Propp e ao Árbitro, em Souriau. O Destinatário
é o que recebe o benefício ou o valor produzido pela ação do Sujeito. Equivale ao be-
neficiário da ação do herói, em Propp e à função Terra, em Souriau.
Por fim, o par Adjuvante x Oponente. O adjuvante é um aliado de qualquer
outra função. Corresponde ao Auxiliar nas esferas de Propp e ao Lua, em Souriau. O
Oponente é o vilão das histórias. Opõe-se ao herói. Será o Agressor, em Propp ou
Marte, em Souriau.
O grande passo à frente no modelo actancial é a sua flexibilidade na aplica-
ção às análises de narrativas ou de peças teatrais. Na aplicação desse modelo, qual-
quer personagem pode, a seu tempo, ser visto como sujeito de uma ação e podem ser
observadas as oposições, os objetos e os destinatários de suas ações.

20 Figura do autor
Nos anos 90, pensando na aplicação do modelo actancial de Greimas ao tea-
tro especificamente, Anne Ubersfeld21, faz uma análise dele e propõe, entre alternati-
vas, a possibilidade de ir além dos pares de oposições, formando triângulos entre as
funções. No decorrer das análises poderão ser vistas as relações trilaterais, como os
triângulos Sujeito – Objeto – Oponente, ou Destinador – Sujeito – Objeto. Cada um
desses triângulos revelará um aspecto dramatúrgico da composição de forças dramáti-
cas e das regras internas de articulação dos elementos do enredo.
Um exemplo seria a configuração da regra de ação do Oponente. De acordo
com o Destinador que o tivesse sob influência, ele faria oposição ao nível do Objeto
ou ao nível do Sujeito. A Oposição ao nível do Objeto seria a disputa pela obtenção
do valor produzido pela ação do Sujeito. A disputa de um bem material, do afeto de
uma pessoa ou de um conhecimento secreto. E doutro modo será a oposição quando
ela se dê diretamente contra o Sujeito, independente do Objeto. O Destinador, nesse
caso, seria um sentimento de ódio ou necessidade de vingança centrada contra o sujei-
to. Isso faria diferença na sintáxe da ação dramática.
Anne Ubersfeld usa Greimas para definir o ator como uma particularização
do actante:”...os atores, em geral dotados de um nome, são as unidades particulares
que o discurso dramático especifica com simplicidade: um ator ( da narrativa) = um
ator (que atua na representação)” (UBERSFELD, 2005, p. 62). E aqui surge um com-
plicador, em que ator deixa de ser entendido no sentido de como o senso comum o re-
conhece, como a pessoa dotada das habilidades de representar papeis no teatro ou no
cinema, e passa a ser uma espécie de ação que determina um papel. Então o termo
ator, na semiologia e na linguagem técnica da análise dramatúrgica, passa a ser aplica-
do a um tipo de agente dentro das narrativas, caracterizado pelo tipo de ação que pra-
tica. Esse agente poderá ser representado por uma única pessoa ou por várias, sempre
caracterizado pelo tipo de ação e função que desempenha ao agir. Dirá ela, adiante:
“Um ator se define, portanto,por um certo número de traços característicos: se duas
personagens possuem, ao mesmo tempo, as mesmas características e executam a
mesma ação, elas são o mesmo ator”(UBERSFELD, 2005, p. 63). Estabelece-se en-
tão, ao lado do modelo actancial, uma função actorial. Nessa função, o ator entra
como entidade semiológica caracterizada pelo modo e pela finalidade de sua ação. Fi-
21 UBERSFELD, Anne. Para ler o teatro. Trad. José Simões. São Paulo: Perspectiva,
2005.
cará mais fácil entender esta noção de ator de relembrarmos a noção de tipo de perso-
nagem, personagem-tipo.
Resta ainda definir mais precisamente o sentido de papel. O papel tem uma
situação intermediária, entre o actante e o personagem singular. Personagens tipos de-
sempenham certos papéis, como príncipe, bruxa má, padre, sedutor. Cada papel reú-
ne certos conjuntos de funções e de atributos. Portanto, de cada papel será esperada
uma ação correspondente. Obviamente, os papeis são estabelecidos na história dos
campos narrativos em análise, de acordo com tradições culturais. Dai pode-se com-
preender a importância deste tipo de análise. Por exemplo, em relação à previsibilida-
de ou criatividade de um determinado enredo. Ao analisar uma situação em que haja
personagens que figurem certos papeis, pode-se verificar se eles agem da forma espe-
rada, prevista para esses papeis, ou não, nesse caso produzindo o efeito surpresa, ino-
vação etc.

O personagem sujeito x personagem objeto.

Na sequência da apreciação das estruturas profundas das narrativas, daquelas


sintaxes da ação dramática que Greimas fez aflorar com o seu modelo actancial, é
possível recuperar a discussão entre duas visões de mundo opostas que produziram
duas poéticas predominantes no século XX. Uma dessas correntes evolui desde a Gré-
cia Antiga até Hegel, já na Modernidade tardia, com a sua Poética. Nessa tradição, o
personagem é um ser moral. Ele age por determinação de sua consciência, dentro do
espaço de liberdade que tem para agir, e age com consciência do que faz. Agindo de
acordo com sua vontade consciente ele se torna integralmente responsável pela conse-
quência de seus atos, tanto para o bem como para o mal.
Augusto Boal, no Teatro do Oprimido22, Renata Palotinni, no já citado Dra-
maturgia: a construção do personagem, dedicam, cada um, um capítulo à comparação
entre a poética de Hegel e o que seria uma poética de Bertolt Brecht. Enquanto Hegel
traz a questão da responsabilidade moral, Brecht, via Boal, traz a tese de que o perso-
nagem é um produto do social, determinado por sua condição social. Ele age de acor-
do com a condição material de sua vida, condição que produz a sua consciência. En-
22 BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 2. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
tão não é sujeito de sua ação, mas objeto, já que é determinado pela condição social.
Esta reflexão acionará algumas funções do modelo actancial, principalmente a função
Destinador, que é do que falam tanto Boal quanto Palotinni.
Hegel situa a (poesia) dramática como produto da síntese dialética da épica e
da lírica. A poesia dramática mostra ações de personagens no tempo presente. Os per-
sonagens agem segundo motivações subjetivas que são a substância do lírico: senti-
mentos, paixões, impulsos para agir ou determinações sociais. Está aí o Destinador.
Mas a base lírica precisa de informação objetiva sobre circunstâncias do mundo exter-
no. A narração e a descrição desse mundo externo e dos fatos que provocam os senti-
mentos e as paixões virá a ser o lado épico do poema dramático, que surge exatamente
da junção da lírica com a épica.
O próprio Hegel dirá que...
Os sentimentos determinados da alma humana adquirem a condição de mó-
beis23 internos que se desenvolvem por entre uma complicação de circuns-
tâncias exteriores e assim se objetivam de forma que lembram a forma épi-
ca.[...]
Estas relações constantes entre o conjunto da realidade e o caráter moral das
personagens que a explicam e constituem o seu fundo e substância, formam
o lado propriamente lírico da poeisa dramática.
Só deste modo a ação aparece como ação, isto é, como realização efetiva de
intenções e de fins; intenções e fins com os quais o indivíduo se confunde
como parte integrante de si mesmo e que, por conseguinte, também devem
aderir antecipadamente a todas as consequências exteriores de sua realiza-
ção. O indivíduo dramático recolhe os frutos de seus próprios atos (HEGEL,
1980, 281, p; 282).

Este modo de conceber a poesia dramática será contestado e longamente


combatido por diversas propostas poéticas do século XX, no entanto vai permanecer e
vai continuar predominando em grande parte das narrativas literárias e audiovisuais
no campo da indústria cultural, em que o bem cultural adquire o caráter de mercadoria
e é amplamente difundido pelos meios de comunicação de massa, até os dias de hoje.
A contestação de Brecht vem através da sua proposta de um teatro épico. Um
dos capítulos mais importantes do Teatro do Oprimido, já citado, trata do Sistema
Trágico Coercitivo de Aristóteles (BOAL, 1980, p. 50). Para resumir, o modelo moral
da tragédia, e que vem a ser a base da dramaturgia ocidental, está baseado no proces-
so de identificação empática do espectador com o personagem em cena. Para Brecht/

23 Aquilo que faz alguém agir.


Boal essa identificação anula a possibilidade de ação ou reação crítica do espectador,
tornando-o presa dos sistema.
Leia-se Boal:
Aristóteles constrói o primeiro sistema poderosíssimo poético-político de in-
timidação do espectador, de eliminação das “más” tendências ou tendências
“ilegais” do público espectador. Este sistema é amplamente utilizado até o
dia de hoje, não somente no teaatro convencional como também no drama-
lhões em série da TV e nos filmes “far west”: cinema, teatro e TV, aristoteli-
camente unidos para reprimir o povo (BOAL, 1980, pág. 6).

Boal manifesta o anti-aristotelismo que foi caracterítico de uma época. Não


seria correto dizer que o sistema foi construído por Aristóteles. O resto do argumento
parece irrefutável. É importante acrescentar que a base do funcionamento desse “siste-
ma” se dá na empatia, já abordada. É um estado de comoção do espectador pelo he-
rói, depois que este, numa peripécia, sofre uma mudança de fortuna. Em geral, passa
da felicidade à infelicidade. E essa mudança tem como causa um pequeno defeito mo-
ral do herói. Esse defeito, ou harmatia (BOAL, 1980, p. 37), falha trágica, em termos
técnicos, é o tal “mal” que deve ser purgado através da catarse. O herói vive na me-
lhor felicidade e possui todas as virtudes socialmente aprovadas, mas tem uma falha
ou comete um erro. Ela provoca o conflito dramático e faz com que o herói entre em
desgraça. No processo da empatia, o espectador se comove e passa a viver intensa-
mente o desejo de que ele consiga superar os males que causou e se redima. O sistema
é emoção pura e está fora do controle racional.
Contra este sistema que envolve, acolhe e conduz o espectador, Brecht
propõe que o teatro passe a contar as ações (em vez de mostrar), epicamente, promo-
vendo o distanciamento do espectador em relação à emoção dos personagens, possibi-
litando que ele assuma uma consciência crítica em vez de com eles se envolver. Esse
método proposto por Brecht não se tornou hegemônico nem suplantou a presença do
modelo aristotélico-hegeliano, mas serve de referência. Dele derivou também um qua-
se método de interpretação para os atores, que confrontaria ou desafiaria o famoso
Método de Stanislavski. Adeptos às vezes mais radicais do brechtianismo que o pró-
prio Brecht pregaram muito a supressão da emoção em cena (e na platéia), dando lu-
gar à razão. Ao que parece nem Brecht não foi tão radical e entendia que razão e emo-
ção eram dois estágios necessários e indissolúveis, tanto do drama quanto do desen-
volvimento de consciência crítica. O problema era como articular razão e emoção em
cena. Parece que a própria história do teatro foi cuidando de elaborar uma síntese dia-
lética das duas propostas. Esta é uma espécie de equação que não se resolve na base
da exclusão de um de seus termos, mas na sua síntese.
No caminho desta síntese, há um trabalho de excepcional importância no que
toca ao trabalho dos atores, à sombra de duas árvores teóricas e ideológicas. É o livro
Ator e Método24, de Eugênio Kuznet. Este livro de Kusnet é uma viagem pela função
Destinador. Ele foca basicamente a produção pelo ator da verdade cênica. Kusnet re-
vela como o ator instala em sua mente os processos líricos do personagem e transita
entre as duas consciências. Em busca desta verdade ele traz ao leitor os principais ele-
mentos do método de Stanislavski e praticamente reelabora de forma simples uma
metodologia para atores e diretores.

Da tragédia ao drama ao melodrama.

O personagem do melodrama tem sido vastamente estudado, como o próprio


melodrama, por sua importância no contexto da cultura contemporânea, pela amplitu-
de de seu alcance, por suas origens e pelos significados políticos, que bem apontou
Augusto Boal no seu livro aqui já citado.
Pode-se rastrear a evolução histórica da tragédia até o melodrama. Isso têm
feito por inúmeros pesquisadores pelo mundo afora, desde o aparecimento dos primei-
ros folhetins. Em grande parte, essas pesquisas se voltam para aspectos externos das
aparências e do estilo das obras melodramáticas. Em menor número, tratam de suas
estruturas profundas.
A revisão aqui desenvolvida tem como foco exatamente a relação entre as
aparências do fenômenos e suas manifestações como regras sintáticas e estruturas pro-
fundas. Historicamente, ainda na Grécia, a evolução, na linha Ésquilo-Sófocles-Eurí-
pedes, se dá na motivação (Destinador, no modelo actancial), no objeto (Objeto) e no
beneficiário (Destinatário) da ação dramática. No início, o conflito era de deuses ou
semi-deuses contra os deuses diretamente e depois contra um destino pré-traçado. Isso
evolui para conflitos entre homens poderosos e põe em questão as grandes causas pú-

24 KUSNET, Eugenio. Ator e método. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de


Teatro, 1975.
blicas, dos estados, a cidade etc. Depois os objetos vão se deslocando para o campo
privado, da família, das relações de propriedade e de parentesco.
Na Modernidade, a tragédia cede espaço ao drama e o conflito passa a se dar
entre vontades opostas, entre indivíduos, não mais contra entidades transcendentes
como o destino ou a vontade dos deuses. No auge do romantismo e no realismo, os
conflitos são internalizados, como lutas de sentimentos, ou são politizados, quando a
ideologia toma o lugar do sentimento, como motivador. De qualquer forma, esses
conflito ficaram mais “horizontais”, entre semelhantes, e menos entre desiguais, como
deuses contra mortais. Nesta última fase o termo tragédia é substituído por drama. O
senso comum vai continuar associando tragédia a grandes catástrofes e desastres, com
mortes e perdas.
O melodrama começou a tomar forma com a popularização do teatro, depois
da Revolução Francesa, e com o surgimento dos folhetins no século XIX. Há unani-
midade entre os comentadores sobre um aspecto fundamental. O melodrama se esta-
beleceu como uma forma artística de caráter simples, facilmente assimilável pelas
grandes massas, como adaptação “simplificada” do drama e da tragédia “elevadas” ao
gosto das pessoas simples, sem maiores sofisticações intelectuais.
Com origem longínqua na ópera, o melodrama conserva o nome por causa da
prática de reforçar os climas sentimentais com música, daí a partícula melo-, e está in-
dissoluvelmente ligado aos meios de comunicação de massa, reaparecendo cada vez
com mais potência no romance impresso, no rádio, no cinema e na televisão. Nestes
dois últimos teve crescimento vertiginoso.
Há algumas características formais no estilo que permanecem, apesar de tam-
bém evoluírem. A simplificação da representação dos valores morais, que resulta em
maniqueísmo, moralismo, exageros formais, piedade como sentimento motor da emo-
ção e vitória final da virtude ultrajada. Esse esquema começa no teatro dos finais do
século XVIII, invade os folhetins no XIX, contamina o romance popular, o cinema, o
rádio e espraia-se pela TV. O cinema hollywoodiano e a novela de televisão adotam o
melodrama como forma “natural”.
Alguns segmentos de artistas intelectualizados adotam o melodrama num
viés cult e o sofisticam. Não vale a pena aqui estender demais essa caracterização,
mas é necessário ressaltar que mais que uma exigência estética refletida pela crítica ri-
gorosa, o melodrama “casa” perfeitamente com os mecanismos comerciais e empresa-
riais dos poderosos conglomerados que dominam os media e fazem dele alavanca para
a difusão de suas mercadorias.
Do ponto de vista da ação dramática, o mundo do melodrama divide os seus
atores em bons e maus, ambos além de qualquer discussão ou mediação. Os bons são
completamente bons e os maus, completamente maus. Isso facilita o empacotamento
de princípios morais e políticos em simplificações geralmente grosseiras e facilita seu
uso como propaganda, começando por valores religiosos e morais e culminando em
propaganda política explícita, valendo para qualquer credo ou filiação ideológica, en-
cantando multidões, para horror dos mais cultos.
Ismail Xavier:
[…] é comum dizer que o realismo moderno e a tragédia clássica são formas
históricas de uma indignação esclarecida que se confronta com a verdade,
organizando o mundo como uma rede complexa de contradições apta a defi-
nir o limite do poder dos homens sobre o seu destino, ao mesmo tempo que
os obriga a reconhecerem a própria responsabilidade sobre ações que termi-
nam por produzir efeitos contrários aos desejados. Em contrapartida, ao me-
lodrama estaria reservada a organização de um mundo mais simples em que
os projetos humanos parecem ter a vocação de chegar a termo, em que o su-
cesso é produto do mérito e da ajuda da Providência, ao passo que o fracas -
so resulta de uma conspiração exterior que isenta o sujeito de culpa e trans-
forma-o em vítima radical (XAVIER, 2003, p. 85).

O esquema funciona, sem dúvida. Há um personagem vítima, frágil e virtuo-


so, que subitamente é lançado em desgraça, na má fortuna de Aristóteles, por força de
algo injusto e imerecido. E sofre. Tudo obra de algum malfeitor. O conflito se estabe-
lece entre um herói salvador e o malfeitor. A vitória final deverá ser sempre da moral
pacificadora que reconstitui a perfeição do sistema social – as maldades são desvios
individuais ou coletivos. Há finais felizes, muitos, pacificadores da alma, e alguns do-
lorosos, em que a virtude sai derrotada. Não interessa quem ganha o que interessa é a
catarse e a conclusão pedagógica a respeito do bem e do mal.
Os mercados de bens culturais impressos e audiovisuais, além de amplos, são
variados e segmentados. A disputa de mercado gera inventividade, estimulando a bus-
ca de inovações formais. Efetivamente surgem obras bastante diferentes entre si, com
nuances que incluem elementos de outros gêneros, às vezes opostos ou distantes,
como elementos trágicos ou cômicos. A renovação dos produtos é indispensável à
manutenção do sistema, como um reempacotamento de velhas mercadorias. Isso tor-
na, às vezes, difícil para o analista a classificação de algumas obras.
Sem qualquer veleidade de estabelecer um fundamento ou critério original,
apenas percorrendo e selecionando sentidos dentro da vasta produção teórica de auto-
res como Peter Brook25, Renata Palotinni, Silvia Oroz26 ou Ismail Xavier27, e muitos
outros, pode-se tentar estabelecer um critério de distinção das obras para enquadrá-las
nos gêneros narrativos contemporâneos. O critério a ser proposto aqui virá das estru-
turas profundas, da natureza do motivador (Destinador) do personagem vítima, origi-
nador do conflito. Como já foi visto, na tragédia, desde a clássica até o drama moder-
no, o personagem tem a sua mudança de fortuna originada por uma falha trágica que
ele traz dentro de si. Então, embora seu sofrimento seja injusto e dele nos compadeça-
mos, no fundo, ele tem participação na “culpa” e deve responder por ela. Não importa
se ele carrega uma falha moral (vide Boal) ou se apenas cometeu um erro (vide Cleise
Mendes). No melodrama o personagem é isento dessa culpa. Todo sofrimento é ime-
recido e a vítima é virtuosa tanto do ponto de vista moral como da responsabilidade
de gerar o fato desencadeador de sua mudança de fortuna. No enredo, ela é colhida
por um arranjo maldoso do acaso, do sistema social ou de algum malfeitor. Nas me-
lhores obras, de uma articulação dos três.
Há muito que estudar e pesquisar sobre as relações formais entre a tragédia e
o melodrama, e é possível que as obras atuais estejam cada vez mais mescladas de
elementos de todos os gêneros e que se venha a estabelecer um novo gênero híbrido,
síntese dos anteriores. No âmbito nas funcionalidades deste estudo, porém, para en-
tender as diferenças fundamentais entre personagens trágicos e melodramáticos, o cri-
tério aqui proposto é da verificação da presença ou não da falha trágica na composi-
ção motivacional, seja ao nível da subjetividade do personagem, seja ao nível dos en-
contros e desencontros do enredo. O personagem ingênuo e virtuoso, que sofre imere-
cidamente, será melodramático. Chapeuzinho Vermelho, porque transgride a regra de
distanciar-se de estranhos e seguir os caminhos seguros, é personagem trágico.

25 BROOK, Peter. The melodramatic Imagination. New Haven: Yale, 1995.


26 OROZ, Silvia. Melodrama:O cinema de lágrimas da América Latina. Rio de
Janeiro: Funarte, 1999.
27 XAVIER, Ismail. O olhar e a cena. São Paulo: Cosac&Naify, 2003.
4.6 - O personagem da comédia

A Poética, de Aristóteles, termina em uma frase assim: “...e sobre a comé-


dia…”. Um dos grandes enigmas da dramaturgia é o que teria escrito Aristóteles so-
bre a comédia. Prevaleceria a tese exposta no romance O Nome da Rosa, de Umberto
Eco, de que monges copistas da Igreja Católica teriam dado fim à segunda parte da
Poética porque a Igreja achava que o riso seria coisa do demônio? Para Aristóteles, a
comédia é uma das espécies da poesia dramática, a que tem por objeto a representação
da vida de homens inferiores a nós e tem como objetivo provocar o riso. Há várias in-
terpretações sobre a dimensão dessa inferioridade. Para a interpretação mais comum,
inferior é ser carente de virtude. Noutro nível, a inferioridade é ser homem comum,
não ser parte de alguma elite. Não ser deus, rei nem nobre. Para Cleise Mendes 28 há
algo como uma catarse cômica atingível pelo acionamento de outras paixões humanas
que não o terror e a piedade. Este é um raciocínio complexo do qual talvez aqui se
consiga apenas esboçar seus traços gerais.
Ao longo da história ressoam frases feitas e ditos adotados como verdades
que procuram estabelecer as diferenças entre a tragédia e a comédia. Uma, interessan-
te, sobre a arquitetura de seus enredos: a tragédia é uma história em que as coisas co-
meçam bem e terminam mal, e na comédia as coisas começam mal e terminam bem.
Sobre os personagens que nos fazem rir: Há dois tipos de personagens cômicos, os
que se sabem ridículos e os que não têm a menor noção disso. Por outro lado, há per-
guntas que diversas vezes são respondidas ao longo da história e sempre resta algo a
dizer ou surge uma nova resposta que contraria as anteriores.
O que é o riso? O que faz a graça humorística? Afinal, de que se ri?
Estas perguntas são quase irrespondíveis. Não se ri sempre da mesma coisa,
nem da mesma maneira, em diferentes contextos. A questão a ser tratada aqui é o per-
sonagem da comédia e, talvez, se chegar a uma tipologia geral que apoie a análise das
obras narrativas que funcionem na base do humor. A Gargalhada de Ulisses: a catar-
se na comédia, de Cleise Mendes, é um livro indispensável para se começar a enten-
der como operam as estratégias do humor na dramaturgia e nas narrativas. Cleise co-
meça analisando a catarse como base da relação do espectador com a cena. E depois
28 MENDES, Cleise. A gargalhada de Ulisses: a catarse na comédia. São Paulo: Per-
spectiva, 2008.
pergunta como esta relação se transforma quando o objetivo não é a empatia com os
personagens nas formas de medo e piedade, mas provocar o riso. Cleise começa ex-
pondo um argumento que vai negar a seguir, a partir de Bergson, que afirma só ser
possível a comicidade com a suspensão de qualquer empatia, horror ou piedade. Que
o riso seria privilégio de seres que dispensam afeto ou pathos e permaneceriam no ter-
reno da pura e fria razão, que seria a faculdade mental portadora do poder de rir. Algo
parecido com isso. O que aqui está é uma simplificação, já que o argumento é muito
mais complexo. Cleise percorre a cultura ocidental de Arístoteles a Freud para de-
monstrar o erro de Bergson e defender a sua tese de que há uma catarse específica da
comédia.
Ela aponta uma tipologia de personagens da comédia que não configura fun-
ções dramáticas, como as de Souriau ou de Greimas, mas o que ela chama de tipos éti-
cos (de ethos). Estes tipos, que começaram a ser definidos desde Aristóteles, corres-
pondem aproximadamente ao que Greimas chamou de atores, e já foi exposto antes.
Personagens que se definem pelo tipo de ação que praticam. São: o fanfarrão, o iro-
nista, o bufão e o parvo.
Reproduzindo aqui definições de C. Mendes:
[…] a virtude moral corresponde a ‘um meio termo entre dois vícios’. A co-
ragem é virtude por estar entre o extremo medo ou covardia e a excessiva
auto-confiança ou fanfarronice; o justo orgulho é virtude entra a vaidade oca
e a humildade exagerada; no que diz respeirto ao prazer de ‘proporcionar
divertimento’ o homem virtuoso seria o espirituoso, equidistante dos extre-
mos da gaiatice ou bufonaria e da rusticidade ou ausência de senso de hu-
mor, relacionada à estreiteza mental.
O alazón (fanfarrão) tem confiança e otimismo desmedidos, é um impostor
sobretudo para si mesmo; o eirón (ironista) desconfia de tudo, vê o mundo
cinza à sua volta, faz crítica a todos, inclusive a si mesmo; o bufão tem espi-
rituosidade demais; o rústico (parvo), de menos. (parênteses nossos) (MEN-
DES, 2008, p. 154).

Nunca será demais repetir que a comédia e o humor em geral são fenômenos
complexos que demandam estudos e pesquisas de diversos campos do conhecimento
humano, desde a semiótica à psicanálise, da narratologia à sociologia e à história. Es-
ses estudos devem focar questões morais, políticas, ideológicas, sistemas de poder,
costumes, tradições etc. A proposta aqui é que observemos os personagens cômicos
de forma geral: dos palhaços de circo atuais aos arquétipos da Comedia dell’Arte,
passando pela literatura satírica e pela comédia teatral, dificilmente um personagem
cômico estará fora dessa tipologia geral definida acima. Isto porém não faz com que
estes personagens não acumulem, superpostas, outras funções dramáticas, já aponta-
das antes, quando abordadas nas questões relativas às estruturas profundas das narrati-
vas em geral. Para fins de análise, estes conceitos devem ser postos em ação sempre
que convocados pela sensibilidade e agudeza do processo de análise.

Haverá um pós-personagem?

A partir do final do século XIX autores e críticos começam falar da crise do


personagem e de um possível fim do drama. Naquele momento, o teatro sofria uma
espécie de ruptura interna, esgarçando-se entre o texto e a encenação. Era a evolução,
senão revolução, de um meio que antes se concentrava na palavra, no texto, no discur-
so verbal como origem da ação cênica. A realidade da encenação passava a apresentar
desafios criativos que não eram resolvidos mais na pena do autor de peças teatrais,
mas no espaço cênico. Ascendia a figura do diretor. O processo de ensaios e constru-
ção do espetáculo cênico passaram a significar um ato de criação em si, tão ou mais
importante que a escrita do texto teatral e não mero complemento do texto.
Diversos autores começaram a apontar a crise da forma dramática e a autono-
mização do espetáculo em relação ao texto dramático. Jean-Pierre Sarrazac faz uma
releitura desse processo no seu O Outro diálogo29, trazendo à luz textos diversos
como Teoria do Drama Moderno, de Peter Szondi, Teatro Pós-dramático, de Hans-
Thies Lehmann ou ainda A Crise do Personagem no Teatro Moderno, de Robert Abi-
rached.
O que pode ser apontado, de forma concisa, nesse processo, além da ruptura
entre o texto e o palco, que é na verdade a equiparação, em termos de importância
para o processo de criação, do texto com a encenação. Será a quebra do regime dra-
mático exclusivo, com a entrada de elementos épicos, sobretudo a presença do autor
da peça como participante do diálogo e, por fim, a tentativa de quebra, superação ou
discussão da mimese.
Sarrazac constrói o argumento de que o que houve foi uma mutação, uma
mudança de paradigma. Rebatendo a ideia de morte do teatro e da dramaturgia, com a
29 SARRAZAC, Jean-Pierre. O Outro Diálogo: Elementos para uma poética do
drama moderno e contemporâneo. Trad, Luís Varela. Portugal: Ed. Licorne, 2011.
perda de importância do texto teatral para a encenação, estabelecendo uma dualidade
entre dramaturgia e palco, ele propõe a ideia de um teatro polifônico, em que todos os
elementos se articulam para a produção de efeito sobre o espectador.
Obviamente, o interesse aqui é o destino do personagem dentro deste
processo. Sarrazac fala da passagem de um teatro-na-vida, circunscrito à dramaturgia
clássica, e à dramática rigorosa, como a proposta por Aristóteles, com nó e desenlace
e a estrutura canônica, para o teatro-da-vida, em que o personagem deixa de ser um
duplo do espectador, fugindo da mimesis como imitação e passando à mimesis como
um tornar presente.
O personagem desestrutura sua identidade a partir de uma ação completa e
acabada, com princípio, meio e fim, e passa a situar-se no campo da sua subjetividade.
O enredo se dissolve em ações do cotidiano, na banalidade e no sem sentido de ações
que apenas significam a si mesmas, sem se constituirem em imagens de um mundo
exterior. Constrói-se e apresenta-se a imagem de uma subjetividade, de um estado de
consciência, de uma alma.
Tudo teria começado com Antoine, Stanislaviski e a invenção da encenação
moderna. Rumo a um teatro sem drama. A crise da forma dramática viria da
autonomização do teatro em relação ao drama e exaltação da teatralidade: teatro
menos texto – dado de criação, não de realização. A encenação já não é só uma
simples “arte do espetáculo” mas sim ‘um dado de criação”. ...a encenação traz a uma
obra dramática baseada na totalidade do movimento, a totalidade dos objetos, a
dimensão épica que lhe falta.
Esta dimensão épica será incluída com a inversão do sistema. O anúncio da
calma pós catástrofe no sistema Aritóteles-Hegel, com exposição, nó, intriga, ação,
peripécia e catástrofe voltam, decompostas, para uma autópsia dramatúrgica: a
catátrofe, por exemplo, é substituída pelo anúncio de que já não há calmante. O épico
agora é o mergulho na subjetividade de um personagem que já passou pela catástrofe
e agora recolhe os fragmentos de sua percepção de si mesmo.
O novo texto de teatro […] é muitas vezes um texto de teatro que deixou de
ser dramático. A retirada da representação dramática na consciência de
nossa sociedade e na dos artistas é em todo caso inegável e demonstra que,
com este modelo, alguma coisa deixou de ter relação com a experiência. É
necessário constatar o desaparecimento do impulso do drama – pouco
importa saber se a razão está no seu desgaste, no fato de ele simular um
modo de agir que já não se reconhece em mais lado nenhum, ou no fato de
ele esboçar uma imagem obsoleta dos conflitos sociais e pessoais (Sarrazac,
2011, p. 38).
O que Sarrazac chama de drama-na-vida, a estrutura aristótelico-hegeliana,
se baseia num acontecimento interpessoal, no tempo presente. É a característica mais
importante da poesia dramática clássica. É uma forma que vive da reviravolta na
sorte, da passagem da felicidade para a infelicidade ou vice-versa, num grande
conflito dramático que tem princípio, meio e fim. “Um desenvolvimento ao mesmo
tempo orgânico e lógico da ação”(idem, pág. 40)
Ele propõe drama-da-vida, para designar o novo paradigma. O drama-da-
vida contraria as unidades de tempo, lugar e ação. Sua duração cobre toda uma vida,
recorrendo a procedimentos de montagem e à retrospecção, privilégio do teatro épico.
Ele muda a duração e o ritmo interno do drama. Sua dramaticidade, segundo Sarrazac,
reside no que ele chama de infra-dramático, reunindo acontecimentos minúsculos, no
limite da insignificância.
Não há mais grandes reviravoltas. Já não há heróis, não há mito nem
progessão dramática, O infra-dramático não reside só na pequena dimensão
dos personagens, dos acontecimentos e outros micro-conflitos; tem também
a ver com a subjetivação e com a relativização que marcas esses micro-
conflitos… estamos perante um teatro íntimo e conflitos muitas vezes intra-
subjetivos e intra-psíquicos. (SARRAZAC, 2011).

É difícil determinar as razões de todas estas mudanças. Tudo isso teria tido
início com Ibsen, Strindberg e Tchekov. Seria um longo estudo. Mas pode-se supor
algumas dessas razões. Talvez a vida moderna tenha reconfigurado a existência das
pessoas, no sentido de fazê-las parte de multidões anônimas e sem poder. Joguetes de
macro sistemas diante dos quais não será mais sujeito nem objeto, mas um átomo
indistinto.
O diálogo no modelo drama-na-vida se dá entre os personagens. O autor está
fora. No drama-da-vida, analisado por Sarrazac, o autor entra no diálogo, que se
amplia e, mesmo pronunciado pelos personagens em cena, passa a ser um diálogo
multivozes, expressão de um novo tempo histórico. Como a ação já não se desenrola
num presente absoluto, como numa corrida em direção ao desenlace, a uma catástrofe
futura, mas passa a consistir num regresso reflexivo e ou interrogativo a um drama
passado e a uma catástrofe já ocorrida, quem está no centro não é o homem que age,
mas o homem sofre, um homem em paixão. Agir é, antes de tudo, querer agir. A crise
da ação começa sem dúvida na crise do sujeito, nas falhas do eu e da sua capacidade
de querer.
Até aqui o teatro moderno foi usado como corpus da observação do
fenômeno de uma pós dramaticidade. É possível, sem muito esforço, estender estas
questões para outras linguagens artísticas como a literatura e o cinema, e verificar
que, também nestas formas artísticas, os enredos e os personagens, em determinados
segmentos ou nichos poéticos, sofrem os mesmos efeitos apontados por Sarrazac no
teatro. Mas não se deve esquecer que estas formas poéticas convivem com outras,
estabelecidas anteriormente, cuja atualização se dá ao nível dos efeitos visuais e das
chamadas trucagens. Permanecem os velhos apelos emocionais. Quando se trata dos
meios de comunicação de massa, a performance artística cede terreno a funções
econômicas. As obras, no fundo, são predominantemente mercadorias e, apesar de
tudo, seguem como oportunidades quase únicas de experiência estética para as
multidões que correspondem á descrição de Sarrazac.
Sarrazac chega ao final do seu “Outro Diálogo” apontando para uma
configuração do personagem que alcançaria uma dimensão a que ele chama de
impessoal. O impersonagem do título deste trabalho. Embora este assunto mereça
análise mais minuciosa e profunda, não parece apenas uma coincidência histórica o
que acontece tanto no campo do pensamento filosófico como na dramaturgia.
O pensamento filosófico, e falando apenas como um observador leigo em
filosofia, não como especialista, depois de Karl Marx, de Freud, de Nietzsche e
outros, evoluiu no sentido da desconstrução de certezas baseadas num suposto contato
efetivo e completo entre os sujeitos das observações e um mundo externo concreto,
coisa observada. Marx pensa o homem como objeto de suas próprias condições
materiais de existência e não como um sujeito autônomo, determinante de sua
consciência. Freud, por sua vez, empurra o eu consciente para um abismo insondável
dentro da própria mente. A realidade objetiva cede lugar ao discurso do sujeito do
conhecimento como objeto de atenção. Enquanto isso, conforme nos expõe Sarrazac,
citando principalmente Robert Abirached, o drama fundamentado no acontecimento
completo e acabado, baseado na ação humana exercida por sujeitos conscientes da
própria vontade, é substituído por uma forma de narrativa não dramática, em que o
clímax, antes ponto de convergência das obras, passa a o ser objeto de análise dentro
da própria ação “dramática”, depois de acontecido, por personagens que nada sabem
de si, que perdem seus caracteres e dissolvem-se na multidão, como o homem comum
ou o Zé Ninguém.
Para efeito de análise de obras narrativas numa pesquisa, estas mudanças
devem ser vistas dentro dos modelos de análise propostos nas funções dramáticas e na
visão das estruturas profundas, mas caberá ao observador perceber se o procedimento
responde às demandas de compreensão e entendimento dos personagens que analisa
ou se terá que buscar outras formas de compreendê-los.

Conclusão

A conclusão deste trabalho deveria indicar ao leitor quais os procedimentos de


análise adotar diante da presença personagens em obras narrativas. Aqui se deveria
formular um conceito prático de personagem. No entanto, o personagem sempre re-
sultará complexo. Será preciso proceder a análise a partir da proposta estética da obra
e de seu enraizamento cultural. Submeter os personagens a olhares metodológicos di-
versos em vez de procurar um enquadramento único, categórico e definitivo.
No caso das obras de ficção, o analista deve começar situando historicamente
sua origem e seus vínculos inter textuais. Nas obras não ficcionais deve-se questionar
a aplicação do termo personagem para denotar personalidades históricas, atores soci-
ais ou pessoas do mundo real. Ou adjetivá-los: personagem histórico etc.
Caso estes agentes nascidos fora do campo da ficção sejam transpostos para
obras narrativas, deverão passar a ser tratados no contexto dessas obras. Os vínculos
com sua existência fora das obras devem ser analisados apenas como modos de mime-
se. Com isso concluímos que o centro do processo de análise deverá ser sempre o tex-
to narrativo e sua estruturação como obra. Na medida do possível, com a indicação de
gênero poético, estilo de época, marcas autorais etc. Toda conclusão analítica deverá
ser fundamentada e autorizada pela e na forma do texto. Fora daí será super interpre-
tação.
Cabe ao analista compreender o modo de funcionar da obra diante do aprecia-
dor para quem é dirigida. Identificar as suas estratégias de produção de efeito estético,
entender a forma da obra como um programa para a produção de efeito. Recomendá-
vel, neste caso, também, situar as habilidades e competências necessárias ao aprecia-
dor para sofrer esses efeitos.
Quanto aos personagens, sua análise deverá recorrer às noções de situação
dramática, de função dramática e ou dramatúrgica, a partir do que foi abordado antes,
aqui. De modo geral, estas funções permitem a visualização do modo de operar do
programa de produção de efeito inscrito na obra. Os modos de operar das funções dra-
máticas dentro das diversas configurações de sub-gênero dramático ou narrativo (dra-
ma, comédia, sátira, melodrama etc) devem ser identificados nos caracteres singulares
dos personagens inscritos no texto da obra ou dele diretamente deduzidos.
Por fim, caberá ao analista a capacidade de se deslocar de posições teórico-
metodológicas a priori, para entrar num regime de cumplicidade poética com autoria
da obra em análise, tornando-se capaz de percebê-la em seu processo poético, em sua
gênese, para depois distanciar-se e formular seus pareceres. E para fechar esta conclu-
são, lembrar da recomendação de Luigi Pareyson quanto ao confronto do gosto pesso-
al com o juízo estético. Diante da impossibilidade de estabelecer um critério universal
de avaliação das obras de arte, cabe ao analista ter acesso à obra através de seu gosto
pessoal, mas não de julgá-la segundo este gosto. Não transformar preferềncias em juí-
zos. “…a verdadeira avaliação da obra é a consideração dinâmica que ela se faz,
isto é, o confronto da obra tal como é com a obra tal como ela própria queria ser”
(PAREYSON, 2001, p. 245).

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