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INCLUSÃO, DIVERSIDADE E DEMOCRACIA:


CONCEITOS, PRÁTICAS E REFLEXÕES
1ª Edição

- ORGANIZADORES –
Claudio André
Amélia Carlos Cazalma
Leliane Aparecida Castro Rocha
Margarete Antunes
Paula Rodrigues
Pedro Aguerre
Valentina Tabares

André, Rocha, Cazalma, Antunes, Rodrigues, Aguerre,


Tabares
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Proibida a reprodução por qualquer meio


mecânico, eletrônico ou digital, sem ordem
por escrito do autor, ficando os infratores
e coniventes sujeitos as penas da lei

___________________________________________
André, Claudio.
Inclusão, Diversidade e Democracia: conceitos,
práticas e reflexões / Claudio André, Amélia
Cazalma, Leliane Aparecida Castro Rocha,
Margarete Antunes, Pedro Aguerre, Valentina
Tabares (org). 1.ed. São Paulo: Amazon.com,
2020.

ISBN 9798565484250

1. Inclusão. 2. Diversidade. 3. Democracia.


SUMÁRIO

PRÓLOGO

PREFÁCIO

APRESENTAÇÃO

CAPÍTULO 1 │ AS NOMENCLATURAS ASSOCIADAS


AOS DEFICIENTES NO BRASIL

CAPÍTULO 2 │ EDUCAÇÃO DE SURDO: DEFICIÊNCIA


NA QUALIDADE DE ENSINO PARA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES NO NÍVEL SUPERIOR

CAPÍTULO 3 │ AS VULNERABILIDADES SOCIAIS DA


FAMÍLIA NEGRA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL

CAPÍTULO 4 │LETRAMENTO RACIAL: DIALÉTICA


ENTRE BRANQUITUDE E RACISMO – DISCUSSÕES A
PARTIR DO CASO GEORGE FLOYD

CAPÍTULO 5 │ INCLUSÃO DE MULHERES ADVOGADAS


PRETAS NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISAS,
DESAFIOS, RESULTADOS

CAPÍTULO 6 │ DESENVOLVIMENTO SOCIORRACIAL


DA MULHER NEGRA EM FACE DA
INTERSECCIONALIDADES DE IDENTIDADE

CAPÍTULO 7 │ AS MATAMBAS RODANDO E


CANTANDO: NOSSO LUGAR É NO SAMBA PAULISTANO

CAPÍTULO 8 │ CARREIRA INTERNACIONAL DA


MULHER NEGRA
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CAPÍTULO 9 │ A INCLUSÃO TAMBÉM É UM PROCESSO


INTERNO, AQUILOMBAMENTO FINANCEIRO ÉTNICO
RACIAL, COMO ALTERNATIVA DE FORTALECIMENTO
DO AFROEMPREENDODORISMO

CAPÍTULO 10 │ CERÂMICA AFRICANA: RELAÇÕES


ENTRE A PRODUÇÃO, A CULTURA E A RELIGIÃO
IORUBA

CAPÍTULO 11 │ GESTÃO DA DIVERSIDADE, VERDADE


OU MITO?

CAPÍTULO 12 │ DESCOLONIZAÇÃO – ANÁLISE DO


EPISTEMICÍDIO NO CURRÍCULO DAS CIÊNCIAS
HUMANAS

CAPÍTULO 13 │ DEMOCRACIA E DITADURA:


DESCENDANDO NA PRÁTICA OS MEANDROS DE UM
APARENTE ESTADO DE “DIREITOS”

CAPÍTULO 14 │ A IMPORTÂNCIA DO TERCEIRO SETOR


PARA DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

CAPÍTULO 15 │ IMPACTOS DA COVID 19 NOS DIREITOS


HUMANOS DA POPULACAO NA SOCIEDADE
BRASILEIRA

CAPÍTULO 16 │ MULHERES NA CIÊNCIA, TECNOLOGIA,


ENGENHARIA E MATEMÁTICA (STEM): PANORAMA NO
BRASIL, DESAFIOS E PERSPECTIVAS FUTURAS

CAPÍTULO 17 │ EMPREENDEDORISMO E EQUIDADE


PARA MULHERES DE SUCESSO

CAPÍTULO 18 │ COOPERATIVA DO SABÃO SELECTA:


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DILEMAS QUANTO AO SIM, A PROSPERIDADE, NUMA


ORGANIZAÇÃO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA

OS AUTORES
PRÓLOGO

De que forma poderíamos reunir visagistas, advogados,


professores da educação básica tanto da rede pública quanto da
rede privada, assistentes sociais, terapeutas, economistas,
especialistas em inteligência artificial, palestrantes,
empreendedores digitais, mercadólogos, sanitaristas, diretores
de escola, psicólogos, filósofos, tutores de educação a distância,
empresários, professores universitários, jornalistas,
engenheiros e estudantes das mais diversas áreas, para debater
ideias e propor soluções sobre temas que envolvem nosso
cotidiano pessoal, profissional e acadêmico?
De que forma ainda, poderíamos reunir nas mesmas
ações pós doutores, doutores, mestres, bacharéis e graduados,
mestrandos, doutorandos, pós doutorandos, graduandos e
estudantes do ensino médio?
Um livro, talvez!
Mas como reunir ideias e ideais tão diferentes em um
livro?
Um líder, talvez!
E as reuniões? Orientações? Pessoas, estudantes e
profissionais de diferentes partes do Brasil e do mundo?
Tecnologias digitais, talvez!
Como organizar ideais e ideias tão diferentes de
profissionais de diferentes áreas e em diferentes fases
acadêmicas?
Um processo colaborativo e cooperativo, talvez!
Deletando o talvez, nasce a “Rede Internacional de
Autoria Colaborativa (RIAC)” com a proposta de produção e
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organização de ensaios textuais, vídeos, podcasts, infográficos,


apresentações, animações, minicursos, palestras, aplicativos,
projetos, banners e games, com a direção do Prof. Dr. Claudio
André, onde 100% dos contatos deveriam ocorrer por meio de
tecnologias digitais e em um processo colaborativo e
cooperativo.
Evidentemente que esse movimento, audacioso ao
extremo, utilizou-se de organizações e estruturas já
desenvolvidas anteriormente pelo Prof. Dr. Claudio André,
como por exemplo nas propostas que resultaram nas
publicações dos livros: “Educação em Múltiplas Perspectivas”
(2019), “Educação: Desafios e Possibilidades” (2019) e
“Educação no jogo: experiência, ensino e aprendizagem”
(2019), todos disponíveis no site da Amazom.com.
E assim, pessoas e profissionais de diferentes segmentos
e faixas etárias foram se aglutinando. Por meio de um grupo
de alunos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUCSP), orientandos do Prof. Dr. Claudio André, e também
de estudantes do MBA em Visagismo (Faculdade Monitor/SP)
e, ainda, por meio de outras pessoas interessadas nas temáticas
que envolvem questões de educação, tecnologias digitais,
empreendedorismo, gênero, raça, cor e etnia, juntaram-se ao
grupo alguns mestrandos e doutorandos da Universidade
Metodista de São Paulo (UMESP), também orientados do Prof.
Dr. Claudio André. Também adentraram ao grupo
profissionais que atuam e pesquisam a educação especial. E
por fim, por meio destes grupos, foi feito o convite a
professores e alunos de diversas áreas, de universidades
brasileiras e estrangeiras, como por exemplo a Universidade
Feevale (RS), a Universidade Nacional da Colômbia, a
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Universidade da República Uruguaia e o Instituto


Metropolitano de Tecnologia de Medelin (Colombia), entre
outras.
Alguns diriam que é coincidência essas pessoas terem
se encontrado nesse momento de vida para começar a
construir a RIAC, mas o psicólogo e estudioso suíço Carl G.
Jung provavelmente diria que é sincronicidade. Em outras
palavras, a sincronicidade nos ajuda a compreender os
acontecimentos que se conectam não por relação causal e sim
por relação de significado. Assim começamos a RIAC.
Time formado!
Os pontos de interrogação permanecem. Como reunir
essas pessoas de diferentes regiões do Brasil e do mundo?
Não apenas para o primeiro encontro, mas durante todo
o processo de atividades da RIAC, ferramentas como
Whatsapp, Zoom, Google Suite, Collaborate, Teams e email
fizeram parte do nosso dia a dia e foram recursos importantes
no processo de autoria colaborativa e cooperativa.
Primeiros encontros, em junho de 2020! Mais de uma
centena de participantes. Um mix de sensações: entusiasmo,
medo, felicidade, apreensão, abalo,...
Encontro a encontro, discussão a discussão, comandos
e provocações foram lançados. Os “novos” comandos
positivos do Prof. Dr. Claudio André de “vocês conseguem” e
“vocês podem”, tiveram que se degladiar todo o tempo com
“impulsos herdados” negativos que valorizam o “eu não
consigo”, “nunca serei um escritor”, “os parágrafos não estão
fluindo”, “não está de acordo com a ABNT”,...
Esses impulsos criam “comandos” de autossugestão
que podem durar toda a vida do sujeito que internalizou essas
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crenças quando criança/adolescente, ou até mesmo em outras


fases da vida adulta quando se ingressa em um projeto
audacioso, único e diverso, como é o caso da RIAC. Daí os
bloqueios na hora de executar uma tarefa importante. Eis
porquanto o estímulo relativo causa sensação esquisita e
emoção de medo e raiva que levam ao sentimento de
ansiedade, angústia e estresse. Ansiedade, angústia e estresse
estão presentes por exemplo, na escrita, pesquisa, organização,
estruturação e produção de um ensaio que compõe o capítulo
de um livro. De certa forma, os “comandos” e as relações estão
totalmente ligados.
Houve então, a necessidade de reverter tudo isso.
Michel Foucault (1995, p. 243)[1] 1 afirma que o poder é
um:
[...] conjunto de ações sobre ações possíveis; ele
opera sobre o campo de possibilidade onde se
inscreve o comportamento dos sujeitos ativos; ele
incita, induz, desvia, facilita ou torna mais difícil,
amplia ou limita, torna mais ou menos provável;
no limite, ele coage ou impede absolutamente,
mas é sempre uma maneira de agir sobre um ou
vários sujeitos ativos, e o quanto eles agem ou são
suscetíveis de agir. Uma ação sobre ações.
O texto de Foucault (1995) mostra como
comportamentos de outrem e “comandos” podem limitar ou
ampliar nossas potencialidades.
Na RIAC optamos pela segunda via. Reformulamos os

1FOUCAULT. M. O Sujeito e o poder. In: DREYFUS, R; RABINOW, P.


Michel Foucault: uma trajetória filosófica (para além do estruturalismo e da
hermenêutica). Tradução de Vera Porto Carrero. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1995, p. 229-249.
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comandos negativos e investimos nos comandos positivos de


ampliar, persistir, unir, produzir, elaborar, propor,
desenvolver, realizar, iniciar, avançar e criar.
Frank Bettger, em seu livro “How I raised myself from
failure to success in selling”, narra como ele conseguiu
transformar um fracasso em sucesso. Frank Bettger, mesmo
não acreditando em seu potencial, incialmente realizou
conferências, depois publicou livros com traduções para
diferentes línguas. A cada parágrafo, a cada bate papo com
grandes ou pequenas plateias, Bettger foi escrevendo a sua
história.
A RIAC então ajudou a compor a história de cada um!
O ensinamento maior na obra de Frank Bettger trata do
candidato a autor e a conferencista, a livrar-se do medo, da
ansiedade, da angústia, do nervosismo e do estresse
substituindo-os pelo “entusiasmo” no ato de falar em público,
no ato de escrever e no ato de interagir para a realização de
qualquer reação, ação, atuação e interação ou trabalho.
À medida que avançava, Bettger acabou eliminando de
sua mente o “comando” automático da autossugestão que o
levava ao fracasso, substituindo-o pelo “comando” de sucesso
e entusiasmo.
O entusiasmo realmente contagia tudo e todos, saindo
do marasmo e da baixa autoestima para uma interação e
interatividade de pura energia e concentração, com alegria,
bom humor e prazer.
A RIAC também proporcionou entusiasmo!
Os encontros e discussões foram acontecendo.
Então a RIAC chegou a um momento de reforçar a
união e se separar. Quatro livros surgiram: “Diversidade,
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inclusão e democracia: conceitos, práticas e reflexões”,


“Educação e tecnologias digitais: conceitos, práticas e
reflexões”, “Visagismo: conceitos, práticas e reflexões” e
“Iniciação científica: conceitos, práticas e reflexões”.
Reforçamos a união, pois os padrões iriam vigorar para as
quatro obras e nos separarmos, pois as temáticas que
envolveriam as obras seguiriam seus focos e objetivos.
Entre o se unir e separar-se o processo colaborativo e
cooperativo permeou toda a construção dos ensaios para os
livros.
Nesse processo colaborativo e cooperativo afloraram
vários pedidos de ajuda, várias parcerias: visagistas com
educadores, advogados com especialistas em tecnologias
digitais, filósofos com professores de inteligência artificial,
empresários com psicólogos, engenheiros com terapeutas,...
O medo de errar deu lugar ao pedido de ajuda. O
isolamento deu lugar à aproximação. O “eu não sei” deu lugar
ao “eu quero aprender”. O receio da avaliação deu lugar ao
“muito obrigado pelas indicações e sugestões”. De certa forma,
concordo com o mitólogo Joseph Campbell, autor do livro “O
herói de mil faces”. Campbell afirma que “a caverna que você
tem medo de entrar, esconde o tesouro que você procura”. Em
outras palavras, as atividades desenvolvidas na RIAC
proporcionaram uma espécie de aventura, tal qual os 12 passos
da “Jornada do herói”.
E assim caminhamos! E aqui estamos! Obras
publicadas! Mas agora já não somos mais os mesmos do início
da jornada do herói escritor.
Agora, o que fazer com tudo isso?
Para muitos autores que compõem essa coletânea de
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ensaios, esse processo colaborativo e cooperativo


proporcionado pela RIAC apenas refinou uma prática
acadêmica. Para outros, foi uma janela aberta para um novo
olhar sobre as possibilidades de organização e publicação de
ensaios, artigos, pesquisas e conteúdos digitais. Para outros
ainda, uma primeira oportunidade: primeira de muitas! É certo
que alguns ficaram pelo caminho. De repente não era o
momento para tal e isso deve ser considerado e respeitado.
Ainda nos primeiros encontros, lá em junho de 2020, o
Prof. Dr. Claudio André nos apresentou um breve texto
intitulado “Leia isto antes de começar a produzir o seu artigo”.
O texto finalizava com a seguinte frase (ou comando): “Você é
capaz! Mãos à obra”.
Nesse momento usaremos a seguinte frase: “Nós somos
capazes!”
Na RIAC: Venimus, vidimus, vicimus.

Vicente de Paulo Morais Júnior


Novembro de 2020

FOUCAULT. M. O Sujeito e o poder. In: DREYFUS, R; RABINOW, P.


[1]

Michel Foucault: uma trajetória filosófica (para além do estruturalismo e da


hermenêutica). Tradução de Vera Porto Carrero. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1995, p. 229-249.
PREFÁCIO

Ninguém motiva ninguém, pois a motivação é intrínseca ao


ser humano, mas alguns professores visionários e ousados parecem
ter o poder de mostrar caminhos que os alunos muitas vezes não
conseguem enxergar sozinhos, como nos 12 passos da Jornada do
Herói, de Joseph Campbell (O herói de mil faces). Assim começou o
projeto deste livro, pela iniciativa ousada do Prof. Dr. Claudio André,
onde me senti chamada para uma aventura.
Novos tempos, novos desafios e novas oportunidades frente
a pandemia provocada pelo Coronavírus em 2020. Ainda assim, em
tempos de crise, surgiu o projeto de criação da “Rede Internacional
de Autoria Colaborativa” – RIAC –, com o propósito de envolver
alunos, professores, profissionais da área corporativa e serviços,
especialistas, empreendedores, estudiosos e colaboradores de
diversas universidades e empresas brasileiras e estrangeiras.
Um dos grandes desafios da RIAC foi promover a articulação
e conexão de diversas pessoas para desenvolver o livro intitulado
“Inclusão, Diversidade e Democracia: conceitos, práticas e reflexões”,
com autores de universos, faixas etárias, vivências, experiências e
ideologias diferentes, que foram desafiados a colocar sua voz para o
mundo e praticar a autoria digital colaborativa, aceitando o convite
para mergulhar em mundo que era desconhecido para muitos. Nesta
Jornada, muitas vezes lembrei de uma frase que Prof. Claudio André
citava de Joseph Campbell: “na caverna que você tem medo de entrar,
esconde o tesouro que você procura”.
Como nos 12 passos da Jornada do Herói, muitos foram
chamados para a aventura de escrever um capítulo para este livro, e
alguns cruzaram o mundo do desconhecido e foram conduzidos por
uma rede colaborativa, onde cada um dos participantes tinha algo a
oferecer e a receber. Com isso, chegamos transformados ao final da
Jornada após cruzarmos o limiar entre o mundo desconhecido que
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agora se tornou conhecido.


As várias aventuras apresentadas nos capítulos deste livro
abordam temas presentes em nossa sociedade e com uma gama de
reflexões ímpares em seus olhares. Falam das várias nomenclaturas
utilizadas para nomear as pessoas com deficiência, que podem
demonstrar desconhecimento ou preconceito, passando por questões
que envolve a surdez, diversidade étnico racial, as lutas pelo
reconhecimento histórico, pessoal e profissional de pessoas negras,
gestão da diversidade, empreendedorismo e as vulnerabilidades
sociais que criam suas próprias oportunidades para construir uma
economia mais solidária.
Ao listar estes fatores não pretendo, de maneira alguma,
vitimizar ou “carimbar” as pessoas, suas ideologias ou crenças. Pelo
contrário, penso que todos são protagonistas de suas histórias,
conquistas e sucessos. Em outras palavras, a diversidade é valorizada
e muito bem vinda neste livro.
As abordagens que os autores trazem podem contribuir para
que todos tenham a oportunidade de compreender melhor os
entraves estruturais de nossa sociedade que invisibilizam muitas
pessoas, simplesmente porque são consideradas por uma parte da
sociedade, como fora dos chamados “padrões”. No entanto, os textos
aqui apresentados favorecem as reflexões tecidas à várias mãos e
olhares, onde todos tem voz e vez.
Tenho certeza que a autoria colaborativa proposta nesta
aventura se mostrou uma vivência e experiência única na vida dos
autores que, aliadas à ciência, a pesquisa e a disseminação do
conhecimento, traz uma enorme contribuição como uma proposta
onde todos podem se manifestar, de forma responsável e
democrática.
Faça como na Jornada do Herói, aceite o chamado à esta
aventura, leia os textos e acredite que, ao final, sairá transformado.
Convido você a conhecer a experiência relatada aqui pelos
autores, com toda a seriedade que os temas merecem.
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Embarque nesta Jornada!

Leliane Aparecida Castro Rocha


Doutoranda da Pós-Graduação em
Educação da Universidade Metodista
de São Paulo - UMESP
APRESENTAÇÃO

A proposta desse livro que está em suas mãos, se estabelece


na dinâmica da Rede Internacional de Autoria Colaborativa, ou
simplesmente (RIAC), com as temáticas expressas e provocativas nos
capítulos sobre Inclusão, Diversidade e Democracia. Antes de
discorrer um pouco sobre os textos, é necessário recordar quais os
contextos envolvidos neste livro. Neste ano de 2020, com um
problema mundial de saúde pública, e de crises institucionais, com
uma baixíssima tolerância para diálogo. Seria uma extrema ousadia,
convidar pessoas diferentes, as quais não se conhecem, com histórias
de vidas diferentes ou semelhantes, e perguntar para elas? O que te
toca? Qual é o problema que existe? Qual a proposta que você tem
para esse problema? Por que você não fala sobre o que te move?
Nesta perspectiva de diversas problemáticas nasce a RIAC e,
especialmente, este Livro, com o desejo de propor, discutir, provocar
e promover reflexões, sobre o que é Inclusão? O que é Diversidade?
O que é Democracia? Mas neste processo de reflexões e ações, como
produzir um artigo científico? Como o modelo de escrita acadêmica,
ele é incluso, diverso e democrático?
Quando muitas pessoas iriam refletir sobre os problemas, as
demandas decorrentes de quaisquer projetos, ele (Cláudio) pensou
sobre seu papel de professor, sua responsabilidade na práxis. Com
isso, o processo de ensino e aprendizagem ocorreu no sentido de
educador e educando, de conversas, de trocas, dentro das
possibilidades de cada pessoa colaborar umas com as outras. Ler,
escrever, refletir, questionar e propor ações são verdadeiramente
intervenções revolucionárias. Como diz o poeta Sergio Vaz:
“Revolucionário é todo aquele que quer mudar o mundo e tem a
coragem de começar por si mesmo”. Os autores e autoras,
começaram essa revolução, pois sentem a necessidade de se
expressar, ensinar, aprender e de iniciar a mudança em cada um.
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Os três primeiros capítulos do livro: “As nomenclaturas


associadas aos deficientes no Brasil”, “Educação de Surdo:
Deficiência na qualidade de ensino para formação de professores no
nível superior” e “As vulnerabilidades sociais da família negra de
pessoas com deficiência” escrito por Leliane Rocha, Thiago Pinto,
Andreia Cardoso e Maria de Fátima trazem provocações sobre as
situações envolvendo pessoas com deficiência e suas nuances, no
quesito terminologias, questionamento sobre educação das pessoas
com e sem deficiência e, como os e as futuras professoras
participaram desse processo de ensino e aprendizado, também, como
o racismo interfere nas famílias negras as quais possuem pessoas com
deficiência.
Do capítulo quatro ao capítulo nove, escrito por, Monique
Rodrigues, Alcione Cequeira, Marina dos Santos, Fabiana Marques,
Maria Inês, Mariângela de Castro, com os temas: “Letramento racial:
dialética entre branquitude e racismo – discussões a partir do caso
George Floyd”; “Inclusão de mulheres advogadas pretas no mercado
de trabalho: pesquisas, desafios, resultados”; “Desenvolvimento
sociorracial da mulher negra em face da interseccional de
identidade”; “As matambas rodando e cantando: nosso lugar é nosso
samba paulistano”; “Carreira internacional da mulher negra” e “A
inclusão também é um processo interno, aquilombamento financeiro
étnico racial, como alternativa de fortalecimento do
afroempreendodorismo”, contempla escrita de mulheres as quais
questionam o papel das mulheres em diferentes segmentos, como o
samba paulista, as estruturas raciais que atravessam as mulheres
negras, no Brasil e em outros países, a branquitude e seus privilégios
e, os fatores de sucesso da pluralidade de mulheres negras em
diversos setores.
Do capítulo dez ao doze com os temas: “Cerâmica africana:
relações entre a produção, a cultura e a religião ioruba”, “ Gestão da
diversidade, verdade ou mito?” e “ Descolonização – análise do
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epistemicídio no currículo das ciências humanas discorrem sobre os


problemas estruturais do racismo, seja ele no mundo corporativo ou
no mundo acadêmico e, foram escritos por Fabio Lopes, Jorge Costa
e Claudio Andre, Alexandro Bento e Rafael Sacramento.
O capítulo treze escrito por Luiza Pereira e Rafael
Sacramento, com o tema “Democracia e ditadura: desvendando na
prática os meandros de um aparente estado de “direitos””, traz
questionamentos sobre o que seria a democracia e como ela é
utilizada por diversos atores. No capítulo quatorze com a temática
“A importância do terceiro setor para democratização da educação”,
escrito pela autora Angela Souza, discorre sobre a contribuição do
chamado terceiro setor na expansão dos meios educacionais. E, no
capítulo quinze, Impactos da Covid-19 nos direitos humanos da
população na sociedade brasileira, questiona os papeis os quais estão
em discordância no enfrentamento a pandemia no Brasil, no quesito
referente aos direitos humanos, foi escrito por: Marilice Martins,
Rosana Rufino e Sandra Cordeiro.
No Capítulo dezesseis com o tema “Mulheres na ciência,
tecnologia, engenharia e matemática (STEM): panorama no Brasil,
desafios e perspectivas futuras”, pelas autoras Ariane dos Santos ,
Karen Prado e Mariana Lima, questionam qual o panorama e a
historicidades das mulheres nos cursos de STEM, refletindo sobre a
desigualdade de gênero e quais as soluções para que ocorra a
equidade de gênero na área. “Empreendedorismo e equidade para
mulheres de sucesso” da autora Ágatta da Costa, no capítulo 17,
questiona o posicionamento do mundo corporativo sobre as
oportunidades e igualdade de gênero. No capítulo 18, escrito por
Marco Aurélio e Renata Eisinger com o tema “Cooperativa do sabão
selecta: dilemas quanto ao sim, a prosperidade, numa organização de
economia solidária”, mostra como um caso real como a Universidade
pode contribuir em uma cooperativa e assim, refletir sobre o que é
um cidadão solidário e uma economia solidária.
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Dito isto, acreditamos que esse livro tenha uma proposta


ousada e inovada ao trazer as pessoas em momentos de vida
diferentes para o centro do debate de proposições, por ele mesmo ou
por ela mesma, potencializados nos encontros realizados as quintas-
feiras durante 3 meses. Um livro pensado, organizado, escrito por
muitas colaborações as quais refletem o título do livro Inclusão,
Diversidade e Democracia.

Boa leitura!
Jorge Costa
Doutorando em Nanociências e
Materiais Avançados pela
Universidade Federal do ABC
CAPÍTULO 1 │ AS NOMENCLATURAS ASSOCIADAS
AOS DEFICIENTES NO BRASIL

Leliane Aparecida Castro Rocha

RESUMO

O objetivo geral deste capítulo é realizar a análise das principais


nomenclaturas utilizadas no decorrer da história das pessoas com
deficiência no Brasil. Traz como questão central a indagação de quais os
conceitos sociais que envolvem nas nomenclaturas para o reconhecimento
das pessoas com deficiência. Vemos a relevância de se discutir o tema
justificando-se pelas várias nomenclaturas utilizadas nas legislações, na área
médica e educacional ao se referirem aos Surdos. Ao se buscar compreender
melhor a necessidade das mudanças nas nomenclaturas conduziremos
nossa trajetória metodológica na pesquisa bibliográfica e documental, de
natureza qualitativa, com foco na Constituição Federal (1988), Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), Lei Brasileira de Inclusão
da Pessoa com Deficiência (2015), Silva (1987) e Sassaki (2003) entre outras
fontes. Nossas reflexões consideram que as nomenclaturas que têm seu foco
em conceitos biológicos e psíquicos, tendo em foco a medicina e nem sempre
conseguem reconhecer estas pessoas como sujeitos de direitos. Com este
prisma, os resultados encontrados até o momento, atestam que as pessoas
com deficiência precisaram percorrer um longo trajeto de luta para serem
reconhecidas e constituídas como pessoas plenas, que buscam participar da
sociedade com autonomia e tendo apenas a forma de comunicação com seus
pares diferentes. Esperamos contribuir para a reflexão acerca das
discriminações e preconceitos que estas pessoas tiveram que superar e as
lutas que ainda travam como parcela minoritária da sociedade para se
estabelecerem como cidadãos.
Palavras-chave: NOMENCLATURA. PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
SURDOS.
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1 INTRODUÇÃO

Ao pensarmos nos vários termos que foram e são utilizadas


para nominar as pessoas com deficiência, nos dispusemos a refletir
um pouco sobre algumas nomenclaturas como: inválida,
incapacitada, excepcional, doente mental, retardada entre outras.
Neste sentido cabe correlacionar os ternos na perspectiva do tempo e
sobretudo de muitas discussões que, desde a Constituição de 1988,
vem sendo realizadas sobre a cidadania, diversidade e inclusão.

A educação sempre esteve presente na história, contudo, a


maneira como as pessoas observam o ambiente e se comunicam,
diferem em vários momentos e perspectivas. Essa dialética de
mudanças nas opiniões e ações, são necessárias nos olhares quando
se permeia a educação dos deficientes, em especial os Surdos.
Diversas justificativas foram elencadas para as alterações das
nomenclaturas, e assim, garantir e respeitar os direitos e assegurar o
atendimento não somente assistencial, mas educacional aos Surdos.

Ao utilizarmos esta ou aquela nomenclatura podemos


mostrar falta de conhecimento, preconceito e discriminação. As
pessoas deficientes auditivas foram deixadas de lado, excluídas e
marginalizadas pela sociedade por não as entenderem sua forma de
comunicação, gestual-visual. A Língua Brasileira de Sinais – Libras,
utilizada no nosso país teve seu reconhecimento apenas em 2002, com
a Lei número 10.436, no entanto, é a língua materna do surdo.

De alguma forma, no decorrer dos tempos, suas diferenças em


se comunicarem, bloquearam suas ações, seus direitos e por que não
dizer, que limitaram seu pleno exercício de cidadania. Sim, a
sociedade impõe padrões para seus participantes e discrimina,
inferioriza por seu pré-conceito em relação ao que consideram
normal e aceitável. Neste sentido corrobora Silva (1987, p. 260), ao
ponderar que,
25

[...] a nossa sociedade, em seus múltiplos segmentos, não se


apresenta como exceção, apesar de ser notória a pretensão
que tem de muito aberta à integração de todos, sem adotar
qualquer medida preconceituosa. A verdade dos fatos é
outra, porém: as atitudes discriminatórias existem entre nós
e com elas suas consequências mais lamentáveis, que são as
situações reais de marginalidade social.
Em toda época e lugar as nomenclaturas foram questionadas,
de tempos em tempos, em relação à sua adequação. Como citado
anteriormente, dentre as diversas formas já foram nominados de
inválidos, incapazes, defeituosos, excepcionais, doentes, retardados,
deficientes, pessoas deficientes, pessoas portadoras de deficiência,
pessoas com necessidades especiais, pessoas especiais, enfim, foram
tantas as palavras que precisamos refletir para podermos
compreender cada uma em seu tempo e espaço (SILVA, 1987).

Face ao exposto este capítulo, se propõe a revisitar as


bibliografias que abordam o tema para nos pautar e refletir sobre
como estas palavras influenciaram na vida social e educacional dos
Surdos e o como isso se relaciona com os pensamentos
contemporâneo.

1.1 Objetivo Geral

O objetivo geral deste capítulo é analisar as nomenclaturas


utilizadas para identificar as pessoas com deficiência, com ênfase no
Surdo. E como isso se relaciona com o pensamento contemporâneo.

1.2 Objetivo Específico

Identificar as nomenclaturas utilizadas nos documentos


legais e educacionais ao se referirem as pessoas com deficiência.

1.3 Questão Problema


26

Quais as bases conceituais a serem utilizadas para definir as


nomenclaturas que tratam do reconhecimento de pessoas com
deficiência, especificamente o Surdo, e que o reconheça como pessoa
como sujeito de direito?

1.4 Justificativas

A relevância se justifica pelas várias nomenclaturas utilizadas


na história das pessoas com deficiência, que em tempos passados
tinham o foco na relação biológica e psíquica. Por isso, eram vistas
apenas pelo foco médico e a luta pelo reconhecimento social destas
pessoas fizeram com que mudassem o foco para as perceberem de
outra forma. Assim, ao se mudar o foco das limitações para as
possibilidades, as nomenclaturas foram sendo, também, alteradas e
reconhecidas pela sociedade, evitando o preconceito e a
discriminação desta parcela minoritária da sociedade, todavia
capazes de se constituírem com pessoas e autônomas.

2 METODOLOGIA

Este texto foi desenvolvido considerando a metodologia da


pesquisa bibliográfica, de natureza qualitativa. A principal
preocupação da autora é de contextualizar as nomenclaturas nlo
tempo e espaço de utilização (LÜDKE e ANDRÉ, 1986).

A educação é compreendida como fenômeno integral e com


grande complexidade passando ser estudada de forma
contextualizada, respeitando suas variáveis e buscando novos
olhares para entendermos com isso a abordagem qualitativa se torna
essencial (BOGDAN, BIKLEN, 1994).

A revisão da literatura, as análises dos documentos oficiais


abordam a questão da pessoa com deficiência, com ênfase no Surdo,
27

se fizeram presentes, seja complementando informações ou


desvelando características de um tempo e situação.

3 REFERENCIAL TEÓRICO

A negação da história não elimina problemas que persistem


em nossa sociedade. A suavização de termos ao longo dos tempos,
utilizados na referência a pessoas com deficiência, especialmente as
Surdas, não elimina a necessidade de discussões e reflexões
aprofundadas para incluí-las na cidadania.

Na história da humanidade há registros de muitos


preconceitos, estigmas e estereótipos permeando a educação dos
deficientes, como afirma Silva (1987). Lembramos da nossa infância,
quando ao entrar na escola havia uma sala que não tinha carteiras
enfileiradas, porém tinha tapetes, almofadas, sofá e os alunos não
estudavam como a maioria das crianças na escola. Sem saber, naquela
época, o quê e o porquê daquela situação, nós e muitos dos nossos
amiguinhos gostaríamos de estudar naquela sala, por acreditar que
não havia rigor e regras. Hoje entendemos o significado da
segregação daquele grupo de alunos.

Caminharemos pelas nomenclaturas que se referiam aos


deficientes, ao longo do tempo e do espaço. As razões dos
(des)caminhos das leis criadas para garantir e assegurar os direitos
aos deficientes, como aponta Silva (1987), estão intrínseca e
extrinsecamente ligadas aos significados e valores de cada
personalidade que os produziu. Utilizar ou não utilizar algum termo
é importante para compreendermos se estamos olhando para o
passado ou não.

O diferente causa certo temor, e a falta de conhecimento sobre


as deficiências existentes não é exceção. As pessoas deficientes foram,
28

muitas vezes, deixadas de lado, excluídas e marginalizadas. A


constante busca do ser humano em impor padrões para sua vida
levam os diferentes a serem discriminados, inferiorizados e inúmeras
vezes considerados inúteis (SILVA, 1987).

As dimensões verdadeiras e reais das deficiências em nosso


país não podem ser estabelecidas apenas por números. É preciso
levar em conta, mensurar, os efeitos sobre a vida destas pessoas, das
famílias, das escolas, da comunidade local e de toda a sociedade. De
uma maneira ou de outra, as limitações às bloqueiam as ações dos
deficientes no seu dia a dia devido a atitudes, receios, estigmas,
comportamentos, preconceitos e também à discriminação, que são
mantidos conscientes ou inconscientemente pela sociedade (SILVA,
1987).

Analisando algumas possíveis limitações que os Surdos


possuem, parece-nos relevante a compreensão das terminologias
utilizadas no passado e no presente, refletindo, ainda que
brevemente, sobre as nomenclaturas para abandonarmos algumas
superstições, mitos e ignorância quanto aos Surdos.

As práticas discriminatórias estão presentes desde a


antiguidade, com políticas de assassinatos de bebês, crianças e
qualquer pessoa que, por algum motivo, não fossem ‘perfeita’. As
civilizações mais antigas eliminavam os seus deficientes de várias
formas, como os chineses, que os lançavam ao mar, os gregos, que
lançavam do alto dos rochedos ou abandonavam em florestas
(SILVA, 1987).

Ainda hoje, em tempos de globalização, com as conquistas


tecnológicas, nas comunicações e ciência em geral, a sociedade
continua com dificuldade em nominar e incluir o diferente e sua
diversidade.

Em todas as épocas e lugares as nomenclaturas dos termos são


questionadas, ou seja, qual é considerado correto? Inválido?
29

Incapacitado? Defeituoso? Aleijado? Excepcional? Doente mental?


Retardado? Deficiente? Pessoa deficiente? Pessoa portadora de
deficiência? Pessoa com necessidades especiais? Pessoas especiais?
Pessoas com deficiência? Enfim, são tantas as nomenclaturas que
precisaremos refletir e compreender cada uma em seu tempo e
espaço.

Responder parece simples, no entanto, não há resposta única


se considerarmos as influências dos diferentes momentos históricos,
em que as nomenclaturas foram concebidas e definidas como
corretas. Cada época relacionava-se com um termo e, levando em
consideração os estudos, a convivência social e as transformações que
ocorrem com a compreensão de certos valores sociais, as
nomenclaturas foram sendo alteradas e alterando os seus
significados.

Entretanto, a terminologia é considerada relevante quando


abordamos temas que tradicionalmente embutem preconceitos,
estigmas e estereótipos, como quando falamos de deficiência e mais
especificamente, quando falamos do Surdo.

Vamos nos respaldar em Sassaki (2003) para abordar, mesmo


que concisamente, as nomenclaturas utilizadas no decorrer da
história dos deficientes, pois estas refletem conceitos que marcam
nossas ações.

Inicialmente, os conceitos vinham da medicina, por


considerar a surdez uma condição patológica, em que a pessoa nascia
ou adquiria alguma deficiência, e assim a pessoa era considerada um
ser social que precisava ser modificada, melhorada e curada, e pela
avaliação médica era inválida. Durante décadas, o ‘inválido’ era uma
pessoa inútil para qualquer sociedade, um peso financeiro e social
para a família, ou seja, um indivíduo que não poderia gerir seu
próprio sustento, sem qualquer valor, como já enfatizamos, para ele
próprio, para a família e para a sociedade (SASSAKI, 2003).
30

[...] devido ao fato de não poder contar com meios para


garantir sua sobrevivência de maneira digna, restou aos
inválidos a posição de elemento marginalizado e o recurso
à esmola diária, sistemática, para com isso ganhar seu
sustento [...] (SILVA, 1987, p. 159)
No início do século XX, até meados dos anos 1960, o termo
utilizado foi de ‘incapacitado’, aquele sem condições de fazer
qualquer trabalho, por causa da sua deficiência, e, depois, se tornou
o indivíduo com capacidade residual, uma variação do incapacitado.
Considerado que a pessoa poderia ter alguma capacidade, mesmo
que reduzida, em alguns aspectos como físico, psicológico, social,
profissional entre outros, que podia fazer algo (SASSAKI, 2003).
[...] tinha o direito de inscrever-se gratuitamente numa
escola profissionalizante, tendo em vista a necessidade de
sua readaptação para o trabalho e sua colocação no mercado
competitivo (SILVA, 1987, p. 221).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN),
número 4.024, de 20 de dezembro de 1961, em seu capítulo X, art. 88,
traz a nomenclatura “excepcional” ao se referir ao indivíduo com
alguma deficiência, e assegurava que: “[...] a educação de
excepcionais, deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema
geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade”. Antes disso,
não era assegurado à educação aos deficientes (BRASIL, 1961).

Após essa Lei, de 1961 em diante, até por volta de 1980, a


sociedade brasileira utilizou-se de termos como: excepcional, doente
mental, retardado, defeituoso, aleijado e deficiente enfatizando
ainda mais a deficiência, potencializando a impossibilidade de fazer
alguma coisa em relação a maioria das pessoas, ou seja, agravando o
problema.

O termo excepcional era utilizado de uma forma mais ampla,


designando o indivíduo que, de alguma forma, não conseguisse
realizar tarefas como a pessoa sem deficiência. Neste sentido, cabiam
todos os deficientes físicos, intelectuais e sensoriais. A pessoa com
31

deficiência intelectual ou com algum problema mental era chamado


de doente mental ou retardado, assim, o defeituoso ou o aleijado era
a pessoa com deformidade física (SASSAKI, 2003).

Em julho de 1980, participantes do Segundo Congresso


Brasileiro de Reintegração Social, em São Paulo, após a primeira
reunião, convocada por Dorina Nowill, decidiram que remeteriam
documentos oficiais ao Presidente da República para que
referendasse o nome de “Ano Internacional das Pessoas Deficientes”,
pois havia a cogitação de nomenclaturas inadequadas, pelas
entidades participantes, de “Ano Internacional do Incapacitado” ou
“Ano Internacional do Excepcional” e outros nomes.

Por pressão dos órgãos que acompanhavam e assistiam as


pessoas com deficiência, a Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas - ONU, em sua trigésima sessão proclamou
oficialmente, o ano de 1981 o “Ano Internacional das Pessoas com
Deficiência”, incluindo a palavra pessoa para falar de deficientes, o
que lhe dava o direito de participação plena e igualdade aos membros
de quaisquer sociedades e país. Assim, foi abolido dos documentos
da ONU o uso do termo ‘indivíduo’, humanizando e reconhecendo
que existe uma pessoa com alguma lesão, anomalia, malformação,
insuficiência, déficit, disfunção, ausência ou perda de algum membro
superior ou inferior, sustentava a ideia de sinônimos entre as
palavras, deficiência e doença. Para aumentar e reforçar esta ideia, a
palavra deficiência era constantemente substituída como sinônima
de incapacidade, invalidez, defeito entre outras utilizada pela área
médica (SILVA, 1987).

Enfocando o reconhecimento mundial, de agora entende que


as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos de todos os outros
cidadãos de se beneficiar dos serviços públicos e participar da vida
comunitária, política, econômica, social e cultural (SILVA, 1987), a
Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou a Classificação
32

Internacional de Impedimentos, Deficiências e Incapacidades


(CIIDI[1]), mostrando que simultaneamente pode existir as três
condições em cada pessoa.
[...] apesar da magnitude da questão, faltam tanto
consciência como informação científica sobre as questões
relativas à deficiência [...] Quase todas as pessoas terão uma
deficiência temporária ou permanente em algum momento
de suas vidas, e aqueles que sobreviverem ao
envelhecimento enfrentarão dificuldades cada vez maiores
com a funcionalidade de seus corpos (SÃO PAULO, 2012,
p. xxi – 3).
Em prol das pessoas deficientes, algumas ações foram
desencadeadas para conscientização da população, tendo um
impacto de personificar do indivíduo que afetou diretamente a
sociedade que resistia ao termo pessoa deficiente, porém ajudou a
melhorar a imagem dela, igualando-a em direitos e dignidade
(SASSAKI, 2003).

A terminologia pessoa deficiente permaneceu


aproximadamente de 1981 até 1987, quando alguns líderes de
instituições começaram a questionar que o termo indicava que a
deficiência não era de corpo inteiro, ou seja, a pessoa inteira não era
deficiente e, novamente, foi proposta uma nova nomenclatura
(SILVA, 1987).

A Constituição Federal (CF) brasileira de 1988, também


adotou o termo pessoa portadora de deficiência, como está na Seção
da Assistência Social, na letra da lei:
[...] IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras
de deficiência e a promoção de sua integração à vida
comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência [...] (BRASIL, Seção IV, art.
203)
E assim, de 1988 até 1993, a terminologia passou a ser pessoa
33

portadora de deficiência e, como alguns termos são reduzidos pela


lei do menor esforço da língua portuguesa, logo se transformou em
portadores de deficiência.

As nomenclaturas muitas vezes deturpam, mesmo sem a


intenção de desqualificar, pois nomes guardam crenças e delineiam
pontos de vista e o termo ‘portador’ é uma dessas que merecem
cuidado, pois, necessidades não se portam como um objeto, na
realidade, são experimentadas e manifestam-se.

A partir de 1994, as idas e vindas das terminologias pessoas


com necessidades especiais ou portadores de necessidades
especiais entram nas discussões do Conselho Nacional de Educação,
após a vigência da Resolução do Conselho Nacional de Educação
(CNE)/Câmara de Educação Básica (CEB) nº 2, no artigo 5º, de 2001,
que passou a ser um valor agregado tanto à pessoa com deficiência
quanto a pessoa sem deficiência.

Para amenizar, novamente pela lei do menor esforço, foram


utilizadas as nomenclaturas de pessoas especiais, alunos especiais,
pacientes especiais, crianças especiais, sendo o adjetivo ‘especial’
apenas uma simples palavra sem agregar valor diferenciado às
pessoas com deficiência.
[...] não esconder ou camuflar a deficiência; não aceitar o
consolo da falsa ideia de que todo mundo tem deficiência;
mostrar com dignidade a realidade da deficiência; valorizar
as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência;
combater os neologismos que tentam diluir as diferenças,
como por exemplo, pessoas especiais; e defender a
igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais
pessoas em termos de direitos e dignidade (ONU, 2007
apud BRASIL, 2009).
No entanto, em 1994, na Espanha, ocorria a Declaração de
Salamanca[2], que defendeu o compromisso com a Educação para
Todos, assegurando que a educação de pessoa com deficiência seja
parte integrante de todos os sistemas educacionais, orientando a
34

inclusão da pessoa em todos os aspectos da vida social, dando-lhe a


promoção da participação, que até então lhe fora negada, daí a
nomenclatura “necessidades educacionais especiais” (NEE).

Os primeiros anos do século XXI foram marcados por eventos


mundiais e, com eles, passa a ser preferido o termo pessoa com
deficiência, e seus valores agregados de empoderamento nas
tomadas de decisões, de responsabilidades, de contribuir com suas
habilidades e competências para promover a inclusão e mudar a
sociedade em seus conceitos e valores coletivos.

A ONU nos esclarece o que são pessoas com deficiência:


Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas (BRASIL, 2009, p. 16).
As justificativas dadas ao termo faz parte da Convenção sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPC), adotada pela ONU
em 13 de dezembro de 2006, porém no Brasil, este tratado foi
ratificado, com equivalência de emenda constitucional, através do
Decreto Legislativo número 186, pelo Congresso Nacional de nove de
julho de 2008.
[...] c) Reafirmando a universalidade, a indivisibilidade, a
interdependência e a inter-relação de todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais, bem como a
necessidade de garantir que todas as pessoas com
deficiência os exerçam plenamente, sem discriminação [...]
(BRASIL, 2008, Preâmbulo).
A nomenclatura atual, adotada a partir de 2015, com a Lei nº
13.146, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência, mais conhecida como Estatuto da Pessoa com
Deficiência, assegura e promove o exercício dos direitos e das
liberdades fundamentais por pessoas com deficiência, visando
35

oferecer-lhes inclusão social e cidadania.

De fato, as nomenclaturas em diferentes épocas, na maioria


das vezes, dadas e representadas pelas impressões das pessoas sem
deficiência, que atendem e/ou convivem com Surdos, em momento
algum valorizam ou levam em consideração a participação efetiva da
pessoa Surda.

A preocupação com a nomenclatura é oriunda da necessidade


que as pessoas têm com a uniformidade de conceitos, do uso das
palavras que não refletem os valores sociais e a condição do
deficiente como pessoa. Precisamos ver mais a pessoa e valorizar sua
potencialidade, em vez de inferioriza-la. O indivíduo é um ser
complexo, com grandes potenciais, repleto de respeitabilidade e de
valor.

Todo ser humano tem necessidades que devem ser satisfeitas,


objetivos a serem atingidos e sonhos a serem conquistados, qualquer
que seja o seu estado. Precisamos entender, plenamente, o longo
caminho que as pessoas com deficiência percorreram para terem seus
direitos reconhecidos e respeitados como pessoa.

4 REFLEXÕES

Nossas reflexões sobre as várias nomenclaturas utilizadas


para identificar e nos referirmos às pessoas com deficiência partiram
dos conceitos biológicos, psíquicos, sempre com foco na área da
saúde. Em outros momentos as nomenclaturas direcionavam para
um assistencialismo social. A condição de ter uma deficiência não se
aplica a uma condição inata ou adquirida que faz parte de uma
pessoa. Nos respaldamos nesta condição para deixarmos de usar o
termo portador, pois não há como portar ou não portar. Por isso
precisamos pensar no tempo e espaço em que os vários documentos
36

e bibliografias foram escritos, para contextualizar o uso deste ou


daquele termo ao nos referirmos as pessoas com deficiência.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este olhar, os resultados encontrados até o momento, nos


leva a compreender que a pessoa com deficiência precisou e precisa
percorrer uma trajetória de luta social e pessoal para serem
reconhecidas e constituídas como pessoas de direitos e deveres como
as pessoas sem deficiência. Com o Surdo isso não é diferente, ele
busca participar de sua sociedade com autonomia pois, a única coisa
que o difere é a forma como se comunica com o outro e com o mundo,
pela língua brasileira de sinais. Seus olhos são seus ouvidos e suas
mãos sua boca, simplesmente.

Esperamos contribuir para uma reflexão sobre a pessoa, com


empatia, deixando, no passado a discriminação e o preconceito que
os Surdos tiveram que superar por fazerem parte de uma minoria em
nossa sociedade, pois mesmo tendo sua comunicação o fator que os
diferem, não desqualificam, como pessoa pertencente a nossa
sociedade.

REFERÊNCIAS

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qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitative em educação:
uma introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto, 1994.
BRASIL, Lei n. 4024, de 20 de dezembro de 1961. Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. Disponível em
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4024-20-
dezembro-1961-353722-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em 03
37

nov. 2017.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil.
Promulgada em 5 de outubro de 1988 e alterada por Emendas
Constitucionais, de nº 42, de 19 de dezembro de 2003. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Constituicao.htm. Acesso em 03 nov. 2017.
BRASIL, Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em
03 nov. 2017.
BRASIL, Resolução CNE/CEB n. 2, de 22 de setembro de 2001.
Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação
Básica. Conselho Nacional de Educação / Conselho Nacional de
Educação. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.pdf. Acesso
em 03 nov. 2017.
BRASIL, Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SECADI, 2008. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf.
Acesso em 03 nov. 2017.
BRASIL, Lei n. 13146, de 6 de julho de 2015. Lei Brasileira de Inclusão
da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em 03 nov. 2017.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho
científico. São Paulo: Atlas, 2018.
SÃO PAULO. Relatório mundial sobre a deficiência. São Paulo:
SEDPcD, 2012. Disponível em
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l.pdf. Acesso 22 set. 2018.
SASSAKI, R. K. Como chamar as pessoas que têm deficiência?
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SASSAKI, R. K. Inclusão: Construindo uma Sociedade para Todos. 7.
ed., Rio de Janeiro: Editora WVA, 2006.
38

SASSAKI, R. K. Nada sobre nós, sem nós: da integração à inclusão.


Parte 1. Publicado em 22/06/2011. Disponível em
http://www.bengalalegal.com/nada-sobre-nos. Acesso em 03 nov.
2017.
SILVA. O. M. A Epopeia ignorada: a pessoa deficiente na história do
mundo de ontem e de hoje. São Paulo: CEDAS – Centro São Camilo
de Desenvolvimento em Administração da Saúde, 1987.

[1] Atualmente modificada para Classificação Internacional de


Funcionalidade, Deficiência e Saúde (CIF).
[2] Organizada pelo governo da Espanha em cooperação com a

UNESCO, com representantes de 88 governos e 25 organizações


internacionais em assembleia, entre 7 e 10 de junho de 1994.
CAPÍTULO 2 │ EDUCAÇÃO DE SURDO: DEFICIÊNCIA
NA QUALIDADE DE ENSINO PARA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO
NÍVEL SUPERIOR

Thiago Júlio Pinto

RESUMO

O capítulo versa sobre a deficiência na qualidade de ensino sobre a


Educação de Surdos para a formação de professores para atuarem na
Educação Básica. Objetiva-se relatar a realidade do ensino sobre o tema
pouco explorado que implica na formação do educador, neste contexto
abordado está nos conteúdos explícitos nos planos de ensinos das
instituições e, como base central a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - LDBEN de 1996. Assim, se justificativa pelo aspecto que acerca a
formação de professores, com base nos Art. 61. e Art. 62. da LDBEN e o
Decreto número 5.626 de 2005. Temos como questão problematizadora
quais competências devemos incluir na formação de professores para
atuarem na educação dos Surdos? A metodologia da pesquisa foi
documental e bibliográfica tendo o referencial de mercado, para justificar o
caminho adequado para a formação do professor. O referencial teórico está
pautado em Cruz, Quadros, Vygotsky entre outros discorrido no artigo,
favorecendo uma reflexão sobre alguns itens que poderiam ser inseridos na
formação de professores para que a qualidade educacional de surdos possa
avançar melhor. Concluiu-se de forma positiva o propósito da pesquisa,
com reflexões importantes e apontando para uma equidade buscada para a
educação de surdos.

Palavras-chave: FORMAÇÃO DE PROFESSOR. EDUCAÇÃO DE SURDO.


PLANO DE ENSINO. CURRÍCULO.
40

1 INTRODUÇÃO

Historicamente, os surdos traçaram um caminho longo para


as suas conquistas e, direitos individuais e sociais. Com o advento do
Decreto nº 5.626 de 2005, as instituições de ensino da Educação Básica
e Superior começaram a se organizar para a comunidade surda e para
os demais que se interessam sobre a surdez. Importante destacar que,
a partir do referido Decreto, a Libras tornou-se obrigatória como
disciplina na formação de professores, bem como todo o processo que
engloba o desenvolvimento biopsicossocial dos educandos surdos,
principalmente para promover a qualidade de ensino nas séries
iniciais do ensino fundamental. No entanto, apesar desta conquista,
desejamos que a formação esteja concretizada no cotidiano do Ensino
Superior, proporcionando uma formação satisfatória de forma a
atender toda a necessidade dos alunos surdos em sala de aula.

No que tange a formação de professores, busca-se entender


como as instituições organizam suas formações para tornar o
professor apto a trabalhar com a educação de surdos nas escolas
regulares. Lembrando que a Constituição Federal de 1988 e a Lei de
Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDBEN, 1996) prevêem
“preferencialmente na rede regular de ensino”, referindo-se à
educação especial. Preocupa-se quando se fala da educação de
qualidade para o sujeito surdo, que precisa de cuidado especial, do
suporte para formação cidadão durante o processo de ensino-
aprendizagem e, principalmente, a aquisição de sua língua materna
Libras. Deve-se considerar que as “crianças surdas apresentam
diferentes contextos de aquisição da linguagem relacionados com o
meio em que estão inseridas” (QUADROS e CRUZ, 2011) em
consequência do diagnóstico da surdez tardia. Neste sentido, o
professor precisa do conhecimento correto para buscar um caminho
do processo de ensino para o aluno surdo.
41

Para Mercado (2010), o Decreto nº 5.626 de 2005 não


regulamenta a disciplina língua brasileira de sinais - Libras, no que
diz respeito ao estabelecimento de carga horária, conteúdo, entre
outros aspectos constantes no plano de ensino. E por essa razão,
muitas instituições elaboram o plano de ensino sem a devida
precaução no que diz respeito à Educação de Surdos, prejudicando o
acadêmico na sua formação. Neste sentido, a organização dos
conteúdos precisa ser repensada, objetivando o estudo sobre o
desenvolvimento humano do sujeito surdo.

O professor “também necessita entender quem é o indivíduo


surdo como se processa a sua cultura, sua aprendizagem, suas
necessidades para a compreensão que a sociedade que o cerca”
(MERCADO, 2010, p. 59). Entretanto, é importante que as instituições
garantam as informações necessárias ao educador acadêmico, para
lidar com os alunos surdos em escolas regulares.

1.1 Objetivo Geral

Compreender como as Instituições de Ensino Superior


organizam seus planos para a formação de professores ou
acadêmicos se tornarem aptos a assumirem as aulas com crianças
surdas em escolas de educação infantil e ensino fundamental.

1.2 Objetivos Específicos

1.2.1 Selecionar os planos de ensino organizados por capítulos,


como: ementa, objetivos, conteúdo programático, semestre e
regime de oferecimento da disciplina (semestral ou anual),
carga horária, avaliação e bibliografia como objeto de análise;
1.2.2 Apurar as dificuldades enfrentadas pelos professores
formadores de aprendizagem;
1.2.3 Propor conteúdos adequados para a formação de professores
da Educação de Surdos.
42

1.3 Questão Problematizadora

Considerando argumento exposto por Mercado (2010) de que


o Decreto nº 5.626 de 2005 não regulamenta a disciplina Libras no que
diz respeito ao estabelecimento de carga horária, conteúdo, entre
outros aspectos constantes no plano de ensino; considerando que as
crianças surdas apresentam diferentes contextos de aquisição da
linguagem relacionados com o meio em que estão inseridas e estão
matriculadas em escolas regulares, quais conhecimentos devemos
priorizar na formação de professores para atuarem na educação dos
surdos?

1.4 Justificativas

Este texto é um recorte de uma pesquisa de graduação, onde


buscamos investigar os planos de ensino de algumas IES, buscando
em suas ementas, objetivos, conteúdos programáticos, carga horária
para compreender quais seriam as possíveis dificuldades enfrentadas
pelos professores formadores.

As Instituições de Ensino Superior (IES), local por excelência


de e na formação do professor, organizam aulas, projetos, estágios,
objetivando torná-lo apto a trabalhar em escolas regulares. Porém,
parte-se do pressuposto que existe uma falta de organização e
coerência sobre a Educação de Surdo. É perceptível que as
instituições organizam planos de ensino de Libras com propósito de
resolver o problema de comunicação, sem levar em consideração da
existência de crianças surdas que apresentam diferentes contextos de
aquisição da linguagem relacionados com o meio em que estão
inseridas (QUADROS e CRUZ, 2011).

As IES preocupam-se somente em ensinar aos professores


43

parte do vocabulário de Libras, deixando de lado pontos primordiais


que podem ajudá-los a assumirem as aulas. Principalmente, quando
forma o professor alfabetizador,
[...] responsável pela educação bilíngue inclusiva da criança
surda, para que conheçam tanto o referencial teórico, que
fundamenta a atual situação da surdez no Brasil, como
também, o acesso que lhes proporcionam ao conhecimento
da Libras, e ao contato com a pessoa surda, a fim de
conhecer a cultura e a identidade do sujeito surdo
(MERCADO, 2010, p.59).
Destarte, é importante analisar minuciosamente as escolhas
dos conteúdos que contribuam na formação de professores,
objetivando o desenvolvimento humano do educando surdo, a fim
de tornar um bom cidadão como qualquer pessoa.

2 METODOLOGIA

Para fundamentar a importância da formação de professores


para Educação de Surdos, num primeiro momento, observa-se a
organização das disciplinas propostas pelas instituições, objetivando
compreender como tem sido a proposta para o domínio das
concepções teóricas que favoreçam a formação do professor.

Mercado (2010) fundamentou em sua pesquisa para constatar


a qualidade do ensino de Libras organizadas pelas instituições para
compreender se “é satisfatória para corresponder ao proposto pelo
Decreto nº 5.626 de 2005, bem como, às necessidades de
conhecimento do professor, para atender o aluno surdo, em seu
processo de aprendizagem” (MERCADO, 2010, p. 61). As premissas
para análise da organização da disciplina feita pelo autor, centralizou
na sua observação da organização curricular das disciplinas. Ao
considerar esse universo de análise,
[...] centramos nossas observações na organização dessa
44

disciplina, no concernente à ementa, objetivos, conteúdo


programático, semestre e regime de oferecimento da
disciplina (semestral ou anual), carga horária, avaliação e
bibliografia, objetivando compreender como tem sido
proposta a aquisição e o domínio da comunicação em
Libras, para o pedagogo em formação, assim como, a sua
inserção na cultura surda (MERCADO, 2010, p. 61).
Convém lembrar, que o objeto de estudo são os planos de
ensino oferecidos pelas Instituições, numa perspectiva histórica com
base na análise documental e bibliográfica, composta pela LDBEN nº
9.394 de 1996, o Decreto nº 5.626 de 2005; e, as pesquisas
fundamentadas que vem sendo realizadas na esfera de Educação de
Surdo.

3 COMENTÁRIOS SOBRE A LEI DE DIRETRIZES DE


BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL

A Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional, Lei nº


9.394/96, sancionada há mais de 20 anos, em 20 de dezembro de 1996,
tem o papel fundamental nas transformações na educação até hoje.
Seu texto, introduziu mecanismos de avaliação do ensino, que hoje
se materializam em iniciativas como o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB) e o Censo Escolar, e através dos resultados é
possível entender melhor os trabalhos desenvolvidos pelos
educadores.

Deve-se levar em consideração que, as principais


características da Lei são: estabelecer que todo cidadão brasileiro tem
o direito ao acesso gratuito ao Ensino Fundamental (9 anos de
estudo), para que este direito seja, gradativamente, levado também
ao Ensino Médio; determinar a função do Governo Federal, Estados
e Municípios no tocante a gestão da área de educação; estabelecer as
obrigações das instituições de ensino (escolas, faculdades,
universidades e etc.); determinar a carga horária mínima para cada
45

nível de ensino; apresentar diretrizes curriculares básicas; apontar


funções e obrigações dos profissionais da educação (professores,
diretores e etc.).

No que diz a respeito às funções e obrigações dos


profissionais de educação é importante frisar o que a lei determina
que o profissional deva ter os requisitos mínimos para atuar na
educação. O Artigo 61 prescreve que: “consideram-se profissionais
da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício
e tendo sido formados em cursos reconhecidos”, são:
I – professores habilitados em nível médio ou superior para
a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental
e médio;
II – trabalhadores em educação portadores de diploma de
pedagogia, com habilitação em administração,
planejamento, supervisão, inspeção e orientação
educacional, bem como com títulos de mestrado ou
doutorado nas mesmas áreas;
III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de
curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim
(BRASIL,1996).
No parágrafo único do Artigo 61 fundamenta a importância
da formação dos profissionais da educação, atendendo às
especificidades do exercício de suas atividades das diferentes etapas
e modalidade da educação básica. Os itens descritos neste parágrafo
são:
I – a presença de sólida formação básica, que propicie o
conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas
competências de trabalho;
II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios
supervisionados e capacitação em serviço;
III – o aproveitamento da formação e experiências
anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades
(BRASIL,1996).
Já o Art.62. prescreve que:
46

a formação de docentes para atuar na


educação básica far-se-á em nível superior, em
curso de licenciatura, de graduação plena, em
universidades e institutos superiores de educação,
admitida, como formação mínima para o exercício
do magistério na educação infantil e nas quatro
primeiras séries do ensino fundamental, a
oferecida em nível médio, na modalidade Normal
(BRASIL, 1996).
Em suma, observa-se que nos Artigos 61 e 62 explicitam a
necessidade da formação em nível superior, em curso de licenciatura
e de graduação plena, que no caso da Pedagogia, para exercer a
função de docente na educação infantil e nas cinco primeiras séries
do ensino fundamental.

O Decreto nº 5.626 de 2005, foi promulgado naquele ano com


a finalidade de regulamentar a Lei nº 10.436 de 2002 e o Artigo 18 da
Lei nº 10.098 de 2000. Isto significa que este documento privilegia a
comunidade surda, no que diz a respeito à formação dos
profissionais para atuar na educação dos surdos. Com o advento do
Decreto nº 5.626, proporcionou “ações da comunidade surda em todo
o país na luta pela efetivação dos dispositivos propostos e pela
garantia dos direitos” (CASSIANO, 2017, p.4).

Tais ações ainda impactam nas comunidades surdas, de


forma geral em todo o Brasil, havendo contexto social forte,
organização da população interessada pelas questões das
comunidades surdas, bem como o avanço dos debates relativos à
singularidade linguística.

O nível de organização que encontramos entre as entidades


que se dedicam às questões relevantes às pessoas surdas, como a
Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis),
Associações de Surdos, pesquisas sobre a Língua Brasileira de Sinais
entre outras não é o mesmo verificado nas demais demandas da
Educação Especial, o que justificaria um conjunto de ações bastante
47

focalizado neste grupo (SALERNO, 2006 apud CASSIANO, 2017,


p.5).

No que tange a formação de professores, o Artigo 3 do


Decreto 5.626, apresenta a inclusão da Libras como disciplina
curricular a ser oferecida obrigatoriamente nos cursos de formação
de professores para o exercício do magistério, em nível médio e
superior, de instituições de ensino públicas e privadas, do sistema
federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios.

O inciso I do Artigo 3, prescreve:


Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do
conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso
normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de
Educação Especial são considerados cursos de formação de
professores e profissionais da educação para o exercício do
magistério (BRASIL, 2005).
O Artigo 5 viabiliza a formação bilíngue aos professores,
educadores em exercício para educação dos surdos,
A formação de docentes para o ensino de Libras na
educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental
deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal
superior, em que Libras e Língua Portuguesa escrita tenham
constituído línguas de instrução, viabilizando a formação
bilíngue (BRASIL, 2005).
Neste mesmo Decreto, se tem garantido a formação de
profissionais capacitados ao ensino da Libras nos cursos de
Licenciatura e nos demais níveis de ensino. O Decreto no seu
Capítulo IV, trata sobre o uso e a difusão da Libras e da Língua
Portuguesa para o acesso das pessoas surdas à educação e orienta as
IES em seus processos seletivos e, de ensino quanto ao uso da Libras
e da Língua Portuguesa,
As instituições federais de ensino devem garantir,
obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à
48

comunicação, à informação e à educação nos processos


seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares
desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades
de educação, desde a educação infantil até à superior
(BRASIL, 2005).
Além disso, no Inciso II do Artigo 14, ressalta sobre a difusão
da Libras e a Língua Portuguesa para o acesso das pessoas surdas à
Educação determina também, sobre a obrigatoriedade da oferta do
ensino da Libras e da Língua Portuguesa desde a educação infantil
(BRASIL, 2005).

Em suma, é importante a compreensão dos requisitos para a


formação do professor na educação de surdos, com intuito de
promover a qualidade de ensino e contribuir no processo de
democratização de escola. Neste sentido, a legislação foi criada
justamente para construir um caminho de uma educação de
qualidade, justa e adequada para todos.

4 DOS PLANOS DE ENSINO EM VIGOR E A PROPOSTA


DE ADEQUAÇÃO

É fundamental que as instituições estruturam os conteúdos


para a formação de professores de Educação de Surdo, objetivando
formar o professor responsável pela educação bilingue da criança
surda. Conhecer referencial teórico, as leis e decretos que
fundamentam a situação da surdez na atualidade, principalmente ter
o contato com surdos, a fim de conhecer a cultura surda e identidade
(MERCADO, 2010) são primordiais para a formação de professores.

De acordo com Lódi,


[...] Aqueles que se propõe a trabalhar na educação de
sujeitos surdos devem fazê-lo a partir de uma visão da
heterogeneidade constitutiva das relações sociais e
linguísticas e, para tanto, é fundamental que uma política
49

educacional voltada para a diversidade social seja delineada


(2005, p. 420).
Sendo assim, buscamos elementos evidentes para a nossa
análise, com base do método proposto pela Mercado (2010) e à luz
dos referenciais teóricos que fundamentam este estudo: ementa,
objetivos, conteúdo, regime de oferecimento (semestral ou anual),
carga horária, avaliação e bibliografia, conforme podem ser
verificados nos Quadros 1 e 2.
50

Quadro 1 – Instituição I
Quadro 2 – Instituição II

Certamente, convém a Instituição apoiar ao professor


formador elaborar o plano de ensino para registro do planejamento
das ações pedagógicas para o componente curricular durante o
período de ensino. Pode-se pensar, primeiramente, que:
[…] planejamento é processo de busca de equilíbrio entre
52

meios e fins, entre recursos e objetivos, visando ao melhor


funcionamento de empresas, instituições, setores de
trabalho, organizações grupais e outras atividades
humanas. O ato de planejar é sempre processo de reflexão,
de tomada de decisão sobre a ação; processo de previsão de
necessidades […] visando à concretização de objetivos, em
prazos determinados e etapas definidas, a partir dos
resultados das avaliações (PADILHA, 2001 apud BAFFI,
2002, p. 30).
Em síntese, o plano de ensino é estratégico, reflexivo,
dinâmico, devendo ser revisado, questionado e aprimorado.
Também deve considerar “as condições do presente, as experiências
do passado, os aspectos contextuais e os pressupostos filosófico,
cultural, econômico e político de quem planeja e com quem se
planeja” (PADILHA, 2001 apud BAFFI, 2002, p. 63). Contudo, Takada
(2009) pondera a existência de três dimensões básicas a serem
consideradas no planejamento, quais sejam, a realidade, a finalidade
e o plano de ação.

Entretanto, o plano trata-se de um “documento utilizado para


o registro de decisões do tipo: o que se pensa fazer, como fazer,
quando fazer, com que fazer, com quem fazer. Para existir plano é
necessária a discussão sobre fins e objetivos, culminando com a
definição dos mesmos” (BAFFI, 2002, p. 63).

Possivelmente, o plano de ensino, conforme os Quadros 1 e


2, foram elaborados com visão genérica e flexível, sem o devido
cuidado ao organizar nas estruturas do plano, a fim de transparecer
a realidade, a finalidade e o plano de ação, conforme apontamento de
Takada (2009).

Levando em consideração que estamos analisando o plano da


disciplina Libras, componente primordial para a formação de
professores, a fim de dar todo o conhecimento teórico que favoreçam
nos trabalhos com os alunos surdos, o plano de ensino precisa conter
o objetivo norteador na qualidade de ensino aos educandos surdos,
53

fundamentando a importância da formação dos profissionais da


educação que remetem aos Artigos 61 e 62 da LDBEN nº 9.394 de 1996
e ao Artigo 5 do Decreto nº 5.626 de 2005.

Considerando que a disciplina Libras tenha um enfoque


linguístico, a proposta não concretiza em sua totalidade, apesar da
questão cultural do surdo estar prevista em seu aspecto teórico, de
acordo com os relatos obtidos e fornecidos pelos professores, na
ocasião do trabalho de conclusão de curso realizado pelo autor.

As ementas da disciplina de Libras das instituições I e II estão


voltadas para a comunicação entre professor e aluno, descartando a
questão cultural, no que se refere à parte prática interativa entre
estudantes surdos e ouvintes. Outro fator desconsiderado é o registro
da inclusão da metodologia de ensino para com alunos surdos, como
instrumento facilitador do aprendizado.

Ademais, há outros pontos importantes considerados


negativos, detectados com a pesquisa que originou este texto. Em
síntese, os elementos prováveis que contribuem para dificultar o
ensino da disciplina são:

1 - Déficit no número de horas para aplicação da disciplina;


2 - Desequilíbrio nos conteúdos;
3 - Inexistência de parâmetros curriculares norteadores dos
conteúdos;
4 - Ausência de conhecimento empírico do universo da pessoa
surda nos espaços formais educacionais;
5 - Ausência de atividades educacionais e culturais para a
pessoa surda, como oficinas e jogos;
6 - Alternância dos períodos relativos à oferta da disciplina
Libras, devendo esta ser ofertada após a disciplina Educação
Especial/Inclusiva.
Tudo isso nos leva a refletir sobre as necessidades que as
instituições precisam repensar sobre a formação de professores, em
54

prol a educação de qualidade com intuito de promover contribuição


no processo de democratização da escola pública. São de
responsabilidade do professor formador, principalmente, para a
educação dos surdos: promover a educação de qualidade no processo
de formação, que favoreçam os acadêmicos no domínio das
concepções teóricas; e, fazer com que às práticas pedagógicas que são
oferecidas para complementar a formação.

Temos como exemplo positivo a luta por uma educação de


qualidade aos surdos que se iniciou nas pesquisas realizadas por
Vygotsky, sendo o único que apresentou uma educação de qualidade
aos surdos. Uns dos pontos relevantes de sua pesquisa são “a defesa
da não segregação dos alunos com necessidades especiais, tendo em
vista que as interações sociais entre grupos heterogêneos são
condições fundamentais para o desenvolvimento do pensamento e
da linguagem” (VYGOTSKY, 1997, p. 125). Ou seja, a ideia para que
haja interações sociais entre surdos contribui muito para o
desenvolvimento biopsicossocial.
Defendia uma pedagogia social de surdos, com propósito
de demonstrar a importância da “mímica” (língua de
sinais) como o meio de desenvolvimento linguístico do
aluno surdo (MARTINS, TACCA e KELMAN, 2009, p.
2096).
Fez uma crítica dura as duas características da pedagogia
aplicada aos surdos na época: forçar o aluno ao método de oralidade
muito rígida e, consequência disso, a sociedade ir contra a natureza
da criança surda e a escola especial. Separando o surdo do convívio
especial, atrofiava as forças que “o ajudariam a incorporar-se à vida”
pelo isolamento que lhe impunha (MARTINS, TACCA e KELMAN,
2009, p. 2099).

Embora Vygotsky viveu no início do século passado, as suas


obras aproximam-se das atuais quanto à educação linguística e à
inclusão dos surdos no contexto educacional, no que tange ao plano
55

de ensino de Educação de Surdo, a organização dos conteúdos para


a formação de professores. É importante relacionar temas cruciais
para contribuir com a essa formação. Com o avanço da tecnologia, o
acadêmico pode ter acesso a vários conteúdos pertinentes, com
propósito de conhecer e ter o contato com o universo da surdez e
aplicar na prática. Compete ao professor formador saber utilizar e
mostrar aos acadêmicos os recursos tecnológicos que favoreçam aos
seus trabalhos.

Precisamos compreender que alguns conteúdos são


primordiais para a formação de professores, a seguir, expomos em
dois eixos:
Quadro 3 – Conteúdos teóricos e práticos

Ao elaborar os conteúdos para as aulas, é importante mostrar


os teóricos que contribuíram nas pesquisas para Educação de Surdos.
56

Os acadêmicos precisam compreender os fundamentos atribuídos


pelos teóricos e encontrar os caminhos para o processo de ensino
aprendizagem para os educandos surdos. Ressalta-se que, ao
selecionar os conteúdos necessários para elaboração do Quadro 3, foi
necessário a profunda investigação nos teóricos que referenciam
esses temas.

Esses referenciais estão presentes no item bibliografia do


plano de ensino. Normalmente listam diversas bibliografias
importantes para o estudo e na prática, o professor formador citam
esses referenciais e justificam as ideias e concepções dos teóricos que
contribuíram para a Educação de forma geral, ficando uma lacuna
nas especificidades dos surdos.

Na Educação de Surdos, temos teóricos que trouxeram as suas


concepções, práticas e caminhos que trouxeram resultados positivos
em suas salas de aula com os alunos surdos. O mais importante é a
compreensão dessas teorias para ajudar a encontrar alternativas para
que o processo de ensino ocorra com qualidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista os aspectos analisados, observa-se a


deficiência na organização dos conteúdos elaborados pelo professor
formador, promovendo a qualidade de ensino insatisfatória para a
formação de professores. É importante lembrar que nossas reflexões
sobre a formação de professores foram fundamentadas nos Artigos
61 e 62 da LDBEN de 1.996, enfatizando a importância da formação
dos profissionais da educação, atendendo às especificidades do
exercício de suas atividades das diferentes etapas e modalidade da
educação básica.

Desta forma, os professores formadores devem ser


57

profissionais dignos e transparentes, pensando na qualidade de


ensino satisfatória aos acadêmicos. O plano de aula deve ser
construído para ajudá-los a organizar as suas aulas com a existência
de três dimensões básicas a serem consideradas no planejamento: a
realidade, a finalidade e o plano de ação. Muito embora que o
professor formador é detentor do conhecimento, é importante ser o
exemplo para os acadêmicos, que buscam constantemente por
atualizações para aplicar nas aulas.

Levando-se em consideração os aspectos expostos sobre a


Educação de Surdos, as instituições precisam repensar e encontrar
uma solução para uma formação melhor aos acadêmicos. As
Instituições de Ensino Superior é o local visto com excelência para a
formação de professores que devemos acreditar no seu potencial e
responsabilidade. Por isso, as escolhas dos conteúdos que irão ser
utilizados, devem ter uma atenção especial por parte das IES, para a
formação de seus acadêmicos, e lembrar que tem o papel importante
pois estão formando profissionais que irão educar e instruir as
crianças surdas.

REFERÊNCIAS

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para mudar concepções e práticas. In.: BELLO, José Luiz de Paiva.
Pedagogia em foco, Petrópolis, 2002.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei de diretrizes e bases da educação.
Lei n. 9394 de 20 de dezembro de 1996.
BRASIL, MEC/SEESP. Educação Especial. Língua brasileira de
sinais. Série Atualidades Pedagógicas - Caderno III.
Brasília/DF,1997.
BRASIL, Congresso Nacional. Lei de Libras. Lei n. 10.436 de 22 de
abril de 2002.
58

BRASIL. Congresso Nacional. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro


de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que
dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei
nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União,
Brasília, 22 dez. 2005.
CASSIANO, P. V. O surdo e seus direitos: os dispositivos da Lei
10.436 e do Decreto 5.626. Revista virtual de cultura surda.
Petrópolis: Arara Azul Edição n. 21, maio 2017.
GESSER, A. Libras? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em
torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola,
2009.
GOLDFELD, M. A criança surda: linguagem e cognição numa
perspectiva sócio-interacionista. 2. ed. São Paulo: Plexus, 2002.
MARTINS, L. M. B.; TACCA, M. C. V. R.; KELMAN, C. A. Vygotsky:
a inclusão e a educação bilíngue dos surdos. V Congresso brasileiro
multidisciplinar de educação especial. Londrina: UFL, 2009.
LODI, A. C. B. Plurilinguismo e Surdez: uma leitura Bakhtiniana da
história da educação de surdos. Educação e Pesquisa, v. 31, n. 03, São
Paulo, set./dez., 2005.
MERCADO, E. A. O significado e implicações da inserção de Libras
na matriz curricular do curso de Pedagogia. In: ALBRES, Neiva de
Aquino (Org). Libras em estudo: ensino-aprendizagem. São Paulo:
Feneis, 2012.
PADILHA, P. R. Planejamento dialógico: como construir o projeto
político pedagógico da escola. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo
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QUADROS, R. M.; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira:
estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.
QUADROS, R. M.; CRUZ, C. R. Língua de sinais instrumento de
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STROBEL, K. A imagem do outro sobre a cultura surda. 3.ed.
Florianópolis: Ed. UFSC, 2013.
TAKADA, P. Celso dos Santos Vasconcellos fala sobre planejamento
escolar. Revista Nova Escola. 2009. Disponível em:
59

http://revistaescola.abril.com.br/formacao/planejar-
objetivos427809.shtml. Acesso em: 06 jun. 2020.
VYGOTSKY, L. S. Obras Escogidas, Tomo V, Fundamentos da
defectologia. Madrid: Visor, 1997.
CAPÍTULO 3 │ AS VULNERABILIDADES SOCIAIS DA
FAMÍLIA NEGRA DE PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Andreia Cardoso dos Santos


Maria de Fátima Rebouças da Silva

RESUMO

Este capítulo tem por objetivo apresentar a realidade das famílias de


pessoas com deficiência intelectual de origem negra, assim como suas
nuances relacionadas ao preconceito racial e exclusão social. Nesse
sentido, a questão central que move esse capítulo é: Quais são os
enfrentamentos vividos por famílias negras de pessoas com
deficiência intelectual na efetividade de sua inclusão? O texto traz
conceituações sobre o tema com intuito de aproximar o leitor ao
discurso tratado, o que justifica este capítulo como sendo o facilitador
para compreensão da realidade exposta. A metodologia aplicada traz
abordagem qualitativa, com objetivo descritivo, com foco na
pesquisa de campo e bibliográfica. A fim de reconhecer as
particularidades, apresentamos vivências práticas de famílias negras
de pessoas com deficiência intelectual e suas formas de intervenção
para alcance dos seus direitos de forma isonômica. O referencial
teórico está embasado nos conceitos históricos de deficiência
intelectual, desigualdades vivenciadas pela raça negra,
vulnerabilidade social da família negra e inclusão social, atrelados a
legislação vigente. Os resultados obtidos demonstram evidências
práticas, ressaltando as possibilidades tangíveis, bem como a
fomentação de ações que geram a inclusão efetiva a toda pessoa
humana.
Palavras-chaves: DEFICIÊNCIA INTELECTUAL. FAMÍLIA
NEGRA. VULNERABILIDADE SOCIAL. INCLUSÃO.
61

1 INTRODUÇÃO

Este capítulo apresenta a definição conceitual sobre o que é


deficiência intelectual, as desigualdades vivenciadas pela raça negra,
a vulnerabilidade social da família negra e inclusão social, que
historicamente refletem o recorte da exclusão.

O título “As vulnerabilidades sociais da família negra de


pessoas com deficiência intelectual”, reproduz a inquietação de
assistentes sociais que têm proximidade com a realidade de pessoas
com deficiência intelectual e principalmente com suas famílias
trazendo relatos de cunho reflexivos sobre a exclusão. Seu objetivo
geral é analisar a realidade das famílias negras de pessoas com
deficiência intelectual, assim como suas nuances relacionadas ao
preconceito racial e exclusão social, perpassando pela identificação
das vulnerabilidades presentes, descrevendo a rotina diária da luta
da inclusão da pessoa com deficiência e consensuando as
possibilidades para fomentar ações de replicação de modelos
exitosos.

A questão central ante os objetivos é responder quais são os


enfrentamentos vividos por famílias negras de pessoas com
deficiência intelectual na efetividade de sua inclusão. O que justifica
esse tema é a importância de nos atentarmos aos fatos históricos e as
particularidades dessa população que vive os diversos tipos de
preconceitos, assim como sua exclusão. O incentivo à discussão
acerca do tema é outro fator considerado, bem como a discrepância
de renda - R$ 2.796,00 para pessoas brancas e R$ 1.608,00 para pessoas
pretas ou pardas, segundo pesquisa PNAD 2018 (Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios), apresentada no site do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - e escolaridade
condicionando para trabalhos subalternos e uma qualidade de vida
inferior à média da população não negra (PNAD CONTÍNUA, 2018).
62

Contudo, estamos respaldados pela Constituição Federal de


1988, que garante em seu Artigo 5º que “Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”
(BRASIL, 2016, p. 5). Outra garantia que esta Lei nos traz é o que diz
no Artigo. 227:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade,
o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão
(BRASIL, 2016, p. 46).
Nomeadamente, quais são os enfrentamentos vividos por
famílias negras de pessoas com deficiência intelectual na efetividade
de sua inclusão? Este é o ponto central deste capítulo e o que nos leva
a uma aproximação da realidade das famílias em questão.

Por fim, apresentamos as contradições da sociedade que


garante, em suas leis, a igualdade e na prática vivemos a
desigualdade por questões de estigmas, agravando a diferença entre
os seres humanos.

1.1 Objetivo Geral

Discutir a realidade das famílias negras de pessoas com


deficiência intelectual, assim como suas nuances relacionadas ao
preconceito racial e exclusão social.

1.2 Objetivos Específicos

1.2.1 Identificar quais são as vulnerabilidades sociais das famílias


negras de pessoas com deficiência intelectual;
63

1.2.2 Descrever como a cor da pele interfere nos aspectos cotidianos


na inclusão da pessoa com deficiência intelectual e sua família;
1.2.3 Avaliar as possibilidades existentes nas ações que geram a
inclusão social.

1.3 Questão problematizadora

Quais são os enfrentamentos vividos por famílias negras de


pessoas com deficiência intelectual na efetividade de sua inclusão?

1.4 Justificativas

O capítulo aborda a discussão sobre o recorte social posto a


essa população que historicamente sofre com preconceitos e
exclusões perante a sua raça e falta de conhecimento sobre a pessoa
com deficiência, assim como seus acessos e direitos. Nessa
perspectiva, nos deparamos com grupos familiares de pessoas negras
e seus filhos com deficiência intelectual sendo aviltados dos seus
direitos por uma série de situações provenientes do racismo
estrutural e a falta de conhecimento sobre o diagnóstico dos seus
entes.

O incentivo à discussão dessa realidade, tem o intuito de


minorar os impactos de violências e os retrocessos dos direitos
garantidos por lei, visto que, conforme os dados apresentados no site
do IBGE, referente a PNAD 2018, a população de pretos ou pardos
era de 115.965 por mil habitantes (PNAD CONTÍNUA, 2018). E no
último censo de 2010, tínhamos 2.6111.536 pessoas com deficiência
intelectual/mental (IBGE, 2010). Ainda com dados da PNAD 2018,
temos por rendimento médio habitual do trabalho principal R$
2.796,00 para pessoas brancas e R$ 1.608,00 para pessoas pretas ou
pardas, sendo latente a discrepância de renda entre as pessoas de cor
de pele diferente (PNAD CONTÍNUA, 2018).

Nesse contexto, intentamos estimular a busca por


64

conhecimento e entendimento de que todos somos responsáveis por


pequenas ações que possam caminhar para a concretude da
verdadeira inclusão, o que justifica este capítulo como sendo o
facilitador para compreensão da realidade exposta.

2 METODOLOGIA

A metodologia aplicada traz abordagem qualitativa, com


objetivo descritivo, focada na pesquisa de campo e bibliográfica,
considerando que a pesquisa de campo tem uma maior relevância ao
nosso trabalho.
Pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de
conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um
problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma
hipótese, que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir
novos fenômenos ou as relações entre eles (MARCONI e
LAKATOS, 2003, p. 186).
A fim de reconhecer as particularidades, apresentamos
vivências práticas de famílias negras de pessoas com deficiência
intelectual e suas formas de intervenção para alcance dos seus
direitos de forma isonômica.

Realizamos uma análise do material pesquisado de forma


reflexiva e descritiva, utilizando instrumentos para coleta de dados,
com apoio de depoimentos e vivências, por meio de dinâmicas em
grupo, realizadas em uma organização não governamental sem fins
lucrativos, que atua em São Paulo, atendendo pessoas com
deficiência intelectual e suas famílias, mantendo todas as identidades
preservadas.
65

3 DIMENSÕES DAS VULNERABILIDADES SOCIAIS

Tendo como principal aporte teórico, esta seção buscará


discutir e apresentar as definições em relação a deficiência
intelectual, desigualdades vivenciadas pela raça negra,
vulnerabilidade social da família negra e inclusão.

3.1 Deficiência Intelectual

A deficiência é um fenômeno individual, social e humano,


sendo até mesmo determinado pelo nível de desenvolvimento
político, econômico e científico de uma comunidade e pelas suas
representações socioculturais (BRUNO, 2006). O último Censo do
IBGE em 2010, revela que 23,91% da população têm algum tipo de
deficiência (IBGE, 2010), dado importante para acentuar as cobranças
de mudanças de paradigmas e não culpabilizar as pessoas com
deficiência, que aliás, é o termo correto a ser utilizado (SASSAKI,
2003).

Convém evidenciar o que a Convenção sobre os Direitos das


Pessoas com Deficiência de 2012, define em seu art. 1º, sendo pessoas
com deficiência:
Aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas (BRASIL, 2012, p. 26).
Contextualizando o tipo de deficiência que nos debruçamos
neste capítulo, verificamos que a partir do século XX começou-se a
estabelecer um conceito para o deficiente mental e essa definição diz
respeito ao funcionamento intelectual, que seria inferior à média
estatística das pessoas e, principalmente, em relação à dificuldade de
adaptação ao entorno. Em 1995 o Simpósio Intellectual Disability:
66

Programs, Policies, And Planning For The Future da Organização das


Nações Unidas – ONU, altera o termo deficiência mental por
deficiência intelectual, como meio de diferenciar mais didaticamente
a deficiência mental da doença mental - transtornos psiquiátricos não
necessariamente ligados a déficit intelectual (SILVA, 2010).

Na atualidade, de acordo com a American Association on


Intellectual and Developmental Disabilities - AAIDD (Associação
Americana de Deficiência Intelectual e do Desenvolvimento),
deficiência intelectual constitui-se no funcionamento cognitivo
consideravelmente abaixo da média, proveniente do período de
desenvolvimento anterior aos 18 anos de idade, simultâneo a
limitações relacionadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa,
ou da sociedade, manifestadas nas habilidades conceituais, sociais e
práticas (SILVA, 2010).

As pessoas com deficiência eram classificadas pela


Organização Mundial da Saúde, em 1976, como leve, moderada,
severa ou profunda (SILVA, 2010). Não obstante, após diversas
discussões, grande parte dos profissionais da saúde optaram em
acompanhar o desenvolvimento da pessoa com deficiência por
comportamentos apropriados à faixa etária, história de vida e
estímulos recebidos, em vez de generalizar imputando-lhes graus de
comprometimento da deficiência intelectual (SILVA, 2010).

Para tanto, a primeira regra de relacionamento com pessoas


com deficiência intelectual é não tratá-las como doentes, pois
conforme a Classificação Internacional de Funcionalidades (CIF[2]),
desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde que diz que o
ambiente em que a pessoa vive influenciará positivamente ou
negativamente no desempenho da sua capacidade de
desenvolvimento ou na limitação imposta pelo meio social em que
vive (FARIAS; BUCHALLA, 2005). Nesse contexto, a família
desempenha papel fundamental, pois é primeiramente por meio
67

desta que a pessoa com deficiência intelectual estabelecerá as


primeiras relações sociais.

3.2 Desigualdades vivenciadas pela raça negra

Diante das explanações acima, um recorte racial é pertinente


neste capítulo para unirmos as demandas estudadas, pois, quando
pensamos em distinção de raça ou racismo, inerentemente estamos
sugerindo que existem diversas raças no sentido humano, e que
aquele que é julgado ou discriminado por sua cor de pele, é
caracterizado como inferior às demais pessoas com cor de pele
diferente da sua.

Assim, discutir raça, pressupõe a desigualdade instalada no


Brasil, onde 55,8% da população se declaram pretos ou pardos e
43,1% se declaram brancos (PNAD CONTÍNUA, 2018). Entretanto,
apesar da maioria ser preta ou parda, quando o direcionamento da
pesquisa foca trabalho, cargos gerenciais, renda ou educação,
verificamos que a discrepância é realmente grande, como podemos
verificar no gráfico abaixo:
Gráfico 1 - Comparativo em relação a raça ou cor

Fonte: os autores
Como podemos perceber nos dados apresentados, há uma
grande desigualdade entre a população negra e a população branca.
68

Tal desigualdade reflete também em pobreza, como vimos no critério


renda e cargo, ou seja, cor de pele e pobreza estão interligados e a
imagem do pobre no Brasil está diretamente relacionada à negritude
(JACCOUD, 2008).

Outro aspecto a se considerar, é a cor como critério de seleção


no mercado de trabalho, onde se destinam à população negra os
trabalhos manuais, distanciando-os dos trabalhos que requerem
contato direto com o público. Quanto mais alto o cargo e, quanto mais
escolaridade o cargo exigir, menor será a quantidade de negros/as
ocupando essas cadeiras (JACCOUD, 2008). Deste modo, há pouca
mobilidade social para a população negra, dificultando o acesso a
oportunidades que possam alterar o meio em que vive, restringindo
o lugar do/a negro/a na sociedade (JACCOUD, 2008). Destaca-se
ainda que:
A sociedade brasileira, dialogando há 120 anos com os
ideais republicanos e democráticos, ainda enfrenta o desafio
da integração social e racial. Efetivamente, a organização
hierárquica e autoritária da sociedade é colocada em xeque
nos momentos de reconstrução da democracia,
pressionando pela apresentação de uma resposta não
apenas à questão da pobreza, mas à questão da
desigualdade racial (JACCOUD, 2008, p. 61).
Por todo debate avançado, principalmente após a
promulgação da Constituição de 1988 (BRASIL, 2016), ainda nos
deparamos com ações afirmativas que esbarram no racismo
estrutural, muito discutido atualmente e infelizmente combatido
institucionalmente com falácias sem embasamento teórico e sem
vivências históricas. Resultando em uma cadeia de exclusões sociais,
vitimizando toda uma geração.

3.4 Vulnerabilidade social da família negra

A vulnerabilidade social é uma situação, podendo ser


transitória, em que uma pessoa ou um grupo de pessoas enfrenta.
69

Esta condição não diz respeito, necessariamente, a pobreza e sim a


um conjunto de precariedades, sejam de moradia, educação,
econômicos ou de acesso a oportunidades para seu próprio
desenvolvimento. A vulnerabilidade pode ainda, estar diretamente
ligada a exclusão social, pois em sua composição entram questões de
orientação sexual, gênero, religião e raça (BRASIL, 2007).

Ao relacionar vulnerabilidade social e deficiência, o debate


toma outras proporções, pois a deficiência em si carrega consigo um
estigma e, se aliarmos essa discussão a pobreza, torna ainda mais
evidente a questão das desigualdades. Nessa esteira, o Banco
Mundial estima que 20% dos mais pobres do mundo têm deficiência,
e tendem a ser considerados, dentro de suas próprias comunidades,
como pessoas em situação de desvantagem social (SILVA, 2010).

No que concerne à família, que é o primeiro grupo a que


pertence o indivíduo, quando recebe em seu seio uma pessoa com
deficiência, sofre diversas alterações em seu modo de vida. Muitas
vezes um dos genitores deixa de trabalhar para poder atender às
necessidades dessa pessoa, fazendo com que a renda familiar reduza
e não raramente, deixando de viabilizar algum benefício aos outros
membros da família - cursos, esportes, lazer, cultura, entre outros -,
tornando mais difícil a mobilidade social entre as gerações, bem como
dispondo de menor tempo de interação familiar, o que abala de
maneira direta, as relações familiares (SILVA; DESSEN, 2006).

Nesse sentido, é necessário esclarecer que ao falarmos de


família, nos referimos ao compromisso de cuidado mútuo envolvido
entre pessoas, não nos atendo portanto, em suas diversas
configurações, pois independente da composição familiar, cada
família age e reage de modos díspares, de acordo com sua
subjetividade, como corrobora Szymanski:
Duas famílias com a mesma composição podem apresentar
modos de relacionamento completamente diferentes. O que
conta, nesse caso, são suas histórias, a classe social de
70

pertencimento, a cultura familiar e sua organização


significativa do mundo (2002, p. 17).
Dessa forma, não importa o tipo de constituição familiar, o
fundamental é a garantia do bem estar da família para o pleno
desenvolvimento de todos os seus entes, a fim de que possam
desempenhar seu papel na sociedade.

Assim sendo, ainda dentro da vulnerabilidade social da


família, podemos destacar a raça negra como eixo dificultador de
acesso a oportunidades - trabalho, renda, educação, saúde, dentre
outros (JACCOUD, 2008). Por conseguinte, quando uma família
negra tem entre seus entes alguém com deficiência, sobretudo
deficiência intelectual, sua vulnerabilidade pode ser alavancada e,
inclusive, ampliar suas dificuldades de acesso até mesmo em relação
às necessidades da pessoa com deficiência.

Portanto, se faz urgente que a sociedade conheça e reconheça


as pessoas com deficiência como pessoas de direitos e capazes, assim
como suas famílias e que a cor da pele não seja critério de
possibilidades, menos ainda uma barreira para o desenvolvimento
de qualquer pessoa.

3.5 Inclusão social

A inclusão social no Brasil caminha a passos lentos, posto que


para sua efetivação é necessário um movimento da sociedade em se
adaptar para incluir, uma vez que não fomos preparados para nos
reconhecer no outro e sim, nos distanciarmos do outro e discriminar
independente do motivo (SASSAKI, 2003). Por outro lado, a exclusão
social acarreta privações de diversas formas, como afirma Sposati:
Exclusão social é a impossibilidade de poder partilhar da
sociedade e leva à vivência da privação, da recusa, do
abandono e da expulsão, inclusive com violência, de uma
parcela significativa da população. Por isso exclusão social
e não só pessoal. Não se trata de um processo individual,
71

embora atinja pessoas, mas, de uma lógica que está presente


nas várias formas de relações econômicas, sociais, culturais
e políticas da sociedade. Esta situação de privação coletiva
é que se está entendendo por exclusão social. Ela inclui
pobreza, discriminação, subalternidade, não equidade, não
acessibilidade, não representação pública. É, portanto, um
processo múltiplo que se explica por várias situações de
privação da autonomia, do desenvolvimento humano, da
qualidade de vida, da equidade e da igualdade (SPOSATI,
1996, p.13).
Nesse sentido, existe uma falta de conscientização da
sociedade, além de medidas efetivas para reverter a situação, pois a
própria Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, nos diz que
somos todos iguais e nos garante em seu Art. 6º direitos sociais a
“educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados [...]” (BRASIL, 2016, p. 13-18). Logo,
deveríamos todos ter as mesmas oportunidades ao longo da vida.
Esse processo de inclusão social deve ser bilateral, pois “[...] as
pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria,
equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a
equiparação de oportunidades para todos” (SASSAKI, 2003, p. 3).

Uma nova aliada nessa luta pela inclusão é a Lei Brasileira de


Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), instituída pela Lei 13.146, de 6 de Julho de 2015, dispõe
no Art. 4º que “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade
de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma
espécie de discriminação” e em seu Art. 5º diz que “A pessoa com
deficiência será protegida de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e
tratamento desumano ou degradante” (BRASIL, 2015, p. 74).

Temos ainda, como sociedade, um longo caminho para


conquistar, de fato, a inclusão social que é, portanto, “[...] um
processo que contribui para a construção de um novo tipo de
72

sociedade através de transformações, pequenas e grandes, [...]”


(SASSAKI, 2003, p. 42). Esse novo tipo de sociedade inclui também,
quiçá, para além de deficiência, mas para todo e qualquer tipo de
vulnerável.

4 ANÁLISE DE RESULTADOS

Neste momento, analisamos a questão problema deste


capítulo retomando a contextualização acerca dos temas
apresentados com base nos resultados retratados nas dinâmicas de
grupo que fizemos com famílias negras, abordando o
reconhecimento das conjunturas viventes em função da sua cor,
atrelado a questão de o filho ter deficiência intelectual.

No grupo tínhamos dez mulheres (mães e irmãs), seis delas


tiveram histórias impactantes que nos possibilitou a entrevista
individualizada com a questão problema deste capítulo, resultando
em quatro depoimentos que ilustramos alguns trechos a seguir,
sempre preservando a identidade das participantes e, nesse intuito,
exporemos no quadro, apenas suas iniciais como forma de apresentar
o perfil das entrevistadas:
Quadro 1 - Perfil das entrevistadas

Nome Idade Estado Civil Ocupação Filhos/as Reside com

V.A. 60 Casada Do lar 4 Marido e filho

Gerente de loja de Mãe, avó e


L.M. 32 Separada 1
departamento filho

M.S. 48 Casada Do lar 2 Marido e filhos

M.M. 53 Casada Massagista 1 Marido e filho

Fonte: os autores
As participantes acima apresentadas, nos forneceram relatos
de particularidades do ser negra e ter um filho com deficiência
intelectual. Nesse passo, V.A. inicia sua fala esclarecendo que sofre
73

preconceito diariamente porque é negra e porque tem um filho com


síndrome de Down. Diz ainda, que é questionada, pois as pessoas
não têm conhecimento acerca da existência de pessoas com síndrome
de Down negras, ou perguntarem por que seu filho é Down, como
exposto abaixo
[...] Ou me perguntar para mim porque que ele é Down. Eu
falei não sei, não perguntei para Deus, eu só sei dizer que
ele é Down e ele é meu filho (V.A.). (sic)
Aqui, vale ressaltar a importância de a sociedade entender o
que é a síndrome de Down e a deficiência intelectual, pois sabendo o
que são, consequentemente, teremos cada vez menos situações como
estas mencionadas por V.A.

Dando prosseguimento, a entrevistada afirma passar por


situações de preconceito em ônibus e trem, quando seu filho se senta
e a pessoa ao lado se levanta por ele ser Down. Ao entrar no mercado
as pessoas os encaram, principalmente pelo fato de serem negros,
onde se torna mais visível. Segundo V.A., até na família há ocasiões
em que presencia forte discriminação, sobretudo para com seu filho,
como podemos observar na fala seguinte
[...] nois tava no aniversário da minha cunhada, de 80 anos,
tiraram meu filho da foto, falou que ele não fazia parte da
família,tirou ele da foto. Eu achei aquilo um absurdo. Então
são vários preconceito viu, mas eu não abaixo a cabeça e
sigo com meu filho para qualquer lugar (V.A.). (sic)
Obviamente, a inclusão deve começar primordialmente na
família, sendo o primeiro contato social que a pessoa terá, podendo
ser um ambiente que viabilizará seu pleno desenvolvimento (SILVA;
DESSEN, 2006). No tocante ao desenvolvimento, podemos trazer o
relato de L.M., que informa ter preconceito consigo quando mais
nova, pois “não ficava tão próxima de pessoas da minha cor, sempre
andava com pessoas mais claras” (L.M.). Essa fala nos faz refletir em
torno do racismo tão arraigado na sociedade e o quanto se faz
significativo o amplo debate em torno da temática em todos os
74

espaços, inclusive dentro das famílias que podem ser as primeiras a


desconstruir comportamentos preconceituosos.

Ainda na entrevista com L.M., destacamos uma fala que nos


remete ao racismo estrutural, ao sentimento de superioridade e a
implícita subalternidade que a pessoa negra “deve” ter em relação
não somente a cor, mas também no tangente ao cargo que “deveria”
ocupar.
Tinha uma cliente que não pegava troco e nem me dava o
dinheiro em minha mão e aquilo me incomodava. Pois nem
bom dia falava. Outra vez foi em outro trabalho que eu
estava como responsável e ocorreu um fato de o cliente falar
que passou o cartão 2 vezes e eu falar que se isso ocorresse
ele podia ir na loja novamente. E ele falou cadê o
responsável? E eu disse sou eu (L.M.). (sic)
Tal subalternidade pode ser igualmente verificada no
depoimento de M.S., que sofreu discriminação dentro de uma escola
pública, por parte de sua professora da quinta a oitava série
Ela não ela não passava no corredor da carteira aonde que
eu tava sentada e mais duas amiga minha, que eram negra.
Ela, pra gente entregar a prova, ela punha uma luva preta
na mão e entregava a prova pra gente fazer e quando era
pra a gente entregar a prova, ela falava deixa na carteira. Aí
batia o sinal, ela mandava a gente sair, depois ela pegava
nossas provas. [...] E era isso e, sempre eu tirava nota baixa
com ela, sempre nota C. Fazia os trabalhos, dedicava nas
redações tudo, minha nota sempre foi C. Nunca cheguei a
tirar na matéria dela um A nem um B (M.S.). (sic)
Infelizmente, o relato de M.S. nos faz perceber que o racismo
atinge também o espaço que deveria ser de construção de saberes e
desconstrução de estigmas, onde o agente que deveria ser modelo,
acaba sendo um péssimo exemplo para seus alunos. Por sua vez,
quando M.S. falava para seus pais o que ocorria com a professora,
estes lhe diziam para deixar isso de lado, tamanha sua visão de
normalidade ou conformismo com a realidade vivenciada.
75

Semelhantemente, seu filho que é síndrome de Down, passou


por diversas situações de preconceito, até mesmo na escola, onde as
professoras não trabalhavam com ele, não tentavam alfabetizá-lo e,
por vezes, o chamavam de louco. M.S. explica que isso ocorreu após
as professoras conhecê-la, segundo seu relato,
[...] quando as professora conhecia meu marido, tudo bem,
tratava bem. Quando elas me conhecia, na hora eu já sentia.
eu falava: elas não vão trabalhar com meu filho. Elas
perguntavam: nossa você é a mãe do A.? Aí eu falei: sou
sim, a mãe do A (M.S.). (sic)
Do mesmo modo, a entrevistada segue nos expondo várias
ocasiões em que sentiu o preconceito sobre si e seu filho, como por
exemplo, em festas que seu filho era convidado e quando ela chegava
todos a observavam com certo espanto devido ser negra e o filho ter
a pele mais clara- as pessoas que convidaram não imaginavam que a
mãe dele era negra. M.S. encerra sua fala com uma mensagem
[...] E hoje, quando eu vejo uma pessoa que me olha assim
com racismo, eu não abaixo a cabeça, eu continuo no meu
caminho e eu desejo que todas as pessoas negra não se
abaixa a cabeça, se erguem, você vai conseguir, batalhar,
pode a pessoa falar o que quiser, mas importante você
guardar para você que você não é aquilo. [...] Hoje eu tiro de
letra, não fico triste! Já fiquei chateada por muita coisa, mas
hoje não! (M.S.). (sic)
Como se pode notar, a entrevistada demonstra superação em
relação às dificuldades e exclusões sofridas na infância, enfrentando
de maneira positiva a luta pela inclusão de seu filho com deficiência
intelectual.

Com o intento de obter outra visão a respeito da temática,


apresentamos o depoimento de M.M., que se refere negra e tem um
filho de pele branca, com deficiência intelectual. M.M. nos informa
que seu filho onde chega é bem recebido, pois é um rapaz muito
simpático. Contudo, ela nos relata que
[...] as pessoas acham que eu não sou a mãe dele. Então
76

assim, as pessoas acham que eu cuido dele, as pessoas acha


[…] eu saio muito com ele e vou ao médico e os médicos
perguntam se eu sou a mãe, porque eles acham que eu [...]
cuido dele. E já aconteceu assim, eles acharem que[...] tipo
assim [...] de eu estar com meu marido e eles acharem que
eu acompanho, que eu sou a babá (M.M.). (sic)
Soma-se a esse fato, o elogio que traz consigo o preconceito
em uma das falas da entrevistada, quando narra que as pessoas
costumam dizer que seu filho é clarinho, bonito, deixando implícito
que se fosse negro não seria bonito, chegando ao cúmulo de ela
própria dizer que deve cuidar de sua aparência porque as pessoas
acreditam que todos os/as empregados/as são negros/as. M.M.
deixa claro seu incômodo com esse tipo de situação e exposição, com
essa mentalidade que as pessoas não desconstroem.

Nesse ínterim, percebemos as diferentes realidades de


famílias negras de pessoas com deficiência intelectual, e suas nuances
relacionadas ao preconceito racial e exclusão social presente em todas
as falas. Identificamos quais são as vulnerabilidades sociais das
famílias negras de pessoas com deficiência intelectual, quando na fala
da V.A observamos uma vulnerabilidade socioeconômica e a luta por
desmistificar diariamente que deficiência não tem cor, bem como
ignorar episódios discriminatórios, mas no fundo a dor da distinção
persevera.

Por meio do depoimento da M.M conseguimos ter acesso à


situações exemplares de como a cor da pele interfere nos aspectos
cotidianos da inclusão da pessoa com deficiência, pois por seu filho
ter pele branca, a aceitação na sociedade é diferente, por vezes nem é
apontando como pessoa com deficiência, e sim recebida nos espaços
com elogios de “bonito”, dando alusão que o negro não é bonito.

Nos depoimentos da L.M e da M.S, notamos que o sentimento


de pertencimento com a raça foram possibilidades existentes e
conquistadas para favorecerem em suas vidas a inclusão social.
77

Sendo explícito a referência que quanto mais alto o cargo e, quanto


mais escolaridade o cargo exigir, menor será a quantidade de
negros/as ocupando essas cadeiras (JACCOUD, 2008), destarte a
falta de aceitação que pessoas negras ocupam cargos de gerência.

Concatenando as contemplações dos referenciais teóricos


deste capítulo sobre deficiência intelectual, desigualdades
vivenciadas pela raça negra, vulnerabilidade social da família negra
e inclusão social, fica evidente que a mulher é majoritariamente
presente nessas vivências, abdicando na maioria das vezes, seus
estudos e suas vocações profissionais, sendo protagonistas da família
e incansavelmente se empenham por melhorias para seu filho com
deficiência intelectual, mesmo que diariamente precisem combater o
preconceito. Corajosamente, vão driblando o preconceito, mas nunca
desistem de incluir seu filho com deficiência na sociedade. Não são
guerreiras, pois não querem briga com ninguém, e sim são
resistentes, fortes e buscam por emancipação constantemente.

Ainda, é reduzido o debate que contemple todos esses


aspectos de forma conjunta, todavia a construção do diálogo está
iniciada e assim como toda mudança social é um ser vivo,
apresentando essas vivências teremos aparato para ampliar a
reflexão no assunto. Por iguais razões, desejamos e buscamos uma
sociedade para todos, que seria, conforme Werneck (1997, p. 21) “A
sociedade para todos, consciente da diversidade da raça humana,
estaria estruturada para atender às necessidades de cada cidadão, das
maiorias às minorias, dos privilegiados aos marginalizados”.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Historicamente, somos um povo direcionado a excluir ao


invés de incluir. Exclui a população negra, o deficiente, o pobre, a
mulher, descarta-se o ser humano para não modificar sua rotina ou
78

seus “princípios” de aceitação e partilhamento.

A realidade posta nesses depoimentos, são de teores tristes,


atuais e estimagtizantes, que mesmo com leis antigas e atuais que
garantam a inclusão da pessoa com deficiência, vinculado ao acesso
isonômico a qualquer pessoa, independente de raça, cor, sexo ou
religião, com sanções penais, a ausência de seu cumprimento
infelizmente ainda parte-se do princípio que as pessoas sejam
conscientes, pois cumprem penas judiciais, mas a repetição dos fatos
retomam. Em concordância com Fanon (2008, p 187) “de modo algum
devo me empenhar em ressuscitar uma civilização negra
injustamente ignorada. Não sou homem de passados. Não quero
cantar o passado às custas do meu presente e do meu devir”.

Podemos afirmar que a sociedade ainda está a passos lentos


para desconstruir velhos modelos de identidade e, capítulos como
este, tem o propósito de reduzir a falta de conhecimento nessas áreas,
pois entendemos que somente com a educação por meio de
compartilhamento de saberes, poderemos moderar as desigualdades
humanas.

Por fim, concluímos que as evidências práticas e um espaço


de escuta, ressalta em possibilidades tangíveis para fortalecimento
das pessoas se reconhecerem e continuarem seus caminhos em busca
da inclusão efetiva, até chegarmos a um momento que não
precisaremos falar sobre este assunto. Utópico? Talvez, mas estamos
fazendo nossa parte.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Departamento


Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Aspectos
conceituais da vulnerabilidade social. Brasília: UNICAMP, 2007.
79

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(org). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120
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LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos da Metodologia
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5.ed. Rio de Janeiro: WVA, 2003.
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80

Intelectual e sua Realidade Social, São Paulo. Especialização de


Educação Inclusiva e Deficiência Intelectual - Pontifícia Universidade
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SZYMANSKI, H. Viver em família como experiência de cuidado
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WERNECK, C. Ninguém mais vai ser bonzinho na Sociedade
Inclusiva. Rio de Janeiro: WVA. 1997.
CAPÍTULO 4 │ DIALÉTICA ENTRE BRANQUITUDE E
RACISMO: DISCUSSÕES A PARTIR DO
CASO GEORGE FLOYD

Monique Rodrigues do Prado

RESUMO

Após o caso George Floyd a discussão racial foi levada para outro
patamar. Nesse contexto, o racismo mobilizou a agenda global com
maior intensidade eclodindo em protestos mundiais. Os
manifestantes exigiam imediatas mudanças do sistema vigente para
frear o número de mortes em decorrência do racismo. Com isso,
justifica-se a produção desse artigo, já que algumas nomenclaturas
ganharam força no mainstream gerando a necessidade de um
letramento racial. Entretanto, há uma problemática em fazer com que
a branquitude entenda-se como player racial ativo na luta
antirracista, razão pela qual ela precisa definitivamente ser chamada
a mesa para ampliar a discussão racial não somente da perspectiva
de quem sente o racismo, mas também de quem é parte do grupo
dominante. Assim, para além de proporcionar alguns conceitos
acerca da temática racial, sem pretender esgotar o assunto, o objetivo
é desdobrar-se sobre a dialética e as nuances entre branquitude e
racismo mostrando como esses fenômenos dialogam com o caso
George Floyd a partir da análise não só de branquitude, mas também
de epistemicídio, necropolítica, racismo, privilégios materiais e
simbólicos, fragilidade branca, inércia, silencio e antirracismo
visitando estudos anteriores. A construção será possível
especialmente pelos métodos descritivo e bibliográfico, oferecendo
reflexões para que o leitor se sinta à vontade em aprofundar os seus
estudos cujo resultado objetiva torná-lo um agente ativo na
transformação do pacto social vigente. As considerações finais nos
levam a conclusão de que a segregação sociorracial não pode ser
normalizada.
Palavras-chaves: BRANQUITUDE. RACISMO. PRIVILÉGIOS.
SILÊNCIO. ANTIRRACISMO.
82

1 INTRODUÇÃO

Tenho dedicado os últimos anos aos estudos do racismo, com


o objetivo de compreender como esse fenômeno social opera. Por que
o assassinato de crianças negras a queima roupa ou encarceramento
em massa dos jovens negros mobiliza tão pouco a branquitude
brasileira? Para minha felicidade essa problemática tem sido
enfrentada na literatura racial produzida nacional e
internacionalmente encarando cada camada dessas violências.

Assim, do silêncio ao constrangimento; da vergonha a


complacência; da fragilidade aos 80 tiros, tenho buscado entender a
inércia dos bons, parafraseando Dr. Martin Luther King em sua carta
escrita da prisão de Birmingham em abril de 1963, na época
endereçada a alguns líderes religiosos. Em um trecho da carta o líder
disse: “We will have to repent in this generation not merely for the hateful
words and actions of the bad people but for the appalling silence of the good
people.”

Nesse contexto, de alguma forma, o assassinado de George


Floyd virou um episódio na história do qual encarregou o
escalonamento da temática racial pelo mundo acumulando desde
manifestações a congressos institucionais que estão discorrendo
sobre o assunto revelando desdobramentos sobre o papel da
branquitude na (re)produção do racismo como mecanismo de poder,
alertando a importância desses sujeitos em entenderem a sua
racialidade enquanto pessoas ativos no combate ao racismo
rompendo com privilégios materiais e simbólicos.

Nesse sentido, justifica-se discutir a dialética entre


branquitude e racismo com o fim de jogar luz nas dimensões desses
fenômenos que operam na esfera sociocoletiva, embora se
83

personifique também no indivíduo.

Para atingir esse objetivo ficam alguns questionamentos: Será


que o pacto social tal como posto alcança o estágio pleno do Estado
Democrático de Direito aos indivíduos negros? Em sociedades cujos
símbolos, narrativas e poder estão pautados na racialização, seria
possível falar em segregação sociorracial? Como atitudes individuais
em escala micro dialogam com a estrutura racial?

Desse modo, as reflexões nos levam a conclusão que encarar


a dialética entre branquitude e racismo é atentar-se aos contextos
temporal e histórico. Portanto, desvelar a branquitude também como
um player racial é intensificar o processo de expurgar de uma vez por
todas a ideia de que racismo é problema do negro, pois a morte
violenta de pessoas negras tal como tem sido vista é responsabilidade
também dos sujeitos brancos.

Nessa esteira, com suporte em estudos já produzidos sobre o


tema, serão abordados os conceitos de branquitude, racismo e suas
dimensões, necropolitica, epistemícidio e representações simbólicas,
fragilidade, privilégios materiais e simbólicos, inércia e silêncio da
branquitude com a contribuição de pensadores como a Doutora pela
Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Instituto
Geledes Sueli Carneiro, o Jurista e Filósofo pela USP Silvio de
Almeida, o teórico político e filósofo camaronês Achille Mbembe, a
Ph.D Robin DiAngelo, a Doutora em psicologia social Lia Vainer
Schucman também pela USP, dentro outros autores, para que ao final
seja possível traçar algumas proposições antirracistas a partir da
participação de uma branquitude crítica nas dinâmicas sociais.

1.1 Objetivo geral

O objetivo geral é o tensionamento racial por meio da dialética


entre branquitude e racismo.
84

1.2 Objetivos específicos

a)Apresentar nuances sobre as questões raciais a partir de


quem já pensou o tema de forma crítica,
b) Explorar os conceitos em torno da branquitude e do
racismo;
c) Demonstrar como há uma dialética entre branquitude e
racismo que acaba dando ensejo a casos como o de George
Floyd;
d) Analisar como a morte, especialmente dos sujeitos
racializados, tem sido um elemento de controle da política
soberana;
e) Oferecer reflexões para que o leitor se sinta a vontade para
aprofundar as discussões propostas em torno de práticas
antirracistas.

1.3 Problemática

Por que é importante aprender mais sobre racismo e


antirracismo e como fazer com que o sujeito branco também se
entenda como um player racial ativo no combate ao racismo
estrutural e individual?

1.4 Justificativa

Estudar as relações raciais exige uma análise acerca do


comportamento coletivo, bem como das dinâmicas raciais
conjugadas, visto que o tema está espraiado na estrutura social,
econômica, jurídica e política do tecido social. George Floyd foi aqui
eleito histórica e simbolicamente para ilustrar os ensinamentos de
Achille Mbembe quanto a necropolítica e racismo compreendendo,
portanto, quem são os sujeitos assassinados por serem alvos do
Estado para efeitos de controle soberano. De outra sorte, o
comportamento da branquitude enquanto player social é também
85

um dos pilares explorados, pois combater o racismo exige


instauração de ações antirracistas. Por essa razão, o intercâmbio
promovido entre branquitude e o racismo tem como fulcro observar
os impactos na vida prática dos sujeitos racializados.

O racismo não está somente na esfera moral e/ou


comportamental, observar o impacto econômico, em relação a
disparidade de renda, o acesso e as oportunidades entre brancos e
negros, também é de suma relevância. Por isso, a fixação de marcos
jurídicos seja do ponto de vista de estabelecer o racismo como crime,
seja estabelecendo normas versando sobre ações afirmativas, tem-se
apresentado eficazes. De todo modo, do ponto de vista estrutural, os
pensadores sobre o tema, não excluem a responsabilidade de uma
revisão histórica em relação aos símbolos como estátuas, bem como
inclusão curricular na qual o ensino da história afrobrasileira sejam
algumas dessas estratégias pedagógicas para combater o racismo.

2 METODOLOGIA

Para a realização investigativa, a pesquisa foi desenvolvida


pela abordagem qualitativa, utilizando os métodos descritivo e
bibliográfico, a fim de compreender as variáveis apresentadas nos
objetos (SEVERINO, 2018). A pesquisa conta ainda com uma
abordagem crítica e reflexiva acerca da branquitude, dos privilégios,
do racismo e do antirracismo.

3 ASPECTOS TEÓRICOS

Um dos intelectuais contemporâneos que deu conta de


compreender o fenômeno do racismo à luz da colonização
observando os seus efeitos na atualizada foi o filósofo e historiador
Achille Mbembe. Para ele,
86

as colônias são o local por excelência em que os controles e


as garantias de ordem judicial podem ser suspensos – a
zona em que a violência do estado de exceção supostamente
opera a serviço da ‘civilização’ (2016, p. 133).
De toda forma, a conta da colonização gerou séculos de juros
às vidas negras parece estar chegando. A abolição prometeu
liberdade aos povos negros escravizados, mas não gerou outra coisa,
senão o racismo. Juntos, esses dois fenômenos históricos constituem
um aparato global de destruição (CANEIRO, 2005).

Segundo Mbembe o Estado se comprometeria a “civilizar” os


modos de matar e atribuir objetivos racionais ao ato de matar em si.
Por todas essas razões, o direito soberano de matar não está sujeito a
qualquer regra nesses territórios colonizados (2016).

É bom contextualizar que em 25 de maio de 2020, após uma


abordagem policial, um americano negro de nome George Floyd foi
asfixiado no asfalto pelo policial Derek Chauvin, policial branco em
Minneapolis, o qual manteve-se ajoelhado por quase 09 minutos no
pescoço de Floyd, mesmo proferindo a frase “Eu não consigo
respirar” (HILL, et. al., 2020).

Após a execução de George Floyd, manifestantes pelo mundo


saíram às ruas em solidariedade aos negros clamando por justiça,
reforma policial em razão da brutalidade e equidade racial. Além dos
estados americanos, destacam-se alguns dos países que também
marcharam em protestos: Quênia, África do Sul, Tunisia, China,
Japão, Coreia do Sul, Kosovo, Bulgaria, Austrália, Inglaterra, Franca,
Alemanha, Suíça, Bélgica, Escócia, Portugal, Itália, Espanha, Irlanda
e Brasil (POUJOULAT, et al, 2020).

Dentre tantas outras, os manifestantes seguravam placas


dizendo: “eu ainda tenho um sonho” “sem justiça, sem paz”, “justiça
para George Floyd”, “todas as vidas só vão importar até que vidas
negras importem”, “nós exigimos mudanças”, “minha cor não é um
crime”, “racismo é um problema dos brancos” e, sobretudo, “vidas
87

negras importam” (POUJOULAT, et al, 2020).

A aderência de brancos ao lado de negros às ruas tem feito


com que assuntos relacionados ao racismo e ações antirracistas sejam
discutidos com profundidade, especialmente àquelas pessoas que
acreditam nos pilares da dignidade humana e da justiça social, cuja
maior responsabilidade é justamente não se manter no conforto do
silêncio em consonância com os ensinamentos já referenciados de
Martin Luther King Jr.

3.1 O que é branquitude?

Na lição de Silvio Almeida:


Raça é um conceito cujo significado só pode ser recolhido
em perspectiva relacional. Ou seja, raça não é uma
fantasmagoria, um delírio ou uma criação de cabeça de
pessoas mal intencionadas. É uma relação social, o que
significa dizer que a raça se manifesta em atos concretos
ocorridos no interior de uma estrutural social marcada por
conflitos e antagonismos (ALMEIDA, 2018, p. 40).
Dessa forma, a branquitude só ganha solo fértil de discussão
quando o lugar tem conflitos de caráter étnico-racial, ou seja, seria
possível discutir relações étnicas em uma sociedade onde não há
brancos, negros, indígenas ou orientais? Com efeito, é fundamental
observar a branquitude como um dos players das relações raciais.

Nesse sentido, Lia Vainer Schucman pesquisadora sobre o


tema no Brasil elucida em sua tese de doutorado “Entre o encardido,
o branco e o branquíssimo”: o “intuito dos trabalhos sobre
branquitude é preencher a lacuna nos estudos sobre as relações
raciais que por muito tempo ajudou a naturalizar a ideia de que quem
tem raça é apenas o negro” (SCHUCMAN, 2012, p. 22).

Por essa razão, a autora explica como ser branco depende de


fatores sociológicos de modo que é importe serem compreendidas
onde se encoram as estruturas de poder concretas das desigualdades
88

raciais, ou seja, é preciso observar as posições e os lugares dos quais


esses sujeitos ocupam, motivo pelo qual ser branco nos EUA, na
África do Sul no Brasil demandam análises conjunturais diferentes,
como por exemplo, critérios ligados à genérica, origem e fenótipo
(SCHUCMAN, 2012).

Assim, segundo aponta Ruth Frankenberg (1997), a


branquitude é produto da história e se manifesta em uma dimensão
para além do indivíduo, visto que compõe um sistema que formata a
identidade racial. Nessa estrutura construída historicamente o sujeito
branco assume a identidade de “ser humano universal” marcando a
representação do “ser humano ideal.” Para a autora:

Primeiro, a branquitude é um local de vantagem estrutural,


de privilégio de raça. Segundo, é um "Ponto de vista", um lugar do
qual os brancos olham para si mesmos, para os outros e para
sociedade. Terceiro, 'branquitude' refere-se a um conjunto de práticas
culturais que geralmente são sem marcação e sem nome
(FRANKENBERG, 1997, p. 01).

Nesse contexto, o pesquisador inglês Richard Dyer elabora:


“como a raça é construída como residindo em pessoas de cor, os
brancos não suportam carga social da raça. Nós nos movemos
facilmente por nossa sociedade, sem um senso de nós mesmos como
sujeitos racializados” (DYER, 1997 apud DIANGELO, 2011, p. 62).

Nesse sentido, podemos dizer que tanto a visibilidade quanto


a invisibilidade aparecem em momentos nos quais os sujeitos
adquirem privilégios por serem brancos.

Assim, DiAngelo (2011) aponta que quando aplicado no


contexto do racismo, o universalismo funciona para negar o
significado de raça e as vantagens dos sujeitos brancos, como se as
pessoas negras e brancas tivessem as mesmas realidades e as mesmas
experiências no mesmo contexto, de maneira que os brancos
assumem que as oportunidades estão aberta para todos.
89

Como elucida Lia Schcman (2012), a branquitude pressupõe


uma perspectiva eurocentrada, isto é, o fenótipo do sujeito branco
europeu foi o modelo adotado pelo ocidente como ideal para se
alcançar o poder e o prestígio. Em poder leia-se: a predominância nas
narrativas, nas instituições, nas religiões e nos territórios como mais
adiante vai explicar Silvio Almeida (2018).

Por isso, no Brasil a braquitude considera vergonhosa a sua


ancestralidade e cultura negras, enaltecendo a cultura
europeia/branca, da qual não faz inteiramente parte (SCHUCMAN,
2012).

3.2 O outro e o epistemicídio

Sueli Carneiro (2005) joga luz ao fato de que os brancos


criaram um pacto social pautado em uma sociedade racialmente
organizada, a qual se retroalimenta para mantê-los no poder e
beneficiá-los de maneira a estabelecer uma hegemonia quanto aos
símbolos, os valores e as linguagens, como procurou esclarecer em
sua tese de doutorado pela USP.

De acordo com a pesquisadora há no Brasil “um contrato


racial sobre o qual sela-se um acordo de exclusão e/ou
subalternização dos negros, no qual o epistemicídio cumpre função
estratégica em conexão com a tecnologia do biopoder” (CARNEIRO,
2014).

Para a autora, esse contrato racial estabelece que apenas a


racionalidade hegemônica determine às normas de cognição sendo o
único sujeito cognoscente válido cuja contrapartida é a cegueira, para
que não enxerguem as contradições que esse sistema produz
(CARNEIRO, 2014).

DiAngelo, teórica branca que empenha os seus estudos na


branquitude reflete:
90

Em todos os lugares nós olhamos, vemos nossa própria


imagem racial refletida de volta para nós - em nossos heróis
e heroínas, em padrões de beleza, em nossos modelos e
professores, em nossos livros e memória histórica, na mídia,
na iconografia religiosa, incluindo a imagem de próprio
deus, etc. (2011, p. 62).
No mesmo sentido, Lia Schucman argumenta que a
branquitude se define como:
[...] a constituição de uma determinada perspectiva sobre o
mundo que se baseia centralmente nos padrões culturais
dos grupos dominantes, mantendo uma visão única sobre
as formas de viver e ser no mundo, que não permite que os
sujeitos consigam perceber sua singularidade
(SCHUCMAN, 2012, p. 28).
Essa universalidade faz com que a branquitude acredite ser
ela a personificação de toda a experiência humana estabelecendo as
normas à humanidade:
Isso é evidenciado através de uma identidade ou localização
não racial, que funciona como uma espécie de cegueira;
incapacidade de pensar sobre a branquidade como uma
identidade ou como um "estado" de ser que teria ou poderia
ter um impacto na vida de alguém. Nesta posição, a
branquitude não é reconhecida ou nomeada pelos brancos,
e uma referência universal é assumida. Pessoas brancas são
apenas pessoas. Dentro dessa construção, brancos pode
representar a humanidade, enquanto pessoas de cor, que
nunca são apenas pessoas, mas sempre mais
particularmente negros, asiáticos etc., só podem representar
suas próprias experiências racializadas (DYER, 1992 apud
DIANGELO, 2011, p. 59).
Nessa toada, o conhecimento basta naquilo que é factual e
aparente, sepultando tudo o quanto lhe pareça racionalmente
estranho, ensejando na destruição de corpos, mentes e espíritos.

Em sua tese de doutorado, Sueli Carneiro discorre sobre


Epistemicídio o denominando como um processo de destituição da
racionalidade, da cultura e da civilização do outro.
91

Nas palavras da pensadora, epistemicídio é:


um processo persistente de produção da indigência
cultural: pela negação ao acesso à educação, sobretudo de
qualidade; pela produção da inferiorização intelectual;
pelos diferentes mecanismos de deslegitimação do negro
como portador e produtor de conhecimento e de
rebaixamento da capacidade cognitiva pela carência
material e/ou pelo comprometimento da autoestima pelos
processos de discriminação correntes no processo
educativo. Isto porque não é possível desqualificar as
formas de conhecimento dos povos dominados sem
desqualificá-los também, individual e coletivamente, como
sujeitos cognoscentes. E, ao fazê-lo, destitui-lhe a razão, a
condição para alcançar o conhecimento “legítimo” ou
legitimado. Por isso o epistemicídio fere de morte a
racionalidade do subjugado ou a sequestra, mutila a
capacidade de aprender etc. (CARNEIRO, 2005, p. 97).
Epistemicídio é, portanto, uma tecnologia na qual há a
integração do dispositivo de racialidade/biopoder tendo como
característica disciplinar/ normalizar, matar ou anular o Outro
(CARNEIRO, 2005).
Esse controle pressupõe a distribuição da espécie humana
em grupos, a subdivisão da população em subgrupos e o
estabelecimento de uma cesura biológica entre uns e outros
(MBEMBE, 2005, p. 128).
O “outro” é aquele sobre o qual não há semelhança com a
estética de mundo imposta pela branquitude e, portanto, ele não deve
ser reconhecido como ser humano. Por isso, as condições de escassez
de humanidade “do outro” não causa espanto:
A negação da plena humanidade do Outro, a sua
apropriação em categorias que lhe são estranhas, a
demonstração de sua incapacidade inata para o
desenvolvimento e aperfeiçoamento humano, a sua
destituição da capacidade de produzir cultura e civilização
prestam-se a afirmar uma razão racializada, que
hegemoniza e naturaliza a superioridade europeia
(CARNEIRO, 2005, p. 99).
92

No Brasil, o epistemicídio teve sua primeira expressão,


enquanto tentativa de supressão do conhecimento nos processos de
controle, censura e condenação da disseminação de ideias,
empreendido pela Igreja Católica durante o vasto período da história
brasileira com desdobramentos específicos sobre a população negra
(CARNEIRO, 2005).

Com a abolição da escravidão e emergência da República,


influxos do racismo científico serão percebidos em pensadores
nacionais, aportando novas características aos processos
epistemicidas sobre as populações negras. Entram em cena os
procedimentos de contenção, exclusão, assimilação na relação dos
negros com os processos educacionais frente à sua nova condição de
liberto indesejável como cidadão (CARNEIRO, 2005).

Como detém a hegemonia do estado político-jurídico, dos


meios de comunicação e das produções midiáticas, a branquitude
opera a partir da esterilização do aparato histórico, estético e
narrativo do negro, motivo pelo qual o negro vai aparecer
estereotipado no seu conto narrativo do mundo, especialmente,
distante da racionalidade Silvio Almeida (2018).

Nota-se como o conhecimento produzido não é neutro, de


modo que o silencialmento de outras vozes é parte de um
pensamento colonial e político na estrutura institucional de um país.
A apreensão do léxico e das diversas formas de linguagens também
demonstra esse epistemicídio, já que a tradução do que é
conhecimento fica adstrita àqueles que produzem os seus
significados.

Para nós, fica o compromisso de enunciar verdades


desconcertantes para revelar o epistemicídio, promovendo
constantemente a descolonização do pensamento.
93

3.3 As dimensões do racismo

Uma das perguntas que tem sido feita a partir da eclosão dos
protestos é: como é que chegamos até aqui? Seria o racismo delírio,
miopia, ignorância ou projeto? Para responder essas perguntas,
primeiro é preciso resgatar as narrativas que foram historicamente
forjadas.

Sueli Carneiro levanta a hipótese de que muitas pessoas


percebem o racismo e as práticas discriminatórias como fruto da
ignorância pela percepção da inversão epistemológica como se essa
prática fosse uma disfunção cognitiva (2005). Todavia, Silvio
Almeida, um dos maiores intelectuais contemporâneos, colocou uma
lupa nessa temática olhando para o viés sistêmico do racismo na sua
obra intitulada “O que é racismo estrutural?” da coleção Feminismos
Plurais coordenado por Djamila Ribeiro.

Durante muito tempo o racismo fora reduzido apenas à esfera


do comportamento individual, mas o jurista e filósofo nos apresentou
outras dimensões esmiuçando o viés institucional e estrutural.

O racismo faz parte da história moderna guardando relação


com a formação do Estado. Segundo o jurista, o conceito de raça foi
desenvolvido pelo modelo do Estado burguês para eleger o sujeito
universal e organizar as relações políticas, econômicas e jurídicas a
partir da categorização em classes dos indivíduos com o fim de
preservar o grupo hegemônico (ALMEIDA, 2018).

No mesmo sentido, Sueli Carneiro elucida que o Estado racial


estabelece:
[...] um tipo de sociedade em que o caráter estrutural do
racismo impede a realização dos fundamentos da
democracia, quais sejam a liberdade, a igualdade e a
fraternidade, posto que semelhante sociedade consagra
hegemonias e subalternizações racialmente recortadas.
(2014, s.p).
94

Para Silvio de Almeida (2018), o racismo ganha diferentes


expressões ao longo da história, desde o caráter biológico, científico
e sociocultural, razão pela qual trata-se de um fenômeno social
complexo. De todo modo, no Brasil, esse processo sempre esteve
relacionado com a aparência física, propriedade, capacidade de
consumo e de circulação social.

Nesse contexto, como o Estado é responsável por formar uma


unidade, o nacionalismo paradoxalmente tende a hierarquizar as
multiplicidades cultural, étnica, religiosa e sexual, criminalizando,
domesticando ou estigmatizando aquele que não interessa à
identidade nacional (ALMEIDA, 2018).

Nessa perspectiva, o autor aproveita as lições de Foucault


para conceituar o racismo como uma tecnologia de poder que opera
por meio do controle havendo, por conseguinte, a discriminação
sistêmica de grupos étnico-raciais subalternizados (ALMEIDA,
2018).

Na obra “Racismo estrutural” Silvio de Almeida esclarece


(2018) por que não é possível confundir racismo, preconceito e
discriminação. Se o primeiro é um fenômeno sistêmico, o segundo
externaliza-se como um julgamento prévio, enquanto a
discriminação é um tratamento diferenciado. Nessa vereda, é
plausível como certos indivíduos do grupo dominante digam ter
sofrido preconceito ou discriminação. No entanto, como o racismo
está entranhando nas estruturas de poder, este atinge somente
grupos étnico-raciais subalternizados, razão pela qual não há
qualquer possibilidade de sustentar o argumento de racismo reverso,
pois não há opressão sistêmica em relação ao grupo dominante.

Assim, como a tese do jurista está calcada no racismo


estrutural, ele explora as diferenças entre racismo individual,
institucional e estrutural. No racismo individual é flagrante o viés
patológico, comportamental e imoral revelado por aquele que o
95

pratica (ALMEIDA, 2018).

No racismo institucional, observa-se a presença massiva de


determinado grupo étnico-racial nas instituições, as quais irão
trabalhar para fortalecê-los e mantê-los no poder. Nessa forma de
racismo vimos o legislativo, o judiciário, o executivo, as reitorias das
universidades e grandes corporações aparelhadas com pessoas do
grupo hegemônico. Para o jurista é dever das instituições:
a) Promover a igualdade e a diversidade em suas relações
internas e com o público externo – por exemplo, na
publicidade; b) remover obstáculos para a ascensão de
minorias em posições de direção e de prestigio na
instituição; c) manter espaços permanentes para debates e
eventual revisão de práticas institucionais; d) promover o
acolhimento e possível composição de conflitos raciais e de
gênero (ALMEIDA, 2018, p. 37).
Na dimensão estrutural, o pensador desvenda que as
instituições somente são racistas, porque a sociedade também é, ou
seja, as estruturas sobre as quais solidificam a ordem jurídica,
política e econômica validam a autopreservação de/entre brancos,
bem como a manutenção de privilégios, pois criam condições para a
prosperidade de apenas um grupo. Como resultado, as instituições
externam violentamente o racismo de forma cotidiana. Em suas
palavras:
O racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou
seja, do modo “normal” com que se constituem as relações
políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo
uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O
racismo é estrutural. Comportamentos individuais e
processos institucionais são derivados de uma sociedade
cujo racismo é regra e não exceção. (ALMEIDA, 2018, p. 38).
Enquanto ideologia, o racismo constitui-se como
representação do imaginário social sobre as identidades raciais, de
maneira que o imperativo é manter o branco no lugar de líder nato e
racional enquanto o negro em condições subalternas. Denota-se,
96

portanto, que o racismo formata as subjetividades nas relações


sociais, visto que do ponto de vista da consciência e dos afetos, o
racismo valida quem merece ser considerado sujeito (ALMEIDA,
2018).

Na cultura, o racismo é sofisticado, pois propaga o relativismo


cultural e o multiculturalismo como forma de domesticação de
corpos, determinando a superioridade, o valor e o significado da
cultura dominante em detrimento de outros grupos dos quais a
branquitude produz a exotificação e a inferiorização desses
(ALMEIDA, 2018).

No tocante a representatividade, o autor argumenta que por


si só ela não é suficiente para resolver o racismo, pois embora
enxergar negros em espaços de poder seja importante, o
recrutamento de alguns negros nesses espaços serve puramente para
reforçar o racismo, visto que visibilidade negra não é poder. Para ele,
não é possível admitir uma maquiagem ao problema, uma vez que o
racismo exige mudanças profundas e concretas para que não seja
eterniza o cenário de desigualdade racial (ALMEIDA, 2018).

Na perspectiva do racismo fomentado pelo Direito é possível


destacar no contexto brasileiro, alguns exemplos de estatutos
jurídicos que expressaram o racismo institucional e estrutural: a
Constituição Federal de 1824 com a proibição de negros para
frequentarem escolas; a Lei da Terra de 1850, nº 601 que foi um
mecanismo legal utilizado para superfaturar o preço das terras para
que as pessoas negras, ainda que livres, não pudessem comprá-las ou
ainda com a abertura dos seus portões para a migração europeia
através do decreto 528 de 1890 ofertando-lhes terras, sementes e
dinheiro aos europeus, mesmo sem reparação econômico-social aos
negros (SANTOS, 2014).

Portanto, para o filósofo, há uma segregação não oficial entre


negros e brancos, já que existe uma naturalização de negros em
97

posições subalternizadas e, de outro lado, há uma supremacia branca


politicamente constituída.

3.4 Fragilidade da branquitude

Antes de avançar as discussões acerca do antirracismo, será


abordado um assunto sobre qual recai certo desconforto às pessoas
brancas que entram em contato pela primeira vez com o tema: a
fragilidade da branquitude.

Robin DiAngelo, cravou o termo “fragilidade da


branquitude”. A acadêmica norte-americana branca desdobra os seus
estudos sobre questões raciais e sobre o assunto explica:
Fragilidade branca é um estado em que mesmo uma
quantidade mínima de estresse racial se torna intolerável,
desencadeando uma série de movimentos defensivos por
parte do sujeito branco. Esses movimentos incluem a
exibição externa de emoções como raiva, medo e culpa e
comportamentos como argumentação, silêncio e deixar a
situação indutora de estresse. Esses comportamentos, por
sua vez, funcionam para restabelecer o equilíbrio racial dos
brancos (DIANGELO, 2011, p. 54).
O assunto é tido como espinhoso porque enfrenta nuances
primordiais para aclarar os efeitos do racismo: privilégios e status
sociais do grupo hegemônico. A autora chama atenção à “almofada
protetora dos recursos e benefícios” na dinâmica das relações raciais
tais como posta.

De outro lado, como raramente a branquitude é desafiada a


pensar a sua cor no tecido social, quando colocada em xeque
enquanto player racial, os comportamentos de reação são a
incapacidade de tolerância sobre o assunto, bem como o estresse
racial. Com efeito, para a autora, “Essa linguagem codificada
racialmente reproduz imagens e perspectivas racistas, ao mesmo
tempo em que reproduz a confortável ilusão de que raça e seus
98

problemas são o que "eles" têm, não nós” (DIANGELO, 2011, p. 55).

No mesmo sentido, a autora alerta ao fato de como esses


privilégios são solidificados na história, na tradição e na
normatividade havendo a formatação da consciência individual e
coletiva do branco como ser elevado, sendo a fragilidade da
branquitude conceituada como um produto do hábito, ou seja, uma
resposta ou “condição” produzida e reproduzida pelas vantagens
sociais e materiais contínuas da posição estrutural branca
(DIANGELO, 2011).

Dentre outros fatores, a estudiosa insiste no por que é


importante reconhecer que os acessos são desiguais em relação aos
grupos raciais; observar os espaços e como se dá a segregação social;
pensar criticamente sobre a complexidade do racismo através do
contato com outras narrativas são passos importantes para enfrentar
esse véu da fragilidade branca. Assim, passamos a análise desses
privilégios (DIANGELO, 2011).

3.5 Os privilégios materiais e simbólicos

A branquitude é um sistema de poder fundado no contrato


racial do qual todos os brancos são beneficiários ainda que nem todos
sejam signatários (CARNEIRO, 2014).

Sobre o tema, Lia Vainer Schucman nos orienta:


os sujeitos brancos estão conscientes ou inconscientemente
exercendo-o em seu cotidiano por meio de pequenas
técnicas, procedimentos, fenômenos e mecanismos que
constituem efeitos específicos e locais de desigualdades
raciais (2012, p. 23).
Os estudos sobre branquitude seguem a premissa de que o
racismo e os privilégios dos brancos existem tanto na forma
tradicional quanto adaptados a novos formatos no contexto
moderno, e em vez de trabalhar para provar a sua existência, é crucial
99

trabalhar para revelá-los (DIANGELO, 2011, p. 56).

Esses benefícios sociais dos quais as pesquisadoras se referem


seguem a mesma direção de Silvio Almeida (2018) onde há
estruturalmente vantagens econômicas, políticas, sociais e culturais
nos processos sociais no tocante as ações e crenças as quais
sistematizam e perpetuam a desigualdades entre esses grupos étnico-
raciais (2018).

Assim, o indivíduo que se assemelha com a estética da


branquitude beneficia-se da estrutura de dominação e superioridade,
sistema este que aparta tudo que é diferente, negando a pluralidade
em seus espaços de poder, reservando ao outro o lugar de
subordinação como nos ensinou Sueli Carneiro (2005). Com efeito, o
antirracismo enseja na discussão dos privilégios da branquitude.

Lia aponta como privilégios de ordem material o acesso à


habitação, à hipoteca, à educação, à oportunidade de emprego e à
transferência de riqueza herdada entre as gerações, assim como
vantagens institucionais nas esferas pública e privada (SCHUCMAN,
2012). Não à toa que quando analisado o critério renda, na parcela de
1% dos mais ricos 79% são brancos em contraposição aos 76% dos
mais pobres que são negros de acordo com o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística de 2015.

Outras vantagens simbólicas encontradas são: a


autodeterminação em relação a sua identidade racial; a racionalidade
e a estética as quais decorrem da construção do sujeito branco como
superior e encontram apoio nos materiais curriculares; não precisar
pensar sobre a sua própria cor; bem como a representação nos
espaços de poder (MCINTOSH 1989 in SCHUCMAN, 2012).

De outra sorte, os negros tornam-se produto do racismo, onde


o fenótipo, a cor da pele e as práticas culturais são dispositivos
materiais utilizados para gerar privilégios, vantagens políticas,
econômicas e afetivas em favor do grupo hegemônico (ALMEIDA,
100

2018).

Para funcionar, a branquitude precisa negar o seu privilégio:


Essa autodefesa trabalha em vários níveis para: posicionar
a branquitude como moralmente superiores enquanto
obscurece onde estão localizados os seus poderes sociais;
culpar os outros com menos poder social pelo seu
(branquitude) desconforto; posicionar falsamente esse
desconforto como perigoso; e reinscrever imagens racistas.
Esse discurso de vitimização também permite que os
brancos evitem a responsabilidade pelo poder e privilégio
racial que exercem (DIANGELO, 2011, p. 64).
Do ponto de vista prático, a branquitude enfatiza que não está
vendo tais vantagens históricas, naturalizando a superioridade como
consequência do seu próprio esforço ou mérito (DIANGELO, 2011).
Entretanto, a meritocracia cai por terra dado que material e
simbolicamente a branquitude sair a frente de outros grupos étnicos,
pois além de ela ser a detentora da narrativa, é também quem
promove um sistema de sucessões para manter os recursos, além de
continuar as opressões.

3.6 O silêncio como sintoma da branquitude

“Em uma sociedade racista, não basta não ser racista, é


necessário ser antirracista.” (DAVIS, 2016, p.online), Embora a
filósofa Angela Davis tenha discorrido sobre a realidade americana,
onde houvera declaradamente guerra civil nos anos 60 em razão da
segregação racial, a reflexão é plenamente aproveitada para
pensarmos o Brasil enquanto projeto de País.

O conforto da branquitude assegura a sua imobilidade na


qual a inércia garante que ela não precise enfrentar o racismo
enquanto estrutura. Assim, DiAngelo fala sobre manter-se
racialmente confortável:
[...] Os brancos muitas vezes confundem conforto com
101

segurança e declaram que não se sentem seguros quando o


que realmente queremos dizer é que não se sentem
confortáveis. Isso trivializa nossa história de brutalidade
para com pessoas de cor e perverte a realidade dessa
história. Porque não pensamos complexamente sobre o
racismo, não nos perguntamos o que significa segurança de
uma posição de domínio social ou o impacto nas pessoas de
cor, dada a nossa história, enquanto brancos continuamos
reclamando de nossa segurança quando na verdade o
assunto é sobre racismo (DIANGELO, 2011, p. 61).
Como isso, a análise da inércia e o silêncio são basilares para
observar como processos os privilégios da branquitude se expressam.
Por essa razão, Silvio destaca:
Consciente de que o racismo é parte da estrutura social e,
por isso, não necessita de intenção para se manifestar, por
mais que calar-se diante do racismo não faça do indivíduo
moral e ou juridicamente culpado ou responsável,
certamente o silêncio o torna ética e politicamente
responsável pela manutenção do racismo. A mudança da
sociedade não se faz apenas com denúncias vazias ou
repúdio moral do racismo: depende, antes de tudo, da
tomada de posturas e adoção de práticas antirracistas
(ALMEIDA, 2018, p. 40).
De todo modo, parece haver uma mobilização, pela qual há
certa sinalização do reconhecimento dos efeitos perversos do silêncio,
pois durante os protestos foi possível ver muitos brancos nas ruas do
mundo inteiro gritando “Vidas negras importam” seguravam placas
com as seguintes frases: “é chegado o momento onde o silencio dos
brancos é traição”, “não falar de racismo é um privilégio”, “o silêncio
dos brancos é igual a violência” e “o silêncio dos brancos matam”,
etc. (POUJOULAT, et al, 2020).

Assim, a célebre frase do Dr. Martin Luther King (1963): “O


que me preocupa é o silêncio dos bons” parece estar no pano de
fundo das manifestações que ecoaram frases sobre o silêncio nas ruas
das principais capitais americanas e em várias capitais pelo mundo
que tomaram a cena pública em razão do mencionado episódio de
102

violência policial que ensejou no assassinato do americano George


Floyd.

O silêncio e a inércia compõem uns dos maiores benefícios


desse “pacote invisível de privilégios” da branquitude, pois não
precisar falar sobre raça e cor, bem como dos efeitos do racismo, por
estar na condição de racialmente universal, acaba por não se
responsabilizar em combater o racismo (DIANGELO, 2011).

Portanto, compreender a desigualdade estrutural requer


incluir na discussão a branquitude e os seus privilégios, onde uma
vez apreendidas essas dimensões estruturais mina-se a afirmação de
que privilégio é simplesmente um reflexo do trabalho duro e das
virtudes.

3.7 Antirracismo: da estrutura às ações individuais

De Luiz Gama e Esperança Garcia aos movimentos de


Direitos Civis, Silvio Almeida destaca o Direito utilizado como
ferramenta ao longo da história na luta antirracista havendo um
importante debate entre os juristas acerca da relação entre racismo,
direito e poder no que foi chamado de teoria crítica racial
(ALMEIDA, 2018).

Na conjuntura brasileira, a Constituição Federal de 1988, a Lei


n. 10.639 de 2003, o Estatuto de Igualdade Racial - Lei n. 12.288, de 20
de julho de 2010 e as leis de cotas raciais nas universidades federais e
nos concursos públicos, respectivamente, Lei n. 12.711 de 2012 e, Lei
n. 12.990 de2014, assim como a ADPF n. 186 e a ADI n. 41, são
importante marcos jurídicos encabeçados especialmente pelos
movimentos negros que criaram matriz legal ao antirracismo. Para o
intelectual os juristas que interseccionaram o direito com as relações
raciais foram capazes de:
Ao analisarem a relação entre racismo, direito e poder,
tomaram como pontos de partida, a crítica ao liberalismo e
103

à ideia de neutralidade racial e a crítica à predominância


teórica do eurocentrismo, inclusive nas práticas
pedagógicas, a narrativa de casos jurídicos de forma a
destacar a experiência racial – storytelling – crítica ao
essencialismo filosófico, o uso de interseccionalidade na
análise jurídica – consideração sobre questões de raça,
gênero, sexualidade e classe – e estudos sobre a formação
do privilegio social branco – braquitude ou branquidade
(ALMEIDA, 2018, p. 117).
Com efeito, para ser antirracista e pensar políticas a este
respeito necessário se faz compreender a dialética entre branquitude
e racismo sobre o que o historiador Lourenço Cardoso nomeou de
“branquitude crítica” (2008), ou seja, ser o sujeito no qual desaprova
tirar vantagens sistemáticas, onde há não só a discriminação direta -
aquela que promove o xingamento e humilhações, mas um sujeito
capaz de não compactuar com o racismo estrutural, de modo a
rechaçar a manutenção de seus privilégios trabalhando ativamente
para desatar esse sistema, pois compreendeu as diferenças desiguais
dos pontos de partida (DIANGELO, 2011).

Dessa forma, no movimento antirracista há uma relação entre


as ações individuais e coletivas, ou seja, as ações antirracistas
individuais contribuem para chacoalhar status quo como ensina
Djamila Ribeiro (2019). A revisão individual de cada sujeito
beneficiado por essa estrutura é fundamental, embora quem estude
o tema reconheça que essas ações, por si só, não sejam suficientes
para mudar o sistema sócio-jurídico instituído para manter brancos
perpetuamente no poder e na direção da humanidade (ALMEIDA,
2018).

Nessa esteira, Silvio Almeida (2018) alerta que o indivíduo o


qual se apresenta como antirracista não pode acocorar-se no
argumento do racismo estrutural como desculpa para não rever as
suas ações, pois a responsabilização é parte do processo. Em suas
palavras:
104

A ênfase da análise estrutural do racismo não exclui os


sujeitos racializados, mas os concebe como parte integrante
e ativa de um sistema que, ao mesmo tempo que torna
possíveis suas ações, é por eles criado e recreado a todo
momento. O propósito desse olhar mais complexo é afastar
análises superficiais ou reducionistas sobre a questão racial,
que além de não contribuírem para o entendimento do
problema, dificultam em muito o combate ao racismo
(ALMEIDA, 2018, p. 39).
Assim, não adianta uma pessoa branca reconhecer a
branquitude como real, mas não se reconhecer nas questões
individuais, localizando os problemas apenas “nas pessoas brancas
malvadas” (DIANGELO, 2011).

Nesse sentido:

Embora os esforços antirracistas busquem transformar


o racismo institucionalizado, a educação antirracista
pode ser mais eficaz iniciando no nível micro. O
objetivo é gerar o desenvolvimento de perspectivas e
habilidades que permitam a todas as pessoas,
independentemente da localização racial, serem
agentes da mudança. Já que todos os indivíduos que
vivem dentro de um sistema racista estão enredados
nessas relações, significa que todos são responsáveis
por perpetuar ou transformar esse sistema [...] o
racismo é, em última análise, um problema da
branquitude e o ônus de interrompê-lo pertence aos
brancos (DIANGELO, 2011, p. 66).
Assim, perceber a dialética entre as ações individuais e a
estrutura é uma forma de estar atento as camadas individual,
interpessoal, social e institucional, tanto do racismo, quanto do
antirracismo.

4 REFLEXÕES

Na clássica obra de Rousseau “O contrato Social” (2001) o


autor elucida que cada membro constitui parte indivisível do todo,
105

onde não há sociedade sem que esse pacto tenha sido previamente
estabelecido, de outra sorte, o contrato social se esvazia se os
interesses sociais estiverem prejudicados. Com efeito, os protestos
em massa em defesa das vidas negras mostram que somente a
iminência de um novo pacto social será capaz de desarticular o
establishment, à medida que a justiça e a paz social foram
organizadas apenas para atingir os interesses uma camada específica
da sociedade.

Nas cenas dos protestos, além da expressa reivindicação pela


quebra do contrato social tal como posto, o que mais chama atenção
para nós brasileiros que estamos ativamente envolvidos com a luta
antirracista é a quantidade de brancos que foram às ruas marchar ao
lado dos negros (POUJOULAT, et al, 2020).

Além do mais, o que começou pautado exclusivamente na


violência policial, aos poucos desencadeou outras discussões na
dimensão estrutural da “civilização”, já que esse modelo de
sociedade ocidental foi instituído a partir do olhar da branquitude
assim como Lia Vainer Schucman buscou mostrar em sua obra “Entre
o encardido, o branco e o branquíssimo” (2012). O escalonamento
desse movimento antirracista, hoje fixado na agenda global, tem feito
como que os países necessariamente revisitem o seu passado. À título
de exemplo, vimos a emblemáticas derrubadas por manifestantes da
estátua do escravocrata Edward Colston na Inglaterra, o qual embora
estive posto como um representante heroico da civilização
simbolicamente cravava o fantasma da colonização (OLUSOGA,
2020).

No Brasil, está em tramitação o Projeto de Lei Estadual nº 404


da deputada estadual Erika Malunguinho. A proposta legislativa
dispõe entre outras coisas que, àqueles que foram diretamente
escravocratas ou defensores da ordem escravagista não sejam
escolhidos como denominação de logradouros públicos, de prédios
106

estaduais, rodovias estaduais, locais públicos estaduais, edificação e


instalação de bustos, estátuas e monumentos por qualquer dos
Poderes no âmbito do Estado de São Paulo.

Além disso, de acordo com o texto do projeto de lei, a


propositura vem no sentido de que sejam removidos os monumentos
das vias públicas e armazenados em museus com as devidas
informações referentes ao período escravagista, ou quando
relacionados a denominação de logradouros que esses locais sofram
renomeação.

Em síntese, conforme extraído do texto, o projeto tem como


fundamento combater a violência simbólica em contraposição a sub-
representação de negros, o apagamento histórico e a inflação de
homenagens prestadas a escravocratas e defensores do regime que
perpetuaram a elaboração e difusão de teorias racistas em profunda
dissonância com o Estado Democrático de Direito, alavancando o
combate institucional ao racismo, dado que não houvera reparação
histórica a população negra.

Infelizmente, o enfrentamento aos privilégios e a participação


pública por parte da branquitude brasileira ainda é muito tímida no
tocante a participação na agenda antirracista. Por isso a importante
de discutir a temática no âmbito do domínio público e fixar marcos
jurídicos que combatam expressamente símbolos e manifestações
racistas como explica brilhantemente Silvio de Almeida em sua obra
sobre racismo estrutural (2018).

Vale lembrar que o Presidente Jair Bolsonaro no dia 29 de


maio de 2020, quando os protestos antirracistas americanos já haviam
começado, fez uma live com um copo de leite puro na mão e após
bebeu em frente às câmeras. Em análise ao caso, a linguista Luciene
de Paula e Ana Carolina Siani Lopes doutoranda também em
Linguagens pela UNESP ponderando o gesto no artigo “A eugenia
de Bolsonaro: Leitura bakhtiniana de um projeto de holocausto à
107

brasileira”. Ao longo do texto elas analisaram a ação que vem sendo


adotada por integrantes do governo como as Ministras Damares e
Tereza Cristina, elucidando a correlação direta com o movimento
neonazista que tem no leite o símbolo da “pureza”, da “brancura” e
dos Alt-rights dos extremistas brancos americanos (2020).

Símbolos como esse e o genocídio da população negra


denuncia como o projeto eugenista está mais vivo do que nunca
(PAULA; LOPES, 2020), muito embora negros e negras componham
a metade dessa população segundo dados de 2018 do IBGE.

Sobre esse ponto Achille Mbembe leciona:


[...] matar ou deixar viver constituem os limites da
soberania, seus atributos fundamentais. Exercitar a
soberania é exercer controle sobre a mortalidade e definir a
vida como a implantação e manifestação de poder (2016, p.
123).
Por isso a abreviação de vidas infanto-juvenis como a de João
Pedro, 14 anos, Ágatha Félix, 08 anos, Miguel, 05 anos e de cada um
dos jovens negros assassinados a cada 23 minutos no Brasil - segundo
dados do Mapa da Violência apresentados a Comissão Parlamentar
de Inquérito do Assassinato de Jovens - são observados com
passividade pela elite brasileira. “A família, tradicional, externaliza
seu racismo estrutural oculto ao “reprogramar”, perseguir ou
exterminar os negros” (PAULA; LOPES, 2020, p. 60).

Achille Mbembe menciona o aspecto territorial dessa


autorização para matar como uma forma de implementar a
segregação à moda do Estado do apartheid. Assim, os territórios
ocupados são divididos em uma rede complexa de fronteiras internas
e várias células isoladas, a fim de delimitar quem são os inimigos
internos, definindo quem importa e quem não importa, quem é
“descartável” e quem não é, relegando a esses “inimigos” o status de
sujeito. Para ele: “Realmente, do ponto de vista antropológico, o que
essas críticas discutem implicitamente é uma definição de política
108

como relação bélica por excelência” (p. 129, 2016).

Não à toa que em todos os protestos antirracistas dos países


mencionados, frases como “Vidas negras importam”, “Para de nos
matar”, e “Chega” (POUJOULAT, et al, 2020) foram utilizadas aos
gritos como palavras de ordem, ganhando uma proporção gigantesca
por causa do cansaço desse estado de exceção cuja violência policial
é institucionalizada e cotidiana, por isso, o estudo do silencia e da
inércia são tão fundamentais para falar sobre antirracismo.

Ao nosso leitor, fica o convite: Qual foi a primeira vez que


você pensou sobre a sua cor? Pensar na sua cor te causa ou causou
dor? Quantas pessoas negras você tem no seu ciclo social e em que
posição socioeconômica elas se encontram? Há pessoas negras nos
espaços que você frequenta (universidade, trabalho, organizações e
instituições)? Você se sente desconfortável quando o assunto é
racismo? Você costuma conversar com os seus amigos sobre assuntos
que envolva raça? Quando alguém faz uma piada de conotação
racista sobre o fenótipo ou posição social no seu ciclo de convívio
você se cala ou se posiciona? Você usa a sua voz para empoderar
pessoas que não são ouvidas? Você ainda entende que racismo é
sobre um sentimento individual de quem o sente na pele ou já
compreendeu que o racismo é um sistema de opressão que exclui
negros e negras dos processos decisórios da sociedade?

Como recomenda Djamila Ribeiro em seu Manual


Antirracista, ler autoras e autores negros, pesquisar quem já está
falando sobre o tema e, principalmente, não ficar em silêncio frente à
opressão são formas práticas de contribuir à luta antirracista (2019).
Acrescentaria usar a sua plataforma e redes sociais para procurar
influenciadores que tem criado conteúdos informativos sobre
antirracismo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
109

Não é novidade que o racismo atravessa marcadores sociais


relacionados à educação, ao saneamento básico, a riqueza, ao
encarceramento em massa, a violência, entre outros,e atingindo em
maior escala pessoas negras, razão pela qual a luta antirracista tem
como objetivo desmontar a escassez e encorajar o Brasil a sonhar de
novo, livre da culpa escravocrata presente nesse País,
desvencilhando-se de vez do berço colonial, o qual embora não tenha
segregado juridicamente negros e brancos, criou um apartheid social
flagrado pelo profundo buraco socioeconômico racializado.

Com efeito é fundamental que a lupa esteja também nos


fenômenos desencadeados pela branquitude, pois essa é um
dispositivo social estrutural na produção de desigualdades entre
brancos e não brancos no Brasil, além de impactar nos valores
estéticos e em outras condições cotidianas de vida, em que os sujeitos
brancos exercem posições de poder sem tomar consciência destes
hábitos racistas que perpassa toda a sociedade (SCHUCMAN, 2012).

Assim, se de um lado o racismo é um mecanismo de poder


penetrado nas instituições e na estrutura de um Estado, o
antirracismo é em último grau a aderência de uma visão que abomina
– mas não ignora - o racismo como parte da sua conjuntura político-
social.

Uma estrutura antirracista reconhece que o modelo vigente


falhou enquanto nação cujas utopias de avanço e progresso implicam
na adoção de medidas que vislumbrem a quebra desse paradigma.

Nesse sentido, a lógica perversa e implícita no imaginário da


sociedade brasileira sobre a questão racial que assistimos hoje guarda
origem. Entretanto, perpetuar essa linha divisória entre “nós e eles”
atrapalha o debate da luta antirracista como algo que finalmente nos
destina aos mesmos horizontes em termos de oportunidades,
crescimento econômico, acesso a ensino de qualidade, saúde,
diminuição brusca da violência dentre outras questões fundamentais.
110

Por essa razão, esse artigo procurou demonstrar a dialética


entre branquitude e racismo salientando o contexto de protestos
mundiais em defesa das vidas negras desencadeados pela morte de
George Floyd, jogando luz as questões relacionadas ao antirracismo,
não só através de políticas públicas, mas também ações individuais.

A vida é tão breve para você fechar os olhos às experiências


coletivas. Abra a janela da alma e escute com o coração, pois
contribuir à preservação e manutenção da vida é o maior ato de
antirracismo. O mundo sobre o qual estamos falando, não opera pelo
ódio e pela opressão, mas pelo amor e pela coletividade.

O antirracismo é sobre parear as lentes de quem vive


diretamente sobre a opressão e de quem já está farto de operar em
uma civilização sobre a qual a única alternativa é o ódio. É acima de
tudo sobre uma sociedade que amadureceu e exige que os pilares de
um novo modelo social sejam pautados no amor, no respeito e na
dignidade humana, pois quem opera na lógica antirracista entendeu
que a sobreposição de vidas e a indiferença são capazes de matar.

REFERÊNCIAS

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SCHUCMAN, L. V. Entre o “encardido”, o “branco” e o
“branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da
branquitude paulistana. Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo: São Paulo, 2012.
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 24.ed. São
Paulo: Cortez, 2018.
CAPÍTULO 5 │INCLUSÃO DE MULHERES ADVOGADAS
PRETAS NO MERCADO DE TRABALHO:
PESQUISAS, DESAFIOS, RESULTADOS

Alcione Cequeira Julian

RESUMO

Os objetivos gerais deste capítulo são definir as prioridades de


inclusão e diversidade, baseadas nas estratégias para o crescimento
profissional das mulheres advogadas pretas dentro do mercado de
trabalho. O contexto para o desenvolvimento partiu de identificação
das principais exclusões existentes, seja pelas desigualdades de
gênero, diversidade étnica, e desigualdades sociais, ou ainda pela
falta de qualificação profissional para o desempenho da mulher no
mercado de trabalho dentro da área jurídica. A questão
problematizadora para a construção deste capítulo: quais as origens
das diferentes formas de segmentação ocupacional no âmbito
jurídico? Seria proveniente das desigualdades, condições sociais,
preconceitos, discriminações, ou uma herança escravista? A
justificativa se encontra na necessidade de identificar o que impede
as advogadas pretas de atingir os altos escalões e cargos de liderança
nos escritórios jurídicos. A metodologia utilizada foi a abordagem
exploratória, de natureza qualitativa, para que sejam feitas análises
de textos diversos acerca dos elementos apresentados no tema. Com
base nos estudos anteriores e referencial teórico foi construída a
estrutura que indica aquilo que foi trazido para discussão, isto é, que
há uma estrutura excludente que se verifica na quantidade de
mulheres advogadas pretas nos cargos mais elevados dentro da
sociedade de advogados e, ou remunerações diferentes para
advogados e advogadas que ocupam posições semelhantes e, os
resultados obtidos apresentam as iniciativas formais voltadas para a
diversidade, promoção de profissionais, cursos de especialização,
empreendedorismo. Por fim as considerações finais refletem sobre as
barreiras construídas pelas estruturas do machismo e do racismo,
114

com a apresentação ao longo do capítulo, e como, sem estas, muitas


advogadas pretas poderão ascender em suas carreiras.

Palavras-chaves: EMPODERAMENTO. MERCADO DE


TRABALHO. ADVOGADAS PRETAS. AVANÇOS. DESAFIOS.

1 INTRODUÇÃO

A elaboração deste capítulo tem por finalidade a


identificação dos quadros de advogados em sua totalidade de
inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pelo
quantitativo de gênero e raça. Tal levantamento será necessário
para que seja demonstrada a tese inicial, isto é, a de que não há a
inclusão efetiva de advogadas pretas nos quadros jurídicos na
esfera nacional.

Para atender a demanda proposta, é necessária a


localização das informações divulgadas pelo Conselho Federal da
OAB dá conta de que as mulheres já somam quase 50% da
advocacia nacional, mas na realidade cotidiana, elas não estão
representada nos espaços de poder na mesma proporção, na
atuação, e representatividade dentro da OAB, e isto fica ainda
mais evidente no que diz respeito à advogada preta.

As análises dos dados possibilitarão uma melhor


compreensão e atuação em favor desta reivindicação, a saber,
dedicar esforços para propagar a participação plena e igualitária
de afrodescendentes em todos os aspectos jurídicos. Além disto,
permitirá a diminuição de problemas relacionados à questão de
gênero, precarização do trabalho, dificuldade no acesso a postos e
115

carreiras e a ascensão profissional.

Além dos pontos acenados, deve-se constatar-se a


relevância do quesito étnico em qualquer base cadastral com a
aprovação da legislação estadual paulista, Lei nº 16.758, de 08 de
junho de 2018, que torna obrigatória a informação sobre cor ou
identificação racial em todos os cadastros, bancos de dados e
registros de informações e assemelhados, públicos e privados, no
Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2018).

1.1 Objetivo Geral

O objetivo geral é definir as estratégias para o crescimento


profissional das mulheres advogadas pretas dentro do mercado de
trabalho, além de buscar medidas em prol da igualdade de gênero,
com o indicativo de avanço institucional, o intuito é aumentar o
número destas profissionais em escritórios de advocacia, assim
como a efetivação de direitos destas mulheres para que seja
ampliado o senso de justiça e equidade, para que assim possam
criar mecanismos para reduzir o preconceito no ambiente de
trabalho e valorizar as diferenças.

1.2 Objetivos específicos

1.2.1 Instituir grupos com intuito de desenvolverem Plano de


Ação que contemple medidas aptas a garantir inclusão e a
igualdade de oportunidades e de remuneração do grupo de
advogadas pretas e equidade de gênero, raça e etnia nas
relações de trabalho, tanto no acesso quanto no curso da
relação de emprego;
1.2.2 Divulgar suas ações afirmativas e política de diversidade
junto às empresas, escritórios, organizações, instituições e
associações, desde o estágio até o conclusão final do curso,
inclusive criando campanhas de conscientização, inclusão,
representatividade, com a divulgação do organograma
116

destas, para todos os trabalhadores, com informações de


raça/cor e gênero nos cargos, funções, gerências e diretorias.
1.2.3 Elaborar um censo com recorte de raça/cor e gênero, de
forma nacional com indicadores de gerência e diretorias,
possibilitando a criação de um observatório permanente,
transparente a todos os trabalhadores e trabalhadoras, para
ser utilizado como ferramenta para as tomadas de decisões
estratégicas de conscientização, qualificação, contratação e
ascensão profissional.
1.2.4 Sugerir à Ordem dos Advogados do Brasil âmbito Nacional
que incluam, nos seus respectivos exames, a disciplina
Direitos Humanos Fundamentais objetivando o respeito à
diversidade e tolerância de forma a contribuir para a
construção de um verdadeiro Estado Democrático de
Direito.

1.3 Pergunta problematizadora

Quais as origens das diferentes formas de segmentação


ocupacional no âmbito jurídico? Seriam provenientes das
desigualdades, condições sociais, preconceitos, discriminações, ou
uma herança escravista?

1.4 Justificativas

A exclusão das mulheres advogadas pretas atinge os altos


escalões das lideranças corporativas, existem poucas empresas
que contratam mulheres advogadas pretas, para ocuparem altos
cargos, sejam nos pequenos escritórios, ou grandes corporações,
ou dentro dos departamentos jurídicos das empresas.

Este capítulo, vai apontar as principais causas desse baixo


nível de ascensão, de advogadas pretas nos escritórios de
advocacia, a reprodução de uma ordem hierárquica, não se
traduziu em iguais oportunidades de crescimento profissional nas
sociedades.
117

Algumas sociedades de advogados costumam preferir


contratar jovens homens estudantes de Direito, como estagiários,
mesmo existindo um enorme contingente de advogadas pretas em
busca de oportunidades, e estes justificam tal postura com a ideia
de esperar que alguns deles desenvolvam suas carreiras dentro do
escritório, sistema que denominam de “crescimento orgânico”, o
que costuma garantir que o profissional aprenda o modo de
operar o direito e, principalmente, a cultura organizacional.

2 METODOLOGIA

A metodologia é de caráter exploratória e qualitativa com


base na correlação entre diversidade étnica e de gênero e a
remuneração financeira, exploratória e investigativa, baseadas nos
dados estatísticos, percepção a partir da pesquisa a ser realizadas
no capítulo (SEVERINO, 2018.

Com base nos capítulos publicados e usados é possível


apontar um caminho traçado pelas mulheres pretas e advogadas
ao longo da história para ocupação de cargos dentro dos
escritórios, mas que são desvirtuados para sua desvalorização e
classificação como mão de obra não qualificada.

Buscando apontar as causas do problema acima exposto, e


para tal, servirá de base à fundamentação teórica, pesquisa
bibliográfica feita, e sua importância em relação ao trabalho,
autores e quais ideias serviram de reforço para o tema escolhido.

3 REFERENCIAL TEÓRICO

A construção deste tópico será feita com vistas a levantar


informações que corroborem com elementos fundamentais para
que se obtenha melhor compreensão sobre o problema que se
pretende discutir. Para atender a esta demanda, ele será dividido
118

em alguns subtópicos. Os temas que serão desenvolvidos a seguir,


trarão demonstrações sobre a exclusão das advogadas pretas e,
além disto, apresentarão referenciais que promovem a ascensão
destas mulheres.

3.1 Empoderamento

Nos quadros da Ordem dos advogados do Brasil possui a


classificação somente de gênero, inscritas nos quadros, são
advogadas femininas são 598.382, e advogados masculinos
603.409 inscritos. Verifica-se que o órgão nunca teve uma
presidenta no âmbito federal da ordem dos advogados do Brasil
(OAB). Dentro da instituição constata a participação da mulher na
OAB, dentro das Comissões da Mulher advogada, que são
maioria.

Quando é feita uma análise histórica, vê- se que o Decreto


n. 181 de 1890, previa o domínio dos homens sobre as mulheres, a
cultura do patriarcado, prenominava naquela época, mas hoje
ainda possui a cultura do machismo.

Vê-se que há a predominância dos homens brancos dentro


da organização, pois o único homem negro a assumir
interinamente a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil,
entre 1940-1941, durante o afastamento do presidente Noé
Azevedo, passados mais de 80 (oitenta) anos nenhum outro preto
ou preta assumiu a presidência ou vice-presidência isso dentro da
OAB em São Paulo.

No ano de 2015 foi criado o Plano de Valorização da


Mulher Advogada (Provimento n. 164), ocorreu uma série de
diretrizes, dentre as mais polêmicas é a cota de 30% para as
mulheres nas Comissões da OAB:
119

I - a educação jurídica; II - a defesa das prerrogativas das


mulheres advogadas; III - a elaboração de propostas que
apoiem a mulher no exercício da advocacia; IV - a
implementação de condições diferenciadas nos serviços
prestados pela Caixa de Assistência dos Advogados, que
atendam a necessidades específicas da mulher advogada; V
- a promoção de diálogo com as instituições, visando
humanizar as estruturas judiciárias voltadas às advogadas;
VI - a construção de uma pauta de apoio à mulher na
sociedade, tendo como focos principais: a) a igualdade de
gêneros e a participação das mulheres nos espaços de poder;
b) o combate à violência doméstica, incluindo assistência às
vítimas; c) o apoio a projetos de combate ao feminicídio e a
outras violências contra a mulher; d) a defesa humanitária
das mulheres encarceradas; e) a defesa e a valorização das
mulheres trabalhadoras rurais e urbanas; f) a defesa e a
valorização das mulheres indígenas; g) o combate ao
racismo e à violência contra as mulheres negras; h) o
enfrentamento ao tráfico de mulheres; i) a mobilização
contra a banalização da imagem da mulher na mídia
publicitária. VII - a criação de mecanismos para a realização
do censo destinado à construção do perfil da mulher
advogada no Brasil e por regiões; VIII - a publicação
periódica de pesquisas e artigos por meio da OAB Editora,
tendo como tema principal a mulher e sua realidade social
e profissional; IX - a criação de manuais de orientação que
envolvam os principais temas relacionados aos direitos das
mulheres e à igualdade de gênero; X - o apoio à capacitação
da mulher advogada por meio de cursos da Escola Nacional
de Advocacia - ENA e das Escolas Superiores de Advocacia
- ESAs; XI - o monitoramento destinado a realizar a criação
e o funcionamento das Comissões da Mulher Advogada, a
título permanente, em todas as Seccionais e Subseções; XII -
a sensibilização e a implementação de estratégias para
ampliação da participação das mulheres advogadas nas
decisões das Seccionais e das Subseções; XIII - uma política
de concessão de benefícios próprios à mulher advogada,
particularmente em relação às mães, a ser praticada pelo
Conselho Federal, pelos Conselhos Seccionais e pelas
Caixas de Assistência dos Advogados de todos os Estados;
XIV - a realização de uma Conferência Nacional da Mulher
Advogada, em cada mandato; XV - valor diferenciado, para
menor, ou isenção na cobrança da anuidade da mãe no ano
120

do parto ou da adoção, ou no caso da gestação não levada a


termo, preferencialmente na forma de devolução pela Caixa
de Assistência dos Advogados, a critério de cada Seccional;
XVI - a presença, em todas as comissões da OAB, de no
mínimo 30% (trinta por cento) e no máximo 70% (setenta
por cento) de membros de cada sexo.
Na II Conferência Nacional da mulher advogada de 2016
realizado em Belo Horizonte – Minas Gerais estabeleceu-se uma
carta de intensões. Os participantes estiveram nos dias 28 e 29 de
novembro de 2016, considerando a função institucional da Ordem
dos Advogados do Brasil na luta pela efetivação da equidade de
gênero e respeito às diversidades e eliminação de todas as formas
de discriminação e violência e a promover a igualdade entre
homens e mulheres, reafirmando o papel essencial das mulheres
advogadas na concretização do Estado Democrático de Direito,
propôs-se as seguintes ações:
1 - Manifestar-se contrariamente a qualquer reforma, de
natureza trabalhista ou previdenciária, que agrave a
desigualdade de gênero, ou gere retrocesso quanto aos
direitos já conquistados; 2 - Incentivar a efetiva participação
da mulher advogada no cenário político partidário; 3 -
Acompanhar os projetos de lei relacionados ao
enfrentamento da violência contra as mulheres que
tramitam no Congresso Nacional; 4 - Garantir a efetiva
implementação da Lei n. 13.363 de 2016, Altera a Lei n.
8.906, de 4 de julho de 1994, e a Lei n. 13.105, de 16 de março
de 2015 (Código de Processo Civil), para estipular direitos e
garantias para a advogada gestante, lactante, adotante ou
que der à luz e para o advogado que se tornar pai. 5 -
Incentivar a participação das mulheres advogadas no
“Movimento Mais Mulheres na OAB” como forma de
fortalecer o protagonismo das mulheres no cenário político
institucional no sistema OAB; 6 - Apoiar e incentivar o
“Movimento Mais Mulheres na OAB” a fim de
proporcionar condições reais para a equidade de gênero no
sistema OAB;7 - Garantir maior espaço aos debates sobre a
igualdade de gênero e à participação das mulheres na
Conferência Nacional da Advocacia, bem como garantir
aplicação do percentual de, no mínimo, 30% no número de
121

palestrantes; 8 - Pugnar pela proteção dos direitos e


prerrogativas da mulher advogada, no exercício
profissional, nos departamentos jurídicos, públicos e
privados; 9 - Pugnar por honorários dignos para a mulher
advogada. 10 - Intensificar por meio da Comissão Nacional
da Mulher Advogada a integração das Comissões
Seccionais; 11 - Garantir o exercício da Advocacia, em
igualdade de condições para todas as mulheres, levando em
consideração suas diversidades: jovens, idosas, negras,
indígenas, quilombolas, deficientes, e, em qualquer outra
situação de vulnerabilidade; 12 - Promover capacitações,
por meio de cursos da ENA e ESAs, em parceria com as
Comissões Estaduais da Mulher Advogada, principalmente
quanto às questões de gênero, as inovações no processo civil
e mecanismos de solução consensual de conflitos; 13 -
Promover o conhecimento do caráter multidisciplinar da
Lei Maria da Penha, pugnando pela sua efetiva
implementação junto à rede de enfrentamento a violência
contra a mulher, especialmente junto a Advocacia; 14 -
Apoiar projetos de enfrentamento à violência de todas as
formas contra a mulher; 15 - Incentivar a participação da
Mulher Advogada no esporte; 16 - Pugnar pela atitude ética
da imprensa nacional em relação à mulher vítima de
violência, em especial quanto ao feminicídio; 17 - Pugnar
pela alteração da nomenclatura da Ordem dos Advogados
do Brasil para Ordem da Advocacia do Brasil, e que nas
identidades das advogadas seja observada a flexão de
gênero.
Na III Conferência Nacional da Mulher advogada de 2020,
em Fortaleza - Ceará foi escrito uma carta de intensões, os
participantes estiveram nos dias 05 e 06 março de 2020,
conclamaram as advogadas e os advogados e todo o conjunto
diretivo do Sistema OAB, para que se possa fortalecer, com
equidade, a cidadania e a advocacia, concretizando os ditames
constitucionais do Estado Democrático de Direito, especialmente,
em relação às seguintes medidas:
1 - Garantir a efetividade das prerrogativas da mulher
advogada viabilizando estratégias para a sua
implementação; 2 – Promover uma proposta de alteração
122

legislativa para que a suspensão do prazo processual para a


mulher advogada, quando seja a única advogada no
processo, a partir do parto ou adoção seja aumentado de 30
dias para 120 dias; 3 – O estabelecimento da obrigatoriedade
de que as Comissões da Mulher Advogada sejam ouvidas
nos processos das Câmaras de Prerrogativas quando a
violação versar sobre gênero; 4- Estimular a efetiva
participação da mulher advogada no sistema OAB,
fortalecendo o protagonismo das mulheres no cenário
político institucional da entidade; 5 – Alteração das normas
relativas ao processo eleitoral da Ordem dos Advogados do
Brasil, prevista no art. 131 do seu Regulamento Geral, para
que 30% das vagas em Diretorias de Seccionais e do
Conselho Federal, reservadas para advogadas seja apurado
para mais e não para menos, isto é, que passem a ser duas
vagas a serem preenchidas por mulheres e não apenas uma,
como vigente atualmente; 6 – Adoção da obrigatoriedade de
paridade nas chapas para eleições das Seccionais, incluindo
paridade nas vagas ao Conselho Federal, aplicando-se a
mesma regra nas vagas de titulares e suplentes; 7 - Criação
de benefício a ser concedido pelas Caixas de Assistência
para as advogadas em situação de violência e
vulnerabilidade; 8 - Elaborar pesquisas para conhecimento
do perfil da mulher advogada, inclusive com recorte de raça
e outras interseccionalidades; 9 - Garantir a participação no
sistema OAB para a mulher advogada, levando em
consideração suas diversidades: jovens, idosas, negras,
indígenas, pessoas com deficiência e outras; 10 –
Obrigatoriedade da inclusão no requerimento da inscrição
do bacharel em Direito nos quadros da OAB da
autodeclaração de raça; 11 - Inclusão de advogadas negras
proporcionalmente ao quadro de inscritas das respectivas
Seccionais; 12 - Promoção de campanha de combate ao
assédio sexual em parceria com a Comissão Nacional de
Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia e
Comissão Nacional da Jovem Advocacia; 13 - Promover
capacitações e sensibilização da advocacia, por meio de
cursos, seminários, publicações, em parceria com as
Comissões Estaduais da Mulher, em cursos de ingresso e
formação continuada, especialmente quanto às questões de
violência de gênero e sua invisibilidade nas ações de
família, assistência jurídica às vítimas de violência e
mecanismos de solução consensual de conflitos; 14 -
123

Acompanhar os projetos de lei relacionados aos direitos das


mulheres e da mulher advogada que tramitam no
Congresso Nacional e acompanhar as políticas públicas de
prevenção, assistência à mulher em situação de violência. 15
- Promover e participar das campanhas de ampliação e
fortalecimento do protagonismo das mulheres no cenário
político partidário; 16 - Apoio a projetos lei que prevejam a
equiparação da licença paternidade à licença maternidade
nos casos de casais homoafetivos e mulheres trans; 17 -
Apoiar projetos de enfrentamento a todas as formas de
discriminação e violência contra a mulher; 18 - Pugnar pela
atitude ética da mídia em relação à mulher, em especial
quanto ao feminicídio; 19 - Promover a alteração da
nomenclatura da Ordem dos Advogados do Brasil para
Ordem da Advocacia do Brasil.
Verifica-se acima que várias reivindicações efetuadas nas
conferências da mulher advogada, é essencial para a inclusão, a
luta das mulheres advogadas e das mulheres pretas dentro da
sociedade é uma luta de todas.

Com as conferências realizadas, as vozes de muitas


mulheres pretas foram ouvidas, ou seja: dignidade no exercício da
profissão, prerrogativas profissionais respeitadas, exercer
profissão sem sofrer assédio, sem serem vítimas de preconceito e
machismo, sem serem subestimadas na capacidade e competência.

3.2 Mercado de Trabalho

Além das questões de igualdade entre homens e mulheres


na advocacia, e isto não é apenas no âmbito salarial, há diversos
elementos que devem ser estudados acerca deste tema, pois são
extremamente complexas, tais como a inferiorização de mulheres
pretas, exclusão e todos os traumas causados por estas ações.

Conforme ressalta a Dra. Daniela Gusmão presidente da


comissão da mulher advogada em 2016:
A sociedade se utiliza da nossa franqueza e coragem, mas
124

não vê nisso algo merecedor de crédito para subirmos. Em


um escritório de advocacia, você percebe isso claramente:
na hora que queriam que você fosse amigo do cliente diziam
para ir lá e almoçar com ele, porque você é despachada e tal,
mas na hora da remuneração, afirmam 'vamos colocar
aquele menino, que tem a postura de advogado'. Isso é algo
que quem está na liderança tem que perceber (SOUZA,
2016, p. online).
Vários avanços aconteceram em favor da mulher
advogada, a Lei nº 13.363/2016 trouxe benefícios significativos,
especialmente por suspender os prazos processuais por 30 dias a
partir do nascimento dos filhos da advogada ou da adoção feita
por ela (BRASIL, 2016, p. online).

Mesmo com iniciativas, e leis, o exercício profissional da


advocacia preta, deve ocorrer através da desconstrução do
racismo estrutural, a participação das advogadas pretas no
sistema OAB e a adoção de políticas afirmativas de inclusão e
representatividade.

Conforme registros da Ordem dos Advogados do Brasil


são 1.247.678 advogados no país, sendo que o contingente
feminino corresponde a 48,9%, o que é uma grande conquista
tendo em vista o período não tão distante da realidade intelectual
e política ser um privilégio dos homens. Tal crescente pode ser
atribuído à luta de décadas que ainda perdura pela igualdade de
gênero.

Com o capítulo, pode-se verificar que são poucas doutrinas


relacionadas aos temas das mulheres advogadas e pretas neste
mercado de trabalho. Apesar da ausência de paridade étnico-
racial, o plano nacional de valorização da mulher advogada, a
temática racial tem sido disputada dentro e fora da Ordem dos
Advogados do Brasil.

O combate ao racismo também tem sido pautado


internamente, contudo, há carência de efetividade aos programas
125

e normativas, iniciando por confrontar o racismo e promover a


inclusão dentro de sua própria instituição, reconhecendo a
existência étnico-racial nos seus quadros e criando políticas que
efetivem a atuação da advocacia negra, com especial atenção às
advogadas pretas.

De acordo com uma pesquisa realizada pelo IBGE, foi entre


os anos 2003 e 2010, a partir do governo PT, a participação de
negros, nos quadros funcionais, aumentou de 23,4% para 31,1%.
Já nos cargos de supervisão, a evolução foi de 13,5% para 25,6%.
Já no âmbito gerencial, a participação subiu de 8,8% para 13,2%.
No setor dos executivos, a proporção variou de 2,6% para 5,3%
(INSTITUTO ETHOS).

Mas, no que tange aos salários, um homem preto ganha


30% menos do que um branco para executar as mesmas tarefas. As
mulheres pretas são ainda mais discriminadas no mercado de
trabalho. No ano de 2007, as mulheres brancas ganhavam, em
média, 62,3% do que ganhavam homens brancos, as mulheres
pretas ganhavam apenas 34%.

O gráfico, disponibilizado pelo Censo Jurídico de 2018,


demonstra o que foi informado, o índice de cargos elevados para
as advogadas pretas, nem aparece no gráfico, à falta de acesso aos
escritórios é a menor quantidade de pretas contratadas por meio
de programas de estágio. Pouco mais de 20% entraram nas bancas
após o processo seletivo de estudantes, onde estão estas
advogadas que estagiaram nos escritórios? A taxa para os brancos
é sempre superior, verifica-se que é preciso melhorar o processo
de recrutamento dos escritórios, ou seja, com a busca ativa por
essas advogadas e até mesmo parcerias com coletivos pretas em
universidades, faculdades.
126

Gráfico 1 – Censo Jurídico

Fonte: Censo Jurídico (2018)


Advogados negros representam menos de 1% do corpo
jurídico de nove das maiores bancas do país. A conclusão é do
Censo Jurídico 2018, de autoria do Centro de Estudos das Relações
de Trabalho e Desigualdades (CEERT).

A pesquisa foi feita em parceria com a Aliança Jurídica pela


Equidade Racial e a FGV Direito SP, que tem como objetivo de
aumentar a diversidade racial no mercado da advocacia e é
formada pelos escritórios: Trench Rossi, Tozzini Freire, Mattos
Filho, BMA, Demarest, Lefosse, Pinheiro Neto, Veirano e Machado
Meyer.

De acordo com a pesquisa, somente 19% de todos os


funcionários dos escritórios são negros. As mulheres e homens
negros representam 10% e 9%, respectivamente, do total de
trabalhadores das empresas. A pesquisa também concluiu que
11% dos funcionários brancos nas bancas são sócios. Quanto aos
negros, não há uma quantidade significativa de sócios, nem de
advogado sênior, pleno ou sequer de júnior.
127

Gráfico 2 - Trabalhadores

Fonte: Censo Jurídico (2018)


Segundo o quadro acima, o número mostra que parte
significativa, quase um quarto das respondentes da pesquisa, tem
boa formação profissional. Além da remuneração e escolaridade,
o estudo indica que os negros gastam mais tempo se locomovendo
ao local de trabalho. Mais de 40% deles gastam até duas horas para
chegar ao escritório, enquanto a maioria dos brancos gasta no
máximo 30 minutos.

Após a proclamação pela Organização das Nações Unidas


(ONU) da Década Internacional de Afrodescendentes (2015 a
2024), que tem como tema “Povos Afrodescendentes:
reconhecimento, justiça e desenvolvimento”. Essa iniciativa da
ONU conclama a todos para envidar esforços para participação
plena e igualitária de afrodescendentes em todos os aspectos da
sociedade. O Livro da vida de Lélia Gonzalez descreve esta
situação: “Afirmação e reconhecimento fazem parte de um jogo de
espelhos entre pessoas negras em processo de construção de sua
identidade racial” (RIOS e RATTS, 2010, p. 70).
128

3.3 Advogadas Pretas: Avanços. Desafios

Ocorrem mudanças significativas quanto os avanços, no


entanto, o número é baixíssimo, a população marginalizada pela
ausência de políticas públicas, a deslegitimação das políticas de
inclusão.

A sub-representatividade de negros no universo jurídico é


gigantesca, em 2015 a população brasileira com 54% se
autodeclarou parda ou negra, mais do que a proporção de brancos,
que é de 45,2%, entretanto, no Poder Judiciário, apenas 15% dos
servidores e magistrados são pardos ou pretos, segundo censo
realizado em 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça (OTONI,
2018).

Entre as mulheres magistradas, 1,5% se consideravam


preta e 12,7%, pardas. Dois anos depois da realização deste Censo,
o Conselho Nacional Justiça (CNJ) editou a Resolução 203,
determinando, no âmbito do Poder Judiciário, reserva aos negros
de 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para
provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura
(BRASIL, 2015).

Nos escritórios de advocacia o percentual é ainda mais


desigual, ou seja, menos de 1% dos cargos dos mais de mil
escritórios que compõem o Centro de Estudos de Sociedades de
Advogados (CESA) são preenchidos por sócios, advogados ou
estagiários negros, de acordo com estimativa da entidade.

E, quando já inserida dentro do campo profissional, em


muitos escritórios ou empresas depara-se dentro dos setores a
existência de uma única mulher advogada preta, e acontecem, as
comparações, e os olhares, o discurso da meritocracia ou alegarem
vitimismo diante de situações racistas vivenciadas nesse
ambiente.
129

Outro fato muito importante são as universidades, quando


ocorrem a formação dos acadêmicos de direito, verifica-se que são
poucas pessoas da etnia preta se formam, e as matérias
relacionadas nas grades do curso, não existem dentro dos cursos,
como matéria obrigatória para conclusão dos cursos, questões
raciais, questões sobre a igualdade de gênero, precisam ser
discutidos e debatidos em todos os cursos de direito.

Para que tais mudanças ocorram de forma mais efetiva, é


preciso ocorrer a representatividade da mulher advogada preta,
nestes espaços, com a propagação de suas ações, com o intuito de
promover seus rostos pretos nas campanhas publicitárias em
especial dentro das organizações privadas, e públicas.

Propagar incentivos para que a advogada preta também


seja empreendedora, que o empreendedor contrate advogadas
pretas para formar o seu quadro de funcionários, assim como,
dentro do setor público, que os cargos comissionados tenham mais
representatividade etnia pretas nos seus mais diversos setores,
que ocorram mais concursos públicos na área jurídica, para que
muitas advogadas possam exercer outras funções, como
procuradora, promotoras e juízas.

O mês de agosto é considerado o mês da advocacia e no


ano de 2020, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu
comemorar promovendo a representatividade, lançando uma
campanha em defesa das prerrogativas das mulheres pretas
advogadas. O objetivo da ação foi ampliar o debate sobre a
importância da diversidade nas instituições, com isso a OAB
pretendeu lançar luz para a luta das advogadas e mulheres pretas
na advocacia e na sociedade brasileira.
130

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com isso, concluímos que a população preta ainda


enfrenta o racismo e o machismo no mercado de trabalho, as
mulheres pretas ainda ocupam, em sua maioria, nos serviços de
limpeza, segurança, serviço de copa, construção civil, muito na
informalidade.

O Instituto Ethos, denuncia que apenas 1,6% da gerência e


0,4% do quadro executivo das empresas com maior destaque
nacional são compostos por mulheres pretas, no trabalho
terceirizado seguem maioria.

No Sindilimpeza, 80% da categoria de asseio e conservação


é composta por mulheres, sendo 90% delas mulheres pretas ou
pardas, sempre ‘escolhidas’ para as atividades mais precárias
(COUTINHO, 2020).

E quando são advogadas, formadas, com pós graduação, a


inclusão delas no mercado de trabalho ainda é um desafio, sendo
um reflexo do passado escravocrata e do racismo estrutural.

Diante de todas essas situações, constatar que o mundo dos


negócios ainda é completamente dominado pelos homens (e
brancos, ressalte-se), de modo que uma das dificuldades das
mulheres pretas enfrentam é a prova da sua capacidade, por ser
mulher, por ser advogada, por ser preta, em vista que o machismo
e o conservadorismo impera, no sentido de suportarmos algumas
pressões profissionais e situações de discriminações.

Assim, a inclusão e a permanência dos talentos das


mulheres e advogadas pretas com suas habilidades, experiências,
é um processo primitivo, que as instituições representativas
precisam dar mais atenção, às ações intencionais e políticas
deliberadas que criem oportunidades reais de inserção e inclusão
destas mulheres.
131

Alterações nas estruturas do poder jurídico serão positivas


em todos os âmbitos da vida dessas advogadas pretas, pois são
profissionais capacitadas e com um ótimo currículo, e
consequentemente, poderão combater as desigualdades, a
estrutura socioeconômica e cultural do país. Com estas e outras
ações, elas darão um passo significativo rumo ao tão sonhado
desenvolvimento sustentável e à efetivação da cidadania, com
oportunidade para advogadas pretas.

REFERÊNCIA

ALIANÇA Jurídica pela Equidade Racial e a FGV Direito SP. CEERT


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equidade-racial e https://www.jota.info/pesquisa-
empirica/negros-maiores-escritorios-21032019. Acesso em 18 set.
2020.
BENEDITO, A.; BERTOLIN, P. T. M.. UNIVERSIDADE
PRESBITERIANA MACKENZIE Programa de Pós-Graduação em
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trabalho da mulher negra: superando obstáculos por meio do
trabalho decente. 2008. 149 f. Dissertação de Mestrado - Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008.
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BRASIL. Resolução n. 203 de 23 junho de 2015. CNJ. Disponível
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2020.
132

COUTINHO. R. Terceirização tem “cara”: é preta e feminina.


Trabalho precário tem destino,setor, atividade, mas, antes disso tem
raça e gênero. Disponível: em https://www.geledes.org.br/. Acesso
em 20 ago. 2020.
COUTINHO, R. Terceirização tem ‘cara’: é preta e feminina. Carta
Capital. 17 ago. 2020. Disponível em:
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DEL PRIORE, M. (org.). História das mulheres no Brasil. 9. ed. São
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133

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2016.
CAPÍTULO 6 │DESENVOLVIMENTO SOCIORRACIAL
DA MULHER NEGRA EM FACE DA
INTERSECCIONALIDADES DE
IDENTIDADE

Marina dos Santos Martins Camargo

RESUMO

Este capítulo tem por objetivo tratar da história, lutas, conquistas e


desafios no desenvolvimento da mulher negra na sociedade
brasileira, em face de sua interseccionalidade. Trata-se de uma
pesquisa bibliográfica combinada com pesquisas de dados e
estatísticas, por este motivo, a metodologia aplicada será a
qualiquantitativa. A Teoria Interseccional diz respeito ao estudo da
sobreposição das identidades sociais e sistemas correlacionados de
opressão, dominação e/ou discriminação. A interseccionalidade
entre os grupos sociais oprimidos de gênero e raça, quando se
intercruzam, faz surgir diferentes realidades, questões e
problemáticas. Por este motivo, dentro de um movimento feminista,
as pautas das mulheres negras devem ser tratadas de maneira
apartada pois são diferentes das pautas das mulheres brancas,
indígenas e estrangeiras. No Brasil, as mulheres feministas têm como
objetivo central resistir ao sistema machista e patriarcal das
comunidades por todo o país, ao mesmo tempo que buscam seus
espaços que lhes são de direito. Todavia, há de se considerar que o
contexto histórico do país apresenta uma pluralidade de mulheres,
sendo assim há, portanto, uma pluralidade de questões de variados
setores (economia, política, social, jurídica), e este artigo justifica-se
por avaliar toda essa realidade de forma teórica e prática. Assim
sendo, os resultados esperados evidenciam a indubitável
desigualdade racial e social presente na vida da mulher negra
brasileira, desconstruindo referenciais teóricos como a Teoria da
Democracia Racial e a hiperssexualização destes corpos, na busca do
reconhecimento de sua humanidade e identidade.
136

Palavras-chave: SOCIEDADE. FEMINISMO NEGRO.


INTERSECCIONALIDADES. DESENVOLVIMENTO
SOCIORRACIAL. DEMOCRACIA RACIAL.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo busca dar foco e ênfase nos desafios enfrentados


pela mulher afrobrasileira, desde o Período Colonial até a atualidade.
Neste lapso temporal, quanto nossa sociedade já não mudou? Quanto
as visões dos sujeitos dessa sociedade já não mudaram: regrediram
ou avançaram?

Mesmo com muitos avanços tecnológicos, por exemplo, o país


fica a desejar quanto aos avanços sociorraciais, aqueles que pessoas
pobres e negras veem lentamente. E, em se tratando de pessoas que
além de pobres, são negras, a evolução caminha ainda mais
vagarosamente, pois independentemente de tecnologias, políticas e
ideologias, a interseccionalidade continua marcada. Como bem
explicita Sueli Carneiro, filósofa, escritora e ativista antirracismo do
movimento social negro brasileiro:
Somos seres humanos como os demais, com diversas visões
políticas e ideológicas. Eu, por exemplo, entre esquerda e
direita, continuo sendo preta (OTEMPO, 2013, p.online).
Contudo, não se pode desprezar as grandiosas e valorosas
melhorias nestes grupos sociais trazidas com estudos, debates,
reflexões e ações da população civil e intelectuais nacionais e
internacionais, a exemplo das pessoas que serão citadas ao longo
deste artigo, como Aqualtune, Sanité Bélair (1781 - 1802), Sojourner
137

Truth (1797-1883), Harriet Tubman (1822 - 1913), Luísa Mahin,


Dandara dos Palmares, Simone de Beauvoir (1908-1986), Audre
Lorde (1934 – 1992), Lélia Gonzalez (1935-1994), Angela Davis (1944),
Patricia Hill Collins (1948), Sueli Carneiro (1950), Gloria Jean
Watkins, pseudônimo bell hooks (1952), Jurema Werneck, Grada
Kilomba (1968), Djamila Ribeiro (1980), Carla Akotirene, entre outras
e outros.

Assim, este artigo, visando à exposição das reflexões e das


perspectivas dos autores supramencionados, é organizado em 3
partes principais: a presente introdução, na qual se expõem os
objetivos, a questão problematizadora, as justificativas e a
metodologia empregada – que no caso, é a qualiquantitativa
descritiva –; em seguida, haverá uma revisão de estudos realizados
anteriormente a este artigo, bem como a apresentação de referenciais
teóricos, conceitos e fundamentos. Por fim, o artigo se completa com
a apresentação das considerações finais.

1.1 Objetivo geral

O objetivo deste capítulo é analisar todas as formas de


desenvolvimento da mulher negra na sociedade brasileira, tanto por
ações internas/próprias quanto por ações externas.

1.2 Objetivos específicos

a) Analisar as questões semelhantes e dessemelhantes que


versam sobre as mulheres brancas e negras, trabalhando a equidade
racial e de gênero;
b) Identificar os meios utilizados pela mulher negra em busca
da efetividade de seus direitos;
c) Levantar ideias objetivas e progressistas que têm como foco
principal reduzir as desigualdades raciais e de gênero.
138

1.3 Questão problematizadora

Quais são os desafios enfrentados pela mulher negra


brasileira frente às discriminações históricas ainda presentes no país?

1.4 Justificativas

Considera-se este capítulo uma pesquisa atual de total


relevância e contribuição à sociedade, haja vista seu atendimento a
diversificados setores. Etnicamente, expõe as discriminações e
preconceitos históricos enfrentados pela mulher negra, além de suas
vitórias e desafios, marcas inapagáveis pelo tempo, mas que podem
ser utilizadas para incentivar e fortalecer a negritude. Socialmente,
abrange-se as dificuldades históricas que as mulheres enfrentam em
um país machista e inseguro, com recorte específico das mulheres
negras, as quais sofrem um processo de desumanização devido à
recorrente hiperssexualização.

Ademais, este capítulo é de grande importância contributiva


quando debatido dentro de instituições de ensino. Temas que
torneiam debates trazidos por grupos oprimidos histórico-
socialmente, podem e devem ser objetos de estudos em redes de
ensino, bem como para o estudo fora das redes.

2 METODOLOGIA

Este artigo é conduzido de acordo com a abordagem


descritiva, de natureza qualiquantitativa, com foco nos
procedimentos bibliográficos relacionados ao tema proposto,
considerando principalmente literatura, artigos, dados e estatísticas
desde o período colonial brasileiro até os dias atuais.

O artigo tem como fundamento manifestações bibliográficas,


virtuais ou orais – recolhidas de vídeos – de intelectuais renomadas,
como as autoras Lélia Gonzalez, Angela Davis, Patricia Hill Collins,
139

Sueli Carneiro, Grada Kilomba, Djamila Ribeiro, entre outras. Além


disso, há também a utilização de informações estatísticas a partir de
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), dentre outros.

3 FUNDAMENTOS

A população negra, hoje, no Brasil, corresponde a 56,1% do


total, segundo o IBGE (AFONSO, 2019). Neste grupo, as mulheres
negras são maioria e representam, não coincidentemente, a base da
pirâmide social. Conforme o pensamento da professora e filósofa
socialista estadunidense Angela Davis:
Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da
sociedade se movimenta com ela, porque tudo é
desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se
encontram as mulheres negras, muda-se a base do
capitalismo (ALVES, 2017, p.online)
Nesta esteira, a escritora e intelectual política Carla Akotirene
explica o porquê da mulher negra ser esta base. Akotirene considera
que o pensamento interseccional explicou a matriz de opressão
cisheterossexista, etária, divisora sexual do trabalho, segundo o qual,
as mulheres negras eram trabalhadoras nas casas das “mulheres
brancas instruídas”, chegavam em casa e tinham o dinheiro tomado
por “maridos ociosos”, bastante ofendidos porque não havia comida
pronta dentro de casa (AKOTIRENE, 2019).

Assim, os itens seguintes irão tratar de questão de raça,


gênero e classe, setores que se intercruzam na vida de uma mulher
negra brasileira.
140

3.1 O período colonial e o heroísmo nacional e internacional

Ao optarmos por conhecer nossa história afrobrasileira


unicamente por meio do ensino oficial oferecida pelas redes de
ensino, provavelmente estaremos caindo no mesmo buraco limitado
de informações, em que há extrema escassez de personalidades,
conceitos e fatos. Infelizmente a escola, em especial, está muito
aquém do que verdadeiramente precisamos ouvir.

Sobre essa problemática, a escritora nigeriana Chimamanda


Ngozi Adichie traz à tona a ideia do “perigo da história única”,
segundo a qual considera que quando crianças somos
impressionáveis e vulneráveis a uma história. Crescemos, por
exemplo, com a falsa noção de que a África é um país de catástrofes,
e não um continente autêntico, repleto de países, rico em
diversidades (intelectual, cultural, alimentar, linguística,
indumentária etc.). Assim, preconiza:
É impossível falar sobre a história única sem falar de poder
[...]. Como são contadas, quem as conta, quando são
contadas, quantas histórias são contadas, estão realmente
dependentes do poder. O poder é a capacidade de contar a
história de outra pessoa, tornando-a na história definitiva
dessa pessoa [...]. Comece a história pelo fracasso do estado
africano e não pela criação colonial do Estado Africano e
terás uma história totalmente diferente. A história única cria
estereótipos, e o problema com os estereótipos não é eles
serem mentira, é serem incompletos. Fazem com que uma
história se torne a única história (ADICHIE, 2009, p. online).
Crescemos com a ideia de que bandeirantes, também
chamados de sertanistas, foram os corajosos exploradores que,
pioneiramente, aventuraram-se desbravando os sertões brasileiros,
entre os séculos XVI e XVIII na colônia portuguesa, sendo os
responsáveis por conquistar e dilatar as fronteiras estabelecidas pelo
Tratado de Tordesilhas (MATÉRIA, 2017).

Ou seja, crescemos com a ideia da figura do emblemático


141

heroísmo, sem nos recordarmos com a devida importância de que, na


verdade, os bandeirantes foram os responsáveis pelo aprisionamento
e extermínio da população indígena, bem como pela destruição de
quilombos e perseguição e escravização da população negra, além da
ilimitada e prejudicial exploração de pedras preciosas em terras
brasileiras. Nesta esteira, o assessor da Comissão Nacional da
Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil e professor do
Departamento de Antropologia, Política e Filosofia da UNESP-
Araraquara Dagoberto Fonseca, ao analisar a cidade de São Paulo –
SP, afirma que:
A figura do bandeirante entre os paulistas é de fato
emblemática. Mas esse é o discurso dos órgãos oficiais de
Estado, dos grupos dominantes da sociedade brasileira, em
especial, de São Paulo. A figura do bandeirante, no entanto,
está vinculada essencialmente com o rapto, o sequestro e o
escravismo no Brasil [...]. Os bandeirantes exerceram
funções extremamente ruins para a construção de um
estado, que é o estado brasileiro e o de São Paulo. O
desbravamento de fronteiras se deu com a morte de nações
indígenas, com a morte dos povos mais diversos, e serviu
fundamentalmente para o projeto de conquista e
manutenção do escravismo (FONSECA, 2020, p. online).
Diante deste painel escolar, no qual conhecemos as histórias
contadas apenas a partir do pensamentos dos colonizadores
exploradores, não há espaço para aprendermos sobre Aqualtune,
princesa africana do Kongo, mãe de Ganga Zumba e avó materna de
Zumbi dos Palmares, a qual liderou, em 1665, uma força de 10 mil
homens na Batalha de Mbwila (atual Angola) e, grávida, organizou
uma fuga para Palmares, onde liderou um dos mocambos
(quilombos) que recebeu seu nome (BORGES, 2019); sobre Luísa
Mahin, ex-escravizada africana, radicada no Brasil, mãe do poeta,
advogado e abolicionista Luiz Gama, e uma das líderes da Revolta
dos Malês (1835) e outras revoltas de escravizados na cidade de
Salvador – BA (CONCEIÇÃO, 2015); e nem sobre Dandara dos
Palmares, escravizada brasileira, que dominava técnicas de capoeira,
142

mãe de três filho havidos com o líder Zumbi dos Palmares (1655 –
1695) e estrategista na defesa do Quilombo dos Palmares contra
inúmeros ataques (GARCIA, 2018). Vale ressaltar que Luíza e
Dandara, pela Lei nº 13.816/2019, estão inscritas no Livro dos Heróis
e Heroínas da Pátria.

Também não há espaço para poderosas figuras


representativas internacionais como Sanité Bélair (1781 - 1802),
apelidada pelos companheiros de lutar como tigresa, soldado e
revolucionária haitiana, tenente do exército de Toussaint Louverture,
uma das poucas mulheres a lutar na célebre e duradora Revolução
do Haiti (JAMES, 1938). Aliás, conhecemos a Revolução Francesa (de
05/05/1789 a 09/11/1799) a qual durou 10 anos, mas não a
Revolução Haitiana (de 14/08/1791 a 01/01/1804), que durou 12
anos e derrotou as tropas francesas de Napoleão Bonaparte.

Nem ao menos espaço para abolicionista norte-americana,


defensora dos direitos das mulheres, empregada doméstica, e ex-
escravizada Sojourner Truth (1797-1883), considerada a primeira
mulher negra a mover e vencer um processo judicial contra um
homem branco de Alabama - EUA que comprou ilegalmente seu filho
Peter. Além de ser conhecida pelo seu memorável e impactante
discurso “Eu não sou uma mulher? / Ain’t I a woman?” realizado em
29 de maio de 1851, na Convenção Nacional Pelos Direitos Das
Mulheres em Akron, Ohio – EUA, sendo a única mulher, inclusive a
única negra, de todas ali presentes, a responder com agressividade
aos argumentos hostis e satíricos dos homens brancos que ali
estavam para zombar e afirmar a fragilidade feminina e incapacidade
intelectual (DAVIS, 1981), e a primeira intelectual negra a articular
raça, classe e gênero, questionando a categoria da mulher universal,
e mostrando que se a maternidade obrigatória revela um destino
biológico para todas as mulheres, porém valia-se ressaltar que os
filhos e as filhas das africanas eram vendidos escravizados
(AKOTIRENE, 2019), sendo assim, a maternidade realmente traria
143

felicidade?

Ainda, Harriet Tubman (1822 - 1913), ex-escravizada,


abolicionista e ativista norte americana que fugiu e capitaneou 19
missões que levaram à libertação de dezenas de 300 pessoas
escravizadas, incluindo familiares e amigos, usando a rede de
ativistas antiescravatura e abrigos (LARSON, 2004 e PEROSA, 2016).

Sendo assim, se houvesse respeito e cumprimento a Lei


Brasileira n. 9.394 de 1996 (em especial ao artigo 26-A) nossa visão de
país e mundo provavelmente não seria de invisibilização e/ou
passibilidade de mulheres negras ao longo da história do país. Temos
sim avanços políticos e sociais, porém ainda nos falta o costume de
cobrar a efetivação e manutenção desses progressos.

3.2 Os rastros do movimento eugenista

Nota-se que o movimento eugenista social, que pregava a


melhoria das espécies humanas, deixou seus rastros nas gerações
subsequentes. Entre o final do século XIX e o início do século XX,
havia uma tendência de reprodução seletiva: se um humano era
considerado indigno de transmitir sua hereditariedade a gerações
futuras, era esterilizado contra sua vontade (LANG-STANTON;
JACKSON, 2017).

Sobre o tema, a feminista, médica, diretora executiva da


Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, elucida que os grupos
brancos pensaram em promover este movimento por meio de duas
técnicas: a eugenia positiva e a negativa. A positiva estimulava a
reprodução daqueles que eles consideravam os melhores; já a
negativa impedia o nascimento e perpetuação dos piores – negros,
judeus, homossexuais, deficientes físicos e mentais – por meio,
inclusive, de esterilizações forçadas e legais de mulheres, forma
muito utilizada na Alemanha Nazista (WERNECK, 2018).
144

No Brasil, como representante do Governo, João Batista de


Lacerda apresentou ao I Congresso Universal das Raças, em Londres,
em 1911, seu artigo “Sur les métis au Brésil” (Sobre os mestiços do
Brasil), em que defendia o fator da miscigenação como algo positivo
para o Brasil, por conta da sobreposição dos traços da raça branca
sobre os da negra e indígena, difundindo sua Tese do
Embranquecimento, mediante a qual se defendia que a presença da
herança africana e indígena seria um obstáculo ao desenvolvimento
nacional e que, em 100 ou 300 anos, o país tornar-se-ia evidentemente
branco (LOTIERZO,2013), tese evidentemente equivocada.

Todo esse movimento interferiu diretamente na vida das


pessoas negras, as quais sempre foram tidas como inferiores, não
civilizadas, e que, sendo assim, deveriam ser excluídas da sociedade.
Tais medidas, falsas e perniciosas, influenciaram sobremaneira no
aumento do número de negros com problemas psicológicos –
autoestima, por exemplo – e de alcoolismo.

3.3 O feminismo negro e o outro do outro

Conforme apresentado, o feminismo negro sempre existiu


dentro das sociedades: as mulheres negras sempre denunciaram,
direta ou indiretamente, que as questões das mulheres negras eram
bem diversas das questões das mulheres brancas. Segundo a filósofa,
feminista negra, escritora e acadêmica brasileira Djamila Ribeiro, o
feminismo negro começou, na verdade, a se concretizar, ganhar
força, se formalizar, a partir da segunda onda do feminismo, entre
1960 e 1980, por conta da fundação da “National Black Feminist” nos
Estados Unidos, em 1973, em virtude do início da prática da escrita
de mulheres negras sobre o tema, criando uma literatura feminista
negra (RIBEIRO, 2017).

No Brasil, o movimento feminista negro se potencializou nos


anos 80, com o III Encontro Feminista Latino-Americano realizado
145

em Bertioga em 1985, onde mulheres negras, pobres e trabalhadoras


manifestaram-se na busca de adquirir visibilidade política,
destacando os outros problemas que as mulheres negras e indígenas
enfrentam, colocando questões de raça e classe num lugar central na
agenda do Encontro. Djamila Ribeiro bem explicita essas outras
especificidades que nos separam:
Enquanto àquela época mulheres brancas lutavam pelo
direito ao voto e ao trabalho, mulheres negras lutavam para
ser consideradas pessoas [...]. Enquanto feministas brancas
tratarem a questão racial como birra e disputa, em vez de
reconhecer seus privilégios, o movimento não vai avançar,
só reproduzir as velhas e conhecidas lógicas de opressão
[...]. É necessário entender de uma vez por todas que
existem várias mulheres contidas nesse ser mulher e romper
com a tentação da universalidade, que só exclui. (RIBEIRO,
2018, p.52-53).
Ao encontro dessa ideia, a escritora caribenha-americana,
feminista, lésbica e ativista dos direitos civis, Audre Lorde, relata:
E eu não posso escolher entre as frentes em que eu devo
batalhar essas forças da discriminação onde quer que elas
apareçam pra me destruir. E quando elas aparecem para me
destruir, não durará muito para que depois eles aparecerem
pra destruir você. [...] Eu não sou livre enquanto alguma
mulher não o for, mesmo quando as correntes dela forem
muito diferentes das minhas. (LORDE, 2017, p. 6).
Nesta esteira, Simone de Beauvoir, escritora, intelectual,
filósofa existencialista, ativista política, feminista e teórica social
francesa, e Grada Kilomba, escritora, psicóloga, teórica e artista
interdisciplinar portuguesa, conceituam a categoria “do outro”. De
acordo com Djamila Ribeiro, Beauvoir em seu livro “O Segundo
Sexo” (BEAUVOIR, 1949) explica que a mulher não é pensada em si
mesma, e sim em oposição ao homem. A mulher é aquela que não é
o homem. Não há alteridade e reciprocidade. Beauvoir acaba
universalizando o sujeito mulher (pessoa branca). Por este motivo,
surge Kilomba para dar o viés do feminismo negro, sofisticando o
146

pensamento (RIBEIRO, 2020).

Kilomba, em seu livro “Memórias Da Plantação”, retrata que


a mulher negra é o outro do outro, e fica em uma posição muito mais
difícil de transcendência, por ter sido lida e configurada
historicamente sempre em oposição a norma patriarcal e branca. Não
há universalidade feminina, as mulheres são plurais, e cada grupo
tem seu local social, portanto seu próprio lugar de fala (KILOMBA,
2019).

E sobre isso, Djamila Ribeiro, em seu livro “Lugar de Fala”


difunde que a expressão significa “locus social”, ou seja, todo
indivíduo tem seu lugar de fala porque todos falam de um
determinado lugar. Todavia, esta deve ser uma análise estrutural,
com o compartilhamento de experiências em comum, e não uma
análise individual de experiências individuais de cada ser. Sendo
assim, considera-se que existem grupos que partem de lugares de
privilégio e outros que partem de lugares de opressão,
vulnerabilidade. Os privilegiados impedem a mobilidade social dos
oprimidos. Desta maneira, os pontos de partida e pontos de vista
desses indivíduos de grupos diferentes, são diferentes (RIBEIRO,
2017).

Nesta perspectiva, a professora universitária de Sociologia da


Universidade de Maryland, College Park, Patrícia Hill Collins, em
seu artigo “What's In a Name: Womanism, Black Feminism and
Beyond” publicado originalmente em 1996 no Black Scholar Journal
(FIGUEIREDE, 2016) fala sobre a Teoria do Ponto de Vista Feminino
(“Standpoint Theory”), a qual diagnostica que a partir do ponto de
vista feminista que vamos entender lugar de fala, além de saber
porque ainda não estamos em determinados espaços, e porque
sequer consideramos “saber” determinados saberes, a depender de
qual grupo está dizendo, conforme entendimento consonante de
Djamila Ribeiro. Segundo Collins, “essa teoria enfatiza menos as
147

experiências individuais dentro de grupos socialmente construídos


do que as condições sociais que constituem estes grupos” (COLLINS,
1190). Para Djamila, os saberes, produções, vozes e produções
intelectuais desses grupos não estão em todos os lugares. Não são
experiências individuais e sim experiências compartilhadas.

3.4 A autoestima e hiperssexualização da mulher negra

Desde o período colonial, a mulher negra nunca foi tida como


padrão de beleza a ser seguido e admirado pelos brasileiros: pelo
contrário, nem sequer era vista como humana, mulher e pessoa
detentora de direitos inerentes em qualquer cidadão. Suas
características físicas naturais sempre foram taxadas de forma a
desumanizá-la: pele escura sempre tida como suja, símbolo de
inferioridade civilizatória; cabelo crespo, nariz e lábios sempre tidos
como feios; corpo mais curvado que o das mulheres brancas, sempre
relacionado à hiperssexualização e ao samba. Há 520 anos, a mulher
negra, de maneira geral, ainda é avaliada desta maneira.

Em meados dos anos 80, 90 e 2000, os artistas mais conhecidos


como protagonistas da televisão brasileira para as crianças eram
pessoas como Xuxa, Angélica, Eliana, Hebe, Adriana Galisteu, Gugu,
entre outros. Não coincidentemente todos eram brancos, loiros, olhos
claros, heterossexuais, considerados belos, cantavam e tinham seu
próprio programa na televisão. Neste período, as famílias negras, em
rede aberta, não tinham outros canais de entretenimento para
assistirem com suas crianças negras. Deste modo, meninas negras
cresceram na ideia de que ser branca de cabelos loiros e olhos claros
seria sinônimo de beleza, talento e evidência.

O filme “Lua de Cristal”, de 1990, clássico da televisão


brasileira, tem como personagem principal a Xuxa, a qual também
era acompanhada, em algumas cenas, de seu elenco feminino branco
e loiro, que dançava e se expressava de maneira dócil e angelical.
148

Figura 1: Paquitas da Xuxa

Fonte: Revista Glamour (2013)


Figura 2: Elenco do filme Lua de Cristal

Fonte: Famosidades (2000)


As telespectadoras negras, tornaram-se mulheres: umas se
reconheceram e fortalecem sua negritude; outras descobriram-se
negras no meio do percurso e se aventuram na busca de maiores
identificações; e outras ainda persistem ao modelo da estética
eurocêntrica dominante, na ilusão de serem “aceitas” na sociedade,
seja nos relacionamentos amoroso, laborais ou até familiares. Ocorre
que, mesmo com o cabelo liso e loiro, corpo magro, lentes claras,
roupas e sapatos caros, tecnologias caras, a cor da pele continuará a
149

mesma, assim como o racismo continuará as atingindo.

A todo momento as mulheres negras eram invisibilizadas e,


quando não, apareciam de forma sexualizada, com seus corpos à
mostra, como ocorria no famoso quadro “Musa do Carnaval”
inaugurado em 2003 no programa do Caldeirão do Huck. O concurso
de passistas era o único momento em que mulheres negras de pele
clara ou retintas eram o centro das atenções, além de serem
submetidas a perguntas com vieses maliciosos e constrangedores.
Não à toa o quadro foi cancelado em 2018.

Neste mesmo sentido, a “mulata” – conceito racista – do


Carnaval de São Paulo e Rio de Janeiro foi lançada em 1993 pela Rede
Globo. A passagem da vinheta era o momento em que pais e mães
mudavam de canal para que seus filhos não vissem aquele nu.
Somente a partir de 2017 que a mesma começou a ter seu corpo mais
encoberto com roupas e tintas, sendo acompanhada de outros
dançarinos de etnias, fantasias e culturas diferentes. Não se nega o
avanço, contudo, a figura central da Globeleza ainda continua sendo
a mulher negra de pele clara, exceto em 2014, único ano em que foi
venceu o concurso uma mulher negra retinta, Nayara Justino, a qual
o público não a aceitou por considerá-la muito magra. Será mesmo?
Figura 3: Candidatas do quadro “Musa do Carnaval”

Fonte: Globo (2013)


150

Sabe-se que não há mal em saber sambar: pelo contrário, o


samba é considerado por muitos historiadores, cientistas sociais,
críticos e artistas da música popular como o mais original dos gêneros
musicais brasileiros, tendo como origem a ancestralidade africana e
brasileira na mistura de ritmos e tradições. Por conseguinte, desde
2004, o Samba de Roda Do Recôncavo Baiano é reconhecido como
patrimônio cultural afrobrasileiro registrado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Sendo assim, o
orgulho na manutenção dessa tradição deve prosperar.

O problema surge quando a mulher negra é associada apenas


em relação a este gênero musical, na exibição de seu corpo como um
talento único, descartando qualquer possibilidade de inteligência e
intelectualidade. Por este motivo muitos ainda se espantam em ver
essas mulheres em cargos de regência ou destaque.

Logo vemos a importância do movimento “Black is Beautiful”


na autoestima de pessoas negras. Este movimento cultural – “Negro
é Lindo” – surgiu nos Estados Unidos, entre as décadas de 1960 e
1970, concomitantemente ao movimento “Black Power” de Angela
Davis, Martin Luther King Jr. (1929 – 1968) e Malcom X (1925 – 1965),
espalhou-se para outros países e foi amplamente incorporado pelo
Movimento da Consciência Negra, na África do Sul, criado pelo
ativista Steve Biko (1946 -1977), tendo como escopo central:
[...] desconstruir a noção, incutida pelo racismo, de que o
fenótipo natural negro – pele escura, cabelo crespo e traços
faciais – é feio ou menos atraente do que o padrão de beleza
eurocêntrico. A máxima prega a valorização da cultura e
identidade negras, além da exaltação desses traços físicos.
Propõe que mulheres e homens eliminem as práticas usadas
para alisar o cabelo e clarear a pele: penteados e moda afro
ganharam destaque na época (SANTOS, 2019, p. online).
Atualmente, artistas nacionais e internacionais como Sandra
de Sá, Elza Soares, Margareth Menezes, Fanta Konate, Mariene de
Castro, Larissa Luz, Luedji Luna, Ellen Oléria, Tássia Reis, Karol
151

Conká, Negra Li, Ludmilla, Alexandra Loras, Kenia Maria, Maíra


Azevedo (Tia Má), Taís Araújo, Preta Rara, Gabi Oliveira, Viola
Davis, Beyoncé, Lupita Nyong'o, Nina Simone, Aretha Franklin,
entre muitas outras, fomentam a necessidade da presença negra em
todos os espaços. Além da beleza da feminilidade negra, valorizam
também a capacidade e talento para exercerem os trabalhos que
desejarem, tendo como força sua ancestralidade.

3.5 O preterimento afetivo e o celibato definitivo

Ao longo de suas vidas, as mulheres negras, em sua maioria,


sentem falta de afeto, são tratadas como sujeitos de menor valor, não
são vistas como sujeitos para serem amados, dignos de amor, mesmo
quando seus parceiros são negros, e este é um assunto pouco
debatido entre os negros.

A professora, autora e teórica feminista estadunidense Gloria


Jean Watkins (1952), mais conhecida pelo pseudônimo bell hooks -
em letras minúsculas -, elucida este fato em seu artigo “Vivendo de
amor”:
Muitas mulheres negras sentem que em suas vidas existe
pouco ou nenhum amor. Essa é uma de nossas verdades
privadas que raramente é discutida em público. Essa
realidade é tão dolorosa que as mulheres negras raramente
falam abertamente sobre isso. [...] Numa sociedade onde
prevalece a supremacia dos brancos, a vida dos negros é
permeada por questões políticas que explicam a
interiorização do racismo e de um sentimento de
inferioridade. Esses sistemas de dominação são mais
eficazes quando alteram nossa habilidade de querer e amar.
[...] Somos um povo ferido. Feridos naquele lugar que
poderia conhecer o amor, que estaria amando” (HOOKS,
1994, p. online).
Neste mesmo artigo, Hooks também explica que a dificuldade
do povo negro em desenvolver o amor tem origem escravocrata, é
fruto de acontecimentos bárbaros ocorridos àquela época. O amor
152

acaba sendo visto como algo distante e não necessário. Após o


término da escravidão, era possível que o agora liberto estivesse
ansioso para experimentar relações de intimidade, compromisso e
paixão, fora dos limites antes estabelecidos. Todavia, também era
possível que muitos estivessem despreparados para praticar a arte de
amar, e não por falta de motivos:
Nossas dificuldades coletivas com a arte e o ato de amar
começaram a partir do contexto escravocrata. Isso não
deveria nos surpreender, já que nossos ancestrais
testemunharam seus filhos sendo vendidos; seus amantes,
companheiros, amigos apanhando sem razão. Pessoas que
viveram em extrema pobreza e foram obrigadas a se separar
de suas famílias e comunidades, não poderiam ter saído
desse contexto entendendo essa coisa que a gente chama de
amor. Elas sabiam, por experiência própria, que na condição
de escravas seria difícil experimentar ou manter uma
relação de amor (HOOKS, 1994, p. online).
Mesmo diante dessa realidade, Hooks acredita que o amor
cura, que “nossa recuperação está no ato e na arte de amar”, pois
quando conhecemos o amor, amamos, “é possível enxergar o passado
com outros olhos”, transformar o presente e o futuro.

A vista disso, conclui-se que os laços de afeto da população


negra sempre foram destruídos - quando conseguiam nascer. O
processo da escravização sempre impediu que estes vínculos fossem
construídos e mantidos e, dentro deste cenário, encontramos as
mulheres negras, as quais eram vistas apenas como objetos para o
labor e para a geração de futuros escravizados.

Em consonância com Hooks, a arquiteta, escritora e feminista


brasileira Stephanie Ribeiro, em seu artigo “Waiting To Exhale: falar
de amor entre negras é revolucionário”, conceitua “solidão da
mulher negra” como uma expressão utilizada entre mulheres negras
para designar privações e negações afetivas que acometem suas
vidas, e que, por este motivo, falar sobre o assunto ainda é difícil para
a maioria. Ela declara que “muitas pessoas entendem que a solidão
153

afetiva é um problema pessoal, quando na verdade é uma questão


estrutural e sistêmica” (RIBEIRO, 2017).

É fácil observarmos o preterimento da mulher negra quanto


aos jogares de futebol ou artistas negros que alcançaram elevador
status econômico. Em consequência de todas as teorias e falsos
ditames que a sociedade brasileira foi recebendo conforme seu
desenvolvimento, costuma-se ver homens negros ricos ao lado de
mulheres brancas. Quando um fato acontece de maneira vasta e
reiterada, geralmente torna-se regra. A exceção, no caso, são homens
negros ricos brasileiros casados com mulheres negras. Aqui, não
estamos falando dos relacionamentos onde ambas as partes tiveram
parceiros variados, e sim de homens negros que nunca se
relacionaram com sua “irmã”, sua semelhante.

Ocorre que, no subconsciente deste homem, permanecer com


a mulher negra, significaria permanecer em seu mundo original, suas
raízes, em geral, mais pobre. Além disso, a mulher branca e loira
ainda é considerada por muitos o padrão de beleza ideal. Assim, o
homem negro e rico que estiver ao lado de uma mulher com fenótipos
europeus, seria sinônimo de que realmente ele “chegou lá”, “cresceu
na vida”.

O famoso e talentoso jogador de futebol, Edson Arantes do


Nascimento (Pelé), é um exemplo clássico: ele já esteve em vários
relacionamentos e, em todos eles, os que foram a público, foram
mulheres brancas – não por coincidência e nem por questão de
afetividade. A única mulher negra que o público teve conhecimento
– e não pela vontade do jogador – foi a empregada doméstica Anizia
Machado, com a qual ele teve uma filha fora de seu casamento. A
filha rejeitada, Sandra Regina Machado foi vereadora da cidade de
Santos – SP. Após 5 anos lutando nos tribunais, Sandra conseguiu ser
reconhecida como filha através de um teste de DNA realizado em
1996. Em 1998, escreveu o livro “A filha que o rei não quis”. Em 2006,
154

aos 42 anos, Sandra faleceu em decorrência de câncer de mama sem


conseguir apoio do jogador para o tratamento (PELÉ, 2020).

A escritora, pedagoga e mestre em Ciência Sociais, Claudete


Alves da Silva tratou sobre esta realidade em seu livro “Virou
Regra?” lançado em 2010, fruto de sua dissertação de mestrado em
2008 “A solidão da mulher negra - sua subjetividade e seu
preterimento pelo homem negro na cidade de São Paulo”, na qual
analisou depoimentos de 73 mulheres negras sobre os temas:
matrifocalidade, relações familiares, vida amorosa, felicidade,
solidão e também sobre a relação entre a etnia e a escolha do parceiro
afetivo-sexual. A análise dos dados mostrou que os sujeitos
consideram que existe uma situação de desvantagem da mulher
negra em comparação com a mulher branca, no que concerne a
preferência do homem negro na escolha de parceira afetiva e
conjugal, e complementa:
Essa situação se repercute com mais intensidade nas jovens
negras independente da classe social. O comportamento do
homem negro foi percebido como resultado de uma
desvalorização social da população negra do Brasil, de
longa data, que vem estimulando jovens negros a procurar
“clarear” a família. Associação interracial foi vista como
vantajosa para um homem negro, no sentido da sua
ascensão social e muito desvantajosa para mulher negra
pela tendência observada da predominância de pares
interraciais, quais homem negro – mulher branca. As
participantes consideram que o preterimento da mulher
negra acarreta a solidão e humilhação. Para enfrentar essa
situação o grupo considerou que a educação formal é um
fator importante de resgate dos valores étnicos da raça
Negra, possibilitam da identificação de maior número de
indivíduos com esses valores (SOUZA, 2008, p. 6).
Vale ressaltar que os dados do Censo 2010 do IBGE
mostraram que 69,3% das pessoas de 10 anos ou mais estavam unidas
a pessoas do mesmo grupo de cor ou raça. Em 2000, esse percentual
era 70,9%. E acrescenta que:
155

Esse comportamento foi mais forte dentre os grupos de


brancos (74,5%), pardos (68,5%) e indígenas (65,0%). Já
dentre os pretos (45,1%), observou-se que os homens
tenderam a escolher mulheres pretas em menor percentual
(39,9%) do que as mulheres pretas em relação a homens do
mesmo grupo (50,3%). No que se refere à escolaridade,
68,2% das pessoas uniram-se a outras de mesmo nível de
instrução, percentual superior ao observado em 2000
(63,0%). Em 2010, 51,2% das mulheres com nível superior
completo estavam unidas a homens desse mesmo grupo,
enquanto somente 47,0% dos homens com esse nível de
instrução estavam unidos a mulheres do mesmo grupo”
(IBGE, 2010, p.online).
Todavia, conforme entendimento da empresária de moda e
influenciadora digital, Ana Paula Xongani, a solidão da mulher negra
não se reduz apenas aos relacionamentos sexuais, mas também aos
afetivos. Considera que a solidão da mulher negra se reflete em toda
a existência desta mulher, desde sua infância até a velhice. Reflete nos
relacionamentos, trabalhos e amizades. E esta solidão também se
apresenta quando esta mulher percebe que é a única nos ambientes
em que está presente – no trabalho, na equipe esportiva, na
campanha publicitária, na sala de aula, entre outros – vejamos:

Quantas mulheres negras você oferece afeto? [...]


Quantas das suas amigas são mulheres negras? E quantas delas
são escuras? Quem são as mulheres que você admira e segue
[nas redes socias]? E quantas delas são mulheres negras? E
você, homem ou mulher, com quantas mulheres negras você já
se apaixonou, relacionou? E quantas elas eram escuras, de cabelo
crespo?” (XONGANI, 2019, 3min40s).

Xongani (2019) também acredita ser extremamente necessário


trazer e ampliar a presença dos corpos e belezas negras com o intuito
de naturalizar essa existência, de modo a causar um impacto que
trará uma diminuição da solidão desta mulher. Ressalta que é
importante que os pais permitam que seus filhos tenham convívio
156

com todos os tipos de crianças e lhes apresentem referências negras


por meio de brinquedos, livros, contação de histórias, entre outras
maneiras. Assim, as crianças aprenderão sobre a beleza da
diversidade.

3.6 Racismo obstétrico

Em dezembro de 2014, o Ministério da Saúde e Secretaria de


Direitos Humanos lançou a campanha publicitária “Não fique em
silêncio. Racismo faz mal à saúde” que busca envolver usuários e
profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) na luta contra o
racismo. A campanha foi motivada por relatos de discriminação e
números que revelam a expressão do racismo no SUS. Dados do
Ministério da Saúde demonstram que a realidade da gestante negra
é bem diferente da gestante branca:
Enquanto 46,2% das mulheres brancas tiveram
acompanhantes no parto, apenas 27% das negras utilizaram
esse direito. Também 77,7% das mulheres brancas foram
orientadas para a importância do aleitamento materno e
apenas 62,5% das mulheres negras receberam essa
informação [...]. Dados do Sistema de Informações sobre
Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde revelam que 60%
das mortes maternas ocorrem entre mulheres negras e 34%
entre as brancas. E, na primeira semana de vida, acontecem,
em maioria, entre crianças negras (47% dos casos). Entre as
brancas, representam 36% (COSTA, 2014, p. online).
Esta violência obstétrica racial se dá pela criação do
estereótipo de que mulheres negras são mais fortes, tem quadris mais
largos e aguentam qualquer pressão. Por conta disso, há muita falta
de atenção, carinho, afeto, faltas técnicas como anestesias, muita
impaciência advinda dos profissionais, entre outros ausências e
erros.
157

3.7 Mulheres negras empreendedoras e a pandemia do


coronavírus

De acordo com o Núcleo de Operações e Inteligência em


Saúde (PUC-RIO), no Brasil, as pessoas pretas e pardas morreram por
COVID-19 mais que pessoas brancas. No tocante ao
empreendedorismo, as mulheres negras pertencem ao grupo social
mais atingido com a crise econômica causada pela pandemia.

Após um levantamento feito com 369 mulheres, o ID_BR


concluiu que elas são atingidas seja com desemprego, redução da
fonte de renda ou dificuldades para manter seus negócios ativos.
Segundo o IPEA, elas estão num quadro de 50% mais vulnerabilidade
de ficar desempregada por ser o lado mais sensível da pirâmide
social, representando 28% do total da população brasileira (IBGE), o
que equivale a 60 milhões de habitantes.

Verificou-se que 60% delas decidiram abrir seu próprio


negócio mais por necessidade que por vocação ou por ter identificado
uma oportunidade. “Dessas, 45% relataram que não conseguem
alocação ou reconhecimento no mercado e 15% perderam o emprego
ou tiveram suas fontes de renda reduzidas durante a pandemia e
foram empurradas para a abertura de um negócio para sobreviver”.
Ademais, cerca de 45% delas alegaram que precisam de apoio
psicológico para manter ou retomar sua saúde mental (UNIVERSA,
2020).

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

A partir desses diversos pensamentos, conceituações, teorias,


estatísticas e fundamentos, entendo que a mulher negra brasileira
ainda se encontra vulnerável diante de vários aspectos raciais,
sociais, econômicos e políticos de nossa sociedade. Conquistamos
grandes avanços, inclusive constitucionais e legais, e estamos
marchando pelo caminho certo. Todavia, precisamos de mais
158

articulações políticas e envolvimento de pessoas não negras nesta


luta antirracista.

A mulher negra, como visto, nunca foi passiva ou cega às


violências que recebia e recebe, ela sempre buscou, dentro de suas
possibilidades desenvolver-se e transcender os limites dentro da
sociedade, inclusive transcender a si mesma, empoderando-se e
buscando força e auxílio com suas irmãs negras, na busca da
efetivação de seus direitos e liberdades. Indubitavelmente, vimos que
há muitas dessemelhanças entre mulheres negras e brancas, haja
vista que as experiências coletivas entre elas são extremamente
diferentes.

Na medida em que as mulheres negras tomam consciência de


sua importância e valorosa contribuição estrutural no país, bem como
sentem-se orgulhosas de sua ancestralidade africana (fenótipos,
cultura etc.) e considerando o fato de que todos os progressos que
temos hoje devemos a esta nossa ancestralidade, sua tendência é
encarar e lutar contra todas as doenças sociais que afetam nosso pais,
juntamente a outros grupos oprimidos, e assim, conseguirá chegar
onde quer, no momento que quiser e se apresentar ao mundo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutir feminismo sem trazer recortes é universalizar a


mulher. Definitivamente, não há uma mulher universal, pertencemos
a uma sociedade com uma pluralidade de mulheres em diferentes
contornos sociais e étnicos (brancas, negras, indígenas, ricas, pobres,
transsexuais, entre outras). É preciso dar este recorte racial às
mulheres negras, caso contrário estaremos, mais uma vez, excluindo
grande parte da população brasileira dos debates sobre seus direitos,
impedindo os oprimidos de exprimirem e levantarem suas pautas.
Toda a sociedade ganha quando uma cidadã tem seus direitos
atendidos, proporcionando plenitude existencial e permitindo que
159

ela seja protagonista de sua própria história.

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CAPÍTULO 7 │AS MATAMBAS RODANDO E CANTANDO:
NOSSO LUGAR É NO SAMBA PAULISTANO!
Fabiana Marques do Carmo

Me traz momentos...
Verdadeiros versos
Cavacos e Pandeiro
(Beth Mandisa / Almir Cebolinha)

RESUMO

Este capítulo tem como objetivo geral compreender o protagonismo


e as (re) existências de mulheres negras sambistas no universo do
samba paulistano. A questão central, é explicitar quais impactos
sofridos pelas mesmas ao ocupar espaços que são compostos,
primordialmente, por homens, espaço que reflete o preconceito de
gênero na nossa sociedade. O que justifica esse capítulo é analisar as
lutas e resistências das mulheres negras sambistas, traz para as Rodas
de Samba da cidade de São Paulo, transformando a em espaço
político, social, até chegar na indústria musical. Trata-se de uma
pesquisa bibliográfica de caráter qualitativo, com foco na revisão de
estudos relacionados ao tema proposto e composto por entrevistas
semiestruturadas por quatro sambistas. O resultado foi descrever
pontos comuns entre a pesquisa bibliográfica e as entrevistas, assim,
proporcionando uma contribuição para o reconhecimento e a
valorização do protagonismo dessas mulheres no fortalecimento da
cultura popular brasileira.

Palavras-Chave: SAMBISTAS NEGRAS. LUTA ANTI-RACISTA.


INDUSTRIA CULTURAL DO SAMBA.
165

1 INTRODUÇÃO

O significado de ser mulher; periférica, sambista e negra - que


nos dizeres de Tia Cida dos Terreiros [1] – a palavra ‘negra’ ganha
contornos de enfrentamento, pois ‘Não passamos pela escravidão e
nem pelo sistema escravocrata à toa não’. Ainda, com a sua sabedoria
de ‘Preta Velha’, em seus dizeres,
[TIA CIDA DOS TERREIROS] A herança das mulheres
negras na história é muito triste. O nosso país é
preconceituoso do começo, meio e fim. Aquela mulher que
tiver a coragem de dizer que nunca sofreu
preconceito independentemente da cor da sua pele está
mentindo. Esse preconceito roda é velho na História. Não
passamos pela escravidão e nem pelo sistema escravocrata
à toa, não. Então temos história forte para enfrentar (TIA
CIDA DOS TERREIROS).
Exigindo talento e garra nas Rodas de Samba espalhadas nas
periferias de São Paulo, as representatividades femininas, nesses
espaços de re-existência [2], são desempenhadas com maestria, como
o cantar; o compor e o tocar. Impondo a presença feminina como
parte fundamental deste movimento interagindo de forma igualitária
perante os sambistas, trazendo a doçura, força e alegria que contagia
e surpreende. Nas palavras de Faustino (2018);
[...] o escrever e cantar das mulheres negras sempre esteve
presente nos encontros, territórios e trajetórias da cultura do
samba. [...] o ronco da cuíca está afinado, pés e pernas
marcam territórios, caminham e dançam, em cadência com
tamborins nos peitos cheios de amor, pertencimento e
identidade (FAUSTINO, 2018, p.15).
A potência do timbre da voz mostra a individualidade e traz
ao mesmo tempo a coletividade entre seus pares, catalisando sonhos,
ouvidos, corpos, saberes e reconhecimento, fazendo da Roda de
Samba o seu lugar de construção positiva da negritude e memória,
mantendo a bandeira do samba erguida e quebrando tabus ao
166

transformar o meio social em que vivem.

Mas, afinal, o que é o Samba?

Ainda com as palavras de Tia Cida dos Terreiros


[TIA CIDA DOS TERREIROS] O samba é o amor! É uma
caminhada que passa pela gente e continua. Nossa como é
incrível. O samba é um caminho que vem de longe e passa
por você, te envolve. Lembro da minha avó dançando, da
minha mãe sambando, isso é o amor para mim! É o ajudar
quem precisa entender quem precisa. A importância das
mulheres na roda de samba, falo que os homens não gostam
muito das mulheres na roda de samba. (TIA CIDA DOS
TERREIROS)
As mulheres negras sempre marcaram presença no contexto
histórico sociocultural brasileiro, trazendo a sua contribuição para as
Rodas de Samba, evocando ancestralidades africanas, na batucada;
no cantar e no dançar.

Sob essa perspectiva faremos referências sobre a Mitologia


Banto, de matriz africana, o Candomblé. Segundo o educador Allan
da Rosa,
Para os povos bantus em geral, a personalidade de alguém
se dá num campo psicológico dinâmico definido por três
esferas principais de relacionamento, num eixo em que se
cruzam: o vertical (que liga a pessoa a seu ancestral
fundador) o horizontal (de ordem social, comunidade
cultural) e o da existência própria da pessoa. É do equilíbrio
desse universo psicológico que depende o equilíbrio desse
universo psicológico que depende o equilíbrio da
personalidade, que não se trava ou recalca por noções de
pecado ou salvação, inexistente na esfera de vivência
original bantu, mas que se articula em torno do
engendramento de Muntu (equivalente a Axé) (ROSA, 2013,
p. 43)
Como candomblecista e ekedji [3], de Nação Keto [4], filha de
Ogum com Oyá ou Matamba, de Nação Bantu, a Orixá traz consigo
a espada; o fogo; a paixão; o vento; a guerra... “Rainha dos Raios”,
167

vocacionada nas canções interpretadas por Maria Bethânia. Matamba


é, nos dizeres de Adolfo, “Uma das divindades do panteão banto, iaiá
Matamba, erroneamente nomeada de Oyá Matamba por assimilação
com o orixá nagô Iansã também nomeada de Oyá” (Adolfo, 2008, p.
05)

Como diz trecho da música do pai de Santo Maurício Luandê


e do Sambista Yvison Pessoa, Matamba “Não teme guerra, não teme
a fome. Mulher guerreira, não teme homem. Matamba é rainha
crioula...” (Pessoa; Luandê, 2016). Relacionamos a ancestralidade
dessa Orixá com mulheres negras e sambistas percebendo elementos
que Matamba é: o Fogo (resistência), a Paixão (samba), o Raio (poder)
e o Vento (luta contra as injustiças).

Por onde passam, mulheres negras provocam


transformações, que reverberam de dentro para fora nas Rodas de
Sambas, porque a sua representatividade, em corpos negros, é antes
de tudo, política e território de luta contra opressões machistas e
preconceituosas, que enxergam as mulheres como força de trabalho,
em maioria domésticos, sendo incapaz de criar e significar sua
história e dos seus. Essas mulheres trazem em seus corpos
“Memórias ancoradas em corpos negros”, nos dizeres da
historiadora e pesquisadora Maria Antonieta Antonacci (2015).

Kaçula (2018), ainda complementa,


As origens e a importância política do samba nascem com
objetivos de sociabilidade étnica, resistência cultural,
manutenção dos aspectos peculiares de identidade étnico-
racial, e como um espaço de organização e construção de
conhecimentos transmitidos a partir da oralidade dos
velhos mestres, respirando as tradições de matriz africanas
(KAÇULA, 2018, p. 88).

O samba paulistano, em seu contexto histórico possui a


importância na cultura negra popular brasileira, que apresenta um
verdadeiro leque de diversidades em suas elaborações. Por outro
168

lado, o universo sambistico tem suas contradições, como: o


preconceito, machismo e a questão de gênero, afetando as mulheres
negras principalmente, atuam como: cantoras, intérpretes, musicistas
e percussionistas. Portanto, o samba não é só entretenimento, vai
muito mais além. Ele proporciona o resgate e a re - construções das
memórias e identidades da negritude.
As contradições estão presentes nos bastidores com a
materialização das Rodas de Samba e com exclusões e inclusões das
Matambas, por ocupar espaços que o machismo está presente,
mesmo em roda de samba mista. Para a sambista e entrevistada
Jessica Américo [5] o “samba é um ambiente, extremamente,
machista”, ainda complementa,
[JÉSSICA AMÉRICO] Vejo que hoje que uma mulher em
cada Roda de Samba... parece que é uma cota. Relato a você
que além do nosso samba ser machista, nem todas as vezes
ele une porque o ego é muito maior (JESSICA AMÉRICO).
Foram relatadas, em pesquisa de campo, analisada na
Monografia “A Disputa das mulheres negras pela fala, canto, escrita,
visibilidade e sobrevivência no Samba Paulistano (2019)” da
assistente social, sambista e pesquisadora do Samba Luzinete R.
Borges, de situações de violências psicológicas que causa
constrangimentos, por parte de homens sambistas trazendo a
correlação de forças para dentro da roda de samba. “que reconhece
que hoje ainda existe o machismo, que expressa nessas tentativas de
escorraçar as mulheres da roda de samba” (BORGES, 2019, p. 54).
O samba também adquire contornos de espaço de luta política
e pedagógica onde ‘valores políticos, sociais e pedagógicos’ circulam,
fundindo-se em corpos pretos. Essas são as palavras da entrevistada
Jessica Américo
[JÉSSICA AMÉRICO] A gente faz que a Roda de Samba seja
um espaço político e pedagógico, as rodas de
samba antigamente eram mais assim... Hoje em dia, as
rodas de sambas são mais comerciais. Porque assim quando
você traz o valor comercial para roda de samba
descaracteriza de fato de não está trazendo valores
financeiro para os sambistas que praticam. O mínimo que
podemos trazer são valores essenciais como, políticos,
sociais e pedagógicos. O samba em si traz muitas coisas
169

principalmente as histórias do nosso país, principalmente o


samba raiz que tem que vir, rasgando e doa a quem doer
(JÉSSICA AMÉRICO).
É importante salientar que essas ações, ou melhor, omissões
da mulher negra, nesses espaços, resultam em invisibilidades e
silenciamentos dessas principalmente, na busca do reconhecimento
profissional na indústria cultural do samba, como: a desigualdade
dos cachês, as contratações de shows privados e públicos, a questão
estética (padrão de beleza) e a exploração da mão de obra, “a
invisibilidade da atuação da mulher negra e na legitimação das
narrativas da democracia racial brasileira, além de legitimar os
interesses da indústria cultural [...] para a produção e circulação do
samba” (Werneck, 2018, p.18).
As Matambas que estão representando todas as mulheres
inseridas no universo do samba, buscam articulações e estratégias
para o fortalecimento das lutas, como a criação de músicas com letras
que reverenciam a mulher; produções acadêmicas; busca do
conhecimento em cursos técnicos ou nas universidades; as
participações de programas de rádios online ou comunitária,
concorrer vaga em editais públicos e privados; participar em todos os
eventos culturais pela cidade.
Como estratégias de resistir, (para) existir, essas mulheres
formam redes de apoio com objetivo de valorizar práticas
profissionais dentro e fora do mundo do samba, proporcionando o
fortalecimento para os coletivos e Rodas de Samba de mulheres. As
ações pontuais como duas edições dos “Encontros Nacionais nas
Rodas de Sambas”, por todo Brasil, nos anos de 2018 e 2019 teve como
intuito fortificar o protagonismo das mulheres sambistas por todo
país, tendo como proposta futura, contribuir com criações de
políticas públicas para cultura popular brasileira.
De acordo com Borges (2019) explica;
[...] o 1º Encontro Nacional de Mulheres na Roda de Samba-
Ano Beth Carvalho. Esse encontro reuniu musicistas,
cantoras, compositoras, produtoras, Djs, operadoras e
técnicas e som, com o intuito de dar visibilidade a essa força
feminina no samba. Esta foi uma iniciativa da sambista
Dorina Barros que idealizou grandes rodas de samba de
mulheres. Estas rodas de samba ocorreram de forma
170

concomitante e com transmissão ao vivo nas cidades de Belo


Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Juiz de Fora,
Londrina, Maceió, Rio de Janeiro, São Paulo, Vitoria e nas
cidades de La Plata e San Martin de Los Andes na Argentina
(BORGES, 2019, p. 19).
Não podemos esquecer as estratégias que Matambas usam na
inserção e participação nas Rodas de Samba mistas (homens e
mulheres) pelas comunidades dos sambas espalhadas por todas as
cidades, por exemplo: “Comunidade da Vila Industrial” e “Samba
que vem lá de São Matheus”, sendo um expoente desses projetos
nossa entrevistada Jéssica Américo. “A Comunidade do Samba de
São Mateus” e o Coletivo Amigas do Samba, participação da Tia Cida
dos Terreiros. O coletivo “Damas no Samba” com as participações da
Bebeth Nascimento e Beth Mandisa, mulheres que vivenciam o
universo do samba de forma política e politizada. Assim, pretende-
se apresentar o protagonismo das Matambas e as rodas de samba em
seu lugar de fala: o samba paulistano.

1.1 Objetivos Geral

O objetivo geral desse capítulo é analisar e identificar a


importância do papel das sambistas negras, reconhecidas como
Matambas, como forma de resistências quebrando o tabu no universo
do samba paulistano.

1.2 Objetivos específicos

1.2.1 Identificar a resistência de mulheres negras sambistas nas rodas


de samba espalhadas pela cidade de São Paulo;
1.2.2 Compreender a importância das Matambas na organização
política e social no enfrentamento ao machismo no samba
paulistano.
1.2.3 Analisar novas perspectivas decoloniais, deslocando pesos e
medidas do conhecimento euro-ocidental, a partir do samba
paulistano e da religião do Axé.
171

1.2 Questão/Pergunta problematizadora

Quais os impactos enfrentados pelas mulheres negras


sambistas ao ocupar as Rodas de Samba e o universo do samba
paulistano de predominância machista?

1.3 Justificativa

Tenho a honra de conviver com quatro mulheres negras


sambistas que estão inseridas no samba paulistano, que cantam e
interpretam suas músicas nas Rodas em seus coletivos e também
possuem carreiras solo sendo elas: Tia Cida do Terreiros (79); Beth
Mandisa (46); Jéssica Américo (34) e Bebeth Nascimento (34). Ao
acompanhar os respectivos trabalhos, surgiu a inquietação de
constatar que essas mulheres continuam inseridas no universo do
samba, resistindo, com garra e coragem a todas formas de violências
e preconceitos.
São mulheres que carregam consigo ancestralidades de povos
africanos que trouxeram o samba para o Brasil e as suas marcas
perpetuam até os dias atuais, ao interpretar e cantarem músicas de
outras mulheres negras que fizeram e fazem parte da construção de
cada identidade destas. Destaca-se: Clementina de Jesus (1901-1987),
Araci de Almeida (1914-1988); Elizete Cardoso (1920-1990); Dona
Ivone Lara (1922-2018); Clara Nunes (1942-1883); Jovelina Perola
Negra (1944-1998); Beth Carvalho (1946-2019) e Leci Brandão (1944-
?).
O Samba permitiu e permite às mulheres negras o seu
reposicionamento no mundo, como nos conta, em sua entrevista,
Beth Mandisa.
[BETH MANDISA] Sou uma mulher negra que está
descobrindo outra forma de vida, sempre quis jogar
capoeira. Somos a somatória de vários fragmentos... é de
muita importância também, porque não é só a história de
sua caminhada, são de todas nós. Trago com muita
responsabilidade essa participação nesse artigo e disse: ‘vou
colocar um turbante’, vou me colocar de outra forma... me
vestir de Mandisa, pra ficar mais fácil. Não é de qualquer
jeito que sentei na cadeira porque sei a importância de
172

falarmos de nós, mulheres negras. A ancestralidade tem


mais o que fazer do que ficar juntado o povo de graça. Não...
eles fazem tudo direitinho e nada é por acaso. O samba me
resgatou, da mesma forma que está resgatando diversas
mulheres (BETH MANDISA)
É importante salientar que nessa pesquisa trago o recorte
étnico – racial e a presença das mulheres negras no mundo do samba,
para entendermos algumas questões iremos compreender o porquê
de Matambas lutarem, incansavelmente, por igualdade entre os
gêneros e a valorização profissional.
Mesmo no Mundo do Samba, espaço historicamente e
culturalmente ‘Negro’, nos deparamos com o racismo implícito aqui
emergenciado nas palavras, quando se refere as sambistas brancas,
Jessica Américo argumenta que,
[JÉSSICA AMÉRICO] Eu sei que o meu trabalho está muito
além do trabalho delas. Só não ganhei o espaço que elas
ganharam porque não tenho o corpo e nem o rostinho
branco que o dono da casa quer que chame. Assim vamos
perdendo o espaço que poderiam aumentar um pouco a
nossa renda, por outro lado, vamos aquilombando em
espaços que não tem muita grana e temos que trabalhar
muito mais e não sobra tempo para produzirmos coisas de
qualidade (JÉSSICA AMÉRICO)
Conforme a matéria jornalística do “Dia da Consciência
Negra: números expõem desigualdade racial no Brasil”, realizada
pela Agência Lupa, apontam que a população preta (conforme está
no IBGE) são de 56,10% e na Pesquisa Nacional por Amostra a
Domicílios (PNAD), assumem que 19,2 milhões que são pretos e 89,7
milhões se declaram pardos. De acordo com Afonso (2019) da
Agência Lupa, menciona;
56,10%. Esse é o percentual de pessoas que se declaram
negras no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE. Dos 209,2 milhões
de habitantes do país, 19,2 milhões se assumem como
pretos, enquanto 89,7 milhões se declaram pardos. Os
negros – que o IBGE conceitua como a soma de pretos e
pardos – são, portanto, a maioria da população. A
superioridade nos números, no entanto, ainda não se reflete
na sociedade brasileira (AFONSO, 2019, s/p).
173

As mulheres negras são a maioria da população que ainda


vivem à margem das desigualdades de gêneros, na divisão do
trabalho e são as que mais sofrem diversos tipos de violências,
principalmente, a doméstica. Ainda com Afonso (2019) que
menciona:
[...] as mulheres negras são vítimas mais recorrentes de
homicídios. Segundo o Atlas da Violência, a taxa de
assassinatos dessas mulheres cresceu 29,9% de 2007 a 2017.
No mesmo período, o índice de homicídio de mulheres não-
negras cresceu 4,5% (AFONSO, 2019, s/p).
O tema e a pesquisa tornam-se relevantes pois, em um
contexto geral, a sociedade não vê o protagonismo das mulheres
negras sambistas que lutam contra todas as formas de discriminação.
Essas lutas baseiam-se em um senso crítico, político e metodológicos,
criando até mesmo redes de apoio. Um bom exemplo é a ação pontual
“Encontros Nacional de Roda de Sambas” realizado na cidade de São
Paulo, no ano de 2018 e 2019.
Neste capítulo será apresentado a importância e o
protagonismo das mulheres negras que estão inseridas no universo
do samba paulistano, principalmente nas rodas de samba que estão
espalhadas por toda cidade. Buscando igualdade, respeito,
visibilidade e reconhecimento do seu trabalho artístico na indústria
musical. Representando a força e a garra dessas guerreiras iremos
trazer os elementos da orixá Oyá Matamba, que é cultuada nas
comunidades de matrizes africanas do candomblé da nação de Banto.
As nossas Matambas quando entram nas rodas de sambas e começam
a cantar trazem contigo a força, garra, coragem, a paixão pela música.
Transformando o espaço que passa a “pegar fogo”, com muita alegria
e euforia. Por outro lado, passam a desenvolver o papel da
conscientização na luta por igualdade. Infelizmente a grande maioria
das rodas de samba e o universo do samba é um espaço machista e
preconceituoso.
Para ilustrar todo esse contexto foram convidadas quatro
participantes que estão inseridas no universo sambistico. Foram
relatadas em entrevistas que as mulheres que estão inseridas no
universo do samba buscam estratégias para o conquistar seus
espaços, igualdade e visibilidade não só nas rodas de samba, mas na
indústria do samba paulistano. Como resistência são formadas redes
174

apoios para fazer as articulações, mobilizações, proporcionando o


fortalecimento na luta contra o machismo e qualquer tipo de
discriminação e preconceitos como: Encontros nacionais e regionais,
principalmente na cidade de São Paulo (a no de 2018 e 2019), com o
intuito de valorizar as práticas profissionais dentro e fora do mundo
do samba, proporcionando o fortalecimento para os coletivos ou
grupos de samba para atuarem em rodas de sambas independentes
femininas ou mistas, garantindo os direitos de estar e permanecer no
universo do samba de uma forma igualitária e justa.

2 METODOLOGIA

A linha metodológica utilizada combina pesquisa


bibliográfica de caráter qualitativo, com foco na revisão de estudos
relacionados ao tema proposto e entrevistas semiestruturadas com
quatro sambistas. Destaca-se que abordagem na pesquisa qualitativa
tem a preocupação de contextualizar o objeto de estudo em uma
realidade social dinâmica, com a análise mais profunda e
significativa do objeto pesquisado. Segundo Manzini menciona:
[...] temos abordado o assunto entrevista dividindo,
didaticamente, esse tema em três grupos: 1) questões
relacionadas ao planejamento da coleta de informações; 2)
questões sobre variáveis que afetam os dados de coleta e
futura análise; 3) questões que se referem ao tratamento e
análise de informações advindas de entrevistas, sendo que
esse último foge do objetivo do presente texto (MANZINI,
2003, p. 35).
Sobre a problemática da importância das mulheres negras
sambistas nas rodas de samba paulistano, as narrativas orais foram a
base para essa construção. A partir dos dados coletados tentamos
compreender motivações para lutar contra todos tipos de violências
que a sociedade as impõe. Ressalto a importância de interagir com
elas em um momento de grande ameaça sanitária que a pandemia do
Covid-19 nos apresenta, mesmo via on line, poder ver no rosto dessas
mulheres a perseverança da existência e re-existências é também
poder reelaborar a construção de minha negritude, enquanto mulher
no Samba.
175

3 REFERÊNCIAL TEÓRICO – Resistência

A importância do protagonismo das mulheres negras


sambistas nas rodas de samba paulistana é revelada em seu lugar de
fala, onde passam mensagens através da música que buscam
transformações nos espaços onde estão inseridas. Ribeiro (2017),
descreve que:
[...] falar, a partir de lugares, é também romper com essa
lógica de que somente os subalternos falem de suas
localizações, fazendo com que aqueles inseridos na norma
hegemônica sequer se pensem (RIBEIRO,2017, p. 84).
Por outro lado, Borges (2019) argumenta que:
[...] com uma exigência acadêmica para a conclusão do
curso, também é uma ação de resistência, de disputa pelo
lugar não só da narrativa, mas de escrita. Aqui as mulheres
negras no samba não são os outros, mas são as que realizam
a ação e elaboram sobre sua inserção (BORGES, 2019, p. 11).
Ocupar o espaço da Roda de Samba é impor a
representatividade feminina, usando como estratégia a competência
e maestria de sua presença como parte fundamental, onde a roda de
samba é mista. É mostrar que essas mulheres carregam consigo a
ancestralidade africana, a orixá Matamba, com a doçura, garra,
sensibilidade ao interpretar e cantar músicas de outras mulheres que
fizeram e fazem parte da construção de cada identidade dessas
cantoras e entrevistadas Tia Cida dos Terreiros, Jessica Américo,
Bebeth Nascimento e Beth Mandisa. “Para essas artistas, a música
revela vários sentidos: o de expressar, de entreter, de se posicionar,
de divertir, de representar um pensamento social ou um lugar”
(RIBEIRO, 2019, p.35).
O Mundo do Samba apresenta suas contradições,
principalmente em seus bastidores, com a perversidade de exclusões
e inclusões das mulheres negras em diversas Rodas de Samba de
predominância machista e na indústria musical, que resulta na
problemática da exploração da mão de obra e na questão do
estereótipo negro (padrão de beleza).
Propondo valorização das práticas dentro e fora do Mundo
do Samba, compreendendo a importância da representatividade das
176

mulheres negras e sambistas na Roda de Samba. Nas palavras de


Bebeth Nascimento [7].
[BEBETH NASCIMENTO] Eu não vivo da música, mas
falando dos caches das mulheres e dos homens. Os
pagamentos são direcionados... há uma grande diferença.
Como todo segmento da sociedade o tema “divisão sexual
no trabalho” (se faz presente). Os homens ganham tanto e
as mulheres (outro) tanto. Para as mulheres os pagamentos
são bem menos, pela força de trabalho, porque, dentro dessa
sociedade patriarcal e machista que vivemos [...] que existe
essa divisão” (entrevista concedida para a realização desse
capítulo. Arquivo pessoal).
Considerando o que ocorre no mundo do trabalho, no qual as
mulheres recebem em geral 20,5%, a menos que os homens, no
mundo do samba essa realidade ganha contornos dramáticas
(Borges,2019, p.60). Conforme Werneck (2018), menciona:
O samba seria afirmado como produto negro que participa
das disputas pela hegemonia no âmbito da cultura e que
ocupa posições instáveis na mídia e na indústria cultural em
decorrência do vigor da atuação do capitalismo racista e
patriarcal. Este investe principalmente na produção e
reiteração de estereótipos acerca das mulheres negras (2018,
p. 29).
Na busca de estratégias para vencer as exclusões nas Rodas
de Samba e na indústria musical, Matambas recorrem ao
fortalecimento educacional e nas organizações sociais e políticas
construindo rede de apoio, se articulando, mobilizando em ações,
como coletivos, encontros nacionais de Roda de Samba, Saraus,
Marcha das Mulheres Negras, entre outros.
O desejo afro-misógino reflete o anseio de que mulheres
negras precisam ter o os traços morfológicos estereotipados atrelado
às afrodescendentes, contudo, detenham tonalidades passíveis ao
eurocentrismo, pois, historicamente, as percepções ocidentais pós-
coloniais relativas ao belo e o sublime, emergem do imaginário social
caucasiano. Deste modo, uma máxima torna-se explícita às artistas
negras: “faz-se necessário embranquecer, caso deseje-se o sucesso”.
O fenótipo caucasiano não se associa tão somente à beleza, mas
também, às noções de poder social, econômico e cultural.
177

Lidar com a instauração de caucasianos detentores de


poder, finanças e suposta beleza, trata-se de algo tão
corriqueiro ao ponto de beirar à normalidade no imaginário
social. Indivíduos negros associam-se historicamente à
pobreza, ignorância e suposta feiura (MORAIS, 2020, s/p).
Tais conceitos racistas, socialmente impregnados há séculos,
reverberam-se constantemente nas publicidades, mídias e indústrias
de entretenimento, o que, infelizmente, ecoa no mundo do Samba.

4 ANÁLISE CRÍTICA

Nessa parte iremos analisar os resultados obtidos das


pesquisas de campo realizadas, menciono que são quatro
participantes inseridas no universo do samba paulistano. Os tempos
(anos) de carreira de cada uma é diversificado universo do samba no
samba. Todas se auto declaram da etnia negra / preta. A faixa etária
é diferenciada. Ambas moram nas periferias da cidade de São Paulo.
Uma das participantes é trabalhadora exclusiva da música,
duas são servidoras públicas e a outra aposentada. Essas Matambas
participam de coletivos e foram nas duas edições do “Encontro
Nacional de Mulheres na Roda de Samba”, do ano de 2018 e 2019, na
cidade de São Paulo. Os dados obtidos da pesquisa de campo para
chegar aos objetivos desse capítulo, ajudaram a identificar a
resistência das mulheres negras sambistas e compreender a
importância das Matambas na organização política e social no
enfrentamento ao machismo no samba paulistano.
A reflexão que descrevo são as nossas sambistas lutam contra
o patriarcado e todas as formas de violências, não só dentro das
Rodas de Samba, mas fora com a inserção para ter a visibilidade do
seu trabalho para a indústria musical e no universo sambistico.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente capítulo teve como objetivo compreender e


entender a trajetória das mulheres negras sambistas nas rodas de
samba paulistanas.
É possível concluir que as representatividades femininas são
178

desempenhadas com maestrias (cantar, compor, tocar), são impõe a


presença como parte fundamental interagindo de forma igualitária
perante os outros sambistas, mostrando a roda de samba como um
lugar de fala dessas mulheres, que traz as forças ancestrais para
quebrar diversas barreiras, transformando o meio em que vive
através da batucada, no cantar, na dança, resistência.
Sob essa perspectiva como referência ancestral trouxemos a
mitologia da religião de matriz africana, sob a simbologia da Orixá
Matamba do candomblé da nação de Banto, para representar as
nossas mulheres negras sambistas lutam, incansavelmente, contra as
violências e silenciamentos.
O samba paulistano é o verdadeiro leque da cultura popular
brasileira, que apresentam suas contradições nos bastidores,
principalmente nas rodas de samba, é o início de tudo, com as
desigualdades de gêneros, exclusões e inclusões, por estarem
ocupando espaços que o machismo está presente.
Resultando na invisibilidade do trabalho e profissionalismo
dessas mulheres em todos os sentidos, que reflete desde do seu
protagonismo na roda de samba até a indústria cultural do samba,
propondo bons contratos, shows privados e públicos, visibilidade em
seus trabalhos, valorização profissional em todos os sentidos. Mas,
não é isso que ocorre com a desvalorização das mulheres negras
principalmente com a exploração da mão de obra, a falta de incentivo
financeiro, as más condições de trabalhos e a desigualdade dos
salários, nada muito diferente da divisão do trabalho na sociedade.
O mais interessante é a organização das ‘Matambas’ nesse
capítulo é a representação de todas as mulheres sambistas atuantes
na cidade de São Paulo e a organização política e social, para
enfrentar todas as mazelas apresentadas, buscando o fortalecimento
e memória.
179

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA

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Paulo: Polén, 2019.
CAPÍTULO 8 │CARREIRA INTERNACIONAL DA
MULHER NEGRA

Maria Inês Ferreira

RESUMO

O objetivo dessa pesquisa é identificar traços, características e fatores


que compõem e estruturam a carreira profissional de uma mulher
negra residente na cidade de Nova Iorque. O que justifica o censo
estadunidense considera a mulher negra brasileira como latina, assim
como mulheres não negras também se encaixam como latina. Desta
forma, os processos seletivos e oportunidades podem invisibilizar as
intersecções entre a nacionalidade, raça, cor e gênero. Essa pesquisa
é a combinação de vivências e experiências profissionais para
conectar aos estudos sobre a mulher no mercado de trabalho em
Nova Iorque e vivências que permitem observar cenários e a
constatação, em análise prévia, a ausência de pesquisas e publicações
exploram especificamente características elementares da vida
profissional das mulheres no exterior com recorte racial. Assim, a
questão central que movimenta esta pesquisa é: quais seriam as
características e similaridades entre os estudos apresentam teorias
sobre a inserção da mulher negra no mercado de trabalho em Nova
Iorque e vivências práticas na análise de oportunidades profissionais
no exterior? Trata-se de uma pesquisa bibliográfica como principais
referenciais conceitos e definições acerca da vida profissional da
mulher negra em busca inserção no mercado de trabalho em Nova
Iorque. Para tanto serão utilizados dois autores principais e dados
disponibilizados na internet. Pretende-se, a partir dessa conexão
revelar a existência de um cotidiano com fatos além dos já então
pesquisados pois compõem a trajetória oriunda de uma mudança de
país. Fatores estes quando revelados, poderão permear e referenciar
pesquisas posteriores.
Palavras-chave: VIDA NO EXTERIOR. MULHER NEGRA.
PROFISSÃO E QUESTÕES RACIAIS
182

1 INTRODUÇÃO

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)


2018 mostra a cada 1 ponto percentual a mais na taxa de desemprego,
as mulheres negras sofrem, em média, aumento de 1,5 ponto
percentual. Para as mulheres brancas, o reflexo é de 1,3 ponto
percentual. A análise utiliza dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) entre o primeiro
trimestre de 2012 e o segundo trimestre de 2018. O estudo integra o
Boletim Mercado de Trabalho n. 65, lançado nesta quarta-feira, 31,
pelo Ipea (IPEA, 2018).
Já nos Estados Unidos as 16% mulheres negras
estadunidenses estão desempregadas, em relação 10% das mulheres
brancas, já para as mulheres latinas a taxa sob para 15% de acordo
com os dados da Forbes (ZIV, 2020).
Segundo análise do Think tank Economic Policy Institute com
os dados oficiais apontam a taxa de desemprego nos Estados Unidos
com maior impacto entre os trabalhadores latinos, com uma taxa de
desemprego de 18,9% (homens e mulheres) (SARAIVA e BOESLER,
2020).
Conforme Barrucho e Magenta (2020), o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística de Geografia e IBGE aponta no Brasil em 2018,
15,4% dos brancos viviam na pobreza, enquanto esse percentual era
maior entre pretos e pardos: 32,9%. Já nos Estados Unidos, a
disparidade também é observada entre as duas raças segundo os
dados do Censo americano (2018) do mesmo ano, 20,8% dos negros
eram considerados pobres, ante a 10,1% dos brancos. Os níveis de
pobreza são determinados pelo governo dos EUA e variam de acordo
com o tamanho de uma família e a idade de seus membros. Em 2018,
o limiar de pobreza — também conhecido como linha de pobreza —
para um indivíduo era de US$ 12.784 por ano. Para duas pessoas, o
nível médio ponderado era de US$ 16.247 por ano (BARRUCHO e
MAGENTA, 2020).
Com todos esses dados, observa-se negros também que pode
haver barreiras subjetivas dificuldade de alcançar postos de trabalho
mais altos tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos
183

Segundo um levantamento do Instituto Ethos (2018), os


negros ocupam apenas 4,9% das cadeiras nos Conselhos de
Administração das 500 empresas de maior faturamento do Brasil. O
índice refere-se apenas a pardos — não há nenhum negro nessa
posição de alto comando, acrescenta à pesquisa. Nos Estados Unidos,
há apenas quatro CEOs (Chief Executive Officer, que traduzido para a
língua portuguesa significa Diretor Executivo) negros entre as 500
maiores empresas do país (0,8%) (BARRUCHO e MAGENTA, 2020).

1.1 Objetivo geral

Os objetivos deste artigo são, além de estabelecer uma


conexão conceitual sobre a mulher negra no mercado de trabalho dos
Estados Unidos, mais especificamente em Nova Iorque. e suas
interseções a fim de categorizar os elementos que compõe esse
universo.

1.2 Objetivos específicos

1.2.1 Debater a construção do mercado corporativo para a mulher


negra nos Estados Unidos
1.2.2 Analisar os números atuais de desempregos e a questão de
recortes de nacionalidade e gênero
1.2.3 Trazer para o diálogo as intersecções de raça, gênero e
nacionalidade

1.3 Questão/Pergunta problematizadora

Observando as lacunas de desemprego no Brasil e nos


Estados Unidos, a mulher negra brasileira quando inicia sua carreira
nos Estados Unidos ela é lida somente como negra, somente como
latina ou há intersecções?

1.4 Justificativas

Devido aos números que mostram a desigualdade


empregatícia entre mulheres negras no Brasil e nos Estados Unidos,
184

decide-se apresentar a intersecção entre estes dois cenários, através


da experiência de quem já viveu nestes dois lugares e faz parte destas
estatísticas. Com base em dados, fatos e experiências, este material
pode servir como ferramenta de conscientização individual, e, um
material para auxiliar em decisão para medidas públicas e privadas.

2 METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica que tem como


principais referenciais relacionados ao mundo do trabalho no Brasil
e nos Estados Unidos com foco na questão racial, e também de
gênero, respeitando os acessos às fontes de pesquisas com dados.
Acrescenta-se a pesquisa bibliográfica, um relato de experiência que
pode materializar a carreira internacional da mulher negra
(SEVERINO, 2018).

3 MULHER NEGRA BRASILEIRA E O NÃO LUGAR NOS


ESTADOS UNIDOS

De acordo com o site Census.gov, o censo é o balizador de


decisões públicas e privadas nos Estados Unidos, sendo assim os
processos seletivos destinam vagas para minorias americanas, não
incluem o negro na categoria de cor e sim na categoria de
nacionalidade, no caso latina (UNITED STATES CENSUS, 2020).
Na prática, o cenário possibilita as pessoas negras no exterior,
passem por opressões raciais, porém o registro das mesmas se
invisibiliza uma vez a nacionalidade é o balizador de identificação,
conforme os dados do censo nos Estados Unidos (2018) conduzindo
as vivências subjetivas e objetivas de uma pessoa negra à um não
lugar segundo definição do/da autora Bauman (2001, p.120)“... todos
devem sentir-se como se estivessem em casa, mas ninguém deve se
comportar como se verdadeiramente em casa. Um não lugar "é um
espaço destituído das expressões simbólicas de identidade, relações
e história".
As Figuras 1 e 2 referem-se ao censo dos Estados Unidos,
mostrando tanto os brancos brasileiros quanto os negros se encaixam
na categoria de Latino no formulário, desta forma, subentende-se os
dados com foco na questão racial nos Estados Unidos expressam a
185

diferenças brancos e negros nascidos no país. O quadro de pessoas


latinas contempla diferentes fenótipos negros e não negros, podendo
invisibilizar a raça, colocando como critério das diferenças numéricas
desiguais, como uma questão de nacionalidade e não de fenótipo.
Figura 1 - Formulário do Censo Estadunidense (parte 1)

Fonte: Univision, 2020


186

Figura 2 - Formulário do Censo Estadunidense (parte 2)

Fonte: Univision, 2020

No censo também, não consta a opção afro latina de acordo


com o portal estadunidense ABC News afro latino (2020) é uma
categoria para pessoas negras nascidas em qualquer país da América
Latina (incluso o Brasil). Sendo na vivência as pessoas com a cor de
pele negra independente da sua origem, recebem menos
oportunidades só pelo o seu tom de pele, permitindo analisar a
questão do não lugar, estes momentos onde teoricamente ser negro
nos Estados Unidos é somente quem nasceu e estudou no país, mas
na prática pessoas com tons de pele escuro também passam por
relatos, como o seguinte divulgado na BBC (2016).
Vanita Gupta, a mais importante advogada de defesa dos
direitos civis no Departamento de Justiça, mencionou em setembro
de 2015:
Bancos continuam a construir e estruturar suas operações
de empréstimo de uma forma de evitar ou não consegue
servir de forma significativa às comunidades de cor, tendo
como base a premissa do risco financeiro
(VAIDYANATHAN, 2016, p.???).
Há uma característica além do tom da pele, estudos
apresentados pelo NBER (2020), mostra os estadunidenses com
nomes afro americanos tem necessitam enviar 15 currículos para
receber uma ligação enquanto para pessoas com nomes não afro
americanos, precisam enviar 10 currículos para receber uma ligação,
187

porém os estudos deixam para interpretarmos se a pessoa latina, do


tom de pele negro teria mais retorno do que a pessoa com o nome
não afro latino (NBER, 2020).
No trecho do livro Mulher, Raça e Classe mostra a
importância quando tratamos da escravidão e de seus efeitos, da
forma pela qual a mulher negra foi desumanizada, nos dá a dimensão
da impossibilidade de se pensar um projeto de nação que
desconsidere a centralidade da questão racial, já que as sociedades
escravocratas foram fundadas no racismo. Além disso, a autora
mostra a necessidade da não hierarquização das opressões, ou seja, o
quanto é preciso considerar a intersecção de raça, classe e gênero para
possibilitar um novo modelo de sociedade (DAVIS, 2016).
As mulheres respondem por quase metade das principais
funções de marketing em grandes empresas, incluindo atividades
nos setores de serviços bancários – possuem mais figuras femininas
como líderes do que homens. De acordo com um novo relatório da
Association of National Advertisers (ANA, 2018). Porém, as companhias
continuam atrasadas quando o assunto é promover asiáticos, latinos
e negro para cargos de marketing. Neste relatório nos Estados
Unidos, publicado em 2018, aponta a composição de cargos de
diretores de marketing ou daqueles equivalentes a diretores de
marketing em 747 empresas, incluso Apple a Verizon.
A pesquisa constata uma discriminação de gênero de 45% de
mulheres para 55% do sexo masculino. Mas, apenas 13% das
principais posições não são ocupadas por pessoas brancas. Desse
número, 5% são asiáticos, 4% são hispânicos/latinos e 3% são negros.
Isso pode ser interpretado como a liderança responsável por
supervisionar os orçamentos das maiores e mais influentes
companhias dos Estados Unidos, é mais branca do que a população
no geral. Os negros representavam 13,3% dos habitantes dos Estados
Unidos em 1º de julho de 2017, segundo o U.S. Census Bureau. A
população é formada, ainda, por 17,8% de hispânicos e 5,7% de
asiáticos (ASSOCIATION OF NATIONAL ADVERTISERS, 2018). A
entidade ANA cita também produzir o relatório anualmente para
acompanhar o progresso, porém até o presente momento estes foram
os dados encontrados online de 2018.
188

4 ANÁLISES DOS RESULTADOS

Por meio da análise dos dados do IBGE e do Censo


Estadunidense observasse a diferença entre oportunidades entre
mulheres negras no Brasil e nos Estados Unidos, pois a classificação
de nacionalidade é o fator determinante para divulgação de
resultados e medidas entendidas em processos seletivos de mulheres
negras em Nova Iorque, Estados Unidos, por sua vez são lidas como
mulheres não negras, classificadas como latina em para qualquer
fenótipo brasileiro que esteja nos Estados Unidos.
Com todos os resultados, análises e reflexões realizados até
aqui, percebe-se a importância de estudos acerca do impacto da
mulher negra em Nova Iorque ser lida como latina pela sua
nacionalidade, enquanto uma categoria específica no Censo como
afro latina, ou categoria possa trazer visibilidade e posso mensurar o
impacto do tom de pele na carreira da mulher negra brasileira

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As classificações raciais diferentes entre o Brasil e os Estados


Unidos, podem favorecer a invisibilidade de interseções como raça,
gênero e nacionalidade. Desta forma, as oportunidades também
seguem estas classificações, e isso pode ocasionar na manutenção do
sistema atual e um favorecimento para as desigualdades continuam.
Por todo histórico de construção social presentes em ambos os países
(Brasil e Estados Unidos) a raça foi determinante para construir as
relações hierarquitas da sociedade, e até hoje as consequências são
apresendatas em dados e fatos da desigualdade estrutural refletida
(também) na carreira da mulher negra.
Uma vez que é necessário enxergar o cenário real para tomar
decisões com impacto social, e deixem mais igualitária e humanitária
a vida de quem é mais impactado negativamente nas estatísticas. Por
isso a classificação para favorecer um lugar para mulheres negras
afro latinas por ter fenótipo e nacionalidade pelos números
apresentados são os mais vulneráveis tanto no Brasil e também nos
Estados Unidos.
189

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https://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/2018/03
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BAUMAN, Z. Fragmentação dos espaços públicos das cidades
tratada em seu livro Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2001.
CAPÍTULO 9 │ AQUILOMBAMENTO FINANCEIRO
COMO PROCESSO INTERNO DE
INCLUSÃO E ALTERNATIVA DE
FORTALECIMENTO DO
AFROEMPREENDEDORISMO E DO
EMPREENDEDORISMO NEGRO

Mariângela de Castro

RESUMO

Neste capítulo, o objetivo é apresentar o aquilombamento financeiro


como processo interno de inclusão e alternativa de fortalecimento do
empreendedor negro e do afroempreendedor. No contexto do
empreendedor negro, vários são os problemas enfrentados, desde
dificuldades para conseguir créditos, carência de apoio na
administração de negócios são alguns dos obstáculos do
afroempreendedorismo no Brasil. Este trabalho se justifica na minha
vivência, enquanto mulher negra, periférica e empreendedora, com
conhecimento empírico, ou seja, derivados por meio dos dados da
experiência e das dificuldades de uma afroempreendedora no Brasil.
A questão central é, sendo o negro a maioria demográfica no País, e
uma parcela da população, responsável pela movimentação de
trilhões em transações financeiras, qual a razão o empreendedor
negro enfrentar tanta dificuldade para ascensão e fortalecimento de
seu empreendimento? Trata-se de uma pesquisa bibliográfica
combinada com levantamento de dados disponíveis em órgãos
oficiais e uma análise textual discursiva de trabalhos publicados e
artigos na internet, tendo como principal referência dados estatísticos
vinculados ao empreendedorismo negro. Durante o trabalho,
constatou-se como grande desafio do aquilombamento financeiro, a
conscientização do povo negro, salientando a necessidade de
ampliação da consciência e se enxergando além de um mercado de
nicho, e ainda o confirmou como é importante e potente o movimento
192

de aquilombar para o povo negro, demonstrando assim, como o


aquilombamento financeiro é uma alternativa para o fortalecimento
do afroempreendedorismo e para o empreendedorismo negro.
Palavras-chave: AQUILOMBAMENTO. FINANCEIRO.
AFROCONSUMO. AFROMPREENDEDORISMO. NEGRO.

1 INTRODUÇÃO

O aquilombamento é um resgate histórico, sendo muito


utilizado pela militância negra engajada. Considerado fundamental
no processo de empoderamento do povo negro, conforme relata
Paula Carolina em: O quilombismo nos espaços urbanos – 130 anos
após a abolição:
“Aquilombar-se” tem se tornado um termo popular entre
grupos negros engajados na ideia de resistência da cultura
negra brasileira. Para esses grupos, “quilombo” é uma
importante tecnologia social de resistência que promove o
“estar junto” para ampliar e potencializar saberes, cultura,
identidade e histórias ancestrais. Aquilombar-se é, para os
negros, um jeito de ser no mundo. (BATISTA, 2019, p. 399).
Aquilombando, o povo negro também acessa suas memorias,
conhece suas origens e cultura, para assim, conhecendo o passado,
possa entender melhor seu futuro, conforme Stéfane Souto.
A prática do aquilombamento é atravessada pelo princípio
filosófico africano Sankofa, uma vez que diz respeito a
acessar um legado fundado no início da experiência
diaspórica, adaptá-lo às condições do presente e, com isso,
criar a possibilidade de futuros pluriversais (SOUTO, 2020,
p. 141).
As marcas e resquícios de uma sociedade com bases
escravocratas e resultado de uma abolição sem planejamento para o
futuro do negro livre no Brasil, mostram suas facetas ao longo da
193

história e se revelam em diferentes aspectos e setores na


contemporaneidade, conforme contextualizou Marcos Sales Bezerra
e Marilene Pereira:
No Brasil a arte de empreender se apresenta como algo
“novo”, porém esta tarefa para a população negra
escravizada constituída sobretudo após o séc. XIX, foi
fundamental desde o período pós-abolição por se tratar de
uma mão-de-obra barata e rentável (SILVA, 2017, p.10).
(BEZERRA e PEREIRA, 2019, p. 01)
A colonização opressora e o período de escravização deixam
marcas profundas, ainda hoje, neste sentido temos Priscila Santos de
Souza:
Parece óbvio, mas vale lembrar, que o Brasil passou por um
longo processo de colonização e, dentro desse período,
contamos quase 400 anos de escravização de negros e
indígenas. Apesar da mudança do sistema escravagista para
o sistema capitalista, as relações coloniais sobre a ocupação
territorial e as formas de organização social permaneceram
com seus traços onipresentes de diferentes modos (SOUZA,
2020, p. 57).
Conforme o Instituto de Geografia e Estatísticas do Brasil
(IBGE), a democracia racial ainda não é uma realidade. Irene Gomes
e Mônica Marli, no artigo “IBGE mostra as cores das desigualdades”,
publicado na Revista Retratos e disponibilizado no site oficial do
IBGE:
As estatísticas de cor ou raça produzidas pelo IBGE
mostram que o Brasil ainda está muito longe de se tornar
uma democracia racial. Em média, os brancos têm os
maiores salários, sofrem menos com o desemprego e são
maioria entre os que frequentam o ensino superior, por
exemplo. Já os indicadores socioeconômicos da população
preta e parda, assim como os dos indígenas, costumam ser
bem mais desvantajosos (GOMES e MARLI, 2018) (Grifos
nossos)
A abolição não planejou formas deste povo sobreviver e
produzir, somados às políticas de branqueamento e extermínio da
população negra, resultou em um estado de sobrevivência, o qual
perdura até os dias de hoje, conforme relatou o professor Otair
194

Fernandes, doutor em Ciências Sociais e coordenador do Laboratório


de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (Leafro/UFRRJ), a realidade do Brasil ainda
é herança do longo período de colonização europeia e do fato de ter
sido o último país a acabar com a escravidão (GOMES e MARLI,
2018).
Este estado de sobrevivência dos negros abre uma ampla
desvantagem no qual os distanciam da realidade do branco,
mostrando a verdadeira precariedade financeira do
empreendedorismo negro. Neste sentido, reforça o professor Altair:
[...] mesmo após 130 anos de abolição, ainda é muito difícil
para a população negra ascender economicamente no
Brasil. “A questão da escravidão é uma marca histórica.
Durante esse período, os negros não tinham nem a
condição de humanidade. E, pós-abolição, não houve
nenhum projeto de inserção do negro na sociedade
brasileira. Mesmo depois de libertos, os negros ficaram à
própria sorte. Então, o Brasil vai se estruturar sobre aquilo
que chamamos de racismo institucional”, lembra (GOMES
e MARLI, 2018, s/p).(grifo nosso).
E para reforçar o abismo de condições sociais entre brancos e
negros, o comportamento racista de dificultar para os negros e
facilitar para os brancos é histórico, a abolição a qual não planejou
formas de o negro sobreviver, aos incentivos a imigrantes brancos,
conforme bem relata Djamila Ribeiro:
Os incentivos para imigrantes fizeram parte de uma política
oficial de branqueamento da população do pais, com base
na crença do racismo biológico de que negros
representariam o atraso. Essa perspectiva marcou a história
brasileira, valorizando culturas europeias em detrimento da
cultura negra, segregando a população negra de diversas
forma [...] (RIBEIRO, 2019, p.79)
A população negra é uma potência econômica no pais,
movimentamos trilhões de reais, como conformam Edgard Barki,
Márcio Macedo E Pablo Leão:
A força econômica da população negra no Brasil é inegável.
De acordo com a pesquisa realizada pelo Instituto
Locomotiva, os negros (soma de pretos e pardos, categorias
195

utilizadas pelo IBGE) representam 54% da população


brasileira e movimentam em torno de R$ 1,7 trilhão na
economia nacional. Além disso, a mesma pesquisa
evidencia que 29% dos negros que trabalham possuem o seu
próprio negócio, totalizando 14 milhões de
empreendedores que movimentam, aproximadamente, R$
359 bilhões em renda própria por ano (BARKI, MACEDO e
LEÃO, 2019, p.12).
Contudo, o empreendedor negro enfrenta dificuldades de
ascensão e o racismo vigente no país influencia, resultando em um
distanciamento entre brancos e negros, e a diferença entre o
empreendedorismo branco e o afroempreendedorismo. As
discrepâncias aparecem desde o primeiro momento, quando é
definido o motivo para empreender, segundo Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE, 2018), às estatísticas
de 2018, 45,5% dos empreendedores negros empreenderam por
necessidade, em contrapartida apenas 28,5% dos empreendedores
brancos empreendem pelo mesmo motivo, dados da Agência Sebrae
de Notícias (SEBRAE, 2018).
Há outros fatores, além da motivação para empreender os
quais prejudicam o empreendedorismo negro, mostrando a
necessidade de ações afirmativas para equiparar este cenário:
Um dado simples para ilustrar esse racismo aponta que,
segundo o PNAD, enquanto o rendimento médio dos
brancos é de R$ 2.814, os negros têm um rendimento médio
de R$ 1.570. Neste contexto, os desafios para o
fortalecimento do empreendedorismo negro são muitos.
(BARKI, MACEDO e LEÃO, 2019, p.12).
É uma realidade, os negros ainda enfrentam muitas
dificuldades para empreender no Brasil, conforme Amanda Alves
Campos constatou em seu trabalho: “A valorização do negro no b
Brasil e o afroempreendedorismo:
O estudo conseguiu identificar por meio da coleta de dados
que o racismo é algo cotidiano na vida do empreendedor
negro. Além disso, as diferenças entre negros e brancos
permite afirmar que essas impactam diretamente na
aquisição de recursos e possível expansão e sucesso desses
afroempreendedores, que em sua maioria atuam
virtualmente e não possuem funcionários em virtude de um
196

acesso dificultado a serviços bancários, por exemplo


(CAMPOS, 2018, p. 24).
Os dados seguem discrepantes, e mesmo às tecnologias mais
modernas, seguem reproduzindo o racismo, que a exemplo,
dificultam o acesso do empreendedor negro ao financiamento
bancário, conforme complementam Edgard Barki, Márcio Macedo e
Pablo Leão:
Destacamos, dentre várias questões, três pontos
nevrálgicos. Um primeiro desafio está relacionado ao
capital humano. A formação empreendedora é um
problema de forma geral. O nível de educação formal da
população brasileira é baixo, e temas relevantes ao
empreendedorismo como fluxo de caixa, planejamento e
gestão são gargalos. Um segundo obstáculo é o capital
econômico e o acesso ao crédito. Os algoritmos que
definem os critérios para a concessão de crédito são
influenciados por metodologias que dificultam a inclusão
dos negros no sistema financeiro. (2019, p.12) (grifos
nossos)
Se os negros são mais de 50% da população em densidade
demográfica e, ao mesmo tempo, movimentam trilhões em reais todo
ano, porque o empreendedorismo negro enfrenta tanta dificuldade
para se estabelecer e ascender no mercado.
Apresentada as dificuldades, abordaremos a importância do
aquilombamento financeiro e como ele abarca o movimento do Black
Money e o afroconsumo, e apresentaremos ainda importância para o
empreendedorismo negro como ferramenta de inclusão social e luta
contra o racismo estrutural em uma sociedade capitalista, conforme
reforça Eliane Quintiliano Nascimento:
Os afrompreendedores, em sua maioria, afirmam a luta
contra o racismo, promovem a visibilidade positiva da
identidade negra, realizam atividades voltadas para o
empoderamento estético e identitário da população afro-
brasileira. Para isso, eles fomentam o
afroempreendedorismo e o afroconsumo3como estratégia
de enfrentamento à vulnerabilidade econômica e social.
Dessa forma, incentivam o consumo de produtos e serviços
oferecidos por empreendedores negros que valorizam e
fortalecem a identidade étnica afro-brasileira africana
197

(NASCIMENTO, 2018, p. 2).


Assim, é preciso ir além do incentivo ao afroconsumo, o qual
seria priorizar produtos e serviços feitos especificamente para o povo
negro. É necessário ao povo negro, incentivar o aquilombamento
financeiro, dando preferência para consumir de negócios que tenham
afroempreendedores como líderes e donos, pois uma das
dificuldades enfrentadas pois estes, é a de criar uma rede de
relacionamento:
No entanto, esses empreendedores têm dificuldade em
acessar outras redes que possibilitem conhecer novos
clientes e novos mercados. Essa dificuldade em
relacionamentos limita o escopo e a escala desses
empreendedores. Esse problema se inicia com as primeiras
relações sociais e se solidifica com o passar dos anos. De
acordo com um estudo recente da OCDE (Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil está
na segunda pior posição em chances de mobilidade social
ascendente, ou seja, quem nasce em uma família pobre pode
levar até 9 gerações para ascender a uma classe com renda
média. (BARKI, MACEDO e LEÃO, 2019, p.12)
O aquilombamento financeiro é o resgate da estratégia
ancestral de aquilombar, como postura frente ao uso do capital do
povo negro:
[...] pedimos licença para desdobrar a enunciação feita por
Beatriz Nascimento e desembocar na ideia de
“aquilombamento” enquanto dispositivo derivado da
instituição quilombo, porém destituído do seu caráter
territorial, no intuito de demonstrar a continuidade do ato
de aquilombar como estratégia de resistência e coletividade
e designar experiências de organização e intervenção social
protagonizadas pela população negra na atualidade
(SOUTO, 2020, p.141).
Aquilombar o capital, é ampliar a consciência do negro, para
deixar de ser visto apenas como nicho de consumo: “Segundo o
Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Brasil possui, hoje, 11
milhões de empreendedores afrodescendentes. Sim, são muitos!
Muito mais do que um “nicho”, o povo negro é a maioria no Brasil e,
economicamente falando, ainda tem muito potencial de
crescimento”. (TAVARES, SILVA e MONARCHA, 2018, p. 110)
198

É usar a força do capital negro aqui no Brasil, para fortalecer


o povo negro, e não somente gastar o dinheiro com produtos para o
negro, conforme explicitou profundamente:
Partindo do pressuposto que a comunidade negra precisa
investir na própria comunidade onde precisa de educação e
comunicação, tecnologia e melhoria contínua, assim como
serviços financeiros. Resgatar a unidade preta sabendo que
resgatar e aglutinar o nosso saber, as vontades, a demanda
não é segmentar e sim investir também na sociedade
brasileira (TAVARES, SILVA e MONARCHA, 2018, p. 112).
Sendo assim, o aquilombamento financeiro, seria gastar
somente entre negros, mas capitar entre negros e brancos, ou seja, ir
além do negro consumindo de negro, é uma mudança de postura,
através de um olhar de inclusão e acolhimento, no momento de traçar
estratégias financeiras de consumo, investimento e contratação como
alternativa da derrubada da base capitalista e racista da sociedade
atual, conforme discorre Kabenguele Munuanga:
O negro se dá conta de que a sua salvação não está na busca
de assimilação do branco, mas sim na retomada de si, isto é,
na sua afirmação cultural, moral, física e intelectual, na
crença de que ele é sujeito de uma história e de uma
civilização que lhe foram negadas e que precisava recuperar
(MUNANGA, 1990, p. 111).
Neste sentido, temos Petrônio José Domingues, em seu
trabalho sobre o Movimento da negritude, que surgiu nos Estados
Unidos da América, e que teve seu auge na África nos anos de 1960:
E foi justamente para dar uma resposta a esse sentimento de
marginalização racial e frustração existencial que a
pequeno-burguesia negra resolveu revalorizar sua
identidade no “mundo dos brancos”, empreendendo um
discurso de afirmação racial e volta às raízes da cultura
africana. Preterida socialmente na Europa, a pequeno-
burguesia intelectual negra encontra como saída a negação
do embranquecimento de seus “corpos e mentes”, a
aceitação simbólica de sua herança étnica, a qual deixaria de
ser considerada inferior. Negritude, nesse sentido, tratou-se
de uma reação à branquitude reinante da cultura ocidental
(DOMINGUES, 2005, p. 200-201).
O presente capítulo pretende apresentar o potencial de
199

consumo do povo negro e o contrassenso por meio das dificuldades


dos afroempreendedores. Além disso, deseja-se ainda, trazer a
importância do aquilombamento financeiro dentro de uma sociedade
capitalista e revelando-o como estratégia de crescimento e
fortalecimento do afroempreendedorismo e do empreendedorismo
negro.

1.1 Objetivo geral

Revelar o aquilombamento financeiro como processo interno


de inclusão e alternativa de fortalecimento do empreendedor negro e
do afroempreendedor.

1.2 Objetivos específicos

1.2.1 Expor o potencial de consumo do povo negro e o contrassenso


com as dificuldades dos afroempreendedores;
1.2.2 Evidenciar importância do aquilombamento financeiro dentro
de uma sociedade capitalista;
1.2.3 Revelar a estratégia do aquilombamento financeiro, para o
fortalecimento do afroempreendedorismo para ascensão de poder.

1.3 Questão problematizadora

Observando que o negro é maioria demográfica no País, por


conseguinte, movimenta trilhões em transações financeiras, qual a
razão o empreendedor negro enfrentar tanta dificuldade para
ascensão e fortalecimento de seu empreendimento?

1.4 Justificativa

O presente capítulo, se justifica no fato de, enquanto mulher


negra e empreendedora, vivencio e sinto na pele as dificuldades de
ser um empreendedor negro no Brasil. Sou advogada e em minha
cartela de clientes não tem nenhum cliente negro retinto. Indo além,
nos espaços de fomento ao empreendedorismo que frequento,
encontro poucos ou, às vezes, nem encontro empreendedor afro. Por
fim, os problemas para obter crédito e carência de apoio na
200

administração de negócios se tornam obstáculos do


afroempreendedorismo no Brasil.

2 METODOLOGIA

Esta é uma pesquisa bibliográfica combinada com


levantamento de dados disponíveis em órgãos oficiais e uma análise
textual discursiva de trabalhos publicados, reportagens e artigos da
internet, tendo como principal referência dados estatísticos
vinculados ao empreendedorismo negro (SEVERINO, 2018).

3 CONCEITOS E MOVIMENTOS DE INCENTIVO AO


AFROEMPREENDENDORISMO E A CULTURA AFRO

Movimentos modernos de incentivos à produção cultural e de


produtos voltados ao povo negro como o afroempreendedorismo
(CAMPOS, 2018, p.15), afroconsumo (MONTENEGRO, 2016, p.10) e
o Black Money (TAVARES, SILVA e MONARCHA, 2018, p. 112),
perpassam o aquilombamento (BATISTA, 2019, p. 399) financeiro,
mas não o abarcam por completo, pois aquilombar as finanças é
centralizar o gasto do dinheiro negro, aliado a junção de todas essas
práticas, resultando em uma mudança de postura frente ao gasto do
capital que a pessoa negra ganha.

3.1 Afroempreendedorismo e empreendedorismo negro

A arte de criar e conceber, com criatividade e motivação, o


empreendedorismo, consiste ainda no prazer da realização pessoal
ou organizacional, uma busca por oportunidade e desafios (BAGGIO
e BAGGIO, 2014).
O empreendedorismo é uma ferramenta de desenvolvimento
econômico e social para uma sociedade saudável, como bem
pontuaram Adelar Francisco Baggio e Daniel Knebel Baggio:
Os economistas percebem que o empreendedor é essencial
ao processo de desenvolvimento econômico, e em seus
modelos estão levando em conta os sistemas de valores da
sociedade, em que são fundamentais os comportamentos
201

individuais dos seus integrantes. Em outras palavras, não


haverá desenvolvimento econômico sem que na sua base
existam líderes empreendedores (BAGGIO e BAGGIO,
2014, p. 25).
Nos anos 90, o empreendedorismo chega ao Brasil,
fomentado por instituições como SEBRAE (Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas) (DORNELAS, 2005).
Já o afroempreendedorismo, surge em 1996, em Brasília, com
o aquilombamento de empresários com o objetivo de criar uma
organização empresarial, com foco no fomento das empresas afro-
brasileiras (SANTOS, 2017, p. 28)
Devido a esta importância para a sociedade, o
empreendedorismo não poderia deixar de ser significativo para a
luta de equidade racial do povo negro, conforme bem pontua
Amanda Alves Campos.
O empreendedorismo negro é tratado como atividade
essencial para desenvolver o país de forma socioeconômica através
dos micro e pequenos afroempreendedores no Brasil (VILLAVERDE,
2014). O afroempreendedorismo no país é considerado uma
estratégia de grande relevância para a população negra brasileira, em
função da criação de empregos e renda para milhões de cidadãos,
proporcionando auto identificação entre negros e negras se
embasando com referências de sucesso que, consequentemente
influencia na auto estima dessa população (MONTEIRO, 2001).
(CAMPOS, 2018, p. 15).
Necessário se faz, elucidar a diferença entre
empreendedorismo negro e afroempreendedorismo, para o melhor
entendimento do conceito o qual, aqui se pretende apresentar, o
aquilombamento financeiro. Conforme Eliane Quintiliano
Nascimento: “O afroempreendedorismo é compreendido como uma
estratégia de enfrentamento à vulnerabilidade econômica e social da
população negra, o segmento social mais afetado pelas
transformações do mercado de trabalho (NASCIMENTO, 2018, p.1).
Aprofundando, afroempreendedorismo são os
empreendimentos organizacionais ou sociais focados na cultura,
traços e necessidades específicas da população negra:
202

Existe uma subcategoria no mundo do empreendedorismo


(hoje já reconhecida por organizações como o Sebrae)
chamada de afroempreendedorismo. Trata-se de qualquer
empreendimento focado no público negro. O surgimento
desse termo no vocabulário da economia brasileira é novo,
assim como o reconhecimento de que esse público, é sim,
uma grande e potencial fatia de mercado (FREITAS, 2018)
(TAVARES, SILVA e MONARCHA, 2018, p. 110).
Então o que seria o empreendedorismo negro? Seria todo e
qualquer empreendimento, mesmo os voltados para o público em
geral, mas que tenha como empresário ou empreendedor pessoa
negra.
A separação de afroempreendedor e de empreendedor negro,
nos conceitos acima apresentados, não é unanime, e para este
trabalho, segue-se este entendimento, não interessa a natureza da
palavra, serão todos considerados: A autora aponta que se referem
ao empreendedor autodeclarado preto ou pardo,
independentemente do tipo de negócio como: afroempreendedor,
empreendedor afro-brasileiro ou empreendedor negro
(NASCIMENTO, 2018 apud BEZERRA e PEREIRA, 2019, p. 02)
Insta salientar, verifica-se a relevância do tema aqui
abordado, apresentando como é dinâmica e particular a realidade do
empreendedorismo étnico-racial em sua integralidade e em contextos
específicos, como é o caso brasileiro:
Sendo assim, este artigo pretende-se agregar novas
evidências a um debate pouco explorado no campo de estudos sobre
o fenômeno empreendedor, que pode ser caracterizado como
empreendedorismo étnico-racial, empreendedorismo de minorias,
ou ainda empreendedorismo negro (black entrepreneurship). Trata-
se de uma temática que procura problematizar a natureza e as
particularidades da ação empreendedora de indivíduos negros,
vinculando aspectos de suas trajetórias a elementos tradicionais da
pesquisa em empreendedorismo (HISRICH; BRUSH, 1991;
HARVEY, 2005; KÖLLINGER; MINNITI, 2006; SINGH; GIBBS, 2013;
GIBBS, 2014; REZENDE; MAFRA; PEREIRA, 2018). (BEZERRA e
PEREIRA, 2019, p. 02)
O empreendedorismo é algo latente desde sempre para o
203

povo negro, foi um processo doloroso e forçado que os negros


passaram após a abolição sem planejamento e cuidado:
Às vezes pensamos que o empreendedorismo negro ou
afroempreendedorismo é uma coisa nova, mas não. Desde os tempos
da Casa Grande e Senzala já tínhamos negros que trabalhavam pela
sua própria sobrevivência. Logo depois desses negros serem jogados
à própria sorte, tivemos muitos negros empreendendo para manter
sua sobrevivência, os afro-brasileiros têm-se mostrado um povo
empreendedor, faltando a oportunidade, ou melhor, políticas
públicas para que se fortaleça como empregador/empresário.
(NOGUEIRA, 2013 apud TAVARES, SILVA e MONARCHA, 2018, p.
111)

3.2 Afroconsumo

Outro movimento de conscientização financeira é o


“movimento de contracultura, que considera a influência direta ou
indireta das características étnico-raciais nas experiências do
consumo, consciente ou inconsciente, protagonizando à estética e às
características raciais e culturais intrínsecas aos afrodescendentes”
(MONTENEGRO, 2016, p.10).
Assim, o afroconsumo surge da necessidade de produtos
específicos para características e peculiaridades de sujeitos, até então,
invisíveis aos olhos de um mercado, sem produção e ou comunicação
com eles. Sujeitos se levantam e passam a exigir respeito e
consideração a suas individualidades e especificidades
(MONTENEGRO, 2016, p.10).
Sendo assim, tanto o afroconsumo, o afro empreendedorismo
e o Black Money se assemelham ao movimento de aquilombamento,
mas não contemplam de forma integral, pois segundo Souza:
O movimento de aquilombar-se, de lutar pela garantia da
sobrevivência física, social e cultural, é histórica. Alcança
uma dimensão secular de resistência e luta dos africanos e
seus descendentes, muitas vezes em conjunto com
indígenas e até brancos, e chega aos dias atuais na batalha
pela garantia de direito fundamentais, como a titulação das
terras que tradicionalmente ocupam as comunidades
204

quilombolas (SOUZA, 2008, p. 13).


O aquilombamento financeiro, se apresenta como a junção
destes conceitos, abrange todas às decisões as quais envolvem a
economia e o financeiro do povo negro, visto que utilizará deu capital
à favor da luta, pois em uma sociedade capitalista, é crucial traçar
uma estratégia na qual se tenha como foco o “dinheiro”. (SOUSA,
2008, P. 13)

3.1 Black Money

A ideia de promover educação, empreendedorismo e inclusão


financeira, fazendo o capital circular de maneira justa entre quem
precisa, iniciou nos Estados Unidos com o Movimento Black Money,
que no Brasil foi difundido pela Nina Silva, conforme:
O Black Money, fundado pela especialista em tecnologia
Nina Silva, é dinheiro que circula de mãos pretas, gerando
riqueza dentro da comunidade negra. 75% de 10% da
população mais pobre do país é negra, se você aumenta 1%
da renda per capita de cada pessoa nessa base, você
movimenta toda a pirâmide social (TAVARES, SILVA e
MONARCHA, 2018, p. 112)
Utilizado no Brasil, devido a excessiva prática do
estrangeirismo (NEGREIROS, 2005, p. 64) o termo Black Money,
originalmente, referia-se a dinheiro ilegal, mas posteriormente foi
ressignificado, podendo ser traduzido como dinheiro negro,
conforme contextualiza Andriele Monique Santos Dos Reis:
E à medida que a população se autodeclara negra ela
procura por produtos e serviços que tenham a ver com sua
especificidade, essa busca por representatividade vem
impulsionando um movimento de mercado chamado Black
Money que significa dinheiro negro em português, esse
movimento propõe que o dinheiro gasto pela população
negra circule em torno dela e dos seus negócios no intuito
de gerar riqueza entre a comunidade negra. (REIS, 2019, p.
12).
A filosofia do Black Money baseia-se em fomentar nas
comunidades pretas a prática de investir nelas mesmas, gerando
205

riqueza social e intelectual. Ela trouxe um bom resultado com uma


população negra dos Estados Unidos, sendo esta, menor que a do
Brasil: Nos EUA existem 91 bancos negros, que falam de Black Money
diretamente, num país que tem 14% de pessoas afrodescendentes.
Mas, no Brasil, este movimento ainda está sendo fomentado.
(TAVARES, SILVA e MONARCHA, 2018, p. 112).
Contudo, mesmo nos Estados Unidos, os resultados não são
tão satisfatórios: Nos Estados Unidos existem mais de 90 bancos
negros que falam de Black Money diretamente, sendo que a sua
população é formada por apenas 14% de afrodescendentes.
Não podemos deixar de considerar o contexto histórico dos
processos abolicionistas, que foram completamente diferentes no
Brasil e nos Estados Unidos, o Brasil foi o último país do mundo a
abolir a escravidão, somente em 1888, e após seguiu-se por uma
política de Estado de embranquecimento da população, já nos
Estados Unidos foram promulgadas as “leis Jim Crow”, um
regramento o qual impunha a segregação racial a qual perdurou até
1965” (RAMOS e SANTANA, 2020).
O Brasil foi o último país da América Latina a abolir a
escravidão, assim bem como a política durante e depois a este
período, também se diferenciam entre o Brasil e os Estados Unidos,
resultando na discrepante situação financeira do negro no Brasil e do
negro nos Estados Unidos. Assim também entende Juliana Andrade,
e um artigo para a Revista Forbes (2019): Número de negros na lista
de bilionários do mundo sobe para 16: “O Brasil, cuja população
negra chega a 56,4%, segundo dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, que considera a
soma de pretos e pardos, não possui um único bilionário negro e,
segundo este artigo, o país com mais negros donos de fortunas de
dez dígitos é os Estados Unidos, com seis. (FORBES)

4 AQUILOMBAMENTO FINANCEIRO COMO


ALTERNATIVA DE FORTALECIMENTO DO
AFROEMPREENDEDORISMO E DO
EMPREENDEDORISMO NEGRO, UMA ESTRATÉGIA
BASEADA NA INCLUSÃO INTERNA
206

O aquilombamento é um processo mobilizatório histórico no


Brasil, sendo este utilizado de forma estratégica, de acordo com os
aspectos históricos e políticos de cada período (SOUTO, 2020, p. 141).
Conforme Stéfane Souto, o aquilombamento é uma
necessidade histórica, é um chamado, é uma reconexão com a força
dos nossos ancestrais, resgatando, resistindo e preservando a cultura
do povo negro:
Segundo a historiadora Beatriz Nascimento, no
documentário “Ôrí”, de 1989, “quilombo” não é uma ideia
localizada no passado e sim um continumm cultural de
aglutinação, compreendendo quilombo em seu sentido
ideológico, no sentido de agregação, comunidade e
resistência pelo reconhecimento da humanidade e
preservação dos símbolos culturais do povo negro.
(SOUTO, 2020, p. 141).
O negro é maioria demográfica, em torno de 54% no país e
movimenta trilhões em transações financeiras, desde as mais
elementares, vinculadas ao dia a dia até grandes volumes financeiros
em investimentos em diferentes setores, conforme contextualizou
O afroempreendedorismo ganhou destaque nacional com a
pesquisa “Os donos do negócio do Brasil”, feita pelo Sebrae
a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad) entre os anos de 2002 a 2012 e publicada
em 2013. Nela, foram revelados que o número de
empreendedores negros cresceu 27%. No ano de 2015, de
forma inédita, a nova pesquisa realizada sobre “Os donos
do negócio do Brasil” revelou que 50% dos donos de
negócio eram negros 2, 49% brancos e 1% pertencia a outros
grupos populacionais. Segundo a última pesquisa do Sebrae
sobre o perfil do Microempreendedor realizada em 2017,
pretos e pardos representavam 53%. (NASCIMENTO, 2018,
p. 02).
O processo de inclusão interna, que perpassa o
aquilombamento financeiro, é olhar para a força do grupo, o
aquilombar-se, representa uma postura ativa onde cada indivíduo se
posiciona política e socialmente em busca do rompimento de uma
estrutura opressora, conforme Paula Carolina Batista em: “O
quilombismo em espaços urbanos – 130 anos após a abolição:
207

Lá, no continente de origem dos negros brasileiros, o


quilombo foi uma associação de homens sem distinção, e
seus membros eram submetidos a rituais para se integrarem
ao grupo e se transformarem em guerreiros. “O quilombo
africano, no seu processo de amadurecimento, tornou-se
uma instituição política e militar transétnica, centralizada,
formada por sujeitos masculinos submetidos a um ritual de
iniciação” (MUNAGA, 1995/1996, p. 63). Segundo o autor,
o quilombo brasileiro é uma cópia do quilombo africano,
que surge com o objetivo de se opor ao regime escravocrata,
iniciando uma nova sociedade: a dos oprimidos que
encontraram na fuga e no quilombo uma nova forma de
sobreviver. (BATISTA, 2019, p. 399)
Vemos como a razão para o afroempreendedor enfrentar
tanta dificuldade para ascensão e fortalecimento de seu
empreendimento não reside somente no fato de que negro não
compra de negro, como ricamente contextualizado neste capitulo, as
dificuldades são muitas, por isto é preciso traçar estratégias para
romper todas estas barreiras e o aquilombamento financeiro pode ser
uma importante e potente alternativa, e seguindo este entendimento,
temos Eliana Povoas Pereira Estrela Brito, Amilton Santos e Michelle
Matos: [...] aquilombar-se, pois o aquilombamento enquanto
construção histórica e política permite a reconexão com laços
ancestrais e o reconhecimento das identidades negadas pelos
processos colonizadores que historicamente habitam as políticas
curriculares brasileiras ( BRITO, SANTOS e MATOS, 2020, p. 440).
Isso porque amplia a consciência no sentido de inclusão e
fortalece toda a cadeia de mercado, pois os afroempreendedores
passaram a se conhecer e a entender as suas dores e dificuldades,
podendo traçar juntos alternativas e estratégias para ascensão e
fortalecimento de seus empreendimentos.

4.1 Aquilombamento financeiro

A estratégia de aquilombamento financeiro é descolonizar o


pensamento e o capital, reconhecer as interferências de um passado
escravocrata e mirar em uma postura efetiva de combate ao racismo,
iniciando pelo fortalecimento do afroempreendedor, dar
208

continuidade ao movimento negro no aspecto empreendedor e


capitalista:
É por intermédio das múltiplas modalidades de protesto e
mobilização que o movimento negro vem dialogando, não
apenas com o Estado, mas principalmente com a sociedade
brasileira. A trajetória desse movimento vem se
caracterizando pelo dinamismo, pela elaboração e
reelaboração, em cada conjuntura histórica, de diversas
estratégias de luta a favor da integração do negro e
erradicação do racismo na sociedade brasileira.
(DOMINGUES, 2007, p. 122)
Em um mundo capitalista, sem capital não se muda a
estrutura, precisamos com o aquilombamento financeiro, centralizar
o capital no afroempreendedorismo, conforme explica Paul M.
Sweezy, citando Marx:
A centralização, que não deve ser confundida com a
concentração, significa a reunião de capitais já em
existência: Esse processo difere do primeiro pelo fato de
pressupor apenas uma modificação na distribuição do
capital já existente e em atividade. Seu campo de ação não
se limita, portanto, pelo crescimento absoluto da riqueza
social, pelos limites absolutos da acumulação. O capital
cresce num determinado lugar até atingir uma massa
imensa, sob um controle único, porque em outro lugar foi
perdido por muitos investidores. Isso é a centralização, em
contraposição à acumulação e à concentração (SWEEZY,
1956, p.285).
O aquilombamento financeiro concentra os conceitos do
afroconsumo e do Black Money, e transborda-os, pois, prioriza o
consumo e contratação de serviços em negócios, empresas e
empreendimentos que tenham por trás negros e pretas como sócios
majoritários ou proprietários. Ao mesmo tempo, é priorizar a
contratação de pessoas negras por estes mesmos empresários e
empreendedores, com o objetivo de criar um movimento onde os
negros coloquem o capital financeiro e intelectual, assim bem como
seus esforços laborais, formando uma rede de apoio a pessoas e
empreendedores negros (PORCIDONIO, 2018).
O aquilombamento financeiro é uma postura diante do
capital negro, a qual precisa ser fomentado em toda a comunidade
209

negra, desde os afroempreendedores até o consumidor engajado na


causa antirracista, pois todos necessitam entender, assim, haverá a
possibilidade de sermos os financiadores dos afroempreendedores,
inovação na luta, conforme Nilma Lino Gomes.
Essas ações se encontram em um campo mais complexo: à
medida que o movimento negro aprimora a sua luta por
emancipação social e pela superação do racismo, mais se
intensifica a variedade de formas de opressão e de
dominação contra as quais ele tem que se contrapor, bem
como se amplia a multiplicidade de escalas (local, nacional
e transnacional) das lutas em que ele se envolve (Santos,
2006). Esse processo exige a construção de outras formas de
organização política, que produzirão novos conhecimentos
e pedagogias (Arroyo, 2011 apud GOMES, 2012, p. 741).
A disposição para a mudança, parte de cada um, por isto, o
aquilombamento financeiro, vem propor uma mudança de postura
em todos os campos do gasto financeiro de um indivíduo negro,
sendo aquela uma característica do movimento negro, como bem
descreve:
No cômputo geral, podemos verificar alguns ganhos
advindos do movimento da negritude, dentre os quais
destacamos: permitir a revalorização da herança ancestral
africana; ter contribuído para o negro construir uma auto-
imagem positiva; propiciar visibilidade e o consequente fim
do silêncio que sempre pairou diante da causa negra
(DOMINGUES, 2005, p.209)
Insta salientar, o aquilombamento financeiro, também é um
processo de empoderamento da população negra, pois a mudança de
postura nas suas ações relacionadas aos gastos financeiro, resultará
no mercado como um todo, numa economia forte e sustentável. O
resultado será o aumento do poder aquisitivo do povo negro, através
do aquilombamento de seu próprio capital.
Ao ressignificar e politizar a raça, compreendida como
construção social, o movimento negro reeduca e emancipa
a sociedade e a si próprio, produzindo novos
conhecimentos e entendimentos sobre as relações étnico-
raciais e o racismo no Brasil, em conexão com a Diáspora
africana (GOMES, 2012, p. 741).
210

O movimento negro no Brasil passou por diversas mudanças


e sua trajetória e amadurecimento, inclusive de resgate de
movimento anteriores. Como nos revela Amilcar Araújo pereira, ao
citar Abdias Nascimento em seu artigo: O Atlântico Negro e a
constituição do movimento negro no Brasil:
Não existe o Brasil sem o africano, nem existe o africano no
Brasil sem o seu protagonismo de luta antiescravista e anti-
racista. Fundada por um lado na tradição de luta
quilombola que atravessa todo o período colonial e do
Império e sacode até fazer ruir as estruturas da economia
escravocrata e, por outro, na militância abolicionista
protagonizada por figuras como Luiz Gama e outros, a
atividade afro-brasileira se exprimia nas primeiras décadas
deste século sobretudo na forma de organização de clubes,
irmandades religiosas e associações recreativas (PEREIRA,
2007, p. 236).
Compreendendo a história, percebe-se que aquilombar-se,
nos reconecta com a ancestralidade e ao mesmo tempo nos coloca em
movimento, e com isto mudamos a nossa realidade. O
aquilombamento financeiro, traz uma mudança de postura, através
de um olhar de inclusão e acolhimento, no momento de traçar
estratégias financeiras de consumo, investimento e contratação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O capital maciço e a matéria prima estão centralizadas nas


mãos dos brancos, mas dispondo do capital o qual detém, com o
olhar inclusivo do aquilombamento financeiro, o negro,
possivelmente, começará a reverter este cenário tão
desproporcionalmente racista. Mas para isto, o aquilombamento
financeiro precisa embasar as decisões de consumo desde o que é
assistido, visto, investido e contratado. A inclusão de profissionais
negros no mercado é uma luta de anos, não seria diferente com os
afroempreendedores. Além de uma alternativa para fortalecer o
afroempreendedorismo, o aquilombamento se mostra como uma
potente ferramenta de inclusão e mudança social da população
negra.
211

Como mostrado, a utilização de estratégias de


aquilombamento é característica histórica e transgressora da luta dos
afrodescendentes. Com isso, neste momento, precisamos utilizar
estratégias contemporâneas, pois em um mundo capitalista, o
aquilombamento financeiro apresenta-se como alternativa de
fortalecimento do afroempreendedorismo.
O grande desafio do “aquilombamento financeiro é a
conscientização do povo negro, o qual precisa ampliar a consciência
e se enxergar além de um mercado de nicho” (TAVARES, SILVA e
MONARCHA, 2018, p.112), passando a compreender que são a
maior parte do mercado. Eles precisam aproveitar este potencial
intelectual e inovador, como ferramenta de influência propulsora dos
afroempreendedores em todos os mercados, utilizando-se da força
econômico-financeiro trilionária, do povo afrodescendente brasileiro.
Entretanto, com todo o exposto neste capítulo, conclui-se, o
aquilombamento financeiro é um importante e potente alternativa
para o fortalecimento do afroempreendedorismo e para o
empreendedorismo negro.

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CAPÍTULO 10 │CERÂMICA AFRICANA: RELAÇÕES
ENTRE A PRODUÇÃO, A CULTURA E A RELIGIÃO
IORUBA

Fabio Lopes

RESUMO

Este capítulo pretende evidenciar as relações entre a produção de


cerâmica africana com a cultura e religião ioruba, por meio de análise
bibliográfica, destacando os aspectos sociais envolvidos no processo
de produção. É comum, ainda hoje, a utilização da cerâmica entre as
religiões de matrizes africanas em rituais, porém, devido ao fato de
diferentes culturas africanas tenham chegado ao Brasil junto com os
negros no período escravagista, promovendo inevitavelmente a
mistura dessas culturas, também a produção e utilização da cerâmica
sofreram transformações. A cerâmica africana, como qualquer outra
expressão de arte, está intimamente ligada a aspectos culturais e
religiosos do povo que a produz. Sendo, muitas vezes, uma
produção com finalidades específicas, utilizadas em situações
especiais e, principalmente, por ser uma profissão familiar, a
profissão não encontrou condições para aqui continuar. Todavia, a
religião é parte integrante da existência do povo ioruba, tornando
possível adaptações de peças para que determinados rituais
pudessem ser realizados.

Palavras-chaves: CERÂMICA AFRICANA. CERÂMICA IORUBA.


ARTE AFRICANA. PANELA AFRICANA.
218

1 INTRODUÇÃO

Por se tratar de um continente, quando escrevemos sobre arte


africana é necessário especificar o que exatamente queremos dizer.
São, atualmente, 54 países e alguns territórios ainda não reconhecidos
que constituem o continente africano. Essa divisão política atual não
configura de forma alguma a divisão existente durante o período
escravagista, ou seja, os povos africanos eram divididos
geograficamente de forma distinta da que conhecemos atualmente
(PEREIRA, 2014, p.15).
A ideia de africano como unidade surgiu somente no século
XIX, vinculada fortemente ao contexto da luta contra o tráfico e a
escravidão. É, a um só tempo, uma resposta aos europeus e um novo
significado atribuído ao tratamento dado aos nativos da África pelos
mesmos europeus (PEREIRA, 2014 p.27). Dessa forma, todos os
povos do continente africano foram reduzidos a um único grupo,
sendo negados suas diversidades culturais.
Então, ao tratar de arte africana é preciso ter em conta que
estamos tratando de algo produzido por inúmeros povos, de diversas
etnias e, consequentemente com estruturas sociais diversas. Segundo
Stuart Hall (2003, p. 31), o próprio termo África é uma construção
moderna, segundo o autor é referente à “uma variedade de povos,
tribos, culturas e línguas cujo principal ponto em comum situava-se
no tráfico de escravos”.
Os iorubas, encontrados principalmente nos atuais Nigéria,
Benin e Togo, representam mais de 25 milhões de pessoas. Mais de
três quartos destes vivem no sudoeste da Nigéria (DREWAL, et al.
1989, p.68). Os iorubas têm duas tradições de origem: a mitológica e
a histórica. A tradição mitológica afirma que o mundo foi criado em
Ilé-Ifé, na Nigéria, quando seu lendário ancestral Oduduwa desceu
do céu para criar terra (só existia água) e ali teve início a civilização
ioruba. A tradição histórica, por outro lado, identifica o mesmo
Oduduwa como líder do segmento ioruba de várias migrações para
a Nigéria, fundando uma dinastia dominante em Ilé-Ifé (LAWAL,
2012, p.8).
Devemos entender o termo “arte africana” como aglutinadora
219

de vários gêneros, uma vez que muitos aspectos conhecidos da arte


africana podem até serem comuns a todo um continente, mas cada
grupo cultural apresenta suas próprias especificidades. Os estudos
sobre a arte africana, durante longo tempo, ora destacavam aspectos
particulares, ora privilegiaram aspectos globais, ambas as opções
norteadas por conceitos nos quais a arte africana surge como objeto.
Também nesse sentido, muitas representações estéticas africanas
foram descritas segundo princípios e terminologias ocidentais, a
partir da coleta de objetos estéticos para fins de estudo e curiosidade,
ou estranheza. Ainda referente a essa questão, segundo Somé (2003,
p.25), os objetos recolhidos dessas culturas expulsos do seu campo
estético e os povos africanos, avaliados pelo viés negativo, foram
classificados como selvagens ou semicivilizados (apud RAMOS, 2008,
p.1628).
É importante ressaltar que a arte como uma vivência
cotidiana nestas culturas é o aspecto social, pois a constituição da arte
está intimamente ligada à celebração da vida em situações
significadas pela coletividade e se manifestam plenamente em
simples aspectos como a pintura dos corpos, a vestimenta
ornamentada e preparada para um fim específico ou mesmo os
adereços minuciosamente confeccionados segundo um apuro
estético divergente de cultura para cultura dentro do próprio
continente africano.
Em linhas gerais, segundo Munanga (2019) há uma negação
sobre a arte africana, no sentido de caracterizá-la meramente como
utilitária ou religiosa. No entanto, não faz sentido a análise de
qualquer objeto fora de seu contexto cultural. Por exemplo, as
esculturas africanas em madeira, abundantemente comercializadas
atualmente, não eram esculpidas por mera estética, mas sim por
necessidade de relacioná-las ao ritual social ou religioso (BARROS,
2011, p.41). Desta forma, enquanto na arte ocidental a arte só tem fim
na exposição, nas tradições africanas, a obra só se completa quando
agregada aos outros objetos, aos cantos e danças enfim, às
manifestações do grupo à qual pertence (MUNANGA, 2019, p.11).
Neste cenário, a produção de cerâmica pelos diferentes povos
africanos também difere em vários aspectos e, também por isso,
requer análise a partir do seu contexto social específico. Assim, a
cerâmica africana, como qualquer outra expressão de arte, está
220

intimamente ligada a aspectos culturais e religiosos do povo que a


produz. Porém, trazidos pela força ao Brasil, nas condições
conhecidas, esses escravizados africanos não puderam carregar em
suas bagagens (o que certamente não fizeram) todos os objetos
necessários às atividades culturais e símbolos dos deuses e espíritos
ancestrais (MUNANGA, 2019, p.11), tampouco puderam aqui
expressar sua cultura nas mais diversas formas, incluindo a produção
de cerâmica. Desta forma, as manifestações culturais dos povos
escravizados foram aos poucos adaptadas às condições aqui
encontradas.

1.1 Objetivo geral

Este artigo pretende analisar a relação entre a produção de


cerâmica com a cultura e a religião africana.

1.2 Objetivos específicos

Evidenciar as relações entre a produção tradicional de cerâmica


ioruba com a cultura e a religião deste povo.

1.3 Questão problematizadora

Quais relações são estabelecidas entre a produção ou a peça


produzida com o ritual religioso ao qual é utilizada dentro do culto
ioruba?

1.4 Justificativas

Sabemos que há muito a se aprender sobre o continente


africano e os processos de recriação de suas culturas, presentes em
todos os lugares do mundo para os quais as diferentes etnias
africanas foram dispersas, seja por processos comerciais, seja pela
imigração espontânea, seja pelo movimento violento do tráfico
negreiro. No Brasil, são incontáveis os estudos afirmando a presença
de elementos culturais africanos recriados em nosso contexto
histórico, social e cultural (BARROS, 2011, p.42). É também notório
como tal movimento intercontinental, intercultural e interétnico
221

permeia a vida, os modos de ser, os conhecimentos, as tecnologias, os


costumes, a musicalidade e a corporeidade dos outros grupos étnico-
raciais que conformam a nossa população. Desta forma, também a
arte do povo brasileiro é permeada de traços africanos, muitas vezes
escondidos, camuflados. Nas religiões de matrizes africanas, a arte
deste é mais evidente, mas ainda assim há muito que resgatar sobre
suas origens.
Em especial sobre a produção e utilização de cerâmica,
embora faça parte dos rituais das religiões de matriz africana
atualmente, muito de seu significado se perdeu, favorecendo as
adaptações. No entanto, resgatar a história e a cultura africana é
fundamental e urgente, haja vista a Lei 10.639/2003 considerada um
marco nos estudos culturais, especialmente, da história, da
representação e da arte africana.

2 METODOLOGIA

O presente artigo utiliza-se de metodologia qualitativa de


caráter exploratório a partir de análise bibliográfica de textos
científicos (SEVERINO, 2018).

3 REFERENCIAL TEÓRICO

A arte africana está sempre ligada a cultura do povo que a


produz, da mesma forma, aquelas artes produzidas pelo povo
ioruba, também não podem ser destacadas de suas identidades
devido ao fato de suas formas de arte estão entrincheiradas em sua
cultura. Para Nanashaitu (2017, p.17) os artistas yorubas tradicionais,
geralmente envolvem-se em várias práticas artísticas, essencialmente
porque eles nasceram nas profissões e como tal, eles permanecem e
praticam a arte como atividade familiar). Nesse sentido, podemos
dizer que a arte africana é também uma tradição familiar.
Escavações mostraram que a cerâmica alcançou um alto nível
de desenvolvimento na Nigéria várias centenas de anos atrás
(FATUNSIN, 1992, p.5). Embora com produção muito menor
222

atualmente, segundo Kayode (2020, p. 4), a tradição foi mantida,


como resultado, hoje a cerâmica nigeriana está entre as mais artísticas
do mundo e é inseparável de suas filosofias e culturas.
A produção de cerâmica é uma das mais antigas profissões,
praticada desde os tempos pré-históricos até o presente. Dela, um
registro histórico pode ser derivado, não apenas dos fragmentos de
cerâmica que ocupam os sítios arqueológicos, mas da prática
contínua da profissão, associado a crenças tradicionais, festivais e
outras atividades. Neste contexto, a maneira como determinada peça
é produzida, bem como sua finalidade nos rituais ioruba são,
também, fonte de registro histórico das tradições deste povo
(FATUNSIN, 1992, p.6).
Em relação a produção artística africana, para Lawal (1983
p.42), não há quase distinção entre arte pura (aquela com fim em si
mesma) e arte aplicada (que tem utilidade funcional), porque, mesmo
quando ela é admirada simplesmente por certas qualidades artísticas,
o mesmo objeto possui funções sócio religiosas específicas que
constituem sua razão de ser. Desta forma, um pote de cerâmica,
específico para uma divindade ioruba, não é feito com objetivo de
deixá-lo exposto juntamente com símbolos da divindade em questão,
mas para utilizá-lo nos rituais desta. Isso, de maneira alguma, torna
a peça um mero utilitário, uma vez que possui características
(adornos, aplicações e texturas) únicas.
No contexto tradicional africano, as artes eram praticadas
funcionalmente por membros especiais da comunidade, os quais
teriam aprendido o ofício dos espíritos, e não dos mortais (LAWAL,
1983, p.43). Por essa razão a prática da arte era reservada à linhagem
de certas famílias em particular. Em certos grupos étnicos, os
escultores usavam um distintivo de classe e tinham uma posição de
destaque na corte real (MUNANGA, p.7, 2019). No caso específico da
cerâmica ioruba também as famílias e principalmente as mulheres
que exercem esse ofício ocupam lugar de destaque e, importante
dizer, o mesmo artista que produz a panela utilizada para preparar
comida também produz a cerâmica utilizada nos rituais religiosos.
Assim, parece não haver distinção entre uma peça artística e um
utensilio para o artista.
De modo geral, a respeito a produção de cerâmica ioruba, antes
223

da introdução de artigos de plástico, alumínio e porcelana, os oleiros


eram um grupo indispensável na comunidade (FATUNSIN, 1992,
p.8). A panela de barro era usada em todas as casas: panelas grandes
eram usadas para armazenar água potável e panelas menores eram
usadas para cozinhar. As profissões tradicionais, como tingimento de
tecido, processamento de azeite de dendê, fabricação de sabão entre
outras, precisavam de recipientes grandes de várias formas para suas
atividades de fabricação (NANASHAITU, 2017, p.28). Os
agricultores também dependiam dos oleiros para o fornecimento de
grandes vasos industriais, como por exemplo, vasos usados para
fermentação. Ainda a este respeito, de acordo com Nanashaitu.
a cerâmica é uma profissão que é mantida em alta entre os
iorubas do sudoeste da Nigéria por causa das funções
primordiais que havia desempenhado no passado recente e
em algumas das mais importantes funções nos tempos
contemporâneos. No entanto, algumas dessas funções
foram relegadas pelos jovens por causa da civilização
ocidental e a incursão do cristianismo e do islamismo. Não
obstante, a cerâmica ainda é praticada devido às suas
funções inatas que não podem ser substituídas por outros
produtos feitos de produtos sintéticos de alumínio,
borracha, esmalte, plástico para mencionar alguns (2017, p.
30).
Assim, a cerâmica africana resiste em menor número, mas
ainda inserida na sociedade como uma função indispensável, uma
vez que alguns produtos são insubstituíveis principalmente para a
prática religiosa ioruba.
A arte da cerâmica entre os iorubas é quase exclusivamente a
profissão de uma mulher, passada de mãe para filha, de geração em
geração. As ceramistas são encontradas em quase todas as famílias,
destacando-se algumas pela experiência na profissão. Embora não
seja comum encontrar ceramistas homens entre os iorubas, os rapazes
muitas vezes ajudam nas tarefas mais árduas, como cavar e amassar
argila (FATUNSIN, 1992, p.5). Esse fato mostra, pelos motivos já
expostos anteriormente, a importância da cerâmica bem como da
profissão para os iorubas.
A respeito da importância dada a esses profissionais, segundo
Fatunsin (1992, p.8) há uma lenda entre os iorubas: O Alaafin (rei) de
224

Oyo (Cidade ioruba) convidou todos os artesãos iorubas a fazer


objetos tradicionais e, muitos objetos de arte foram produzidos,
desde esculturas em cabaça até peças em couro e panelas de cerâmica.
O Alaafin ordenou que todos os objetos fossem enterrados e
desenterrados após um ano, quando foi observado a deterioração dos
objetos, com exceção das panelas de cerâmica. Em apreciação, o
governante de Okeho recebeu uma coroa tradicional do rei de Oyo.
Como dito anteriormente, a produção de cerâmica ioruba está
intimamente ligada à sua cultura e religião. Em relação a essa última,
Iyamopo é a divindade (feminina) profissional da maioria das
mulheres ceramistas iorubas. As mulheres invocam Iyamopo todos
os dias antes de iniciar seu trabalho e antes de queimar panelas para
garantir que o resultado seja perfeito, assim como a própria deusa
(FATUNSIN, 1992, p.14). Nesse sentido, há uma relação estabelecida
entre a ceramista, a divindade e peça produzida. Esta última, para as
ceramistas é, então, resultado do seu trabalho e da sua boa relação
com a divindade.
Normalmente, a produção de cerâmica é realizada num local
específico chamado Ebu, neste local há regras e rituais específicos
referentes não só a produção em si, mas também em relação ao
comportamento das mulheres na sociedade. Por exemplo, as
cultuadoras de Iyamopo não podem ser sexualmente promiscuas
(FATUNSIN, 1992, p.15). Este fato ocorre devido as qualidades e
especificidades da divindade Iyamopo e sua relação com
determinadas condutas entre seus devotos.
Ainda segundo Fatunsin (1992, p.16), a própria produção,
referente a técnica propriamente dita, também está relacionada com
a religião: muitas vezes determinado pote deve ser fabricado
utilizando apenas a luz de uma lamparina feita de barro (fitila). Em
outros casos, a relação entre as ceramistas e a produção é evidenciada
destacando determinado grupo de mulheres: um pote especial ioruba
só é produzido por mulheres que não estão mais em período fértil. A
esse respeito vale destacar: as pessoas mais velhas são consideradas
mais sabias e, no caso de mulher mais velha não só a sabedoria se
destaca como também é mais poderosa energeticamente (ABIODUN,
1989, p.5).
O culto tradicional africano reconhece esses poderes, vistos
225

como dados por Deus, tal reconhecimento dado a esses poderes


também é expresso em uma mitologia ioruba, onde Oxun (a deusa do
rio) teria possuído tais poderes, que ela empregou para lidar com os
16 homens que Deus enviou para o mundo junto com ela. De acordo
com este mito, todos os 16 homens a ignoraram e a consideravam
insignificante. Eles não sabiam que Osun era uma bruxa e que Deus
a escolheu como guardiã de todas as coisas boas enviadas junto com
eles:
Eles nunca souberam que ela era uma bruxa
Quando eles estavam vindo do céu
Deus escolheu todas as coisas boas
Ele também escolheu seu guardião
E esta era uma mulher (ABIODUN, 1989, p.14)
Nesse contexto, a cerâmica ioruba possui sua relevância na
religião ioruba denotando a importância e a força das mulheres na
produção, na confecção das cerâmicas e, denotando sua relação entre
a religião e a sociedade ioruba.

4 REFLEXÕES

Considerando o explanado até aqui, é possível dizer que a


produção de cerâmica africana, mais especificamente a ioruba fazia e
faz parte da cultura deste povo e, além disso, a profissão apresentava
especificações em relação a religião e com isso, ainda hoje, ocupa um
papel de destaque na sociedade. No entanto, a produção tal como
fora antes não pôde ser mantida, mas sim, com o tempo adaptada.
Neste sentido, Munanga (2019, p. 31) afirma que os elementos
culturais ou artísticos serão retidos na memória de um indivíduo
cortado de suas raízes quando esses elementos pertencerem ao
núcleo de sua existência, pois é este último que sobrevive à ruptura.
Nessa perspectiva, embora a profissão propriamente dita não tenha
sido mantida, a utilização da cerâmica se fez necessária e se adaptou
devido a religião dos escravizados. Ainda segundo o autor,
a continuidade e a recriação de todos os elementos da arte
africana no Brasil não foram integrais, porque a totalidade
de suas estruturas social, política, econômica e religiosa não
foi transportada ao Novo Mundo. No entanto, a
226

continuidade de algumas formas de sua arte só foi recriada


parcialmente, em função de suas novas condições de vida.
Outras não foram recriadas, pois, tendo em vista que se
tratava de uma arte utilitária e funcional, elas não
encontraram um quadro funcional suficiente para se
manterem apesar de sua presença na memória coletiva
(MUNAGA, 2019, p.32).
Em relação a cerâmica, por exemplo, potes específicos
destinados exclusivamente ao rei da cidade, não fazia mais sentido
serem produzidos nem mesmo adaptado, visto que a corte a qual
pertencia não veio com o escravizado (MUNANGA, 2019, p.33). Por
outro lado, encontraram no Brasil condições ecológicas semelhantes
às do ecossistema de suas origens, oferecendo entre outras coisas as
mesmas essências vegetais. O facilitou a continuidade de uma
religião cuja relação entre o homem, a sociedade e a natureza é
primordial. Neste sentido, a adaptação de potes para a mesma
função religiosa daqueles produzidos pelo povo de origem também
foi favorecida. Obviamente, essas adaptações religiosas não foram
imediatas, pois eles ignoraram as características da religião do
colonizador. Segundo Verger (1983, p.41), às vezes, quando este os
autorizava, aos domingos, a se distrair, reagrupados por nações de
origem, eles aproveitavam para louvar seus deuses. E os mestres,
vendo-os cantar e dançar, pensavam que se tratava apenas de
divertimento de negros nostálgicos.
Desta forma, aos poucos, a cultura ioruba sempre ligada às
práticas religiosas, teria encontrado um terreno fecundo e as mínimas
condições de resistência, de continuidade e até de inovações, apesar
da adversidade explícita no sistema colonial e escravista. Segundo
Munanga (2019, p.33), é assim que nasce a primeira manifestação das
artes plásticas afro-brasileiras. Uma arte sem dúvida religiosa,
funcional e utilitária. É também nesta oportunidade que a cerâmica
ioruba sofre as adaptações necessárias para a continuidade das
manifestações religiosas deste povo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
227

É inegável a importância da cerâmica e da sua produção para


o povo ioruba, haja vista as relações entre as ceramistas e o culto
religioso específico do qual fazem parte. No entanto, tais relações não
são evidenciadas no Brasil, muito provavelmente devido as
dificuldades encontradas pelo povo ioruba no processo escravagista.
Tal se justifica não só pela barbárie do processo em si, mas também
pela própria característica da arte para esse povo. Por se tratar de
uma produção com finalidades específicas, utilizadas muitas vezes
em situações especiais e, principalmente, por ser uma profissão
familiar, a profissão não encontrou condições para aqui continuar.
Todavia, sendo a religião parte integrante da existência do povo
ioruba, foi possível adaptações de peças para que determinados
rituais pudessem ser realizados, o que por sua vez aponta para novas
pesquisas acerca de peças e utilitários que originalmente fazem parte
da tradição religiosa ioruba.

REFERÊNCIAS

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trabalhando com histórias e culturas africanas e afro-brasileiras nas
salas de 15 aula. Organizado por Amilcar Araujo Pereira. Brasília:
Fundação Vale, 2014. 88
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e reciprocidades. In: Anais do Encontro Nacional da ANPAP 17.
Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas.
Florianopolis: ANPAP, 2008.
VERGER, P. Syncrétisme. Recherche, Pédagogie et Culture, Paris, n.
64, octobre, novembre, décembre, 1983.
CAPÍTULO 11 │GESTÃO DA DIVERSIDADE, VERDADE
OU MITO?

Jorge Costa Silva Filho


Claudio André

RESUMO

O objetivo geral deste capítulo é delinear os conceitos de


gerenciamento da diversidade nas empresas, descrevendo as
possibilidades na implementação da diversidade racial nas empresas
multinacionais viabilizando a equidade. Traz como questão central
a seguinte pergunta “Quais as motivações e expectativas na
efetivação da diversidade racial nas empresas multinacionais”. O
que justifica esse capítulo é a crescente agenda do gerenciamento da
diversidade entre diferentes setores da sociedade, com a base da
probabilidade de aumento no faturamento das corporações e a
redução da desigualdade social, em vista que, segundo o IBGE em
2018, 54% da população brasileira é negra, porém, somente 29,9% dos
cargos gerenciais são dessa população. Como trajetória
metodológica, esse capítulo é conduzido por meio da abordagem
qualitativa, quanto a finalidade descritiva e, centralizado na revisão
bibliográfica por meio do uso de diferentes bases de dados, no
período entre 2009 a 2019. Além disso, foi realizado uma análise de
dados qualitativos por meio da utilização do software IRAMUTEQ.
Nossas reflexões consideram que a relação entre branquitude e
espaço corporativo no Brasil, ainda impede as organizações de se
estruturarem e se desenvolverem de uma maneira mais sustentável e
eficaz. Por fim, como resultados mostram a necessidade de uma nova
gestão da diversidade relacionado as empresas multinacionais
presentes no Brasil, para inserção da população negra nestes espaços
institucionais.
Palavras-chave: EQUIDADE. EMPRESAS. GESTÃO DA
DIVERSIDADE. BRANQUITUDE.
230

1 INTRODUÇÃO

A diversidade é uma riqueza que precisa ser valorizada e


considerada no momento de realizar escolhas, reavendo
oportunidades para que ela ocorra. No ambiente de negócios, o
gerenciamento da diversidade ocorre na relação entre todas as partes
interessadas: público interno, clientes, fornecedores, parceiros e
parceiras de negócio e comunidade, respectivamente. Diversidade,
nesse sentido, é o conjunto de diferenças e semelhanças nas quais são
expressas a unidade de cada pessoa, com seus grupos de
pertencimento dos mais variados, em outras palavras, ser uma
pessoa única e sem igual no mundo (AMCHAM, 2016).
Para que o tema, gestão da diversidade, seja discutido, antes
é necessário recorrer à literatura para identificar, de qual maneira o
assunto se relaciona como o cotidiano das instituições. Ao consultar
o Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), considerando o período entre
2009 e 2020 - pesquisa realizada em 02 de junho de 2020 - foi possível
encontrar um total de 22.756 artigos, relacionados à palavra
diversidade, enquanto ao refinar a buscar para diversidade racial,
essa quantidade foi reduzida para 758 artigos ,e se a expressão
diversidade racial nas empresas for utilizada, esse número será ainda
menor, totalizando 186 artigos, o que torna possível afirmar a
relevância da temática e, a justificativa da escrita desse capítulo.
Com base na revisão bibliográfica realizada, foi encontrado
em um segmento da literatura a definição da diversidade em três
características importantes tais como: i) identidade: é a articulação
tanto entre diferença e igualdade (ou semelhança), como entre
objetividade e subjetividade, no qual “sem essa unidade, a
subjetividade é desejo que não se concretiza, e a objetividade é
finalidade sem realização” (CIAMPA, 1987, p. 145).; ii) Minoria: um
termo sociológico no qual desconsidera o número de membros do
grupo, mas contempla sua disposição de poder na sociedade
(GILBERT, 1999); iii) histórico: que define e caracteriza as leituras
críticas das relações intergrupais, ou seja, a formação dos grupos são
231

um produto das contradições da sociedade, estes são formas de


valorização ou desvalorização social. (ELLIS, 1994; NEWMAN, 1997).
Por outro lado, quando falamos de diversidade é necessário
considerar sobre quais categorizações de diversidades, estão sendo
discutidas. Martinez (2016), evidencia que o discernimento de grupos
e indivíduos em relação à diversidade primária - idade, cor de pele,
gênero, entre outros - é atenuada pelo contato frequente, enquanto,
na diversidade secundária – valores, estilos de pensamento, de
comunicação – existe um impacto perceptível no quotidiano das
instituições.
O tema gestão da diversidade foi incluído na agenda das
corporações, a partir do século XX e encontra-se fortemente presente
no século XXI (MARTINEZ, 2016). O ponto central de trabalhar com
este tema, é aumentar o desempenho dos negócios, significando
assim, uma fonte de vantagem competitiva para as empresas, ou seja,
intensificar as vantagens potenciais da diversidade e reduzir as suas
desvantagens (COX, 1994). Isso ocorre porque uma organização que
possui um programa de gerenciamento de diversidade consiste em:
i) atrair e reter os melhores talentos; ii) novos modelos de marketings,
visando atender segmentos de mercado diversificados; iii) promover
a criatividade e a inovação; iv) facilitar a resolução de problemas; v)
desenvolver a flexibilidade organizacional; vi) reduzir a
desigualdade social, por exemplo (FLEURY, 200).
Apesar de empresas no Brasil estarem posicionando[1] suas
marcas por meio da diversidade, é necessário entender que a
pluralidade racial no local de trabalho consiste em um ritmo muitas
vezes inexpressivo ou inexistente, como é mostrado nas pesquisas do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Instituto
Ethos[2] em 2016.
Este capítulo pretende verificou as práticas organizacionais
no Brasil, entre os anos de 2009 e 2019, estabelecendo assim, quais as
diferenças organizacionais e consequências na implementação de
diversidade racial nas empresas multinacionais nesse período.

1.1 Objetivo geral

Este capítulo pretende delinear os conceitos da gestão da


232

diversidade nas empresas, descrevendo as possibilidades na


implementação da diversidade racial nas multinacionais.

1.2 Objetivos específicos

a) Descrever como as empresas se relacionam com a diversidade


racial.
b) Identificar quais os resultados nas diferentes formas de
implementação da diversidade racial em corporações.
c) Avaliar as mudanças encontradas nas empresas por meio da
implementação da diversidade racial.

1.3 Questão/Pergunta problematizadora

Quais as motivações e expectativas na efetivação da


diversidade racial nas empresas multinacionais.

1.4 Justificativas

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


(IBGE), 54% da população brasileira é negra, porém, quando se
observa o mercado de trabalho, focalizando nos cargos gerenciais em
2018, somente 29,9% desses cargos a esse público. Soma-se a esse fato,
a ideia da qual o desenvolvimento econômico seria capaz de criar
oportunidades para todos, não estabelecendo conexões entre cor e
estrutura socioeconômica (JESUS, 2016).
Por mais que o mito da igualdade racial ainda se encontra na
sociedade brasileira (BERNARDINO, 2002), o racismo brasileiro
desvenda a quase inexistência de pessoas negras trabalhando como
executivos em empresas brasileiras (ALCADIPANI, 2018).
Alguns teóricos, como Moreira (2019), Almeida (2018),
descrevem a necessidade do entendimento do racismo, como um
processo político e histórico e, a partir disto, como as oportunidades
e possibilidades profissionais se estabeleceram para as pessoas
negras. Neste contexto, Du Bois (1935), enuncia o salário público e
psicológico, na qual relata a aceitação da classe trabalhadora branca
pelo racismo.
233

Visto isto, identificado a problemática relacionado a gestão de


diversidade racial no ambiente corporativo, dissertar quais as
soluções encontradas em diferentes campos teóricos se tornaram
relevante, e assim, possibilitar mecanismos de inserção, inclusão e
equidade racial no mercado de trabalho

2 METODOLOGIA

O método utilizado para o desenvolvimento do estudo, foi de


abordagem qualitativa, quanto a finalidade descritiva e, centralizado
na revisão bibliográfica por meio do uso de diferentes bases de
dados, disponíveis no Portal de Periódicos da CAPES, nas bases de
dados Scielo, SCOPUS (Elsevier), Web of Sciense (Thomson Reuters).
As palavras-chave pesquisadas foram: Diversidade e Inclusão
(Diversity and Inclusion), Gestão da Diversidade nas empresas
(Diversity Management in companies), Diversidade Racial nas
Empresas (Racial Diversity in Companies), Diversidade Racial nas
Empresas no Brasil (Racial Diversity in Companies in Brazil), Gestão
da Diversidade nas Empresas no Brasil (Diversity Management in
Companies in Brazil). Para realizar uma análise de dados
qualitativas, foi utilizado o software IRAMUTEQ (Interface de R pour
les Analyses Multidimensionnelles de Textes et the Questionnaires)
no qual se utiliza de ferramentas de análise de similitude e
classificação hierárquica descendente em correlacionar o vocabulário
e frequência nos textos. Estes conceitos indexados nas bases de dados
citadas, foram utilizados para caracterizar como estão sendo
atribuídas o gerenciamento de diversidade racial no âmbito da
práxis.

3 CONTEXTO BRASILEIRO

Bento (2002, p. 27), ressalta: “o termo diversidade não raro é


utilizado pelas instituições do Estado e pelos empregadores para
relativizar e evitar o enfrentamento da discriminação racial”. A
Autora expõe a seguinte colocação:
234

Problemas de dimensões completamente diferentes, como


os relativos aos portadores de deficiência, homossexuais,
mulheres e negros no mercado de trabalho são tratados,
pelas políticas de diversidade, como se fossem similares,
sendo que normalmente os negros são citados, sem serem
focados como alvos (BENTO, 2002, p.35).
Neste mesmo trabalho Bento (2002, p.118) discorre sobre as
relações subjetivas da identidade racial branca, ou seja, ela relata que:
[...] é curioso constatar que os gestores de pessoas,
habitualmente omisso a quanto a discriminação contra
negros, mostrarem-se preocupados com a possibilidade de
as políticas de ação afirmativa, ou de diversidade,
discriminarem os brancos.
Nestas considerações, as discussões se direcionam nas relações
entre brancos e negros, portanto, é preciso lembrar, no qual existe
uma visão de mundo sobre a não identidade racial do ser branco
(BENTO, 2002).
Usualmente, a implementação de práticas de gerenciamento da
diversidade, implica alterações muito além dos procedimentos
administrativos, incorporando mudanças culturais e cognitivas, nas
quais sejam realmente disruptivas, perpassando pela reestruturação
das políticas de recursos humanos, focalizando em planos de
carreira, a criação de formas de tutoria, grupos de discussão,
respectivamente (ALVES, 2004).
Ao encontro dessa ideia, a Agenda 2030 da UNESCO para
desenvolvimento sustentável, no que se refere aos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) apresenta entre seus princípios:
alcançar a igualde de gênero; promover sociedade inclusivas;
construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os
níveis; promover a industrialização inclusiva, sustentável e fomentar
a inovação; e particularmente no ODS 8 - promover o crescimento
econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno,
produtivo e trabalho decente para todas e todos (NAÇÕES UNIDAS,
2015). Neste contexto, o Pacto pela Inclusão Social de Jovens Negras
e Negros no Mercado de Trabalho de São Paulo – a partir do
Ministério Público do Trabalho (MPT) na Coordenadoria Nacional de
Promoção de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no
Trabalho, evidenciam alguns esforços realizados para reduzir os
235

baixos índices de informações voltados para a população negra no


mercado de trabalho(MPT, 2018).

4 RESULTADOS

Nos últimos anos a pesquisa em Diversidade e Inclusão se


intensificou, com um aumento significativo a partir do ano de 2013,
como verificado pelo resultado do Gráfico 1, realizada em diferentes
bases de dados, Web of Science (6.915 artigos) e SCOPUS (7.245
artigos), ambas realizadas em 11/06/2020, considerando o período
entre 2009 e 2020. Estes dados, mostram a preocupação com a
temática ao redor do mundo, e o interesse em se estabelecer relações
cientificas em torno deste tema.
Gráfico 1: Quantidade de artigos sobre Diversidade e Inclusão.

1400
(Web of Science)
(Scopus)
1200
Quantidade de artigos

1000

800

600

400

200

0
2010 2012 2014 2016 2018 2020
Diversidade e Inclusão (Anos)

Fonte: Elaborado pelos autores


De forma sintética, quando se utiliza o software IRAMUTEQ,
utilizando os resumos dos artigos aos quais foram analisados com a
palavra Racial Diversity in Companies (Pesquisa realizada no banco de
dado Periódicos Capes em 02/6/2020), os estudos se relacionam com
a palavra diversidade com as seguintes palavras: valor, qualidade,
impacto, minoria, aceitação, marketing e igualdade. Porém, não há
nesse sentido interdependência com as palavras, raça ou etnia, por
exemplo. Estas observações podem ser constatadas na Figura 1, na
236

qual os dados são agrupados em árvores de ocorrência, por meio da


técnica de análise de similitude (SOUZA, 2018), utilizando, como
tema central, as formas "trabalho", "diversidade", "empresa" e
"desempenho" e as organiza graficamente em função das suas
frequências e relações.
Figura 1: Análise de similitude estipulando como palavras de intercessão –
Mapa mental

Fonte: Elaborado pelos autores


No Gráfico 2, por sua vez, as bases de dados Web of Science e
SCOPUS, foi encontrado um número de total de 45 artigos sobre
“Diversidade racial nas empresas” na primeira base e, 56 artigos na
segunda. No Gráfico 3, com a temática “Gestão da Diversidade”, o
total de 1294 artigos e 1440 artigos. Entretanto, é a partir de 2015 que
o número de publicações relacionadas à Gestão da Diversidade
aumentou, com um número de publicações em 2013, que variou entre
237

123 artigos na base de dados SCOPUS e 131 na base de dados Web of


Science (as duas pesquisas realizadas entre 2009 e 2020, em
11/6/2020). Entretanto, no ano de 2019, os artigos científicos nestas
bases de dados foram de 228 e 214, respectivamente.

Gráfico 2: Quantidade de artigos relativo Diversidade Racial nas Empresas.

12
(Web of Science)
(Scopus)
10
Quantidade de Artigos

0
2010 2012 2014 2016 2018 2020
Diversidade racial nas empresas (Anos)

Fonte: Elaborado pelos autores

Gráfico 3: Quantidade de artigos referentes a Gestão da diversidade

250
(Web of Science)
(Scopus)
200
Quantidade de Artigos

150

100

50

0
2010 2012 2014 2016 2018 2020
Gestão da diversidade (Anos)

Fonte: Elaborado pelos autores


238

Após realizar pesquisas nas bases de dados Periódicos


CAPES, foram encontrado um total de 73 artigos sobre o tema
Diversidade Racial nas Empresas no Brasil e, 19 artigos relacionado
a Gestão da Diversidade nas Empresas no Brasil (ambas pesquisas
realizadas em 11/06/2020). Considerando esse período citado, é
apresentado no Gráfico 4, a baixa falta de produções cientificas para
este tema, com uma maior produção no ano de 2017 (4 artigos
científicos). No Gráfico 5, foi observado também uma baixa produção
sobre o tema, no ano de 2017 com 30 produções.
Gráfico 4: Quantidade de artigos relativo Diversidade Racial nas Empresas
no Brasil

5
(Diversidade racial nas empresas no Brasil)

4
Quantidade de artigos

0
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Anos

Fonte: Elaborado pelos autores

Gráfico 5: Quantidade de artigos referentes a Gestão da diversidade no


Brasil
239

35
(Gestão da diversidade no Brasil)
30

Quantidade de artigos
25

20

15

10

0
2010 2012 2014 2016 2018 2020
Anos

Fonte: Elaborado pelos autores


Neste contexto, é perceptível que os estudos organizacionais
no Brasil que têm se colocado de maneira insatisfatória nesse
contexto, seja pela hipótese da gestão da diversidade ser influenciada
por fatores, indicadores, referências, métodos e procedimentos de
outros países, seja pelo fato da indiferença mantida nos estudos nesta
área, nos quais interpelam as dinâmicas de relações raciais. Rosa
(2015), relata em sua obra:
[...] mais do que uma opção teórica e/ou metodológica, o
esforço de contextualização dos estudos sobre diversidade
nas organizações surge como uma necessidade histórica
para que possamos compreender a forma com que as
pessoas se veem, se assumem e se colocam nas relações do
cotidiano (p.256).
Examinando estes dados sobre o mercado de trabalho
evidenciam os aspectos do Racismo Estrutural, pois é a partir dele
que se inicia a desigualdade racial referente à população negra. Em
nenhum momento, a valorização da diversidade racial é evidenciada
nos estudos sobre as empresas brasileiras, o que reafirma a
discriminação praticada pelas instituições. Com isso, investir
especialmente nesta temática, é estabelecer uma sociedade mais justa,
possibilitando uma economia mais fortificada (MYERS,2003).
De acordo com os dados elencados nesse capítulo, e
contrapondo todo o contexto de aumento da temática racial nas
empresas, onde estas divulgam em meio a suas propagandas de
240

marketing, este estudo mostra a ausência de políticas de gestão ou


gerenciamento de diversidade nas corporações. É sobretudo
importante assinalar que estudos realizados sobre a inclusão de
diversidade racial nas empresas, gera um aumento da probabilidade
de ganho de até 33% de seu faturamento (MCKINSEY, 2018), por isso
estudos sobre a temática são importantes, pois gera contribuições
significativas e sugeri mudanças nas culturas organizativas
(HANASHIRO, 2005).
Transformação significa, além das mudanças no
posicionamento nas corporações, a alteração na forma de ação, além
disso, analisar e disseminar as informações de boas práticas sobre
gerenciamento de diversidade no Brasil é efetivo. Soma-se a esse fato,
o desenvolvimento de mecanismos, processos, metodologias e
instrumentos de comunicação, possibilitaram, a colaboração em
estudos, pesquisas, políticas públicas e práticas empresariais
relacionadas à diversidade racial.

5 CONCLUSÕES

A partir deste capítulo, podemos afirmar que o tema gestão


ou gerenciamento da diversidade no Brasil, não insere a população
negra nesta discussão. Tal manifestação são apresentadas por meio
da baixa quantidade de publicações referentes à gestão da
diversidade e diversidade racial nas empresas brasileiras, as quais
não são relatadas nos artigos quando se deparam com esse tema.
Nesta situação, as questões relacionadas ao racismo no Brasil,
refletem ao não comprometimento de instituições em se repensar
práticas de gerenciamento, políticas ou programas de diversidade
racial. Por fim, compreende-que, por meio da revisão e reflexão
destas publicações, é necessária uma nova cultura de gestão, de
políticas organizacionais, nas quais procurem um aumento no
reconhecimento da população negra nestes espaços.

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MARTINEZ, V. P. R. Mais vale parecê-lo que sê-lo? a impressão, o
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MOREIRA, A. Racismo Recreativo. 2019. Pólen Produção Editorial
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das Letras, 2010
SOUZA, M. A. R. et al. O uso do software IRAMUTEQ na análise de
dados em pesquisas qualitativas. Revista da Escola de Enfermagem.
São Paulo: USP, 2018, v. 52.

Representa como você quer que a sua marca seja reconhecida pelos
[1]

seus clientes, tais como: i) não é como seus clientes enxergam a sua
marca, mas sim como você quer que eles enxerguem sua marca; ii)
não é o que sua marca é ou como ela é reconhecida atualmente, mas
sim como você quer que ela seja reconhecida (Reis e Trout, 2019).
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social é uma Oscip
[2]

cuja missão é mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus


negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na
construção de uma sociedade justa e sustentável.
CAPÍTULO 12 │DESCOLONIZAÇÃO – ANÁLISE DO
EPISTEMICÍDIO NO CURRÍCULO DAS
CIÊNCIAS HUMANAS

Alexandro Bento
Rafael Sacramento de Souza

RESUMO

O objetivo geral deste capítulo é analisar a aplicação de processos de


epistemicídio nas disciplinas de ciências humanas, principalmente
para estudantes do Ensino Médio da rede pública paulista. A questão
problematizadora que direciona nossa investigação é o “como
podemos desenvolver práticas educacionais descolonizadas, se a
grande parcela dos materiais didáticos, bibliográficos e curriculares
são pautados em ‘verdades’ coloniais?”. A realização deste capítulo
tem como justificativa principal não só a escassez de debate sobre o
tema proposto, mas também ao fato de haver um distanciamento
entre o que já se tem produzido e seu devido acesso. O colonialismo
está enraizado na cultura e é propagado dentro das escolas, mas este
é feito com muita sutileza, pois vem travestido por um
“embasamento histórico-científico”. Será utilizada como
metodologia a abordagem exploratória, de natureza qualitativa, com
foco na revisão de estudos relacionados ao tema proposto,
considerando principalmente livros, artigos, teses, dissertações e
documentos oficiais do Ministério da Educação e da Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo, publicados no período de 2000 a
2020. Será feita o levantamento de estudos anteriores e do referencial
teórico que norteiam os trabalhos de docentes na área de ciências
humanas, apontando a forma como os autores escolhidos para serem
trabalhados em sala, seja pelo professor, seja no material didático
fornecido, seguem uma linha comum de pensamento que cria
entraves para a descolonização. Por fim, nas considerações finais,
serão apresentados elementos para a reflexão e ideias para futuros
trabalhos na direção que está sendo acenada neste capítulo.
246

Palavras chave: DESCOLONIZAÇÃO. EPISTEMICÍDIO.


CURRÍCULO. CIÊNCIAS HUMANAS.

1 INTRODUÇÃO

O Brasil, devido a seu passado colonial, carrega até os dias de


hoje, as marcas deixadas pelos colonos portugueses, elas estão
presentes em todas as facetas do ser brasileiro. Pode- se dizer que o
processo de Descolonização ainda está distante de atingir seu ápice,
pois viveu-se por séculos sob o domínio direto de outra nação e que
mesmo após a independência, ainda continuou controlando o Brasil,
mas de maneira indireta, além desta, outros países como a Inglaterra
no século XIX, França e EUA no XX, passaram a controlar os rumos
de nação, agindo por meio dos mecanismos de consolidação das
verdades, isto é, apresentando os elementos culturais, os valores e
também formulando as estruturas do ensino epistemológico e parte
da história. Eles formam os modeladores de projetos políticos,
econômicos e sociais que marcaram a sociedade brasileira. O
levantamento destas questões sinaliza para a intenção de retomar a
temática da constituição da nação a partir da especificidade da
experiência de produção de um conhecimento, no campo
educacional, pautado no controle das mentalidades. O filósofo
francês Michel Foucault ao desenvolver o tema do biopoder, já trazia
em mente estes pontos, pois o definia como "o conjunto dos
mecanismos pelos quais aquilo que, na espécie humana, constitui
suas características biológicas fundamentais, vai poder entrar numa
política, numa estratégia política, numa estratégia geral do poder"
(FOUCAULT, 2008). No pensamento foucaultiano os sistemas
políticos desenvolvem formas de controle social de forma tão
sofisticada que os sujeitos se veem numa obrigação moral em
cumprir. Quanto mais introjetado o condicionamento, mais fácil de
se exercer o controle social.
A melhor forma de se manter estruturas, não é impô-las como
regramentos necessários à sociedade, mas cuidadosamente educar o
povo para que pense que as coisas devam ser assim. Os processos
persuasivos, as manipulações cotidianas, o fato de fazer as pessoas se
247

sentirem donas de suas próprias histórias, gera uma sensação de


liberdade e simultaneamente o de pertencimento que é muito maior
do que o indivíduo, pois gera um ideal de povo, cria a constante
necessidade de fortalecimento dos ideais da nação. Entretanto,
deveria ser questionado sobre quem criou e disseminou os ditos
valores que devem ser buscados a todo custo por esta sociedade. Há
duzentos anos de independência, a serem comemorados daqui a dois
anos, mas o país ainda está atrás deste “ser brasileiro”. Se crê que há
um caminho para a autoconstrução, quando na verdade apenas
prevalecem as condições para que o modelo colonial, os antigos
detentores do poder, continue exercendo seu domínio de geração em
geração.
As possíveis mudanças de ordem social e política na
sociedade brasileira só podem acontecer mediante a transformação
das mentalidades, isto é, é necessário que haja um intenso e contínuo
processo de mudança em elementos culturais, mas principalmente é
preciso que sejam reformulados os sistemas educacionais. Isto se dá
devido ao fato de serem eles os maiores responsáveis por incutir nos
sujeitos os ideais coloniais. Um dos problemas desta abordagem
sobre a educação é que os educadores não estão necessariamente
enganando ou manipulando os educandos, apenas estão
retransmitindo ou fazendo análises a partir daquilo que eles
receberam, logo, continuarão reproduzindo a estrutura, ainda que
queiram ir contra ela. Este problema se faz presente devido a rejeição
a modelos educacionais ou a conteúdos históricos que sejam
diferentes daqueles narrados pelos dominadores.
Infelizmente todo nosso modelo de ensino é eurocêntrico, as
escolas mantêm está lógica desde muito cedo, sobre os grandes feitos
europeus e o atraso dos outros povos. Aprende-se o nome de
diversos heróis nacionais e principalmente internacionais. Vê-se
homenagens em lugares, avenidas e parques que exaltam os
personagens de uma história contada para encher de glória alguns
indivíduos em específico e jogar tantos outros no mais profundo
esquecimento. Deve- se atentar ao fato de que se aprende a valorizar
um modelo educacional que valoriza apenas um lado da história,
aquele do conquistador, do opressor que agia em nome da civilidade.
Porém, não é feita a pergunta sobre onde está o restante dos
acontecimentos não-eurocentrados? Por que não se conhece outros
248

nomes, outros fatos, outros possíveis heróis? Na análise proposta


pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos, isto acontece porque
vive- se em um sistema formativo extremamente marcado pelo
processo que ele denominou como epistemicídio,
O mundo é um complexo mosaico multicultural. Todavia,
ao longo da modernidade, a produção do conhecimento
científico foi configurada por um único modelo
epistemológico, como se o mundo fosse monocultural, que
descontextualizou o conhecimento e impediu a emergência
de outras formas de saber não redutíveis a esse paradigma.
Assistiu-se, assim, a uma espécie de epistemicídio, ou seja,
à destruição de algumas formas de saber locais, à
inferiorização de outros, desperdiçando-se, em nome dos
desígnios do colonialismo, a riqueza de perspectivas
presente na diversidade cultural e nas multifacetadas visões
do mundo por elas protagonizadas (SANTOS, 2009, p.183).
Tomando como ponto de partida o conceito de epistemicídio,
para Boaventura, busca-se neste capítulo analisar como este processo
se faz presente nas disciplinas de ciências humanas e como isto
impossibilita o desenvolvimento de uma mentalidade realmente
descolonizada. Todavia,
[...] descolonizar os currículos é mais um desafio para a
educação escolar. Muito já denunciamos sobre a rigidez das
grades curriculares, o empobrecimento do caráter
conteudista dos currículos, a necessidade de diálogo entre
escola, currículo e realidade social, a necessidade de formar
professores e professoras reflexivos e sobre as culturas
negadas e silenciadas nos currículos (GOMES, 2012, p. 102).
Vê- se que o percurso a ser feito é exaustivo e que não se
limitará na produção de alguns artigos, mas este é um bom caminho
para fazê-lo.

1.1 Objetivo Geral

O objetivo geral deste capítulo é analisar o quanto a estrutura


curricular e por consequência e educação escolar é disseminadora do
pensamento colonialista, tendo como principal fator a difusão do
epistemicídio dentro das ciências humanas.
249

1.2 Objetivos específicos

1.2.1 Trazer maiores compreensões sobre os termos Descolonização e


Epistemicídio;
1.2.2 Identificar narrativas colonialistas travestidas de descoloniais.
1.2.3 Apresentar elementos curriculares que permitem o
epistemicídio
1.2.4 Destacar obras e autores com propostas curriculares que
promovam novas perspectivas educacionais.

1.3 Pergunta problematizadora

Diante dos objetivos, geral e específicos, considera- se a


seguinte pergunta problematizadora: “como poderão ser
desenvolvidas práticas educacionais descolonizadas, se a grande
parcela dos materiais didáticos, bibliográficos e curriculares são
pautados em ‘verdades’ coloniais?”.

1.4 Justificativa

A justificativa para a realização deste capítulo se encontra na


necessidade de trazer o tema à discussão e também na urgência da
aplicação, nos ambientes de educação básica e também nos espaços
acadêmicos, e isto se dá não só devido à escassez de debates
profundos, com propostas reais de possíveis soluções sobre o tema
proposto, mas também ao fato de haver um distanciamento entre o
que já se tem produzido e seu devido acesso, seja pelos educandos na
escola pública, seja também para aqueles que estão no processo de
formação universitária, se capacitando para lecionar. O colonialismo
está enraizado na cultura e é propagado dentro das escolas, mas este
é feito com muita sutileza, pois vem travestido por um suposto
embasamento histórico- científico. Isto se deve a fatores múltiplos,
mas pensa-se (SANTOS, 2009) que o mais profundo deles seja
justamente o epistemicídio.
250

2 METODOLOGIA

A metodologia adotada na realização deste texto será de


natureza qualitativa, com foco na revisão de estudos relacionados ao
tema proposto, considerando principalmente livros, artigos, teses,
dissertações e documentos oficiais do Ministério da Educação e da
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, publicados no
período de 2000 a 2020. Inicialmente, será feira a conceituação dos
termos propostos no título, a fim de garantir maior compreensão por
parte dos leitores. Em seguida, serão destacados alguns elementos
que corroboram no entendimento sobre o problema apresentado. E
por fim, será feita uma discussão sobre o material analisado.

3 REFERENCIAL TEÓRICO

Como dito acima, o tema já vem sendo estudado por outros


autores e neste texto será feita uma conversa com os materiais que
eles forneceram. Tais elementos vão corroborar na sustentação da
pertinência deste capítulo. Neste ponto serão analisados os conceitos
que foram trazidos para a discussão e que estão sendo explicitados
aqui, para tal, o referencial teórico foi dividido em subtópicos para
trazer uma compreensão mais detalhada sobre eles.

3.1 O conceito de epistemicídio

O estudo que está sendo desenvolvendo não se faz de modo


isolado, nem tampouco é uma temática nova, mas é algo que ainda
está em processo de organização e progressiva difusão. Como as
ideias presentes no tema ainda não são de conhecimento do grande
público, faz-se necessário que sejam bem explicitadas e esmiuçadas
para que haja uma real compreensão daquilo que está por detrás dos
termos que foram trazidos no presente capítulo.
Quando se fala sobre o epistemicídio, tem-se por base a
terminologia criada por Boaventura Sousa Santos (SANTOS, 1995),
para quem o epistemicídio “se constituiu e se constitui num dos
instrumentos mais eficazes e duradouros da dominação
251

étnica/racial, pela negação que empreende da legitimidade das


formas de conhecimento, do conhecimento produzido pelos grupos
dominados” e, consequentemente, de seus membros enquanto
sujeitos de produção de saberes diversos. Segundo ele,
o genocídio que pontuou tantas vezes a expansão europeia
foi também um epistemicídio: eliminaram-se povos
estranhos porque tinham formas de conhecimento estranho
e eliminaram-se formas de conhecimento estranho porque
eram sustentadas por práticas sociais e povos estranhos.
Mas o epistemicídio foi muito mais vasto que o genocídio
porque ocorreu sempre que se pretendeu subalternizar,
subordinar, marginalizar, ou ilegalizar práticas e grupos
sociais que podiam ameaçar a expansão capitalista ou,
durante boa parte do nosso século, a expansão comunista
(neste domínio tão moderno quanto a capitalista); e também
porque ocorreu tanto no espaço periférico, extra-europeu e
extra-norte-americano do sistema mundial, como no espaço
central europeu e norte-americano, contra os trabalhadores,
os índios, os negros, as mulheres e as minorias em geral
(étnicas, religiosas, sexuais) (SANTOS, 1995, p. 328).
Este sistema descrito por Boaventura revela que o processo
presente no epistemicídio é a contínua anulação, senão, aniquilação
de valores, tradições, conhecimentos e, para além disso, da própria
história de grupos que não pertencem a categoria dos dominantes.
Há uma atuação num processo persistente de “produção da
indigência cultural: pela negação ao acesso à educação, sobretudo de
qualidade; pela produção da inferiorização intelectual; pelos
diferentes mecanismos de deslegitimação do negro como portador e
produtor de conhecimento” (CARNEIRO, 2005). Uma vez
rebaixados, seus valores perdem a devida importância, feito isto, o
próprio povo, os indivíduos que o compõe, tem sua dignidade
aniquilada, sua identidade, seu modo de ser é reduzido e passam a
se constituir pelos elementos apresentados como sendo os ideais, pois
são apresentados como superiores.
Uma vez que que este modelo se sustenta e permanece
produzindo os ideais de intelectualidade, vê- se que as capacidades
de intelecção passam a ser medidas e definidas a partir dos
conhecimentos apresentados por quem propõe a dominação, a isto,
Pierre Bourdieu chamou de “capital cultural” (BOURDIEU, 1997), e
252

estes são trazidos como sendo o conhecimento válido, o correto, ou


aquele que foi desenvolvido ao longo do tempo, portanto deve ser
aceito como tendo a devida credibilidade graças ao seu percurso
histórico de construção. Para além dos níveis de conhecimentos
estudantis, este sistema visa controles muito maiores, como aponta a
professora Sueli Carneiro:
O epistemicídio nas suas vinculações com as racialidades
realiza, sobre seres humanos instituídos como diferentes e
inferiores constitui, uma tecnologia que integra o
dispositivo de racialidade/biopoder, e que tem por
característica específica compartilhar características tanto
do dispositivo quanto do biopoder, a saber, disciplinar/
normalizar e matar ou anular. É um elo que não mais se
destina ao corpo individual e coletivo, mas ao controle de
mentes e corações (CARNEIRO, 2005, p.96).
Portanto, frente ao exposto, vê-se que o tema não trata de algo
simples, de pouca relevância, mas de elementos que transformam as
sociedades inteiras por meio de processos de formações escolares e
culturais, cujo verdadeiro papel é destruir outras perspectivas
epistemológicas, pois elas acabam com as verdades de um povo e
geram um modelo de condicionamento, mas que não é mais
perceptível, pois ele foi assimilado ao modo de vida. Este processo
precisa ser analisado e alertado, entretanto, ele não é facilmente
combatido, pois como nos alerta Foucault, este modelo colonizador
“fez funcionar o espaço escolar como uma máquina de ensinar, mas
também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar” (FOUCAULT,
2009, p. 142), logo, ele molda a mentalidade social, a ponto de os
indivíduos passarem a defender o dominador, pois passam a tê-lo
como o grande libertador.

3.1.1 Epistemicídio no Brasil

O processo de implementação de modelos epistêmicos se deu


por todo o mundo mediante o expansionismo colonial. Os povos
colonizadores impuseram suas verdades e ao longo do percurso
histórico, seus feitos foram introjetados como sendo verdades únicas
e compuseram, com seus relatos, os livros que formaram a
mentalidade ocidental. O professor de filosofia da Universidade
Federal do Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Renato Nogueira, revela
253

que “falar em epistemicídio no Brasil remonta ao processo de


colonização, ou seja, é uma invisibilidade, uma recusa a produção
africana de conhecimento” (BORGES, 2018). Apesar de o brasileiro
ser um povo formado pela miscigenação, no que tange a valores, a
formação das mentalidades e principalmente a construção histórica,
a matriz europeia sufocou as demais e isto se mantém na
contemporaneidade.
De acordo com a análise feita por Carneiro (2005), durante o
período colonial, a Igreja Católica, a serviço da coroa portuguesa, mas
também das missões eclesiais, atuaram para sufocar as estruturas de
pensamento dos povos nativos e daqueles que foram escravizados.
Seus valores foram ignorados e muitos de seus elementos
tradicionais foram classificados como atos pecaminosos. Devido a
isto, ela nos diz que:
assim, a história do epistemicídio em relação aos
afrodescendentes é a história do epistemicídio do Brasil,
dado o obscurantismo em que o país foi lançado em sua
origem. O projeto de dominação que se explicita de maneira
extrema sobre os afrodescendentes é filho natural do projeto
de dominação do Brasil, um sistema complexo de
estruturação de diferentes níveis de poder e privilégios.
Coube aos africanos e seus descendentes escravizados o
ônus permanente da exclusão e punição (CARNEIRO, 2005,
p.104).
O processo de epistemicídio no Brasil está ligado ao histórico
colonial que ainda se está aprisionado. A Coordenação de Promoção
da Igualdade Racial de São Paulo (CPIR), afirma que “a eficácia da
Lei 10.639/03 só atingirá o retorno esperado quando a sociedade
entender e formar um consenso de que a narrativa histórica lecionada
no Brasil nega o passado africano e afro-brasileiro” (BORGES, 2018),
ou seja, é preciso mudar as bases de construção epistêmica, os
modelos conceituais de produção e propagação dos conteúdos
escolares e valores culturais.

3.2 A colonização do pensamento

Diante do exposto acima, pode-se dizer que a educação da


população brasileira, desde seus primórdios, até o os tempos atuais,
254

carrega em si o colonialismo. Em excelente entrevista à revista


Ciência Hoje, o historiador e antropólogo Cláudio Pinheiro afirma
que “nós, brasileiros, tornamo-nos praticantes passivos de alguma
espécie de mimetismo pós-colonial. Imitamos padrões europeus e
estadunidenses [...] Os autores que lemos, afinal, são quase sempre
os clássicos do Velho Mundo” (PINHEIRO, 2014). A formação que é
fornecida nos mais diferentes níveis, é construída a partir de
referenciais que não são próprios do país, pois o que legitima a
cientificidade das produções, o que define as bases do saber
científico, não se encontra nas academias locais, mas em padrões
exteriores. Portanto, o epistemicídio brasileiro está na formação da
população em geral, seja na cultura popular pela religiosidade e
tradições, seja na educação básica por meio das aulas colonizadas,
sejam nos aprendizados cotidianos por meio de diferentes mídias, ou
mesmo nas academias, pois o que ali é ofertado, também foi
legitimado pelos valores das antigas metrópoles.

3.3 Análise da Estrutura Curricular de Ciências Humanas

Quando é feita uma proposta de estudo dos currículos, vê- se


que a estrutura curricular que se aplica no Brasil é fortemente
marcada, ou melhor, construída a partir da perspectiva eurocêntrica.
O currículo de Ciências Humanas, especificamente abordando as
disciplinas de História e Geografia, é majoritariamente organizado
pela trajetória dos povos que se firmaram na Europa e se
organizaram tendo por base religiosa o monoteísmo cristão. Evidente
que há temas sobre outros povos, entretanto, em volume bem menos
expressivo. O percurso formativo proposto nas humanidades
permite que se tenha conhecimentos sobre elementos de todos os
continentes, mas quando comparado com a quantidade de temas
europeus, bem como, com a relevância e profundidade dos temas
propostos, fica explícito que há uma construção tendenciosa na
estruturação curricular.
Serão trazidos neste ponto, alguns elementos que trazem
melhor compreensão sobre o que está sendo abordado. Com isto, será
possível entender que existe um trabalho em curso, isto é, este
capítulo está em consonância com outros trabalhos, há pensadores
que têm contribuído fortemente para que mudanças ocorram. Nos
255

últimos vinte anos aconteceram avanços no processo de


descolonização, mas há problemas estruturais que dificultam este o
avanço, e estes estão em vários níveis educacionais, como se pode
verificar na análise feita por Nogueira:
As universidades brasileiras são outro gargalo para a
implementação da Lei 10.639/03 e para o enfrentamento do
epistemicídio e o genocídio. A baixa presença de estudantes
e professores negros e a falta de formação por parte dos
docentes com relação à história africana e afro-brasileira são
fatores que dificultam a produção do saber acadêmico que
questione esse estado de violência. Essas ausências também
atrapalham na formação de educadores aptos a
implementar a Lei 10.639/03 nas salas de aula (BORGES,
2018, p. online).
Há um círculo que precisa ser rompido, propostas devem ser
cada vez mais concretas e menos especulativas ou ilusórias. Isto é
dito devido ao fato de já existirem documentos que direcionam ou
apontam para um trabalho descolonizado, mas eles acabam se
perdendo no meio de outros conteúdos que podem ser vistos como
mais importantes, ou ainda, pela forma de serem abordados, pois
como foi apresentado acima, muitos educadores não receberam um
tipo de formação que os habilitassem para abordarem tais temáticas.
O avanço dos processos descolonizados, devem passar pelo
caminho educacional, portanto, faz-se necessário uma análise nos
documentos que norteiam este caminho, e a partir disto verificar
possíveis mudanças. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
trazem a seguinte visão sobre as Ciências Humanas:
Em termos globais, a área sobre a qual nos detemos aqui, ou
seja, a área de Ciências Humanas, tem por objeto amplo o
estudo das ações humanas no âmbito das relações sociais,
que são construídas entre diferentes indivíduos, grupos,
segmentos e classes sociais, bem como as construções
intelectuais que estes elaboram nos processos de construção
dos conhecimentos que, em cada momento, se mostram
necessários para o viver em sociedade, em termos
individuais ou coletivos.
Dessa forma, reafirmamos que, quando falamos em
conceitos estruturadores de uma determinada área, estamos
nos referindo aos conjuntos de representações do real que
256

caracterizam, em termos básicos, determinada área e a


diferencia de outras. E para que possamos identificar quais
conceitos são estruturadores de uma dada área, é
necessário, como fizemos acima, estabelecer qual o seu
objeto central. Dele derivam as demarcações que irão nos
fornecer as referências para determinar, ainda que de forma
incompleta, os pilares conceituais de uma área (BRASIL,
2002, p. 24).
Como se vê nesta apresentação da área de ciências humanas,
os PCN analisam os elementos estruturantes das disciplinas, são eles
que dão as referências para que estas sejam especificadas em outros
documentos, mas aqui já vemos que o foco são as ações e relações
humanas e sociais ao longo do tempo e espaço.
O currículo paulista, quando trata das Ciências Humanas diz
que é necessário que seja desenvolvida a “atitude historiadora”,
como parte fundamental, não só para o aprendizado, mas como
formação do sujeito crítico, assim, temos que:
O termo “atitude historiadora”, no Currículo Paulista,
refere-se ao movimento que professores e estudantes
devem realizar para se posicionarem como sujeitos frente ao
processo de ensino e aprendizagem, fazendo uso da
comparação, contextualização e interpretação das fontes,
refletindo historicamente sobre a sociedade na qual vivem,
analisando e propondo soluções (SÃO PAULO, 2019, p.
455).
Para além destes dois documentos, tem- se a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), neste, de forma mais específica, estão
contidas as habilidades que os educandos de todo o país devem
aprender sobre todas as disciplinas e sobre a área que está sendo
discutida neste capítulo, o documento diz que:
A área de Ciências Humanas contribui para que os alunos
desenvolvam a cognição in situ, ou seja, sem prescindir da
contextualização marcada pelas noções de tempo e espaço,
conceitos fundamentais da área. Cognição e contexto são,
assim, categorias elaboradas conjuntamente, em meio a
circunstâncias históricas específicas, nas quais a
diversidade humana deve ganhar especial destaque, com
vistas ao acolhimento da diferença (BRASIL, 2017, p. 353).
257

O texto ressalta a importância desta área para a produção


crítica, análise do pluralismo do conhecimento. Não basta que seja
feita uma associação dos conteúdos, eles devem ser introjetados para
que produzam mudanças reais, pois
Embora o tempo, o espaço e o movimento sejam
categorias básicas na área de Ciências Humanas, não se
pode deixar de valorizar também a crítica sistemática à ação
humana, às relações sociais e de poder e, especialmente, à
produção de conhecimentos e saberes, frutos de diferentes
circunstâncias históricas e espaços geográficos (BRASIL,
2017, p. 353).
O educando é apresentado como o agente de transformação,
mas que deve ser inicialmente formado pelas ciências humanas, pois
ela proporcionará diferentes ferramentas para que ele exerça sua
função social, sendo assim
as Ciências Humanas devem, assim, estimular uma
formação ética, elemento fundamental para a formação das
novas gerações, auxiliando os alunos a construir um sentido
de responsabilidade para valorizar: os direitos humanos; o
respeito ao ambiente e à própria coletividade; o
fortalecimento de valores sociais, tais como a solidariedade,
a participação e o protagonismo voltados para o bem
comum; e, sobretudo, a preocupação com as desigualdades
sociais (BRASIL, 2017, p. 354).
Vê- se que as propostas, nos diferentes documentos, têm o
mesmo ideal formativo. Quando é feita uma análise dos
componentes curriculares, de caráter estadual, é possível ver que eles
seguem a mesma linha proposta nestes documentos de abrangência
nacional e isto tem extrema relevância no que diz respeito a
organização dos sistemas educacionais, na uniformização curricular,
enfim, a discussão não é esta, nem tampouco sobre a criticidade que
os educandos desenvolvem, mas sim sobre as bases formativas que
eles recebem, pois é justamente isto que fornecerá os elementos para
que eles pensem, julgue, avaliem e critiquem a realidade posta. Este
capítulo está falando sobre descolonização e epistemicídio, mas para
este processo ser efetivado, a educação básica deve ser a primeira a
receber esta transformação, porém, não é o que acontece.
A seguir, serão apresentadas as habilidades presentes na
258

BNCC (BRASIL, 2017) para a disciplina de Geografia para o Ensino


Fundamental que tratam da temática africana ou afro-brasileira,
espera- se com isto, ressaltar a discrepância na distribuição dos temas
no que tange aos conteúdos não europeus:
1. (EF07GE03) Selecionar argumentos que
reconheçam as territorialidades dos povos indígenas
originários, das comunidades remanescentes de quilombos,
de povos das florestas e do cerrado, de ribeirinhos e
caiçaras, entre outros grupos sociais do campo e da cidade,
como direitos legais dessas comunidades.
2. (EF07GE04) Analisar a distribuição territorial da
população brasileira, considerando a diversidade étnico-
cultural (indígena, africana, europeia e asiática), assim
como aspectos de renda, sexo e idade nas regiões
brasileiras.
3. (EF08GE05) Aplicar os conceitos de Estado, nação,
território, governo e país para o entendimento de conflitos
e tensões na contemporaneidade, com destaque para as
situações geopolíticas na América e na África e suas
múltiplas regionalizações a partir do pós-guerra.
4. (EF08GE06) Analisar a atuação das organizações
mundiais nos processos de integração cultural e econômica
nos contextos americano e africano, reconhecendo, em seus
lugares de vivência, marcas desses processos.
5. (EF08GE08) Analisar a situação do Brasil e de
outros países da América Latina e da África, assim como da
potência estadunidense na ordem mundial do pós-guerra.
6. (EF08GE13) Analisar a influência do
desenvolvimento científico e tecnológico na caracterização
dos tipos de trabalho e na economia dos espaços urbanos e
rurais da América e da África.
7. (EF08GE18) Elaborar mapas ou outras formas de
representação cartográfica para analisar as redes e as
dinâmicas urbanas e rurais, ordenamento territorial,
contextos culturais, modo de vida e usos e ocupação de
solos da África e América.
8. (EF08GE19) Interpretar cartogramas, mapas
esquemáticos (croquis) e anamorfoses geográficas com
informações geográficas acerca da África e América.
259

9. (EF08GE20) Analisar características de países e


grupos de países da América e da África no que se refere
aos aspectos populacionais, urbanos, políticos e
econômicos, e discutir as desigualdades sociais e
econômicas e as pressões sobre a natureza e suas riquezas
(sua apropriação e valoração na produção e circulação), o
que resulta na espoliação desses povos.
É importante ressaltar que são 67 habilidades na disciplina de
Geografia para o Ensino Fundamental II, desta apenas nove (9)
abordam a questão africana ou afro-brasileira, e que no sexto e nono
ano, não há sequer menção do assunto.
Quando é feita a análise da distribuição temática para a
disciplina de História, presentes na BNCC (BRASIL, 2017), para as
mesmas turmas, vê- se que a proporção é bem semelhante, porém
nesta matéria os conteúdos são mais bem distribuídos ao longo dos
anos.
1. (EF06HI05) Descrever modificações da natureza e
da paisagem realizadas por diferentes tipos de sociedade,
com destaque para os povos indígenas originários e povos
africanos, e discutir a natureza e a lógica das transformações
ocorridas.
2. (EF06HI07) Identificar aspectos e formas de
registro das sociedades antigas na África, no Oriente Médio
e nas Américas, distinguindo alguns significados presentes
na cultura material e na tradição oral dessas sociedades.
3. (EF07HI03) Identificar aspectos e processos
específicos das sociedades africanas e americanas antes da
chegada dos europeus, com destaque para as formas de
organização social e o desenvolvimento de saberes e
técnicas.
4. (EF07HI12) Identificar a distribuição territorial da
população brasileira em diferentes épocas, considerando a
diversidade étnico-racial e étnico-cultural (indígena,
africana, europeia e asiática).
5. (EF07HI14) Descrever as dinâmicas comerciais das
sociedades americanas e africanas e analisar suas interações
com outras sociedades do Ocidente e do Oriente.
6. (EF07HI16) Analisar os mecanismos e as dinâmicas
260

de comércio de escravizados em suas diferentes fases,


identificando os agentes responsáveis pelo tráfico e as
regiões e zonas africanas de procedência dos escravizados.
7. (EF08HI14) Discutir a noção da tutela dos grupos
indígenas e a participação dos negros na sociedade
brasileira do final do período colonial, identificando
permanências na forma de preconceitos, estereótipos e
violências sobre as populações indígenas e negras no Brasil
e nas Américas.
8. (EF08HI19) Formular questionamentos sobre o
legado da escravidão nas Américas, com base na seleção e
consulta de fontes de diferentes naturezas.
9. (EF08HI20) Identificar e relacionar aspectos das
estruturas sociais da atualidade com os legados da
escravidão no Brasil e discutir a importância de ações
afirmativas.
10. (EF08HI23) Estabelecer relações causais entre as
ideologias raciais e o determinismo no contexto do
imperialismo europeu e seus impactos na África e na Ásia.
11. (EF08HI26) Identificar e contextualizar o
protagonismo das populações locais na resistência ao
imperialismo na África e Ásia.
12. (EF09HI03) Identificar os mecanismos de inserção
dos negros na sociedade brasileira pós-abolição e avaliar os
seus resultados.
13. (EF09HI04) Discutir a importância da participação
da população negra na formação econômica, política e
social do Brasil.
14. (EF09HI07) Identificar e explicar, em meio a lógicas
de inclusão e exclusão, as pautas dos povos indígenas, no
contexto republicano (até 1964), e das populações
afrodescendentes.
15. (EF09HI14) Caracterizar e discutir as dinâmicas do
colonialismo no continente africano e asiático e as lógicas de
resistência das populações locais diante das questões
internacionais.
16. (EF09HI31) Descrever e avaliar os processos de
descolonização na África e na Ásia.
261

Em História são 99 habilidades a serem desenvolvidas nos 4


anos de Ensino Fundamental II e em apenas 16 delas são tratadas as
temáticas sobre África, afrodescendência e abordagens nesta linha.
Ainda deve- se considerar que não é porque estes temas são
trabalhados que possibilitam uma compreensão para além do
eurocentrismo colonial, pois como foi dito, tais conteúdos estão
sujeitos a subjetividade do docente e a objetividade do material
didático que o professor terá em mãos.
Nos livros didático e sistemas apostilados, como no Estado de
São Paulo, a distribuição dos conteúdos segue exatamente esta
proporção e os conteúdos não- europeus (colonizadores) são tratados
de forma secundária, ocupam um ou dois capítulos do livro e muitas
vezes nem são estudados, pois não são relevantes para avaliações
futuras, tais como vestibulares e Enem. Para além destes fatores o que
se quer evidenciar é que mesmo sendo feitas as abordagens de tais
temáticas, elas não são assumidas como preponderantes, nem tem
uma verdade em si, mas em relação a ação dos colonizadores, ou seja,
são estudadas para entender o mundo europeu.

4 ANÁLISES

Vista que a composição curricular brasileira, na área de


ciências humanas, é organizada de forma a apresentar ou explicar
como se chegou até a organização nacional que se tem hoje, seja no
aspecto físico, cultural, político, econômico, enfim, faz- se uma
trajetória que teoricamente explica o que acontece na
contemporaneidade. Todavia, o problema do percurso assumido, é
que ele é centrado na história europeia e seus desdobramentos.
Quando são estudados temas para além disto, eles carregam uma
desqualificação cultural, são vistos como precários, meros folclores,
atrasados e inferiores, pois foram dominados. O epistemicídio retira
a legitimidade de outros povos, no dizer de Boaventura Santos:
Esta pretensão de saber distinguir, hierarquizar entre
aparência realidade e o facto de a distinção ser necessária
em todos os processos de conhecimento tornaram possível
o epistemicídio, a desclassificação de todas as formas de
262

conhecimento estranhas ao paradigma da ciência moderna


sob o pretexto de serem conhecimento tão-só de aparências.
A distribuição da aparência aos conhecimentos do Sul e da
realidade e da realidade ao conhecimento do Norte está na
base do eurocentrismo (SANTOS, 1995, p. 331).
A construção de Santos continua válida em nos currículos,
pois vê- se que eles são aparentemente descolonizados, que tratam
da pluralidade, das várias correntes de formação da nação. Porém
quando é feita uma análise mais detalhada dos componentes, dos
livros didático e outros materiais fornecidos, fica evidente que há
uma priorização de certos elementos em detrimento a outros. O
professor Claudio Pinheiro, em entrevista à Revista Ciência hoje, fez
um alerta já sobre isto:
Pense em um estudante de ensino médio. O que ele estuda
em história? História europeia. Estudos sobre África
entraram para o nosso currículo apenas recentemente, em
2003, por uma medida governamental. Certo: o estudante
sabe então sobre Europa e África. O que falta? Falta tudo.
Conhecemos mais detalhes sobre a queda da Bastilha do
que sobre grandes revoluções africanas. Estas passam
completamente ao largo de nosso conhecimento. Como
estudar história mundial sem estudar a história da África?
Como entender o impacto que teve a diáspora de africanos
nas Américas e na própria África? Como isso interferiu, por
gerações e séculos, na capacidade africana de recuperar sua
economia? Nossa própria forma de datação do tempo é
marcada pela experiência europeia. Compreendemos o
mundo em termos de história antiga, medieval, moderna e
contemporânea. E é nesse trem que nos localizamos: o Brasil
passa a existir no mundo a partir da história moderna –
durante a expansão europeia (PINHEIRO, 2014, p. online).
Os educandos são formados por uma mentalidade colonizada
mesmo antes dos temas serem desenvolvidos na escola. Docentes das
áreas de humanas, que já adentraram a este processo de
descolonização, tem tentando romper com estas estruturas, mas é
possível constatar exatamente o que o professor Cláudio acena, isto
é, os estudantes têm conhecimentos prévios sobre Revolução
Francesa, Primeira e Segunda Guerra Mundial, Nazismo e outros
temas com predominância europeia. Quando o professor começa a
tratar deles, fica nítido que há muita empolgação por parte dos
263

alunos, pois já viram em filmes, séries, programas em geral.


Entretanto, quando são abordados temas como guerras e revoluções
nacionais ou de países africanos, vê- se que há desinteresse, pois são
temas totalmente desconhecidos e que não tem valorização midiática,
logo, são entendidos como inferiores (GOMES, 2012).

4.1 A necessidade de um pensamento que seja de descolonizado

Uma vez apresentada e trabalhada a problemática, será


trazido neste ponto algumas perspectivas de trabalho que são de
grande relevância no processo de descolonização. A intenção é
apresentar que há muitas políticas, grupos civis e acadêmicos que
tem levado esta discussão aos mais diferentes segmentos sociais,
como diz Gomes:
Portanto, a descolonização do currículo implica conflito,
confronto, negociações e produz algo novo. Ela se insere em
outros processos de descolonização maiores e mais
profundos, ou seja, do poder e do saber. Estamos diante de
confrontos entre distintas experiências históricas,
econômicas e visões de mundo. Nesse processo, a superação
da perspectiva eurocêntrica de conhecimento e do mundo
torna-se um desafio para a escola, os educadores e as
educadoras, o currículo e a formação docente [...]são
operações intelectuais necessárias a um processo de ruptura
epistemológica e cultural na educação brasileira. Esse
processo poderá, portanto, ajudar-nos a descolonizar os
nossos currículos não só na educação básica, mas também
nos cursos superiores (GOMES, 2012, p.107).
A Lei n. 11.645 de 2008 altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Estas duas alterações
na LDB foram de fundamental importância na abertura para os
estudos descoloniais, pois possibilitaram novas narrativas e partindo
disto, muitos estudos que estavam ocultos nas academias, passaram
a ter espaço público, possibilitando novos conhecimentos, bem como
a influência para outros desenvolverem pesquisas nesta linha.
Um dos pensadores que vem se destacando no cenário de
264

discussões e propostas descoloniais é o professor Renato Nogueira.


Ele propõe que sejam trabalhadas com novas perspectivas da
africanidade, segundo sua linha de trabalho:
A afroperspectividade consiste numa série de perspectivas
de matriz africana. Matriz africana deve ser entendida aqui
como uma expressão “plural”, isto é, ela designa um
conjunto de africanidades, nunca se trata de uma
homogeneidade mítica. Porém, se trata de um rico campo
de imanência, vasto e múltiplo, agregando vozes
polifônicas numa roda de dimensões indetermináveis.
Repito que não se trata de essencialismo, tampouco da
recusa do conceito de raça ou sua assunção acrítica. Um
modo para encaminhar a elucidação e enegrecimento do
que significa esta matriz africana é a terra (NOGUEIRA,
2011, p. 9).
Existem alguns expoentes nas academias que abordam a
temática do pensamento africano, afro-brasileiro contemporâneo,
para citar alguns pode- se falar em: Achille Mbembe tem uma obra
muito interessante chamada Crítica da razão negra, Molefi Kete
Asante desenvolveu a ideia de afrocentricidade, segundo ele “todo
conhecimento deve ser emancipador. [...] O afrocentrismo não são os
dados, mas a orientação para eles. É como abordamos os fenômenos”
(ASANTE, 2009, p. 105). Temos também, no Brasil Nilma Lino
Gomes, Kabengele Munanga e sendo mais atual, os professores Silvio
de Almeida e Djamila Ribeiro. Estes e muitos outros vem acenando
para “os riscos sistemáticos aos quais os escravos negros foram
expostos durante o primeiro capitalismo, constituem agora, se não a
norma, pelo menos o quinhão de todas as humanidades subalternas”
(NOGUEIRA, 2015). Esta exposição não só evidencia as exclusões, as
opressões, como fora feito em outros momentos, mas agora são
colocadas como mecanismos de esclarecimento e de fortalecimento
das identidades descolonizadas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os elementos expostos ao longo deste capítulo deixam


265

explicitado o que é o epistemicídio e como ele se manifesta numa


sociedade que foi organizada segundo um modelo social e que ainda
carrega a mentalidade colonial. Quando se trata da temática de
descolonização do pensamento ou, como foi proposto no tema, a
descolonização das ciências humanas, não há uma tentativa de negar
o passado, não se trata de ignorar que o país foi uma colônia e por
isto carrega, inevitavelmente, os traços desta dominação, mas sim de
evidenciar que esta forma de ser está presente na sociedade como um
todo e faz com que ela se mantenha como receptora dos elementos
formativos oriundos de outros países. A descolonização vem para
dar identidade ao povo, fazer a ruptura com o epistemicídio
propagado pelas matrizes curriculares, possibilitar que sejam
conhecidas realidades mais plurais, para que sejam adquiridos novos
valores (não necessariamente novos no sentido temporal do termo,
mas sim enquanto práticas que foram sufocadas no passado colonial)
e que se tenham conhecimentos a partir do próprio povo brasileiro.
A área de Ciências Humanas tem papel fundamental neste
processo de ruptura, portanto, faz-se necessário que os docentes, dos
mais diferentes níveis, se empenhem nesta tarefa, mas deve-se fazer,
inicialmente, mudanças na própria formação. É preciso buscar aquilo
que não foi fornecido nas academias, assim será aprendido um
repertório para tratar de tais temáticas com os educandos. Mas como
é um contínuo, deve-se também cobrar das Secretarias de educação,
de Ministérios e órgãos competentes, as devidas mudanças
curriculares para que progressivamente se tenha um currículo
equitativo nas mais variadas produções de conhecimentos, desta
forma se poderá falar em formação de pessoas autônomas, críticas e
que se empenhem na transformação de um mundo onde elas
enxerguem como sendo seu, não algo idealizado por sociedades que
vivem noutras realidades que nada tem a ver com elas.

REFERÊNCIAS

ASANTE, M. K. Afrocentricidade: notas sobre uma posição


266

disciplinar. In: NASCIMENTO, E. L. (Org.). Afrocentricidade: uma


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as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e
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Acesso em: 21/ 07/ 2020.
CAPÍTULO 13 │DEMOCRACIA E DITADURA:
DESVENDANDO NA PRÁRTICA OS
MEANDROS DE UM APARENTE ESTADO
DE “DIREITOS”

Alexandro Bento
Rafael Sacramento de Souza
RESUMO

Este capítulo tem por objetivo analisar se o conceito de democracia,


pautado em algumas obras, atende minimamente ao seu propósito,
no atual contexto brasileiro, em sua conjuntura política, social e
econômica. Como justificativa, se faz necessário essa investigação,
uma vez que, nos tempos atuais, registramos vários retrocessos em
políticas sociais, educacionais e humanitárias, as quais, já não
atendiam devidamente, a toda demanda populacional. A revanche
conservadora, reacionária, com seus projetos anti-povo, nos
conduziu a questão problematizadora: em que sentido vivemos uma
democracia, principalmente quando analisamos, temas como
educação, políticas sociais, liberdade religiosa, mesmo esses pontos
sendo supostamente garantidos e previstos em nossa constituição.
Como metodologia utilizou-se leituras de livros e artigos existentes
como histórico e documentais, que apontam vários pontos negativos,
ao exercício da democracia. Portanto, essa abordagem é de natureza
documental e bibliográfica. A partir de alguns conceitos, será
possível analisar o teor democrático e principalmente
antidemocrático, ou ditatorial disfarçado, que minuciosamente
constatamos. No referencial teórico trabalhamos autores, como
Morin, Foucault, Chauí, Safatle, Cortella, Ranciere, Karl Marx, Max
Weber, dentre outros, com o intuito de refletir essa problemática da
democracia no cenário atual brasileiro. Como resultados espera-se
demonstrar o quanto estamos longe, de uma nação democrática em
seu efetivo cumprimento, nos pontos que são previstos na
constituição e em outros códigos normativos, como a LDB e o ECA.

Palavras-chave: DEMOCRACIA. ESTADO DE DIREITOS.


270

LAICIDADE. PSEUDODEMOCRACIA.

1 INTRODUÇÃO

Há pessoas que pensam a ditadura e a democracia como


sistemas políticos, formas de governos, nos quais um defende a
liberdade e o outro a autoridade (RANCIERE, 2014). É
imprescindível salientar o uso da força como instrumento para
manter a ordem; já o outro, utiliza a fluidez; um é pautado num
grupo ou uma pessoa - detentor absolutamente o poder, outro num
conjunto de instituições que partilham desse poder (SANTOS, 2002).
É preferível ver as coisas de forma um pouco diferentes. A
ditadura e democracia são formas subjetivas de ser, formas pessoais
de agir, presentes em cada pessoa, também como parte de sua
personalidade. As vezes as pessoas são personificadas na autoridade,
outras na liberdade, e, justamente porque são características
subjetivas de suas personalidades; uma ou outra, se identifica com a
forma de poder estabelecido, seja para um lado, seja para o outro. De
tal forma, pode-se encontrar, numa suposta democracia - no nome,
nos termos da lei, e termos uma ditadura infiltrada, porque tem a
predisposição de quem está no poder a um sistema ditatorial, assim
como tem a predisposição na população em apoiar essa forma de
governo e seus adeptos. Uma coisa leva a outra, se retroalimenta
constantemente (SAFATLE, 2012). Não se sabe quais dos leitores,
foram capazes de perceber, quando numa aparente democracia existe
internamente uma ditadura, estamos falando de uma terceira via, que
fugindo das duas estruturas contrárias, ora para um lado, ora para
outro. Estamos falando, talvez, de um misto de ditadura e
democracia, ou de uma "veste de cordeiro" – liberdade, mas
essencialmente é um "lobo" – autoritário (Mateus 7:15). Estamos
falando de mais possibilidades além de um sistema binário, o mundo
é contraditório, complexo, portando, ternário ou quaternário [...] isto
é, têm várias formas de pensar e possibilidades de se conjugar
realidades [...] (MORON, et al, 2005).
271

Voltando a ideia de democracia e ditaduras como dimensões do


ser humano, lembremos, muitas vezes, quem entrou no poder por
vias democráticas e legais, se torna um déspota, ou seja, quem
centraliza o poder em si, e transforma a sua vontade na própria lei.
Quantas pessoas tem esse modus operandi, quando constituídas de
poder, e agem dessa forma, seja na igreja, no terreiro, na família, no
trabalho, no namoro, na amizade..., seja onde for, pessoas assim, nas
pequenas e micro relações, assim serão na maioria das vezes, nas
grandes e macro relações (FOUCAULT, 1978).
Democracia e ditaduras são projeções presente nos humanos,
consequentemente são projetadas nos governos e autorizam ora seus
abusos, ora o pleno exercício da sua governança, assim como, o
suposto combate a corrupção, no qual as pessoas se digladiam entre
si cobrando isso do governo, revela, uma auto blindagem, proteção,
de mascarar sua auto corrupção, justamente porque passa a falsa
mensagem de ser honesto, se revoltando pela corrupção do governo.
Será honesto mesmo ou hipócrita? (CORTELA; RIBEIRO, 2010).
Está posto uma lógica ilógica aqui: Não se compreende nem o
todo pelas partes, nem as partes pelo todo, mas se compreende o todo
pelas partes componentes do todo, e não podem ser separados pois
torna-se outra coisa. Todo e parte se compreende enquanto algo
unitário e não separado. Não se compreende a sociedade a parte do
indivíduo e o indivíduo separado da sociedade, se entende ambos em
sua íntima relação e integração[...] (MORIN, et al, 2005).
Esse trabalho se propõe, portanto, a analisar alguns pontos da
democracia em seus conceitos e em sua aplicabilidade, no contexto
brasileiro, fazendo um recorte do atual momento político, denotando
que a suposta democracia, a muito tempo, pode ser classificada como
uma ditadura disfarçada, ou pseudodemocracia.

1.1 Objetivo geral

Analisar a democracia no Brasil, de acordo com o seu conceito


básico, dentro de uma noção de Estado de Direitos, desmascarando-
a como um instrumento privado, daqueles que tem o poder da
representatividade política e, principalmente, econômico, em
272

detrimento dos mais necessitados.

1.2 Objetivos específicos

1.2.1 Compreender o conceito de Democracia.


1.2.2 Analisar a sua efetiva aplicabilidade ou melhor, desvendar a sua
manobra política.
1.2.3 Identificar os processos de aparelhamento do Estado, nas
instancias sociais, econômicas, políticas e religiosas.
1.2.4 Mostrar que a democracia vigente é uma pseudodemocracia.

1.3 Questão problematizadora

Constatar que nossos direitos básicos, como saúde, educação,


moradia, saneamento básico, condições para amplo desenvolvimento
econômico, dentre outros, não são garantidos, a todas as parcelas da
população de forma igualitária, em que sentido vivemos uma
pseudodemocracia?

1.4 Justificativa

Com o propósito de discutir, problematizar e ressignificar o


conceito de democracia, rumo ao cumprimento mais real ao exercício
efetivo de suas postulações teóricas, de igualdade, respeito a todos e
contemplação dos direitos cidadãos, pois, se não atender a todos
igualmente, que a regra seja, ao menos, a maior parte possível dos
cidadãos, sempre será algo a ser estimado, almejado, e construído, e
não ser a democracia uma mera utopia ficcional. No entanto,
tenhamos consciência de determinadas questões sobre a temática,
como nos aponta Santos:
Santos já assinalou o modo como os processos
hegemônicos globais de exclusão que caracterizam o
que ele denomina fascismo social, enfrentam
resistências, iniciativas de grupos de base,
organizações e movimentos populares que procuram
atenuar formas extremas de exclusão social, abrindo
espaços para a participação cidadã. (SANTOS, 2002, p.
273

197).
Aqui fica evidenciado no conceito de “fascismo social”, algo
sempre presente na política de Estado majoritariamente burguesa.
Santos pontua que o Estado deveria exercitar a concepção de ser uma
instância social, supra individual, funcionando como instituição
neutra e garantidora de direitos, porém, na prática, as oligarquias
sempre tiveram monopólio desses mesmos direitos. Não se pode
perder de vista, a utilização de um grupo de base bem organizado, e
mesmo assim com muita luta e desgaste, conseguiu-se a obtenção de
determinados bens e serviços, voltados para esses integrantes desse
contrato – o povo em geral, ou seja, infelizmente, sempre vivemos
uma pseudodemocracia, como nos aponta Ranciere:
Sendo assim, a palavra democracia não designa
propriamente nem uma forma de sociedade nem uma
forma de governo. A “sociedade democrática” é
apenas uma pintura fantasiosa destinada a sustentar
tal ou tal princípio de bom governo. As sociedades,
tanto no presente quanto no passado, são organizadas
pelo jogo das oligarquias. E não existe governo
democrático propriamente dito. Os governos se
exercem sempre da minoria sobre a maioria. Portanto,
o “poder do povo” é necessariamente heterotópico à
sociedade igualitária, assim, como ao governo
oligárquico. Ele é o que desvia o governo dele mesmo,
desviando a sociedade dela mesma. Portanto, é
igualmente o que separa o exercício do governo da
representação da sociedade (RANCIERE, 2014, p. 67).
Dadas essas constatações, não sejamos ingênuos em querer
encontrar uma espécie de paraíso democrático perdido, não se tem
registro na história. A questão aqui é de construir, no hoje, uma
sociedade mais democratizada, se inspirando em alguns lampejos na
história, de lutas e movimentos sociais de base, que alcançaram um
patamar mais societário de convivência, devido a todo o seu
empenho e organicidade política.
Num primeiro momento, esse capítulo, intenta denunciar e
desmascarar a atual farsa democrática presente no cenário brasileiro,
e que, tal trabalho, seja motor, para uma reorganização social, mais
274

condizente com a utopia democrática, algo a ser buscado e


construído.

2 METODOLOGIA

Segundo Marconi e Lakatos pesquisa: "é um procedimento


formal, com método de pensamento reflexivo, que requer um
tratamento científico e se constitui no caminho para conhecer a
realidade ou para descobrir verdades parciais" (2007, p. 43). A
metodologia aplicada nesta pesquisa é documental e bibliográfica
qualitativa com o intuito de analisar o cenário “democrático”
brasileiro, se, de fato, vivemos uma plena, ou parcial democracia,
para alguns (RANCIERE, 2014), vivemos uma pseudodemocracia ou
ditadura disfarçada.

3 ENTENDENDO OS MEANDROS ECONÔMICOS DA


“DEMOCRACIA”

Podemos entender a ditadura, como um “sistema”


antidemocrático de usurpação do poder, não funciona em sua
efetividade de trazer melhorias societárias, e a história já é suficiente
boa para demonstrar isso, a nossa memória não deve ignorar os
registros históricos sobre como foi o regime ditatorial de 64, no caso
do brasil (OLIVEIRA, 2011). No entanto, vamos nos deter, na
“suposta” democracia, como fora sutilmente comentado neste
capítulo, também não atendeu historicamente aos seus propósitos
constitucionais, muito menos filosófico, desde sua origem semântica
e política, (demo + cracia = governo do povo, poder do povo[…]), de
garantir a todos os cidadãos, independente de sua classe social,
religião, “raça”, etnia, portador de deficiência, sexo, gênero e
orientação sexual, indígena ou quilombola, não importa o grupo
pertencente, ou melhor, não deveria importar suas origens ou
classificação indentitária, independente desses elementos
ontológicos, antropológicos e sociais, todos, sem exceção, deveriam
ter seus direitos constitucionais garantidos (SANTOS, 2002).
275

Então, podemos asseverar, a democracia, tanto quanto a


ditadura, não resolveu os problemas societários, em atender a todos
os seus cidadãos ou povo, mas, um dos principais motivos que levam
a esse desvio de finalidade da democracia é o imperativo econômico
vigente, onde, temos um aparato estatal totalmente cooptado por um
sistema capitalista, responsável por instrumentalizar esse mesmo
Estado, a atender os interesses de um grupo seleto, uma espécie de
oligarquia, formam a elite financeira, constituída em sua maioria por
empresários, banqueiros, especuladores, detentores de uma herança
patrimonial (RANCIERE, 2014), seja de capital, seja de benefícios
adquiridos através de conchavos, barganhas, troca de favores,
corrupção, suborno, propina, lavagem de dinheiro, dentre outros
métodos, são esse seleto grupo os detentores do poder, das riquezas,
dos privilégios, e, também, são eles, “os donos do Estado”, parece
contraditório, mas não é, no sistema capitalista, o Estado têm donos
(SANTOS, 2002).
Constata-se que o Estado, não é pra todos, e de forma legal,
ou ilegal, ele destina a maior parte dos seus recursos, não só para uma
minoria não necessitada, enquanto algo para prover a sua
sobrevivência, mas por ganância, essa minoria, quer aumentar seu
patrimônio, ficar mais rica, e o Estado, instrumentalizado e
barganhado por esses atores da Elite brasileira, atende
primeiramente aos escusos interesses desses Senhores (RANCIERE,
2014)
Nesse sistema atual, o Estado gera sua receita
fundamentalmente por meio de impostos – tributos. Porém, os
mesmos, incide fundamentalmente sobre o consumo, onerando em
grande parte, a massa trabalhadora que, em sua maioria, pouco tem
para sua subsistência, e muito menos para investir ou criar seu
próprio negócio, acaba sendo escrava do consumo. Por isso, sem
escolha, é coagida sistematicamente a gastar e a trabalhar, consumir
e trabalhar, e, assim, produz mais de 70 por cento de toda a receita
nacional (QUINTELA; SERGIO, 2018). No entanto, esse valor, uma
pequena parte, volta muito precariamente em bens e serviços como
saúde, educação, transporte, saneamento básico, cultura e
entretenimento, segurança, e, sistematicamente, em sua maior parte,
sustentam os privilégios dos sanguessugas do capital (QUINTELA,
SERGIO, 2018).
276

Além disso, não há tributação sobre fortunas, heranças, sobre


lucros e dividendos, sistematicamente e organicamente, garantindo
privilégio e massacrando, explorando, usurpando, transferindo
riqueza, da minoria em direitos, mas maioria da população, para a
maioria em bens e serviços, mas minoria da população. (QUINTELA;
SERGIO, 2018). Portanto, a chamada “democracia”, na íntegra, é uma
pseudodemocracia, ou talvez, esteja exatamente cumprindo o seu
papel de colocar o fator econômico, o poder, a influência, mas
também, a raça, a etnia, a religião cristã, acima da própria
constituição federal, impedindo ser os direitos de forma equitativa
para todos (QUINTELA, SERGIO, 2018). Em linhas gerais, os direitos
são, por primeiro, para poucos seletos privilegiados, depois, a sobra,
para uma maioria de miseráveis que ficam com as migalhas e restos
desses direitos e dos bens e serviços por eles mesmos (a classe
trabalhadora) gerado (QUINTELA, SERGIO, 2018).

3.2 A democracia e a farsa das eleições

Na conferência da ONU sobre o clima, realizada no Rio de


Janeiro no ano de 2012, surgiu a ODS - Objetivo do Desenvolvimento
Sustentável, em que lançou 17 Objetivos e metas a serem alcançados
pelos países membros, mas não contém nenhuma punição jurídica
para os países que não implementarem essas medidas
desenvolvimentistas [1]. Devido a essa ausência punitiva, países como
Estados Unidos, por exemplo, são membros e cadeira cativa em todos
esses acordos, mas pouco efetivamente se comprometem em cumpri-
los.
Ou seja, introduzir essa questão inicial, tem o intuito de,
sorrateiramente, falar desses objetivos, para poder tratar sobre
educação, mostrando o primeiro elemento educacional e ético, está
em defasagem no país mais rico do mundo, que coloca o lucro, a
produção e a devastação da natureza, como viés econômico, assim
como a produção de gases de efeito estufa, acima dos compromissos
éticos e sustentáveis que ele mesmo assina [2], ou seja, há falta de
congruência, conceito do humanista Karl Rogers, em que defende o
alinhamento entre discurso e prática (ROGERS, 1990). Então, como
277

falar de Educação sem ética?


Quando a educação está no foco, é necessário o entendimento,
o qual, este tema demanda, além do âmbito estritamente escolar e
familiar, mas principalmente compreender sua dependência de
políticas públicas sobre educação, nas leis – Constituição Federal de
1988, Leis Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Estatuto da Criança
de do Adolescente (ECA) e na Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) oque, de fato, é viabilizado e implementado dessas
diretrizes.
O projeto escola sem partido, inicialmente surgiu como uma
PL 867/2015 - indexado em âmbitos estaduais e federais. O mesmo é
inconstitucional por várias motivos, mas, no entanto, o principal
ponto e um dos maiores atos políticos, é justamente impedir,
censurar, proibir e demonizar a política, uma vez que, embora ela seja
impedida de ser debatida em determinados espaços, esses mesmos
proibidores e censuradores, farão política com o discurso de serem
apolíticos, neutros, somente gestores...; caso comum levou a eleição
de dois políticos no atual cenário brasileiro: no âmbito Estadual de
São Paulo - João Dória, e no âmbito federal Jair Messias Bolsonaro.
Devemos ser capazes de ir além do discurso que nega seu
alinhamento ideológico, e por isso mesmo, se faz ainda mais
ideológico, simplificando a questão entre direita e esquerda
partidárias (PENNA, 2018).
É sobretudo importante assinalar que a educação de
qualidade, confere uma ampla percepção de enxergar além das
superfícies dos discursos desses manipuladores ideólogos de
primeira linha, responsáveis de enganar a uma parcela considerável
da sociedade que realmente lutava por justiça e pelo combate franco
a corrupção (PENNA, 2018).
Uma parcela dos enganados, envolvem professores, médicos,
motoristas, domésticas, pedreiros, jogadores de futebol, seguranças,
faxineiros, banqueiros e bancários, ou seja, pessoas de todos os mais
diversos setores de trabalhos e serviços sociais, independentemente
de sua formação acadêmica, classe social, sexo, cor ou etnia, foram
seduzidos por um discurso, introduzidos numa questão de
manipulação política. No entanto, dizer que todos foram
manipulados, é falho, não podemos esquecer que em todas essas
278

mesmas profissões, há pessoas que sabiam exatamente o que estavam


fazendo e concordavam com tudo que está posto por esses governos
na atual conjuntura (PENNA, 2018).
Cumpre assinalar, o que vemos apresentado de fascismo,
neonazismo e medidas ultraliberais, são amplamente partilhadas por
muitos desses, enquanto pessoas, atores sociais, presentes em todas
as classes sociais e cargos, no meio corporativo e funcionalismo
público, mas, principalmente por setores ultraconservadores e
reacionários, fora e dentro de boa parte das igrejas evangélicas, e da
renovação carismática católica.
Existiu nesses núcleos, uma “educação”, com reforço aos
valores difundidos nas maiores barbáries humanitárias, talvez,
infantilmente, achávamos que já haviam sido superadas, por uma
“educação” mais alinhada a estudos científicos e históricos […] Mas,
há também, uma identificação narcísica de um eu e uma identidade
reprimida, em viés de desabrochamento, projetada por identificação,
com um líder que incorpora seus ideais nazifascistas. (ADORNO,
1951/2006; MENDES, 2018).
Esse modelo de igreja, de um modo geral, presta um
desserviço completo a uma ideia de educação mais emancipadora
(MENDES, 2018). Pretendemos desconstruir e desmascarar, durante
essas discussões, a farda por trás do lado conservador e moralista da
igreja, que sustenta posturas e apoia políticos que defendem essas
tendências desumanitárias e preconceituosas, como a homofobia e o
machismo. (MENDES, 2018). No entanto, podemos ir um pouco mais
adiante.
A falta de uma educação mais ampla e científica, responsável
por reunir elementos da história, sociologia, psicologia, antropologia,
por exemplo, leva-se a graves erros de compreensão do ser humano
(MENDES, 2018). Quando um jovem usa drogas por exemplo,
acredita-se que o mesmo o fez por motivação de uma escolha livre,
deliberada e volitiva: “usou drogas porque quer…”. Precisa-se
analisar as questões em termos mais profundos. Nosso querer, nossos
desejos, pensando nos jovens, são, muitas vezes, forjados pelos
bombardeios das técnicas de marketing, publicidade em vista da
sociedade de consumo (SANT’ANA, 2014).
Técnicas sofisticadíssimas geram nos potenciais
279

consumidores expostos as propagandas, o desejo pelo consumo,


pois, subliminarmente, enunciam que determinado tênis, por
exemplo, o tornará mais bonito, será melhor aceito em seu grupo, fará
novos amigos, terá prestígio e admiração, ou seja, status social serão
adquiridos somente pela aquisição do calçado de determinada
marca. (SANT’ANA, 2014).
Quando falta a esses jovens condições de aquisição desses
produtos, podem desencadear vários comportamentos: Primeiro a
frustração imensurável por uma necessidade real - de ter um tênis,
mas aprofundada pelas técnicas de consumo - ter aquele tênis X. Essa
frustração, a longo prazo, pode paulatinamente somatizando-se a
outras, se transformar numa tristeza, numa depressão, numa
drogadição, numa busca de alternativa no tráfico, no roubo ou furto,
principalmente quando não há emprego para os jovens, os pais não
têm também condições de pagar, e não se tem outras alternativas de
lazer como o esporte, artes em geral, acesso à leitura, que poderiam
sublimar esse desejo e carência produzida (SANT’ANA, 2014).
Evangélicos e católicos carismáticos, por vezes, se recusam a
entender esse mecanismo, tendo uma interpretação rasa dos
comportamentos dos jovens, associando o uso de drogas, depressão,
acesso ao tráfico, roubo, etc., como uma questão de escolha, de livre
arbítrio, passível de se recusar a tudo isso, mesmo morando num
barraco, tendo pais desempregados e ganhando pouco, passando
necessidades básicas em casa, sistematicamente sendo vítima de
tantos acessos e direitos negados (SANT’ANA, 2014). Não se trata
aqui de dizer as pessoas pobres que sofrem essa violência do Estado
e das empresas, necessariamente se tornarão drogados, ou
criminosos ou depressivos, até mesmo porque, são uma minoria que
o fazem. No entanto, como cobrar e culpabilizar somente o indivíduo,
quando há uma estrutura de negação, humilhação, de mortificação
presentes (SANT’ANA, 2014), e ainda por cima, um constante
bombardeio com técnicas sofisticadas de convencimento, nas
principais propagandas veiculadas pelos meios de comunicação de
massa, sendo a televisão, muitas vezes, o único ou principal meio de
entretenimento (SANT’ANA, 2014).
280

3.3 Democracia, Estado laico e Teotadura [3]

É impreterível salientar uma escola laica é uma questão de


democracia inquestionável, partindo do princípio de termos uma
país diverso, multiculturalmente constituído - religiosamente,
etnicamente e também biologicamente miscigenado, embora
sejamos, em alguns aspectos sincréticos religiosamente e com
mestiçagem (BORGES, ALVES, 2013).
Esses pontos mostram o que deveria ser implícito e explícito
em uma democracia:
Todas os povos têm direitos as suas expressões
culturais e religiosas, seja no seu país de origem, seja
em um novo território que esteja em moradia
momentânea ou permanente, seja em relação a sua
ancestralidade que o constitui, e sem essas garantias
constitucionais, simplesmente, estamos impedindo
que as pessoas, sejam pessoas, sejam gente, sejam[…]
A laicidade é uma condição da pessoalidade, da
individualidade, da possibilidade de ser humano.
(BORGES; ALVES, 2013, p. 232-235).
O conceito da teotadura, utilizado por pensadores religiões de
matriz africana, no entanto, sem referência bibliográfica, será
apresentado como referência para analisar a laicidade. Embora na lei,
somos aparentemente “laicos”, o fato de existirem crucifixos ou
símbolos cristãos no congresso, não é o mais grave, mas é grave sim,
haver uma bancada evangélica com as seguintes correspondências -
em relação a Igreja assembleia de Deus tem 33 representantes no
congresso nacional, enquanto a Igreja universal tem 18
representantes, mas contando entre deputados e senadores totalizam
mais de 90 representantes dentro de um modelo fundamentalista,
retrógrado e extremamente conservador dessas religiões [4]
No entanto, precisa-se desenvolver um aspecto importante
dessa teotadura, não enquanto um ato institucional, como política do
Estado confessional. Indiretamente, o congresso e a população
majoritariamente cristã, presente na estrutura governamental, assim
como nas relações sociais, têm o imperativo cristão como regra de
cultura popular e política, fazendo com as demais denominações
281

religiosas, sofram, algum tipo de violência, seja em âmbitos verbais,


discriminatórios, institucionais, estruturais, como várias pesquisas
não cansam de demonstrar ano a ano (BORGES, ALVES, 2013).
Existe uma teologia da prosperidade responsável por
implementar a riqueza como sinônimo de benção de Deus, e esse
mecanismo foi instituído pelos ideólogos, para justificar a riqueza
adquirida pelos ricos, e camuflar seus meios ilícitos exploratórios,
para fazer esse processo desumano e desonesto de transferência de
riquezas, dos trabalhadores para os empregadores. Quem explica
esse mecanismo desde a sua raiz, são Max Weber (2004), Karl Marx:
A angústia religiosa é, ao mesmo tempo, a expressão
da verdadeira angústia e o protesto contra esta
verdadeira angústia. A religião é o suspiro da criatura
oprimida, o coração de um mundo sem coração, assim
como é o espírito de uma situação sem espiritualidade.
É o ópio do povo (MARX, 1960, p. 42)
Por meio da perspectiva sociológica, e as contribuições de
Lutero e João Calvino, do lado Protestante - evangélico, Weber
explica esse fenômeno econômico social que contribui para a
expansão capitalista, levando a Marx perceber a sujeira de encobrir
essa violência contra a classe proletária, o que leva o autor a essa
análise e expressão dessa estrutura religiosa que serve aos interesses
do capital. Porém, é importante afirmar, seja pelo dado social,
político e econômico do capitalismo, seja pelo lado religioso
conservador e fundamentalista dessas religiões evangélicas e
algumas alas da conservadora ou carismática católica, existe um
processo sujo de manipulação religiosa, resultando numa teotadura,
por prejudicar deliberadamente quem não compactua dessa
ideologia política e religiosa, mas também, pelo aspecto da “Servidão
Voluntária” (LA, BOÉTIE, 2004), pobres brancos, negros e pardos
adeptos dessa religião, são prejudicados, porque na essência de sua
consciência, foram manipulados por esse modelo de religião
perversa.

3.4 A laicidade e o culto apropriado

Como foi apresentado anteriormente, garantir a laicidade do


282

Estado é umas das ações mais cristãs existentes, de respeito ao


próximo e suas escolhas, e não imposição de um Deus, uma doutrina,
uma igreja. A dificuldade desse entendimento, se deve a não
mergulhar na essência da religião, pois, o mesmo Deus cristão, jamais
aprovaria tal atitude, quando lemos a alguns recortes bíblicos, como
o sermão da montanha (Mateus 5, 1-12), e o mandamento de amar o
próximo como a si mesmo (Mateus 22:39).
No primeiro livro da bíblia, o livro do Gênesis, fica evidenciado
a posição divina em respeitar a liberdade das suas criaturas, mesmo
em detrimento de uma possibilidade dessas criaturas fazerem
escolhas totalmente opostas a vontade de Deus (Gn. 1, 1 – 2, 25).
Seres humanos, tem defeitos, no entanto, lá no mais profundo
do seu íntimo, ninguém, em sã consciência, ou em reta consciência
C.I.C. 1783 (Catecismo da Igreja Católica) faria a imposição
obrigatória de Deus a cada cidadão, assim como a ideia de ter pessoas
prestando homenagem a nós, porque são obrigadas a isso, isso jamais
poderia ser um atributo da personalidade de um Deus, ser um Deus
egoísta e vaidoso.
Pode se perguntar: qual a relação dessas afirmações, em fazer
de um espaço do congresso ou da câmara de vereadores, um lugar
para louvar a Deus se a maioria de lá são cristãos e estão
simplesmente exercendo a sua fé? Não deveríamos achar lindo eles
louvarem a Deus além de o fazerem em casa, na igreja, mas também
no trabalho? (BORGES, ALVES, 2013).
Expressar a fé é legítimo, mas a liberdade de culto implica em
fazer essa manifestação, no lugar apropriado: a própria casa, ou
locais de culto (templos, igreja), porque é um espaço privado de
vivência e expressão, seja na igreja - espaço voltado para aqueles que
congregam na mesma doutrina. Mas não em um espaço público e
político, cuja finalidade é garantir direitos fundamentais de todos, e
é mantido pelos tributos pagos por todos ou pela maioria, e entre tais
pagantes, há cristãos e não cristãos, há pessoas de diversas religiões
e também que não professam nenhuma fé.
Está se respeitando o direito de todos quando usam seu
dinheiro e num local inadequado, para fazer culto a uma divindade?
Ou democraticamente se representa e se garanta todas as expressões
religiosas e não religiosas, de todos os cidadãos realizar atividades
283

voltadas as suas crenças nesses espaços, ou não dê privilégio a


nenhuma, pois, do contrário, está se impondo uma ideia de Deus,
uma doutrina, sobre as demais, e sobre os demais, e neste sentido está
se cometendo um crime contra a Constituição em seu artigo 5 inciso
VI:
VI – É inviolável a liberdade de consciência e de
crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e suas liturgias (BRASIL, 1988).
Em sequência, cita-se no artigo 19, I da Constituição:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios:
I – Estabelecer cultos religiosos ou igrejas,
subvenciona-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou
manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a
colaboração de interesse público.
Um “pecado” ou um crime contra Deus, seja cristão ou não,
pois, supostamente nenhum Deus, aceitaria, em locais inapropriados
e contra vontade de muitos, ser louvado ou servido. É o que se
denomina – antropomorfismo. É questionável que as divindades
exijam de seus seguidores, louvores e sacrifícios como uma
necessidade em Deus, uma vez que Deus é perfeito, é espírito e não
tem necessidades nem físicas, nem materiais, nem afetivas (CHAUÍ,
2006).

4 O FATOR DEUS E SEUS EFEITOS A DEMOCRACIA

No que tange o comportamento religioso na modernidade José


Saramago expõe determinada crítica - o fator Deus:
[...] Algures na Índia. Uma fila de peças de artilharia
em posição. Atado à boca de cada uma delas há um
homem. No primeiro plano da fotografia um oficial
britânico ergue a espada e vai dar ordem de fogo. Não
dispomos de imagens do efeito dos disparos, mas até
284

a mais obtusa das imaginações poderá "ver" cabeças e


troncos dispersos pelo campo de tiro, restos
sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os
homens eram rebeldes. [5]
Relato de extermínios em nome de Deus na Índia. Ele continua:
[...] Algures em Angola. Dois soldados portugueses
levantam pelos braços um negro que talvez não esteja
morto, outro soldado empunha um machete e
prepara-se para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a
primeira fotografia. Na segunda, desta vez há uma
segunda fotografia, a cabeça já foi cortada, está
espetada num pau, e os soldados riem. O negro era um
guerrilheiro. (Ibidem)
O extermínio relato, refere-se a escravizados na África. Agora
em Israel, mesma motivação:
[...] Algures em Israel. Enquanto alguns soldados
israelitas imobilizam um palestino, outro militar
parte-lhe à martelada os ossos da mão direita. O
palestino tinha atirado pedras (Ibidem).
Procedimentos religiosos, altamente punitivos, como
expressão das leis do talião. Vejamos outro ponto:
[...] Estados Unidos da América do Norte, cidade de
Nova York. Dois aviões comerciais norte-americanos,
sequestrados por terroristas relacionados com o
integrismo islâmico, lançam-se contra as torres do
World Trade Center e deitam-nas abaixo (Ibidem).
O atentado de 2001, muito conhecido como “o ataque as torres
gêmeas”. Saramago, termina com essa colocação, que os atos em
nome de Deus, certamente não houve a sua ordem direta para
autorizar e legitimar tal ação:
[...] E, contudo, Deus está inocente. Inocente como algo
que não existe, que não existiu nem existirá nunca,
inocente de haver criado um universo inteiro para
colocar nele seres capazes de cometer os maiores
crimes para logo virem justificar-se dizendo que são
285

celebrações do seu poder e da sua glória, enquanto os


mortos se vão acumulando, estes das torres gêmeas de
Nova York, e todos os outros que, em nome de um
Deus tornado assassino pela vontade e pela ação dos
homens, cobriram e teimam em cobrir de terror e
sangue as páginas da história. Os deuses, acho eu, só
existem no cérebro humano, prosperam ou definham
dentro do mesmo universo que os inventou, mas o
"fator Deus", esse, está presente na vida como se
efetivamente fosse o dono e o senhor dela. Não é um
deus, mas o "fator Deus" (Ibidem).
José Saramago, sabiamente denota que, em nome de Deus,
foram e continua se fazendo os piores genocídios e crimes contra a
humanidade. No entanto, nenhum desses crimes foram
minimamente autorizados por Deus, ou ao menos, impossível provar
isso, em cima de registros, mas sim, tais atos extremamente violentos,
são fruto da ganância, barbárie e preconceitos humanos, e procuram
legitimar suas atrocidades sob a autoridade divina, isso remonta ao
colonialismo e perpetua-se até os dias de hoje, de forma camuflada,
pelos sutis comportamentos de legitimidade religiosa cristã, em
detrimentos dos demais credos.
Certamente, Jesus Negro de Nazaré seria novamente
crucificado, ou melhor, é crucificado em cada ataque às religiões de
matrizes africanas, e negros diariamente assassinados pelo Estado
através das mãos da polícia militar, mas também, no crime
organizado e pelo tráfico - efeito colateral do sistema, e que vitimam
socialmente, os que não recebem o devido aporte estatal, porque as
oportunidades, de forma justa e igualitária, não são dadas a todos, da
mesma forma, seja pelo Estado, seja pelas empresas, seja pela
sociedade civil de um modo geral [6].
É impreterível salientar, biologicamente e etnicamente, Jesus
era negro, ou no máximo pardo, só analisar a estirpe judaica –
hebraica escravizada no Egito, de onde provém das primeiras
populações humanas, seja por meio de reinos ou tribos organizadas,
são migrantes da África. Sua negritude no fenótipo é constatada
quando o Egito negro é o lugar escolhido por Maria e José, para
protegerem a identidade e a vida de Jesus, no massacre dos inocentes
decretado pelo rei Herodes: (Mateus 2:16-18). Se Jesus não fosse
286

negro, não faria o mínimo sentido Maria e José fugirem e se


refugiarem no Egito [7].
Existem evidências, indícios, atestando a crucificação de Jesus
novamente nos dias atuais, seja pelo novo sinédrio, que
representantes da elite brasileira, de banqueiros e empresários, seja
pelos fariseus, boa parte dos ditos “cristãos” de hoje, seja pelo
Império Romano representado pelo atual governo, nas instâncias
municipais, estaduais e federal [8].
Dia 20 de novembro, dia da consciência negra, se protesta em
relação a todo descaso histórico com os negros, por ocasião da morte
do guerreiro Zumbi, do quilombo palmares, um dos mais
importantes na luta pela libertação dos escravizados, em contraponto
ao dia 13 de maio – se procura, erroneamente, atribuir a princesa
Isabel, como a principal responsável a abolição do pérfido regime
escravocrata [9]. Nesta mesma data em novembro de 2019, no Rio de
Janeiro, um grupo conservador católico tenta impedir a realização de
uma missa afro [6], devidamente prevista nuns dos documentos mais
importante da Igreja Católica, serve como normativo para as regras
do culto, atualiza dogmaticamente oque inequivocamente, deve ser
seguido pelos fiéis leigos e clérigos. O Concílio Vaticano II, no seu
documento – Sacrosanctum Concilium, no seu número 38, faz a
seguinte ponderação:
Mantendo-se substancialmente a unidade do rito romano,
dê-se possibilidade às legítimas diversidades e adaptações
aos vários grupos étnicos, regiões e povos, sobretudo nas
Missões, de se afirmarem, até na revisão dos livros
litúrgicos; tenha-se isto oportunamente diante dos olhos ao
estruturar os ritos e ao preparar as rubricas.
É tristemente notório o quanto muitos ainda legitimam a
catequização forçada feita pelos Jesuítas aos negros e aos indígenas,
como sendo o correto critério de evangelização, a mesma forma
desumana e sanguinária que através do epistemicídio (CARNEIRO,
2005), dizimou uma vasta cultura peculiar a esses povos, tanto os
nativos como os negros africanos. O documento deixa evidente as
devidas adaptações locais, que os ritos devem seguir, para atender
devidamente a diversidade de cada etnia, tem o dever de ser
observada, salvaguardando o sentido originário da cultualidade,
traduzindo adequadamente a língua vernácula e a cultura de cada
287

população cristã (S.C. n. 38). Mas infelizmente, muitos pseudos


cristãos, ainda nos dias de hoje, querem a volta de uma igreja
impositiva, altamente autoritária e hierárquica, cerceando, em nome
de Deus, liberdades coletivas e individuais.
Ignorando a palavra oficial da igreja católica, ou dotado de
total desconhecimento da mesma, em seus documentos normativos,
o grupo em questão, se achou no direito, não só de fiscalizar, mas de
agredir membros da igreja, antes, durante e ao término da cerimônia
religiosa, conforme matéria do G1[6].
Tais fatos, são provas cabais, a respeito da atual perseguição e
crucificação do Jesus Negro de Nazaré, novamente receberia, por
aqueles hipocritamente e farisaicamente, proselitistas e
“fundamentalistas” no sentido doentio e pejorativo do termo. Esses
mesmos assassinos de ontem e de hoje, embora sendo pessoas
distintas, mas com a mesma roupagem, mantem-se no mesmo modus
operandi de uma religiosidade doentia, que fatalmente assassinariam
ao Jesus Negro.
Então, pode-se falar dos vários “rostos” de Deus, ou de
pseudos deuses, impropriamente é interpretado e seguido, de forma
incoerente, quando comparado ao que está prescrito nos seus
próprios códigos de ética, como a Bíblia, o Alcorão e a Torá, que
constantemente são traídos por seus ditos seguidores em linhas
gerais.
A correta colocação de Saramago: “Deus continua inocente”, é
justamente essa sacada da máscara da hipocrisia presente nestes
religiosos, que querem legitimar, em nome de Deus, suas maldades,
seus preconceitos, seu ódio, seu egoísmo e sua ganância [2]. Deus, não
autoriza nada disso, nunca autorizou, os relatos ditos sagrados não
ratificou esses comportamentos, e mesmo em momentos que a
própria bíblia atesta a figura antropomórfica de um Deus vingativo,
castigador, punitivo, esse mesmo Deus, ou a imagem e compreensão
histórica de Deus, foi se redimindo num caráter cada vez mais
pacífico, amoroso, de perdão e misericórdia, e o Jesus Negro de
Nazaré, muito menos, jamais, autorizou, propagou ou ensinou tal
ação (QUEIRUGA, 2001). Costuma-se constatar Jesus e a bíblia como
sendo a pessoa e o livro mais desconhecido, porque são os menos
seguidos pela humanidade, embora seu nome seja muito difundido,
288

sua prática está longe de ser uma realidade da maioria dos falsos
cristãos […].

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Democracia plena, no sentido mais amplo da palavra, ou


talvez, mais fiel ao termo, é algo impossível, já apresentado pelos
contratualistas: Locke, Hobbes e Rousseau, pela impossibilidade de
se ouvir e se fazer cumprir a vontade de todos os indivíduos.
Somente um pacto coletivo, onde há acordos e renúncias, será
possível, a partir de uma democracia indireta, fazer-se respeitar, mas
do que a vontade, mas os direitos da maioria (SANTOS, B. S., 2002).
Porém, como podemos notar durante este capítulo, a “democracia”
liberal, mostrou-se como uma perpetuação de privilégios, não
combateu na raiz, os eixos geradores da desigualdade social, e, o
Estado, é, em geral, mais um instrumento perpetuador de um status
quo reproduzindo o escravismo (RANCIERE, 2014; SANTOS, 2002).
Portanto, desmascarando a pseudodemocracia, vê-se uma fala
de liberdades a uma parcela da população. Na prática, ainda
corrobora com legítimas posturas ditatoriais, pela violência cometida
pelo próprio Estado, contra a um grupo de cidadãos, que não
compõem a classe dominante, seja por suas origens e características
étnicas raciais, seja pela sua condição de pobreza (RANCIERE, 2014).
Precisa-se urgentemente, desconstruir essa falsa impressão do
imaginário brasileiro, de justiça, de direitos iguais, de igualdade de
oportunidades, de meritocracia, e de falsa laicidade, para, dado essa
consciência cidadã, politização e desalienação, começar, de fato, a
construção de um Estado de Direitos, que não tenha religião X, classe
social, cor, gênero, etnia, heterossexualidade, como o padrão de
normalidade, a preço de várias violências e crimes contra a
humanidade diariamente praticados, mas, de fato, opere como uma
instância, de garantias de cidadania, justiça, dignidade e respeito, ao
povo brasileiro.
289

REFERÊNCIAS

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Tradução de Catarina Eleonora F. Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo:
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MENDES, S. M. Manifestações do Conservadorismo e do Fascismo
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OLIVEIRA. L. Revista Brasileira De Ciências Sociais. vol. 26, n. 75.
fev. 2011.

[1] http://www.rio.rj.gov.br/web/planejamento/ods

[2] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50298142
Uma espécie de racismo velado que necessita criar um marco
[3]

fundador, ou um mito fundador que descaracteriza as centenas de


contribuições que legitima e criam diversas práticas onde a
religiosidade étnica formam o movimento umbandista.
https://portaldogeneroso.com/bancada-evangelica-tera-91-
[4]

parlamentares-no-congresso/
[5]
291

https://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u29519.shtml
https://g1.globo.com/sp/sao-
[6]

paulo/noticia/2018/11/19/aumenta-numero-de-denuncias-de-
discriminacao-contra-adeptos-de-religioes-de-matriz-africana-em-
2018-no-pais.ghtml
https://g1.globo.com/rj/rio-de-
janeiro/noticia/2019/11/21/missa-para-celebrar-a-diversidade-e-a-
tolerancia-termina-em-confusao-no-rio.ghtml
[7]https://super.abril.com.br/historia/jesus-era-moreno-baixinho-
e-invocado/
[8]http://www.ihu.unisinos.br/185-noticias/noticias-2016/562076-

jesus-cristo-seria-crucificado-novamente;
https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-
rede/2019/12/e-se-jesus-nascesse-hoje-no-brasil-seria-xingado-e-
atacado-nas-redes-sociais/;
https://blogdacidadania.com.br/2019/01/se-jesus-voltasse-hoje-
seria-chamado-de-comunista/
[9]https://www.geledes.org.br/dia-13-de-maio-a-maior-fake-

newsde-nossa-historia/
CAPÍTULO 14 │A IMPORTÂNCIA DO TERCEIRO SETOR
PARA DEMOCRATIZAÇÃO DA
EDUCAÇÃO

Angela Souza da Silva Alves

RESUMO

O objetivo geral deste capítulo é reconhecer a importância do


Terceiro Setor para a democratização da educação no Brasil. A
apresentação de dados oficiais mostrou que a contribuição dessas
entidades tem sido fundamental para suavizar a desigualdade
educacional impera em um país com tantos desafios sociais. A
questão central traz a seguinte pergunta: “quando iniciou as
atividades de modo pujante por parte destes impulsionadores da
democracia educacional e quais as áreas da educação eles com o
maior número de instituições não governamentais. A justificativa
desse capítulo é a ausência de visibilidade e reconhecimento por
parte do Estado, mesmo sendo ele um dos beneficiados com tal
atuação. Como trajetória metodológica, esse capítulo é conduzido de
acordo a abordagem exploratória, de natureza qualitativa, com foco
na revisão de estudos relacionados ao tema proposto, considerando
principalmente livros, artigos, teses e dissertações, publicados no
período de 2000 a 2020. Nossas reflexões consideram que o Terceiro
Setor atua diretamente na democratização da educação e tem papel
fundamental no desenvolvimento social brasileiro deste modo atua
de forma multidisciplinar compreendendo diversas áreas do
conhecimento. Por fim, como resultados, a conclusão a qual se chega,
é, apesar da maioria das entidades do Terceiro Setor não atuarem de
forma profissionalizada de ainda assim tem transformado de forma
positiva a realidade de brasileiros atuantes nessas entidades possuem
acessos que não teriam caso dependessem exclusivamente da atuação
do Estado.

Palavras-chave: EDUCAÇÃO. DEMOCRATIZAR. TERCEIRO


SETOR. ENSINO.
293

1 INTRODUÇÃO

O Terceiro Setor surge a partir da ineficiência do Estado em


suprir necessidade básicas do indivíduo desprovido de condições
financeiras para atender suas necessidades básicas. Estas
organizações sem fins lucrativos têm em sua origem, crenças
balizadas no bem comum, sua existência se dá a partir do desejo de
servir o outro sem qualquer motivação econômica.
Drucker (1999) afirma que as instituições sem fins lucrativos
existem por causa de sua missão. Elas existem para fazer a diferença
na sociedade e na vida dos indivíduos. A sociedade caminha em
busca do desenvolvimento coletivo, a preocupação com o bem-estar
social, tem sido uma preocupação ao longo da história da
humanidade, impulsionando assim, as organizações sem fins
lucrativos. O terceiro Setor é considerado um influenciador
importante para construção das mudanças e inovações sociais. A
palavra democratização origina-se da palavra democracia, a qual é
um regime político que surgiu na Grécia antiga no ano V a.C. e é base
para a democracia moderna.
De acordo com dicionário da língua portuguesa, democratizar
é tornar algo democrático, acessível, sobre este singelo capítulo, o
termo será empregado para apresentar a importância do trabalho
desenvolvido pelo Terceiro Setor na oportunizarão da educação.
Segundo dados do IBGE, apenas 6,7% das Fundações Privadas
e Associações sem fins Lucrativos no Brasil são voltadas para área da
educação e pesquisa, esta estatística traz à tona a realidade da
filantropia. Neste contexto, a busca por transformação de realidades
sociais, as Instituições não governamentais se esforçam para
democratizar a educação e com isto modificar a dura realidade dos
sem acesso à uma educação considerada de “primeira linha”. A partir
desta ótica, este capítulo apresentará a relevância das Instituições não
governamentais na democratização da Educação
294

1.1 Objetivo Geral

O objetivo geral deste capítulo é reconhecer a importâncias do


Terceiro Setor na democratização da Educação no Brasil.

1.2 Objetivos Específicos

1.2.1 Mapear livros, artigos, teses e dissertações que fazem referência


ao Terceiro Setor e sua importância na democratização da
Educação;
1.2.2 Identificar os principais momentos do Terceiro Setor na
Educação Brasileira, passando por suas bases históricas;
1.2.3 Estabelecer relações que envolvem a atuação do Terceiro Setor
na democratização da Educação brasileira;

1.3 Pergunta Problematizadora

Diante dos objetivos, geral e específicos deste capítulo,


consideramos a seguinte pergunta problematizadora: “como o
Terceiro Setor contribuiu e contribui para a democratização da
Educação no Brasil?

1.4 Justificativas

A justificativa desses objetivos se dá a partir da necessidade de


se reafirmar a importância do Terceiro Setor na democratização da
Educação no Brasil de modo a reafirmar transformações sociais
ocorridas.

2 METODOLOGIA
Este capítulo é norteado conforme a abordagem exploratória,
de natureza qualitativa com foco no levantamento biográfico e
revisão de estudos concatenados ao tema proposto, levando em
consideração especialmente, livros, artigos, teses e dissertações,
publicados no período de 1990 a 2020. A pesquisa qualitativa visa
entender, descrever e explicar os fenômenos sociais de modos
295

diferentes, através da análise de experiências, assim como da


investigação de documentos DENZIN e LINCOLN (2006) afirmam:
[...] os pesquisadores qualitativos ressaltam a natureza
socialmente construída da realidade, a íntima relação entre
o pesquisador e o que é estudado, e as limitações
situacionais que influenciam a investigação. Esses
pesquisadores enfatizam a natureza repleta de valores da
investigação. Buscam soluções para as questões que realçam
o modo como a experiência social é criada e adquire
significado. Já os estudos quantitativos enfatizam o ato de
medir e analisar as relações causais entre variáveis, e não
processo” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 23).

3 CONCEITOS

Ao se deparar com a palavra Terceiro Setor, logo vem a ideia


de entidades que praticam caridade, sua natureza ou campo de
atuação ficam em segundo plano, ao longo das décadas diversos
conceitos foram sendo apresentados para identificar as organizações
sem fins lucrativos.
Segundo Rubem Fernandes, o Terceiro Setor é um conjunto de
iniciativas particulares com sentido público, para o autor, essas
organizações são identificadas por não serem governamentais ou
lucrativas. (FERNANDES, 2009).
Para Maria Tereza Fonseca Dias tem-se como Terceiro Setor o
conjunto de pessoas jurídicas de direito privado, institucionalizadas
e constituídas conforme a lei civil, sem fins lucrativos, que perseguem
finalidades de interesse público. (DIAS,2008).
Portanto, podemos dizer que o Terceiro Setor é aquele que não
é público e nem privado, no sentido convencional desses termos, mas
estabelece uma relação com ambos tendo em vista sua origem é
privada, mas busca diretamente auxiliar o Estado muito embora não
seja parte integrante da administração pública.

3.1 O Terceiro Setor no Brasil conceito e panorama atual


296

O sentido da palavra Terceiro Setor, remete a existência de


outros setores, no sentido da organização de um Estado, ele está
classificado em Três setores, faremos menção ao primeiro e segundo
apenas com a finalidade de evidenciarmos o Terceiro Setor é tema
deste singelo trabalho (FERNANDES 2009). O Primeiro Setor é o
Estado representado por entidades políticas como prefeituras,
ministérios, secretarias, entre outras. É o setor público, de caráter
público e exerce atividades públicas. O Segundo setor é o Privado,
formado por organizações particulares que exercem atividades
privadas atuando em benefício próprio, investido seu dinheiro em
suas próprias atividades. Já o Terceiro Setor é composto por
organizações privadas sem fins lucrativos, atuantes nas lacunas
deixadas pelos setores público e privado, buscando a melhoria do
bem-estar social. São entidades privadas que geram bens e serviços
de caráter público. Sua ideia é de complementação e auxílio na
resolução de problemas sociais.
No Brasil a palavra terceiro setor é utilizada desde o século
XVI, após a chegada dos portugueses, que instituíram ações
intituladas filantrópicas de caráter assistencialista, hegemonicamente
incutindo à prática da caridade cristã. Essas ações estratégicas, foram
adotadas com a finalidade de construir uma narrativa de auxílio a
subsistência da população em aspectos como saúde, higiene,
educação (PARENTE, 2008).
A Santa Casa de Misericórdia de Santos foi inaugurada na
cidade de Santos em 1543 (PARENTE, 2008, p. 131), estabelecendo o
marco inicial dos projetos assistenciais e instalação das entidades
filantrópicas no Brasil.
O Estado brasileiro sempre foi omisso em relação a políticas
públicas eficiente, esta ineficiência causadora de desequilíbrio social
produziu indignação por parte da sociedade e a partir da década de
1970, surgem as primeira ONGs, com a ânsia de substituir o Estado
na prestação de serviço à sociedade (PARENTE, 2008).
A assistência social é a área que possuía a época e ainda possui
em nossos dias a maior quantidade de voluntários seguida pela
cidadania, educação e cultura. Tal contribuição social tornou-se cada
vez mais pujante nas décadas seguintes desempenhando um papel
cada vez mais expressivo e relevante dentro da sociedade. A partir
297

deste avanço por parte dessas entidades, o Estado se viu na obrigação


de criar mecanismos para o diálogo e apoio a essas instituições que
se tornaram essenciais na complementação dos serviços oferecidos a
população (PARENTE, 2008).
Ainda segundo Parente (2008), a nomenclatura “Terceiro Setor’
só veio a ser utilizada na década de 90, que é considerada um marco
para as instituições filantrópicas, pois tais entidades se posicionaram
na busca de uma nova imagem junto a sociedade. Se antes as
organizações eram vistas como entidades restritas a atividades
assistencialistas, a partir da década de 1990 tais organizações passam
a ser vistas como parceiras na luta pela redução de desigualdade
(PARENTE, 2008).
Pode-se dizer, em uma visão geral, que a atuação do Terceiro
Setor no Brasil encontra-se entre a complementaridade e a
substituição, comprovadas, por exemplo, pelo avanço expressivo no
que se refere a quantidade de recursos do erário repassado para as
instituições do Terceiro Setor na última década, mediante convênios,
termos de parceria público-privada e outros instrumentos similares
(BRASIL, 2010, p. 107-108).
Farah (2001) considera o Terceiro Setor como parte importante
na complementação das políticas universais de caráter redistributivo
e de desenvolvimento. Que possuem em sua essência a preocupação
com questões de superação de desigualdades estruturais. Tenório
(2000) vê o setor como um importante condutor de transformação e
desenvolvimento social a partir de alianças e ainda um ator
importante para a implantação, acompanhamento e avaliação de
políticas públicas junto ao Estado.
Para o sociólogo Rubem Fernandes, um dos primeiros
escritores a fazer uso do termo no Brasil, definiu Terceiro Setor com
suas próprias palavras, identificando-o como:
[...] um conjunto de iniciativas particulares com um sentido
público. Enquanto a noção de uma ‘sociedade civil’ coloca-
nos numa posição complementar e sistêmica ao Estado, a
ideia de um ‘Terceiro Setor’ orienta a reflexão em outras
direções, sem fronteiras definidas [...] Muitos não estão
sequer registrados em qualquer instância jurídica.
Trabalham à margem dos controles formais. Outros têm
298

registro institucional, mas não distinguem entre os serviços


com a clareza analítica que se espera das agências civis
(FERNANDES, 2009, p. 127).
Segundo o autor o Terceiro Setor brasileiro ainda tem um longo
caminho a ser percorrido, a ausência de documentação por parte de
muitas iniciativas sociais faz com que a sociedade civil não seja
retratada de forma plena, mas sim de forma superficial, uma vez que
a ausência de documentação deixa as instituições fora das estatísticas
oficiais.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulga
estudos descritivos e análises de resultados das Fundações Privadas
e Associações sem fins Lucrativos no Brasil (FASFIL), os dados são
relativos ao ano de 2016, a partir das informações contidas no
Cadastro Central de Empresas - CEMPRE do IBGE.
Do total das FASFIL, 83,1 mil estavam no grupo Religião
(35,1%), 32,3 mil, em Cultura e recreação (13,6%), 30,3 mil em
Desenvolvimento e defesa de direitos (12,8%), 29,0 mil em
Associações patronais e profissionais (12,2%), 24,1 mil em Assistência
social (10,2%), 15,9 mil em Outras instituições privadas sem fins
lucrativos (6,7%), 15,9 mil em Educação e pesquisa (6,7%), 4,7 mil em
Saúde (2,0%), 1,7 mil em Meio ambiente e proteção animal (0,7%), e
163 em Habitação (0,1%).
O Percentual de organizações destinadas ao Terceiro Setor é
apresentado na Tabela 1, na qual mostra o acesso da educação infantil
a grande parte dos das Instituições voltadas para educação, ao passo
que as entidades voltadas para educação profissional são em menor
número. Esta é uma afirmação que apesar dos anos se mantém, tal
afirmação é possível a partir da análise da tabela acima pois apenas
0,6 de todas as organizações sem fins lucrativos cadastradas investem
em educação profissional.

Tabela 1: Análises de resultados das Fundações Privadas e Associações


sem fins Lucrativos no Brasil (FASFIL), percentual educação
Educação e pesquisa 15 828 6,7 650 735 28,6
04.1 Educação infantil 4 872 2,1 83 150 3,7
04.2 Ensino 3 349 1,4 102 000 4,5
fundamental
299

04.3 Ensino médio 1 627 0,7 106 225 4,7


04.4 Educação 1 999 0,8 252 816 11,1
superior
04.6 Estudos e 1 315 0,6 53 322 2,3
pesquisas
04.7 Educação 464 0,2 14 205 0,6
profissional
04.8 outras formas de 2 202 0,9 39 017 1,7
educação/ensino
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Cadastro e
Classificações, Cadastro Central de Empresas 2016

No Brasil o Terceiro é movido em parte pelo assistencialismo,


as instituições religiosas exercem um papel significativo, conforme
aponta dados do IBGE. Esta afirmação é baseada na conclusão obtida
pelo Estudos e Pesquisas de Informação Econômica número 32, que
conclui:
Em relação aos objetivos, observa-se uma vocação religiosa
e para a defesa de direitos e interesses dos cidadãos. Assim,
35,1% das FASFIL é composto por entidades religiosas e
25,0% pelos subgrupos Associações de moradores, Centros
e associações comunitárias, Desenvolvimento rural,
Emprego e treinamento, Defesa de direitos de grupos e
minorias, outras formas de desenvolvimento e defesa de
direitos, Associações empresariais e patronais, Associações
profissionais e Associações de produtores rurais. (IBGE,
2019, 71).
Estas instituições têm seu foco nas necessidades básicas da
população, deste modo, a educação acaba ficando em segundo plano.
O que não se pode negar é o número de Instituições da sociedade
civil, tão importantes para a transformação social, tem grande parte
de suas atividades voltadas para assistencialismo, enquanto um
número reduzido atua na área da educação, a desigualdade tende a
se perpetuar pois o Estado, comprovadamente não consegue suprir a
demanda por educação da população mais carente (IBGE, 2019).
300

3.2 A Importância do Terceiro Setor para a Educação

Assim como em outras esferas da sociedade, o trabalho do


Terceiro Setor é de suma importância para a educação, em parceria
com os setores público e privado contribui para o desenvolvimento
de uma Educação de qualidade para todos.
Ao longo da história brasileira, o Terceiro Setor atua
diretamente em diversas esferas da sociedade, dentre as áreas de
interesse está a educação, as instituições investem tempo e trabalho
na luta por uma educação pública e universal de qualidade, que
acompanhe os processos de mudança e promova o pleno
desenvolvimento do cidadão. GOHN (2006) declara:
Tendo em vista que um dos principais sujeitos da sociedade
civil organizada são os movimentos sociais, é importante
registrar que os movimentos pela educação têm caráter
histórico, são processuais e ocorrem, portanto, dentro e fora
de escolas e em outros espaços institucionais. As lutas pela
educação envolvem a luta por direitos e são parte da
construção da cidadania. Movimentos sociais pela educação
abrangem questões tanto de conteúdo escolar quanto de
gênero, etnia, nacionalidade, religiões, portadores de
necessidades especiais, meio ambiente, qualidade de vida,
paz, direitos humanos, direitos culturais etc. (GOHN, 2006,
p. 35).
Os movimentos sociais têm chamado a atenção da para a
necessidade de maior participação política e social nas questões
referentes à educação, a atuação das organizações juridicamente
constituídas do Terceiro Setor, atuantes na área educacional, tem
contribuído para resgatar a valorização humana, a formação do
cidadão, o fortalecimento da moral, da ética e da virtude. Os projetos
sociais desenvolvidos por estas instituições têm como objetivo maior
resgatar os valores fundamentais à formação do cidadão, Parente
(2008):
Desta forma, as instituições do Terceiro Setor que atuam na
área da educação têm desenvolvido na educação não-
formal, um importante complemento à atuação da escola
formal. Com o desenvolvimento de atividades como
música, teatro, dança, valorizando as diversidades
culturais, incentivando a socialização como meio de
301

melhorar a autoestima e auxiliando na inserção social, a


educação se utiliza de espaços múltiplos para atingir seus
objetivos, tais como entidades sociais, associações de bairro,
igrejas, entre outros (PARENTE, 2008, p. 131).
Segundo o autor, as Instituições do Terceiro Setor
desempenham um importante papel para o desenvolvimento da
educação formal, as demandas socioculturais, são contempladas com
a educação não formal apoiada pelas organizações não
governamentais.

3.3 Conceito de Democracia

A palavra “democracia” surgiu na Grécia, na cidade-Estado


de Atenas, no período clássico, sendo idealizada por radicais
“demos” e “kratos”, que significam, respectivamente: “povo” e
“governo”. Via de regra, a democracia é referenciada a partir da
antiga Grécia, como “governo do povo”, ou “governo popular”, em
oposição a outras formas de governo, que também surgem na Idade
Antiga. Como a aristocracia, a monarquia, a diarquia, a tirania, a
oligarquia, entre outros. Todavia, refletimos sobre democracia no
mundo contemporâneo, algumas variações devem ser observadas, de
acordo com Dahl (2001):
Quando examinamos Atenas, o melhor exemplo conhecido
da democracia grega, logo observamos duas importantes
diferenças em relação a versão atual. Os gregos
consideravam desnecessária e indesejável a inclusão de
uma instituição política e a eleição de representantes para
representa-la. Podemos dizer que o sistema político
inventado pelos gregos era uma democracia primária, uma
democracia de assembleia, ou uma democracia de câmara
de vereadores. Decididamente, eles não criaram a
democracia representativa como hoje a entendemos
(DAHL, 2001, p. 117).
Transformações ao longo das décadas aconteceram até atingir
o modelo conhecido como Democracia Moderna, estabelecida a
partir do ordenamento jurídico, instituições políticas sólidas e
representantes dos três poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo)
(FERNANDES,2009). A viabilidade deste novo conceito de
Democracia só foi possível a partir da decadência dos Regimes
302

Absolutistas, na transição do século XVIII para o século XIX, com


a Revolução Francesa (FERNANDES, 2009).
O agrupamento de grandes populações, em razão da
Revolução Industrial, a consciência de povo aliada ao pensamento de
unidade por parte da nação, a soberania política, passou a ser
vinculada ao povo e não mais ao rei, a instituição do voto,
ou sufrágio universal, como parte da visão sistêmica de
representação direta fazem parte do legado das mudanças da época
que perduram até os dias atuais (FERNANDES,2009).
Em que pese a descrição de democracia, Touraine (1994),
salienta:
[...] não é somente um conjunto de garantias institucionais
ou o reino da maioria, mas antes de tudo o respeito pelos
projetos individuais e coletivos, que combinam a afirmação
de uma liberdade pessoal com o direito de identificação
com uma coletividade social (TOURAINE, 1994, p. 155).
Além disso, a democracia pode ser apontada como um regime
em que a maioria reconhece os direitos das minorias, que não
somente participarem do processo decisório do Estado, como
também discordar sem que por isso venham a ser penalizados.
Ainda segundo Touraine (1996, p.21) “a democracia é o meio
através do qual os indivíduos “impregnados de sua cultura e
liberdade” lutam “contra a lógica dominadora dos sistemas”.
Ao encontro dessa ideia, que embora não seja unanime,
Novelino (2009), defende que a democracia faz parte dos direitos
fundamentais de quarta geração e ou quarta dimensão que por sua
vez é fundamental para a concretização de sua sociedade plural.

3.4 O Direito à Educação assegurado na Constituição Federal

A constituição da República Federativa do Brasil de 1988


conecta o direito a educação aos princípios de segunda dimensão,
Direitos sociais, Econômicos e Culturais. Direitos de titularidade
coletiva e com caráter positivo, pois exigem atuações do Estado,
conforme evidenciamos nos artigos 205 e 206 da carta magna:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado
303

e da família, será promovida e incentivada com a


colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios: I - igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
(BRASIL, 1988, p. 59).
A carta magna evidencia a importância da educação do povo e
o dever do Estado em provê-la a todos os brasileiros. O atual estágio
de desenvolvimento da sociedade brasileira, está bem longe do ponto
desejado pelo legislador, de modo geral aqueles que dedicam seus
esforços em favor da educação tem encontrado obstáculos diversos
para tornar tangível tais artigos (BRASIL, 1988, p.59).
Não se pode negar, o Terceiro Setor foi favorecido no contexto
educacional público, a partir do texto constitucional de 1988 em seu
artigo 206, no tocante à liberdade de ação e a utilização de recursos
públicos para financiar projetos e programas educacionais com a
finalidade de promover a melhoria da qualidade do ensino, além da
flexibilidade legal prevista na Lei Federal 11.079/2004, regulariza o
processo de licitação e contratação de parceria público-privada no
âmbito da administração pública (BRASIL, 1988, p.58).
A preocupação do legislador em prever em nossa carta magna
o direito a Educação e dever do Estado foi fundamental para que a
sociedade se movesse em direção da transformação que este setor
necessita, mas deveria ter sido acompanhada pela criação de
mecanismos eficientes de propagação desta nova realidade
constitucional e a partir da disseminação desta nova realidade a
construção de uma realidade democrática para todos.

3.5 O Papel do Terceiro Setor Democratização da Educação

O conceito acerca da democracia apresentado no item 3.3, é a


base para o termo democratização, uma palavra deriva da outra.
Deste modo passaremos a falar diretamente do papel do Terceiro
Setor na democratização da educação.
Por vezes a democratização na educação foi confundido com a
304

quantidade de vagas nas instituições de ensino formal, trata-se de um


tema muito mais amplo, apesar do Estado ainda não fornecer vagas
escolares para todos os brasileiros.
A entrada do aluno em um curso que venha de iniciativas ou
programas do governo não necessariamente não garante a
democratização da educação, são necessárias ações que venham
promover um bom desempenho e consequentemente a permanência
desses alunos nos sistemas educacionais. Zago (2006) menciona:
Uma efetiva democratização da educação requer
certamente políticas para a ampliação do acesso e
fortalecimento do ensino público, em todos os seus níveis,
mas requer também políticas voltadas para a permanência
dos estudantes no sistema educacional de ensino (ZAGO,
2006, p. 228).
Os desafios são inúmeros para os alunos iniciantes em um
curso de graduação e ou qualquer outro curso que não fazia parte do
seu contexto. A adaptação ao meio social, manutenção das despesas
com o curso, entre outros fatores precisam ser considerados tanto
para a inclusão e permanência como para a evasão, estas informações
estão contidas no Censo da Educação Superior 2018, publicada pelo
INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), em setembro de
2019. (INEP, 2019)
O Terceiro Setor se tornou um agente de transformação e
equiparação estudantil fundamental no processo de democratização
da educação, sem ele muito provavelmente o abismo social seria
maior, inúmeras instituições trabalham em prol de equiparar as
condições educacionais, estas organizações estão espalhadas em
todas as regiões do Brasil e oferecem desde de cursos de alfabetização
até financiamento estudantil completo, conforme dados contidos no
Cadastro Central de Empresas - CEMPRE do IBGE. (IBGE, 2019).

4 REFLEXÕES

Ficou mostrado neste singelo trabalho a importância do


terceiro setor e sua relevância no apoio a democratização da
educação, em especial no atendimento à população socialmente
vulnerável.
305

Inúmeras instituições do Terceiro Setor comprometidas com o


desenvolvimento social, tem se unido na busca por interações
positivas entre o Estado e a iniciativa privada. Esta movimentação é
de suma importância para a sociedade e traz esperança para aqueles
que se valem destas instituições para concluírem sua educação
formal.
Como resultado deste esforço, os índices de crescimento de
alunos beneficiados têm aumentado ano após ano e não só isso,
iniciativas da mais diversas tem se mobilizado para ampliar o
atendimento para mais alunos.
É bem verdade que, a ausência de ações afirmativas no âmbito
da educação, torna a democratização do ensino uma luta constante,
travada entre as Instituições do terceiro Setor focados nesta temática
e o Estado que deveria garantir para todos a igualdade de
oportunidade, no entanto, não se pode negar que houveram muitas
conquistas e que cada vez mais a sociedade tem apoiado entendido
que a democratização da educação é uma temática importante para
todos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do foi exposto neste artigo, apesar da não formalização


das atividades de um percentual significativo das organizações sem
fins lucrativos , é evidente para a sociedade a contribuição do
Terceiro Setor para a democratização da educação, os graves
problemas sociais trazem consigo a desigualdade em diversos
âmbitos e também na educação, faz das instituições grandes parceiras
na transformação educacional dos jovens periféricos.
A parceria entre Estado e instituições sem fins lucrativos, são
fundamentais (fundamentais, cuidado com juízos de valores) para
todos os brasileiros terem de fato, acesso à Educação conforme
previsto na Constituição Federal.
Em breve síntese, foi constatado, por meio da revisão e reflexão
dos artigos, livros, teses e dissertações estudadas, ainda existe um
longo caminho a ser percorrido no que se refere a democratização do
ensino, o Terceiro Setor tem encurtado esta trajetória especialmente
306

para aqueles cujo o Estado é a única fonte para obter educação


formal.

REFERÊNCIAS

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2002.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa
do Brasil. Brasília, DF. Disponível em:
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NOVELINO, M. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Método,
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PARENTE, J. M. O Terceiro Setor no Brasil: Um Novo Panorama no
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307

TENÓRIO, F. G. Aliança e parceria: uma estratégia em Alves & Cia.


Revista de Administração Pública, n. 3, v. 34, p.42-43, 2000.
TOURAINE, A. O que é democracia. Petrópolis: Vozes, 1994.
ZAGO, N.; ANJOS, L. M.; ANDRADE, J. M.. Do acesso a
permanência ao ensino superior. Revista Brasileira de Educação, n.
32, v. 11, p. 228-229, 2006.
CAPÍTULO 15 │IMPACTOS DA COVID 19 NOS
DIREITOS HUMANOS DA POPULAÇÃO
NA SOCIEDADE BRASILEIRA

Marilice Martins
Rosana Rufino
Sandra Cordeiro Molina

RESUMO

Este capítulo é uma revisão bibliográfica, histórica e contextual acerca


da concepção dos Direitos Humanos e das políticas públicas
implementadas pelo Estado brasileiro no contexto da pandemia
trazida pela Covid-19 e tem como objetivo geral, investigar de que
maneira os Direitos Humanos devem orientar as políticas do governo
brasileiro e, nos objetivos específicos, comprovar a exclusão de
parcela da população das políticas implementadas; apontar que tal
exclusão é uma prática discriminatória; mostrar que práticas
discriminatórias comprometem a efetividade dos direitos e garantias
fundamentais. Na metodologia foi realizada a pesquisa bibliográfica
para descrever a importância das políticas públicas na efetivação de
direitos básicos, e a maneira como a ausência das mesmas pode afetar
a sociedade, especialmente aquelas pessoas pertencentes a grupos em
maior condição de vulnerabilidade. O que justificativa este capítulo
é evidenciar o não cumprimento integral da legislação que cuida dos
direitos humanos e dos direitos fundamentais em decorrência da
discriminação e da exclusão de uma parcela da sociedade. No que
tange ao referencial teórico se utilizou a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948, ratificada pelo Brasil em 1968, a
Constituição Federal de 1988 e literatura que analisa esses
referenciais normativos.
Palavras-chave: COVID19. DIREITOS HUMANOS. DIREITOS
FUNDAMENTAIS. DISCRIMINAÇÃO. POLÍTICAS PÚBLICAS.
309

1 INTRODUÇÃO

Com a promulgação da Declaração Universal de Direitos Com


a promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos, em
1948, pela primeira vez na história da humanidade os direitos civis,
econômicos, políticos, sociais e culturais básicos aos quais cada ser
humano têm direito, foram enumerados e hoje essa declaração é o
documento aceito como ferramenta para manutenção dos direitos
humanos. Esta serve de base para as constituições de muitos estados
democráticos, inclusive a Constituição Federal Brasileira de 1988 ao
determinar a prevalência dos Direitos Humanos (Piovesan 1997).
A declaração enfatiza a promoção dos Direitos Humanos, sem
qualquer tipo de distinção seja ela de cor, raça, gênero, orientação
sexual, religião, opinião política, ou qualquer outra condição social.
A Constituição Federal Brasileira, na mesma esteira, garante
aos cidadãos e cidadãs a preservação dos direitos humanos através
de garantias e direitos fundamentais que nela estão elencados. E esses
direitos são efetivados através de políticas públicas assegurando a
proteção e o respeito a esses direitos.
Políticas públicas podem ser conceituadas, como:
[...] ações realizadas pelo governo, que possuem nítido
caráter social, atuam sobre determinada população e
garantem a efetiva proteção de direitos,
principalmente aqueles conhecidos como
fundamentais, previstos pelo Estado (MOLINA, 2013,
p. 442).
Pensando nas políticas públicas na qualidade de ações
realizadas pelo governo para assegurar direitos, abordaremos
aquelas adotadas durante a pandemia da COVID 19 para assegurar
a efetividade dos direitos fundamentais e, por conseguinte, o respeito
aos Direitos Humanos, dentre eles o direito à vida, o direito à saúde,
o direito à informação, o direito ao trabalho e o direito à proteção
contra qualquer forma de discriminação.
A hipótese que aqui se defende é aquelas populações que já se
encontram em condição de vulnerabilidade e que historicamente
310

vem sofrendo o impacto das privações sociais (moradia, saneamento


básico, educação, emprego e renda, por exemplo), como apontam
Batista et al. (2004), não são contemplada por tais políticas piorando
ainda mais suas condições de vida e aumentando as chances de
contágio e óbito num contexto pandêmico.
Com efeito, em um país marcado por desigualdades sociais
como o Brasil e apresenta problemas estruturais e institucionais de
desigualdades sociais e raciais, tenta-se apresentar como o Estado
falha na promoção ampla de políticas públicas, mesmo diante de uma
emergência de saúde pública que dizima milhares de pessoas como
a pandemia de COVID 19.

1.1 Objetivo Geral

Este capítulo tem como objetivo geral investigar como os


Direitos Humanos devem orientar as políticas do governo brasileiro.
Isso ocorre porque o Brasil não só é signatário e reconhecedor
das normativas existentes na Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH), mas também por ter positivado diversos desses
comandos normativos em sua Lei Maior, a Constituição Federal
Brasileira de 1988.

1.2 Objetivos Específicos

Dentre os objetivos específicos, busca-se: comprovar exclusão


de parcela da população das políticas implementadas; apontar a
maneira como a exclusão está inserida no campo das práticas
discriminatórias e a forma como tal prática compromete a efetividade
dos direitos e garantias fundamentais do ser humano, prejudicando
o indivíduo no seu contexto social, cultural, político ou econômico.
Além disso, figura também como objetivo específico mostrar
porque a exclusão (histórica e sistemática) de parte da população das
políticas públicas implementadas pelo Estado afetam diretamente no
controle, prevenção e tratamento da Covid-19 e impactam,
consequentemente, direitos e garantias fundamentais e universais
assegurados pela Declaração Universal de Direitos Humanos
311

1.3 Pergunta problematizadora

As políticas públicas implementadas pelo governo brasileiro


para controle e prevenção da pandemia da Covid-19 contemplam a
população socialmente marginalizada, especialmente os grupos em
condição de maior vulnerabilidade

1.4 Justificativa

Este capítulo é importante para entender o que são Direitos


Humanos e como eles devem ser observados na adoção de políticas
públicas pelo Estado.
Assim, a importância desse estudo decorre da necessidade de
evidenciar a ineficácia do Estado brasileiro na promoção políticas
públicas efetivas para a população mais vulnerável historicamente
alijadas dos direitos fundamentais, dentre eles; o direito à vida, o
direito à saúde, o direito ao trabalho e a renda e o direito à não
discriminação e, pois sofrem ainda mais durante o contexto de uma
pandemia.
Tais constatações somadas às estatísticas existentes pelos
órgãos oficiais, tais como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA) podem apontar quais deveriam ser as prioridades dos
governos (federal, estadual e municipal) em seus gastos e o destino
dos recursos disponíveis no enfrentamento à pandemia trazida pelo
Covid-19.
Logo, este trabalho se justifica por apontar a maneira como as
tais práticas discriminatórias e excludentes dificultam o acesso a
garantias e direitos fundamentais básicos acabam por ferir também o
princípio da dignidade da pessoa humana – princípio de alta
relevância nos ditos Estados de Direito.

2. METODOLOGIA

Este trabalho utilizou os seguintes recursos metodológicos: a


pesquisa bibliográfica, análise de dados estatísticos, trabalhos
científicos e dispositivos legais pertinentes à temática aqui
desenvolvida.
312

Como recurso metodológico, esta pesquisa ampara-se nos


Direitos e Garantias Fundamentais, previstos nos artigos 5º e 6º da
Constituição Federal Brasileira de 1988 e na Declaração Universal de
Direitos Humanos de 1948, sua principal fonte de análise.

3. DOS DIREITOS HUMANOS, DA COVID 19 E DAS


POLÍTICAS PÚBLICAS

Neste tópico desenvolveremos o conceito de Direitos


Humanos e como as políticas públicas construídas para sua
efetividade são impactadas pela pandemia trazida pela Covid-19.

3.1 Dos Direitos Humanos, Da Declaração Universal de Direitos


Humanos e sua positivação

Direitos Humanos são os direitos básicos e fundamentais


inerentes a todo ser humano como o direito à vida, à saúde, à
moradia, à educação, ao trabalho e devem proteger a todos os serem
humanos, sem qualquer tipo de distinção de raça, de cor, de sexo, de
língua, de religião, de classe social etc. e, por isso são direitos
universais, invioláveis e inalienáveis, como ensina Dallari (2009)
A Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) é o
documento marco na história moderna dos direitos humanos que
possibilita o entendimento e preservação dos direitos humanos e
para defesa contra toda e qualquer forma de opressão, de
impunidade, de ataque a dignidade humana e contra a violação de
direitos. Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em
dezembro de 1948 e ratificada pelo Brasil em 1968 já foi traduzida
para mais de 500 idiomas e inspirou as constituições de muitos
Estados e democracias, inclusive a Constituição Federal Brasileira de
1988.
Importante ressaltar a existência dos direitos humanos como
norteados por princípios dentre os quais, o da igualdade e não
discriminação e este preconiza o quanto segue: todos nascem livres e
iguais em dignidade e direitos, com capacidade de gozar de direitos
humanos sem qualquer tipo de discriminação, independente de cor,
sexo, religião, identidade de gênero, local de residência ou qualquer
outra condição.
313

Há ainda a previsão de universalidade que é o entendimento


de que os direitos humanos são universais, ou seja, todas e todos têm
direitos humanos e é dever de todos os Estados promover e proteger
esses direitos. Os direitos humanos são também interdependentes, se
inter-relacionam e são indivisíveis, isto é, todos os seres humanos têm
direito a todos os direitos humanos e não podem ser privados de
nenhum deles pra que isso não afete negativamente os outros. O
princípio da inalienabilidade prevê que os direitos humanos não
podem ser retirados, renunciados ou trocados por qualquer motivo.
Por fim, os direitos humanos são inerentes a todos e todas desde o
nascimento e não podem ser dados, comprados, ganhos ou herdados
(LENZA, 2014). Todavia, como os Direitos Humanos são positivados
nos sistemas nacionais de cada país?
Para alguns doutrinadores, como José Afonso da Silva (1992,
p. 163-164), esses direitos são vetores dos direitos fundamentais e
designam:
[...] no nível do direito positivo, aquelas
prerrogativas e instituições que o [ordenamento
jurídico] concretiza em garantia de uma
convivência digna, livre e igual de todas as
pessoas. No qualificativo fundamental acha-se a
indicação de que se trata de situações jurídica sem
as quais a pessoa humana não se realiza, não
convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive [...]
(SILVA, 1992, p. 163-164).
Na mesma esteira Araújo (2005) defende os direitos
fundamentais podem ser conceituados como sendo a categoria
jurídica guardiã do princípio da dignidade humana em todas as
dimensões. Isso porque o ser humano, tem natureza plural e busca
resguardar sua liberdade (direitos individuais) e também suas
necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais).
o Brasil, os direitos fundamentais estão previstos no Título II,
nos artigos 5º. ao 17 do texto constitucional vigente e, neste trabalho,
abordaremos alguns dos direitos previstos nos artigos 5º. e 6º, dentre
eles: o direito à vida; o direito à saúde; o direito ao trabalho; o direito
à informação e, o direito à não discriminação e porque encontram-se
impactados pela pandemia trazida pela Covid 19.
314

3.2 Do Direito à Vida e suas Garantias

O direito à vida é um direito fundamental e pessoal do


indivíduo, é o principal direito garantido a todas as pessoas, sem
nenhuma distinção, encontra previsão no artigo 5º, caput da
Constituição Federal Brasileira, tratando-se de um direito inviolável,
sendo desse modo, dever do Estado preocupar-se com aquele que é
um dos direitos mais importante e sem a garantia deste direito os
demais ficam esvaziados.
Nos termos da atual Constituição brasileira, o Estado tem o
dever de elaborar, implementar e assegurar a eficácia de políticas
públicas garantindo o direito à vida a todos os indivíduos, mas não é
isso o que ocorre (Brasil, 1988). Como exemplo pode-se citar a vida
das pessoas em situação de rua que cada vez mais estão em condição
de vulnerabilidade e esquecidos às margens da sociedade.
E essa situação agrava-se ainda mais num contexto
pandêmico onde as formas de prevenção e contenção de
contaminação dependem de isolamento social, higienização, uso de
máscaras e de álcool gel, mas é possível a prática de tais cuidados
para pessoas que vivem em situação de rua garantindo a elas o direito
ao mínimo que garanta a dignidade da pessoa humana, como direito
à saúde, alimentação e moradia?
De fato, a falta de condições ideais para a prevenção do vírus
somado à dificuldade de acesso aos serviços de saúde e a
intensificação da vulnerabilidade econômica a qual estão expostos
demanda a implementação de políticas públicas para o controle do
Covid-19 voltadas especificamente a essas pessoas para que lhes
sejam asseguradas a garantia do direito à vida.
Além desses direitos um outro deveria ser garantido pelo
Estado: saneamento básico, entendido como o conjunto de medidas
destinadas a preservar ou modificar as condições do meio ambiente
com a finalidade de prevenir doenças e promover a saúde, melhorar
a qualidade de vida da população e à produtividade do indivíduo e
facilitar a atividade econômica.
Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) revela
que, atualmente, 34 milhões de pessoas vivem sem água encanada no
Brasil, e 100 milhões não possuem coleta de esgoto nas residências,
315

como publicado no portal Agência de Notícias CNI (2020) e o


relatório do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
(SNIS) de 2018 e, apenas 46% do esgoto gerado é tratado – a precária
forma de acesso à água e ao esgoto tratado, não é novidade, mas está
mais evidente com a pandemia trazida pelo coronavírus.
Por outro lado, a Assembleia Geral da ONU publicou
resolução entendendo que um dos objetivos da “Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável” (ONU, 2015) é o saneamento básico e
o acesso à água potável, por se tratar de um dos Direitos Humanos.
Diante disso, verifica-se a ineficácia do Estado brasileiro no
cumprimento desse objetivo, colocando em risco gritante a
preservação do direito a vida de parcela específica da população
brasileira.

3.3 Do direito à saúde

O direito à saúde é um direito público e subjetivo endereçado


à sociedade brasileira, destinatária final dessa proteção, conforme
estabelecido no artigo 6º da Constituição Federal (1988) que prevê:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o
lazer, a segurança, a previdência, social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.
Tem-se, portanto, que o acesso à saúde é um direito vital e
fundamental, recebendo inclusive uma seção especial na
Constituição Federal Brasileira que demonstra que o direito a saúde
deverá ser garantido através da adoção de políticas sociais e
econômicas com acesso universal e igualitário a toda a população.
Nesse contexto, foi criado Sistema Único de Saúde (SUS).
Cabe lembrar que a Declaração Universal de Direitos
Humanos assegura e estabelece em seu artigo 25 que:
Art. 25 Todo ser humano tem direito a um padrão de
vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e
bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,
cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis,
316

e direito à segurança em caso de desemprego, doença,


invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda
dos meios de subsistência fora de seu controle.
A saúde é, portanto, um direito essencial e compete ao Estado
assegurar, prover as ações necessárias com vistas a preservar esse
direito de forma efetiva.
Desse modo, merece ser destacada a construção das políticas
de saúde pública no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988
que no título denominado “Título VIII, da Ordem Social, Seção II, da
Saúde, artigos 196 a 200” acabou por criar o SUS (Sistema Único de
Saúde), considerado um dos maiores sistemas de saúde pública do
mundo por atender de forma universal desde o mais simples
atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos.
Isso porque estudos apontam que países com políticas de
saúde pública mais consolidadas tem enfrentado com mais sucesso a
atual pandemia existente no planeta, portanto, a implantação do SUS
e das políticas por ele instrumentalizadas representam um grande
passo rumo à cidadania, respeito aos Direitos Humanos, prevenção e
controle de doenças e de grandes epidemias como a Covid 19. Nesse
sentido, Sonia Fleury (2020) aponta os sistemas públicos possuem
alta capilaridade permitindo uma boa distribuição em sua rede.
Portanto, estima-se que países com sistemas de saúde públicos e
universais enfrentarão melhor pandemias.
Logo, sendo o direito à saúde um direito previsto na lei,
quando o Estado não o respeita acaba por negligenciar as populações
mais vulneráveis (pessoas em situação de rua, periféricas,
quilombolas, indígenas, por exemplo) e a consequência disso é o
desrespeito aos Direitos Humanos.

3.4 Do Direito Ao Trabalho e a Renda

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)


determina que o direito ao trabalho, às condições justas e favoráveis
de trabalho e à proteção contra o desemprego são direitos dos seres
humanos e, juntamente com outros meios de proteção social a
garantia ao trabalho deve ser uma política pública observada pelos
Estados que adotam essa Declaração..
317

Sem dúvida o Direito ao trabalho se associa ao princípio da


dignidade da pessoa humana e está definido como um direito
fundamental no Brasil, pelo artigo 6º. Do Texto Constitucional
vigente.
Pensando no contexto de uma pandemia, a Recomendação nº
027, de 22 de abril de 2020, do Conselho Nacional de Saúde. (Brasil)
seguindo a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para
diminuir a velocidade da propagação do vírus determinou o
isolamento social, ou seja, permanecer em casa, com contato social
restrito.
Todavia, sabe-se da existência de postos de trabalho que não
se enquadram nessas hipóteses e, portanto, trabalhadores que não
conseguiram manter suas atividades e garantir remuneração durante
esse período de recomendação para o isolamento social, como é o
caso dos trabalhadores que prestam serviços essenciais, por exemplo.
Para agravar a situação, percebe-se que o governo federal não
traçou um plano envolvendo trabalhadores e empresários para
enfrentar esse período de isolamento necessário. Ao contrário,
propôs através da Medida Provisória 936 de 1º. Abril de 2020
(posteriormente convertida na lei nº 14.020, de 6 de julho de 2020)
planos prevendo corte de jornada e de salário para, segundo ele,
assegurar a manutenção do emprego; permitir a suspensão
temporária do contrato de trabalho, fragilizando as relações laborais
e levando muitos trabalhadores formais à pobreza (BRASIL, 2020).
E, se para os trabalhadores formais detentores de uma rede de
proteção social a situação é crítica, para os demais esse atual
momento de pandemia é assustador e atingirá grupos historicamente
vulnerabilizados como é o caso da população periférica de baixa
renda, dos moradores em situação de rua, dos profissionais do sexo,
dos indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais, trabalhadores
informais, dos trabalhadores não alfabetizados, dentre outros.
Para além do Direito ao trabalho, necessário se faz a
manutenção de uma renda, assegurada pelo Estado, para as pessoas
que vivenciam relações de trabalho precarizadas e encontram-se em
situação de vulnerabilidade social, nos termos do artigo 203 do texto
constitucional. Socialmente vulneráveis são as pessoas mais expostas
318

a riscos nos territórios e, ao mesmo tempo, possuem pouca


capacidade de enfrentá-los.
Na esfera infraconstitucional existem algumas leis destinadas
a cuidar da assistência social e, no contexto de pandemia instaurada
pelo coronavírus, foi editada a lei nº. 13.982, em de 2 de abril de
2020[1], modificada em maio por meio da Lei 13.998/2020, prevendo
auxílio emergencial, um auxílio assistencial pecuniário destinado às
famílias socialmente vulneráveis.
Referida lei determina os requisitos para a configuração da
situação de vulnerabilidade social, determinando a concessão de
auxílio pecuniário emergencial como medida excepcional de
proteção social.
Assim, o caput de seu art. 2º., determina que durante o
período de 3 (três) meses, a contar da publicação da Lei, será
concedido auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 (seiscentos
reais) mensais ao trabalhador. E ele precisa cumprir
cumulativamente os seguintes requisitos: a) ser maior de 8 (dezoito)
anos, salvo no caso de mães adolescentes; b) não ter emprego formal;
c) não ser titular de benefício previdenciário ou assistencial e, d) cuja
renda familiar mensal per capita seja de até 1/2 (meio) salário-
mínimo ou a renda familiar mensal total seja de até 3 (três) salários
mínimos.
Embora esse benefício tenha sido estendido e se mostrado
necessário, acredita-se que ele seja insuficiente para combater a
pobreza enfrentada há tempos por boa parte da população brasileira
– leia-se majoritariamente negra e periférica. Isso porque, na favela,
39% dos requerentes do Auxílio Emergencial não receberam e dos
que conseguiram receber, mais da metade afirma ter destinado a
amigos e parentes uma parcela do valor recebido, como aponta a
Pesquisa do “Data Favela”, uma parceria do Instituto Locomotiva
com a Cufa (Central Única das Favelas)
Por isso defende-se que a concretização de tal política deveria
ocorrer de forma simplificada para alcançar um número maior de
pessoas vulneráveis, mas não é o que está ocorrendo e dentre os
inúmeros desafios para a sua implementação Molina (2020) destaca
os seguintes:
319

i) Desafio de gestão = falta vontade política dos governos


federal, estadual e municipal para articular políticas públicas
destinadas às famílias socialmente vulneráveis.
ii) Desafio orçamentário = Relatório do Inesc (Instituto de
Estudos Socioeconômicos) [3] mostra que as medidas de austeridade
fiscal trazidas pela Emenda Constitucional 95 (Teto dos gastos)
reduziram recursos de programas sociais importantes para combater
a pandemia da Covid-19.
iii) Desafio burocrático[4] = são exigidos dos beneficiários
alguns critérios de difícil cumprimento, como a regularidade no
cadastro de pessoa física (CPF) e na justiça eleitoral, dentre outros.
iv) Desafio tecnológico = foram lançados aplicativos para
celular e site para que as pessoas pudessem requerer o benefício, mas
parcela significativa da população socialmente vulnerável não têm
acesso a tais tecnologias. O resultado é que segundo dados do IPEA
cerca de 34%[5] da população abaixo da linha da pobreza não tem
nenhum tipo de acesso à internet, seja ela fixa ou móvel, ou seja, elas
não conseguem sequer solicitar o pagamento de tal benefício.
Além disso, não existe um canal de atendimento à população para
responder às suas dúvidas. Por tudo isso, os postos de trabalho e a
renda das pessoas mais vulneráveis foram afetados pela pandemia
evidenciando que também neste quesito o governo falha nas
estratégicas de enfrentamento ao coronavírus negligenciando os
grupos mais vulneráveis

3.5 Do Direito à Informação

O acesso à informação é um direito universal. Segundo o


artigo 19 da DUDH (1948) “Todo indivíduo tem direito à liberdade
de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser
inquietado pelas suas opiniões e de procurar receber e difundir, sem
consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio
de expressão”.
É também um direito fundamental previsto no ordenamento
jurídico brasileiro e integrando de forma expressa o rol de direitos
fundamentais do artigo 5º da nossa Carta Magna, expresso em seu
inciso XXXIII:
320

Art. 5º, XXXIII. “Todos têm direito a receber dos órgãos


públicos informações de seu interesse particular, ou de
interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da
lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo
sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado”.
Temos ainda uma norma específica no ordenamento jurídico
brasileiro que regulamenta este direito de modo a garantir que os
entes federativos garantam o direito à informação previsto na
Constituição Federal, responsabilizando as autoridades de
desrespeitem tal preceito, que é a lei nº 12.527 de 2011, conhecida
como Lei de Acesso à Informação.
Tais instrumentos reforçam a importância desse direito como
instrumento essencial para consecução dos demais direitos e as leis
capazes de assegurar o acesso à informação são necessárias, porém o
alcance da norma precisa ser observado para propiciar a toda
população o pleno exercício desse direito e embora seja um direito
assegurado a todos os indivíduos carecemos de ferramentas para que
estas informações alcancem a todos e todas.
No Brasil, estima-se que cerca de 2 milhões de brasileiros não
têm acesso a energia elétrica e dados do relatório divulgado pela
ONU (2015) apontam que mais de 40% da população brasileira não
possuem acesso à internet. Em tempos de pandemia acredita-se que
o Estado, ainda mais, tenha o dever de levar s informações a toda a
população, mesmo àquelas pessoas sem acesso a ferramentas
tecnológicas devido a suas condições sociais.
Neste caso compete ao Estado se fazer presente, preenchendo
a lacuna de acesso à informação, através do envio de agentes de
saúde ou equipes de assistência social para informar grupos em
maior condição de vulnerabilidade como, por exemplo, a população
de rua.
Observamos, no entanto que, as políticas públicas em relação
ao direito de acesso à informação estão fragilizadas, sem a devida
atenção ao direito a informação. O Estado, além de não conseguir
informar corretamente a toda a população não tem políticas de
combate a veiculação de informações mentirosas a respeito da
doença.
321

Entende-se que o acesso à informação é importante para


garantir a efetividade das políticas implementadas pelo governo para
o combate e prevenção da pandemia da COVID-19 sejam executadas
atendendo amplamente a toda a esfera da sociedade, de modo que
todos tenham condições de avaliar e validar todas as ações do Estado
e usufruir das políticas por ele implementadas.

3.6 Do Direito a Não Discriminação

O direito a não discriminação prevê que todas as pessoas têm


capacidade para gozar dos direitos e liberdades estabelecidos na
Declaração Universal de Direitos Humanos sem distinção de
qualquer espécie, seja de raça, de religião, por sua condição
econômica, origem social, sua cor ou sexo, entre outros.
Trata-se de um dos Direitos Humanos que foi positivado e,
desse modo, trata-se de um direito assegurado pelo ordenamento
jurídico brasileiro onde a discriminação é expressamente proibida e
aparece na Constituição Federal em seu artigo 3º, inciso IV como um
dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro: “Entre os objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil, está: promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e
quaisquer outras formas de discriminação”.
A Carta Magna (BRASIL, 1988) ainda considera a
discriminação racial crime imprescritível e inafiançável, sujeito à
pena de reclusão, com previsão no artigo 5º., incisos XLI e XLII isso
porque o Estado deve garantir a todas as pessoas acesso a serviços e
políticas públicas, sem estigmas como os de orientação sexual,
identidade de gênero ou discriminação de qualquer tipo a população
vulnerável como grupos étnicos, refugiados sem documentos,
pessoas detidas em delegacias, penitenciárias, centros de detenção,
migrantes.
E pensando no enfrentamento da pandemia trazida pela
Covid 19, deveria o Estado, defende-se, assegurar a todas as pessoas
o acesso a serviços de emergência de saúde, testes, cuidados
preventivos e tratamento médico para controle dessa pandemia;
promover campanhas de sensibilização pública evidenciando que
todas as pessoas têm o direito de acessar toda e qualquer política
322

pública implementada em resposta a pandemia e ainda promover


meios para que estas políticas alcancem grupos que se encontram à
margem da sociedade
Por isso, entendemos que se e o direito á vida, à saúde, ao
trabalho, à informação e tantos outros são negados sempre aos
mesmos grupos é inegável também que estamos diante de um estado
discriminatório, que não observa a premissa da não discriminação
presente em seu próprio ordenamento jurídico.

4 DA INEFICIÊNCIA DO ESTADO NA PROMOÇÃO E


CRIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS EFICAZES

Em um primeiro momento, pode-se cometer o equívoco de


considerar o direito à saúde como o principal ou até o único direito
que deve ser observado diante de uma emergência de saúde pública,
tal como está ocorrendo por conta do coronavírus, mas é importante
lembrar que o direito à saúde está intimamente relacionado aos
demais direitos contidos na Declaração Universal de Direitos
Humanos, tais como o direito à alimentação, a moradia, a educação,
a igualdade, a privacidade e a proibição de tortura.
Ocorre, porém, que o Estado brasileiro tem falhado em
assegurar direitos e garantias fundamentais à grande parcela da
população, violando o caráter amplo e inclusivo implícito na
promoção de políticas públicas, pois deveria garantir o alcance das
medidas de resposta a COVID 19 a todos, sem a discriminação de
grupos específicos e que essas respostas sejam inclusivas,
preservando os direitos de grupos já marginalizados.
Nesse sentido, recentemente foi divulgado o resultado de
uma pesquisa realizada pelo Grupo Fleury, Instituto Semeia, IBOPE
Inteligência e Todos pela Saúde apontando que uma em cada 5
pessoas de baixa renda teve contato com o coronavírus na cidade de
São Paulo. Esse estudo revelou também que 22% dos Indivíduos
classificados com menor renda (até R$ 3.349) já tiveram contato com
o coronavírus, na população de renda intermediária (entre R$ 3.350 a
R$ 5.540) 18,4% e na de renda mais alta (mais de R$ 5.541) cerca de
9,4%., como publicado no portal G1, na data de 10 de agosto de 2020.
323

Sabe-se que cabe ao Estado garantir a todos o acesso às


políticas públicas implementadas, mas diante dos dados estatísticos
acima apontados, concluímos que historicamente ele falha por não
ser capaz de garantir direitos e nem de adotar políticas públicas de
forma arbitrária, excluindo parcela da população falha em respeitar
a dignidade humana,
Parece-nos evidente ao analisar a estatística trazida acima
quão o Estado brasileiro considera alguns mais humanos do que
outros e, ao excluir e discriminar repetida e deliberadamente os
mesmos grupos mostra também como as vidas de determinadas
pessoas não têm valor e por isso é assegurado a elas o exercício pleno
da sua cidadania. Tais escolhas discriminatórias, no nosso sentir,
impede a plenitude da construção de um Estado Democrático de
Direito.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho discorreu-se sobre a importância dos


Direitos Humanos elencados na Declaração Universal de Direitos
Humanos e dos direitos e garantias fundamentais presentes no
ordenamento jurídico brasileiro.
Mostramos que elementos como a água, essencial para o
controle da pandemia; o direito ao trabalho e uma renda mínima, o
acesso à informação entre outros tem sido negado a grande parcela
da população
Apontamos, ainda, a falha do Estado como responsável e
garantidor dos Direitos Humanos de forma reiterada, deixando
lacunas nas políticas públicas adotadas e, dessa forma, impactando
diretamente nos direitos de alguns grupos específicos sociedade.
Ademais, a omissão do Estado em observar amplamente esses
direitos reflete diretamente no alcance das políticas públicas adotada
para garantir e preservar a vida, a saúde, o acesso à informação e o
trabalho.
Essa ausência reiterada e histórica do Estado marginaliza
grupos e populações específicas e acaba por vulnerabilizá-las, ainda
324

mais diante da pandemia de COVID 19, refletindo na forma de


prevenção e controle da disseminação da COVID-19 e, impacta
diretamente no alcance de políticas públicas, transparecendo mais
nitidamente em tempos de pandemia, de forma que a exclusão social
de grupos marginalizados fica ainda mais evidente.
Por fim, o que este capítulo procurou demonstrar a estrita
relação entre respeito aos Direitos Humanos e efetivas políticas de
enfrentamento da atual pandemia causada pela Covid 19 pela qual
tem passado a humanidade.

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Nacional de Saúde. Disponível em
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UOL. Auxílio emergencial - 3,9 milhões das famílias mais ricas
recebem auxílio de R$ 600,00, diz pesquisa. Caderno Economia.
Disponível em
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/06/03/pesqu
isa-instituto-locomotiva-auxilio-
emergencial.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em 25 jun. 2020.

________________________________________
[1]BRASIL. Lei nº. 13.982, de 2 de abril de 2020. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/lei/l13982.htm, com acesso em 24 Jun 2020.
[2]Notícia publicada no site uol, na coluna Economia, intitulada
“Auxílio emergencial - 3,9 milhões das famílias mais ricas recebem
auxílio de R$ 600,00, diz pesquisa.” Disponível em Veja mais em
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/06/03/pesqu
isa-instituto-locomotiva-auxilio-
emergencial.htm?cmpid=copiaecola, com acesso em com acesso em
25 Jun 2020.
INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. Disponível em
[3]

https://www.inesc.org.br/obrasilcombaixaimunidade/ com acesso


em 25 Jun 202
Nota técnica da campanha Renda Básica que Queremos: Principais
[4]

obstáculos e propostas de solução para a devida implementação da


Renda Básica Emergencial. Disponível em
https://www.rendabasica.org.br, com acesso em 25 Jun 2020.
[5]Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
(PNAD) Contínua (2018) para a população que vive abaixo da linha
internacional de pobreza – PPC$ 5,50 diários. Disponível
emhttp://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9999/1/NT_67
_Disoc_Protecao%20Social%20aos%20Mais%20Vulneraveis%20em
%20Contexto%20de%20Pandemia.pdf, com acesso em 23 Jun 2020.
CAPÍTULO 16│MULHERES NA CIÊNCIA, TECNOLOGIA,
ENGENHARIA E MATEMÁTICA (STEM):
PANORAMA NO BRASIL, DESAFIOS E
PERSPECTIVAS FUTURAS

Karen de Souza do Prado


Mariana Lima
Ariane dos Santos Silva

RESUMO

Embora a inclusão de mulheres nas áreas de Ciência, Tecnologia,


Engenharia e Matemática (em inglês, STEM) seja fundamental para o
desenvolvimento sustentável do país, a desigualdade de gênero
ainda é predominante. Neste contexto, este capítulo tem como
objetivo identificar o panorama atual da participação de mulheres
nas áreas de STEM no Brasil e suas perspectivas futuras, de modo a
compreender quais são os principais desafios para a inserção de
mulheres nestas áreas. Este trabalho justifica-se por sua contribuição
em evidenciar os silenciamentos do protagonismo feminino nas
produções nas áreas de STEM e compreender suas principais causas,
cujo conhecimento pode abrir caminhos para que se alcance a
equidade de gênero. A metodologia empregada consiste no
levantamento de dados disponíveis em órgãos oficiais e uma análise
textual discursiva de trabalhos publicados na área nos últimos dez
anos, usando o software IRaMuTeQ. Os resultados mostraram que as
brasileiras são a maioria nas áreas de STEM nos estágios iniciais da
carreira, porém a desigualdade se acentua em estágios mais
avançados. Os resultados da análise qualitativa dos trabalhos
publicados na área corroboraram com os referenciais teóricos e
ressaltaram a importância de estratégias que promovam a
diversidade nestas áreas, a fim de superar os principais desafios à
inserção das mulheres. Dentre estes desafios estão a reprodução de
estereótipos, a falta de redes de colaboração, e a subvalorizarão da
produção feminina.
Palavras-chave: MULHER. STEM. INCLUSÃO. DIVERSIDADE.
BRASIL.
329

1 INTRODUÇÃO

Por séculos, o acesso e a construção do saber científico foram


negados às mulheres, em um contexto no qual apenas os homens
tinham direito ao acesso à informação e aos meios de produção do
conhecimento. Desta maneira, as mulheres se tornaram seres
“invisíveis” tanto na produção do conhecimento quanto na obtenção
de informações e na formação acadêmica tradicional (MENEZES e
SOUZA, 2013), mesmo que elas fizessem parte dos círculos científicos
desde antes do século XVIII (MELO e RODRIGUES, 2018). O início
da inserção das mulheres no cenário político, econômico e social
ocorreu somente a partir do final do século XIX e início do século XX,
por meio de movimentos de emancipação feminina, assim como
manifestações para o direito ao voto, movimentos sufragistas, e
também para o acesso à educação e ao mercado de trabalho formal.
Este período foi denominado como a primeira onda dos movimentos
feministas, no qual se buscava a equidade entre homens e mulheres
(MONTEIRO e GRUBBA, 2017).
Esses movimentos ocorreram em diversos países da Europa e
das Américas, quase que simultaneamente, devido ao momento
histórico e às tentativas anteriores que culminaram em repressão,
violência e ao silenciamento desses movimentos. No Brasil colônia,
as mulheres eram vistas como incapazes e sua tutela era feita
inicialmente pelo pai, na ausência do mesmo, pelo (s) irmão (s), e
após o casamento a tutela passava para o marido, marcando assim
séculos de repressão e inferiorização do gênero feminino em relação
ao masculino, e que se refletem até os dias de hoje (MONTEIRO e
GRUBBA, 2017).
É sabido que nas últimas décadas a inserção das mulheres no
ensino superior tem sido um fenômeno mundial (MCDANIEL, 2014).
No Brasil, as mulheres puderam acessar as Universidades somente a
partir de 1879, sendo poucas as mulheres consideradas aptas ao
ingresso. Isto acontecia porque poucas mulheres eram incentivadas a
se dedicarem aos estudos e quando chegavam ao ensino superior
havia uma grande resistência por parte das instituições, que eram
dirigidas majoritariamente por homens brancos e da elite brasileira.
Assim, a participação feminina nas carreiras universitárias
330

consolidou-se no país apenas cem anos depois, e na década de 1990


as brasileiras já possuíam maior escolaridade que os brasileiros
(MELO e RODRIGUES, 2018).
Apesar dos avanços alcançados desde a segunda metade do
século XX, contudo, as áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e
Matemática (em inglês, Science, Technology, Engineering and
Mathematics – STEM), conceito utilizado na Educação estadunidense,
também chamadas de Ciências Exatas e da Terra no Brasil, dentro de
seus recortes de gênero, étnicos e socioeconômicos, ainda são
consideradas, tanto na produção quanto no acesso, como
majoritariamente masculinas (OLIVEIRA et al., 2019). Com isso, e por
conta de estereótipos criados para essas áreas, ainda vemos
predominantemente homens em suas lideranças.
Atualmente, e após muita luta, a equidade de mulheres em
relação a homens dentro das universidades brasileiras é uma
realidade. Apesar disso, os dados revelam que enquanto o perfil
“típico” dos discentes de cursos de graduação no Brasil é feminino, o
perfil “típico” dos docentes das Instituições de Educação Superior no
país ainda é masculino (BRASIL, 2019a). As desigualdades entre
homens e mulheres com formações similares se mostram no acesso a
carreiras profissionais, nas atividades científicas e nas desigualdades
salariais, uma vez que homens ganham mais que mulheres fazendo
o mesmo trabalho (MELO e RODRIGUES, 2018). Isto mostra que na
terceira década do século XXI as mulheres ainda não conseguiram
alcançar a equidade de gênero nas áreas de STEM, e reflete a
necessidade da discussão promovida neste capítulo sobre o incentivo
e a representatividade das mulheres nestas áreas.

1.1 Objetivo geral

O objetivo deste capítulo é identificar o panorama atual e as


perspectivas futuras da participação de mulheres nas áreas de STEM
no Brasil.

1.2 Objetivos específicos


331

1.2.1 Levantar dados em órgãos oficiais a fim de identificar o


panorama atual da participação de pesquisadoras mulheres
nas áreas de STEM no Brasil;
1.2.2 Analisar os artigos científicos relacionados ao tema publicados
na base Web of Science nos últimos dez anos;
1.2.3 Identificar quais são as perspectivas futuras em relação à
equidade de gênero nas áreas de STEM;
1.2.4 Compreender os principais desafios para a inclusão de mulheres
nas áreas de STEM.

1.3 Questões problematizadoras

Considerando os objetivos deste capítulo, tem-se como


questões problematizadoras fundamentais: 1) Qual é a atual
participação feminina nas áreas de STEM no Brasil? 2) Quais são as
perspectivas futuras para a inclusão de mulheres nestas áreas? 3)
Quais são os principais desafios para que se alcance a equidade de
gênero?

1.4 Justificativas

A sub-representação feminina nas áreas de STEM é


prejudicial ao avanço rumo ao desenvolvimento sustentável
(UNESCO, 2018). Desta forma, o progresso destas áreas passa pela
inclusão feminina, pois sua participação ainda não reflete a
proporção de mulheres na sociedade. Para compreender o papel do
Brasil neste cenário, é preciso conhecer qual o seu panorama atual, a
fim de identificar quais são as perspectivas futuras para a inclusão de
mulheres nas áreas de STEM e quais são os desafios para que se
alcance a equidade de gênero.
Diante desse quadro, este capítulo contribui para o campo
que articula os estudos sobre gênero e educação, a partir de uma
perspectiva que evidencie a importância da atuação das mulheres nas
áreas de STEM, revelando que os silenciamentos sobre o
protagonismo feminino nas produções científicas devem ser
compreendidos a partir de mecanismos sociais sexistas que ao longo
da história excluíram as mulheres.
332

2 METODOLOGIA

Este capítulo se baseia em uma pesquisa descritiva, na qual os


dados apresentados foram coletados por meio de um levantamento
bibliográfico realizado em sites de órgãos oficiais, como o Ministério
da Educação, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a
Academia Brasileira de Ciências, a Organização de Estados Ibero-
americanos e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO). Também foram consultados os sites
das duas principais agências de fomento do país, a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Outros sites relacionados ao tema, como o de organizações
relacionadas a gênero e raça como o Open Box da Ciência e a Gênero
e Número, também foram consultados.
Também foi realizada uma busca bibliográfica na base Web of
Science no dia 23 de junho de 2020 com os tópicos “women” AND
“science”, correspondente ao intervalo de tempo entre 2010 e 2020.
Esta pesquisa resultou em 15400 artigos. Na análise de resultados,
foram selecionados o país Brasil e as categorias de “Education
Educational Research”, “Education Scientific Disciplines”,
“Multidisciplinary Sciences”, “Computer Science Interdisciplinarity
Applications” e “Information Science Library Science”, que foram as
áreas mais próximas às de interesse deste capítulo. Esta busca
resultou em 59 artigos publicados nos últimos dez anos sobre o tema.
Estes artigos foram revisados para adequação ao tema deste capítulo,
e a exclusão de trabalhos não diretamente relacionados resultou em
27 artigos.
Estes artigos foram submetidos a uma Análise Textual
Discursiva, que “corresponde a uma metodologia de análise de
dados e informações de natureza qualitativa com a finalidade de
produzir novas compreensões sobre os fenômenos e discursos”
(MORAES e GALIAZZI, 2011, p.7 apud RAMOS et al., 2018). Para isto,
foi usado o software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses
Multidimensionnelles de Textes et the Questionnaires) v. 0.7 alpha 2 e o
333

software estatístico R 3.5.0. O corpus foi preparado em Word como um


único arquivo, usando os resumos dos artigos selecionados que
resultaram em 27 textos separados por linhas de comando como uma
variável (**** *Artigo_1, **** *Artigo_2, etc.). Após revisão ortográfica
e gramatical, o arquivo foi salvo em bloco de notas usando a
codificação de caracteres UTF-8. Os segmentos de texto presentes no
corpus foram analisados por meio do software IRaMuTeQ usando as
ferramentas de análise de similitude e de classificação hierárquica
descendente (CHD) em função dos respectivos vocabulários e da
frequência de ocorrência no texto. Foram considerados como formas
ativas para as análises os substantivos, adjetivos e os verbos. Os
resultados obtidos foram relacionados com os dados levantados nos
órgãos oficiais.

3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS E REVISÃO DE ESTUDOS


ANTERIORES

Uma série de estudos têm se aproximado do termo gênero para


incorporar a história das mulheres nos campos teóricos. Para a
construção deste capítulo, buscou-se entender o conceito de gênero
por meio da vertente da historiadora Joan Scott. Em seu artigo
“Gênero: uma categoria útil de análise histórica” (1995), ela observa
que os movimentos feministas americanos do século XX foram
pioneiros nas pesquisas que definem o termo gênero para explicar as
distinções entre homens e mulheres que estão inseridos nas relações
de poder, ou seja, as estruturas sociais que delimitam os papéis
culturalmente impostos para os sujeitos. Nesse viés de interpretação,
Scott faz uma crítica às teorias deterministas que utilizam a definição
biológica do sexo para justificar as relações hierárquicas entre
homens e mulheres, subordinando-as. Desse modo, estudar gênero é
reconhecer, segundo a historiadora, que a construção do que é “ser
mulher” passa por questões políticas, sociais e culturais. Scott ainda
complementa:
O termo "gênero" faz parte da tentativa empreendida pelas
feministas contemporâneas para reivindicar um certo
334

terreno de definição, para sublinhar a incapacidade das


teorias existentes para explicar as persistentes
desigualdades entre as mulheres e os homens (1995, p. 85).
A esse respeito, destacam-se os estudos de Cláudia Vianna
(2002) nos quais ela atenta como o conceito de gênero, elucidado por
Scott, possibilita questionarmos o lugar das mulheres na divisão
sexual das carreiras profissionais. Segundo a autora, se torna nítido
que a maneira como os homens e a mulheres fazem suas escolhas no
âmbito pessoal e profissional está relacionada com uma dada
sociedade; ou seja, aquilo que se atribui como “as expressões da
masculinidade e da feminilidade são historicamente construídas”
(VIANNA, 2002, p. 90). No que tange à carreira de cientista, o
processo de construção do saber científico “se articula com a
reprodução de preconceitos que perpetuam práticas sexistas”
(VIANNA, 2002, p. 90), apontando as mulheres menos aptas para
exercer uma profissão considerada socialmente como uma carreira
para homens, na medida em que a divisão binária dos sexos relaciona
a função masculina à racionalidade e a objetividade, e a feminina à
afetividade e a subjetividade.
A escolha por esse caminho teórico dialoga com a dissertação
de mestrado “Ser Mulher em Ciências da Natureza e Matemática”
(2018) defendida por Renata Rosenthal na Universidade de São
Paulo. A pesquisadora entrevistou diversas mulheres no campo das
ciências com carreiras consolidadas para compreender as
dificuldades que essas mulheres encontraram quando ingressaram
nessas áreas e entender por que a produção científica ainda é vista
como predominantemente masculina. Ela evidenciou com os seus
estudos que além dos estereótipos que influenciam homens e
mulheres nas escolhas de suas carreiras, há ainda uma falta de
conhecimento da população brasileira sobre o trabalho científico, o
que ela salienta como mais um obstáculo para que as mulheres
escolham essas áreas. Ela enfatiza que 93% das pessoas que
responderam uma enquete sobre a produção científica no país
afirmam não conhecer nenhum nome de um cientista brasileiro.
Outra questão levantada por Rosenthal é que as mulheres não são
reconhecidas por suas descobertas científicas, uma vez que a maioria
dos seus trabalhos são ocultados e roubados por seus pares, sendo
assim, as cientistas são descredibilizadas e invisibilizadas na história,
335

ação que a autora denomina de “Efeito Matilda”, em homenagem a


feminista Matilda E. Gage (ROSENTHAL, 2018).
Referência nesse tema também é a contribuição de Sandra M.
C. Cartaxo (2012), que em sua dissertação “Gênero e Ciência: um
estudo sobre as mulheres na Física” (2012) defendido na
Universidade Estadual de Campinas, aborda como as relações de
gênero estão presentes dentro das instituições científicas. Em seu
estudo no Instituto de Física “Gleb Wataghin” da UNICAMP, ela
buscou analisar a produção dos discursos sexistas das mulheres e dos
homens sobre a presença feminina na Física. Faz-se necessário
destacar que embora as mulheres consigam ocupar posições dentro
do instituto, ela salienta que há menos oportunidades de progressão
na carreira delas, comparando com os seus colegas homens
(CARTAXO, 2012).
Ainda na dissertação de Cartaxo (2012), no que diz respeito
aos discursos sexistas, percebe-se uma “naturalização” das
diferenças entre homens e mulheres para propositalmente
inferiorizá-las. Um exemplo citado pela autora é que muitos
entrevistados justificaram que as mulheres não conseguem competir
por cargos de liderança porque não estão interessadas na carreira da
mesma forma que os homens, na medida em que muitas mulheres
dividem o seu tempo entre a jornada de trabalho e os cuidados à
família. Sendo assim, é seguindo a mesma lógica destes discursos
que a gravidez é vista por essas mulheres como um obstáculo para o
avanço profissional. Desse modo, Cartaxo enfatiza, as relações de
poder na qual os homens e as mulheres estão inseridos dentro do
instituto elaboram padrões de comportamento que influenciam as
mulheres a incorporar atitudes vistas como típicas dos homens para
conquistar cargos de maior prestígio na área (CARTAXO, 2012).

4 ANÁLISES E REFLEXÕES

De acordo com os dados levantados em órgãos oficiais, as


mulheres vêm se mostrando maioria nos cursos de Graduação no
Brasil. A Figura 1 mostra a evolução do percentual de mulheres
matriculadas em cursos de Graduação no Brasil nos últimos 20 anos,
336

com base nos dados divulgados pelo Ministério da Educação por


meio dos Censos da Educação Superior. Em média, 58% das
matrículas em cursos superiores no Brasil nos últimos dez anos foram
realizadas por mulheres, e é possível observar uma tendência
crescente da participação feminina nos cursos de Graduação, que
acompanha uma tendência mundial (UNESCO, 2018).
Figura 1 – Evolução temporal do percentual de matrículas feitas por mulheres em
cursos de Graduação no Brasil nos últimos vinte anos

Fonte: BRASIL. INEP, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2018a, 2018b, 2019a, 2019b.

Analisando os dados do Censo da Educação Superior de 2010


a 2017 (BRASIL. INEP, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2018a, 2018b,
2019a, 2019b), verifica-se a predominância feminina em cursos das
áreas de Educação, Humanidades e Artes, Ciências Sociais, Negócios
e Direito, Saúde e Bem-estar Social, e Serviços. Por outro lado, as
áreas relacionadas à STEM como Ciências, Matemática e
Computação, Engenharia, Produção e Construção, e Agricultura e
Veterinária possuem o sexo masculino como perfil característico. O
Quadro 1 apresenta os cinco cursos com maior participação feminina
e masculina dentre os cursos com maior número de matrículas, de
acordo com os Censos realizados entre 2015 e 2017 (que são os dados
mais recentes disponíveis).
Quadro 1 – Cursos com maior participação feminina e masculina dentre os cursos
337

com maior número de matrículas, de acordo com os Censos da Educação Superior


de 2015 a 2017.

Cursos com predominância feminina Cursos com predominância masculina

2015 2016 2017 2015 2016 2017

Pedagogia Pedagogia Pedagogia Engenharia Engenharia Engenharia


(92,8%) (92,8%) (92,5%) Mecânica Mecânica Mecânica
(90,1%) (89,8%) (89,7%)

Serviço Serviço Serviço Engenharia Engenharia Engenharia


Social Social Social Elétrica Elétrica Civil
(90,7%) (90,5%) (90,1%) (87,0%) (86,9%) (69,5%)

Nutrição Nutrição Nutrição Engenharia Engenharia Engenharia


(87,9%) (86,6%) (85,2%) Civil Civil de Produção
(69,9%) (69,7%) (65,0%)

Fisioterapia Fisioterapia Enfermagem Engenharia Engenharia Educação


(80,4%) (79,8%) (84,0) de de Física
Produção Produção (65,0%)
(65,5%) (64,8%)

Gestão de Gestão de Psicologia Educação Educação Formação de


Pessoal/ Pessoal/ (80,5) Física Física Professor de
Recursos Recursos (63,4%) (63,3%) Educação
Humanos Humanos Física
(80,8%) (79,3%) (59,8%)

Fonte: BRASIL. INEP, 2018b. 2019a, 2019b.

É possível observar que, dentre os cursos com maior número


de matrículas, os cursos de Pedagogia, Serviço Social e Nutrição são
os mais procurados entre as brasileiras, com uma leve tendência de
queda ao longo dos anos. Por outro lado, os cursos mais procurados
pelos brasileiros do sexo masculino são da área das Engenharias,
notadamente Engenharia Mecânica, Elétrica e Civil. No entanto,
também é observada uma tendência de diminuição na procura por
338

estes cursos pelos homens, o que indica que mais mulheres têm
ingressado pela área. Observa-se ainda um aumento do interesse em
áreas ligadas à Saúde e bem-estar e Educação pelos ingressantes
masculinos, com os cursos Educação Física e Formação de Professor
de Educação Física estando dentre os cursos mais procurados em
2017 (BRASIL, 2017).
Com relação à Pós-Graduação, em 2018 as mulheres
correspondiam a 55% das bolsas de iniciação científica, 52% das
bolsas de mestrado e a 50% das bolsas de doutorado do CNPq (ASSIS
e DATADOT, 2018). No início de 2019, elas correspondiam a 60% dos
bolsistas pagos pela Capes (COSTA, 2019). Estes dados revelam que
as mulheres correspondem também à maioria dos estudantes de Pós-
Graduação no Brasil, uma situação que se assemelha à dos demais
países ibero-americanos desde a década de 1980 (ALBORNOZ et al.,
2018). Atualmente, as mulheres somam 195 mil dos estudantes
matriculados em cursos ofertados pela Capes, e correspondem a 57%
dos bolsistas da instituição (BRASIL, 2020b).
No entanto, embora as mulheres sejam maioria na fase inicial
da carreira, um levantamento realizado pelo projeto Open Box da
Ciência mostrou que apenas 40,3% dos pesquisadores brasileiros que
declararam possuir doutorado na Plataforma Lattes, a principal base
de currículos dos pesquisadores que atuam no Brasil, são mulheres.
Nas áreas de Ciências Exatas e da Terra, esse número é ainda inferior
(31,1%), ficando na frente somente da área de Engenharias (26%)
(OLIVEIRA, 2020). Os dados revelam ainda que, com a progressão da
carreira, cargos e funções com maior prestígio acabam ficando com
os homens. Em 2018, apenas 46% dos docentes da educação superior
eram mulheres, e apenas 36% das bolsas de produtividade em
pesquisa mais altas do CNPq (1A) foram contempladas a mulheres
(ASSIS e DATADOT, 2018). Embora este número seja maior que o de
2016 (24,6%) (COSTA, 2019), o cenário ainda é bastante
desproporcional, principalmente nas áreas de STEM. Neste aspecto,
o Brasil segue o padrão mundial no qual a disparidade de gênero
aumenta significativamente em estágios mais avançados da carreira,
o que está associado a fatores como a identidade feminina, as
obrigações familiares e ao ambiente e às condições de trabalho
(UNESCO, 2018).
Apesar disso, o Brasil é o país ibero-americano com maior
339

participação feminina em publicações científicas, onde 72% das


publicações nacionais possuem pelo menos uma autora brasileira
(ALBORNOZ et al., 2018). De forma geral, a participação de
pesquisadoras na comunidade científica no Brasil é maior do que a
média mundial, onde apenas 28% são mulheres e apenas 40% das
publicações são de autoria feminina (ACADEMIA BRASILEIRA DE
CIÊNCIAS, 2020; UNESCO, 2018). Os dados apresentados neste
capítulo sugerem tendências favoráveis quanto à inclusão feminina
nas áreas de STEM, embora muitos desafios ainda precisem ser
superados no país.

4.1 Análise textual discursiva

Embora os dados da participação das mulheres brasileiras nas


áreas de STEM sejam, em geral, muito dispersos, verifica-se que a
desigualdade de gênero ainda é uma realidade. Esta desigualdade
torna-se evidente na análise de similitude dos resumos dos 27 artigos
selecionados neste capítulo (Figura 2), nos quais a participação de
mulheres (em inglês, woman) na ciência (em inglês, science) e questões
de gênero (em inglês, gender) são os temas centrais (marcados
respectivamente pelas áreas com numerações 1, 5 e 6).
340

Figura 2 - Resultado da análise de similitude dos segmentos de texto dos


artigos selecionados referentes à participação feminina nas ciências no
Brasil, especialmente nas áreas de STEM, nos últimos dez anos.

Fonte: Autoria própria.

Analisando as relações entre os diferentes temas, às mulheres


(1) estão diretamente relacionados um elevado grau de educação (2),
que provavelmente está associado à maior participação feminina nos
cursos de graduação e pós-graduação no país, como visto
anteriormente, e à importância da formação de grupos ou redes de
apoio para a participação feminina (3). Também é possível notar uma
maior proximidade das mulheres com as engenharias (4) do que com
a ciência e a tecnologia (5) dentro das áreas de STEM, em
concordância com as tendências verificadas para o Brasil e com dados
levantados pela UNESCO (2018). Na esfera da ciência (em azul
piscina), a divulgação do conhecimento masculino ainda é
341

predominante, e existe uma grande lacuna com relação às questões


de gênero na pesquisa acadêmica (6) para que se obtenha a equidade
e o devido reconhecimento da participação feminina (7).
De acordo com a classificação hierárquica dos segmentos de
texto selecionados, foram obtidas cinco classes de palavras com
diferentes relações entre si, como pode ser observado na Figura 3. A
análise destas classes é similar à dos grupos obtidos pela análise de
similitude (Figura 2). Destaca-se, porém, a classe com a segunda
maior ocorrência (22,2%). Esta classe está relacionada às questões de
gênero na ciência, especialmente nas áreas relacionadas a STEM, e
ressalta a importância dos estudos referentes à lacuna ainda existente
entre homens e mulheres, bem como de estratégias que promovam a
diversidade nestas áreas. Esta classe se relaciona diretamente à classe
de maior ocorrência (com 23,2%), de modo a aumentar a participação
de mulheres na área da ciência.
Figura 3 - Resultado da classificação hierárquica descendente dos segmentos de
texto dos artigos selecionados referentes à participação feminina nas ciências no
Brasil, especialmente nas áreas de STEM, nos últimos dez anos.

Fonte: Autoria própria


342

4.2 Desafios na inclusão de mulheres nas áreas de STEM

A desigualdade de gênero nas áreas de STEM resulta em


dificuldades comuns às pesquisadoras em busca de oportunidades,
financiamentos e cargos semelhantes aos seus colegas homens
(ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS, 2020). Ela pode ser
atribuída a diferentes razões que variam de acordo com o país, na
maioria das vezes associada a questões culturais e a estereótipos
socialmente determinados para as mulheres.
A reprodução desses estereótipos por séculos faz com a
desigualdade de gênero se torne um fenômeno estrutural, que no
Brasil mostra-se logo na educação infantil, quando às meninas são
atribuídas tarefas domésticas que muitas vezes não são atribuídas aos
meninos. De forma análoga, os meninos recebem maior incentivo
durante a educação básica para atividades relacionadas às áreas de
STEM, enquanto as meninas são estimuladas a atividades
relacionadas às Ciências Sociais ou da Saúde. Estas desigualdades se
mostram na escolha da profissão e, principalmente, ao longo da
carreira (OLIVEIRA, 2020).
Por outro lado, a expectativa social da mulher ainda está
associada à formação de uma família e à maternidade. Com ela, a
desigualdade é acentuada e há um gargalo na produção das mães
pesquisadoras, especialmente em um cenário onde 54% delas são as
únicas responsáveis pela criação dos filhos, segundo dados do
Parents in Science, grupo formado cientistas brasileiras mães (BOUERI
e ASSIS, 2018). Além disso, estudos revelam que 46% das mulheres
nas áreas de STEM se afastam parcial ou totalmente de seus trabalhos
após a maternidade, enquanto apenas 23% dos pais passam por este
tipo de interrupção na vida profissional (CECH e BLAIR-LOY, 2019).
Vale ressaltar ainda a falta de representatividade na
Academia, que reforça ainda mais a desigualdade existente nas áreas
de STEM. Segundo as estatísticas de gênero do IBGE, em 2018, a
parcela de mulheres brancas da população de 25 anos ou mais com
ensino superior completo era quase 56% superior à parcela de
mulheres pretas ou pardas (IBGE, 2018). Dentre as mulheres
343

ingressantes no ensino superior, as brancas correspondiam a 40,6%,


pardas a 29,7% e pretas a 6,4% (SILVA et al. 2019). Dentre as bolsistas
do CNPq entre 2013 e 2017, pesquisadoras pretas e pardas não
chegavam a 30% das contempladas (ASSIS e DATADOT, 2018), e
correspondiam a menos de 3% do total de docentes em 2016
(FERREIRA, 2018). Por outro lado, de acordo levantamento da
Gênero e Número com base nos dados do Inep, embora o ingresso de
mulheres indígenas tenha crescido mais de 600% nos últimos dez
anos e desde 2014 seja superior ao número de ingressantes indígenas
masculinos, elas ainda correspondem a apenas 0,5% do total de
mulheres ingressantes nas universidades do país (SILVA et al. 2019),
e receberam menos de 0,3% das bolsas do CNPq entre 2013 e 2017
(ASSIS e DATADOT, 2018). Diante deste cenário, tornam-se cada vez
mais necessárias discussões em torno das desigualdades raciais no
acesso ao ensino superior, com a adoção de políticas de ação
afirmativas como a Lei de Cotas, que sejam voltadas à correção de
disparidades históricas e à redução da estratificação social ao acesso
à educação (SENKEVICS, 2017, 2018).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do panorama apresentado neste capítulo, percebe-se


que a desigualdade de gênero nas áreas de STEM no Brasil nos dias
atuais reflete padrões historicamente concebidos e alimenta
estereótipos socialmente legitimados ao longo dos séculos. Apesar
das perspectivas positivas de inserção de mulheres nestas áreas,
muito ainda precisa ser feito para que se alcance a equidade entre
homens e mulheres.
Uma mudança na educação das meninas é necessária e,
embora o número de eventos no país que incentivem a inserção de
meninas nas áreas de STEM seja crescente, é preciso também
desconstruir o papel social que vem sendo atribuído às mulheres ao
longo dos anos. É necessário reconhecer a importância de programas
de inclusão de minorias e de mulheres em situação de
vulnerabilidade, e incentivar novos projetos. É preciso construir
redes de colaboração que fortaleçam a participação feminina nas
áreas de STEM e, em contrapartida, também é necessária maior
344

cooperação com os pares masculinos, com a compreensão de que a


diversidade é benéfica para a comunidade científica como um todo
(ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS, 2020).
A maternidade precisa ganhar visibilidade no meio científico
como parte da carreira da mulher, na qual haverá a interrupção
temporária das atividades com o desenvolvimento de diversas
habilidades, únicas e intransferíveis. Também é importante destacar
e divulgar os trabalhos das mulheres pesquisadoras, através dos
recortes de gênero, étnicos, orientação sexual, sociais e econômicos, e
que por preconceito muitas vezes são diminuídos e desvalorizados
diante da sociedade. Por fim, as mulheres precisam assumir seu
papel de liderança, destacando as histórias de sucesso de suas
companheiras e buscando constantemente seus direitos, que ainda
estão longe de serem alcançados com equidade. Só assim será
possível atender à Agenda Global da Educação da UNESCO até 2030,
que visa “assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade,
e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para
todas e todos” (2018, p.1).

[1] 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030: 1 -


Erradicação da pobreza; 2 - Fome Zero e agricultura sustentável; 3-
Saúde e bem-estar; 4 - Educação de qualidade; 5 - Igualdade de
gênero; 6 - água potável e saneamento; 7 - Energia Limpa e acessível;
8 - Trabalho decente e crescimento econômico; 9 - Indústria inovação
e infraestrutura; 10 - Redução da desigualdades, 11 - Cidade e
comunidades sustentáveis; 12 - Consumo e produção responsáveis;
13 - Ação contra a mudança Global do clima; 14 - Vida na água, 15 -
Vida terrestre; 16 - Paz, Justiça e Instituições eficazes, 17- Parceria e
meios de implementação.
345

REFERÊNCIAS

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para a igualdade de gênero são enormes”. 2020.
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346

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CAPÍTULO 17 │EMPREENDEDORISMO E EQUIDADE
PARA MULHERES DE SUCESSO

Ágatta da Costa Manso

RESUMO

Embora o mercado empreendedor feminino apresente-se em


ascensão, a realidade das mulheres frente às empresas nem sempre é
favorável e igualitária, diante das diversas oportunidades que são
oferecidas aos empreendedores do gênero masculino. O presente
capítulo tem como objetivo principal a discussão das adversidades
encontradas por mulheres em conquistar o seu próprio
empreendimento, bem como discutir os empecilhos sociais
encontrados na difícil função de empreender no Brasil. Diversos são
os estudos que afirmam sobre a capacidade negocial e estratégica das
mulheres em cargos de gestão, e também sobre as vantagens em se
ter mais mulheres frente às empresas, mas ainda há um abismo muito
grande ao que diz respeito à realidade atual, principalmente diante
da multiplicidade de papéis desempenhados por elas, sejam no
aspecto familiar, profissional, pessoal e até mesmo discriminatório.
A pesquisa é exploratória, com metodologia qualitativa, foi realizada
com base em análise de estudos e conteúdos. Foi necessário um
estudo quantitativo visando demonstrar a disparidade entre o
empreendedorismo feminino por número de habitantes no Brasil,
para se parametrizar a desigualdade social existente. Verifica-se que
a maior dificuldade das mulheres ao iniciar seu próprio negócio está
na obtenção de recursos financeiros, como financiamento e captação
de crédito com fornecedores. Conclui-se que mesmo diante de todas
as dificuldades as mulheres têm se mostrado capazes de conciliar
diversas tarefas a atividade empreendedora, por ter mais facilidade
em pensar estrategicamente e principalmente pela necessidade da
modificação do cenário empreendedor.
Palavras-chave: EMPREENDEDORISMO. GESTÃO. EMPRESA.
MULHERES.
350

1 INTRODUÇÃO

São diversas as dificuldades enfrentadas por mulheres diante


da dupla função muitas vezes exercidas dentro e fora de casa, vez que
muitas delas precisam aliar o cuidado com a casa e filhos com a vida
profissional. Diante disso, poucas são as mulheres que alcançam o
sucesso empresarial ou conseguem se inserir em espaços de
liderança.
Apesar das dificuldades enfrentadas por mulheres, o
destaque feminino na administração de seus próprios negócios, ou
em cargos de liderança sejam eles públicos ou privados vem se
tornando algo de destaque mundial. Verifica-se pelo controle da
atual crise sanitária em que os países liderados por mulheres tiveram
mais sucesso do controle da pandemia.
Porque, como mulheres, elas [líderes] experimentaram a
vida em papéis e responsabilidades que são afetadas
socialmente pelo gênero. Assim, suas perspectivas e
decisões provavelmente serão afetadas por essas
experiências (GUPTA, apud UCHOA, 2020).
Ao liderar o seu próprio negócio as mulheres inovam,
transpassando barreiras socialmente existentes para alcançar os mais
altos níveis de administração empresarial. Dessa forma, o presente
capítulo, tem como principal objetivo discutir a inserção feminina no
universo do empreendedorismo em seu sentido amplo, ao se
enquadrarem em posição de destaque.
Apesar da distância ainda presente na remuneração e na
distribuição de altos cargos em relação aos homens, nos dias
de hoje, pouca gente se espanta ao vê-las ao volante de taxis,
ônibus, caminhões ou pilotando aviões. Numerosas são as
mulheres na medicina, no judiciário, nas forças policiais.
Multiplicam-se as iniciativas para romper a concentração de
homens na ciência. Há cada vez mais gestoras e
empreendedoras (OLIVEIRA, 2018, p. 111).
De acordo com o Relatório especial Empreendedorismo
Feminino no Brasil, elaborado pelo SEBRAE (2019), no ano de 2018 o
Brasil teve a “sétima maior proporção de mulheres entre os
empreendedores iniciais”. A referida pesquisa cita que a cada 10
351

empreendedores homens, 6,5 se tornam donos do negócio, já em cada


10 mulheres, apenas 3,9 se tornam donas do próprio negócio. O
principal fator que motiva mulheres a buscarem o
empreendedorismo como profissão está na necessidade, e na falta de
oportunidade encontrada no mercado de trabalho.
Ainda que mais numerosas socialmente, o sucesso se
comparado ao experimentado pelos homens nem sempre condiz com
a mesma realidade.
A necessidade é o principal motivador para que mais
mulheres busquem o empreendedorismo como forma de
subsistência, mas ainda assim faturam 22% a menos, seus
negócios tem menor porte, tomam menos empréstimos,
com taxas de juros mais altas, se comparados aos negócios
em que homens estão em cargo de liderança (SEBRAE,
2019).
O capítulo inicia-se com a conceituação do termo
empreendedorismo feminino, realiza-se a apresentação de alguns
dados objetivando embasar as dificuldades encontradas por
mulheres na formalização de seus negócios, e finaliza discutindo-se
a necessidade de que mais mulheres ocupem espaços de liderança
para que se tenha uma sociedade mais justa e igualitária.
Sabemos que alcançar a igualdade de gênero exige mais do
que apenas mudanças na legislação. As leis precisam ser
concretamente implementadas, o que requer uma vontade
política sustentada, a liderança de mulheres e homens de
toda a sociedade e mudanças em normas e atitudes com
raízes culturais profundas (BANCO MUNDIAL, 2019).
É evidente a capacidade feminina em desempenhar diversos
papéis, mas também se faz necessário compreender quais são as
ferramentas utilizadas por estas mulheres na edificação do seu
empreendimento para a obtenção do sucesso.

1.1 Objetivo Geral

O presente artigo tem como objetivo geral discutir as


maneiras de alcançar objetivos junto ao empreendedorismo quando
se trata mulheres a frente de um negócio. Além da questão da
maternidade e a dupla jornada de trabalho, é importante que se
352

discuta questões que se referem ao preconceito para o acesso ao


crédito e as demais adversidades encontradas para dar início a um
empreendimento.
Salienta-se que após vivenciar as dificuldades na edificação
de um negócio ou ideia, o sucesso experimentado por mulheres na
gestão de empresas ou a frente de cargos de liderança, vez que “o
mundo se torna um lugar melhor quando usufrui dos talentos de
toda sua população” (BANCO MUNDIAL, 2019).

1.2 Objetivos específicos

1.2.1 Conceituar o empreendedorismo feminino.


1.2.2 Demonstrar as adversidades e o sucesso experimentado pelo
empreendedorismo feminino.
1.2.3 Analisar o crescimento do empreendedorismo feminino no
Brasil.

1.3 Questão problematizadora

Tendo em vista que a porcentagem populacional no Brasil é


composta majoritariamente por mulheres, de acordo com a pesquisa
elaborada pelo IBGE, por que as mulheres têm encontrado tantas
dificuldades para serem donas do seu próprio negócio? Quais
estratégias são capazes de beneficiar mulheres com o sucesso
empresarial?

1.4 Justificativa

A discussão trazida no presente capítulo é importante para


que se analise ou modifique a situação atual, da sociedade como um
todo, de forma que mais mulheres consigam mais acesso a
administração e a cargos de liderança, para que se inicie uma
igualdade de gênero até mesmo no empreendedorismo brasileiro.

2 METODOLOGIA

A metodologia utilizada para elaboração da presente


353

pesquisa foi inicialmente formação teórica e exploratória, através de


análise de estudos relacionados com o tema. Não se descartou a
utilização de metodologia quantitativa, com a coleta de dados de
pesquisas populacionais já realizadas, a fim de demonstrar a
disparidade existente no número de empreendedoras e a
desigualdade social enfrentada por mulheres no Brasil.
A coleta de dados é realizada primeiramente através de livros
e artigos, seguidos das pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), Banco Mundial e Global
Entrepreneurship Monitor (GEM).

3 O EMPREENDEDORISMO FEMININO

O empreendedorismo é uma atividade que abarca pessoas,


independentemente do gênero, classe social ou profissão, desde que
aplicados ao empreendimento conceitos como criatividade, inovação
e assunção de riscos. É o ato de colocar boas ideias em prática,
identificando uma dor existente na sociedade e a criação de uma nova
oportunidade.
O empreendedor é a pessoa que destrói a ordem econômica
existente graças à introdução no mercado de novos
produtos/serviços, pela criação de novas formas de gestão
ou pela exploração de novos recursos materiais e
tecnologias (SCHUMPETER, 1947, p. 158).
O empreendedorismo feminino acaba funcionando como
método de sobrevivência econômica de mulheres no Brasil. As
dificuldades em se inserir no mercado de trabalho funcionam como
um dos principais motivadores desse movimento.
Se nos pautássemos no contexto histórico, somente em 1910 o
trabalho feminino foi regulamentado no Brasil, mas o direito de
trabalhar sem a autorização do marido, ou de algum homem
“responsável” só foi autorizado no ano de 1943, sendo autorizado o
trabalho fora do ambiente familiar sem aprovação alguma no ano de
1965.
Ainda que não haja distinção sexista entre os
empreendedores, há algumas características que fazem com que as
mulheres sejam mais bem sucedidas quando se trata da
354

administração de uma empresa.


Em razão dessas experiências bem sucedidas, diversos
estudos têm apontado características empreendedoras
femininas como: encorajar a participação dos outros,
partilhar o poder e a informação, assim como estimular,
valorizar e motivar os outros para o trabalho (OLIVEIRA;
SOUZA NETO, 2010; GOMES, 2004).
Dessa forma, conforme verifica-se são algumas características
na forma de administrar um negócio que faz com que se discuta
acerca do conceito de empreendedorismo feminino.
O crescimento significativo no número de mulheres
trabalhando fora criou um campo de pesquisa interessado
em verificar se mulheres trabalhadoras, administradoras e
empreendedoras são diferentes dos seus colegas do sexo
masculino. Está claro que empreendedores e
empreendedoras têm muito em comum. Porém, apesar de
algumas características de histórico e de personalidade
serem muito semelhantes, há diferenças notáveis entre os
sexos em termos de motivação, ponto de partida e
habilidades para negócios levadas para o empreendimento
(HISRISH e PETERS, 2004).
Dentre as características desempenhadas por mulheres frente
a um negócio a habilidade de ouvir e se colocar no lugar do outro,
bem como, deixar que uma ideia seja concluída, sem que seja
interrompida, são as que podem ser pontuadas. E, compartilhar
dados pessoais sobre si mesma e encorajar os outros a fazer o mesmo.
Concentrar o indivíduo como um todo, e não apenas como
funcionário (LODEN, 1988).
De acordo com o Monitoramento Empreendedor Global
(GEM) do biênio 2019/2020, o que motiva as mulheres a empreender,
em três quartos das economias mundiais, é a chance de ganhar a vida,
visto que as oportunidades de emprego são escassas, outro motivo é
o impacto positivo no mundo que essa atividade pode gerar.
A importância das mulheres como empreendedoras para a
sociedade gira em torno da sua contribuição econômica,
pois gera emprego para si e para outros, na importância de
seu comportamento em administrar a dupla jornada como
exemplo social e ainda o aumento da autonomia feminina,
355

antigamente julgado improvável e desnecessário,


(AMORIM e BATISTA, 2012).
Destaca-se que as habilidades empreendedoras de homens ou
mulheres são complementares, mas as dificuldades encontradas na
abertura, administração e sucesso do empreendimento ou até mesmo
a conquista de um alto cargo administrativo são maiores.
O jeito feminino de administrar não é superior ou substituto
do modelo masculino, mas complementar; portanto, ambos
podem contribuir com suas habilidades naturais para o
sucesso de uma organização (GOMES 2004, p. 7).
O gênero não pode ser um atributo no estilo e metodologia de
gestão empresarial, mas se complementados de maneira
colaborativa, efetiva e harmônica pode impactar positivamente na
realidade empresarial brasileira.

4 DOS DESAFIOS AO SUCESSO ENFRENTADOS PELAS


MULHERES EMPREENDEDORAS

A inserção feminina no mundo dos negócios impacta


positivamente na saúde financeira da empresa e consequentemente
no desempenho econômico do país. Dentre os principais desafios
encontrados por mulheres ao empreender está a gestão da vida
pessoal.
Muitas das mulheres vivem uma jornada dupla de atividades
no trabalho e em casa, com os afazeres domésticos, cuidado com
filhos e familiares, gerando uma carga de responsabilidade ainda
maior.
Após a maternidade, muitas mulheres se deparam com
diversas dificuldades para retornarem ao mercado de
trabalho, assim algumas mulheres encontram na abertura
do próprio negócio a saída para enfrentarem esses desafios.
Para essas mulheres, o empreendedorismo é uma opção de
carreira que pode colaborar na administração dos papéis de
família e de trabalho, obtendo um maior equilíbrio
(DOURADO, 2016, p. 50).
O perfil do empreendedorismo feminino vem sendo retratado
há alguns anos após a ascensão e protagonismo da mulher nesse
356

âmbito.
As mulheres empreendedoras possuem alguns perfis
específicos para empreender: (1) faixa etária entre 35-50
anos; (2) a maioria são casadas e com filhos; (3) possuem um
nível de escolaridade alto; (4) geralmente atuam em
pequenos negócios; (5) iniciam as empresas com baixo
capital social; e (6) possuem experiências anteriores nos
setores que desejam atuar (TAKAHASHI e GRAEFF, 2004).
Ainda que o perfil empreendedor seja traçado de maneira
diferente entre os gêneros masculino e feminino, inúmeras são as
dificuldades encontradas por mulheres no planejamento e abertura
de uma empresa própria.
As diferenças nos valores e princípios morais cultuados por
homens e mulheres muitas vezes levam estas a preferirem
um formato organizacional diferente do tradicional, de
estrutura burocrática e rigidez hierárquica, o que permite
caracterizar o modelo feminino de gestão como aquele que
mais valoriza os indivíduos como seres humanos (ROBINS
e COULTER, 1998).
Dentre as diversas dificuldades encontradas por mulheres na
edificação do seu próprio negócio está na discriminação existente em
determinadas áreas, ou seja, a inserção feminina em profissões
consideradas masculinas.
Outra questão que deve ser considerada é a família, vez que
a mulher necessita administrar a vida profissional e a pessoal, dos
filhos e marido. O acesso ao crédito é outro fator muito desafiador ao
empreendedorismo feminino.
De acordo com a pesquisa realizada pelo SEBRAE, as
mulheres têm nível de inadimplemento inferior aos homens, mas
ainda assim tem dificuldades alcançar algum investimento para
início das suas atividades empresariais, e ainda, são submetidas ao
pagamento de taxas de juros anuais superiores a dos homens.
A mortalidade recente dos negócios comandados por
mulheres é algo que também as colocam em situação de dificuldade.
Por vezes isso está ligado a falta de experiência vivida por mulheres
a frente aos negócios, de um planejamento e da realização de uma
gestão financeira efetiva.
357

Apesar de a escolaridade das mulheres ser


comparativamente mais elevada do que a dos homens, as
condições de trabalho e remuneração tendem a ser
inferiores e ainda, podem ser consideradas limitadas as
oportunidades de inserção das mulheres em posições mais
qualificadas, estando estas mais restritas a alguns setores do
mercado (LAGES, 2008, p. 3).
Em muito dos casos, as mulheres investem em setores menos
rentáveis, ficando as áreas como tecnologia, robótica, fintechs, que são
setores mais escaláveis, a comando majoritariamente realizado por
homens.
Em parte, a desigualdade está relacionada às profissões
escolhidas por homens e mulheres. Eles ocupam dois terços
das vagas do ensino superior em carreiras ligadas a ciências
e tecnologia, as mais bem pagas. Elas em contrapartida, são
predominantes nos cursos de humanas e licenciatura,
tradicionalmente de remuneração menor (OLIVEIRA, 2018,
p. 112).
Se compararmos o faturamento mensal das empresas
comandadas por mulheres, com empresas comandadas por homens,
também é possível se notar a desigualdade. De acordo com recente
pesquisa realizada pelo GEM as empresas femininas faturam 22% a
menos do que as masculinas. Ainda, pautando-se no mesmo estudo,
mais mulheres abandonam a ideia de manutenção do
empreendimento diante do enfrentamento de desafios e obstáculos.
Parte das mulheres busca o empreendedorismo como um
bico em momentos de piora da renda familiar, mas
abandona posteriormente a atividade empreendedora
quando há uma melhora da renda familiar (GEM, 2019 , p.
14).

A falta da criação de políticas públicas voltadas para a difusão


do empreendedorismo feminino é outro fator de dificuldade
encontrado por mulheres, pois é fundamental que existam
programas de estímulo ao crescimento, de maneira que mais
mulheres consigam alcançar outros patamares empresariais e se
insiram em cargos de gestão e administração de empresas.
358

Ainda que haja inúmeras dificuldades enfrentadas por


mulheres frente a administração de um negócio ou em um cargo de
liderança, quando alcançados, são executados de maneira mais
igualitária e justa. Apesar de que esse estilo de gestão esteja mais
presente no gênero feminino, não se trata de uma exclusividade na
gestão empresarial realizada por mulheres.
As qualidades que definem a liderança feminina não são, de
forma alguma, características limitadas exclusivamente às
mulheres. Estes traços certamente podem ser encontrados
entre os homens. Também é verdade que existem algumas
mulheres que se sentem mais à vontade dentro de um estilo
de liderança predominantemente masculino, da mesma
forma que existem homens que acreditam que a abordagem
feminina seja mais natural. Mas a diferença chave é que as
mulheres, enquanto uma classe, exibem estas características
particulares de liderança de uma forma muito mais
acentuada do que os homens. O fato da liderança feminina
ser uma generalização, e pode não ser aplicável a todos os
indivíduos, não a torna menos válida, relevante ou
significativa (LODEN, 1988, p. 16).
Portanto, a gestão quando realizada pelo gênero feminino não
só constrói uma possibilidade de inclusão ou inserção no mercado de
trabalho, como também contribui efetivamente para a geração de
empregos, bem como a promoção de novas ideias e riqueza,
contribuindo ativamente para o desenvolvimento socioeconômico do
país.

5 CONCLUSÃO

Contudo, conclui-se que a atuação feminina fora do ambiente


doméstico trata-se de uma conquista recente e vem crescendo
anualmente no mundo. Não restam dúvidas da competência sobre a
capacidade intelectual e laboral das mulheres o que impacta de forma
muito positiva em nossa sociedade.
Não existe uma fórmula para a conquista do sucesso
empresarial, principalmente sem e tratando da administração e
gestão realizadas por pessoas do gênero feminino. “Dedicação,
determinação e constante aperfeiçoamento são elementos
fundamentais para ser uma empreendedora de sucesso” (SILVEIRA
359

e GOUVEA, 2008).
A capacidade empreendedora desempenhada por mulheres é
vasta em diversos âmbitos, sejam ele na gestão pública, de empresas,
ou até mesmo a frente de seu próprio negócio, tendo em vista sua
melhor percepção para inovação e aperfeiçoamento na forma a
equilibrar a vida pessoal e profissional.
É evidente a necessidade de que se realize efetivamente o
investimento de políticas públicas na formação empreendedora, no
sentido de priorizar a educação técnica e científica, visando a maior
ascensão social e o desenvolvimento econômico, de forma que mais
pessoas consigam ter acesso e a oportunidade de formalizar a
abertura de um negócio.
São inúmeras as razões que fazem com que mais mulheres
busquem o empreendedorismo como uma forma de subsistência, tais
como o desejo de ser estável financeiramente, independente, por
vocação profissional etc. Mas há também circunstâncias negativas
que também devem ser consideradas, tais como insatisfação, crise ou
até mesmo dificuldade de oportunidades de emprego.
Diversas também são as dificuldades encontradas por
mulheres frente aos negócios tais como preconceito, discriminação,
falta de recursos e reconhecimento, o que faz com que diversas
mulheres também desistam da oportunidade de empreender.
É fundamental a discussão do presente tema, tendo em vista
ser algo ainda pouco explorado academicamente, e para mostrar o
quanto o empreendedorismo feminino vem buscando por melhor
espaço e oportunidade para que mais mulheres estejam em posição
de igualdade social.
As características femininas identificadas nos casos de sucesso
estão na capacidade de transformação, da possibilidade e alcance de
maiores metas, da diversidade de áreas de atuação dentro e fora das
empresas, a busca por novos conhecimentos, a necessidade de
aumento da renda e melhoria da qualidade de vida familiar.
Portanto, ainda que estejam as mulheres enfrentando inúmeras
dificuldades para estarem a frente de seus negócios e empresas,
variados são os aspectos positivos que as fortalecem na conquista do
sucesso empresarial.
360

REFERÊNCIAS

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361

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em: 25 jul. 2020.
CAPÍTULO 18 │COOPERATIVA DO SABÃO SELECTA:
DILEMAS QUANTO AO SIM, À
PROSPERIDADE, NUMA ORGANIZAÇÃO
DE ECONOMIA SOLIDÁRIA

Marco Aurélio Bernardes


Renata Eisinger

RESUMO
O capítulo analisa o percurso da organização de economia solidária,
Cooperativa do Sabão Selecta – Cooperselecta, de 2009 até 2019, e as
dificuldades verificadas no sentido de sua consolidação econômica.
Algumas perguntas orientam a pesquisa, são elas: Quais as
características dos empreendimentos solidários? O que os diferencia
dos empreendimentos comuns? Quais as dificuldades da
Cooperativa do sabão Selecta em consolidar-se como organização
próspera economicamente. Nesse sentido, o trabalho tem como
objetivos: 1. Breve discussão sobre as características dos processos de
economia solidária e negócios inclusivos. 2. Possíveis contribuições
da Universidade nesses processos e 3. Apresentação de um método
que contribua para a consequência da cooperativa do sabão. O objeto
de estudo é a Cooperselecta, abrigada na incubadora social da
Associação Padre Léo Commissari, no bairro do Montanhão em São
Bernardo do Campo.

Palavras-chaves: COOPERATIVISMO. ECONOMIA SOLIDÁRIA.


INCLUSÃO SOCIAL.
364

1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste capítulo é discorrer a respeito do esforço de


consolidação de um grupo de Economia solidária, adotando como
pano de fundo dois dos dezessete objetivos de desenvolvimento
sustentável, respectivamente o 1 e o 8: acabar com a pobreza em todas
as suas formas, em todos os lugares e promover o crescimento
econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e
produtivo e trabalho decente para todos.
Como enfrentar a desigualdade educacional e social brasileira sem
identificar e discutir sua origem? Como fortalecer e articular o esforço
empreendedor brasileiro, sobretudo o das periferias, neste que foi o
último país do mundo a abolir a escravidão?
A partir da reflexão sobre a letra sensível e recheada de sabedoria,
Querelas do Brasil, do saudoso médico e poeta Aldir Blanc, uma das
possíveis contribuições deste simples texto, pensar o Brasil e suas
possibilidades, pois, ao que tudo indica, o ideal desta terra está por
vir.
Letra: Querelas do Brasil
O Brazil não conhece o Brasil
O Brasil nunca foi ao Brazil
Tapir, jabuti, liana, alamanda, alialaúde
Piau, ururau, aqui, ataúde
Piá, carioca, porecramecrã
Jobim akarore Jobim-açu
Oh, oh, oh...
Pererê, camará, tororó, olererê
Piriri, ratatá, karatê, olará
O Brazil não merece o Brasil
O Brazil ta matando o Brasil
Jereba, saci, caandrades
Cunhãs, ariranha, aranha
Sertões, Guimarães, bachianas, águas
E Marionaíma, ariraribóia
Na aura das mãos de Jobim-açu
Oh, oh, oh
Jererê, sarará, cururu, olerê
Blablablá, bafafá, sururu, olará
365

Do Brasil, SOS ao Brasil


Do Brasil, SOS ao Brasil
Do Brasil, SOS ao Brasil
Tinhorão, urutu, sucuri
O Jobim, sabiá, bem-te-vi
Cabuçu, Cordovil, Cachambi, olerê
Madureira, Olaria e Bangu, Olará
Cascadura, Água Santa, Acari, Olerê
Ipanema e Nova Iguaçu, Olará
Do Brasil, SOS ao Brasil
(Fonte:https://www.letras.mus.br/elis-regina/140808/).
Acesso em 22.09.2020).
Nas periferias suas possibilidades são esboçadas na
criatividade e inteligência empreendedora de seu povo, na arte,
cultura, música, dança e em possibilidades de inclusão econômica e
social dignas.
Porecramecrã é um indivíduo indígena da tribo
porecramecras, olará é uma saudação dos negros africanos que para
o Brasil foram trazidos pelo tráfico negreiro e que um dos nossos
gênios na música, Antônio Carlos Jobim, descende de portugueses
(Portugal, 2007).
Reconhecer que estas são nossas referências culturais e
estéticas e olhar à frente, possibilitará juntar estas forças e planejar
desenvolvimento com o respeito às diferenças e contribuições
respectivas.
Professor, Economia solidária, é uma economia de mãos
dadas... é um conjunto de atividades, seja comprar, vender,
produzir ou de prestação de serviços, que executadas,
individualmente ou em grupos, pautadas por princípios de
solidariedade, cooperação, respeito mútuo e que ao trazer
resultados positivos -financeiros, melhora a autoestima de
seus integrantes e promove o desenvolvimento local.
(presidente da Cooperativa do Sabão Selecta)
A Incubadora de Empreendimentos Econômicos Solidários
Léo Commissari - criada em julho de 2009, é uma iniciativa que visa
intervir positivamente na periferia do município, ampliando as
possibilidades de as pessoas empobrecidas do seu entorno,
tornarem-se protagonistas e exercerem dignamente sua cidadania.
366

(Bernardes, 2012).
O Grupo Charlotte Arte em Costura, empreendimento
acolhido pela referida incubadora, há onze anos, é formalmente
constituído. Conta com sete sócias, todas moradoras do bairro. O
grupo trabalha com confecção em geral, também produz bolsas,
sacolas retornáveis e artigos artesanais produzidos com retalhos
provenientes da produção realizada. Atualmente, participa de uma
rede de moda sustentável, transformando banners reutilizados e
caixas tetrapak em produtos ecologicamente corretos (Bernardes
2012).
A Cooperselecta - Cooperativa de Sabão Selecta, conta com
vinte associados e realiza um trabalho de reciclagem de óleo pós-uso,
transformando-o em sabão em pedra e pasta de brilho, e contrariando
o que se poderia supor, em função da imagem muito positiva no
entorno da Associação Padre Léo Commissari, e junto a outros
grupos de economia solidária no Brasil, lida com uma persistente
dificuldade na consolidação econômica e financeira. Sua presidente,
tem o entendimento de que isto decorre do seguinte:
- “Falta de entendimento na forma de trabalho solidário – até mesmo
por virem da lógica Patrão / empregado”. Manifestam no discurso o
desejo de serem co-responsáveis pela cooperativa, mas cumprem
horário rigidamente e não se dispõe a cumprir com atividades além
das que foram combinadas”.
- “Tendo em vista que os resultados mensais são divididos
igualmente- exceto no caso de ausências, confundem o trabalho em
modo solidário com trabalho voluntário. Isto contribui para que não
se comprometam para os resultados melhorarem e com eles os
valores das retiradas”.
Chiuzi (2012, p. 65), num artigo que trata de contratos
psicológicos de trabalho, afirma que,
[...] quando um empregado é contratado por uma
organização empregadora ele sabe que, legalmente, terá
direito a uma série de compensações previstas na legislação,
tais como salário mensal, benefícios, férias remuneradas, 13º
salário e uma gama de outros direitos conquistados pelos
trabalhadores ao longo de anos.
367

Desta forma, no sentido de contribuir com a reflexão do grupo


este capítulo é apresentado a seguir o contexto do mercado de
trabalho.

1.1 Objetivo geral

O capítulo analisa o percurso da organização de economia


solidária, Cooperativa do Sabão Selecta de 2009 até 2019, e as
dificuldades verificadas no sentido de sua consolidação econômica.

1.2 Objetivos específicos

a) apresentar as características dos empreendimentos solidários;


b) Descrever seus diferenciais;
c) Analisar suas dificuldades de consolidação econômica;

1.3 Questão/Pergunta problematizadora

É possível uma proposta de intervenção da universidade, que


contribua nas reflexões do grupo, melhora nas relações interpessoais
e resultados econômicos?

1.4 Justificativas

O capítulo se justifica pela importância de maior número de


reflexões sobre o fenômeno - ainda em fase de consolidação, da
economia solidária, em termos de suas propostas de trabalho em
formato coletivo, considerando a crise do emprego e o potencial de
geração de emprego e renda contido neste modelo.

2 METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa Qualitativa, quanto aos objetivos,
um estudo exploratório, com levantamento bibliográfico e estudo de
caso da Cooperativa do Sabão Selecta. O capítulo foi desenvolvido
considerando respostas da presidente da já mencionada organização
à duas perguntas: Qual o entendimento sobre a Economia solidária?
368

Quais as principais dificuldades para a consolidação da Cooperativa?

3 REFERENCIAL TEÓRICO, CONCEITOS,


FUNDAMENTOS, REVISÃO DE ESTUDOS ANTERIORES

A exposição à concorrência, em tempos de


internacionalização da economia, desencadeou reestruturações
produtivas e mecanização das empresas, mais notadamente nas
indústrias, o que gerou a diminuição do quadro de empregados
(Bernardes,2009). O novo padrão tecnológico modificou ou eliminou
tarefas e criou profissões, com perfil educacional mais elevado. A
mão de obra que não teve oportunidade de adequar-se à nova
demanda por especialidades, segundo os empregadores, formou um
exército industrial de reserva ou se viu forçada a trabalhar
informalmente (GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JÚNIOR,
2002).
O avanço do trabalho sem regulamentação e por conta
própria atesta o crescimento da informalidade na economia, muito
embora a categoria abarque perfis profissionais muito distintos,
profissionais com formação universitária e vendedores ambulantes.
(CURY et al., 2018).
O setor informal, sob a óptica da ocupação, é o conjunto das
empresas familiares operadas pelos proprietários e seus parentes, ou
em sociedade com outros indivíduos. São unidades produtivas não
constituídas como entidades legais separadas de seus proprietários e
que não dispõem de registros contábeis padrão. (OIT, 1993 apud
CACCIAMALI; TATEI, 2008).
Empreendimento por oportunidade são aqueles que ocorrem
mediante um planejamento prévio e visam ao aumento de renda ou
independência financeira. Os empreendimentos por necessidade são
aqueles cuja maior motivação para a ação é a carência financeira.
Atividades artesanais, pequenos comércios, trabalho autônomo e de
pequena produção, nestas condições, tendem a demandar a força de
trabalho familiar (Dolabela, 2008).
Como dito anteriormente, o trabalho com carteira assinada e
benefícios associados rareiam nestes primeiros 20 anos do século XXI,
emergem a livre iniciativa, especialmente a partir de plataformas de
369

tecnologia (aplicativos (APPs)), emergiram acentuadamente em 2018


no Brasil: 120 mil entregadores na base do iFood no Brasil motoristas
no cadastro do UBER; 126 milhões de trabalhadores nos Estados
Unidos e Europa tem alguma fonte de renda ligada a algum
aplicativo (CONTI, 2020)
Empreender, muito embora se constitua em alternativa para
muitos, especialmente, neste momento de transição do mercado de
trabalho em nível local e global, não é viável para muitas pessoas,
considerando que muitos formatos de planejamento voltados à
criação e gestão de negócios são ainda desconhecidos ou pouco
utilizados. Isto se agrava, sobretudo nas iniciativas que envolvem
pessoas com baixa escolaridade (SEBRAE,2018).
As atividades inseridas na pequena produção urbana ou rural
demandam, muitas vezes, força de trabalho familiar, não apenas
como estratégia de sobrevivência na pobreza, na medida em que
reduz custos, mas também como um elemento de confiança e de
garantia para operar e manter os pequenos negócios em
funcionamento (CACCIAMALI; TATEI, 2008).
A reflexão de Cacciamali e Tatei (2008) permite apontar o
sentido deste texto, que é refletir sobre a relevância do apoio à
organização de empreendimentos em territórios social, econômica e
educacionalmente vulneráveis, pela articulação do governo,
empresas e universidades
Negócios inclusivos e as cooperativas desempenham papel
social, ao se caracterizarem por contemplar espaço produtivo a
pessoas com pouca formação escolar e com baixa renda, muito
embora não se restrinjam a estas.
Considerações de Marx acerca da formação de
cooperativas, principalmente das fábricas-
cooperativas, referem-se aos elementos que estas
organizações do trabalho possuem na direção de uma
nova estrutura social, pois, pela primeira vez, os
trabalhadores puderam assumir o controle da
produção, podendo, mesmo diante dos avanços
tecnológicos, a produção ser realizada sem a existência
dos patrões e tornando o trabalho assalariado fadado
ao desaparecimento diante da existência concreta do
370

trabalho associado. (Santos e PAGOTTO, 2012, p.30).

3.1 A economia solidária e as possibilidades de desenvolvimento


em territórios vulneráveis

O movimento de economia solidária surge justamente como


uma resposta dos excluídos do processo de globalização em busca de
melhores condições de vida e consequente inclusão e acesso aos
benefícios da globalização. A sociedade civil global (GRENIER, 2006),
da qual fazem parte, pode ser definida como o espaço entre o
mercado, o Estado e a casa das pessoas, no qual indivíduos, grupos,
organizações e movimentos sociais expressam ideias, valores e
interesses. Pode ser compreendido como a significação e a prática da
igualdade humana. Nele se busca a justiça social, onde as pessoas
marginalizadas tentam e conseguem ter voz, posição e poder
(GRENIER, 2006).
A desigualdade social é um dos efeitos indesejáveis da
globalização. Gera bolsões de desenvolvimento econômico e bem
estar social, envolvidos por crescentes bolsões de pobreza e miséria
que não tem nenhum acesso aos benefícios desse processo. Essa
dinâmica ocorre principalmente em países que não fazem parte do
centro da economia capitalista ocidental, como o Brasil
(POCHMANN, 2005).
Os movimentos de economia solidária e os denominados
negócios inclusivos fazem parte do espaço da sociedade
civil. No Brasil, a segunda metade da década de 1990 foi um
período em que se verificou, como reflexo do processo de
globalização, uma significativa alteração no grau de
abertura da economia. A liberalização comercial e as
reestruturações produtivas drásticas geraram um novo
padrão tecnológico, cuja influência no processo pode ser
observada na modificação, eliminação e criação de
profissões. O processo resultou em produtos e serviços em
patamares competitivos, mas apresentou a conta aos
excluídos: crescimento do desemprego, da violência,
preconceitos, informalidade e da economia subterrânea
(BERNARDES, 2010, p.2).
A exposição à concorrência desencadeou reestruturações
produtivas e mecanização das empresas, mais notadamente nas
371

indústrias, o que gerou a diminuição no quadro de empregados


(BERNARDES, 2010).
A mão de obra que não teve oportunidade de adequar-se à
nova demanda por especialidades, segundo os
empregadores, formou um exército industrial de reserva ou
se viu forçada a trabalhar informalmente (GREMAUD, A.
P.; VASCONCELLOS, M. A. S.; TONETO JR., R., 2002). A
exclusão do mercado de trabalho por falta de qualificação
dos trabalhadores promoveu o crescimento das iniciativas
de empreendedorismo por necessidade, fazendo com que o
setor informal da economia crescesse significativamente
(BERNARDES, 2010, p. 2).
Segundo Singer (2002), França (2002), Moura (2002) e Cunha
(2002), a prática da economia solidária inclui o senso de igualdade,
inter-relacionamento, cooperação, percebidos como uma postura, de
apoio ao grupo e seus objetivos. Dentro das comunidades, a figura
do líder comunitário traz luz àqueles que propiciam a expansão e a
prática da solidariedade, o que resulta em bem comum. Os sistemas
autogeridos que configuram os processos de economia solidária
voltam-se para os movimentos emancipatórios, com o foco na
sociedade civil, ampliando as organizações não governamentais
(ONGs), o resgate da dignidade humana de grupos oprimidos e
discriminados e a promoção de comunidades que, por sua própria
iniciativa e empenho, melhoram suas condições de vida, renovam
suas tradições culturais.
A Economia solidária exige de seus participantes visão de
longo prazo para a consecução de resultados (MARQUEZ; REFICCO;
BERGER, 2009) e essa característica do processo leva, muitas vezes,
as pessoas a desistirem do movimento. Os laços de cooperação e
participação estão mais comumente ligados à comunidade é
evidenciada nos próprios relatos, onde se observa que as famílias
podem se organizar de forma humana e comunitária, dentro dos seus
espaços locais. A postura facilita a vivência de atividades de forma
cooperativa e solidária, nas comunidades estudadas, ainda se
encontra em processo de construção, exigindo uma nova
subjetividade.

3.2 Desenvolvimento local: utilização das potencialidades


372

regionais

Para Milani (2003), o desenvolvimento local diz respeito a um


conjunto de políticas que não se regulam pelo sistema de mercado.
Nesta perspectiva, o crescimento econômico é uma variável essencial,
porém não suficiente para ensejar o desenvolvimento local.
O desenvolvimento local pode ser considerado como
o conjunto de atividades culturais, econômicas,
políticas e sociais – vistas sob a ótica intersetorial e
transescalar – que participam de um projeto de
transformação consciente da realidade local enquanto
projeto integrado no mercado, mas não somente: o
desenvolvimento local é também fruto de relações de
conflito, competição, cooperação e reciprocidade entre
atores, interesses e projetos de natureza social, política
e cultural. (MILANI, 2003, p. 2).

O desenvolvimento local, expressa o contexto e a qualidade


do diálogo vigente na região.
A transformação da realidade local requer condições de
relacionamento entre atores educacionais, tecnológicos e políticos,
entre outros; a não ocorrência dessas condições, em intensidade
necessária, talvez possa ser explicada pelo fato de a organização
social ter derivado do predomínio do interesse privado sobre o
interesse coletivo.
Casarotto Filho (1998), contribui nesse sentido ao afirmar que
enquanto o processo de globalização econômica se expressa na
crescente competição transnacional, o de regionalização social
compreende um crescente esforço das sociedades regionais para
configurar e sustentar seus próprios projetos de desenvolvimento.
Em casos de grandes potencialidades naturais ou na
quase total restrição delas, a potencialidade básica de
qualquer local, região ou país está assentada em sua
população, ou mais amplamente, em seu ambiente: a
interação dessa gente, por meio de sua cultura, com o
território e suas relações externas. Essa é a alavanca
373

principal do processo de desenvolvimento e requer


grandes esforços de fomento e promoção.
(CASAROTTO FILHO, 1998, p. 87).
Assevera o Relatório sobre desenvolvimento humano no
Brasil, estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) e pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), que a equidade é um componente
essencial do desenvolvimento humano e, nessa medida, todos têm o
direito de participar e de se beneficiar dos frutos e das oportunidades
criadas pelo processo de crescimento econômico. Todavia,
[...] dado o acentuado grau de desigualdade
observado na maioria das nações, essa equidade não
depende apenas da eliminação de eventuais barreiras
que possam impedir as pessoas de usufruir
plenamente aquelas oportunidades e benefícios; na
verdade, a desigualdade e a pobreza são, em si
mesmas, as maiores barreiras a essa participação
(PNUD apud GREMAUD, A. P.; VASCONCELLOS,
M. A. S; TONETO JÚNIOR, R., 1995, p. 95).
O desenvolvimento sempre foi visto como um processo que
chega a uma região vindo das esferas superiores do governo, sob a
forma de investimentos públicos, ou mediante a instalação de
empresas privadas. A modernização, no sentido amplo de geração
de emprego e renda, valorização de pequenas e médias empresas,
combate à pobreza, redução das desigualdades, provimento de
políticas públicas de qualidade, tende a ser vista pela
comunidade/sociedade como dinâmica que vem de fora, portanto, é
passivamente aguardada pela comunidade (DOWBOR, 2006) .
Décadas de experiências com projetos de
desenvolvimento comprovam, no entanto, que a
capacidade de auto-organização local, a riqueza do
capital social, a participação cidadã e o sentimento de
apropriação do processo pela comunidade são
elementos vitais em sua consolidação. O
desenvolvimento não é, meramente, um conjunto de
projetos voltados ao crescimento econômico. É uma
dinâmica cultural e política que transforma a vida
374

social (DOWBOR, 2006, p. 4)


No caso da categoria trabalhadores por conta própria, ou
formas análogas (como é o caso de muitos microempresários),
observa-se que eles estão criando uma ocupação no mercado de bens,
principalmente na prestação de serviços, com o objetivo de se
autoempregar.
De acordo com Santos (2008, p. 72),
Examinado o processo pelo qual o desemprego é
gerado e a remuneração do emprego se torna cada vez
pior, ao mesmo tempo em que o poder público se
retira das tarefas de proteção social, é lícito considerar
que a atual divisão “administrativa” do trabalho e a
ausência deliberada do Estado de sua missão social de
regulação estejam contribuindo para uma produção
científica, globalizada e voluntária da pobreza.
Todo processo de apoio deverá se alinhar a ações que propiciem a
autogestão e autonomia de grupos sociais vulneráveis, especialmente
considerando o contexto da economia solidária, conforme
apresentada a seguir.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O início destas considerações finais reforça o sentido cidadão


e colaborativo da economia solidária. Isto não significa ausência de
contradições, disputas e conflitos. ABC. A Cooperativa do Sabão
Selecta está instalada na periferia
O diálogo para se entender como os contratos
psicológicos de trabalho podem ocorrer no contexto
da economia solidária pode ser costurado de maneira
mais coerente, necessitando, para isso, escapar à
linguagem gerencial vigente no senso comum
propagada aos leitores tradicionais (CHIUZI, 2012,
p.68)
A desconfiança de que um integrante do grupo trabalha ou
entrega mais do que o outro, pode comprometer o grau de entrega
ou comprometimento dos demais, e é algo que se percebe na
375

narrativa da presidente da Cooperativa, quando indica a dificuldade


dos cooperados em se comprometer em trabalhar mais horas, para
produzir e aumentar os rendimentos mensais.
Então a reciprocidade necessariamente endereça os
processos que governam as interações sociais, “uma
variável chave por meio da qual regras sociais
compartilhadas têm permissão para ditar a
estabilidade social” (GOULDNER, 1960, apud CHIUZI
2012, p.70).
Mecanismos compensadores tais como "generosidade sem
reserva", a noção cristã de "estender a outra face", ou o conceito
feudal de "noblesse oblige" – comportamento nobre, ou, ainda, a ideia
romana de "clemência". Configuram um ciclo virtuoso, o boicote,
configurará o ciclo vicioso. (GOULDNER, 1960, p. 252).
Gouldner, apresenta aspectos a serem considerados para
considerar relações de reciprocidade. Chiuzi (2012, p. 70), as analisa
como segue:
1. equivalência: avaliação do equilíbrio entre o que foi dado e
recebido;
2. imediaticidade: o período de tempo entre o recebimento
(fruto de uma troca) e o pagamento – momento quando foi
criado o comprometimento e a obrigação que ainda será
cumprida;
3. interesse: motivação para fazer a troca. Por exemplo: auto
interesse, interesse mútuo ou outros interesses.
Alguém que num acordo tenha percepção de
desfavorecimento, demora para retribuir e age de acordo com
interesses próprios. Não perceberá reciprocidade e reagirá com afetos
negativos tais como a raiva, ressentimento, desmotivação e
sentimento de injustiça.
O capítulo se propôs a responder a seguinte questão? É
possível uma proposta de intervenção da universidade, que
contribua nas reflexões da Cooperativa do Sabão Selecta?
Para responder à questão, foi apresentada brevemente, parte
da trajetória e dilemas atuais de um dos grupos de economia
solidária (ES) mais emblemáticos da região do grande ABC.
376

Seu modelo de negócios propõe: palestras de educação


ambiental em escolas públicas, trabalho em modo solidário, geração
de emprego e renda na região e economia circular, sendo que seu
processo produtivo envolve o reaproveitamento de óleo usado de
cozinha, na produção de sabão e detergentes.
Entretanto,
“Nem tudo são flores, existem dificuldades que
barram o crescimento do grupo”. (Presidente da
Cooperselecta)
O funcionamento saudável do empreendimento necessitará
de intervenção, que GOULDNER, qualifica como sendo
"reguladora".
A ideologia solidária enquanto consciência social, contém
propostas de valores de compartilhamento, bem comum e mitigação
de diferenças. É a narrativa da predominância do coletivo sobre o
individualismo.
Entretanto, verifica-se a percepção pelo grupo, de que as
narrativas não correspondem às práticas. Tal constatação contribui
para o desgaste nas relações, distanciamento e diminuição no desejo
de compartilhamento de esforços entre os integrantes. O diálogo está
fragilizado a ponto de expressarem com frequência:” não adianta
falar, são pessoas excelentes, mas cada um tem agido por si.”
As contribuições deste capítulo à referida Cooperativa,
seguem no seguinte sentido:
-Elaboração de planejamentos anuais;
-Reorganização dos papéis e horários;
-Estabelecimento de metas quantitativas de produção e renda
esperada pelo grupo, mês a mês;
- Redefinição dos objetivos da Cooperselecta em relação ao
aumento no quadro de cooperados e mudança para outro local;
- Reuniões periódicas mensais com todos os integrantes, para
alinhar expectativas e estabelecimentos, quando for o caso de
medidas corretivas;
Restabelecimento de parceria com universidade da região,
377

para mediação nas reuniões, visando contribuir no fomento ao


diálogo e reflexões, de maneira a que as questões dificultadoras sejam
respondidas e encaminhadas com maior assertividade.

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VEIGA, J. E. Do global ao local. Campinas, SP: Armazém do Ipê
(autores Associados), 2005.
OS AUTORES

ÁGATTA DA COSTA MANSO


Advogada, contadora, especialista em Direito Tributário pela FAAP
e Legal Tech: Inovação e Startups pela PUC-MG, sócia do escritório
Costa Manso Advocacia, fundadora e colaboradora da Empresateca
Email: agattamanso@adv.oabsp.org.br

ALCIONE CEQUEIRA JULIAN


Advogada, mediadora e conciliadora, especializada na defesa dos
direitos da mulher, presidente da comissão de igualdade racial da
Ordem dos Advogados do Brasil do Estado de São Paulo (OABSP)
subseção Itaquera, conselheira fiscal Instituto Advocacia Negra
(IANB)

ALEXANDRO BENTO
Mestrando em Tecnologias da Inteligência e Design Digital - PUC-SP;
Pós graduado em Docência Universitária - Unip; graduado em
Ciências Sociais, História e Pedagogia - Unimes; Filosofia - Uniítalo /
São Camilo; Teologia- Centro Universitário Assunção-Puc. Professor
de História na Prefeitura Municipal de São Paulo e Professor de
Filosofia no Estado de São Paulo; Professor de Sociologia da rede de
cursinhos populares Ubuntu.
Email: bentofilos@gmail.com

ANDREIA CARDOSO DOS SANTOS


Assistente Social - Unisa. Pós graduanda em Trabalho Social com
Famílias e Sociedade - Faveni. Graduada em Informática para a
Gestão de Negócios – Fatec Sul.
Email: inclusaoservicosocial@gmail.com

ANGELA SOUZA DA SILVA ALVES


Advogada, Administradora de Empresas e Empreendedora Social.
384

Especialista em Gestão Jurídica de Negócios e Negociação,


Presidente da Associação Projeto Aprender e Sonhar.
Email: angelaalves@souzalvesadvogados.com.br

ARIANE DOS SANTOS SILVA


Graduada em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (UNESP) e mestranda em Ensino de História pela
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com estudos no
campo de Ensino e Gênero.
Email: ariane.santos@gmail.com

CLAUDIO ANDRÉ
Professor e Empreendedor. Especialista em Marketing Digital, Co-
Produção de Conteúdo e Lançamento de Cursos Online. Mentor de
Estratégias e Negócios de Resultados na Internet. Pós-Doutor em
Informática e Doutor em Educação
Email: claudiofandre@gmail.com

FABIANA MARQUES DO CAMARGO


Assistente social, graduada em Serviço Social (FMU). Pós- graduada
em Direitos Humanos, Diversidade e Violência (UFABC). Estudante
da Pós-Graduação em Cidades, Territórios, Planejamento Urbano e
Participação Social (UNIFESP). Integrante do Núcleo de Estudos
Afro brasileiro de Ilha Solteira (Nabisa) e membra da Comissão da
Igualdade Racial da OAB/SP.
Email: odarafabi@gmail.com

FABIO LOPES
Professor universitário há 15 anos, graduado em matemática, com
mestrado e doutorado em Física. Ceramista há 12 anos, produzindo
peças específicas para culto tradicional ioruba.
Email: fabiolonghi@gmail.com
385

JORGE COSTA SILVA FILHO


Doutorando em Nanociências e Materiais Avançados pela
Universidade Federal do ABC (UFABC). MBA em Gestão de Projetos
(ESALQ-USP). Mestre em Tecnologia Nuclear em Materiais no
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/USP). Bacharel
em Engenharia de Materiais e Bacharel em Ciências e Tecnologia
(UFABC). http://lattes.cnpq.br/4145205906151843
Email: jorgecsilvaf@gmail.com

KAREN DE SOUZA DO PRADO


Graduada em Ciência e Tecnologia, Química e Engenharia de
Materiais pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Doutora em
Nanociências e Materiais Avançados pela mesma Universidade. Pós-
Doutoranda em Ciência dos Materiais pela Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar, Campus Sorocaba). Pesquisadora engajada na
igualdade de gênero na Ciência.
Email: karen.s.prado@gmail.com

LELIANE APARECIDA CASTRO ROCHA


Doutoranda em Educação na Universidade Metodista de São Paulo -
UMESP. Mestre em Semiótica, Tecnologia da Informação e Educação
na Universidade Braz Cubas - UBC. Especialista em Libras pela
Universidade Cidade de São Paulo - UNICID. Professora no curso de
Pedagogia no Centro Universitário Salesiano de São Paulo - Unisal.
Vice-coordenadora da Pastoral do Surdo no Santuário Nossa Senhora
do Sagrado Coração/SP - http://lattes.cnpq.br/6176059915115617
Email: prof.lelianerocha@gmail.com

MARCO AURELIO BERNARDES


Doutor em Educação, Mestre em Administração, Economista e
Professor universitário.
Email: marco.bernardes@yahoo.com.br
386

MARIA DE FÁTIMA REBOUÇAS DA SILVA


Assistente Social e coordenadora na ADID, pesquisadora no
ambulatório de envelhecimento e Síndrome de Down do HCFMUSP,
coordenadora do Fórum Paulista de Entidades de Pessoas com
Deficiência e Especialista em educação inclusiva e deficiência
intelectual.
Email: inclusaoservicosocial@gmail.com

MARIA INÊS FERREIRA


Especialista em Marketing, correspondentes, produtora de conteúdo,
influencer e designer digital em New York.
Email: maryneiz@hotmail.com

MARIANA LIMA
Graduada em Engenharia Ambiental pelo Senac - SP, mestre e
doutoranda de Ciências pela Universidade de São Paulo - USP no
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares no Programa de
Tecnologia Nuclear – Materiais (IPEN-USP). Áreas de pesquisas:
Energias Renováveis, Materiais, Meio Ambiente, Educação, Ensino e
inclusão.
Email: marih.lima@hotmail.com

MARIÂNGELA DE CASTRO
Advogada Sistêmica, CEO Fundadora da De Castro Advocacia,
colunista no Portal Cidade 24h, Palestrante e Empreendedora.
Especialização em Coaching Sistêmico, pós-graduanda em Processo
Civil e Direito Civil e em Advocacia Extrajudicial, especialista em
Direito Imobiliário. Idealizadora do Grupo Dororidade Jurídica.
Email: mariangeladecastro@ymail.com

MARINA DOS SANTOS MARTINS CAMARGO


Advogada graduada pela Universidade de Ribeirão Preto
(UNAERP). Pós-graduanda em Direito Penal, Processo Penal,
Criminologia e Tribunal do Júri (ESA). Palestrante. Membra da
387

Comissão de Igualdade Racial e Comissão da Mulher Advogada da


OAB 12ª Subseção. Membra do Comitê Igualdade Racial e do Comitê
Vozes do Grupo Mulheres do Brasil
Email: marinasmcamargo@gmail.com

MARILICE MARTINS
Juíza Arbitral, Perita grafotécnica, Bacharel em Economia. Atua nas
áreas de Compliance Financeiro e Planejamento Tributário.
Email: marilicemartins85@gmail.com.br

MONIQUE RODRIGUES DO PRADO


Advogada, comunicadora e engajada na luta antirracista. Textos
publicados na Folha, no Estadão, na Carta Capital, na Revista
Afirmativa e nos maiores portais jurídicos. Recém contemplada pelos
programas YLAI (Young Leaders of America Initiative) nos EUA e
também no programa Advocacy Hub. Co-Fundei o Afronta Coletivo,
trabalho sociocultural protagonizado por mulheres negras que
acredita na disseminação da cultura afrobrasileira. Também,
participo da Comissão de Igualdade Racial e Direitos Humanos da
subseção Osasco, do Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres
do Brasil e da Educafro.
Email: moniqueprado@outlook.com

RAFAEL SACRAMENTO DE SOUZA


Bacharel em teologia pelo Centro Universitário Assunção/PUC-SP.
Licenciado em Filosofia e História pelo Centro Universitário
Claretiano, Mestre em Filosofia pela PUC-SP, Doutorando em
Filosofia no (TIDD) pela PUC-SP, Coordenador de atividades
culturais e políticas da Rede de Cursinho e Educação Popular
Ubuntu. Coordenador do Projeto Tecnodiversidade/CriativusLab
(www.criativuslab.com.br).
Email: srafaelsouza3334@gmail.com
388

RENATA EISINGER
Professora do curso de Graduação Tecnológica em Logística nas
modalidades EaD e Presencial. Professora no curso de Graduação
Tecnológica Processos Gerenciais nas modalidades EaD e Presencial,
Professora no curso de Gestão Pública modalidade EAD. Professora
da Pós Graduação Lato Sensu Logística Empresarial e Supply Chain
modalidade Presencial e professora auxiliar da modalidade EaD e
Professora da Pós Graduação Gestão Inteligente: Liderança,
Coaching e Inovação modalidade EaD. Possuo Especialização em
Docência no Ensino Superior, mestra em Administração na linha de
Gestão de Pessoas e Graduação em Gestão Tecnológica em Logística
ambos pela Universidade Metodista de São Paulo. Atuo como
Coordenadora Administrativo/Financeiro na Empresa Trust
Diamond Importadora e Exportadora de Produtos Abrasivos Ltda e
com mais de 11 anos de experiência nas áreas de Gestão de Compras,
Logística e Financeiro em empresas de diferente porte. Gestora
Financeira da Fair&Sale um Hub de negócios criativos (economia
criativa) na área de gastronomia e cultura.
Email: eisinger.renata@gmail.com

ROSANA RUFINO
Professora de inglês jurídico e bacharela em Turismo e Direito.
Advogada Civilista. Pós Graduada em Direito do Consumidor. Atua
nas áreas de Direito de Família, Consumidor e Direito
Antidiscriminatório.
Email: rosanarufinoadv@gmail.com

SANDRA CORDEIRO MOLINA


Mestrado em Direito Político e Econômico. Especialização em Direito
Tributário. Bacharelado e licenciatura em Ciências Sociais.
Bacharelado em Direito. Advogada. Professora universitária nos
cursos de Direito e Serviço Social.
Email: cordeiro.sandra@adv.oabsp.org.br
389

THIAGO JÚLIO PINTO


Pós-Graduando em Libras. Graduado em Pedagogia. Pesquisador e
Educador no âmbito da Educação de Surdos. Instrutor de Libras.
Email: thiago.pinto@a.fecaf.com.br

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