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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PAPÉIS URBANOS NA

PEQUENA CIDADE DE SÃO SEPÉ, RS

Fabiano Bolzan Scherer1


Gilda Maria Cabral Benaduce*

Palavras-chave: São Sepé, Papéis Urbanos, Pequena Cidade.

Introdução

Determinar os papéis urbanos de uma cidade passa pela leitura das suas conexões
com o mundo exterior, com os fluxos existentes no/do seu território. Nesse sentido São
Sepé, localiza-se na região central do estado e apresenta ampla circulação rodoviária
ligando-se com o Porto de Rio Grande pela BR 392 e com a capital pela BR 290 e com a
fronteira pela BR 290. Esta ampla circulação lhe confere uma posição privilegiada no que
tange as trocas comerciais. Tratando-se de uma cidade eminentemente prestadora de
serviços para a população local vinculada, direta ou indiretamente, as atividades rurais,
logo seus papéis urbanos se conjugam a estas atividades representando pouca
complexidade, mas movimentando grandes volumes financeiros em relação ao conjunto da
população.
O setor agrícola representado pela agropecuária, composta por cabanhas que trata
do melhoramento genético, criação do gado de corte e leiteiro, ainda criação de cavalos
crioulos e por lavouras de várias culturas. Neste setor, ressalta-se a COTRISEL
(Cooperativa Tritícola Sepeense S.A.) cooperativa que beneficia o arroz (principal cultivo
da região), armazena e comercializa a soja. Além disso, a COTRISEL atua também em
outros setores ligados ao comércio com o controle de um supermercado, de um posto de
gasolina e de uma loja de insumos agrícolas e ao setor da comunicação possui a concessão
de uma rádio.
A cidade de São Sepé (Figura 1) configura-se como uma importante cidade cuja
comercialização e trocas de produtos agrícolas, abriga inúmeros estabelecimentos
produtores de arroz e de criação de gado e que se efetivam com sua região.

1
: Mestrando em Geografia, UFSM – fabianobs17@gmail.com.
*: Professora Adjunta do Departamento de Geociências, UFSM – g.benaduce@brturbo.com.br.
Figura 1 - Mapa de Localização do Município de São Sepé - RS
Fonte: FEE (2008).
Elaboração: CAPOANE, V.

Construção do território e a formação do urbano sul brasileiro

As ocupações portuguesas durante o século XVII e XVIII em direção ao sul do


Brasil ligaram-se a conquista efetiva daquelas terras. A disputa do território sul brasileiro
entre portugueses e espanhóis gerou inúmeros recortes fronteiriços. Tal disputa esteve na
maior parte atrelada ao interesse em controlar a foz do Rio da Prata importante local de
escoamento da prata provinda de Potosi. Deste caminhar muitos redutos populacionais se
formou dando origem as cidades que hoje se configuram, resultante daquelas incursões. A
constituição da sociedade sul brasileira foi consolidada com base na distribuição de terras
aquele que estivesse apoiando a coroa portuguesa. Surge aí a figura do estancieiro
possuidor de imensas glebas de terras cuja função era de defesa do território e
concomitante povoamento. Decorre daí a criação do gado e seu conseqüente comércio do
charque denominado de charqueadas cujo papel foi significativo na definição das
atividades econômicas até hoje.
As terras que atualmente congregam o município de São Sepé estão impregnadas
desta carga histórica cuja agricultura e a pecuária formam ainda hoje as bases econômicas.
São Sepé surge neste contexto, sobretudo influenciado pelos interesses e embates dos
grandes estancieiros locais, os quais necessitavam de melhores condições estruturais para
reprodução de suas práticas (domínio do território).
O território sul rio-grandense está localizado na posição mais meridional do Brasil,
possui algumas características peculiares, tanto no que diz respeito ao aspecto sócio
espacial quanto aspecto paisagístico.
Foi somente em meados do século XIX (1872) que o estado promoveu seu primeiro
recenseamento oficial. Nele foram contados 434 813 habitantes. Anos depois em 1890 a
região já abrigava 897 455 habitantes. A casa do milhão de pessoas foi atingida na virada
do século XIX para o XX com 1 149 070 habitantes. Cinqüenta anos depois, em 1950, a
população chegava a 4 164 821 pessoas. Em 2000, cinco décadas depois a população era
formada por 10 187 798 habitantes. Em uma estimativa preliminar, o IBGE calculou para o
ano de 2007 uma população de 10 582 887 de habitantes. A Tabela 1 abaixo mostra, a
partir de 1872, o número de população no Rio Grande do Sul.

Tabela 1 – População do Rio Grande do Sul, no período de 1872 a 2007.


Ano População
1872 434.813
1890 897.455
1900 1.149.070
1920 2.182.713
1940 3.320.689
1950 4.164.821
1960 5.366.720
1970 6.664.891
1980 7.773.837
1991 9.138.670
2000 10.187.798
2007 10.582.887
Fonte: Secretaria Estadual de Coordenação e Planejamento (2008)
Org: Scherer, F. B.
O Rio Grande do Sul teve e ainda tem uma forte tradição agrícola. Até meados dos
anos de 1990 era considerado o “celeiro agrícola2” do Brasil. As cidades nem por isso
2
Pesavento (1997) acredita que os imigrantes contribuíram para que o Rio Grande do Sul chegasse a ser
considerado o “Celeiro do País”. Esses imigrantes introduziram outros produtos de exportação do estado,
por exemplo, os italianos se destacaram na produção de vinho.
tiveram menos importância, já que, elas fazem parte do conjunto produtivo e que
constituem o arcabouço necessário para o campo se reproduzir.
A cada vitória conquistada pelos portugueses em terras sulinas contra os
castelhanos, o governo provincial premiava-os com sesmarias que posteriormente deram
origem a estâncias, fazendas ou cidades.
Sobre a formação da rede urbana no território sul-rio-grandense, a
primeira rede urbana implantada neste território, segundo Peramas (1947 apud NEVES,
1990, p. 120) “foi construída, com paixão, pelos jesuítas a partir de 1610. Rede original
pela sua organização urbanística – certamente esboçada segundo o modelo de Platão”. A
estrutura dos jesuítas comprova o seu nível de organização, revelando uma preocupação
urbanística.
O primeiro núcleo urbano considerado estável foi com a fundação do município de
Rio Grande em 1737. A presença do presídio e do forte Jesus-Maria-José3 apresentava um
caráter militar justificado pelas disputas militares em curso. Entretanto, o processo de
urbanização gaúcha se definiu na primeira metade do século XIX, segundo Barroso (1992).
Rhoden (1999) considera que o início da rede urbana do Rio Grande do Sul foi com a
fundação do presídio de Jesus-Maria-José, em 19 de fevereiro de 1737 pela expedição de
Silva Paes. Dessa forma, Rhoden (1999) não considera como rede urbana a estrutura
construída pelos jesuítas. Constata-se que a colonização era do litoral em direção ao
interior do continente, especialmente pelos vales dos rios (Jacui, Sinos, Camaquã, entre
outros).
O processo de urbanização no Rio Grande do Sul se deu concomitante ao processo
de ocupação e ao desenvolvimento econômico, este último movido inicialmente pelo
tráfico de escravos, depois pelo comércio do gado, pelas charqueadas e posteriormente
com a industrialização. Com isso formou-se uma sociedade estruturada em duas classes
sociais bem nítidas, estancieiros e os pequenos lavradores.
A urbanização e a industrialização são processos completares e em muitos casos
estão interligados. Alguns autores chegam muitas vezes denominar processo
urbano/industrial pela íntima ligação que há entre esses dois processos (urbanização e
industrialização). Porém, a industrialização não ocorreu em todas as cidades do estado,
concentrou-se na região metropolitana de Porto Alegre, Caxias do Sul, Rio Grande e
Pelotas (LAGEMANN, 1996).
3
Rhoden (1999) afirma que no documento (carta régia) da instalação do presídio não havia sobre o traçado
urbano do povoado, sendo evidenciada a prioridade militar a este empreendimento.
O processo de modernização da agricultura juntamente com o processo de
industrialização contribuiu para intensificação da urbanização. Desta forma, a
industrialização foi um estímulo à urbanização. A população cresce num ritmo acelerado,
especialmente a população das cidades, com a vinda de trabalhadores oriundos da zona
rural para trabalhar nas indústrias ou no comércio. Vieira; Rangel enfatizam

A urbanização do Rio Grande do Sul foi lenta e tardia, com significado maior a
partir dos anos 60. Esse marco de tempo introduz transformações nos costumes,
mudando, progressivamente, o estilo de vida da população. A urbanização cresce
rapidamente por intensa mobilidade espacial dentro da territorialidade rio-
grandense. O fluxo rural-urbano, motivado por alterações na estrutura produtiva
rural, é um fator importante no crescimento das populações urbanas,
particularmente, no mundo periférico das cidades de médio e grande porte
(VIEIRA; RANGEL, 1993, p. 153).

A transição de um “estado rural” para um “estado urbano” ocorre entre a década de


1960 e 1970. É interessante o contexto desta transição, estava em curso à modernização
agrícola e a expansão das rodovias, da industrialização e do aumento dos automóveis no
Brasil.
A população gaúcha (Tabela 2) apresentou um crescimento populacional de 35%
no período de 1970 a 2000, ou seja, de 6 664 841 passou para a 10 187 798 habitantes. Tal
comportamento são manifestações geradas pelas políticas brasileiras ao longo das décadas
mencionadas cuja tendência de migração urbana - rural se efetiva de maneira semelhante a
partir da década de 1970 para a maioria dos estados brasileiros.

Tabela 2 - População residente – população urbana e rural e população total no


Rio Grande do Sul, no período de 1970 a 2000.
População residente
Unidade da Federação = Rio Grande do Sul
Situação Ano
1970 1980 1991 2000
Total 6.664.841 7.773.849 9.138.670 10.187.798
Urbana 3.554.239 5.250.024 6.996.542 8.317.984
Rural 3.110.602 2.523.825 2.142.128 1.869.814
Fonte: IBGE (2008)
Org: Scherer, F. B.
A Tabela 2 ainda mostra o número da população urbana e rural deste estado sulino
entre o período de 1970 a 2000. Na década de 1970 a quantidade de população rural e
urbana se revelou a mais equilibrada, sendo que a disparidade populacional se revelou
acentuada entre elas nos anos seguintes. Em 1980 a população urbana correspondia
67,53% enquanto que a população já neste período estava em 32,46%. Para o período de
1991 a população urbana atinge 76,55% enquanto a população restringe-se a 23,44%. Em
2000 a população urbana chega ao patamar de 81% restando para a população rural
somente 18,35%. Inúmeros fatores são atribuídos a este comportamento, mas certamente as
políticas agrícolas desenvolvidas foram decisivas para o ocorrido.

Papéis urbanos da cidade de São Sepé

Nas pequenas cidades4, as dinâmicas existentes manifestam-se pela expressão de


uma estrutura urbana com baixa complexidade, com funções de intermediação comercial
primária, com baixo nível de urbanização e com estrutura política marcada pelas elites
locais. A base de poder esteve atrelada à propriedade da terra, fornecendo apenas bens e
serviços simples dentro do complexo mercado econômico, a cidade de São Sepé apresenta
tal realidade.
Com base nos dados da FEE-RS (2007), o município de São Sepé possui uma área
de 2.188,8 km² (2006), com uma densidade demográfica 11,6 hab/km² (2006). Quanto aos
dados sociais disponíveis, destacam-se a mortalidade infantil de 17,1 por mil nascidos, taxa
de analfabetismo de 10,12% (2000) e expectativa de vida ao nascer 71,53 anos (2000).
Estes dados sociais revelam uma preocupação, principalmente em relação às taxas de
mortalidade infantil e analfabetismo, sendo consideradas bastantes altas se comparadas
com a média do estado do Rio Grande do Sul.
Conforme a Tabela 3 pode-se observar entre 1970 a 1991 houve um crescimento da
população urbana e um decréscimo da população rural. A partir de 1996, houve um
pequeno aumento da população urbana, que se manteve próximo aos 19.000 habitantes. A
população total reduziu de 1991 para 2000 pela emancipação do então distrito de Vila
Nova que após se tornou o município de Vila Nova do Sul. O município tem mais de 70%
de população urbana e apenas 30% de população rural. A FEE-RS (2007) estimou que a
população total do município de São Sepé no ano de 2006 foi de 25.446 hab, com uma
população urbana de 20.794 hab e uma população rural de 4.629 hab.

Tabela 3 - População residente no município de São Sepé, de 1970 a 2000.


População residente

4
Ver o trabalho de Bridi; Soares (2003) sobre o conceito de pequenas cidades.
Município = São Sepé – RS
Situação Ano
1970 1980 1991 2000
Total 26.674 26.866 28.075 24.621
Urbana 8.621 11.906 19.195 18.926
Rural 18.053 14.960 8.880 5.695
Fonte: IBGE (2008)
Org: Scherer, F. B.

Muitas das pequenas cidades estão vinculadas a função agrícola e/ou na


dependência de serviços de cidades média ou metropolitana. Nas aglomerações menores
intensificam-se as relações entre município e cidade, muito mais do que nas áreas
metropolitanas em que o governo municipal é o um governo urbano dado à ausência de
uma significativa população rural (ENDLICH, 2006).
O município tem suas bases econômicas nas atividades agropecuárias,
predominando médias e grandes propriedades, sendo que essas são utilizadas tanto pela
agricultura quanto pela pecuária. No entanto, o setor terciário tem uma participação
importante na economia da cidade de São Sepé, impulsionado pelo setor primário.
A Cooperativa Tritícola Sepeense Ltda (COTRISEL) importante estabelecimento
para São Sepé diante de sua expressividade, visto que beneficia grande parte do arroz
produzido, além de ter filiais por outros municípios gaúchos. Também exporta o arroz
beneficiado para os estados do sudeste e nordeste, tendo representações comerciais. É a
maior fonte arrancadora de impostos municipais, com sua sede na cidade. Esta cooperativa
(figura 2) possui um supermercado, loja de produtos agropecuários, posto de gasolina e
uma rádio em São Sepé.
Figura 2 – Foto das instalações da COTRISEL em São Sepé.
Org: Trabalho de campo (2007).

Os papéis urbanos se definem a partir do setor primário. Este setor, por sua vez,
impulsiona o terciário- o comércio e os serviços na cidade. As poucas indústrias existentes
são de pequeno porte, fortalecendo a baixa complexidade dos papéis urbanos fato
inquestionavelmente ligado ao rural, visto que as crises econômicas que atingem o campo
afetam diretamente a vida econômica da cidade.

Considerações finais

Os estudos urbanos e regionais, sobretudo aqueles ligados a cidade, ao urbano são


demasiadamente complexos em um mundo cujas lógicas perpassam do local ao global a
uma velocidade sem precedentes. As escalas de análise precisam estar adequadas para que
os fenômenos tenham as devidas dimensões. Assim, as pequenas cidades, as médias
cidades e as metrópoles, na atual rede urbana, estão reguladas pela intensidade dos fluxos
urbanos que é capaz de gerar e absorver.
Os papéis urbanos das pequenas cidades revelam como estas estão inseridas e
representam as dinâmicas do local e do regional. São Sepé reproduz papéis urbanos de
baixa complexidade cuja economia circula produtos de origem agropecuária, anunciando
serviços e comércio vinculados à renda gerada por este setor.

Referências

BARROSO, V. L. M. Povoamento e urbanização do Rio Grande do Sul. In: WEIMER, G.


et al. Urbanismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. da UFRGS/Prefeitura de Porto
Alegre, 1992. 143p.

BRIDI, J.; SOARES, B. R. Transformações Sócio-Espaciais nas Pequenas Cidades


Dotriângulo Mineiro: Um Estudo em Tupaciguara. In: II Simpósio Regional de
Geografia “PERSPECTIVAS PARA O CERRADO NO SÉCULO XXI”. Universidade
Federal de Uberlândia, 2003

ENDLICH, A. M. Pensando os Papéis e Significados das Pequenas Cidades do


Noroeste do Paraná. 2006. 505f. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Estadual
Paulista, Presidente Prudente, 2006.

FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA – FEE. Resumos. Disponível em: <


http://www.fee.rs.gov.br/sitefee/pt/content/resumo/municipios >. Acesso 03 jun. 2007.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sidra. Disponível em:


< http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 12 fev. 2008.

LAGEMANN, E. Imigração e Industrialização. In: DACANAL, J. H.; GONZAGA, S.


(orgs) Rio Grande do Sul: Imigração e Colonização. 3. ed. Porto Alegre: Mercado
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NEVES, G. R. A Rede Urbana e as Fronteiras: Notas Prévias. In: OLIVEIRA, N.;


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RHODEN, L. F. Urbanismo no Rio Grande do Sul: Origens e Evolução. Porto Alegre:


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SECRETARIA ESTADUAL DE COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO. Atlas


Disponível em: <http://www.scp.rs.gov.br> Acesso: 15 fev. 2008.

VIEIRA, E. F.; RANGEL, S. S. Geografia Econômica do Rio Grande do Sul. Porto


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