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Edital UEMS/CNPq N° 03/2023 –PROPPI/UEMS – PIBIC

Seleção Pública de Projetos para o


Programa Institucional de Iniciação Científica
Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul

ANEXO 4

PROJETO DE PESQUISA
Dos pés à ponta do fio: o corpo negro que dança no Brasil.

Discente: Leticia dos Santos Corrêa

Docente orientadora: Profa. Dra. Rosana Baptistella

Linguística, Letras e Artes - Artes - Dança

Campo Grande, março de 2023


1. Título do Projeto
DOS PÉS A PONTA DO FIO: O CORPO NEGRO QUE DANÇA NO BRASIL.

2. Necessidade de aprovação do projeto pelo CEUA/CESH e quando for o caso, indicação


número de protocolo de aprovação pelo CEHS ou comprovante de submissão ao
CEUA (sob pena de desclassificação caso não haja essa informação): Não há
necessidade de aprovação do projeto pelo CEUA/CESH

3. Nome completo da aluna


Leticia dos Santos Corrêa

4. Nome completo da orientadora


Rosana Baptistella

5. Grande área, área e subárea do CNPq (imprescindível para a avaliação e classificação


da proposta):
Linguística, Letras e Artes - Artes – Dança

6. Introdução e Revisão de Literatura


Essa pesquisa surge a partir de alguns questionamentos e inquietudes que dizem respeito
ao racismo e preconceito que o corpo negro e suas características físicas e culturais sofrem no
Brasil, sendo desenvolvida na linguagem da Dança. Além disso, são trazidas para o campo de
pesquisa vivências e experiências pessoais sobre origens, a atuação profissional e a visão do
meio que a discente pesquisadora está inserida enquanto mulher negra artista da dança.
Desse modo, pretende-se levantar relações sobre o cabelo afro e corpo negro que dança
no Brasil. Ao realizarmos uma breve pesquisa sobre a importância do cabelo para alguns povos
africanos vemos que pode indicar “o estado civil, a origem geográfica, a idade, a religião, a
identidade étnica, a riqueza e a posição social das pessoas” (GOMES, 2006, p. 45). A professora
Nilma Lino Gomes (2006) analisa em sua obra “Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolo
da identidade negra”, o cabelo não apenas como parte do corpo individual e biológico, mas,
sobretudo, como corpo social e linguagem; como veículo de expressão e símbolo de resistência
cultural, o que podemos associar também com as danças afro-brasileiras, como discutiremos
neste projeto.
O cabelo e o corpo são pensados pela cultura. Por isso não podem ser
considerados simplesmente como dados biológicos. Cabelo crespo e corpo
podem ser considerados expressões e suportes simbólicos da identidade negra
no Brasil. Juntos, eles possibilitam a construção social, cultural, política e
ideológica de uma expressão criada no seio da comunidade negra: a beleza
negra. (GOMES, 2006, p.24).

A identidade negra, como qualquer processo identitário, se constrói no contato com o


outro, no contraste com o outro, na negociação, na troca, no conflito e no diálogo, algo muito
presente nas danças afro-brasileiras.
O cabelo para os povos africanos é entendido como uma extensão do corpo, então,
contextualizando essa questão, pode-se compreender que o mesmo preconceito que julga o
cabelo de uma pessoa, recai sobre seu corpo imediatamente. Pensar nessa relação direta entre
corpo e cabelo nos leva a refletir sobre inúmeras formas com que esse corpo é atingido
diariamente, inclusive na arte da dança.
A cabeça, especialmente os cabelos crespos, se inserem na comunicação
corporal, manifesta através dos penteados afros, considerados como
manifestações artísticas, penteados esculturais. Trata-se de estéticas de
memórias ancestrais, próximas, familiares, cotidianas” e também, religiosas.
(...) Quando nos reportamos a corpos negros em diásporas, cabe destacar que
não trouxeram somente seus corpos físicos, sobretudo hábitos, cosmogonias,
cosmologias, festejos, lembranças. Expressam-se, representam suas memórias
dançando, produzindo sons, ritmos, cadências, ornamentando seus corpos
com vestimentas e penteados enraizados em performances de “tradição viva”.
Povos que, silenciados pelo tráfico e escravismo, traduziram suas culturas
africanas nas Américas através da língua do corpo. (SILVA, 2020, p.04)

Traçando caminhos por essa perspectiva, sobre o corpo negro que (re)existe/resiste no
Brasil através da Arte, com um olhar neste projeto em especial através das Artes Cênicas, tem-
se como referência a performance “Bombril” (2010) da artista plástica e performista Priscila
Rezende (nascida em 1985).
(...) em sua performance a artista esfrega uma determinada quantidade de
objetos de material metálico, e usualmente de origem doméstica, com seus
próprios cabelos. ‘Bombril’, além de uma conhecida marca de produtos para
limpeza e de uso doméstico, faz parte de uma extensa lista de apelidos
pejorativos, utilizados em nossa sociedade para se referir a uma característica
do indivíduo negro: O CABELO. Além dessa performance, a artista também
tem outros trabalhos performáticos que se concentram principalmente em
apropriar, expor e promover uma reflexão crítica sobre os estereótipos
pejorativos e formas estruturais de violência que o racismo e a branquitude
cometem sobre pessoas negras, sobre seus corpos, subjetividades, direitos e
histórias. (REZENDE, 2021)
Ainda trilhando essa linha de pesquisa e processos criativos que discutem sobre o tema
apresentado “o cabelo afro e corpo negro que dança no Brasil”, temos o artista da dança Leandro
Souza (nascido em 1980) em sua performance “Eles Fazem Dança Contemporânea” (2019),
conforme encontramos no catálogo:
enquanto manipula uma pilha de cabelos sintéticos, o artista Leandro Sousa
repete incessantemente a pergunta “Eu sou suficientemente negro para
você?”, refrão de uma música do afro-estadunidense Billy Paulo. “Eles Fazem
Dança Contemporânea” é um solo coreográfico gerado pelo emaranhamento
da fala, do corpo e do objeto. Nele, o artista procura por uma cena síntese
capaz de dar vazão aos dilemas, ruídos e tensões, envolvendo as presenças
negras na arte contemporânea ocidental. A dança é articulada a partir de novos
entendimentos sobre coreografia, dialogando com as artes visuais e a
performance e se alinhando à crescente demanda por representatividade e
descolonização da produção de arte e conhecimento. Leandro busca tensionar
as questões da negritude, em relação aos modos eurocentrados de fazer, pensar
e ver arte. Ele provoca reflexões acerca de uma lógica do “lugar específico”,
pelas quais operam instituições artísticas e às quais corpos racializados e
subalternizados são relegados. (MITsp - Ed: 8º, 2019)

A partir dessas perspectivas e referenciais, vemos que há pesquisadores e pesquisadoras


que já trabalham e discutem a temática “o cabelo afro e corpo negro que dança no Brasil”, tendo
em vista o processo de descolonização dos corpos negros, expondo e fomentando um reflexão
crítica através da arte, sobre as violências estruturais sofridas pelo corpo negro brasileiro.
Desse modo, pretendemos realizar uma pesquisa aprofundada partindo de perspectivas
não eurocêntricas e pensamentos afrodiaspóricos, “resultando em estudos teóricos, discussões,
escritas, quanto à percepção de si, de suas memórias, que reverberam no corpo, no movimento,
na dança, em contato com textos poéticos, literários e reflexivos” (BAPTISTELLA, 2022) -
como escreve a orientadora deste sub-projeto de PIBIC em seu projeto - que, por conseguinte,
propicie a elaboração de um trabalho performático como conclusão dos estudos e da pesquisa.

7. Objetivos Gerais e Específicos

Objetivo Geral
Sobre perspectivas não eurocêntricas e pensamentos afrodiaspóricos influenciados por
alguns autores que discutem o tema, realizar uma pesquisa aprofundada que, junto ao relatório
teórico, resultará em uma performance como conclusão da pesquisa, a qual conterá todo o
processo de experiência e vivências observadas e realizadas pelo corpo da discente
pesquisadora.
Objetivos Específicos

- Através da pesquisa corporal laboratorial, etnográfica e teórica, encontrar caminhos poéticos


traçados por corpos negros que dançam no Brasil;
- Reverberar os processos pesquisados no corpo da própria acadêmica pesquisadora, artista da
dança, física e metaforicamente, do enraizamento dos pés às pontas dos fios de cabelo;
- Criar uma performance com os elementos vividos e experimentados durante a pesquisa;
- Circulação da produção além do meio acadêmico e artístico (eventos como congressos,
seminários, mostras, festivais etc.), buscar intercâmbios com escolas, secretarias de educação,
projetos sociais e/ou de educação

8. Metodologia

A metodologia se dará por meio de leituras específicas, pesquisas audiovisuais,


memórias, estudos laboratoriais, representações escritas, desenhadas, dançadas sobre o tema.
A pesquisa perpassará o corpo da discente, acompanhada das leituras e reflexões, discutidas em
rodas de conversas nos encontros semanais com o grupo de pesquisa coordenado pela
orientadora, na linha de pesquisa “Corpo, leitura e memória”, do Grupo de Pesquisa Poéticas e
Educação em Dança – GPPED (UEMS/CNPq) e em encontros individuais de orientação.
Leituras, escritas, oralidades, oralituras, memórias e histórias da discente, ancestrais, de
artistas pesquisados em textos, fotos e vídeos, desvendando alguns saberes e construindo
outros, como nos traz Leda aria Martins (2003):

A textualidade afro-brasileira e as performances da oralidade nos oferecem


um amplo feixe de possibilidades de percepção. Caligrafando a história e a
memória dos afrodescendentes. Essa memória do conhecimento grafa-se,
também, como aletria, nas pautas do papel e do corpo. Um saber que se borda
pela fina lâmina da palavra ou no delicado gesto. Littera e litura. Gravuras da
letra, do corpo e da voz. (MARTINS, 2003, p. 18)
9. Cronograma de Atividades
O cronograma está organizado por trimestres.

Cronograma de Atividades da Pesquisa (4 trimestres = 12 meses)


Descrição das ações/ atividades 1º 2º 3º 4º
quadrimestrais
Agosto a Novembro Fevereiro Maio
Outubro 2023 a a Abril a Julho
1 Participação em atividades do GPPED – Linha x x x x
2023 Janeiro 2024 2024
de Pesquisa “Corpo, leitura e memória” 2024
2 Reuniões de Orientação x x x x
3 Pesquisa Bibliográfica e Videográfica x x x
4 Pesquisa Prática x x x
5 Escritas corporais- videodanças, ensaios, x x
experimentos cênicos
6 Escritas de relatórios parciais, artigos x x
científicos e outras produções bibliográficas
7 Participação em eventos acadêmicos e x x
artísticos
8 Escrita do Relatório Final x x

10. Resultados esperados


Espera-se produzir, a partir da organização dos estudos, das reflexões, das práticas, das
anotações, dos rascunhos, dos desenhos, dos vídeos, dos escritos e das danças elaborados ao
longo dos 12 meses de pesquisa: artigos científicos, palestras e oficinas sobre o assunto
discutido. Existe uma imensa relação entre cabelo e danças; o entendimento dessa relação que
será propiciado pelo projeto, será difundido poética e academicamente
Quanto à circulação da produção em dança por parte da discente pesquisadora de iniciação
científica, além do meio acadêmico e artístico (eventos como congressos, seminários, mostras,
festivais etc.), buscaremos intercâmbios com escolas, secretarias de educação, projetos sociais
e/ou de educação. Trabalharemos na formação de público, procurando levar um pensamento
sobre a dança como um campo do conhecimento que pode/deve romper barreiras e
preconceitos.
11. REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Djaimilia Pereira de. Esse Cabelo: a Tragicomédia de um Cabelo Crespo Que
Cruza Fronteiras. São Paulo: Leya, 2017

ANTONACCI, Maria Antonieta. Memórias Ancoradas em corpos negros. São Paulo: Educ
– PUC/SP, 2014.

ARAÚJO, Christiane Guimarães; OLIVEIRA, Paulo Henrique dos Santos. Corpo-vínculo:


processos de criação em arte, educação e tecnologia. Anais eletrônicos da III Jornada
Brasileira de Educação e Linguagem/ III Encontro dos Programas de Mestrado
Profissionais em Educação e Letras e XII Jornada de Educação de Mato Grosso do
Sul/2018. UEMS, Campo Grande, junho/2018. Disponível em:
https://anaisonline.uems.br/index.php/jornadaeducacao/article/viewFile/4905/4931. Acesso:
15 mar. 2021.

BAPTISTELLA, Rosana. Leitura e corpo em reverberação. 2018. Tese (doutorado) -


Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, SP. Disponível em:
http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/332488. Acesso: 10 mar.2021.

BARBOSA, Rogério Andrade. O segredo das tranças e outras histórias africanas. São
Paulo: Scipione, 2008.

COSTA, Daniel Santos (org.). Corpo e diásporas performativas. Jundiaí: Paco Editorial,
2019.

COSTA, Joaze Bernardino; TORRES, Nelson Maldonado; GROSFOGUEL, Ramón.


Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador:
EDUFBA, 2008.

GOMES, Nilma Lino. Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolo da identidade negra.
Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
LOPES, Carlos Herculano. A dança dos cabelos. Belo Horizonte: Record, 2017.

MARTINS, L. Performances da oralitura: corpo, lugar da memória. Letras, [S. l.], n. 26,
p. 63–81, 2003. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/11881. Acesso
em: abr. 2023.

MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralas: Poéticas do corpo-tela. Rio de


Janeiro: Cobogó, 2021.

MITsp - Ed: 8º, 2019. Eles Fazem Dança Contemporânea, por Leandro de Souza. Disponível
em: https://mitsp.org/2022/eles-fazem-danca-contemporanea/. Acessado em: 08 abr 2023.

MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus


identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

REZENDE, Priscila. BOMBRIL, 2010. Performance e série fotográfica. Disponível em:


https://www.oficinapalimpsestus.com.br/priscila-rezend. Acessado em: 10 abr 2023.

RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.

SABINO, Jorge. LODY, Raul. Danças de Matriz Africana: Antropologia do movimento. Rio
de Janeiro: Pallas, 2011.

SANTOS, Inaicyra Falcão dos. Corpo e Ancestralidade: uma proposta pluricultural de dança-
arte-educação. Curitiba: CRV, 2021.

SILVA, Celia Regina Reis da. Cabelo crespo, corpo negro na luta cultural por
representação afirmativa da identidade negra. Revista Trilhas da história, v. 10, n.19, ago.-
dez, 2020.

SIMAS, Luiz Antonio. RUFINO, Luiz. LOBO, Rafael Haddock. Arruaças: uma filosofia
popular brasileira. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.
SOARES, Anita Maria Pequeno. Cabelo importa: os significados do cabelo crespo/cacheado
para mulheres negras que passaram pela transição capilar. Dissertação (Mestrado em
Sociologia) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018 Disponível em:
https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/39065. Acessado: 02 jul 2022

SOARES, Vanessa. Por Onde Meu Corpo Dança. Disponível em:


https://profissoeseconomiacriativa.com.br/mostra-iec/producao-independente/por-onde-meu-
corpo-danca/ . Acessado: 09 abr 2023.

SODRÉ, M. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.

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