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Guia para

práticas
anticapacitistas
na Universidade
2 ° Edição
Descrição da imagem: sobre o fundo preto da página, há a ilustração de cinco
pessoas. Ao redor de todas as pessoas e objetos, há traços brancos que fazem seus
contornos. Na parte superior da imagem, à esquerda, há o busto de uma pessoa
negra com o cabelo rosa. Ela está sorrindo e usa óculos em formato quadrado e
azul claro. Ao centro, há um computador com uma mulher branca com cabelo azul
claro na tela. Ela veste uma camisa laranja e se comunica em língua de sinais. Do
lado direito da tela do computador, há o símbolo de Libras. À direita da imagem, há
o busto de uma pessoa negra. Ela tem cabelo curto rosa e faz uso de um aparelho
auditivo. Na parte inferior da imagem, à esquerda, há uma mulher sentada em uma
cadeira de rodas rosa. Ela está de costas, tem cabelo rosa, liso e um pouco abaixo
da altura dos ombros, veste uma blusa branca de tiras e carrega uma mochila
laranja pendurada na cadeira. À direita da imagem, há um homem negro sentado em
degraus brancos. Ele tem cabelo black power rosa, usa óculos com armação rosa e
azul, e veste uma camisa, uma calça e um tênis brancos. Fim da descrição.
A Universidade Estadual Pau- biente universitário em um espa- posteriormente institucionaliza- as pró-reitorias e ouvidoria da
lista, em sua história recente, ço seguro e inclusivo para todos da como coordenadoria pela Re- UNESP e com as coordenadorias
tem realizado ações voltadas ao os membros do seu corpo social. solução UNESP nº 7, de 26/01/22. e comissões institucionais com
debate e à promoção de polí- atuação nas áreas de incidência
ticas afirmativas e ao combate No âmbito do Projeto Educan- São competências da Coorde- da CAADI. Desse diálogo nascem
à discriminação e às violências do para a Diversidade, fruto des- nadoria de Ações Afirmativas, Di- ações normativas, levantamentos
na comunidade acadêmica, com sa colaboração, foram elaborados versidade e Equidade (CAADI) ela- e análises de informações insti-
base nos princípios de direitos e divulgados guias informativos borar, planejar, mapear, identificar, tucionais e acadêmicas, suporte
humanos. sobre práticas anticapacitistas, diagnosticar, acompanhar e ava- financeiro e pedagógico e iniciati-
prevenção ao assédio, racismos, liar políticas, culturas e práticas vas informativas e educativas.
Em 2018, por intermédio da branquitude e Transtorno do Es- cujos objetivos sejam efetivar po-
Faculdade de Arquitetura, Artes, pectro Autista. líticas e ações afirmativas para a Este guia é fruto das interlo-
Comunicação e Design (FAAC), promoção de direitos humanos, cuções promovidas nesse con-
da Pró-reitoria de Extensão Uni- Assumindo o desafio de re- equidade de gêneros, inclusão e texto institucional, e visa con-
versitária e Cultura (PROEC) e da conhecer as diversidades e os respeito às diversidades, enfren- tribuir para a construção de
Reitoria, e com apoio da Ouvi- direitos humanos como pautas tar e prevenir todas as formas de práticas inclusivas e de garantia
doria, a UNESP firmou convênio e linhas de ação institucional, violência na UNESP. aos direitos das pessoas em suas
com o Santander, com o objeti- em março de 2021 a vice-reito- diversidades, na Universidade.
vo de desenvolver e disseminar ria da universidade constituiu Pautadas na transversalidade e
ações, debates e conteúdos com a Assessoria de Ações Afirma- na colaboração, essas ações têm
vistas à transformação do am- tivas, Diversidade e Equidade, sido efetivadas em conjunto com
Sumário
Apresentação 04

Mas, afinal, o que você compreende por deficiência? 05

Conceituando a Deficiência: base legal 06

Barreiras para a inclusão das pessoas com deficiência 07

O que é Capacitismo? 09

Como o capacitismo funciona? 10

Em que o capacitismo se sustenta? 11

E o que são práticas anticapacitistas? 11

E no ambiente escolar/acadêmico, como isso se aplica? 14

Exemplos de capacitismo na Universidade 18

Exemplos de práticas anticapacitistas 19

Concluindo 20

Referências 22

Autoras 23
Guia para práticas
anticapacitistas 04
Apresentação Os ativistas com deficiência, no intuito de
visibilizar a opressão vivenciada em decor-
rência de seus corpos não reproduzirem os
Você já percebeu que em nossa sociedade ideais de capacidade e de aparência, elege-
existem diferentes termos para designar os ram o termo capacitismo.
tipos de preconceito e de discriminação que
algumas pessoas vivenciam no seu dia a dia? Em algum momento você já compartilhou
espaços ou momentos com pessoas com de-
Para nomear o tipo de discriminação que ficiência? Faz parte de seu cotidiano no am-
mulheres sofrem, tem sido utilizado o termo biente de trabalho, nas atividades de lazer,
sexismo. Em relação à discriminação expe- na família ou nos espaços de aprendizagem a
rienciada por pessoas não brancas, tem-se convivência com pessoas com deficiência?
o termo racismo. No que se refere à discri-
minação de pessoas LGBTQIA+, destaca-se a
utilização do termo LGBTQIA+fobia.

E você, leitor, já se perguntou qual é o termo


utilizado para nomear o preconceito e a dis-
criminação por motivo de deficiência?
Guia para práticas
anticapacitistas 05
Mas, afinal, o que Afirmar a relação entre as desvantagens e
os contextos significa que aquilo que tra-
você compreende por dicionalmente pensamos ser causado pe-
los impedimentos corporais (por exemplo:
deficiência? baixo rendimento na escola, dificuldades
para trabalhar, ter poucas amizades) ocorre
Há diferentes entendimentos sobre o que porque a nossa sociedade valoriza apenas
significa deficiência. Alguns entendem que quem consegue apresentar um rendimen-
esses corpos precisam ser corrigidos, bus- to ideal de forma independente. Ou seja:
cando-se a cura/normalidade. Entretanto, tem dificuldade em lidar com as diferenças
outras formas de se compreender a defici- e impõe uma série de barreiras – sobre as
ência têm surgido a partir da década de 70 quais falaremos adiante – a quem não de-
do século passado. Essas teorias situam a sempenha este padrão.
deficiência como uma das características
que constituem as pessoas, que, na relação
com as demais características, como gêne- Precisamos compreender que a
ro, sexualidade, raça, geração e classe social, deficiência faz parte da condição
tornam o sujeito singular. Nessa última con- humana e que pode tocar a todas as
cepção, as desvantagens que as pessoas ex- pessoas em qualquer momento da
perimentam têm relação direta com os con- vida, inclusive afetará aquelas que
textos em que vivem. terão o privilégio de envelhecer.
Guia para práticas
anticapacitistas 06
Conceituando a CDPD:
Você sabia?
Deficiência: base legal Convenção
A CDPD, ratificada por 182 países Internacional
ao redor do mundo e incorporada dos Direitos
Segundo o artigo 1º da Convenção Internacio-
à constituição brasileira, foi das Pessoas
nal sobre os Direitos das Pessoas com De-
construída com a participação com Deficiência
ficiência (CDPD) (Decreto Nº 6.949 de 25 de
agosto de 2009) “Pessoas com deficiência de entidades de pessoas com
são aquelas que têm impedimentos de longo deficiência provenientes de todos
prazo de natureza física, mental, intelectual os continentes do mundo, e
ou sensorial, os quais, em interação com di- incorporou um campo de estudos
versas barreiras, podem obstruir sua partici- chamado “Estudos da Deficiência”.
pação plena e efetiva na sociedade em igual- Este campo teve como precursores
dades de condições com as demais pessoas”. ativistas da deficiência que
questionavam as compreensões
estigmatizantes da deficiência - que
a conceituavam como um problema
médico que demandava apenas
ações de caridade – e a situavam
no campo dos direitos humanos.
Guia para práticas
anticapacitistas 07
Afinal, quais são as barreiras que as pessoas
com deficiência enfrentam no seu dia a dia?
Barreiras para a
inclusão das pessoas
Para ampliarmos a participação de todas as
pessoas em nossa sociedade, vamos agir
com deficiência
coletivamente na remoção dessas barrei-
ras? Siga conosco para conhecer os tipos Existem diversas barreiras que dificultam a
de barreiras mais comuns e compreender participação das pessoas com deficiência
como você pode contribuir para a promoção em igualdade de condições com as demais
do acesso coletivo. pessoas, as quais podem ser encontradas
em diversos espaços sociais.
Descrição da imagem: sob o
fundo cinza da página há uma

Lei
ilustração gráfica de uma rampa
ao lado de uma escada nas cores A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com

13.146:
rosa e laranja. Fim da descrição.
Deficiência (Lei 13.146 de 06 de julho de
2015), construída com a finalidade de imple-
Lei Brasileira
mentar a CDPD, as caracteriza como:
de Inclusão da
Pessoa com
1. Barreiras urbanísticas: as existentes nas
Deficiência
vias e nos espaços públicos e privados
abertos ao público ou de uso coletivo;
Guia para práticas
anticapacitistas 08
2. Barreiras arquitetônicas: as existentes nos 6. Barreiras tecnológicas: as que dificultam ou * Este PDF
edifícios públicos e privados; impedem o acesso da pessoa com deficiên- é acessível a
cia às tecnologias; leitores de tela
3. Barreiras nos transportes: as existentes
nos sistemas e meios de transportes; A remoção dessas barreiras é fundamen-
tal para a garantia da participação social das
4. Barreiras nas comunicações e na informação: pessoas com deficiência nos vários contex-
qualquer entrave, obstáculo, atitude ou tos sociais, dentre eles a universidade. Mas
comportamento que dificulte ou impossibi- vale destacar que todas as pessoas se be-
lite a expressão ou o recebimento de men- neficiam com a remoção das barreiras. Cal-
sagens e de informações por intermédio de çadas acessíveis, edificações com rampas e
sistemas de comunicação e de tecnologia elevadores, corredores largos, ambientes vir-
da informação; tuais de aprendizagem bem sinalizados, tex-
tos acessíveis para leitores de tela* têm o
5. Barreiras atitudinais: atitudes ou compor- potencial de construir com o acesso de pes-
tamentos que impeçam ou prejudiquem a soas com e sem deficiência.
participação social da pessoa com defici-
ência em igualdade de condições e oportu- E você, já percebeu que muitos espaços são
nidades com as demais pessoas; projetados para alguns padrões de corpos e que
acabam limitando a participação de outros?
Guia para práticas
anticapacitistas 09
Neste momento, você deve estar se per- dar, de sentir desejo e ser desejada, de ter
guntando: Mas se há no Brasil uma legisla- relações sexuais etc.), aproximando as de-
ção voltada à garantia de direitos das pes- mandas dos movimentos de pessoas com
soas com deficiência, por que é tão difícil deficiência a outras discriminações sociais,
de ela ser implementada? Responderemos como o sexismo, o racismo e a homofobia.
essa questão nas páginas seguintes, quando Essa postura advém de um julgamento mo-
abordaremos o que significa o capacitismo e ral que associa a capacidade unicamente à
suas implicações. funcionalidade de estruturas corporais e se
mobiliza para avaliar o que as pessoas com
deficiência são capazes de ser e fazer para
O que é Capacitismo? serem consideradas plenamente humanas”
(MELLO, 2016, p. 3272).

O Capacitismo é “[...] uma postura precon-


Assim, o capacitismo é muito relevante para
ceituosa que hierarquiza as pessoas em
dar visibilidade à opressão vivenciada por
função da adequação dos seus corpos à
pessoas com deficiência (que são as que
corponormatividade. É uma categoria que
mais desviam do ideal corponormativo pro-
define a forma como as pessoas com de-
veniente da noção de sujeito universal).
ficiência são tratadas de modo generaliza-
do como incapazes (incapazes de produzir,
Mas o que é este ideal corponormativo? É o
de trabalhar, de aprender, de amar, de cui-
pressuposto que afirma que corpos que res-
Guia para práticas
anticapacitistas 10
pondem aos ideais de produção (nas escolas,
no trabalho) de forma considerada indepen-
Como o
dente configuram o padrão de normalidade, capacitismo
que deve ser buscado por todas as pessoas.
Neste sentido, aquelas pessoas que têm de-
funciona?
ficiência, ou que precisam de mais apoio, por
exemplo, são consideradas inferiores. O capacitismo está presente na sociedade
como um todo e em cada um de nós. Reve-
Descrição da imagem: sob o la-se na exaltação repetida (na mídia, nos
fundo cinza da página há uma
ilustração gráfica do contorno diferentes espaços e instituições) de pa-
de um busto nas cores rosa e
laranja. Fim da descrição. drões ideais de capacidade, que produzem
uma ideia de normalidade e subjugam os
corpos de pessoas que diferem de tal mo-
delo (mulheres, pessoas negras, indígenas,
idosas, LGBTQIA+ e com deficiência), con-
Quem é o sujeito universal?
siderando-os menos capazes. Embora tal
repetição atinja cada um/a de nós, indivi-
Representado pelo homem,
dualmente, constituindo modos de pensar,
branco, cisgênero, do norte global,
sentir e agir nas relações que estabelece-
independente, que não adoece e que
mos com outras pessoas, são as pessoas
é totalmente capaz – uma ficção.
com deficiência as que mais sofrem os efei-
Guia para práticas
anticapacitistas 11
tos do capacitismo, pela histórica redução
da deficiência à incapacidade.
E o que são práticas
anticapacitistas?
Em que o São aquelas que combatem o binarismo nor-

capacitismo ma/desvio, são práticas emancipatórias e in-


terseccionais, as quais valorizam a diversidade
se sustenta? dos corpos. Ainda, são aquelas que rompem
com a hierarquização presente nos modos de
conhecer, que consideram os 10 princípios da
As capacidades normativas que sustentam
Justiça Social e a ética do cuidado enquanto
o capacitismo são produzidas com base nos
um princípio balizador do modo de se relacio-
discursos biomédicos de compreensão da
nar com os sujeitos e contextos.
deficiência. Esses, sustentados pelo bina-
rismo norma/desvio, têm levado a uma bus- E você? Já parou para pensar o que é o cuida-
ca de todos os corpos a reproduzir o padrão do? Por que cuidamos?
normativo de capacidade, visando se afastar
Uma temática bastante importante no
do que é considerado desviante. (Gesser, Blo-
campo dos estudos da deficiência é a
ck e Mello, 2020). Por conta do capacitismo,
Ética do Cuidado. Vamos conhecer um pouco
a deficiência tem sido situada como negati-
sobre esse assunto?
va, uma condição que deve ser melhorada,
curada ou mesmo eliminada.
Guia para práticas
anticapacitistas 12
As primeiras reflexões sobre a ética do cui- para o pobre com deficiência do que para
dado no campo dos Estudos da Deficiên- aquelas pessoas com deficiência cuja situ-
cia foram realizadas por mulheres: mães e ação econômica é melhor.
cuidadoras de pessoas com deficiência e as
próprias mulheres com algum tipo de defi- • Interdependência e dependência: a interde-
ciência. Essas contribuições teóricas podem pendência é parte das relações humanas.
ser elencadas em alguns pontos, tais como: Isso significa dizer que todas as pessoas –
independente de terem deficiência ou não –
• Transversalidade da deficiência com outros cuidam e são cuidadas em algum momento
marcadores sociais: essas autoras afirmam da vida. Pesquisadoras do campo, a exem-
que é importante considerar outras cate- plo de Eva Kittay (1999) e Garland-Thomson
gorias sociais na interface com a deficiên- (2002), trouxeram reflexões sobre a depen-
cia, tais como raça, etnia, gênero, sexua- dência, dizendo que algumas pessoas re-
lidade, geração, classe, etc. Isso significa almente dependerão umas das outras para
que a deficiência pode ser uma caracterís- sobreviverem e que conferir dignidade a es-
tica da pessoa, mas que também existem sas vidas é uma questão de justiça social.
outras a serem consideradas. Uma pessoa
com deficiência nunca é só a sua deficiên- • Materialidade do corpo e experiência da dor:
cia. Por exemplo, há estudos que eviden- por mais que a sociedade se empenhe em
ciam os impactos entre deficiência e po- eliminar barreiras, ainda haverá um corpo
breza, o que causaria maior vulnerabilidade com lesão. Um corpo que pode sentir dor.
Guia para práticas
anticapacitistas 13
Não basta reconhecer a experiência da dor, e, em uma perspectiva da ética do cuidado,
é preciso revelar a fragilidade e as vulnera- são elas que devem tomar as decisões rela-
bilidades que poderemos experimentar em cionadas à sua própria vida – sejam decisões
distintos momentos da vida. do cotidiano, como a roupa que querem
vestir, ou sejam decisões mais complexas,
como se querem estudar, trabalhar, casar.
Nesta lógica da ética do cuidado, as pessoas
Ao falarem de ética do cuidado, as
cuidadas são protagonistas da relação entre Na ética do
autoras refletem sobre o modo como
quem cuida e quem recebe o cuidado. cuidado,
as pessoas podem ser cuidadas.
as pessoas
Nesse sentido, precisamos repensar sobre cuidadas são
• Mas, o que é ética do cuidado? A ética do o “cuidar”: precisamos ampliar o concei- protagonistas
cuidado pode ser compreendida como um to de cuidado, pois ele está para além da da relação
conjunto de práticas de cuidado que vi- higiene e da alimentação; diz respeito às

sem o bem-estar de alguém, sempre le- práticas relacionadas ao bem-estar biop-

vando em conta o desejo do sujeito cui- sicossocial das pessoas. Além disso, preci-

dado para a sua vida. samos compreender que o cuidado não é


uma tarefa apenas das mulheres, das mães

Vamos compreender a partir de um exem- ou das professoras, mas deve ser de cor-

plo: há pessoas com deficiência que ne- responsabilidade coletiva.

cessitam de cuidados ao longo da sua vida


Guia para práticas
anticapacitistas 14
E no ambiente Um grupo de ativistas do campo da defici-
ência que tem contribuições importantes
escolar/acadêmico, para as lutas anticapacitistas é o Movimen- Movimento
to Sins Invalid, o qual está comprometido Sins Invalid:
como isso se aplica? com a justiça social e econômica para todas clique para
as pessoas com deficiência – em confina- acessar o site
Pensar a ética do cuidado na escola significa mentos, em abrigos, nas ruas, deficientes em inglês
pressupor a presença da deficiência e não visuais, deficientes invisíveis, minorias sen-
a ausência. A ética do cuidado deve atra- soriais, feridos ambientais, sobreviventes
vessar os planejamentos, os projetos pe- psiquiátricos – indo além dos direitos legais
dagógicos, a elaboração dos currículos, os individuais para abranger também os direi-
eventos, etc, independentemente de haver tos humanos coletivos. As histórias dos in-
estudantes com deficiência. tegrantes, embutidas na análise, oferecem
caminhos da política de identidade à unida-
Uma sociedade inclusiva é aquela que parte de entre todas as pessoas oprimidas, esta-
da ética do cuidado enquanto um princípio belecendo as bases para uma reivindicação
balizador das relações, que caminha rumo coletiva de libertação e beleza.
aos dez princípios da justiça social e promo-
ve as lutas anticapacitistas visando a pro- Neste sentido, eles sugerem 10 princípios
moção de participação e representação para que estão de acordo com a luta anticapaci-
todas as expressões de corporalidades. tista, os quais apresentaremos na sequência.
Guia para práticas
anticapacitistas 15
Entendemos que a experiência da deficiên- derança, a experiência vivenciada pode ser
cia ocorre em qualquer e todas as esferas um elemento de potência nas escolhas de
da vida, com conexões profundas com to- estratégias para combater o capacitismo e
das as comunidades impactadas pela medi- a invisibilidade que constantemente atra-
calização de seus corpos, incluindo pessoas vessam suas vidas.
trans, variantes de gênero e intersexo, e ou-
tros cujos corpos não estão em conformida- 3. Políticas anticapitalistas – O produtivis-
de com nossas culturais' noções de "normal" mo é um grande aliado do capacitismo.
ou "funcional".' (BERNE, 2018) As atitudes produtivistas delegam a algu-
mas pessoas um lugar de segunda classe,
1. Interseccionalidade – Percebam, um ho- de subalternização. Precisamos caminhar
mem branco com deficiência, ao mesmo rumo à consolidação de uma sociedade
tempo que ocupa um lugar que lhe confe- em que cada pessoa seja valorizada, inde-
re algum privilégio – de ser homem branco, pendente de qual seja a sua contribuição
ainda assim, por ser pessoa com deficiên- nesta cadeia produtiva.
cia pode experienciar a opressão, o precon-
ceito e a discriminação. 4. Solidariedade entre movimentos – uma po-
lítica de frente única. Os movimentos das
2. Liderança dos mais impactados – Pessoas pessoas com deficiência precisam se for-
com deficiência, autismo, síndromes raras, talecer em uma aliança, não só no campo
entre outras, devem ocupar espaços de li- da deficiência, mas com demais movimen-
Guia para práticas
anticapacitistas 16
tos, tais como LGBTQI+, feminista, racial, 7. Compromisso com a solidariedade entre as
etc, para que não hajam políticas aten- pessoas com deficiência – Há necessidade
tas a determinados grupos, mas que ainda de extrapolar o limite dos diagnósticos e
excluam outros. compreender a experiência da deficiência na
sua multiplicidade. Também se faz necessá-
5. Reconhecendo a totalidade – pessoas com rio romper com o isolamento a que muitas
deficiência são pessoas inteiras. Não é à toa pessoas são submetidas, ampliando a com-
que o movimento escolheu o termo “pesso- preensão de que há um lugar comum que
as com deficiência”, pois todos/as são pes- são as experiências de opressão e violência
soas completas, com escolhas religiosas, que as pessoas com deficiência vivenciam.
territórios distintos, expressões culturais
diversas, desejos, orientação sexual, enfim, 8. Interdependência – O isolamento é nocivo,
uma sociedade atenta às diferenças deve nenhuma pessoa é realmente completa se
respeitar a totalidade de cada sujeito. não nas relações com outras pessoas. A in-
terdependência é uma condição para a vida
6. Sustentabilidade – Para que tenhamos um em sociedade, a aprendizagem, a alimenta-
futuro com autonomia e respeito pelo enve- ção, a produção de energia, tudo nos reve-
lhecimento, precisamos atuar no presente, la a necessidade do coletivo, das relações
seja na eliminação de barreiras ou construin- com outras pessoas.
do possibilidades de participação para todos,
mesmo que seja agindo de modo individual.
Guia para práticas
anticapacitistas 17
9. Collective Access – Acesso Coletivo. partir das suas singularidades, em que ne-
As necessidades de acesso não são vergo- nhuma das suas características seja motivo
nhosas – todos nós temos várias capacida- para discriminação, preconceito, descredi-
des que funcionam de forma diferente em bilidade ou atitudes capacitistas.
vários ambientes. As distintas expressões
Capacitismo
corpóreas precisam ser contempladas nos
Você sabia que o capacitismo, é a opressão
espaços, a exemplo de banheiros para pes-
embora afete diferentes grupos por desvio
soas com nanismo, deficiência física, espa-
da população, é mais fortemente do ideal de
ços para higiene de pessoas com colosto-
experienciado por pessoas com capacidade e
mia, ou para pessoas intersexo e trans. Nos
deficiência? aparência
espaços de aprendizagem, faz-se neces-
sário a criação de ambientes pedagógicos
Por esse motivo, pessoas com de-
que acolham esses corpos e que permitam
ficiência, para darem visibilidade
a livre circulação com os distintos modos
ao processo de opressão que so-
de se locomover e as distintas expressões
frem em decorrência de desvia-
do que aprendeu e como aprendeu.
rem dos ideais de capacidade e de
aparência, escolheram a utilização
10. Libertação coletiva – nenhum corpo /
do termo “capacitismo”.
mente deve ser deixado para trás. A verda-
deira liberdade ocorrerá quando todas as
pessoas forem respeitadas e valorizadas a
Guia para práticas
anticapacitistas 18
Exemplos de exemplo, a experiência da cegueira, dalto-
nismo, dislexia, autismo, surdez.
capacitismo na
Universidade Espaço pouco acessível no percurso dentro
da própria instituição, com ausência de pisos
podotáteis, placas com informações visuais,
Atitudes e ambientes que representam o ca- rampas de acesso, contraste de cores, etc.
pacitismo estrutural e são comumente ob-
servados no contexto do ensino superior: • Recursos pedagógicos que hierarquizam
modos de aprender e de demonstrar o que
• Compartilhamento de imagem sem descri- aprenderam; avaliações em formato único
ção (muitas delas informativas e instrutivas). e que desconsideram as distintas experi-
ências interseccionais dos estudantes.
• Editais (internos e externos) sem apoio de
LIBRAS para anunciar o direito às pessoas • Políticas públicas de acessibilidade que
Surdas desde a porta de acesso à instituição. não transversalizam a pesquisa, extensão e
demais participações de pessoas com defi-
• Softwares e aplicativos com barreiras para ciência na vida da instituição.
a autonomia de profissionais, acadêmicos
e visitantes, os quais não contemplam, por
Guia para práticas
anticapacitistas 19
Exemplos de práticas • Respeito ao tempo de fala: existem pes-
soas com diferentes tempos para com-
anticapacitistas preender e comentar o que está sendo
dito. Ao se manifestar, é importante pedir
a palavra para evitar falar ao mesmo tem-
• Organização dos ambientes arquitetôni-
po que outra pessoa. Vozes simultâneas
cos e virtuais considerando as variações
dificultam a compreensão.
corporais da comunidade acadêmica, para
que pessoas com diferentes características
• Corpos múltiplos, tempos diferentes: as
funcionais possam participar.
pessoas possuem diferentes modos de se
manifestar/comportar em público, conforme
• Banheiros inclusivos: tanto para pessoas
suas necessidades, e todas elas precisam
com deficiência como também para a po-
que seu espaço e tempo sejam respeitados.
pulação LGBTQIA+.

• Acessibilidade como ponto de partida:


• Uso de linguagem acessível: busca por ob-
pensar nos recursos de acessibilidade
jetividade e clareza nas interações presen-
desde o início das ações/atividades/cons-
ciais e não presenciais, pois isso amplia as
truções/eventos aumenta a possibilidade
possibilidades de atenção e de concentra-
de contemplar as necessidades de todas
ção de todas as pessoas.
as pessoas.
Guia para práticas
anticapacitistas 20
Concluindo marcador imediato da necessidade de provi-
mento de auxílio para estes sujeitos, sendo a
disponibilidade de tal assistência não pron-
Você já parou para pensar que o combate ao tamente pressuposta para as pessoas sem
capacitismo envolve também avaliar critica- deficiência. Estas, de maneira oposta, são
mente as concepções de deficiência e seus entendidas como provedoras da ajuda.
efeitos nas relações com os outros?
Compreender as pessoas com deficiên-
O que você pensa quando vê uma pessoa cia como pessoas inteiras, dignas de serem
com deficiência? Que sentimentos este en- bem quistas, admiradas e desejadas é pon-
contro desperta em você? Você tem, entre to fundamental para a construção de um
seus amigos/as, pessoas com deficiência? mundo mais acolhedor para todas as pes-
Caso não, por quê? soas. Assim, é importante observarmos não
apenas as mudanças necessárias à socie-
Refletir sobre questões como estas é impor- dade como um todo, mas também olhar-
tante para percebermos o quanto cada um mos para nós próprios/as e percebermos o
de nós é fortemente afetado/a e influencia- quanto do capacitismo produzimos e repro-
do/a pelo capacitismo, que produz um sen- duzimos em nossas relações.
timento de distanciamento e diferenciação
em relação às pessoas com deficiência. Nes- E sabem o que isso traz como consequên-
te contexto, a deficiência é concebida como cia? A compreensão de que a deficiência é
Guia para práticas
anticapacitistas 21
uma condição tanto possível quanto digna e desse desafio na sua totalidade. Ou seja, é
de vida! Aleijar a futuridade implica em con- no encontro com a pessoa com deficiência
cebermos que, se hoje não temos ninguém que essa experiência pode ser conhecida e
com deficiência em nossa rede de relações, que a acessibilidade pode ser construída.
em um futuro, mais próximo ou mais dis-
tante, não apenas teremos quanto nós mes-
mos/as poderemos ser a pessoa com defi-
ciência em questão. Deste modo, entender
a deficiência como uma possibilidade de
vida, desvinculando-a da tragédia, é um mo-
vimento fundamental no estabelecimento
tanto de práticas anticapacitistas quanto de
uma sociedade mais inclusiva.

Por fim, cabe dizer que a experiência da de-


ficiência é singular, complexa e encarnada.
Assim, embora materiais orientativos sejam
Descrição da imagem: sobre o fundo cinza da página há
importantes para provocar novas compre- uma ilustração de duas esferas ovais inclinadas para a
esquerda. Uma das esferas é maior e composta apenas
ensões acerca da experiência da deficiência pelo contorno. A outra esfera é menor, está dentro da
maior e preenchida completamente. Há alguns traços retos
e para fomentar práticas educativas antica- na diagonal que atravessam as duas esferas. Todos os
elementos da imagem são da cor rosa. Fim da descrição.
pacitistas, não dão conta dessa experiência
Guia para práticas
anticapacitistas 22
Referências
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Guia para práticas
anticapacitistas 23
Autoras
Marivete Gesser é doutora em Psicologia
Geisa Letícia Kempfer Böck é doutora pela Universidade Federal de santa Catarina
em Psicologia pela Universidade Federal (UFSC). Atua como professora do Programa
de Santa Catarina - UFSC. Professora do de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC e
Laboratório de Educação Inclusiva - LEdI, como coordenadora do Núcleo de Estudos
do Centro de Educação a Distância - sobre Deficiência (NED/UFSC).
CEAD, da Universidade do Estado de Santa
Catarina - UDESC. Molise de Bem Magnabosco é doutora
em Psicologia pela Universidade Estadual
Karla Garcia Luiz é doutoranda em Paulista (UNESP). Integrante do Grupo de
Psicologia pela Universidade Federal de Pesquisa Psicologia, Culturas e Coletivos
Santa Catarina (UFSC). É membro do Núcleo Queer da UNESP/Assis. É psicóloga da
de Estudos Sobre Deficiência (NED/UFSC). Secretaria Municipal de Educação de
É servidora pública federal no cargo de Rondonópolis/MT, atuando na formação
psicóloga do Instituto Federal de Educação, continuada e na orientação de professoras,
Ciência e Tecnologia de Santa Catarina com enfoque na inclusão de crianças/
(IFSC). É mulher com deficiência estudantes com deficiência na Rede
Municipal de Ensino.
Capa
Paloma Santos

Projeto gráfico
Ana Raboni
Erick de Alencar

Revisão do projeto gráfico


Gabriela Hilário Simões
Descrição da imagem: sobre o fundo cinza há uma
Mariana Vieira Fernandes tarja branca que vai de um lado ao outro da página.
Nela, da esquerda para a direita, estão os logotipos das

2022 instituições que realizaram o projeto do guia: Convênio


UNESP/Santander, UFSC, UDESC, Laboratório de

2 ° Edição
Educação Inclusiva (LedI/UDESC), PsicuQueer e Núcleo
Realização de Estudos da Deficiência (NED/UFSC). Fim da Descrição.
UN58g Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp).
Guia para práticas anticapacitistas na Universidade /
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp)
; elaboração, Geisa Letícia Kempfer Blöck [et al.] – 2.ed. São
Paulo : Unesp, 2022.

47 p.: il. color. ; Recurso digital.


ISBN: 978-65-85224-02-4

1. Capacitismo. 2. Educação inclusiva. 3. Integração social. I.


Blöck, Geisa Letícia Kempfer. II. Luiz, Karla Garcia. III. Gesser,
Marivete. IV. Magnabosco, Molise de Bem. V. Título.

CDD – 371.9046

Ficha catalográfica preparada pela Coordenadoria Geral de Bibliotecas da Unesp

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