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NAGG: Deixa eu contar de novo.

(Voz de narrador) Um gentleman (faz


cara de inglês) reparou na última hora que precisava de calças de riscas
para as festas do fim do ano. Correu ao seu alfaiate que lhe tomou as
medidas. (Voz de alfaiate) “Isso basta. Volte em quatro dias e estará
pronta.” Tudo bem. Quatro dias depois. (Voz de alfaiate) “Sorry, sir, volte
em uma semana, cortei errado os fundilhos.” Tudo bem, essas coisas
acontecem, fundilhos bem cortados são difíceis de acertar. Uma semana
depois. (Voz de alfaiate) “Sinto muitíssimo, senhor, volte em dez dias, me
enganei no cós.” Tudo bem, que se há de fazer, o cós é essencial. Dez dias
depois. (Voz de alfaiate) “Minhas mais sinceras desculpas. Volte em
quinze dias, fiz uma bagunça na braguilha.” Tudo bem, uma braguilha em
ordem é estratégica. (Pausa. Voz normal) Conto cada vez pior, jamais
contei tão mal. (Pausa. Melancólico) Naquele tempo contava muito
melhor. (Pausa. Voz de narrador) Bom, pra encurtar o caso, as
quaresmeiras já floriam e ele estraga as casas dos botões. (Expressão,
depois voz do cliente) “Goddam, sir, não é possível, é um escândalo, um
absurdo, não há Cristo que aguente! Em seis dias, ouviu bem, seis dias,
nem mais nem menos, só seis dias, Deus fez o mundo. Sim senhor, o
mundo, entendeu, o MUNDO! E o senhor não consegue acabar umas reles
calças em três meses!” (Voz de alfaiate, escandalizado) “Mas Milord,
Milord, olhe... (gesto de desprezo, com repugnância) ... o mundo... (pausa)
...e olhe... (gesto carinhoso, com orgulho) … minhas CALÇAS!”

BECKETT, Samuel. Fim de Partida. Tradução de Fábio de Souza Andrade.


São Paulo: Cosac Naify, 2002.

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