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CULTURAS AFRICANAS E AFRO-BRASILEIRAS EM SALA DE AULA – saberes para os

professores, fazeres e artes visuais


Referências:
FELINTO, Renata (Org.). Culturas africanas e afro-brasileiras em sala de aula: saberes para
os professores, fazeres para os alunos: religiosidade, musicalidade, identidade e artes visuais.
Belo Horizonte, MG: Fino Traço Editora Ltda, 2012. 116p. (Formação docente; 3). ISBN 978-
85-8054-052-9.

A RELAÇÃO DO CORPO PARA A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NEGRA – JOYCE


MARIA RODRIGUES - 61
Referências:
RODRIGUES, Joyce Maria. "A relação do corpo para a construção da identidade negra". In:
FELINTO, Renata (Org.). Culturas africanas e afro-brasileiras em sala de aula: saberes para
os professores, fazeres para os alunos: religiosidade, musicalidade, identidade e artes visuais.
Belo Horizonte, MG: Fino Traço Editora Ltda, 2012. p. 61-66.

"A identidade de um indivíduo tem seu início no processo que se dá a partir do seu olhar para
si próprio e do olhar do 'outro' para ele. Por isso podemos entender que o processo identitário
é tanto individual quanto coletivo e sempre engendra instâncias conflituosas. A identidade não
somente demarca a existência de um indivíduo no mundo, mas também direciona a maneira
como ele vai se socializar. Logo, a identidade do negro está intrinsecamente ligada à sua
relação com o seu próprio corpo, no qual foram inscritos, ao longo da história, valores e
crenças negativas que tendem a depreciá-lo" (RODRIGUES, 2012, p. 61).

"O corpo se destaca, assim, como veículo de expressão de opressão, que constrói no indivíduo
diversos sentimentos contraditórios como rejeição, negação, sofrimento, dor, aceitação,
resistência, mas também felicidade. Além disso, pensar o corpo negro construído ao longo da
história da sociedade brasileira é refletir sobre um corpo que durante três séculos da História
do Brasil foi resumido ao status de mercadoria" (RODRIGUES, 2012, p. 61, grifo do autor).

"A partir do século XVI, o cabelo carapinha, o nariz achatado, a boca grande e carnuda e a
pele negra, foram características biológicas associadas a seres primitivos e monstruosos, que
habitavam a África, uma terra repleta de magia e fetiche. Neste momento inicia-se a
construção da imagem do homem negro africano relacionada à dos demônios bíblicos. Porém,
foi no século XIX, à luz de teorias como o positivismo, darwinismo e o evolucionismo, que
essas características físicas e biológicas começam a determinar o caráter e a personalidade do
indivíduo negro" (RODRIGUES, 2012, p. 61-62).

"O apogeu das teorias raciais ao longo do século XIX é marcado por pensamentos de
intelectuais como o filósofo francês Gobineau (1816- 1882), o médico e cientista italiano
Lombroso (1835- 1909), entre outros, que em síntese marcam a ideia de 'raças'
biologicamente determinadas e hierarquicamente posicionadas na escala evolutiva da
humanidade." (RODRIGUES, 2012, p. 62).

"A autora destaca que, de forma diferente, a mulher negra de pele escura também consegue
modificar a sua representação social com a manipulação de seu corpo. Quando modifica o seu
cabelo, alongando-o ou por meio de processos químicos, ela pode passar da categoria 'negra'
para a de 'mulata'. O significado da mulata é, dentre tantos, fruto de uma relação entre branco
e negro e, no imaginário social, ela é vista como produto da mestiçagem, uma mulher que traz
um tom 'bronzeado' ou 'moreno' de pele." (RODRIGUES, 2012, p. 63).

"Na construção de sua identidade, a mulher negra, seja sua pele de tonalidade escura ou clara,
constrói sua corporeidade e incorpora um movimento tenso de rejeição/aceitação,
negação/afirmação do corpo. Essa aceitação vai depender da sua trajetória de vida, da
inserção social, das possibilidades de convivência em espaços onde a cultura negra e as raízes
africanas não sejam vistas de maneira negativa" (RODRIGUES, 2012, p. 63).

"A autora Patrícia de Santana Pinho, em seu livro Reinvenções da África na Bahia (2004),
apresenta como os blocos afros Ilê Aiyê e Olodum estão desenvolvendo estratégias para
construir cidadãos negros conscientes. Para ela:
A produção cultural dos blocos afro tem contribuído para perpetuar uma imagem cada vez mais negra, não
apenas da Bahia, mas também dos indivíduos seduzidos pelas mensagens afrocentradas e pelas narrativas
identitárias produzidas pelos blocos. Aliada ao discurso - e totalmente permeada por ele - está a prática dos
blocos afro, realizada através de projetas de ação social nos bairros em que se localizam. Utilizando o poderoso
arsenal de músicas, ritmos, danças indumentárias e penteados, os membros mais velhos dos blocos afro investem
nas crianças e adolescentes, apostando que estes terão acesso ao que eles próprios não tiveram plenamente: o
ingresso na sociedade dominante, no mercado de trabalho e de consumo, no mundo da política, e enfim a
conquista da cidadania. (Pinho,2004: 124)” (RODRIGUES, 2012, p. 64, grifo do autor)
"Por fim, percebemos como o corpo negro se recria e se ressignifica ao longo da história na
sociedade brasileira. Sendo ao mesmo tempo produtor e fruto da identidade negra, o corpo
negro não marca a vida social do povo negro somente de maneira negativa, estigmatizada, que
manifesta o sentimento de sofrimento e de dor, pois também marca a luta por reconhecimento,
luta, resistência e beleza, que traz alegria, satisfação e autoestima. O corpo negro hoje se
encontra como instrumento da construção e recriação não somente da cultura afro-brasileira,
mas também da cultura nacional, não a que privilegiava um país miscigenado culturalmente, e
sufocava e inferiorizava a cultura negra, mas a que tenta construir um país multicultural,
entendendo e respeitando a diversidade étnico-racial aqui existente." (RODRIGUES, 2012, p.
64)

"A relação da mulher negra brasileira com a sua imagem nos apresenta um esboço da
complexa realidade das relações raciais que permeiam a sociedade brasileira. Para além do
caráter biológico, o corpo se inscreve e se constrói, culturalmente e historicamente, no meio
social. Portanto, o espaço escolar é constituído por diversas identidades sociais e culturais,
dentre eles - de gênero, de geração, de pertencimento étnico-racial." (RODRIGUES, 2012, p.
64)

"(...) Na sociedade brasileira, o professor no espaço escolar adquire a complexa tarefa de lidar
com os conflitos construídos por ideias preconceituosas e comportamentos discriminatórios.
Qual docente nunca vivenciou acena de um aluno xingando o outro de macaco? Qual docente
nunca teve que responder as queixas de uma aluna reclamando que seu colega disse que seu
cabelo era duro e feio?" (RODRIGUES, 2012, p. 64)

“(...) O objetivo deste texto não foi ensinar uma fórmula mágica para o professor reagir diante
de situações de discriminação e preconceito racial existentes na escola, mas possibilitar a
compreensão e reflexão sobre o processo de construção da identidade da mulher negra. É
imprescindível que o docente construa estratégias e práticas pedagógicas para lidar com o
racismo no ambiente escolar, através da transformação do seu próprio olhar.” (RODRIGUES,
2012, p. 65)

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