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Manual de religião - leia antes de usar

As pessoas devem ser enfraquecidas, seu vigor físico e intelectual,


drenado. Devem ser doutrinadas a manter famílias estáveis, seguras,
duráveis, para que crianças possam ser geradas, ainda que inseguras,
ainda que seus porquês não devam ser respondidos, suas dúvidas
iluminadas.
"Engula a pílula da felicidade e não pense demais."
Deve haver uma força superior insondável, insípida, fugidia, ou os
barões precisariam estar sempre se explicando. Deus deve ser um
mistério, e a filosofia deve ser abolida. Nossas mentes são limitadas:
ou entendem a filosofia ou aceitam um simulacro, uma máscara, uma
farsa com final feliz.
Saber perguntar é uma arte e uma ciência que leva décadas para
cultivar. Mas se você joga veneno num cérebro em formação essa
habilidade não se desenvolve. Um "Deus único" é este veneno.
No politeísmo há espaço para várias interpretações. No monoteísmo não
- só há um livro em cada região geográfica - e isso basta para
dividi-las.
O monoteísmo é a monocultura do espírito. Um espírito acostumado à
monocultura não se espanta em ver a beleza viva e a diversidade serem
destruídas - para gerar mais crianças e ver realizados seus pequenos
sonhos burgueses, sem nenhuma visão de comunidade, de "fisiologia da
sociedade", muito menos múltipla e diversa como a espécie inteira. O
Homo sapiens como um todo, e toda a vida - é isso que deve ser
sagrado.
Um Deus único é uma invenção bem localizada no tempo e no espaço. Seu
papel é dividir culturas e garantir que não se entendam mutuamente.
Ou, caso conquiste a humanidade inteira - aí teríamos a centralização
máxima de poder, a homogeneização completa, o pior inferno imaginável.
"Deus" é uma pequena caixa opaca que não deixa ver o que há fora,
sejam estrelas, flores ou sentimentos. Mentira sobre mentira pintado
de um falso branco da "paz". Mas a ignorância, o preconceito e a
intolerância continuam - o que mais se pode dizer? - graças à idéia de
um único Deus.
Para que mais crianças?
1) Porque precisamos de mais consumidores e mão-de-obra para as
indústrias - isto é, para a nação?
ou 2) Porque a religião que exige crianças consegue ocupar cedo tais
mentes inocentes, em maior quantidade; e quanto mais tenra, quanto
mais nova a mente ocupada, maior a garantia de que o medo dominará
essa mente agora aversa ao conhecimento da ciência, filosofia e
história, ao menos até a idade reprodutiva, e provavelmente durante o
período crucial da educação dos filhos. Um ciclo vicioso. Daí o
batismo ser necessário para "salvar o bebê inocente do inferno" (que
DEUS seria ESTE?)
Nascemos ignorantes. A campanha religiosa é tão intrincada e forte,
tão falaciosa e escorregadia, que é preciso muito estudo e uma
considerável força de vontade para nos vermos finalmente livres
(embora ainda uma minoria).
"Deus" é uma muleta psicológica que apenas adiciona variáveis à
equação do conhecimento, sem contribuir para resolvê-la - serve apenas
para ocultar a verdade, tornando-nos um rebanho ignorante, por isso
mais dócil e manipulável. As sociedades mais pobres e menos
autodeterminadas são aquelas onde o monoteísmo entra com menos
dificuldade. As nações dominantes no capitalismo também se tornam a
cada dia menos cientes de fatos importantes da vida (estão abandonando
a religião tradicional, mas apenas a substituem por outras = mercado,
internet e niilismo). A ignorância ronda ambos, ricos e pobres,
crentes e descrentes. Há mitologias que podem nos ensinar o que falta,
mas elas são muitas e estão espalhadas entre povos onde até agora não
se tem procurado.
Fé - Eu tenho fé em que um dia deixaremos de usar muletas e deixaremos
de aceitar que o ser humano deva ser fraco, medroso, ignorante,
pequeno e mesquinho - porque não somos assim. Tornaram-nos assim
culturalmente através de um longo processo histórico que não ensinam
nas escolas, mas que podem ser encontrados nos livros - não na Bíblia
ou no Corão, naturalmente - e até mesmo à nossa volta, nessas partes
do mundo ainda menos afetadas pelo contágio.
O instinto da curiosidade está aí e renasce a cada geração. A mudança
está mais próxima do que se imagina.

Ciência e religião

Ciência e religião não se misturam? Ótimo. Portanto, a religião nada


tem a dizer sobre a vida, uma vez que existem ciências da vida. Nada
tem a dizer sobre o aborto, pois o estudo da gravidez, dos sentimentos
e necessidades da mulher grávida são parte dessas ciências, assim como
o estudo das populações humanas, da demografia, das necessidades
alimentares, do consumo e escassez de recursos, entre tantos outros. A
religião nada tem a falar sobre sexo, pois aqui também a ciência tem
muito a dizer. Aliás, hoje, o que restou para esta religião dizer? E,
no entanto, ela está às voltas com o poder em todos os aspectos da
existência!
Religião e ciência são métodos, e não precisam mesmo se misturar.
Aparentemente, religião vem da palavra religar, reunir-se, enxergar e
presenciar o todo. A diferença maior parece ser que algumas religiões
(justo as monoteístas) têm conceitos bastante peculiares, como culpa,
pecado, salvação e medo. Outras (ateístas e politeístas) buscam anular
o medo.
Enquanto há medo, podemos dizer que estamos "religados"? Ou o medo é
um sinal evidente de isolamento e individualidade? Temer a "Deus" ou
temer àqueles que falam como que "por procuração"? Alguém já ouviu
Deus falar? Qual a diferença entre isso e a imaginação?
Há certos limites éticos na conduta humana, e para vê-los basta bom
senso, razão e sensibilidade - coisas que faltam às religiões
monoteístas. Justamente as instituições que deveriam defender a ética,
são as que dela mais se afastam. A humanidade sempre usará a religião
para cometer suas barbáries, ao menos enquanto nossa falta de
sabedoria permitir. Mas como poderemos ganhar sabedoria, se a própria
religião impede, se a religião enfia uma rolha no buraco por onde a
sabedoria deveria entrar?
Os países e povos onde o monoteísmo domina a "opinião pública" não
parecem ser os mais individualistas? De tão acostumados a adaptarem os
fatos às teorias (e não o contrário), não são esses mesmos povos e
países tão preparados, e talvez até ansiosos pelo advento do
Apocalipse? Não é este o seu "final feliz"? Não é o que se anuncia a
cada dia, como que para "preparar-nos ante o inevitável", enquanto
apenas alguns poucos buscam efetivamente combatê-lo?

Espiritualidade
Eu faço parte do Cosmos, como o Cosmos faz parte de mim. Eu sou o
Cosmos, o Cosmos vê e adquire consciência através de mim.
A minha vida afeta e é afetada pelas vidas dos outros. Amor é parte da
natureza humana e não pode ser ensinado. Se alguém exorta os outros a
amar, isso é amor ou obediência? É amor ou medo? "Amar, verbo
intransitivo." Talvez respeito possa ser ensinado.
Respeito é discussão.
Discussão é deixar o espírito nu e questionar a verdade. Indagar e ser
o mais honesto possível na resposta. Respeito é pensar no próximo e no
distante. É não falar anonimamente, nem aceitar conclusões
precipitadas. Deus É uma conclusão precipitada. Deus é apenas parte da
resposta, jamais ela inteira. Deus e Alá não são o mesmo - suas "leis"
(ditadas por pessoas falhas e tendenciosas) são diferentes. Shiva,
Brama e Thor não são os mesmos, nem Apolo, Minerva, Júpiter, Afrodite
ou Baco (nem ditam leis, apenas assopram sugestões. Mitologia =
folclore = conhecimento).
Matou-se tantos deuses, pela glória de "um só", e não sabemos nem seus nomes.
"Um só Deus" = monocultura do espírito = criar pessoas para ocuparem
caixotes de olhos fechados.
Matar faz parte da natureza humana; preservar a vida também.
Buscar conhecimento faz parte da natureza humana; a coragem e a covardia também.
Entender a natureza humana é respeitar-nos. Isso só pode ser alcançado
pela discussão, honesto consigo e com os outros. Tapar tudo isso com
"Deus" é tentar tapear-nos. Chega de tapeação. Monoteísmo, seu tempo
na Terra acabou.

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(pensamentos desfiados)
discussão = busca da verdade = paraíso
(idéia retirada de "Os Versos Satânicos" - livro esclarecedor que
garantiu a seu autor a pena de morte em um certo país monoteísta)
Buscar a verdade é o paraíso. Mas o que é a verdade? Qual verdade? Que
temos chamado de verdade?
A verdade física, o mundo em si? (Conceito proposto por Aristóteles,
ao qual nada mais temos a acrescentar.)
Ou a "verdade de cada um", o oceano de mentes e pontos de vista, vasto
e inescrutável oceano não de fatos nem de verdades, mas de
interpretações parciais que, somadas, constituem o melhor que podemos
fazer em direção ao conhecimento.
Acreditar é fugir da arena da razão, da trilha do conhecimento. Um
povo sem conhecimento é como o gado na fila do abate - não tem
alternativa, não tem escolha - não tem opinião.
Onde chegamos, quando estabelecemos como teto uma "verdade" tão
parcial e simplória quanto um Vertebrado Gasoso?
Confiança é um conceito entre a certeza e a fé. Não é tão arrogante
quanto a certeza, nem tão míope quanto a fé. A confiança deriva da
experiência, e a experiência é a porta do conhecimento.
Se você é crente, considere-se vítima da sua igreja. A verdadeira
espiritualidade se sente, se sabe - não se "acredita". Entre acreditar
e não acreditar, é melhor saber ou esperar.
Monoteístas são ateus para todas as outras divindades já inventadas.
Monoteístas são um tipo peculiar de vítima: a que defende seu algoz.
Acreditar em fantasmas não é problema - problema é acreditar/valorizar
mais os fantasmas do que a realidade. E trazer, por ignorância, mil
preconceitos atrelados a esses fantasmas. E fugir sempre da discussão.
Se os seus velhos são assim, não permita que seu vício seja
transmitido às crianças, a não ser que deseje ver o milenar ciclo
vicioso da prisão do espírito se perpetuar...

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