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Tópicos de Fı́sica Moderna

Armando Teixeira

2011
Conteúdo

1 Considerações Iniciais 5

2 Mecânica 6
2.1 Conceitos Básicos e Definições Preliminares . . . . . . . . . . . . . . 6
2.2 Axiomas de Newton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.3 Cinemática e Dinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.3.1 Equações de Movimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.3.2 Transformações de Galileu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.3.3 Movimento circular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.4 Campo Gravı́tico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

3 Oscilações e Ondas 13
3.1 Oscilações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
3.2 Ondas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
3.3 Interferência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.4 Difracção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

4 Electromagnetismo 19
4.1 Conceitos Básicos e Definições Preliminares . . . . . . . . . . . . . . 19
4.2 Axiomas de Maxwell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
4.2.1 Consequências dos Axiomas de Maxwell . . . . . . . . . . . . 21
4.3 Ondas Electromagnéticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

5 Teoria da Relatividade Restrita 23


5.1 Conceitos Básicos e Definições Preliminares . . . . . . . . . . . . . . 23
5.2 Axiomas de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
5.3 Transformações de Lorentz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
5.4 Consequências das Transformações de Lorentz . . . . . . . . . . . . . 24
5.5 Relação entre Massa e Energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

6 Introdução à Fı́sica Quântica 27


6.1 Novos Resultados, Novas Concepções . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
6.2 A Experiência da Dupla Fenda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

1
6.2.1 Duas Fendas e Partı́culas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
6.2.2 Duas Fendas e Ondas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
6.2.3 Duas Fendas e Electrões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
6.3 Conceitos Básicos e Definições Preliminares . . . . . . . . . . . . . . 31
6.4 Axiomas da Fı́sica Quântica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
6.5 Ondas e Partı́culas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
6.5.1 Radiação de Corpo Negro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
6.5.2 Efeito Fotoeléctrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
6.5.3 Átomo de Bohr . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
6.5.4 Relação de Incerteza de Heisenberg . . . . . . . . . . . . . . . 34

7 Aplicações da Equação de Schroedinger 35


7.1 Poço de Potencial Infinito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
7.2 Poço de Potencial Finito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
7.3 Oscilador Harmónico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

2
Introdução

O objectivo destes apontamentos é servirem de apoio aos estudantes do Engenharia


Informática da Faculdade de Engenharia da Universidade Católica de Angola numa
breve introdução aos conceitos de Fı́sica Moderna.
Uma vez que neste apontamentos os alunos não encontrarão exercı́cios resolvidos,
para além de alguns simples exemplos, e que nem tudo o que será dito nas aulas
constará destes apontamentos (a escassez de diagramas é, talvez, a sua falha mais
evidente e os poucos diagramas que se encontram nestas folhas devem-se aos livros
que constam da bibliografia) a presença nas aulas é fortemente recomendada.
Como se tal não bastasse, nem tudo que será escrito nestes apontamentos será dito
nas aulas, e assim a relação entre os apontamentos e as aulas é de complementaridade.
O objectivo deste curso é introduzir alguns conceitos de Fı́sica Moderna de uma
forma acessı́vel. Como tal será feita uma breve revisão de alguns conceitos, pressu-
postos e resultados da mecânica clássica, ainda que utilizando alguma terminologia
e conceitos mais modernos, e só depois a Fı́sica Relativista e Fı́sica Quântica serão
introduzidas e estudadas.
Os temas que iremos tratar ao longo deste curso serão (quase) sempre introduzidos
da mesma maneira: umas quantas definições de conceitos iniciais, uma exposição dos
axiomas que regulam o comportamento das entidades definidas e os resultados que se
seguem após o enunciado dos axiomas.
Sei bem que esta não é a maneira corrente de ensinar muitos destes tópicos a
um nı́vel introdutório, mas escolhi assim fazê-lo porque tal permite brevidade de
exposição dos temas tratados e porque me parece que as teorias assim retratadas são
manifestamente mais elegantes.
Espero que o que se ganhe em tempo e elegância não seja compensado por uma
correspondente perda em pedagogia.
Aos alunos mais interessados recomenda-se a leitura do livro de A. Einstein e L.
Infeld A Evolução da Fı́sica.

3
Desiderata

Apesar de ao longo do nosso curso nós praticamente não considerarmos experiências,


a Fı́sica é, acima de tudo, uma ciência exacta e experimental. Assim sendo o seu
objectivo deve ser a codificação de um conjuntos de dados experimentais por meio de
modelos que permitam uma interpretação dos fenómenos que se decide estudar.
Um facto extraordinário é que a partir da codificação e interpretação de um certo
conjunto de dados iniciais por parte de um modelo podemos utilizar esse mesmo
modelo para prevermos uma nova classe de fenómenos. O confronto destas previsões
com resultados experimentais permitirá concluir qual o domı́nio de validade da teoria
construı́da.
Vamos então codificar os dados experimentais e construir um modelo que nos
permita explicar e entender uma parte do mundo que temos à nossa volta.

4
Capı́tulo 1

Considerações Iniciais

Podemos dizer sem estarmos muito longe da verdade que a Fı́sica fundamental mod-
erna tem na sua essência três concepções fundamentais:

1. O conceito de campo.

2. A Relatividade.

3. A Fı́sica Quântica

O conceito de campo é comum à praticamente todo o nosso curso por isso vamos
já defino-lo:

Definição 1.1. Campo é um objecto matemático que tem um valor definido num
dado conjunto de pontos do espaço.

Definição 1.2. Um campo diz-se vectorial quando os seus valores são grandezas
vectoriais.

Definição 1.3. Um campo diz-se escalar quando os seus valores são grandezas es-
calares.
As equações de campo que vamos descrever representam sempre interacções lin-
eares. Assim podemos considerar cada interacção proveniente de um campo como
sendo independente das outras interacções e a resultante é simplesmente a soma de
todas as interacções.

Associada ao conceito de campo temos o conceito de energia potencial. Esta


energia ~ e em geral é proporcional a
deve-se à interacção da partı́cula com o campo A
Z b
~ · d~s onde d~s é o vector deslocamento infinitesimal.
A
a

5
Capı́tulo 2

Mecânica

A Mecânica Newtoniana é a primeira teoria Fı́sica que vamos estudar. Surgiu no


século XVII, ganhou maturidade nos séculos XVIII e XIX e rejuvenesceu no século
XX.
Este primeiro capı́tulo será uma introdução muito breve e superficial dos seus
triunfos e resultados, mas ainda assim espero demonstrar alguma da sua extrema
elegância e profundidade.

2.1 Conceitos Básicos e Definições Preliminares


Todas as grandezas mecânicas podem ser expressas em unidades que derivam das
unidades das três grandezas seguintes:

• Comprimento que se representa pela letra L.

• Tempo que se representa pela letra T .

• Massa que se representa pela letra M .


Na mecânica clássica a massa de um corpo é uma indicação da sua resistência a
alterar o seu estado de movimento. Esta caracterı́stica tem o nome de inércia.

As unidades que utilizámos para expressar estas grandezas não têm nada de essen-
cial e são puramente convencionais. Neste curso iremos utilizar o sistema internacional
e vem que [L] = m, [T ] = s e [M ] = Kg.

Definição 2.1. Um referencial é um conjunto de eixos que permitem representar


os graus de liberdade do sistema em estudo e um ponto arbitrário que serve como
origem.

Definição 2.2. Um referencial diz-se inercial: quando possui as seguintes propriedades:

6
• Espaço é homogéneo (todos os pontos são equivalentes) e isotrópico (não existem
direcções privilegiadas).

• Tempo é homogéneo (todos os instantes de tempo são equivalentes).

Definição 2.3. Posição é o lugar geométrico que a partı́cula ocupa num dado instante
de tempo num referencial.

Definição 2.4. Trajectória é o lugar geométrico das sucessivas posições que a partı́cula
ocupa num intervalo de tempo.

Definição 2.5. Deslocamento é a diferença entre a posição final e a posição inicial


de uma partı́cula. Normalmente representamos o deslocamento através do sı́mbolo
∆~x.

Sabemos pela experiência que os corpos se deslocam percorrendo deslocamentos


diferentes em intervalos de tempo diferentes. O conceito que relaciona a variação
da posição de uma partı́cula com o intervalo de tempo necessário para essa variação
ocorrer é chamado de velocidade. Mas em fı́sica convém sermos mais rigorosos e
definirmos dois tipos diferentes de velocidade.

Definição 2.6. Velocidade média: grandeza vectorial que permite calcular a taxa de
variação da posição para um dado intervalo de tempo.

∆~x
~vm = (2.1)
∆t
Definição 2.7. Velocidade instantânea: grandeza vectorial que permite calcular a
variação da posição para um dado instante de tempo.

∆~x d~x
~v = lim = (2.2)
∆t→0 ∆t dt
Uma vez que a velocidade das partı́culas também varia, fenómeno que recebe o
nome de aceleração, podemos introduzir as seguintes definições:

Definição 2.8. Aceleração média: grandeza vectorial que permite calcular a taxa de
variação da velocidade para um dado intervalo de tempo.

∆~v
~am = (2.3)
∆t
Definição 2.9. Aceleração instantânea: grandeza vectorial que permite calcular a
variação da velocidade para um dado instante de tempo.

∆~v d~v
~a = lim = (2.4)
∆t→0 ∆t dt

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Convém ainda dizer que normalmente diz-se apenas velocidade (aceleração) em
vez de velocidade instantânea (aceleração instantânea).
Associado ao conceito de velocidade temos dois conceitos fı́sicos. Um deles escalar,
e portanto fornece menos informação sobre o movimento da partı́cula, e o outro
vectorial.

Definição 2.10. Energia cinética: energia associada ao movimento de uma partı́cula


e defini-se como sendo:
 2
1 1 2 1 d~x
K = m~v · ~v = mv = m (2.5)
2 2 2 dt
Definição 2.11. Momento linear: grandeza vectorial associada ao movimento de
uma partı́cula.

d~x
p~ = m~v = m (2.6)
dt
Vemos então o porquê da afirmação da energia cinética conter menos informação
sobre o movimento da partı́cula do que o movimento linear. Pela sua definição a
energia cinética não nos dá informação sobre a direcção da velocidade da partı́cula
enquanto que o momento linear nos diz tanto a direcção e a magnitude da velocidade.
Em termos mais prosaicos: o momento linear diz para onde vai a partı́cula e
com que velocidade vai. A energia cinética apenas nos diz com que velocidade vai a
partı́cula.

Definição 2.12. O estado mecânico de uma partı́cula é especificado através da de-


terminação simultânea e de precisão infinita das suas coordenadas e do seu momento
linear.

2.2 Axiomas de Newton


Até ao momento temos os intervenientes da nossa peça mas ainda não temos as regras
que deverão guiar as suas interacções. Estas regras são dadas pelos três axiomas de
Newton.

Axioma 2.1. Existe um referencial inercial onde o momento linear de uma partı́cula
livre mantém sempre o mesmo valor.

Este enunciado não é o que habitualmente se apresenta como a ”Primeira Lei de


Newton”. Convém então dar uma explicação do porquê da forma deste enunciado.
Anteriormente definimos um referencial inercial, mas a definição que demos é de
carácter puramente matemático. Nada neste mundo implica a existência da estrutura
matemática que definimos e a função da “Primeira Lei de Newton” é exactamente

8
estipular a existência de um tal referencial no mundo em que habitamos. A justificação
desta arrojada hipótese é o espectacular acerto das previsões que a teoria de Newton
faz e os resultados obtidos em experiências.
De notar que o habitual enunciado da ”Primeira Lei de Newton”está errado em
referenciais não inerciais. Uma vez que o habitual enunciado não especifica a que tipo
de referencial se refere também ele está, consequentemente, errado.
Outro pormenor interessante é que o Axioma 2.1 apenas exige a existência de um
referencial inercial, mas podemos concluir que existe um número infinito de referen-
ciais inercias.
Sabemos que num referencial inercial o espaço é homogéneo e isotrópico e que o
tempo é homogéneo. Assim sendo o ponto que escolhemos como origem nada tem de
especial e podemos efectuar uma translação para um outro ponto qualquer e passar
a considerar esse novo ponto como sendo a origem de um novo referencial inercial.
Para além disso podemos rodar todos os nossos eixos em simultâneo e obter novos
eixos. Estes novos eixos apenas se distinguem dos antigos por terem novas direcções.
Uma vez que o espaço é isotrópico tal facto não acarreta nada de novo e assim este
novo referencial continua a ser inercial.
Outra transformação que podemos fazer é obter um referencial que se mova com
velocidade constante relativamente ao primeiro referencial. Novamente este situação
nada tem de novo e os referenciais continuam a ser equivalentes.
Uma vez que o tempo é homogéneo o instante de tempo que se convencionou ser 0
nada tem de especial. Ou seja um referencial que se obtém de um referencial inercial,
alterando o que se considera como sendo o instante inicial, também é um referencial
inercial.
Para finalizar temos ainda que dizer que qualquer composição destas transformações
também produz um referencial inercial.

Axioma 2.2. Se o momento linear de uma partı́cula varia num referencial inercial
diz-se que essa partı́cula foi actuada por uma força, F~ , que se calcula utilizando a
d~p
seguinte expressão: F~ = .
dt
Este axioma reduz-se a F~ = m~a quando a massa da partı́cula é constante. No que
se segue iremos sempre considerar que a massa da partı́cula é constante.

Axioma 2.3. Quando dois objectos interagem entre si a força F~12 (força que o objecto
1 exerce sobre o objecto 2) tem a mesma direcção, é igual em intensidade à força F~21
(força que o objecto 2 exerce sobre o objecto 1), mas tem o sentido oposto. F~12 = −F~21

2.3 Cinemática e Dinâmica


Nesta secção vamos introduzir muito esquematicamente considerações que visam de-
screver e explicar o movimento de uma partı́cula.

9
2.3.1 Equações de Movimento
Das definições de aceleração e velocidade que introduzimos na secção 2.1 resulta o
seguinte
Z t Z t Z t
d~v = ~adt ⇒ d~v = ~adt ⇒ ~v (t) − ~v (t0 ) = ~adt (2.7)
t0 t0 t0

Uma vez que a relação funcional da aceleração em função do tempo não é conhecida
o lado direito da última igualdade não pode ser calculado.
Temos ainda
Z t Z t Z t
d~x = ~v dt ⇒ d~x = ~v dt ⇒ ~x(t) − ~x(t0 ) = ~v dt (2.8)
t0 t0 t0

Onde também não prosseguimos o cálculo visto que desconhecemos a expressão


~v (t).
Se consideramos que ~a é constante no tempo (movimento uniformemente aceler-
ado)podemos resolver a equação 2.7, ~v = ~v0 +~a(t−t0 ), e após substituição na equação
2.8 obtemos
1
~x(t) = ~x0 + ~v0 (t − t0 ) + ~a(t − t0 )2 (2.9)
2
No caso ~a = ~0 o movimento diz-se rectilı́neo uniforme.

2.3.2 Transformações de Galileu


Tı́nhamos visto após o axioma 2.1 que existe uma infinidade de referenciais inerciais.
Faz então sentido perguntarmo-nos como podemos saber as coordenadas e velocidade
de um ponto material num segundo referencial inercial.
Imaginemos que temos dois referenciais S e S 0 cujas origens coincidem no instante
de tempo que convencionámos tomar como origem do tempo. Para além disso S 0
move-se com uma velocidade ~v0 relativamente a S.

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Pela adição de vectores é ~v0 t + ~r0 = ~r que podemos escrever na forma de compo-
nentes:

x0 = x − v0x t (2.10)
y 0 = y − v0y t (2.11)
z 0 = z − v0z t (2.12)

Derivando as anteriores equações em ordem ao tempo

vx0 = vx − v0x (2.13)


vy0 = vy − v0y (2.14)
vz0 = vz − v0z (2.15)

As transformações de Galileu são equivalentes à afirmação que a forma das equações


da Mecânica não depende do referencial inercial que se escolhe para estudar o movi-
mento.

2.3.3 Movimento circular


Uma vez que a velocidade é uma grandeza vectorial uma partı́cula diz-se acelerada
não só quando a velocidade varia em módulo mas também quando varia em direcção.
Para o movimento ser circular tem que existir uma força que se chama força
radial, F~r , que em todos os pontos da trajectória da partı́cula tem a direcção do
centro. Esta força causa uma aceleração radial, também chamada centrı́peta, cuja
expressão matemática é ac = v 2 /r.
A aceleração responsável pela variação da velocidade em módulo é a aceleração
tangencial, at .

2.4 Campo Gravı́tico


A lei da gravitação universal diz que todas as partı́culas do Universo atraem todas
as outras partı́culas do Universo com uma força que é inversamente proporcional ao
quadrado da distância que as separa e directamente proporcional ao produto das suas
massas.
Enunciada desta forma esta lei tem o problema de implicar que a interacção
gravı́tica é instantânea. Para solucionarmos este problema vamos apresentar a gravi-
dade como sendo um propriedade emergente de um campo.
Definição 2.13. Campo Gravı́tico: Campo vectorial, ~g , criado por um corpo de
massa m1 em todos os pontos do espaço (excepto no ponto onde se encontra) que é
responsável pela interacção gravı́tica.

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m1
~g = G r̂ (2.16)
r2
Quando uma partı́cula de massa m2 é colocada num ponto do espaço onde existe
um campo gravı́tico ~g a partı́cula interage com este campo gravı́tico. Ao interagir
com o campo gravı́tico a partı́cula de massa m2 fica sob a acção de uma força F~g cuja
expressão matemática é
m1 m2
F~g = ~g m2 = G 2 r̂ (2.17)
r
Onde r̂ é um vector unitário com a direcção da recta que une as duas partı́culas
e com sentido a apontar para m1 .
Para o caso particular de um corpo de massa m que esta a h metros da superfı́cie
da Terra sujeito à sua atracção gravitacional é
MT m
Fg = G
(Rt + h)2
Recordando que F~ = m~a para corpos de massa constante podemos escrever que
a intensidade da aceleração da gravidade é
MT
g=G
(Rt + h)2
.

Definição 2.14. Quando dois corpos de massa m1 e massa m2 interagem gravitica-


mente estabelece-se entre eles uma energia derivada do campo gravı́tico. Esta energia
tem o nome de energia potencial gravı́tica e a sua expressão matemática é
m1 m2
U = −G (2.18)
r

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Capı́tulo 3

Oscilações e Ondas

Neste capı́tulo vamos introduzir algumas noções relacionadas com o movimento on-
dulatório em geral. Vamos também ver dois fenómenos que no contexto da mecânica
clássica só podem ser explicados recorrendo ao conceito de onda.
As ondas e as oscilações são casos particulares de movimento oscilatório e como
tal há conceitos básicos que são comuns aos dois tipo de fenómenos:

Definição 3.1. Perı́odo é o intervalo de tempo mı́nimo necessário para que dois pon-
tos de um mesmo fenómeno ondulatório estejam no mesmo estado fı́sico. O perı́odo
representa-se pelo sı́mbolo T .

Definição 3.2. Frequência é o número de ciclos de um fenómeno ondulatório que


ocorre durante um segundo. Representa-se pela letra f e calcula-se utilizando a
seguinte expressão f = 1/T .

Definição 3.3. A frequência angular é ω = 2π/T = 2πf

3.1 Oscilações
Nesta secção vamos apenas estudar o movimento harmónico. Este é um tipo de movi-
mento importante uma vez que em primeira aproximação muitos tipos de movimentos
oscilatório podem ser aproximados pelo movimento harmónico.
Imaginemos que temos uma partı́cula que se desloca ao longo de uma posição de
equilı́brio e está sujeita a uma força F .

Definição 3.4. Um movimento diz-se harmónico quando num movimento oscilatório


a força é proporcional ao deslocamento relativo à posição de equilı́brio e tem o sentido
oposto ao do deslocamento.

F = −kx

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Recorrendo ao Axioma 2.2 e introduzindo k/m = ω 2 podemos escrever a equação
que descreve o movimento harmónico como

∂ 2x
2
= −ω 2 x (3.1)
∂t
As equações desta solução podem ser da forma x(t) = A cos(ωt + θ) em que A é o
deslocamento máximo relativamente à posição de equilı́brio e θ é a fase que especifica
qual a posição inicial da partı́cula.
No caso dopmovimento harmónico p as definições 3.1 e 3.2 podem ser escritas na
forma T = 2π m/k e f = 1/(2π) k/m.
Para um movimento oscilatório a energia cinética e potencial são:
1
• K = mω 2 A2 sin2 (ωt + θ)
2
1
• U = kA2 cos2 (ωt + θ)
2
1
Assim sendo a energia total do sistema é E = kA2
2

3.2 Ondas
Definição 3.5. Uma onda é uma perturbação que se propaga transportando energia.

Definição 3.6. Comprimento de onda, λ, é a distância mı́nima entre dois pontos da


onda que se encontrem nas mesmas condições.

Definição 3.7. A velocidade uma onda com comprimento de onda λ e perı́odo T é


c = λ/T = λf

Definição 3.8. O número de onda é k = 2π/λ

É possı́vel demonstrar que a equação que representa a propagação de uma per-


turbação φ que se move com velocidade constante c é:

∂ 2φ 1 ∂ 2φ
= (3.2)
∂x2 c2 ∂t2
Com as definições anteriores é imediato ver que equações da forma f1 = A sin(kx±
ωt) e f2 = A cos(kx ± ωt) são soluções de 3.2. Estas funções chamam-se sinusoidais,
A é a amplitude e representa o deslocamento máximo, relativamente à posição de
equilı́brio, da entidade que está a vibrar.
Em geral podemos dizer que uma onda progressiva que se propaga para a direita
é sempre da forma f = f (x − ct) enquanto que uma onda que se propague para a
esquerda é sempre da forma g = g(x + ct), onde f e g são funções a especificar.

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Uma vez que a equação de onda é linear sabemos que qualquer combinação linear
soluções da equação 3.2 é ainda uma solução da equação 3.2.
Para que as soluções tenham sentido fı́sico devemos impor certas condições que
as equações devem obedecer em determinadas regiões do espaço. Estas condições
chamam-se condições de fronteira e o seu efeito é restringir o conjunto de valores que
as soluções podem tomar.
As soluções de onda que respeitam as condições fronteira têm o nome de modos
normais de vibração.
Quando uma onda se propaga e encontra a fronteira entre dois meios diferentes
dois acontecimentos podem ocorrer:

1. Transmissão: alguma da energia da onda propaga-se no segundo meio.

Figura 3.1: Transmissão de um Pulso de Onda

2. Reflexão: toda a energia da onda se propaga no primeiro meio mas com o sentido
oposto.

Figura 3.2: Reflexão de um Pulso de Onda

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Quando duas ondas sinusoidais da mesma amplitude e frequência que se propagam
em sentidos opostos geram uma onda resultante cuja equação é dada por f = 2A sin kx cos ωt.
Esta é a equação de uma onda estacionária.

3.3 Interferência
Quando duas ondas do mesmo comprimento de onda e diferença de fase constante se
encontram dá-se o fenómeno de interferência.
Se as duas ondas se encontrarem na mesma região do espaço e tiverem a mesma
fase a interferência diz-se construtiva e a amplitude do onda resultante é igual à soma
das amplitudes de cada onda original.

Figura 3.3: Interferência Construtiva de dois Pulsos de Onda

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Se as duas se encontram na mesma região do espaço em oposição de fase a inter-
ferência diz-se destrutiva e a amplitude da onda resultante é igual à subtracção da
amplitude das duas ondas originais.

Figura 3.4: Interferência Destrutiva de dois Pulsos de Onda

A figura seguinte mostra uma representação esquemática de uma realização ex-


perimental para se observar um padrão de interferências:

Figura 3.5: Padrão de Interferência

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3.4 Difracção
Quando luz de comprimento de onda bem definido incide numa barreira com uma
abertura d acontece um fenómeno chamado difracção. Cada porção da fenda age como
se fosse uma fonte independente e ondas provenientes de porções diferentes têm fases
diferentes. Da sua interacção pode resultar interferência construtiva ou interferência
destrutiva.
A figura seguinte mostra uma representação esquemática de uma realização ex-
perimental para se observar o fenómeno de difracção:

Figura 3.6: Difracção

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Capı́tulo 4

Electromagnetismo

A teoria do Electromagnetismo é a primeira teoria Fı́sica a ter uma natureza moderna.


É uma teoria de campo e para além do mais é uma teoria relativista.

4.1 Conceitos Básicos e Definições Preliminares


Para criar uma teoria electromagnética devemos primeiro introduzir uma nova grandeza
fundamental. Essa grandeza é a carga eléctrica que se representa pelo sı́mbolo Q e a
sua unidade no sistema internacional é o coulomb cujo sı́mbolo é C.
Definição 4.1. Campo eléctrico é um campo vectorial, denotado pelo sı́mbolo E, ~
criado por uma carga eléctrica q (carga fonte).
Definição 4.2. Um campo ~
Z b eléctrico E estabelece entre dois pontos a e b uma diferença
de potencial ∆V = − ~ · d~s
E
a

Definição 4.3. A força eléctrica F~e surge da interacção de uma partı́cula de carga
q2 (carga de teste) com o campo criado por uma partı́cula de carga q1 .

F~e = E
~ 1 q2 (4.1)
Definição 4.4. Uma carga eléctrica q0 que se desloque de a para b num campo
eléctrico ~
Z E faz com que a energia potencial do sistema varie da seguinte forma ∆U =
b
−q0 ~ · d~s
E
a
Definição 4.5. Um campo eléctrico ao passar por uma superfı́cie S de forma ar-
bitrária estabelece um fluxo eléctrico ΦE que é dado peça seguinte expressão
Z
ΦE = ~ · dA
E ~ (4.2)
S
~ representa o vector de norma dA, direcção perpendicular à superfı́cie.
onde dA

19
Definição 4.6. Corrente eléctrica é a taxa de fluxo de carga eléctrica por unidade
de tempo. Se consideramos o seu valor médio é Im = ∆Q/∆t. Se consideramos o seu
dQ
valor instantâneo é I =
dt
~
Definição 4.7. Campo magnético é um campo vectorial, denotado pelo sı́mbolo B,
criado por uma carga eléctrica em movimento.

Definição 4.8. A força magnética F~B surge da interacção de uma partı́cula de carga
q com o campo criado por uma partı́cula de carga q1 .

F~B = q~v × B
~ (4.3)

Definição 4.9. Um campo magnético ao passar por uma superfı́cie S de forma ar-
bitrária estabelece um fluxo eléctrico ΦB que é dado peça seguinte expressão
Z
ΦB = ~ · dA
B ~ (4.4)
S

~ representa o vector de norma dA e direcção perpendicular à superfı́cie S.


onde dA

4.2 Axiomas de Maxwell


No interesse da consistência as equações de Maxwell serão denominadas por axiomas
de Maxwell uma vez que o seu papel na teoria do electromagnetismo poder ser con-
siderado equivalente ao papel de axiomas.
Apenas apresentaremos estes axiomas na sua forma integral ainda que estas equações
possam ser expressas de modo totalmente equivalente por equações diferenciais.

Axioma 4.1. I
E ~ = qin
~ · dA (4.5)
0
Axioma 4.2. I
~ · dA
B ~=0 (4.6)

Axioma 4.3. I
~ · d~s = − dΦB
E (4.7)
dt
Axioma 4.4. I
~ · d~s = µ0 I + µ0 0 dΦE
B (4.8)
dt

20
O primeiro axioma diz-nos o fluxo eléctrico que passa por uma superfı́cie fechada é
proporcional à carga contida no interior da superfı́cie. O segundo axioma é equivalente
à afirmação de que não existem cargas magnéticas.
O terceiro axioma expressa o facto que campos magnéticos que variam no tempo
criam campos eléctricos. Por sua vez estes campos eléctricos não conservativos são
~
H
responsáveis por criarem uma diferença de potencial E · d~s = ε ao longo de um
circuito eléctrico.
O quarto axioma expressa o facto que campos eléctricos que variam no tempo
dΦE
e correntes eléctricas criam campos magnéticos. O termo 0 é denominado de
dt
corrente de deslocamento.

4.2.1 Consequências dos Axiomas de Maxwell


Recorrendo ao axioma 4.1 e ao conceito de superfı́cie Gaussiana podemos determinar
a a expressão matemática do campo eléctrico de algumas distribuições de carga.
Uma superfı́cie gaussiana tem que ter alguns dos seguintes atributos para permitir
~
o cálculo de E:

• O valor do campo eléctrico deve ser constante na superfı́cie.


~ · dA
• A seguinte simplificação deve ser possı́vel E ~ = EdA.
~ · dA
• E ~ = 0.

• O valor do campo eléctrico é 0 na superfı́cie.

Para o caso de uma carga pontual isolada a superfı́cie gaussiana em questão é uma
superfı́cie esférica centrada na carga. Neste caso conseguimos obter os dois primeiros
atributos e vem:

E~ = ke q r̂ (4.9)
r2
Se definirmos V (∞) = 0 vem que o potencial eléctrico de uma carga pontual é:
q
V = ke r̂ (4.10)
r
E deste modo a energia de interacção entre uma carga q1 e uma carga q2 separadas
de uma distância r é:
q1 q2
U = ke (4.11)
r
Para um campo eléctrico uniforme vem que a diferença de potencial entre dois
pontos separados de uma distância d é ∆V = −Ed
Outras consequências dos axiomas de Maxwell serão exploradas nas series de ex-
ercı́cios.

21
4.3 Ondas Electromagnéticas
Os axiomas 4.3 e 4.3 permitem deduzir que

∂ 2E ∂ 2E
= µ0 0 2 (4.12)
∂x2 ∂t
∂ 2B ∂ 2B
= µ 
0 0 (4.13)
∂x2 ∂t2

Se identificarmos c = 1/ µ0 0 vemos que as equações 4.12 e 4.13 são equações de
onda progressivas que se deslocam com a velocidade c.
É um facto experimental que a velocidade de propagação de luz tem um valor
muito próximo de c e assim surge como hipótese o facto da luz nada mais ser do que
um tipo de radiação electromagnética.
Esta hipótese foi posteriormente confirmada experimentalmente por Hertz e é um
dos mais espectaculares sucessos da teoria electromagnética.
Outro facto interessante que provém da teoria electromagnética é que c é invari-
ante. Isto é uma directa contradição ao que tı́nhamos visto anteriormente no contexto
da Mecânica Clássica (secção 2.3.2).

22
Capı́tulo 5

Teoria da Relatividade Restrita

Neste momento temos uma codificação bastante boa e consistente de um vasto con-
junto de dados experimentais. No entanto temos duas situações algo espinhosas entre
as nossas mãos. Em primeiro lugar as transformações de Galileu apenas afirmam a in-
variância das leis da mecânica. Em segundo lugar temos que a teoria electromagnética
prevê que a velocidade da luz não depende do referencial inercial.
A resolução destes problemas no inı́cio do século XX acarretou um profunda re-
visão dos conceitos de espaço e tempo e os conceitos de massa, energia e inércia.

5.1 Conceitos Básicos e Definições Preliminares


Definição 5.1. Espaço-tempo é um espaço com três dimensões espaciais e uma di-
mensão temporal.
Definição 5.2. Um acontecimento é um ponto no espaço tempo.
Quer isto dizer que de agora em diante deixaremos de pensar no tempo como um
parâmetro e que o nosso ênfase na especificação do estado de uma partı́cula passará
para a posição que ela ocupa no espaço-tempo em vez de se focar no seu estado
mecânico.

5.2 Axiomas de Einstein


Axioma 5.1. As leis da Fı́sica têm a mesma forma em todos os referenciais inerciais.
Axioma 5.2. As ondas electromagnéticas têm a mesma velocidade em todos os ref-
erenciais inerciais.
O primeiro axioma é uma generalização do que se chama de Princı́pio de Galileu
e o segundo axioma apenas é o constatar de um facto experimental. À primeira
vista estes dois axiomas parecem ser incoerentes, mas tal é apenas fruto dos nossos
preconceitos relativamente à natureza do espaço e do tempo.

23
5.3 Transformações de Lorentz
Imaginemos um mesmo acontecimento P que é descrito em dois referenciais inerciais
diferentes S e S 0 . Vamos supor que S 0 se move relativamente a S com uma velocidade
constante v e que as origens dos dois referenciais coincidem para t = 0.

É agora nossa tarefa deduzir as equações que permitam transformar as coorde-


nadas de um referencial para as coordenadas de outro.
Primeiro que tudo vamos notar que devido ao axioma 5.1 podemos escrever x0 =
γ(x − vt) e x = γ(x0 + vt0 ).
Talvez seja conveniente realçar o facto de termos escrito t0 na segunda equação e
que isto quer dizer que a natureza do tempo não é assumida mas sim deduzida.
Após alguma manipulações algébricas obtemos
1
γ=q (5.1)
v2
1− c2

Ou seja as nossas transformações, denominadas por transformações de Lorentz


são

x0 = γ(x − vt)
y0 = y
z0 = z
vx 
t0 = γ t− 2
t

5.4 Consequências das Transformações de Lorentz


As transformações cuja forma acabamos de deduzir têm consequências que parecem
verdadeiramente incrı́veis ao senso comum:

• O espaço e o tempo não mais são entidades absolutas.

24
• O conceito de acontecimentos simultâneos é relativo ao referencial.
• O comprimento de corpos em movimento encurta na direcção do seu movimento.
• A fórmula para a adição de velocidades tem que ser revista.
• Os conceitos de massa, energia e inércia devem ser repensados.

Entender o porquê da primeira consequência é trivial tendo em conta a forma


das transformações de Lorentz. A segunda, terceira e quarta consequências serão
demonstradas como exercı́cios e a última consequência será estudada na secção 5.5.

5.5 Relação entre Massa e Energia


De modo a obtermos a conservação do momento linear utilizando as transformações
de Lorentz a definição de momento linear (definição 2.11) deve ser revista.
Definição 5.3. O momento linear de uma partı́cula que se desloca com velocidade ~v

p~ = γm~v (5.2)
Definição 5.4. Quando o momento linear de uma partı́cula varia dizemos que a
partı́culas está a ser actuada por uma força
d
F~ = (γm~v ) (5.3)
dt
A revisão dos conceitos de momento linear e força no contexto da teoria da rel-
atividade implicam necessariamente a revisão do conceitos de energia cinética e do
conceito de inércia.
Sabemos que uma força realiza trabalho sobre uma partı́cula ao longo de um
determinado deslocamento.
Z x2 Z x2
dp
W = F dx = dx = mc2 (γ − 1)
x1 x1 dt

Se a força actua na partı́cula estando esta primeiramente em repouso é

K = mc2 (γ − 1) (5.4)
2
Uma vez que mc é a energia associada a uma partı́cula quando esta está em
repouso γmc2 tem que ser a soma da sua energia cinética com a energia em repouso.
Definição 5.5. A energia total de uma partı́cula é dada pela equação

E = γmc2 (5.5)

25
Com a definição normal de trabalho e a definição relativista de força concluı́mos
que a energia de uma partı́cula está relacionada com a sua massa. Quando γ = 1
(partı́cula em repouso) temos E = mc2 .
Uma vez que na fı́sica moderna o conceito de momento linear tem sentido fı́sico
enquanto que o conceito de velocidade não é costume escrever a equação 5.5 na forma

E 2 = (mc2 )2 + (pc)2 (5.6)


Esta última equação indica que a massa e a energia são apenas duas faces de uma
mesma moeda que se podem converter uma na outra.
Para além disso também demonstra que a inércia, no contexto relativista, deixa
de ser vista como uma medida da massa da partı́cula e passa a ser vista como uma
medida da massa e do momento linear da partı́cula.

26
Capı́tulo 6

Introdução à Fı́sica Quântica

Ao contrário do que fizemos nos capı́tulos anteriores este capı́tulo fará menção de
algumas experiências que motivaram a formulação da Fı́sica Quântica. Para além
disso as nossas formulações iniciais serão expostas de uma forma menos resumida.

6.1 Novos Resultados, Novas Concepções


Qualquer pessoa que se tenha aproximado de um laboratório e teve que realizar uma
experiência sabe que para se poder dizer algo sobre o sistema em estudo é sempre
necessário interagir com o sistema. Em linguagem mais respeitável devemos dizer o
acto de medição perturba sempre o sistema em estudo.
Para além disso temos também o conceito de estado mecânico. Ora o conceito de
estado mecânico pressupõe duas coisas:

1. A perturbação pode, em princı́pio (nalguns casos), tornar-se tão pequena quanto


se queira. O facto de haver sempre limites é uma propriedade dos instrumentos
que se utiliza e não da teoria que serve como base.

2. Existem algumas perturbações cujo efeito não pode ser desprezado. No entanto
é sempre possı́vel fazer um calculo exacto de quais os efeitos e desse modo é
possı́vel compensá-los.

Em suma a teoria que até agora desenvolvemos é causal e determinista.


No entanto uma das duas nuvens negras de Kelvin e mais uns quantos outros resul-
tados experimentais mostraram que uma revisão dos conceitos clássicos era necessária:

• Radiação de corpo negro.

• Efeito fotoeléctrico.

• Princı́pio da combinação de Ritz.

27
• Existência e estabilidade de átomos.

• Experiência de Stern-Gerlach.

• Difracção de raios de electrões.

• ...

Estes resultados experimentais introduziram as seguintes quebras com o paradigma


newtoniano:

• Entidades que tinham uma natureza corpuscular demonstram um comporta-


mento ondulatório.

• Entidades que tinham uma natureza ondulatória demonstram um comporta-


mento corpuscular.

• Existe um carácter estatı́stico (que parece ser) essencial no comportamento da


matéria.

• O carácter atómico da matéria obriga a repensar a natureza do processo de


medição: uma vez que existem grandezas cujo valor não pode ser arbitraria-
mente diminuı́do uma perturbação tem sempre um valor mı́nimo que não pode
ser melhorado.

28
6.2 A Experiência da Dupla Fenda
Para tornar mais concreta a discussão anterior vamos olhar com mais cuidado para
uma experiência que demonstra muito bem o choque entre as duas concepções que
temos vindo a discutir.

6.2.1 Duas Fendas e Partı́culas


Imaginemos que temos uma situação como a retratada na figura 3.5 mas desta vez o
que incide nas fendas não são ondas mas sim partı́culas.

Figura 6.1: Experiência de dupla fenda com partı́culas

Nesta situação as partı́culas passam pela fenda 1 ou pela fenda 2. As partı́culas que
passam pela fenda 1 são responsáveis pela curva de probabilidades P1 enquanto que
as partı́culas que passam pela fenda 2 são responsáveis pela curva de probabilidades
P2 . A curva de probabilidades resultante P12 é simplesmente a soma das curvas P1 e
P2 .

6.2.2 Duas Fendas e Ondas


Como já tı́nhamos visto na secção 3.3 se fizermos passar uma onda por duas fendas
o que se obtém é:

Figura 6.2: Experiência de dupla fenda com ondas

29
Neste caso a intensidade das ondas é a quantidade que interessa estudar. Temos
a curva de intensidades I1 que é causado pela fenda 1 e a curva de intensidades I2
que é causada pela fenda 2. A intensidade resultante no entanto é I12 = |h1 + h2 |2 =
I1 + 2I1 I2 cos θ. O último termo é responsável pela interacção da onda proveniente
da fenda 1 com a onda proveniente da fenda 2. Assim sendo é este termo que é
responsável pelo padrão de interferência.

6.2.3 Duas Fendas e Electrões


Agora que estamos familiarizados com o comportamento de ondas e partı́culas vamos
estudar o movimento de raios de electrões a passar por duas fendas. Pelo que se sabe
dos electrões eles são partı́culas e como tal esperamos encontrar um comportamento
igual ao representado na figura 6.1. No entanto isto é o que a Natureza tem para nós:

Figura 6.3: Experiência de dupla fenda com raios de electrões

No caso dos electrões temos que novamente pensar em termos de curvas de proba-
bilidades e curvas de probabilidades são inerentes ao conceito de partı́culas. Contudo
o que nós observamos é um padrão de interferências e isso é inerente a ondas...
Para podermos explicar os padrões que vemos temos que assumir que a cada
probabilidade Pi está associada uma amplitude de probabilidade φi . Para calcularmos
a probabilidade devemos calcular o módulo quadrado da amplitude de probabilidade
Pi = φ2i . Assim antes de mais devemos calcular a soma da amplitude de probabilidades
de passar pela fenda ou de passar pela fenda 2 e só depois devemos calcular o módulo
quadrado desta amplitude para obtermos a probabilidade de um electrão passar pela
fenda 1 ou de passar pela fenda 2: P12 = |φ1 + φ2 |2 .
Notar que no parágrafo anterior tratamos o electrão como sendo sempre uma
partı́cula, ainda que seja uma partı́cula com propriedades muito especiais, e nunca
em momento algum o tratamos como sendo uma onda que interfere consigo mesma.
Tal tratamento há muito tempo se sabe estar errado, mas, por questões que só podem
ser de nostalgia, é frequente encontrá-lo em muitos livros.

30
6.3 Conceitos Básicos e Definições Preliminares
Após a discussão de alguns dos motivos que levaram os fı́sicos a procurarem um novo
paradigma que permitisse fazer sentido do que se passava a nı́vel atómico está na
altura de introduzir as nossas habituais definições iniciais.
Definição 6.1. O estado quântico é definido pela especificação das grandezas fı́sicas
relevantes e é representado por uma função que toma valores complexos Ψ(x, t)
Definição 6.2. O momento linear de uma partı́cula é representado pelo operador
~ d
p= (6.1)
i dx
Definição 6.3. A energia de uma partı́cula é representada pelo operador
d
E = i~ (6.2)
dt
Definição 6.4. Para uma partı́cula livre as seguintes equações são válidas:

~
k = (6.3)
p
E
ω = (6.4)
~

6.4 Axiomas da Fı́sica Quântica


Os axiomas que aqui vamos apresentar não são os mais gerais nem os mais conve-
nientes para um tratamento maduro da Fı́sica Quântica mas são tudo o que necessi-
tamos para cumprir com o âmbito do curso.
Axioma 6.1. O estado de um sistemas quântico evolui segundo a equação de Schroedinger:

~2 ∂ 2 Ψ ∂Ψ
− 2
+ U (x)Ψ = i~ (6.5)
2m ∂x ∂t
Axioma 6.2. A probabilidade de que uma partı́cula seja encontrada no elemento de
espaço dx denota-se por P (x)dx e é:

P (x)dx = |Ψ(x, t)|2 dx (6.6)


Axioma 6.3. Uma partı́cula quântica é sempre resultante de interferência constru-
tiva.
A função deste axioma é captar de uma só vez a natureza dual do conceito de
partı́cula em Fı́sica Quântica.

31
Axioma 6.4. O valor médio de uma grandeza fı́sica A, que se representa Ā, é dado
pela seguinte expressão:
Z
Ā = Ψ∗ AΨ (6.7)

Onde o integral se calcula na região relevante.

6.5 Ondas e Partı́culas


6.5.1 Radiação de Corpo Negro
Definição 6.5. Um corpo negro é um objecto que absorve toda a radiação electro-
magnética que nele incide.

Para explicar o espectro de radiação de um corpo negro Planck assumiu que a


parede de uma cavidade era composta por ressoadores microscópicos que vibravam
com frequências diferentes. Cada ressoador tinha a sua frequência própria f e devia
emitir radiação com essa frequência e com qualquer valor de energia. No entanto
Planck postulou que a energia de um ressoador só podia ser E = nhf . Ou seja que
a radiação emitida ou absorvida no interior da cavidade só tomava valores discretos.
Com essa hipótese adicional Planck deduziu uma relação funcional entre a den-
sidade de energia u o comprimento de onda da radiação λ (ou a sua frequência ν)
e a temperatura a que se encontra o interior da cavidade que se adequa aos dados
experimentais:

8πhc
u(λ, T ) = (6.8)
λ5 (ehc/(λKB T ) − 1)
8πhν 3
u(ν, T ) = (6.9)
ν 3 (ehν/(KB T ) − 1)

Recorrendo as equações 6.8 é possı́vel demonstrar que a potência emitida por


unidade de área, e, por um corpo negro é e = σT 4 .
Também é possı́vel demonstrar que λTmax = k. Sendo k = 2.898 × 103 mK

6.5.2 Efeito Fotoeléctrico


Quando se faz incidir luz monocromática sobre uma superfı́cie metálica observa-se
que um certo número de electrões se liberta com uma energia muito bem definida.
Para além disso sabemos também que existe uma frequência mı́nima que faz com
que electrões se libertem da placa metálica e que o número de electrões libertados
aumenta com o aumento da intensidade da luz mas a sua energia cinética não.

32
No contexto da teoria electromagnética da luz todos estes factos são inexplicáveis.
No entanto se assumirmos que a luz se propaga em pacotes discretos de energia (isto
é uma generalização enorme da hipótese de Planck que apenas assumiu que trocas
de energia se davam de forma discreta) e que estes pacotes de energia são da forma
E = hf o efeito fotoeléctrico é prontamente explicado.
A energia cinética dos electrões libertados é dada pela expressão K = hf − φ onde
φ representa a energia de ligação dos electrões à placa metálica.

6.5.3 Átomo de Bohr


A existência de átomos é segundo o electromagnetismo um acontecimento impossı́vel.
Segundo o electromagnetismo partı́culas carregadas em movimento acelerado deve-
riam emitir radiação continuamente.
Uma vez que os electrões orbitam em torno do núcleo o seu movimento é clara-
mente acelerado. Assim sendo os electrões deveriam radiar energia continuamente
fazendo com que a sua distância ao núcleo fosse cada vez menor até colidirem com o
núcleo. Tal, obviamente, não é o que acontece.
Postulando que os electrões só podem orbitar em torno do núcleos em certas
trajectórias( recorrendo ao Axioma 6.3 podemos demonstrar que nestas trajectórias o
momento angular do electrão está restringido a ter valores discretos) podemos explicar
a estabilidade dos átomos e prever certos fenómenos que sabemos ocorrer ao nı́vel
atómico.
Estes estados do electrão em que ele não pode emitir radiação chamam-se estados
estacionários. Para transitar de um estado estacionário para outro estado estacionário
o electrão deve emitir ou absorver um fotão e a energia deste fotão deve igualar a
diferença de energia entre os estados estacionários.

Ei − Ef = hf (6.10)

me vr = n~ (6.11)
Com estas duas equações é possı́vel prever que os raios permitidos dos electrões
são da forma:

n2 ~2
rn = (6.12)
me ke2
Tomando n = 1 temos o raio menor raio possı́vel (o raio de Bohr) que se denota
por a0 .
E que as energias permitidas são da forma

ke2
En = − (6.13)
2a0 n2

33
Utilizando as equações 6.10 e 6.13 podemos calcular o comprimento de onda do
fotão que permite a transição entre estados estacionários
!
1 ke2 1 1
= − 2 (6.14)
λ 2a0 hc n2f ni
A teoria do átomo de hidrogénio de Bohr também permite explicar o espectro de
energia de alguns átomos ionizados.

6.5.4 Relação de Incerteza de Heisenberg


O Axioma 6.3 diz-nos que para construirmos uma partı́cula devemos ter um inter-
ferência construtiva de ondas. Uma onda é algo que tem uma extensão infinita en-
quanto que uma partı́cula não poderia ter uma dimensão mais finita. De modo a
obtermos uma partı́cula através da soma de ondas devemos então somar várias ondas
de modo a que a sua soma seja diferente de 0 apenas numa região muito pequena do
espaço. Em geral o número de ondas necessário será elevado.
Como cada onda tem o sua comprimento de onda, uma soma de um número
elevado de ondas faz com que a partı́cula resultante tenha um comprimento de onda
muito incerto
No limite de somarmos um número infinito de ondas chegamos à situação em que
temos uma partı́cula perfeitamente localizada mas que tem um comprimento de onda
totalmente incerto.
Por outra lado se tivermos uma só onda o seu comprimento de onda é totalmente
certo e uma vez que uma onda tem uma extensão espacial infinita a sua posição é
totalmente incerta.
Vemos que existe uma relação de proporcionalidade inversa entre a dispersão de
uma partı́cula relativamente à sua posição e a dispersão de uma partı́cula relativa-
mente ao seu comprimento de onda.
Fisicamente a quantidade de interesse é o momento linear e o seguinte resultado
é válido:
~
∆x∆p ≥ (6.15)
2
que é a relação de incerteza de Heisenberg. ∆x é a dispersão relativamente à
posição da partı́cula e ∆p é a dispersão relativamente ao momento linear da partı́cula.
É também possı́vel provar com toda a generalidade que para a o tempo necessário
para a transição de energia e para a energia transferida vale uma desigualdade análoga.
~
∆E∆t ≥ (6.16)
2

34
Capı́tulo 7

Aplicações da Equação de
Schroedinger

Neste capı́tulo vamos dar uso ao Axioma 6.1. Este axioma indica como varia um es-
tado quântico ao longo do tempo e é vital para que possamos compreender a dinâmica
a nı́vel atómico.
De notar que o Axioma 6.1 é uma equação diferencial e como tal a teoria assim
construı́da é determinista.
De acordo com o Axioma 6.2 A probabilidade de encontrar uma partı́cula no ele-
mento de espaço dx é |Ψ(x, t)|2 dx. Assim sendo a probabilidade encontrar a partı́cula
Z b
num intervalo [a, b] é |Ψ(x, t)|2 dx.
a
Uma vez que a equação do Axioma 6.1 é uma equação linear sabemos que se
Ψ é solução da equação de Schroedinger também AΨ é uma solução da equação de
Schroedinger.
Por outro lado temos que ter necessariamente
Z ∞
|Ψ(x, t)|2 dx = 1 (7.1)
−∞
Deste modo a constante complexa A fica fixada a menos de um factor de fase.
Uma vez que este factor de fase é irrelevante no contexto deste curso a condição 7.1
efectivamente faz com que a nossa solução de Schroedinger tenha uma solução única.
De modo a simplificar a nossa discussão vamos supor que Ψ(x, t) = ψ(x)φ(t).
~2 ∂ 2 Ψ ∂Ψ
Deste modo em vez da equação − 2
+U (x)Ψ = i~ que é equação à derivadas
2m ∂x ∂t
parciais temos:


i~ = Eφ (7.2)
dt
~2 ∂ 2 ψ
− + U (x)ψ = Eψ (7.3)
2m ∂x2

35
Que são duas equações diferenciais ordinárias.
Da primeira equação vem que a dependência temporal da função de onda é φ(t) =
−iωt
e . A segunda equação é conhecida como a equação de Schroedinger independente
do tempo e é sobre ela que nos vamos debruçar nas secções seguintes.

7.1 Poço de Potencial Infinito

Apesar de esta situação ser bastante artificial a nı́vel fı́sico a sua componente
didáctica é bastante elevada e convém ser estudado de modo a que possamos entender
exemplos que tenha alguma relevância fı́sica.
Nesta situação a partı́cula desloca-se ao longo de um comprimento L onde não
sofre a influência de nenhuma energia potencial. Mas ao chegar as extremidades do
comprimento temos U (0) = U (L) = +∞. Que é um potencial infinitamente repulsivo.
Para x > L ou x < 0 é obviamente ψ(x) = 0.  nπx 
Dentro da região onde o movimento é permitido temos ψ(x) = A sin .
L
Solução que nos diz que os valores de energia que a partı́cula pode ter não mais fazem
parte de um intervalo contı́nuo mas que passam a ser valores discretos.

36
7.2 Poço de Potencial Finito

Uma situação mais realista é dizermos que uma partı́cula se desloca ao longo de
uma região onde não está sujeita a nenhuma energia potencial e que nas extremidades
desta região encontra um potencial U (0) = U (L) = c. Um potencial que é repulsivo
mas finito.
Se assumirmos que E < U ou seja que a energia da partı́cula é inferior à energia
potencial repulsiva vemos que as soluções de 7.3 permitem uma probabilidade não
nula de encontrar a partı́cula fora da região onde estava inicialmente confinada.

37
7.3 Oscilador Harmónico
Para oscilações pequenas em torno de um ponto de equilı́brio sabemos que qualquer
função de energia potencial pode ser aproximada por uma função quadrática. Assim a
dinâmica resultante para partı́culas que tenham pequenos deslocamentos em torno de
uma posição de equilı́brio é em primeira aproximação a dinâmica de um movimento
harmónico.
Para o oscilador harmónico a equação de Schroedinger é

~2 d2 ψ 1 dψ
− 2
+ mωx2 ψ = E
2m dx 2 dt
Não iremos resolver esta equação de forma exacta mas por argumentos heurı́sticos
vamos propor uma solução possı́vel para o estado fundamental.
Pelos exemplos anteriores vimos que no estado fundamental a função de onda
nunca tomava o valor 0 mas aproximava-se dele assintoticamente. Vimos também
que as soluções por nós encontradas reflectiam a simetria da energia potencial.
Assim sendo esperamos que o mesmo aconteça neste caso. Uma possı́vel solução
2
será então uma função da forma ψ(x) = C0 e−αx

Substituindo esta função na equação de Schroedinger vemos que α = e que
2~
E = 1/2~ω. O que mostra que a energia de um oscilador harmónico quântico no
estado fundamental não é zero.
É possı́vel demonstrar que En = (n + 1/2)~ω

38
Bibliografia

• Physics for Scientists and Engineers 6th Edition R. A. Serway, J. W. Jewett

• Modern Physics 3rd Edition R. A. Serway, C. J. Moses, C. A. Moyer

• The Evolution of Physics A. Einstein, L. Infeld

• Fı́sica Atómica 4a edição Max Born

• The Feynman Lectures on Physics Feynman, Leighton , Sands

39

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