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Unidade 2 – Métodos de Prova

A Matemática é uma ciência dedutiva, todos os fatos são provados. Por exemplo, apesar de
Pitágoras ter vivido em torno do ano 500 AC, o fato anunciado por ele já era conhecido dos
babilônios, cerca de 1500 anos antes. Por que então ele é conhecido como Teorema de Pitágoras?
Porque no tempo dos babilônios, isso era um fato conhecido experimentalmente. Não passava
à cabeça das pessoas a ideia de que algo assim pudesse ser provado. Bem mais tarde, entre
os gregos, a Matemática passou a ter a caracterı́stica que tem hoje de ciência dedutiva. Na
Matemática dos últimos 2000 anos a questão da prova ou demonstração passou a ocupar a
posição central. O objetivo deste capı́tulo é o de estudar alguns dos principais métodos de
prova.

Definições. Um teorema é uma afirmação que se pode provar que é verdadeira.


Um corolário é um teorema que é consequência direta de outro.
Um lema é um teorema cuja utilidade é para demonstrar um outro teorema.
Uma demonstração ou prova é um argumento que estabelece a veracidade de um teorema.
Um axioma ou postulado é uma afirmação que se admite como verdadeira no inı́cio de uma
teoria. Exemplo: por dois pontos distintos passa uma e somente uma reta. A partir dos axiomas
de uma teoria todos os teoremas são demonstrados.
Uma conjectura é uma afirmação que se suspeita que seja verdadeira, mas para a qual ainda não
se conhece uma demonstração. Exemplo: uma das mais famosas conjecturas na Matemática,
conhecida como Conjectura de Goldbach, afirma que todo número par maior do que 2 se
expressa como soma de dois primos. Por exemplo, 4 = 2 + 2, 6 = 3 + 3, 8 = 3 + 5,
10 = 5 + 5 = 3 + 7, . . . . No dia 7 de junho de 1742 o matemático Christian Goldbach mandou
uma carta a seu amigo e também matemático Leonhard Euler propondo esta conjectura que
permanece em aberto até hoje. Quando uma conjectura é provada, ela passa a ser um teorema.

Prova direta
É quando os argumentos são apresentados em forma direta. Os exemplos abaixo servem para
dar uma ideia melhor sobre em que consiste este tipo de demonstração.
Exemplo 1. Teorema. Se x > y, onde x e y são números reais positivos, então x2 > y 2 .
Observação: Mais precisamente, este teorema afirma

(∀x, y reais positivos)( x > y → x2 > y 2 ).

Demonstração: Vamos usar uma seguinte propriedade básica dos números reais, que diz que

(∀a ∈ R)(∀b ∈ R)(∀c ∈ R)( a > b ∧ c > 0 → ac > bc ).

Como x > y e x > 0, então x2 > xy. Também de x > y e y > 0, segue que xy > y 2 . Portanto
x2 > xy e xy > y 2 . Logo x2 > y 2 .

O sı́mbolo  não é obrigatório, mas ajuda a sinalizar onde termina uma demonstração.
Exemplo 2. Começamos lembrando algumas definições.
Dados a, b ∈ Z, com b > 0, podemos fazer a divisão com resto de a por b. Existem e são únicos
q ∈ Z, chamado quociente, e r ∈ Z, chamado resto, tais que a = qb + r e 0 ≤ r < b. Por
exemplo, dados a = 27 e b = 4, então q = 6 e r = 3, 27 = 6 · 4 + 3.
[ ]
Em particular, para b = 2, temos que (∀a ∈ Z)(∃!r ∈ Z) (a = q · 2 + r) ∧ (r = 0 ∨ r = 1) .
Dizemos que a é um número par se r = 0 e que a é um número ı́mpar se r = 1. Portanto, um
inteiro a ∈ Z é par se (∃k ∈ Z)(n = 2k). Um inteiro a ∈ Z é ı́mpar se (∃k ∈ Z)(a = 2k + 1).
Portanto, todo inteiro é par ou ı́mpar, mas não as duas coisas.

Teorema. Se n for um inteiro ı́mpar, então n2 é ı́mpar.


Ou seja, queremos provar a seguinte implicação: (∀n ∈ Z)(n ı́mpar → n2 ı́mpar).
Demonstração: Seja n um inteiro. Suponhamos que n seja ı́mpar.
Então (∃k ∈ Z)( n = 2k + 1 ). Logo n2 = (2k + 1)2 = 4k 2 + 4k + 1 = 2(2k 2 + 2k) + 1. Portanto
(∃p = 2k 2 + 2k ∈ Z)(n2 = 2p + 1). Logo n2 é ı́mpar.

Observação. O teorema acima é uma afirmação do tipo (∀x)(P (x) → Q(x). O método de
prova consistiu em considerar um x qualquer no domı́nio da variável, supor P (x) verdadeiro
e mostrar que Q(x) também deve ser verdadeiro. Ou seja, eliminamos a possibilidade V − F
para os valores lógicos. Isto prova que P (x) → Q(x) é verdadeiro. Este é o método de prova
direta.

Exemplo 3. Um número inteiro n ∈ Z é um quadrado perfeito se ∃k ∈ Z tal que n = k 2 .


Teorema. O produto de dois quadrados perfeitos é um quadrado perfeito.
Demonstração: Neste caso queremos provar que
(∀n ∈ Z)(∀m ∈ Z)(n quadrado perfeito ∧ m quadrado perfeito −→ nm quadrado perfeito).
Sejam n, m ∈ Z. Suponhamos que n e m sejam quadrados perfeitos. Então ∃r ∈ Z e
∃s ∈ Z tais que n = r2 e m = s2 . Logo nm = r2 s2 = (rs)2 . Então ∃t = rs ∈ Z tal que
nm = t2 . Logo nm é um quadrado perfeito.

Exercı́cio 4. Prove que


1. O produto de dois números ı́mpares é ı́mpar.
2. A soma de dois ı́mpares é par.
3. A soma de um par com um ı́mpar é ı́mpar.
4. A soma de dois pares é par.

Prova por contraposição


Vimos que toda implição p → q é equivalente a sua contrapositiva ¬q → ¬p. Se quisermos
provar um teorema do tipo (∀x ∈ D)(P (x) → Q(x)), a prova por contraposição consite em
mostrar que (∀x ∈ D)(¬Q(x) → ¬P (x)).

Exemplo 1 – Teorema. Se n for um inteiro e 3n + 2 for ı́mpar, então n é ı́mpar.

2
Demonstração: (Por contraposição) Vamos mostrar que (∀n ∈ Z)(3n+2 ı́mpar → n ı́mpar).
A contrapositiva é (∀n ∈ Z)(n par → 3n + 2 par).
Suponhamos que n ∈ Z seja par. Segue que (∃k ∈ Z)(n = 2k). Logo 3n+2 = 6k+2 = 2(3k+1),
isto é, existe r = 3k + 1 ∈ Z tal que 3n + 2 = 2r. Logo 3n + 2 é par.

Exemplo 2 – Teorema. Se o produto de dois inteiros for ı́mpar, então ambos os fatores são
ı́mpares.
Demonstração: (Por contraposição)
( )
Queremos provar que (∀n ∈ Z)(∀m ∈ Z) nm ı́mpar → (n ı́mpar ∧ m ı́mpar) .
A demonstração por contraposição consiste em mostrar que
( )
(∀n ∈ Z)(∀m ∈ Z) (n par ∨ m par) → nm par .
Sejam n, m ∈ Z. Suponhamos que n par ∨ m par. Temos dois casos a considerar.
Caso 1 : n é par.
Neste caso, ∃k ∈ Z tal que n = 2k. Então nm = 2km. Logo nm é par.
Caso 2 : m é par.
Neste caso, ∃k ∈ Z tal que m = 2k. Então nm = 2nk. Logo nm é par.
Logo nos dois casos, nm é par.

Exemplo 3. Como mais um exemplo do método de prova por contraposição, vamos estudar
um teorema que é muito útil para determinar se um número é primo ou composto.
√ √
Teorema. Se n = ab, com a e b inteiros positivos, então a ≤ n ou b ≤ n.
Demonstração:√ Por contraposição,
√ é suficiente mostrar que, para quaisquer a e b inteiros
positivos, (a > n ) ∧ (b > n ) −→ ab = ̸ n.
√ √ √ √
Suponhamos que a e b sejam inteiros com a > n e b > n. Então ab > n · n = n.
Logo ab ̸= n.

Notação. Se a, b ∈ N, a notação a | b significa que a divide b, ou seja, ∃k ∈ N tal que b = ka.


Por exemplo, 4 | 12 pois 12 = 3 · 4. O sı́mbolo a - b significa que a não divide b. Usamos o
sı́mbolo N0 para designar o conjunto N0 = N ∪ {0} = {0, 1, 2, 3, . . .}.

Aplicação. Se quisermos saber se um determinado inteiro positivo n é primo ou composto,


isto é, se√n tem algum divisor além de 1 e ele próprio, basta procurar divisores d tais que
1 < d ≤ n. Isto porque pelo teorema acima, se n for composto, isto é, se n √
puder ser fatorado
com n = ab, então pelo menos um dos fators a ou b será menor ou igual a n. Para facilitar
ainda mais nossa tarefa, notamos que se existir um divisor d de n com 1 < d < n, considerando
a fatoração de d em fatores primos, e tomando p igual
√ a um desses primos, vamos ter que se n
for composto, então n possui um fator primo p ≤ n.
Por exemplo, se quisermos saber se 101 é primo, basta testar e ver que 2 - 101 (significa “2
não divide 101”) , 3 - 101, 5 - 101 e 7 - 101. A partir daı́ já √podemos concluir que 101 é
primo, pois o próximo número primo é 11, que já é maior do que 101, pois 112 = 121 > 101.

3
Prova por absurdo
Se desejarmos provar uma certa proposição p, o método de prova por absurdo consiste em
supor que ¬p seja verdadeira e deduzir daı́ um absurdo. Desse modo concluı́mos que ¬p não
pode ser verdadeira e, portanto, p é verdadeira. Para explicar o método, vamos dar um exemplo.

Começamos lembrando algumas definições. Um número racional é um número que pode ser
3
representado em forma de fração com numerador e denominador inteiros. Por exemplo, é
2
racional. Um dado número racional pode ser representado em forma de fração de mais de uma
maneira. Por exemplo,
3 6 9
= = = ··· .
2 4 6
m
Dizemos que a fração está em forma irredutı́vel se não puder mais ser simplificada, ou seja,
n
se o máximo divisor comum MDC(m, n) for igual a 1.

Uma maneira equivalente é dizer que um número é racional se e somente se sua expansão
decimal for finita ou infinita periódica. Por exemplo,
20371
2.0371 = =⇒ 2.0371 é racional.
10000
Também, se x = 1.5272727 . . . , então 10x = 15.272727 . . . e 1000x = 1527.272727 . . . , de modo
que
1512
1000x − 10x = 1527 − 15 =⇒ 990x = 1512 =⇒ x=
990
1512
e, portanto, x = 1.5272727 . . . = é um número racional.
990

Teorema. 2 é irracional.

Demonstração: (Por absurdo) Suponhamos que 2 seja racional. Então ∃ m, n ∈ N tais que
√ m
2= e MDC(m, n) = 1
n
(representação em forma de fração irredutı́vel, isto é, uma fração em que já foi simplificado
tudo que podia ser cancelado). Seque que
m2
2=
n2
e, portanto, m2 = 2n2 . Logo m2 é par. Segue que m é par. De fato, se m fosse ı́mpar, então
m2 seria ı́mpar também (vimos que o quadrado de um número ı́mpar é ı́mpar, pois o produto
de ı́mpares é ı́mpar).
Como m é par, temos que ∃k ∈ N tal que m = 2k. Portanto
(2k)2 = 2n2 =⇒ 4k 2 = 2n2 =⇒ 2k 2 = n2 .
Logo n2 é par e, portanto, n é par.
Concluı́mos que m e n são ambos pares, ou seja, 2 é um divisor de m e também de n. Isto

é um absurdo, pois MDC(m,
√ n) = 1. O absurdo veio da hipótese que fizemos acima de que 2
fosse racional. Logo 2 é irracional. 

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Exercı́cio 1.
a) Prove que (∀n ∈ N)(3 | n2 −→ 3 | n). Sugestão: contraposição. Por divisão com resto,
∀n ∈ N, ∃q ∈ N0 (quociente) e ∃r ∈ N0 (resto) tais que n = 3q + r e 0 ≤ r ≤ 2. Temos
(r = 0 −→ 3 | n) e [(r = 1 ∨ r = 2) −→ 3 - n]. Então, quando for fazer a contraposição,
da hipótese 3 - n segue que ∃q ∈ N0 tal que n = 3q + 1 ou ∃q ∈ N0 tal que n = 3q + 2.
√ √
b) Prove que 3 é irracional. Sugestão: Siga os mesmos passos da demonstração de que 2
é irracional. Use o item anterior.

c) Mostre que 5 é irracional. (Em Matemática, mostrar é sinônimo de provar)

d) Mostre que 6 é irracional.

Exemplo. O conjunto vazio ∅ está contido em qualquer conjunto.


Demonstração por absurdo: Seja A um conjunto qualquer. Vamos mostrar que ∅ ⊆ A.
Começamos lembrando que B ⊆ A ←→ (∀x ∈ B)(x ∈ A). Portanto
B ̸⊆ A ←→ (∃x ∈ B)(x ̸∈ A).
Suponhamos, por absurdo, que ∅ ̸⊆ A. Então (∃x ∈ ∅)(x ̸∈ A). Isto é um absurdo (qualquer
afirmação que comece com ∃x ∈ ∅ é falsa).
Logo ∅ ⊆ A. 

Observação. Uma afirmação qualquer da forma “Para todo x pertencente ao vazio P (x)” é
verdadeira (dizemos que vale por vacuidade), pois para ser falsa teria que ∃x ∈ ∅ tal que ¬P (x).

Exercı́cios 2
1. Prove que a soma de dois números racionais é racional. Que tipo de prova usou?

2. Mostre que a soma de um racional com um irracional é irracional. Que tipo de prova
usou?

3. Mostre com um contraexemplo que é falsa a afirmação “A soma de dois números irracio-
nais é irracional”.

4. Mostre que ∀m, n ∈ Z, se m + n for par, então m e n têm a mesma paridade (isto é, ou
são ambos pares ou são ambos ı́mpares).

5. Prove que pegando 3 meias de uma gaveta que contenha apenas meias azuis e pretas,
conseguiremos um par de meias da mesma cor. Sugestão: Comece justificando que o
problema é equivelnte a provar que

(∀i ∈ N0 )(∀j ∈ N0 )[ i + j = 3 −→ (i ≥ 2 ∨ j ≥ 2)].

Use contraposição.

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6. Prove que são equivalentes:
p1 : n é par
p2 : n − 1 é ı́mpar
p3 : n2 é par
Sugestão: Basta mostrar as implicações p2 =⇒ p1 =⇒ p3 =⇒ p2 .
Lembre das definições: n ∈ Z é par se e somente se existe k ∈ Z tal que n = 2k.
n ∈ Z é ı́mpar se e somente se existe k ∈ Z tal que n = 2k + 1.

Prova por casos


É quando se prova uma proposição dividindo em casos.

Exemplo 1 – Teorema. O produto de dois inteiros consecutivos é par.


Demonstração: Vamos provar que (∀n ∈ Z)[ n(n + 1) é par ].
Seja n ∈ Z. Consideramos dois casos:
Caso 1 : n é par.
Neste caso ∃k ∈ Z tal que n = 2k. Então n(n + 1) = 2k(n + 1). Logo ∃r = k(n + 1) ∈ Z tal
que n(n + 1) = 2r e, portanto, n(n + 1) é par.

Caso 2 : n é ı́mpar.
Neste caso ∃k ∈ Z tal que n = 2k+1. Segue que n(n+1) = n(2k+1+1) = n(2k+2) = 2n(k+1).
Logo ∃s = n(k + 1) ∈ Z tal que n(n + 1) = 2s e, portanto, n(n + 1) é par.

Logo, seja qual for o caso n par ou n ı́mpar, a conclusão é a mesma, n(n + 1) é par. 

Corolário. O quadrado de qualquer número ı́mpar deixa resto 1 na divisão por 8.

Demonstração: Seja n um inteiro ı́mpar. Então ∃k ∈ Z tal que n = 2k + 1. Portanto

n2 = (2k + 1)2 = 4k 2 + 4k + 1 = 4k(k + 1) + 1.

Pelo teorema anterior, k(k + 1) é par. Logo ∃p ∈ Z tal que k(k + 1) = 2p. Portanto n2 = 8p + 1.
Segue que, quando dividimos n2 por 8, o quociente é p e o resto é 1. 

Por exemplo, 32 = 9 = 1·8+1, 52 = 25 = 3·8+1, 72 = 49 = 6·8+1, 92 = 81 = 10·8+1,


etc. deixam todos resto 1 na divisão por 8. 

Desafio. Considere os coeficientes que multiplicam 8 na demonstração acima, ou seja, a


sequência 1, 3, 6, 10, 15, 21, . . . . Que números são esses? Existe uma fórmula para eles?

Exemplo 2. Provar que (∀n ∈ Z)( n2 ≥ n ).


Demonstração: Dividimos em casos.
Caso 1 : n ≥ 1.

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Neste caso, tomando a desigualdade n ≥ 1 e multiplicando ambos os lados por n (pode pois
n ≥ 0), temos
n ≥ 1 =⇒ n2 ≥ n · 1 = n.
Caso 2 : n = 0.
Neste caso, n2 = 02 = 0 = n ≥ n.
Caso 3 : n ≤ −1.
Neste caso, n2 ≥ 0 ≥ −1 ≥ n.
Logo, em qualquer um dos casos, n2 ≥ n. 

Exemplo 3. Provar que (∀x ∈ R)(∀y ∈ R)( |xy| = |x| · |y| ).


Demonstração: Dividimos em casos.
Caso 1 : x ≥ 0 e y ≥ 0.
Neste caso, xy ≥ 0. Segue que
|xy| = xy = |x| · |y|.
Caso 2 : x ≥ 0 e y ≤ 0.
Neste caso, xy ≤ 0. Então |x| = x, |y| = −y e |xy| = −xy. Portanto
|xy| = −xy = x · (−y) = |x| · |y|.
Caso 3 : x ≤ 0 e y ≥ 0.
Análogo.
Caso 4 : x ≤ 0 e y ≤ 0.
Análogo. 

Exemplo 4. (Algarismo final de um quadrado perfeito) Observando que


02 = 0, 12 = 1, 22 = 4, 32 = 9, 42 = 16, 52 = 25, 62 = 36, 72 = 49, 82 = 64, . . .
fazemos a seguinte conjectura.
Conjectura: O algarismo final de um quadrado perfeito pode ser 0, 1, 4, 5, 6 ou 9. Ou seja,
os algarismos 2, 3, 7 e 8 nunca ocorrem.
Demonstração: Começamos notando que, dado um n ∈ N0 qualquer, por divisão por 10,
∃q ∈ N0 (quociente) e ∃r ∈ N0 (resto), tais que n = 10q + r e 0 ≤ r ≤ 9, ou seja, todo n ∈ N0
é da forma n = 10q + r, com r ∈ {0, 1, 2, . . . , 9}.
Em seguida, notamos que todo n da forma 10q + 9 também é da forma 10t − 1. Por
exemplo, o número 79 pode ser escrito como 79 = 7 · 10 + 9, mas também pode ser escrito
como 79 = 8 · 10 − 1. Mais geralmente, se n = 10q + 9, então n = 10t − 1 com t = q + 1.
Analogamente, todo número da forma 10q + 8, também é da forma 10t − 2. Todo número da
forma 10q + 7, também é da forma 10t − 3. Todo número da forma 10q + 6, também é da forma
10t − 4.
Conclusão: Todo n ∈ N0 é de uma das formas 10k, 10k ± 1, 10k ± 2, 10k ± 3, 10k ± 4 ou
10k + 5.

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Seja n ∈ N0 qualquer. Vamos mostrar que existem seis possibilidades para o algarismo final
de n2 , 0, 1, 4, 5, 6 ou 9. Temos os seguintes casos a considerar.
Caso 1. n é da forma n = 10k.
Neste caso, n2 = 100k 2 = 10 × 10k 2 é múltiplo de 10. Logo o algarismo final de n2 é 0.
Caso 2. n é da forma n = 10k ± 1.
Neste caso, n2 = 100k 2 ± 20k + 1 = 10 × (10k 2 ± 2k) + 1 é um múltiplo de 10 mais 1. Logo o
algarismo final de n2 é 1.
Caso 3. n é da forma n = 10k ± 2.
Neste caso, n2 = 100k 2 ± 40k + 4 = 10 × (10k 2 ± 4k) + 4 é um múltiplo de 10 mais 4. Logo o
algarismo final de n2 é 4.
Caso 4. n é da forma n = 10k ± 3.
Neste caso, n2 = 100k 2 ± 60k + 9 = 10 × (10k 2 ± 6k) + 9 é um múltiplo de 10 mais 9. Logo o
algarismo final de n2 é 9.
Caso 5. n é da forma n = 10k ± 4.
Neste caso, n2 = 100k 2 ± 80k + 16 = 100k 2 ± 80k + 10 + 6 = 10 × (10k 2 ± 8k + 1) + 6 é um
múltiplo de 10 mais 6. Logo o algarismo final de n2 é 6.
Caso 6. n é da forma n = 10k + 5.
Neste caso, n2 = 100k 2 + 100k + 25 = 100k 2 + 100k + 20 + 5 = 10 × (10k 2 + 10k + 2) + 5 é um
múltiplo de 10 mais 5. Logo o algarismo final de n2 é 5. 

Prova por exaustão


É quando uma proposição afirma uma certa propriedade para um número finito de possibi-
lidades e testamos cada uma delas.

Exemplo 1. Prove que (n + 1)3 ≥ 3n para todo natural n com n ≤ 4.


Temos quatro possibilidades para testar.
Para n = 1, temos (n + 1)3 = (1 + 1)3 = 8 ≥ 31 = 3n .
Para n = 2, temos (n + 1)3 = (2 + 1)3 = 27 ≥ 9 = 32 = 3n .
Para n = 3, temos (n + 1)3 = (3 + 1)3 = 64 ≥ 27 = 33 = 3n .
Para n = 4, temos (n + 1)3 = (4 + 1)3 = 125 ≥ 81 = 34 = 3n . 

Exemplo 2. Um número natural a é potência perfeita se (∃b ∈ N)(∃n ∈ N)( n ≥ 2 ∧ a = bn ).


Prove que o único par de inteiros positivos consecutivos não excedendo 100 que são potências
perfeitas são 8 e 9.
Os quadrados que não excedem 100 são 1, 4, 9, 16, 25, 36, 49, 64, 81 e 100.
Os cubos que não excedem 100 são 1, 8, 27 e 64.
As quartas potências que não excedem 100 são 1, 16 e 81.
As quintas potências que não excedem 100 são 1 e 32.
As sextas potências que não excedem 100 são 1 e 64.

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A partir daı́ só aparece o número 1.
Dentre os números citados acima, os únicos consecutivos são 8 e 9. 

Prova por indução


A indução é um dos principais métodos de prova em Matemática. Vamos ver alguns exemplos
para explicar esse método.

Exemplo 1. Suponhamos que se queira obter uma expressão para a soma

Sn = 1 + 3 + 5 + · · · + (2n − 1)

dos n primeiros números ı́mpares. Iniciamos calculando os Sn para os primeiros valores de n e


organizando uma tabela.

n Sn n Sn
1 1 6 1 + 3 + 5 + · · · + 11 = 36
2 1+3=4 7 1 + 3 + 5 + · · · + 13 = 49
3 1+3+5=9 8 1 + 3 + 5 + · · · + 15 = 64
4 1 + 3 + 5 + 7 = 16 9 1 + 3 + 5 + · · · + 17 = 81
5 1 + 3 + · · · + 9 = 25 10 1 + 3 + 5 + · · · + 19 = 100

Observando a tabela acima, chama a atenção o fato que os resultados obtidos são quadrados
perfeitos: 1 = 12 , 4 = 22 , 9 = 32 , 16 = 42 , . . .

Conjectura: Para qualquer número natural n ≥ 1, vale Sn = 1 + 3 + 5 + · · · + (2n − 1) = n2 .

Agora que já temos nossa conjectura, passamos à fase de provar que nossa conjectura é
verdadeira. Para isto usaremos a indução matemática. A demonstração de que uma determi-
nada propriedade é verdadeira para qualquer número natural n, pode ser feita em duas etapas
independentes:

a) Verificar que a propriedade vale para o primeiro valor de n;

b) Verificar que se a propriedade valer para um certo número natural n, então a propriedade
vale também para o número seguinte n + 1.

Voltemos à proposição
1 + 3 + 5 + · · · + (2n − 1) = n2 .
Note que o menor n para o qual nossa proposição faz sentido é n = 1. Vamos provar por
indução que ela vale para qualquer n ≥ 1. Como explicado acima, a demonstração se dá em
duas etapas, usualmente chamadas de base de indução e passagem de indução, respectivamente.

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Base de indução: Verificar que vale para n = 1. No caso de n = 1, nossa proposição afirma
que 1 = 12 , que é verdadeira.

Passagem de indução: Supondo que para um certo n a igualdade 1+3+5+· · ·+(2n−1) = n2 se


verifica, vamos provar que isto implica que para o número seguinte, n + 1, a igualdade também
se verifica. Fazemos então a hipótese (usualmente chamada de hipótese de indução) de que
para um certo n vale
1 + 3 + 5 + · · · + (2n − 1) = n2 .
Temos que mostrar que
( )
1 + 3 + 5 + · · · + 2(n + 1) − 1 = (n + 1)2 ,
ou seja, temos que mostrar que
1 + 3 + 5 + · · · + (2n − 1) + (2n + 1) = (n + 1)2 .
Aplicando a hipótese de indução e o produto notável, segue que
1 + 3 + 5 + · · · + (2n − 1) + (2n + 1) = n2 + (2n + 1) = (n + 1)2 .
Está justificado que se a propriedade valer para um certo n, então vale também para n + 1.
Assim, fica concluı́do o raciocı́nio, provando que a propriedade vale para qualquer n ≥ 1.

Exemplo 2. Suponhamos que nos perguntemos quem é maior, 2n ou n2 ? Calculando para os


primeiros valores de n, temos a tabela ao lado. Nossos cálculos
sugerem que há um forte indı́cio de que, a partir de n = 5,
n 2n n2 vamos ter sempre 2n > n2 .
0 1 0 Consideremos agora a proposição P (n) : “ 2n > n2 ” e vamos
tentar provar por indução que P (n) é verdadeira para todo
1 2 1 n ≥ 5.
2 4 4 O primeiro passo será mostrar que P (n) é válida para o pri-
meiro n em questão, ou seja,
3 8 9
Base de indução: P (5) é verdadeira.
4 16 16 De fato, P (5) é 25 > 52 , que é verdadeira, pois 32 > 25.
5 32 25 Passagem de indução: Suponhamos que, para um certo n ≥ 5,
6 64 36 P (n) seja verdadeira. Então,

7 128 49
2n > n2 =⇒ 2 · 2n > 2n2 =⇒ 2n+1 > n2 + n2 . (∗)
8 256 64
Acontece que, como n ≥ 5, então n2 > 2n + 1. De fato, se
9 512 81 n ≥ 5, multiplicando por n obtemos
10 1024 100 n2 ≥ 5n = 2n + 3n ≥ 2n + 15,
pois n ≥ 5 =⇒ 3n ≥ 15 (basta multiplicar por 3 > 0).
Como 15 > 1, somando 2n obtemos 2n + 15 ≥ 2n + 1. Logo, pela propriedade transitiva da
desigualdade, n2 > 2n + 1.
Somando n2 a ambos os lados da última desigualdade, obtemos n2 + n2 > n2 + 2n + 1 =
(n + 1)2 . Voltando para (∗) e usando a transitividade, obtemos 2n+1 > (n + 1)2 . Segue que se
2n > n2 para um certo n ≥ 5, então 2n+1 > (n + 1)2 , concluindo a passagem de indução. Fica
assim provado que P (n) vale para todo número natural n ≥ 5.

10
Obs: A transitividade mencionada no parágrafo
( acima é a propriedade
)
(∀a)(∀b)(∀c) (a > b) ∧ (b > c) → a > c .

( )
Exemplo 3. (∀n ∈ N0 ) 8 | (25n − 1) . Vamos provar essa propriedade por indução.
Base de indução: Vale para n = 0.
De fato, para n = 0, temos 25n − 1 = 250 − 1 = 1 − 1 = 0 e 8 | 0.
Passagem de indução: Suponhamos que para algum n ∈ N0 , 8 | (25n − 1). Vamos mostrar que
então 8 | (25n+1 − 1).
Nossa hipótese de indução de que 8 | (25n − 1) implica que (∃k ∈ Z)(25n − 1 = 8k), ou seja,
25n = 8k + 1. Logo

25n+1 − 1 = 25 · 25n − 1 = 25 · (8k + 1) − 1 = 25 · 8k + 25 − 1 = 25 · 8k + 24 = 8 · (25k + 3).

Segue que (∃c = 25k + 3 ∈ Z)(25n+1 − 1 = 8c), isto é, 8 | (25n+1 − 1).
( )
Logo (∀n ∈ N0 ) 8 | (25n − 1) . 

Observação. Os exemplos acima mostram que a indução matemática não é um método para
descobrir fatos em Matemática, e sim uma técnica de demonstrar esses fatos. Nos exemplos
vistos, por outros métodos fomos levados a fazer uma conjectura. A indução matemática nos
possibilitou provar que nossa conjectura era verdadeira. Em outras palavras, se já temos um
forte indı́cio de que uma certa propriedade possa ser verdadeira, podemos então usar a técnica
da indução para tentar prová-la. Pode também acontecer que já saibamos que uma certa
propriedade é verdadeira e já tenhamos até uma demonstração para ela, mas desejamos obter
uma demonstração diferente (por exemplo, para explicar para uma pessoa que ainda não tenha
os pré-requisitos necessários para entender a demonstração já conhecida). Podemos, então,
tentar obter uma demonstração por indução para nossa propriedade.
Finalmente, o método de indução serve para provar propriedades envolvendo números na-
turais, não pode ser usado para provar proposições envolvendo outros tipos de objetos ma-
temáticos. Por exemplo, o método de indução não pode ser aplicado para provar o teorema que
diz que a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180 graus.

Divisibilidade
Vamos aplicar os métodos de prova estudados acima ao estudo da noção de divisibilidade de
inteiros, que será muito útil ao longo do semestre.

Definição. Dados dois inteiros a, b ∈ Z, com a ̸= 0, dizemos que a divide b e escrevemos a | b


se
(∃c ∈ Z)( b = ac ).
A frase a | b, “a divide b”, pode ser lida também como “a é um divisor de b”, ou ainda como
“b é um múltiplo de a”.
– Por exemplo, 4 | 12, pois 3 · 4 = 12.
– Também −4 | 12, pois (∃c = −3 ∈ Z)( −4 · c = 12).

11
– (∀n ∈ Z)( 1 | n), pois ∃c = n tal que 1 · c = n.
– (∀n ∈ Z∗ )( n | n), pois ∃c = 1 tal que n · c = n · 1 = n.
– (∀a ∈ Z)(a ̸= 0 −→ a | 0, pois ∃c = 0 tal que ac = 0.
Temos a | b quando a equação ax = b tem uma solução inteira. Se a = 0, então a equação ax = b
será 0 · x = b e não terá solução, a menos que b seja 0. Por isto não se define divisibilidade
por 0.
Cuidado! Não devemos confundir o sı́mbolo | com o traço de fração.
Notação. Escreveremos a - b para indicar que a não divide b, ou seja,

a - b ⇐⇒ ¬(a | b).

Exemplo. 3 - 14.
De fato, (∀c ∈ N)(3c ̸= 14). Isto pode ser mostrado dividindo em dois casos.
Se c ≤ 4, então 3c ≤ 3 · 4 = 12 < 14 =⇒ 3c ̸= 14.
Se c > 4, então c ≥ 5 =⇒ 3c ≥ 3 · 5 = 15 > 14 =⇒ 3c ̸= 14.
Em qualquer um dos casos, para qualquer c ∈ N, 3c ̸= 14. Logo 3 - 14. 

Notação. Z∗ = {a ∈ Z | a ̸= 0}.

Propriedades. As seguintes propriedades são válidas:

1. (∀a ∈ Z∗ )(∀b ∈ Z∗ )(∀c ∈ Z∗ )( a | b ∧ b | c −→ a | c) (propriedade transitiva).


( )
2. (∀a ∈ Z)(∀b ∈ Z) ∀c ∈ Z)( a ̸= 0 ∧ a | b ∧ a | c −→ (∀x ∈ Z)(∀y ∈ Z) a | (bx + cy) .

Em particular : a | b −→ (∀x ∈ Z)( a | bx) e


a ̸= 0 ∧ a | b ∧ a | c −→ a | (b + c).
( )
3. (∀a ∈ Z)(∀b ∈ Z)(∀c ∈ Z)(∀d ∈ Z) [ (a ̸= 0) ∧ (c ̸= 0) ∧ (a | b) ∧ (c | d)] −→ ac | bd .

( [ ])
4. (∀a ∈ Z)(∀b ∈ Z)(∀c ∈ Z) (a ̸= 0) ∧ a | (b + c) −→ a | b ←→ a | c .

Demonstração: 1. Suponhamos que a, b, c ∈ Z∗ e que a | b e b | c. Então existem r, s ∈ Z


tais que
b = ar ∧ c = bs.
Segue que
ars = bs = c.
Portanto ∃ t = rs ∈ Z tal que at = c. Logo a | c.

2. Suponhamos que a, b, c ∈ Z, com

a ̸= 0, a | b, a | c,

e sejam x, y ∈ Z quaisquer.

12
Então existem r, s ∈ Z tais que

ar = b ∧ as = c.

Segue que
arx = bx ∧ asy = cy
e, portanto,
a(rx + sy) = arx + asy = bx + cy.
Então ∃u = rx + sy ∈ Z tal que au = bx + cy.
Logo a | (bx + cy).

3. Suponhamos que a, b, c, d ∈ Z com (a ̸= 0) ∧ (c ̸= 0) ∧ (a | b) ∧ (c | d). Então existem


r, s ∈ Z tais que ar = b e cs = d. Segue que (ar)(cs) = bd, ou seja, (ac)(rs) = bd. Portanto
∃ t = rs ∈ Z tal que act = bd. Logo ac | bd.

4. Suponhamos que a, b, c ∈ Z , a ̸= 0 e a | (b + c). Então ∃ t ∈ Z tal que b + c = at.


Temos que mostrar que vale a equivalência a | b ←→ a | c. Temos que mostrar as implicações
nas duas direções.

(=⇒) Se a | b, então (∃u ∈ Z)( b = a · u). Então c = at − b = at − au = a · (t − u). Assim,


existe um elemento v = t − u ∈ Z tal que c = av. Logo a | c.

(⇐=) Análogo. 

Divisão com resto


Dados dois números natuais a e b nem sempre podemos fazer a divisão de a por b, pode acontecer
que b - a. Mas podemos fazer sempre a divisão com resto, existe um quociente q e um resto r
tais que a = qb + r. O caso b | a ocorre quando o resto r = 0. Por exemplo, 17 dividido por 3
dá um quociente 5 e um resto 2, 17 = 3 · 5 + 2. Para a = 17 e b = 3, existem q = 5 e r = 2.
No que segue, continuamos a usar o sı́mbolo N0 para designar o conjunto dos inteiros não
negativos
N0 = {0, 1, 2, 3, . . .}.

Teorema. (Algoritmo de Euclides) Dados a ∈ N0 e b ∈ N, existem e são únicos q, r ∈ N0


tais que

(i) a = bq + r

(ii) 0 ≤ r < b.

Este é um dos teoremas mais importantes da Aritmética. A demonstração dele será vista mais
adiante, mas já vamos começar a usá-lo. É a divisão que usamos desde o ensino fundamental.

Máximo Divisor Comum


Sejam a, b, d ∈ N. Se d | a, então d ≤ a. Logo o conjunto de todos os divisores naturais de a,
denotado por DIV(a), é um conjunto finito e tal que a é o seu maior elemento. Dizemos que

13
d é um divisor comum de a e b se d | a e d | b. Denotamos o conjunto de todos os divisores
comuns de a e b por DIV(a, b). Assim, temos

DIV(a, b) = DIV(a) ∩ DIV(b).

Note que DIV(a, b) ̸= ∅, já que 1 ∈ DIV(a, b), pois 1 | a e 1 | b. Também DIV(a, b) é um
conjunto limitado superiormente, ∀d ∈ DIV(a, b), d ≤ a e d ≤ b e assim d ≤ min{a, b}.
Logo DIV(a, b) possui um maior elemento o maior de todos os divisores comuns de a e b.
Temos ainda que DIV(0) = N, logo

DIV(a, 0) = DIV(0) ∩ DIV(a) = N ∩ DIV(a) = DIV(a), ∀a ∈ N.

Agora já podemos definir o máximo divisor comum de dois números naturais.

Definição. Sejam a, b ∈ N0 não ambos nulos. O maior elemento de DIV(a, b) é chamado de


máximo divisor comum de a e b e é denotado por MDC(a, b).

Propriedades. Sejam a, b ∈ N0 e a ̸= 0. Então,


(i) MDC(a, 0) = a

(ii) MDC(a, 1) = 1

(iii) MDC(a, a) = a

(iv) MDC(a, b) = MDC(b, a)

(v) a | b ←→ MDC(a, b) = a.

Demonstração: Mostramos apenas (ii) e (v). As outras ficam como exercı́cio.

(ii) DIV(a, 1) = {1}, pois DIV(1) = {1} ⊆ DIV(a), já que 1 | a. Logo MDC(a, 1) = 1.

(v) (−→) a | b =⇒ DIV(a) ⊆ DIV(b) pela transitividade da divisibilidade, logo


DIV(a) ∩ DIV(b) = DIV(a). Como max{DIV(a)} = a, temos MDC(a, b) = a.
(←−) trivial. 

O Algoritmo de Euclides para o cálculo do MDC


Nosso interesse agora é no cálculo do MDC, o teorema abaixo nos permite construir um algo-
ritmo para esse cálculo.

Teorema. (Lema de Euclides) Sejam a, b, n ∈ N tais que na ≤ b. Então,

MDC(a, b − na) = MDC(a, b).

Demonstração: Basta mostrar que DIV(a, b − na) = DIV(a, b). Vamos mostrar que os dois
conjuntos contêm os mesmos elementos.

Seja d ∈ DIV(a, b − na). Então d | a e d | (b − na), logo d | (b − na) + na = b, e assim


d ∈ DIV(a, b).

14
Seja t ∈ DIV(a, b). Então t | a e t | b. De t | a segue, pelas propriedades da divisibilidade
estudadas acima, que t | na, ∀n ∈ N. Como t | b e t | na, temos que t | (b − na). Assim,
t ∈ DIV(a, b − na). 

Dados a, b ∈ N, o Lema de Euclides permite que troquemos MDC(a, b) pelo MDC de a e a


diferença b menos um múltiplo de a (que é um número menor do que b). Podemos repetir esse
processo enquanto ele fizer sentido, ou seja, enquanto b − na > 0. Organizando esse processo,
temos um algoritmo para calcular o MDC de dois números naturais quaisquer.

Exemplo. Encontrar o máximo divisor comum de 60 e 44.


Dividindo 60 por 44: 60 = 1 · 44 + 16
Dividindo 44 por 16: 44 = 2 · 16 + 12
Dividindo 16 por 12: 16 = 1 · 12 + 4
Dividindo 12 por 4: 12 = 3 · 4
Aplicado o Lema de Euclides,
MDC(60, 44) = MDC(60 − 1 · 44, 44) = MDC(16, 44) = MDC(16, 44 − 2 · 16) = (16, 12)
= MDC(16 − 1 · 12, 12) = MDC(4, 12) = 4,
pois 4 | 12 =⇒ MDC(4, 12) = 4.
Logo MDC(60, 44) = 4.

O Lema de Euclides permite muito mais do que calcular o máximo divisor comum. No
exemplo acima, isolando os restos, temos
16 = 60 − 44
12 = 44 − 2 · 16
4 = 16 − 12
Depois disto, começamos a substituir uma igualdade na outra, começando de baixo para cima
(é importante fazer as substituições uma de cada vez, sem querer ganhar tempo, para não
embolar tudo)
4 = 16 − 12
= 16 − (44 − 2 · 16) = 3 · 16 − 44
= 3 · (60 − 44) − 44 = 3 · 60 − 4 · 44
Logo MDC(60, 44) = 4 = 3 · 60 + (−4) · 44.
Assim, dados a, b ∈ N, empregando o Lema de Euclides, temos um algoritmo que não só nos
permite obter o máximo divisor comum d = MDC(a, b) de a e b como ainda expressá-lo como
uma “combinação linear” d = α · a + β · b, com coeficientes inteiros α e β de sinais opostos.

Sejam a, b ∈ N. Suponhamos, que a ≤ b. Pelo Algoritmo de Euclides, existem e são únicos


q1 , r1 ∈ N0 tais que b = aq1 + r1 com r1 < a. Pelo Lema de Euclides,
MDC(a, b) = MDC(a, b − aq1 ) = MDC(a, r1 ).

15
Se r1 = 0, já temos o máximo divisor comum, pois neste caso MDC(a, b) = MDC(a, 0) = a.
Se r1 ̸= 0, continuamos o processo de divisão, dividindo a por r1 . Pelo Algoritmo de Euclides
existem e são únicos q2 , r2 ∈ N0 tais que a = r1 q2 + r2 com r2 < r1 . Pelo Lema de Euclides

MDC(a, b) = MDC(a, r1 ) = MDC(r1 , a) = MDC(r1 , a − r1 q2 ) = MDC(r1 , r2 ).

Se r2 = 0, já temos o máximo divisor comum, pois então MDC(a, b) = MDC(r1 , r2 ) =


MDC(r1 , 0) = r1 . Se r2 ̸= 0, continuamos o processo de divisão, dividindo r1 por r2 . Va-
mos obter um quociente q3 e um resto r3 < r2 .
Afirmamos que esse processo é finito, ou seja, existe n ∈ N tal que rn+1 = 0. De fato, como
a > r1 > r2 > r3 > · · · ≥ 0 , depois de um número finito de etapas vamos atingir rn+1 = 0 e,
então,
MDC(a, b) = MDC(rn , rn+1 ) = MDC(rn , 0) = rn .
Portanto, MDC(a, b) é igual ao último resto antes de obtermos resto 0, ou seja, o primeiro resto
que é obtido e tem a propriedade de que divide o resto anterior.

Observe que dessa demonstração decorre que existem α, β ∈ N tais que

MDC(a, b) = α · a − β · b ou MDC(a, b) = β · b − α · a.

Ou seja, podemos escrever o MDC de a e b como uma “combinação linear” de a e b com


coeficientes inteiros de sinais opostos.
Vamos comprovar esse fato no caso em que r3 | r2 .
Neste caso,

b = a · q1 + r1 logo r1 = b − a · q1
a = r1 · q2 + r2 logo r2 = a − r1 · q2
r1 = r2 · q3 + r3 logo r3 = r1 − r2 · q3

Como r3 | r2 , temos MDC(a, b) = r3 . Substituindo os valores de r2 e r1 , obtemos

MDC(a, b) = r3 = r1 − r2 · q3
= r1 − (a − r1 q2 ) · q3
= (1 + q2 q3 )r1 − aq3
= (1 + q2 q3 )(b − aq1 ) − aq3
= (1 + q2 q3 ) · b − (1 + q2 q3 ) · aq1 − aq3
= (1 + q2 q3 ) · b − (q1 + q1 q2 q3 + q3 ) · a.

Tomando β = (1 + q2 q3 ) e α = (q1 + q1 q2 q3 + q3 ), obtemos α, β ∈ N0 tais que

MDC(a, b) = βb − αa.

Exemplo. Dados a = 252 e b = 111, fazemos as divisões sucessivas e isolamos os restos

16
252 = 2 · 111 + 30 30 = 252 − 2 · 111
111 = 3 · 30 + 21 21 = 111 − 3 · 30
30 = 1 · 21 + 9 9 = 30 − 1 · 21
21 = 2 · 9 + 3 3 = 21 − 2 · 9

Como 3 | 9, temos que 3 = MDC(252, 111). Se quisermos escrever o MDC como combinação
linear de 252 e 111, basta substituir as expressões dos restos umas nas outras, começando de
baixo para cima.

3 = 21 − 2 · 9
= 21 − 2 · (30 − 1 · 21) = 3 · 21 − 2 · 30
= 3 · (111 − 3 · 30) − 2 · 30 = 3 · 111 − 11 · 30
= 3 · 111 − 11 · (252 − 2 · 111).

Da última igualdade acima segue, finalmente, que

3 = 25 · 111 − 11 · 252.

Cuidado para não fazer a conta no meio do caminho!! O objetivo é escrever como combinação
linear! Também não devemos ser apressados, tentando acelerar o processo. Por exemplo, se
tivéssemos feito
3 = 21 − 2 · 9
= (111 − 3 · 30) − 2 · (30 − 1 · 21)
( ) ( )
= (252 − 2 · 111) − 3 · (252 − 2 · 111) − 2 · (252 − 2 · 111) − 1 · (252 − 2 · 111) ,

as coisas já estariam fora de controle.

Exemplo. a = 47 e b = 97

97 = 2 · 47 + 3

47 = 15 · 3 + 2

3=1·2+1

Como 1 | 2, temos que 1 = MDC(47, 97). Vamos agora, escrever o MDC como combinação
linear dos dois númeors dados. Temos que

1 = 3 − 1 · 2 = 3 − 1 · (47 − 15 · 3) = 16 · 3 − 1 · 47 = 16 · (97 − 2 · 47) − 1 · 47.

Portanto,
1 = 16 · 97 − 33 · 47.

Observação. Nos dois exemplos, consideramos dois números naturais a < b, encontramos o
seu MDC, e escrevemos

MDC(a, b) = 25 · a − 11 · b, no caso a = 111 e b = 252

17
e

MDC(a, b) = 16 · b − 33 · a, no caso a = 47 e b = 97.

No primeiro caso escrevemos o MDC como um múltiplo do menor (a) subtraı́do de um múltiplo
do maior (b) e no segundo caso escrevemos o MDC como um múltiplo do maior (b) subtraı́do
de um múltiplo do menor (a). Note que no primeiro caso determinamos o MDC depois de
efetuarmos quatro divisões e no segundo caso depois de três divisões. Isso acontece em geral,
se necessitarmos de um número par de divisões para determinar o MDC, então escreveremos o
MDC como um múltiplo do menor subtraı́do de um múltiplo do maior; se o número de divisões
for ı́mpar, escreveremos como um múltiplo do maior subtraı́do de um múltiplo do menor. O
teorema a seguir mostra que, na verdade, se a, b ∈ N sempre podemos escrever seu MDC das
duas formas.

Teorema. Sejam a, b ∈ N. Então existem α, β, λ, µ ∈ N tais que

MDC(a, b) = α · a − β · b e MDC(a, b) = λ · b − µ · a.

Demonstração: Já sabemos que uma das formas acima é válida. Vamos mostrar que isso
implica que a outra forma também é válida. Suponhamos por exemplo, que existam α, β ∈ N
tais que MDC(a, b) = α · a − β · b (o outro caso é similar). Seja ρ = max{α, β}. Então

MDC(a, b) = α · a − β · b
=α·a−β·b+ρ·a·b−ρ·a·b
= (ρ · a · b − β · b) − (ρ · a · b − α · a)
= (ρ · a − β) · b − (ρ · b − α) · a
= λ · b − µ · a,

onde λ = ρ · a − β e µ = ρ · b − α. Resta mostrar que λ e µ ∈ N. Como a, b ∈ N e ρ = max{α, β},


então
ρ · a ≥ ρ ≥ β, logo λ=ρ·a−β ∈N
e
ρ · b ≥ ρ ≥ α, logo µ = ρ · b − α ∈ N. 

A partir de agora, podemos sempre supor que existe a combinação linear que nos for mais
conveniente.
Podemos enunciar o mesmo fato da seguinte forma.

Teorema de Bézout. Para quaisquer a, b ∈ N, existem α, β ∈ Z tais que

αa + βb = MDC(a, b).

Definição. Sejam a, b ∈ N. Dizemos que a e b são primos entre si (ou relativamente primos)
se e somente se MDC(a, b) = 1, ou seja, o único divisor comum de a e b é 1.
Corolário. Dois números naturais a e b são primos entre si se e somente se existem α, β ∈ Z
tais que α · a + β · b = 1.

18
Demonstração: (=⇒) Decorre do Teorema de Bézout.
(⇐=) Suponhamos que existam α, β ∈ Z tais que α · a + β · b = 1. Seja d um divisor comum
de a e de b. Então d | (αa + βb). Logo d | 1 e, portanto, d = 1. Logo o único divisor comum
de a e b é d = 1. Segue que MDC(a, b) = 1. 

Cuidado! O “somente se” vale apenas quando a e b são primos entre si!!! Não vale para
outro valor de MDC (4 = 1 · 6 − 1 · 2, mas 4 ̸= MDC(6, 2)). Uma igualdade u = γ · a + δ · b
implica apenas que MDC(a, b) | u , mas não implica a igualdade de MDC(a, b) e u. De fato,

D = MDC(a, b), D | a, D | b =⇒ D | (γ · a − δ · b) =⇒ D | u.

O resultado a seguir é muito utilizado.

Teorema. Sejam a, b, c ∈ N. Se a | b · c e MDC(a, b) = 1, então a | c.


Demonstração: De a | b · c, temos que existe k ∈ N tal que bc = ak. De MDC(a, b) = 1, segue
que existem α, β ∈ Z tais que α · a + β · b = 1. Portanto

c = 1 · c = (αa + βb) · c = αac + βbc = αac + βak = (αc + βk)a,

isto é, ∃t = αc + βk ∈ Z tal que c = ta. Logo a | c. 

Observação. Sem a hipótese de que MDC(a, b) = 1, o resultado do Teorema não vale. Um


número natural a pode dividir um produto bc sem que a divida nenhum dos fatores. Por
exemplo, 6 | 9 · 4 mas 6 - 9 e 6 - 4.

Teorema. Sejam a, d1 , d2 ∈ N, com MDC(d1 , d2 ) = 1. Então,

d1 d2 | a ⇐⇒ d1 | a ∧ d2 | a.

Demonstração: Sejam a, d1 , d2 ∈ N, com MDC(d1 , d2 ) = 1.


Para provar a equivalência, vamos provar as implicações em cada uma das direções.
=⇒ Suponhamos que d1 d2 | a. Como d1 | d1 d2 e d1 d2 | a, então d1 | a (propriedade
transitiva). Da mesma forma

d2 | d1 d2 ∧ d1 d2 | a =⇒ d2 | a.

Logo d1 | a e d2 | a.
⇐= Suponhamos que d1 | a e d2 | a. Então ∃r, s ∈ N tais que d1 r = a = d2 s.
Claramente d1 | d1 r. Mas d1 r = d2 s. Então d1 | d2 s e MDC(d1 , d2 ) = 1. Logo d1 | s. Então
(∃t ∈ N)( s = d1 t ). Logo a = d2 s = d2 d1 t. Logo d1 d2 | a. 

Aplicação. Como consequência do teorema acima, obtemos um critério de divisibilidade por


6, 12, 15, 18, 20, etc.
Por exemplo, como 12 = 3 · 4 e MDC(3, 4) = 1, então 12 | a ⇐⇒ 3 | a e 4 | a.
Como 15 = 3 · 5 e MDC(3, 5) = 1, então 15 | a ⇐⇒ 3 | a e 5 | a.

19
Critérios de divisibilidade
O sistema de numeração em base 10, ou em outra base qualquer, é um sistema posicional. Por
exemplo, quando escrevemos N = 5297, estamos dizendo que N = 5 · 103 + 2 · 102 + 9 · 10 + 7.
Para um N ∈ N qualquer, consideramos a expansão decimal de N
( )
N = an · 10n + an−1 · 10n−1 + · · · + a1 · 10 + a0 , com (∀i) ai ∈ {0, 1, 2, . . . , 9} .

Chamando de A = N − a0 = an · 10n + an−1 · 10n−1 + · · · + a1 · 10, temos

A = 10 · (an · 10n−1 + an−1 · 10n−2 + · · · + a1 ),

de onde segue que 10 | A. Como 2 | 10, então, pela propriedade transitiva,

2 | A.

Mas N = A + a0 . Portanto
2 | N ⇐⇒ 2 | a0 .
Fica assim provado o seguinte critério.

Critério de divisibilidade por 2: 2 | N ⇐⇒ 2 | a0 . Um número natural N é divisı́vel por


2 se e somente se o seu algarismo das unidades for divisı́vel por 2.

Para estudar a divisibilidade por 3, vamos precisar de uma propriedade da divisibilidade.


( )
Propriedade. Sejam a > b inteiros. Então (∀n ∈ N) (a − b) | (an − bn ) .
Aqui vamos precisar desta propriedade apenas no caso particular b = 1. Por isto, vamos estudar
apenas este caso aqui e deixar o caso geral para os exercı́cios.
Demonstração do caso b = 1:

an − 1 = (an − an−1 ) + (an−1 − an−2 ) + (an−2 − an−3 ) + · · · + (a2 − a) + (a − 1)


= (a − 1)an−1 + (a − 1)an−2 + (a − 1)an−3 + · · · + (a − 1)
( )
= (a − 1) an−1 + an−2 + an−3 + · · · + 1 .

Logo
(a − 1) | (an − 1). 

Em particular, para a = 10, temos que (10 − 1) | (10n − 1n ), ou seja

∀n ∈ N, 9 | (10n − 1).

Mas 3 | 9. Logo, pela propriedade transitiva,

∀n ∈ N, 3 | (10n − 1).

Portanto, (∀n ∈ N)(∃An ∈ N)( 10n − 1 = 3An ). Por exemplo,


101 = 9 + 1 = 3 · 3 + 1. Portanto A1 = 3.
102 = 100 = 99 + 1 = 3 · 33 + 1. Portanto A2 = 33.

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103 = 1000 = 999 + 1 = 3 · 333 + 1. Portanto A3 = 333.
Se N = an · 10n + an−1 · 10n−1 + · · · + a1 · 10 + a0 for a expansão decimal de N e S =
an + an−1 + · · · + a0 for a soma de seus algarismos, então

N − S = (an · 10n + an−1 · 10n−1 + · · · + a1 · 10 + a0 ) − (an + an−1 + · · · + a0 )


= an · (10n − 1) + an−1 · (10n−1 − 1) + · · · + a1 · (10 − 1)
= an · 3An + an−1 · 3An−1 + · · · + a1 · 3A1
= 3 · B,

onde B = an An +an−1 An−1 +· · ·+a1 A1 e os Ai são os considerados acima, com 10n −1 = 3An .
Então
N = S + 3B.
Daı́ decorre que 3 | N ←→ 3 | S. De fato, supondo que 3 | N , então (∃r ∈ N)(N = 3r).
Segue que S = N − 3B = 3r − 3B = 3(r − B) e, portanto, 3 | S.
Reciprocamente, se 3 | S, então (∃s ∈ N )(S = 3s). Segue que N = S+3B = 3s+3B = 3(s+B).
Logo 3 | N .
Fica assim provado o seguinte critério de divisibilidade por 3.

Critério de divisibilidade por 3: Um número natural N é divisı́vel por 3 se e somente a


soma dos algarismos de N for divisı́vel por 3.

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