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J.K.

Rowling E A História Supremacista Branca Do “Sexo Biológico”


31 de julho de 2020Beatriz Raca e Etnia0

POR KEVIN HENDERSON

Tradução de Dan Brosko Mendes e revisão de Beatriz P. Bagagli. Originalmente publicado


no Radical History Review.

J.K. Rowling, autora britânica da popular série Harry Potter, conquistou muitos seguidores
em seu feed do Twitter nos últimos anos, porque tem sido sincera e expressiva sobre
suas opiniões políticas, que geralmente têm uma tendência liberal. No entanto, Rowling
também tem uma curiosa história no Twitter em apoiar declarações feitas por outras
pessoas que defendem o “sexo biológico” como real, absoluto e imutável. Essas
declarações sobre sexo biológico não são feitas no vácuo: elas são feitas explicitamente
para negar dignidade, autodeterminação às pessoas trans, e acesso a bens sociais.

J.K. Rowling decidiu que agora é a hora de protestar contra pessoas trans e ativismo trans
em nome do feminismo e, em um movimento que alguns leitores podem achar estranho,
em nome de lésbicas. Como uma das autoras de ficção mais populares do mundo, o
posicionamento de Rowling tem consequências reais. O senador republicano James
Lankford citou recentemente as declarações transfóbicas de J.K. Rowling no plenário do
Senado dos EUA para bloquear as considerações da Lei da Igualdade, um importante
artigo de legislação proposto que, se aprovado, alteraria a Lei dos Direitos Civis de 1964
para incluir proteções anti-discriminação com base na orientação sexual e identidade de
gênero.

Embora nunca haja um bom momento para declarações transfóbicas, o momento de


Rowling parece particularmente ruim quando se considera como o mundo está focado no
movimento Black Lives Matter contra a brutalidade policial, o racismo e a supremacia
branca. Inspirado pelo povo de Minneapolis, que tomou as ruas para protestar contra o
assassinato de George Floyd por policiais, ativistas nos Estados Unidos e no Reino Unido
produziram protestos contínuos e transformadores para impedir o assassinato de pessoas
negras pela polícia, o policiamento rotineiro de corpos negros e desafiar a normalização da
supremacia branca.

Não devemos descartar os debates em torno dos tweets de Rowling como meramente
uma distração do importante trabalho anti-racista em questão. De fato, as declarações
transfóbicas de Rowling estão inseridas na história da supremacia branca. Como muitas
pessoas estão conversando sobre como a supremacia branca têm moldado muitas de
nossas instituições políticas e sociais, não há momento melhor do que o presente para
falar sobre como “sexo biológico” e “diferença sexual” foram criados ao longo do tempo
para proteger, promover e policiar os limites da branquitude.

As declarações de Rowling também estão embutidas na história do anti-lesbianismo. O


anti-lesbianismo e o racismo anti-negro têm uma história compartilhada: a história
supremacista branca do “sexo biológico”. Embora Rowling afirme que a existência de
pessoas trans de alguma forma “apaga” mulheres e lésbicas, e embora Rowling sinta que
está de alguma forma apoiando as reivindicações políticas lésbicas, as declarações de
Rowling reiteram todos os tipos de figura de linguagem historicamente
racistas/anti-lésbicas. Além disso, na verdade, Rowling e outras chamadas “feministas
críticas de gênero” são quem estão “apagando” lésbicas e a história lésbica. Rowling ignora
a longa história da oposição lésbica, particularmente da oposição feminista lésbica negra
por aqueles do coletivo Combahee River, às idéias biológicas sobre sexo. Portanto, a
defesa de Rowling do sexo biológico em nome de lésbicas redobra a valorização da
branquitude negligenciando as histórias de negras lésbicas feministas.

No século 19, quando o colonialismo europeu se expandiu ao redor do mundo, duas


teorias científicas concorrentes sobre as origens biológicas da espécie humana procuraram
explicar a variação da cor da pele humana. A poligênese, que legitimava a supremacia e
colonização do branco, sustentava que os seres humanos eram divididos em diferentes
raças com pouca ou nenhuma origem compartilhada. Teorias sobre raças naturalmente
discretas foram traduzidas para classificações e taxonomias das características biológicas e
temperamento supostamente distintos e imutáveis de cada raça humana. A monogênese
era a teoria menos popular de que todos os seres humanos compartilham as mesmas
origens. As teorias evolucionárias de Darwin puseram fim ao debate sobre
poligênese/monogênese com a publicação de “A Origem das espécies (1859)” e “A
Descendência do Homem (1871)”.

Darwin e seus seguidores defendiam uma visão monogenética, mas evolutiva de todas as
espécies, incluindo os seres humanos, portanto os seres humanos não eram mais
classificados como pertencentes a espécies distintas, mas passaram a ser vistos ao longo
de um continuum evolutivo, mas hierárquico, que ia do primitivo ao avançado. Nesse
esquema evolutivo, todos os povos humanos estavam relacionados, mas foi dito que raças
diferentes estavam em escalas ou estágios diferentes.Todos os seres humanos agora
deveriam ser vistos e julgados como estando em um continuum racializado, no qual
inteligência, beleza, moralidade, fecundidade, e capacidade física aumentavam à medida
que se avançava nos estágios evolutivos. Claro, os europeus brancos que formularam
essas teorias consideravam-se os mais avançados.

Os esquemas evolutivos humanos deram origem ao campo científico da eugenia e às


teorias sobre degeneração. Os conceitos “científicos” de degeneração sustentavam que
problemas sociais, como crime, loucura e desejo sexual anormal, decorrem de defeitos
hereditários ou características atávicas dos indivíduos. Em outras palavras, médicos e
cientistas europeus alegaram que os problemas sociais na Europa eram o resultado de
alguns europeus brancos que mantinham traços “primitivos” (ou seja, negros) ou
preservavam uma herança filogênica africana. Médicos e cientistas usaram medidas
antropomórficas para decidir onde uma pessoa poderia recair no continuum evolucionário
racializado para diagnosticar degeneração ou fazer intervenções eugênicas.

Embora as categorizações e medidas do “sexo” sejam vitais para as taxonomias raciais


poligênicas, o “sexo” se tornou ainda mais importante nos esquemas evolutivos humanos
monogenéticos, nos projetos eugênicos e nas teorias sobre a degeneração. Médicos e
cientistas elaboraram o desenvolvimento de elaboradas escalas de medidas racializadas
e classificação dos genitais, pélvis, seios e nádegas. Inegavelmente, a atual coerência do
“sexo biológico” é um efeito do racismo científico do século XIX e dos discursos da
supremacia branca.
Usando classificações raciais de medidas anatômicas, os teóricos da evolução do século XIX
afirmaram que o dimorfismo sexual era uma conquista evolutiva e não uma condição
natural para os seres humanos. Os europeus brancos supunham que eles eram os mais
“altamente evoluídos” com os mais altos níveis de dimorfismo sexual (isto é, homens e
mulheres europeus eram diferentes, mas complementares em todos os aspectos: corpo e
mente) e esse dimorfismo sexual diminuia à medida que descíamos os degraus
civilizacionais da escada evolutiva. Em apenas um exemplo de muitos, o famoso sexólogo
Richard von Krafft-Ebing escreveu em 1886: “As características sexuais secundárias
diferenciam os dois sexos; elas apresentam tipos masculinos e femininos específicos.
Quanto maior o desenvolvimento antropológico da raça, mais fortes esses contrastes entre
homem e mulher.” Nesse esquema, os negros supostamente tinham os mais baixos níveis
de dimorfismo sexual. “Sexo biológico”, portanto, nunca foi simplesmente binário, mas foi,
desde o início, categorizado através de graus racializados de diferença.

Mas como exatamente foram determinados os graus racializados de dimorfismo sexual e


como ele assumiu um significado tão importante? A exposição dos corpos das mulheres
negras a um público europeu branco na década de 1810, principalmente o caso de Sara
“Saartjie” Baartman, era essencial para solidificar a ideologia da diferença racial-sexual pelo
resto do século 19. Cem anos antes, não havia uma ideologia europeia forte sobre
diferença fisiológica ou psicológica feminina. Em vez disso, os europeus há muito
interpretavam os corpos através de categorias aristotélicas e acreditavam que as mulheres
eram simplesmente homens subdesenvolvidos, mas, a partir do século XVIII, a ideologia da
diferença e complementaridade feminina começou a fermentar em conjunto com a
conquista colonial europeia e a construção de impérios. Em seguida, no início do século
XIX, a exposição pública dos corpos de mulheres negras enjauladas cristalizou o ideal
feminino europeu: sexo dimórfico, virtude da castidade feminina e complementaridade
aos homens eram qualidades que uma mulher branca exibia em relação ao que os
europeus supunham opostamente às mulheres negras.

Os médicos e cientistas europeus consideraram a fisiologia das mulheres negras um sinal


de excesso sexual e aberração. O desenvolvimento inicial das teorias europeias sobre o
“sexo biológico” das mulheres negras teve um impacto duradouro. Numerosos cientistas e
médicos usaram interpretações dos corpos “hotentotes” para desenvolver uma ampla
série de teorias sobre sexualidade e patologia sexual. Um exemplo é que os sexólogos do
final do século XIX articularam o lesbianismo pela primeira vez como uma patologia
sexualmente degenerada. O lesbianismo foi concebido como um defeito na obtenção do
dimorfismo sexual apropriado para os brancos. Em sexologia, ginecologia e biologia
evolucionária, dizia-se que as lésbicas europeias e as mulheres negras compartilhavam a
mesma fisiologia evolutiva: em outras palavras, as lésbicas europeias brancas haviam
“retrocedido” à escada evolutiva para serem negras ou nunca haviam alcançado o estado
filogenético adequado como suas irmãs europeias heterossexuais. Os sexólogos
acreditavam que, se alguém examinasse os lábios ou o clitóris de uma lésbica branca,
encontraria as características atávicas das “hotentote”.

O racismo científico dos sexólogos também advertiu o surgimento das forças policiais
modernas, que evoluíram não apenas das patrulhas americanas de escravos, mas também
das regulamentações municipais francesas do final do século 19 que policiavam sexo e
prostituição, em um esforço para controlar surtos de sífilis. Criminologistas teorizaram que
“a prostituta”, assim como a lésbica, era uma personagem predatória com uma fisiologia
racial-sexual degenerada que coincidia com os corpos “hotentotes”. Antes desses
regulamentos municipais, o trabalho sexual era apenas um ato ocasional ou sazonal para
muitas mulheres agrárias. A lei francesa e a ciência médica declararam que a prostituta era
um indivíduo distinto que precisava ser regulamentado; as mulheres agrárias que
visitavam periodicamente as cidades portuárias para se envolver em comércio sexual
foram subsequentemente proibidas de viajar de volta para suas casas e tiveram que
permanecer reféns como “prostitutas” – por ordem da polícia – a fim de passar por exames
médicos regulares para a decadência da sífilis e trabalhar como informantes da polícia.

Deixada sem tratamento, a sífilis é uma infecção bacteriana de ação lenta, onde o corpo
começa a apresentar feridas e lesões e a deterioração das características corporais. A sífilis
também pode ter efeitos neurológicos debilitantes. Portanto, para os sexólogos europeus,
a sífilis não era apenas uma causa de deterioração física, era o sinal de uma degeneração
herdada mais profunda. À medida em que a prostituta com sífilis envelhecia, pensava-se
que os traços atávicos “masculinos” de sua primitividade negra/ lésbica estavam
aparecendo ao longo do tempo. Em outras palavras, à medida em que a prostituta ficava
mais velha, tornava-se menos dimórfica sexualmente e evoluía para um estado de loucura
– uma revelação de sua verdadeira natureza. Por consequência, a sífilis não era a única
doença que a prostituta podia transmitir ao seu parceiro sexual: como a lésbica, ela
poderia moralmente corromper o seu parceiro sexual e transformá-lo em um degenerado
ou invertido sexual. Por conseguinte, a lésbica e a prostituta tiveram que ser policiadas.

Como se pode ver, uma grande variedade de médicos, biólogos e cientistas sociais
afirmaram explicitamente que os excessos sexuais anormais e perigosos de mulheres
negras, lésbicas e prostitutas estavam fisiologicamente ligados. Além disso, os cientistas
especularam que lésbicas e prostitutas tinham uma inclinação natural a ocultar suas
características anatômicas inferiores ou anormais, a fim de esconder sua natureza
criminosa mais profunda. Alguns médicos franceses afirmaram que Baartman e outras
mulheres negras haviam desenvolvido bundas grandes como uma adaptação falha, a fim
de esconder suas pélvis “primitivas” e “imitar” mulheres brancas. Analogamente, esses
mesmos médicos alegaram que lésbicas e prostitutas “escondiam” seus traços atávicos
com maquiagem e roupas femininas luxuosas para encobrir sua “masculinidade” com o
objetivo de atrair parceiros para a corrupção sexual. Lésbicas, prostitutas e mulheres
negras eram, em virtude de seu “sexo biológico”, indivíduos perigosos que escondiam seus
truques. Com essa história, agora podemos ver como as transfobias atuais remodelam a
ciência racial vitoriana e o medo do que se esconde sob as roupas das pessoas na era
contemporânea com as “leis de banheiro” e os agressivos policiamentos de profissionais
do sexo transgêneros com o objetivo de “proteger” mulheres e crianças.

A defesa do sexo biológico sempre foi sobre quais corpos se tornam sensacionalizados e
quem consegue encarar e criticar os corpos de outras pessoas a partir de um local de
conforto. Com a ciência racializada do “sexo biológico”, os europeus produziram uma força
policial inteira para regular as promíscuas e predatórias mulheres invertidas, para que não
transmitam sua degeneração a jovens europeus promissores que deveriam estar
conquistando o mundo ou a jovens e belas senhoras europeias que deveriam estar em
casa tendo bebês ou se recuperando de um desmaio. Muitos dos medos vitorianos sobre
lésbicas degeneradas foram simplesmente transpostos e projetados para mulheres
transgêneras nos dias atuais. Quando J.K. Rowling ou qualquer outra pessoa fizer uma
afirmação sobre a “realidade” neutra do sexo biológico, devemos lembrar que o próprio
conceito de sexo biológico foi forjado nas gaiolas nas quais Saartjie Baartman estava
confinada sob o olhar da supremacia branca para definir e reforçar a branquitude.
Os tweets transfóbicos de J.K. Rowling também ignoram como as feministas lésbicas –
especialmente feministas lésbicas negras – trabalharam duro para desfazer as noções
biológicas de sexo. J.K. Rowling afirmou que o sexo deve ser protegido como uma realidade
biológica imutável para que a coerência lógica do lesbianismo seja mantida. No entanto,
essa formulação é teoricamente grosseira, reducionista e a-histórica. Rowling faz um
enorme desserviço aos gays e lésbicas para os quais suas identidades, desejos e visões
políticas estão ligadas a muito mais do que uma atração por órgãos genitais. Transfóbicos
como Rowling gostam de pensar que feministas – e feministas lésbicas em particular – de
alguma maneira cultivaram e protegeram a ideia de sexo biológico por décadas, até a
teoria queer e as pessoas trans aparecerem, mas isso é absolutamente falso. O sexo
biológico foi o primeiro a ser desafiado pelas mesmas lésbicas e feministas que Rowling
imagina serem prejudicadas.

O Combahee River Collective, um proeminente grupo de feministas lésbicas negras ativas


em Boston de 1974 a 1980, opôs-se fortemente a discursos políticos, morais e médicos
sobre “masculinidade biológica” ou “feminilidade biológica” devido aos discursos
simultaneamente racistas, sexistas e homofóbicos, e suas implicações historicamente
classistas. Em 1978, o coletivo escreveu a famosa Declaração Coletiva do Combahee
River para esclarecer e definir suas visões políticas e oferecer uma visão ampla e inclusiva
para o movimento feminista. Na declaração, o sexo biológico é alvo claro da análise e da
desconstrução conceitual. O Coletivo declara: “Sabemos que existe uma opressão
racial-sexual que não é apenas racial nem apenas sexual”. Combahee enfatiza ainda: “não
temos a noção equivocada de que é a masculinidade em si – isto é, a masculinidade
biológica – que faz dos homens o que são. Como mulheres negras, encontramos qualquer
tipo de determinismo biológico como uma base particularmente perigosa e reacionária
sobre a qual se constrói uma política. ”

Reunião coletiva do Combahee River na


conferência “Feminist Poetic: Legacies of June Jordan” na University of Massachusetts Amherst,
25 de março de 2016. Foto Abbie Boggs.

A famosa declaração fala de como todas as opressões são “interligadas” e como a análise
feminista precisa ir além de um exame da experiência pessoal para ver como o sexismo, o
racismo, a economia e o heterossexismo têm sido historicamente interconectados. As
opressões interseccionais exigiram solidariedade interseccional e lutas interseccionais.
Uma visão estreita do feminismo que basearia a solidariedade política e a análise política
unicamente em torno do “sexo” ou partes do corpo supostamente compartilhadas por um
grupo ou virtudes biológicas compartilhadas deixaria os sistemas racistas totalmente
intactos e reiteraria inconscientemente todos os tipos de noções historicamente racistas e
homofóbicas. As crenças que soam vitorianas sobre as diferenças naturais ou biológicas
entre homens e mulheres não poderiam ser um caminho para a libertação feminista
lésbica negra. A declaração argumenta que as feministas negras devem lutar com e ao lado
dos homens negros e de outros grupos oprimidos pela libertação coletiva.

Membros do coletivo Combahee River como Barbara Smith, Demita Frazier e Beverly Smith
se opuseram à política feminista que defendia o “sexo biológico” como autêntico e
autorizador ou como fonte da opressão das mulheres. As negações do sexo biológico não
apagam as lésbicas. Longe disso. Evidentemente, afirmações do apoio universal das
lésbicas ao sexo biológico como real e imutável apaga uma longa história lésbica de
oposição ao biologismo e ao “sexo biológico”.

As ideias do século XIX sobre o “sexo biológico” diferente/ patológico das pessoas negras
ainda estão vivas e ativas. Um número alarmante de médicos acredita que as pessoas
negras têm pele mais espessa e podem sentir menos dor que as brancas, evocando velhas
crenças de que as mulheres negras sentem menos dor físicas e sensações sexuais (que
justificaram a experimentação cirúrgica não anestesiada em mulheres negras escravizadas
por J. Marion Sims, aclamado como o pai da ginecologia moderna). Os pacientes negros
continuam a receber menos analgésicos para ossos quebrados e câncer, e as crianças
negras recebem menos analgésicos do que crianças brancas para apendicite. As mulheres
negras são menos propensas a serem recomendadas para testes genéticos por seus
médicos para câncer de mama. As taxas de mortalidade materna de mulheres negras e
indígenas permanecem altas devido a rotina subnotificada do subtratamento de mulheres
negras por problemas médicos relacionados à gravidez. Recentemente, os médicos
ignoraram as preocupações da estrela negra do tênis Serena William de ter uma embolia
pulmonar ao dar à luz, expondo como a riqueza e a notoriedade pouco contribuem para
combater as ideias supremacistas brancas sobre os corpos das mulheres negras.

A pandemia de coronavírus expôs ainda mais as profundas desigualdades raciais dos


Estados Unidos. Os negros estão morrendo de infecções por covid-19 a taxas
dramaticamente mais altas do que os brancos. Em 27 de abril, Rana Zoe Mungin,
professora de Nova York e recém-formada no programa de MFA da UMass Amherst,
morreu de complicações associadas à COVID-19, depois de ter sido negado o teste duas
vezes em um hospital do Brooklyn e ter sido negado serviço de ambulância a um hospital
porque seus sintomas foram diagnosticados como simplesmente um ataque de pânico.
Mungin foi morta por um sistema de supremacia branca como muitas outras mulheres
negras cujos problemas de saúde salientes são descartados e assumidos como enraizados
em seu sexo histérico ou excessivo.

Ainda hoje, os numerosos problemas sociais que os negros enfrentam são continuamente
culpados pelo fracasso dos negros em conseguir um sexo dimórfico adequado:
do relatório Moynihan ao presidente Obama, as pessoas parecem não conseguir parar de
culpar a patológica família negra, pais ausentes preguiçosos, mães negras agressivas e a
falta de relações heterossexuais apropriadas como causa dos problemas e da
desigualdade dos negros americanos. A supremacia branca e os maus-tratos às pessoas
negras se escondem nos discursos de hoje sobre sexo biológico, superficialmente cegos à
raça.

Os ativistas do Black Lives Matter, muitos dos quais se identificam como queer e trans,
colocaram a vida dos transgêneros negros no centro de seu ativismo, porque reconhecem
que a supremacia branca e o policiamento racista há muito tempo são empregados na
regulação e controle do gênero e sexualidade à serviço do conforto branco, e há muito
tempo usados para proteger e eliminar os corpos queer e trans. Como as feministas
lésbicas negras antes deles, esses ativistas reconhecem que a libertação de pessoas trans
está intimamente ligada à libertação de todas as pessoas oprimidas.

Como muitos ativistas estão derrubando monumentos à supremacia branca, é hora da


ideia monumental de “sexo biológico” também ser derrubada.

BIOGRAFIA DO AUTOR

Kevin Henderson é Ph.D. em Ciência Política na Universidade de Massachusetts Amherst,


onde também é aluno do programa de Estudos Feministas. Sua dissertação, Producing
Public Sex, explora histórias e disputas políticas sobre sexo em público, policiamento, e
luta para criar uma comunidade sexual pública queer fora da domesticidade e do “casal”.
As suas áreas de pesquisa e ensino incluem teorias raciais queer, feministas e críticas, a
história do pensamento político, a história da sexualidade e raça, o gênero e a lei e a
contemporânea regulação do sexo e da intimidade.

Imagem de destaque: 20 de Junho de 2020, reunião do Black Trans Lives Matter no Wade Park
em Cleveland, Ohio. Foto por Samantha Coco.

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