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GT 13 | Mundos findos e Fins de mundos acionados pelo COVID-19: práticas inventivas de

escrita para descolonizar políticas de pesquisa

Eixo 1: Insurgências estético-políticas e mobilizações coletivas no contemporâneo

Coordenação: Dolores Cristina Gomes Galindo (UFMT), Morgana Moreira Moura (Comissão de Direitos
Humanos e Políticas Públicas e do Grupo de Trabalho Psicologia e Povos Indígenas no CRP18), Tatiana
Alves Cordaro Bichara (Instituto de Altos Estudios Nacionales)

Resumo: O GT alberga trabalhos que dialogam com poéticas contemporâneas para tecer práticas
inventivas de pesquisa a partir dos saberes do corpo, compreendidas como modos de resistência às
ofensivas anti-democráticas que incidem sobre a liberdade de exercício científico na área de
Humanidades num contexto marcado pela pandemia de Covid-19 que aciona retóricas salvacionistas e
apocalípticas. Na interface entre Psicologia Política, Esquizoanálise e Epistemes Feministas, este GT se
inscreve no Eixo "Insurgências estético-políticas e mobilizações coletivas no contemporâneo".

Em diálogo com as discussões e debates sobre os mundos findos e fins dos mundos como os conhecemos
(Kopenawa e Albert, 2015; Mombaça, 2020; Danowski e Viveiros de Castro, 2014; Stengers, 2015), este
grupo de trabalho busca traçar e cartografar (Passos e Krastrup, 2015) dispositivos de escrita e de
pesquisa em Psicologia orientados à inventividade (Lury e Wakeford, 2013), partilha de saberes (Spink, P,
2008), transversalização das dimensões éticas, estéticas e políticas (Guattari, 1992), localização dos
saberes (Haraway, 1995) e descolonização (Rivera Cusicanqui, 2010).

Para tal, o grupo de trabalho recebe estudos teóricos e relatos de pesquisa, iniciados e em andamento,
que contemplam práticas inventivas de pesquisa e escrita que se posicionam como resistências e modos
de existência às ofensivas anti-democráticas que incidem nas políticas de saúde, educação e assistência
social, sobretudo, na dimensão do controle social, laicidade da prática psicológica e nas práticas de
cuidado junto a pessoas empobrecidas, racializadas, que residem nos territórios periféricos ou rurais.

A pandemia, acionada pelo COVID-19, coloca em evidência a insustentabilidade das narrativas salvíficas
modernas coloniais, em suas formas e expressões atualizadas, que se apresentam como alternativas
infernais reformistas ofensivas antidemocráticas, que igualmente sublinham e reafirmam as
problemáticas econômicas, sociais, políticas, culturais e ambientais da “ponta do iceberg” (Breilh, 2021)
das sociedades. Vemos a vida ameaçada pela aceleração dos processos destrutivos do capitalismo
mundial integrado (Guattari, 1992), que fazem crescer as iniquidades e desigualdades sociais, criando
obstáculos ao bem viver pela ênfase em uma economia extrativista; à autodeterminação dos povo através
de ameaças à vida e paralisação da demarcação de territórios; os processos de subjetivação inventivos
em detrimento do recrudescimento do policiamento da vida. Direitos de humanos e não humanos se
veem ameaçados (Breilh, 2021).

Ofensivas antidemocráticas se apresentam intensamente na Pandemia, fortemente atuantes para a


elaboração de políticas públicas voltadas para a suspensão dos direitos humanos e sociais conquistados
constitucionalmente, para o fortalecimento das instituições e das lógicas religiosas, acentuando a
moralidade e não a ética, dificultando a participação social nas decisões dos assuntos públicos e impondo
um modo de pensar e atuar que se centra no esforço do Governo Nacional para garantir autoritariamente
o extermínio de algumas vidas, consideradas inferiores, e, aproveitando gananciosamente da crise para
“extrair econômica, epistêmica e ontologicamente” as potencialidades, os saberes, as culturas, as vozes
e os recursos dos territórios destas pessoas (Grosfoguel, 2016).

Também a pandemia evidencia uma crise no sistema de produção de conhecimento, a qual nos convoca
a repensar métodos, conceitos, instrumentos e práticas na direção de “romper com o diálogo de surdos
da academia tradicional” (Breilh, 2021, s/p) para criar possibilidades de resistir aos discursos e dispositivos
que tratam das problemáticas e da crise que vivemos, somente olhando para o cume do iceberg, sem
considerar a base estrutural das relações social e historicamente construídas (Breilh, 2021), para
podermos lutar para politizar a vida frente as inconsistências do modelo cartesiano e da lógica de
governança do lucro, que fragmentam a realidade em partes, as objetificam como se fossem estáticas e
lineares, obstaculizando e reduzindo as múltiplas e complexas formas de produzir conhecimento, de nos
relacionarmos e de inventarmos saídas.

Priorizam-se os trabalhos que, fugindo aos reducionismos universais, voltam-se aos saberes localizados
(Haraway, 1995), cuja objetividade se corporifica em posições não marcadas pela lógica colonialista-
branco-masculinista-extrativista e se pautam por uma objetividade feminista forte (Harding, 1992).
Pesquisas que se voltam aos saberes localizados que se opõem aos microfascismos. Ou seja,
problematizam o modo de fazer ciência, destronando os modelos doutrinários de objetividade,
reafirmando um compromisso ético-político na produção de outros regimes de objetividade científica,
outras maneiras de pensar a relação entre fatos e ficção ao enfrentar os arquivos de dor da escravização
e subalternização (Hartman, 2019).

Como fazer um corpo pesquisador num tempo de incertezas? Como dispor do corpo no espaço - e para
além das coordenadas modernas - abrindo-o ao desconhecido? Como percorrer, explorar, experimentar
afetos, ritmo e intensidades heterogêneas? Como sustentar a criação estética em composição com quem
pesquisamos? Como expressar a criação estética como política de escrita em sua pesquisa – materializar
a experiência? Como reordenar as relações entre fatos e ficções? Estas são algumas das perguntas
disparadoras para as discussões que esperamos realizar neste grupo de trabalho.

O histórico de criação do grupo de trabalho se ancora em experiências docentes em curso internacional,


que articula Brasil e Equador, intitulado Políticas de Escrita e Pesquisa em Psicologia: conversações e
práticas voltado a estudantes de pós-graduação em psicologia, no qual dialogamos sobre as práticas
pesquisadoras e os exercícios de escrita em intersecção com práticas artísticas nas suas múltiplas
linguagens, hibridações - com destaque para a Poesia Contemporânea, Artes Visuais, Dança e
Performance, criando articulações entre elementos teórico-conceituais e estético-políticos ao longo do
curso. Outra experiência à qual se vincula este GT diz respeito à pesquisa colaborativa entre Brasil e
Equador nomeada Práticas inventivas para a formação de jovens pesquisadores: narrativas, afetos,
afetações e composições de mundos em tempos de pandemia, que teve como objetivo cartografar
práticas de formação em metodologias de pesquisa orientadas à inventividade, centradas em jovens
pesquisadores nos campos das Humanidades e das Ciências Sociais, no contexto da pandemia no Brasil e
no Equador, que estão sendo desenvolvidas por 10 docentes, sendo 5 de cada país, que nos dão pistas
sobre estratégias, ações, arranjos e dispositivos criados no sul global para reafirmar ética, política e
esteticamente a humanidade frente à objetificação ou à subordinação de muitas vidas consideradas
inferiores e passíveis de extermínio.
Pesquisadores e pesquisadoras produzem práticas inventivas a partir do fortalecimento dos afetos
conectados e abertos às possibilidades de outras produções de conhecimentos, mesmo frente às
limitações impostas pela pandemia, por onde criam saídas e novas configurações de encontros com seus
estudantes e comunidades, contornando os desafios que encontram nas universidades. Articulam, ainda,
as práticas inventivas de ensino, pesquisa e extensão às reflexões epistêmicas e ontológicas com que
dialogam frente aos obstáculos que vivenciam no cotidiano institucional das universidades. Realizam
práticas cotidianas direcionadas para descolonizar o conhecimento, permitindo insurgências estético-
políticas e mobilizações coletivas de cuidado no âmbito acadêmico. Desenvolvem estratégias para driblar
as normas e regulamentos administrativos e os obstáculos teórico-conceituais para a inventividade, a
partir da criação de brechas e até mesmo do uso da cultura popular andina do “ser comedido” para
instaurar novas configurações de saber e de poder.

Guiar-se por possibilidades inventivas reivindica um compromisso ético-estético-político na justa medida


que sinaliza naturalizações que enrijecem territórios existenciais, possibilitando a emergência de devires,
abrindo-se ao diferente, compondo forma de resistência em dimensão micropolítica.

A produção de práticas inventivas possui dimensão ética ao acompanhar movimentos coletivos do desejo,
percorrer as vias da experimentação e romper com os processos hegemônicos de modos de vida. Em seu
aspecto estético, guia-se pelo movimento de criação, de abertura para o diferente. Criar é se diferenciar.
A dimensão estética é a da composição/recomposição de universos de subjetivação. E política, por colocar
em xeque a problemática do controle, das práticas que padronizam e rotulam, em oposição a uma prática
que potencializa e subverte a ordem de um poder que cerceia, limita (Guattari, 2012).

A entrada ético-estético-política na escrita e na pesquisa permite modos de vida cujos arranjos se dão em
questionamento das subjetivações microfacistas que se instalam em nós enquanto pesquisadoras,
psicólogas e militantes. O COVID-19 é parte de uma trama psicoanalítica que não pode ser reduzida ao
estudo das relações entre populações e vírus, pois além de uma gestão biopolítica, trata-se de uma linha
dura que reordena políticas desejantes em direção a práticas autoritárias que fazem da escrita e da
pesquisa campos privilegiados para autoritarismos e mandonismos.

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