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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO

DAIANY MARQUES
JULIA POELL ISIQUE
JULIANA PLACCA DE SOUZA
LUIZA LIMA VELANGA

O MODERNISMO CLÁSSICO

MARÍLIA – SÃO PAULO


2016
DAIANY MARQUES
JULIA POELL ISIQUE
JULIANA PLACCA DE SOUZA
LUIZA LIMA VELANGA

O MODERNISMO CLÁSSICO

Trabalho apresentado à disciplina de Estética III, do


curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
Marília para efeito de avaliação.

Profº Mestre Sonia C. Bocardi de Moraes.

MARÍLIA – SÃO PAULO


2016
PERMANÊNCIA E METAMORFOSES

Modernismo Clássico

O Plano Piloto de Lucio Costa representa o genuíno movimento de arquitetura moderna. Ele sobressaía
pela aplicação peculiar do receituário modernista, transgredido em alguns pontos e incorporação de
elementos históricos: perspectivas barrocas e terraplenos monumentais, remetendo à Antiguidade e à
América pré-colombiana; referências ao gregarismo colonial brasileiro e ao urbanismo internacional
(cidade linear, cidade-jardim, urbanidade de áreas comerciais).

A proposta articulava-se em quatro escalas:


1) Monumental, como apêndice ao corpo mais extenso do tecido urbano no sentido leste-oeste,
abrigaria as atividades administrativas da União e do Distrito Federal.
2) Gregária, localizava-se no core da cidade, com papel de centro urbano.
3) Residencial ou cotidiana, a norte e sul desse centro e correspondente às duas Asas residenciais.
4) Bucólica, manifestando-se nas áreas entre o tecido urbanizado e o Lago Paranoá e em constantes
inserções de vegetação nas demais escalas.

As quatro escalas organizavam o Plano Piloto como dois eixos interceptados em níveis distintos, na
“escala” gregária, da qual partiam o apêndice do território monumental e as duas Asas residenciais.
Estas compunham-se de superquadras que abrigavam também o equipamento infantil e o comercio local
em local em uma de suas bordas; para cada quatro unidades, estavam previstos clubes, quadras
poliesportivas e outros equipamentos vicinais.
A malha do Plano Piloto estrutura-se por regularidade e repetição de elementos básicos, como feixe
curvilíneo de artérias paralelas que define as Asas residenciais e se intercepta ortogonalmente por outro
conjunto arterial retilíneo. Este último é o Eixo Monumental, onde estão os principais edifícios
governamentais; compõe-se de um binário viário, cujos elementos são separados por espaços livres de
largura variável.
Tal composição é admiravelmente harmônica, mas precária para acessibilidade intra e interpartes. Nas
Asas residências, o Eixo Rodoviário impõe forte descontinuidade entre as superquadras a leste e a oeste.
De forma similar, o Eixo Monumental confere descontinuidade entre as partes ao norte e ao sul.
Um estrito código urbano gera configurações previsíveis nas Asas residenciais, que contrastam com a
criatividade de outras partes. Transições entre interior e exterior das edificações são sempre raras,
implicando grande quantidade de espaços cegos e diluição do movimento de pedestres em áreas abertas
de grandes dimensões. Estas são raramente ruas ou praças e foram concebidas como vias, áreas verdes
e esplanadas.
Logo após o concurso ocorreram as primeiras modificações, solicitadas pelo júri, governantes e equipes
responsáveis pela implantação da capital.

a) Translação da cidade, cerca de 500 metros para leste.


b) Redução da borda oeste do lago. Transferiram-se quase todas as mansões previstas para a outra
margem, aumentando o espaço para embaixadas na orla junto ao Plano Piloto.
c) Incorporação da fileira de superquadras residenciais a leste, com prédios econômicos de três
pavimentos e sem pilotis.
d) Inclusão da faixa de quadras residências unifamiliares a oeste para abrigar funcionários de
rendas medias.
e) Transformação da W-3, de via de serviço do comercio varejista em avenida e centro de Brasília
durante décadas.
f) Criação do renque de quadras a leste e oeste para serviços religiosos, educacionais, na saúde,
etc.
g) Surgimento das primeiras cidades satélites antes mesmo da inauguração da cidade, antecipando
a metrópole poli nucleada.

Tais mutações tornaram o tecido da cidade mais espesso diluíram a linearidade do plano original e
implicaram imprevistos e intensos fluxos transversais de veículos e pedestres nas asas residenciais.
Além dessas mudanças, registraram-se outras, como:

 Aumento da quantidade de setores centrais, mantendo organização dispersa que dificulta o


movimento de pedestres entre eles;
 Diminuição do número de alças dos trevos do Eixo Rodoviário e consequente redução da largura
deste; isso não evitou seu papel de forte barreira entre os lados leste e oeste da cidade
 Abertura principal das lojas do comercio local para as vias projetadas como de serviço, voltando
seus fundos para a área residencial e implicando relação mais urbana desses estabelecimentos
com a cidade.

Outras transformações motivaram iniciativas para inserir Brasília na lista de Patrimônio da Humanidade,
título obtido em 1987. Infelizmente, esse processo não assegurou a preservação do Plano Piloto e
comprometeu tentativas de resolver sérios problemas urbanísticos da cidade.
Mapa com as principais alterações ao Plano de Brasília.
Escalas do Plano Piloto

Para se observar o que Lúcio Costa definiu como escalas a serem adotadas no projeto do Plano Piloto,
segue a descrição de cada uma delas:

Escala residencial: é a escala onde se faz o cotidiano, que se configura ao longo das alas Sul e Norte do
Eixo Rodoviário. Estrutura-se na forma de superquadras residenciais, com tipologias de seis ou três
pavimentos sobre pilotis, cercadas em todo seu perímetro, por densa faixa arborizada, e alternadas por
entre quadras, com comércio local e equipamentos comunitários de vizinhança, configurando uma
maneira própria de viver de Brasília. A proporção das edificações (seis pavimentos) em muito guarda
estética nas alturas das edificações da rua de Hausmann.

Escala monumental: é aquela concebida para conferir à cidade a marca efetiva de capital do País, estando
configurada pelo Eixo Monumental, desde a Praça dos Três Poderes até a Praça do Buriti, incluindo os
edifícios públicos e os espaços entre eles, assim como os monumentos cívicos que integram esse espaço,
guarda-se aqui uma proximidade com elementos simbólicos de terraplenos. É o espaço do poder.

Escala gregária: caracterizada no espaço central de Brasília, em torno da intersecção dos Eixos
Monumental e Rodoviário e configurado pela Plataforma Rodoviária e pelos Setores de Diversão,
Comerciais e Bancários, Hoteleiros, Médico-Hospitalares, de Autarquias e de Rádio e Televisão, Sul e
Norte, concebidos para serem locais onde se desenvolvem as atividades cotidianas diárias da população.

Escala bucólica: é a que resulta dos amplos espaços livres contíguos aos terrenos edificados, ou
institucionalmente previstos para a edificação, à preservação paisagística e ao lazer, em todas as outras
escalas, caracterizando-se pela predominância do verde, pela baixa densidade e pela horizontalidade da
paisagem, que confere a Brasília um caráter de cidade-parque. Predomina na orla do Lago Paranoá, nas
áreas de cerrado nativo e nos parques urbanos implantados ou previstos, e estão inscritos na área
delimitada do conjunto urbanístico do Plano Piloto de Brasília. A escala bucólica geralmente é vinculada
ao espaço anti-urbano, desprovido de ocupação é o que normalmente se marca como os grandes vazios
de Brasília.

É portanto, por uma rápida exposição, que se busca enfatizar que o discurso que afirma que Brasília é
tombada por seguir os preceitos da Carta de Atenas, se equivoca, ao tombar pelo que ela não é, pois seu
‘pedigree’ diferentemente do que afirma Holston tem antecedentes fortes e marcantes de outros tantos
pensamentos.
E ainda, tendo em vista a contradição com alguns preceitos socializantes do CIAM, como, por exemplo,
a realização dos subúrbios91, de forma cabal, sem as mesmas condições do
Plano Piloto original, ou mesmo impondo grandes distâncias entre o espaço da moradia e do trabalho
sem os devidos cuidados com transporte público, mas, apenas garantindo a circulação rodoviária.

O tombamento do Plano Piloto deve ser caracterizado pelo que ele é: o esforço estatal na preservação
incondicional das escalas estabelecidas pelo preceito do urbanismo de Lúcio Costa, que difere do
preconizado por Le Corbusier em vários aspectos morfológicos, e com isso sua filiação acaba por se
estender por todo pensamento do urbanismo moderno, pós revolução industrial, onde podemos ver
presentes elementos da cidade-jardim de Howard, da cidade linear de Soria y Mata, e até dos preceitos
da Carta de Atenas.
A atual situação de Brasília

A partir de 1998, Brasília tornou-se o centro da Região Integrada do Distrito Federal e Entorno com
2.948.421 habitantes, dos quais 2.051.146 no DF (e destes, 256.064 em Brasília), trata-se da nona
concentração urbana do país e aquela com a mais alta taxa de crescimento demográfico (3,41% ao ano).
Conforme caracterizada pelo Governador Cristovam Buarque (19951998), é ao mesmo tempo a 'Brasília
capital', a 'Brasília monumento' e a 'Brasília metrópole'.
A 'Brasília capital' concentra as decisões políticas e os recursos financeiros do Estado e está conectada
a circuitos locais, nacionais e internacionais de poder. Espaço sofisticado, oferece as mais diversificadas
conveniências e uma qualidade de vida excepcional, ao mesmo tempo em que vê o número de seus
residentes diminuir a cada ano e abriga menos de um décimo da população metropolitana. A 'Brasília
monumento' – único conjunto urbano de tal envergadura no mundo com características rigorosamente
funcionalistas – existe principalmente na imaginação de seus defensores, uma vez que seu tombamento
resultou mais na definitiva sacralização do Plano Piloto do que na adoção de medidas consequentes de
preservação. A expectativa de que um core planejado induziria uma ocupação ordenada do território –
utopia essencial do modernismo – não se verificou. À 'Brasília metrópole' cabe a repetição das
disposições urbanísticas da 'Brasília monumento', porém realizadas de forma apressada e a custos
inferiores. Dispersa por uma área várias vezes maior do que aquela de uma cidade tradicional de igual
porte, experimenta o crescimento tumultuado das periferias populares com altos índices de migração,
com as carências típicas de esgotos, pavimentação e iluminação, de serviços de saúde, educação e
segurança, de transportes coletivos eficientes e baratos, de equipamentos culturais e de lazer. Mas
Brasília também traz boas notícias.
O sítio escolhido por Cruls é de uma beleza ímpar, graças à ondulação suave de suas colinas e à
"imensidão dos horizontes", à abóbada celeste impressiva e aos nascentes e crepúsculos melodramáticos,
à diversidade da flora nativa, tudo isso valorizado pelo Lago Paranoá e por um paisagismo inspirado. A
relativa juventude da cidade, em conjunção com a proximidade do poder e a concentração de recursos,
oferece oportunidades que atrai ricos e pobres. Mesmo as cidades-satélites, com todas as suas mazelas,
oferecem serviços sociais incomparavelmente melhores do que aqueles das demais regiões. Por fim, a
interiorização da Capital foi o principal incentivo para a ocupação do hinterland brasileiro,
impulsionando um desenvolvimento econômico que se difunde para toda a região centro-oeste e começa
a alcançar a região norte. Devido à história de sua formação, Brasília compõe um vasto painel da
sociedade brasileira, de suas contradições e aspirações. E se os menos privilegiados ficaram de fora da
'Brasília monumento', já fincaram o pé definitivamente na 'Brasília metrópole'. Resta saber se, desta vez,
a 'Brasília capital' irá corresponder.

Existem autores que não reconhecem Brasília como uma cidade planejada, pelo fato de não ter sido feito
um planejamento que regulasse o seu processo de crescimento “Brasília é tida como planejada isto
porque para muitos urbanistas, esse é um espaço, urbano projetado que tem como premissa um desenho
rígido e que não teve a capacidade de antever os problemas que fatalmente afligiriam a cidade em seu
processo de crescimento, justamente por isso, não pode ser considerada como planejada”. Os
idealizadores da nova capital, ingenuamente, esperavam que ao menos, grande parte dos trabalhadores
emigrados (vindos, sobretudo, da região nordeste) iria retornar às suas regiões de origem logo depois de
inaugurada a obra, como confirma o depoimento do responsável pelo projeto urbanístico de Brasília, o
urbanista Lúcio Costa em um debate no congresso nacional “a população não quis voltar, apesar de
todas as previsões da época estabelecidas e planejadas para que pelo menos um terço da população
regressa-se”.
Porém, as previsões foram lentamente sendo refutadas pelo desenrolar histórico, os candangos vieram
pra Brasília na esperança de vida nova, com a clara intenção de constituir um novo futuro em suas vidas,
em um lugar onde haveria emprego e oportunidades para todos, diferentemente das precárias situações
que encontravam em suas regiões de origem. Portanto, seria pouco provável que findada a obra eles
voltassem para a miséria em que viviam.
O Plano Piloto, porém, não reservava lugar aos “candangos”, pois a população existente seria
basicamente composta por um corpo tecno-burocrático e as diferenças sociais apresentadas pela cidade
ficariam dentro de um mercado bastante restrito. A única exceção seria os muitos ricos que habitariam
mansões individuais localizadas às margens do Lago Paranoá.
A criação de Brasília, partindo da decisão governamental, apoiou-se em planos elaborados para uma
população pré-definida, entretanto, devido ao porte da obra, a implantação gerou necessidades e
consequências: de um lado, a considerável demanda de operariado, de outro, o mercado de trabalho
então aberto atraindo mão de obra livre de todo o país. Era impraticável o não concebimento de novos
núcleos urbanos voltados, sobretudo, ao operariado, caso contrário, as favelas e invasões continuariam
a se alastrar por toda a capital.
Brasília, estimada para ter uma população máxima na faixa de 500.000 a 600.000 habitantes, previa a
construção de cidades satélites, mas só depois que atingisse sua quantidade máxima populacional,
porém, as satélites passaram a abrigar os excedentes do Plano Piloto antes mesmo que ele fosse
inaugurado.
O primeiro núcleo urbano, periférico ao Plano Piloto foi a cidade Livre, atual Núcleo Bandeirante, que
foi criado para abrigar os candangos, mas que seria demolida, logo após o término das obras, fato que
não foi consumado devido à forte pressão popular exercida pelo trabalhadores que ali residiam.
Além de todas as implicações de ordem legal, a ocupação desordenada do solo promovida pelos
parcelamentos ilegais tem colocado o DF sobre sérios riscos de danos ambientais, mais da metade dos
loteamentos irregulares da capital está situada em áreas de proteção ambiental que são áreas instituídas
por decreto com a finalidade de proteger a diversidade biológica, disciplinar a ocupação local, e
preservar os recursos naturais, para tanto nessas áreas deve haver baixa densidade populacional.
A ausência de planejamento para a instalação dos condomínios, aliado a falta de cuidados ambientais e
a conivência do governo local, tem colocado em risco as questões ambientais no Distrito Federal e em
alguns casos os dados já são concretos.

Considerações

Com apenas 45 anos Brasília já possui os mesmos problemas das grandes metrópoles brasileiras (falta
de emprego, altos índices de criminalidade, problemas quanto a infraestrutura urbana e etc). Com uma
forma muito diferente daquela planejada por Lucio Costa o Plano-Piloto é hoje um dos metros quadrados
mais caros do país, o alto valor de seus imóveis empurra a classe média para as cidades de sua periferia.
Por sua vez as classes de baixa renda se veem obrigadas a se direcionarem aos municípios vizinhos ao
DF. A especulação imobiliária é um dos principais fatores responsável pela gritante segregação sócio
espacial vivida no DF. Esta segregação é confirmada quando percebemos os vetores de crescimento
urbano, orientados principalmente no sentido sul oeste, se afastando cada vez mais do Plano Piloto e no
sentido contrário aos bairros da elite econômica. Outro ponto importante a ser observado corresponde
as futuras áreas de adensamento e possível conurbação. São elas as regiões entre as cidades de Planaltina
e Sobradinho, Sobradinho e Plano Piloto, e também a continuação do atual vetor de crescimento que
tende a crescer orientado cada vez mais para o sul. No entanto esse crescimento segue cada vez mais
interesses econômicos e políticos, sem um planejamento geográfico de um crescimento sustentável
numa região tão importante. A falta de um planejamento adequado, por parte do governo local, sobre as
ocupações e uso do solo, gera um tremendo impacto ambiental. O DF localiza-se numa área
ambientalmente muito frágil, aqui estão nascentes importantes das principais bacias hidrográficas
brasileiras; como a nascente do Rio Preto pertencente a bacia do Rio São Francisco, o Rio Maranhão
pertencente a bacia do Tocantins e o Rio São Bartolomeu pertencente a bacia do Paraná. Como pode ser
visto nas imagens todo o DF possui várias nascentes que se encontram ameaçadas tanto pela expansão
urbana sejam pelas intensas atividades agrícolas desenvolvidas no DF.
Evolução urbana em Brasília

Evolução Urbana em Brasília: segregação sócio espacial e desigualdade

Após 52 anos de sua inauguração Brasília é uma cidade muito mais complexa do que o Plano Piloto de
Lúcio Costa. Cidade real com características próprias e com características comuns a outras cidades,
produto de diversas relações, como da sociedade com o espaço, e do espaço com o meio ambiente. A
pesquisadora Juliana Machado Coelho investigou a evolução urbana de Brasília entre os anos 2000 e
2010 para compreender o processo de segregação sócio espacial que mantém estreita relação com a
desigualdade.
A dissertação “Evolução Urbana em Brasília entre 2000 e 2010 - aspectos socioeconômicos,
morfológicos e ambientais da segregação sócio espacial”, da pesquisadora Juliana Machado Coelho, foi
defendida em agosto de 2012 na Universidade de Brasília (UnB). Com orientação do professor Rômulo
José da Costa Ribeiro, o trabalho é mais um resultado da Rede Nacional INCT Observatório das
Metrópoles.
No estudo foram abordados três aspectos para a análise da evolução urbana de Brasília: os aspectos
socioeconômico, morfológico e ambiental – fundamentais para a estruturação de uma cidade. Foi feita
também uma revisão da bibliografia existente sobre a influência da gestão e do planejamento urbano na
formação do espaço urbano e também sobre a caracterização da segregação sócio espacial nos aspectos
estudados e como essa segregação ocorreu em Brasília.
“O objetivo geral da pesquisa foi estudar a evolução urbana em Brasília entre 2000 e 2010,
concentrando-se em três eixos: socioeconômico, configuracional e ambiental (no que tange ao verde
urbano) com o intuito de compreender como essas variáveis impactaram o espaço urbano. Esses aspectos
foram avaliados para verificar se no período entre 2000 e 2010 houve alguma alteração na segregação
sócio espacial já identificada em Brasília por Da Guia (2006), Ribeiro (2008), entre autores”, explica
Juliana.
Segundo a pesquisadora, para a análise foram utilizados mapas axiais de Brasília, dados da PDAD,
dados do Censo de 2000 e de 2010 e imagens do satélite Landsat TM5.

Dentre os objetivos específicos, destaque para:

a) Identificar como as desigualdades se evidenciam espacialmente em cada aspecto estudado; e


b) Analisar se no período houve alterações nos aspectos socioeconômico, morfológico e ambiental da
organização espacial urbana de Brasília em relação à segregação sócio espacial.
“O trabalho procurou compreender a evolução urbana a partir do olhar do urbanista, desse modo
compreender como a organização espacial urbana altera e influencia as relações entre sociedade e
espaço, entre espaço e meio ambiente. Como exemplo dessas relações, está o acesso da população ao
local onde os empregos se concentram, a existência de vegetação em área urbana e as contradições
expressas entre a exclusão e a inclusão social”, argumenta Juliana.

Segregação sócio espacial e periferização

Na década de 1970, um dos processos típicos das grandes cidades brasileiras foi a periferização da
população de baixa renda via especulação imobiliária. Posteriormente a periferia passou a ser ocupada
também por classes de maior renda, como nos condomínios fechados onde há privatização de espaços
tradicionalmente de uso público, como praças e ruas.
Em Brasília, cidade que do ponto de vista da arquitetura e do urbanismo pode ser vista como um ícone
do movimento moderno ao mesmo tempo em que reproduz padrões espaciais existentes em outras
cidades brasileiras, esses dois processos de periferização também ocorreram, porém com
particularidades próprias da cidade que cinquenta anos de existência se tornou uma das grandes cidades
brasileiras. De forma ampla e geral, pode-se dizer que dentre as peculiaridades brasilienses nesse
processo está a forte ação do Estado na periferização da população de menor renda e a abstenção desse
mesmo Estado no controle da ocupação da periferia pelas classes de maior renda.
A forma de ocupação do espaço urbano em Brasília criou diversos vazios existentes entre o Plano Piloto
e as demais Regiões Administrativas que têm sido preenchidos com o aumento da população. A mancha
urbana altamente dispersa e fragmentada tem se expandido, o que resulta na diminuição da vegetação
nativa, o cerrado. Contudo, as características espaciais que produzem e reproduzem as desigualdades
sociais existentes aparentemente não se alteram, a segregação s sócio espacial é evidenciada em diversas
pesquisas urbanas sobre Brasília que apresentam indícios de que a condição de vida é influenciada pela
segregação sócio espacial.
“Por essa razão, a segregação sócio espacial foi abordada a partir da perspectiva da inclusão/exclusão
social. Apesar de não desconsiderar a possibilidade de estudar a segregação sócio espacial por outras
perspectivas, a intenção do trabalho é identificar onde as desigualdades sociais, morfológicas e
ambientais afetam de maneira negativa a condição de vida da população local”, afirma Juliana Machado
Coelho e completa:
“A maioria dos estudos acadêmicos e planos governamentais tratam as questões urbanas relativas aos
aspectos socioeconômico, configuracional e ambiental de forma separada. No trabalho de Ribeiro, o
autor demonstra que em algum momento é inevitável que a situação urbana seja estudada e avaliada de
forma integrada, pois a ‘visão segmentada não permite que a cidade seja compreendida de forma mais
realista e abrangente’, tal necessidade justifica a utilização das três dimensões presentes nesse trabalho”.
Resultados

Em Brasília, a tendência da organização social se refletir no espaço é confirmada pelas diferenças


existentes entre as Regiões Administrativas. Tais diferenças estão presentes desde o início da cidade,
quando a periferia era ocupada, principalmente, pela população mais pobre. Posteriormente, essa
também foi a alternativa encontrada pela classe média e média alta devido ao alto valor e baixa
disponibilidade da terra na região central e seu entorno imediato. Assim, não apenas a população de
baixa renda se estabeleceu na periferia, mas a maior parte da população da cidade se estabeleceu fora
do Plano Piloto.
A comparação dos dados da PDAD - 2004 e da PDAD 2010 permite observar algumas alterações que
representam ganhos, mesmo que pequenos, para a população de menor renda. Porém, quando esses
dados são analisados como um todo se percebe que as desigualdades entre as Regiões Administrativas
são enormes. Há uma clara separação entre as Regiões Administrativas que não é apenas física, a
distância entre elas é social também. É possível identificar concentrações de domicílios de determinadas
classes de renda na maior parte das Regiões Administrativas, também é possível relacionar essa renda
com nível de instrução e posse de bens.
Quando se compara as características da cidade indicadas por Ribeiro para o ano 2000 com as
características da cidade obtidas nesse trabalho percebe-se que quando a cidade é analisada como um
todo, colocando lado a lado aspectos socioeconômicos, morfológicos e ambientais, as pequenas
alterações não foram capazes de alterar as tendências que se desenhavam há dez anos. Entre as
características apontadas por Ribeiro que se mantiveram em 2010 estão a alta dispersão que, apesar de
ter diminuído, manteve-se alta; a cidade ainda é fortemente dependente do sistema viário; a concentração
de empregos e serviços continua na RA I - Brasília; o centro de massa ainda é distante do CCS, apesar
da aproximação de 0,58 km; ausência ou baixa quantidade de áreas verdes e ausência ou baixa atividade
fotossintética nas localidades periféricas.
Da insustentabilidade do Plano Piloto

É muito provável que a grande maioria das pessoas pense que o Plano Piloto de Brasília conta com
aquela sólida fundamentação urbanística que as leis de Planos Diretores oferecem e que a legislação
federal exige. Mas nada disso acontece. Vencido o ano do cinquentenário da inauguração da Nova
Capital, o Plano Piloto permanece desprovido da fundamentação urbanística exigida pela civitas civitatis
do Brasil, núcleo urbano tombado pelo IPHAN, Patrimônio da Humanidade pela UNESCO e também
núcleo [core] de metrópole com mais de três milhões de habitantes. Ao contrário do restante do território
do Distrito Federal, que segue o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal
[PDOT/DF], a urbanização do Plano Piloto não dispõe de fundamentos jurídicos sólidos visto ser
inaplicável e insustentável o marco institucional estabelecido pelo GDF, mediante o Decreto nº 10.829,
de 2 de outubro de 1987, e ratificado pela Portaria 314 do IPHAN, de 08 de outubro de 1992, que são
as normas que sustentam a preservação do plano-piloto de 1957.
A insustentabilidade urbanística que se estabelece a partir do fato de que há duas questões que o Decreto
não responde: [i] qual é o plano-piloto a ser adotado? [ii] quais são as características essenciais de cada
escala urbana? Isso porque o Decreto é um instrumento legal que aprova dois planos urbanos diferentes
[plano-piloto original e plano-piloto construído], como se iguais fossem, para definir o plano diretor da
mesma área urbana. Além disso, estabelece que a concepção urbana da cidade adotará as características
essenciais de conceito urbanístico criado por Lucio Costa [escalas urbanas], mas as características das
escalas nunca foram definidas. Ou seja: o Plano Piloto de Brasília não dispõe dos fundamentos jurídico-
normativos exigidos para promover uma urbanização sustentada.
Pode-se imaginar que algumas pessoas dirão que os argumentos não procedem visto que o Decreto
caducou porque não atende ao Estatuto da Cidade. Vale lembrar que a Lei Orgânica do DF valida o
Decreto e a Portaria quando, em 1996, acrescentou um inciso no Art. 3o da Lei Orgânica, segundo o
qual cabe ao Governo do Distrito Federal:
XI – zelar pelo conjunto urbanístico de Brasília, tombado sob a inscrição nº 532 do Livro do Tombo
Histórico, respeitadas as definições e critérios constantes do Decreto nº 10.829, de 2 de outubro de 1987,
e da Portaria nº 314, de 8 de outubro de 1992, do então Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural –
IBPC, hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.
O Plano Piloto recebe tratamento diferenciado, no PDOT, devido a este inciso da Lei Orgânica. Para
esta área cabe aprovar o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília [PPCUB], cuja
minuta está sendo elaborada por empresa consultora contratada pela SEDUMA/GDF.
Aqui o objetivo maior é analisar, com cuidado e profundidade, o impacto do Decreto no. 10.829/87,
elaborado a partir do texto Brasília Revisitada, como marco urbanístico definido pelo Governo Federal
para preservar os valores urbanos e atender exigência da UNESCO quando do pleito para que o Plano
Piloto de Brasília fosse qualificado como Patrimônio Cultural da Humanidade. Para atender a estes
objetivos caberia elaborar um Decreto conceitualmente sólido para fins de valorizar, preservar e
consolidar os valores urbanos do plano-piloto, segundo as características essenciais de cada escala. Mas,
como se verá, o Decreto não oferece a fundamentação exigida e por isso torna-se necessário refazê-lo
para fins de planejamento e gestão do Plano Piloto. Esta constatação poderá, por certo, colidir com textos
pouco técnicos e muito literários, surgidos ao longo das últimas décadas, mas que não analisam os
equívocos e a precisão conceitual do Decreto Brasília Revisitada. E sobre estas diferenças de pontos de
vista caberá a cada um formular seu juízo.

Os dois planos-piloto de 1957

No transcorrer do ano de 1957, dois planos-piloto foram criados para a Nova Capital do Brasil, ambos
sob a égide de Lucio Costa. O primeiro foi o plano-piloto original selecionado por júri internacional
como vencedor do concurso para a Nova Capital. O segundo foi o plano-piloto que orientou a construção
do Plano Piloto. Os dois projetos são mencionados por Lucio Costa em Brasília 57 – 85: do plano-piloto
ao Plano Piloto, documento cuja redação coordenou, faz trinta anos, para atender o convite de Luis
Cordeiro e Tânia Battella, membros do Governo do Cel. José Ornellas, para que fizesse o “check-up”
urbanístico e apoiasse em ações de gestão e planejamento do Plano Piloto.

Plano-Piloto original – vencedor segundo júri internacional (1957).


Em Brasília 57–85 constam os dois projetos do plano-piloto e Lucio Costa trata desta reformulação do
projeto original ao lembrar que “no início do desenvolvimento do projeto houve sempre a intenção de
fidelidade ao risco original, tanto por parte da Divisão de Urbanismo como das autoridades – respeitar
o plano-piloto era ponto pacífico…”. E destaca: “a Brasília que hoje existe é muito parecida com a
Brasília inventada por seu autor.”. Esta observação caracteriza o fato de o projeto original não
corresponder ao projeto adotado na construção do Plano Piloto porque, ainda em 1957, houve a decisão
de refazer o plano-piloto original e projetar o plano-piloto construído.
Em 1985, Lucio Costa participa da elaboração do Decreto Brasília Revisitada, em cujo texto consta o
plano-piloto original, assim como consta o plano-piloto usado na construção da Nova Capital, que não
é mencionado nos artigos do Decreto, mas cujo mapa é utilizado para definir os perímetros de cada
escala urbana na área do Plano Piloto.
O decreto foi elaborado para atender exigência de parecer do ICOMOS para UNESCO que era
“favorável a inscrição de Brasília na lista do Patrimônio Mundial” desde que adotadas “medidas
mínimas de proteção que garantam a salvaguarda da criação urbana de Costa e Niemeyer.” Face a
aprovação do parecer pelo Conselho da UNESCO, em maio de 1987, foi promulgado o Decreto
10.829/87 para evitar o longo procedimento que envolve a aprovação de leis federais e locais. A base
jurídica do Decreto é a Lei Federal no. 3.751/60, aprovada em 13 de abril para estabelecer “a organização
administrativa do Distrito Federal” e cujo art. 38 foi inserido para atender preocupações quanto à
preservação dos valores urbanísticos, arquitetônicos e culturais do Plano Piloto. Para tanto este artigo
estabelece que: “Qualquer alteração no Plano Piloto, a que obedece a urbanização de Brasília, depende
de autorização de lei federal”. Este texto sustenta o Decreto no10.829/87, publicado em 14/Out/1987 no
Diário Oficial do Distrito Federal, cujo Artigo 1o trata da concepção urbana do plano-piloto e estabelece
que:
Art. 1o. – Para efeito da aplicação da Lei no. 3.751 […] entende-se por Plano Piloto de Brasília a
concepção urbana da cidade, conforme definida na planta em escala 1/20.000 e no Memorial Descritivo
e respectivas ilustrações que constituem o projeto de autoria do Arquiteto Lucio Costa, escolhido como
vencedor pelo júri internacional do concurso para a construção da nova Capital do Brasil.”

Com isso o Decreto incorre em equívoco quando estabelece que o Plano Urbano adotado na construção
do Plano Piloto é aquele escolhido como vencedor pelo júri internacional do concurso. Afirmação que
não corresponde à verdade visto que não foi o que aconteceu. Há significativas diferenças entre a
concepção urbana do projeto aprovado pelo júri internacional e o projeto da Divisão de Urbanismo da
NOVACAP e que foi adotado na construção cidade. Ainda que os dois projetos sejam parecidos do
ponto de vista urbanístico, é impossível tratar dois projetos urbanos parecidos numa mesma norma legal,
como se iguais fossem, dado que não adotam fundamentos jurídicos e administrativos iguais para fins
de planejamento e gestão. Desta forma, Brasília Revisitada sanciona o plano-piloto original [Art.1o] e
consolida, no restante do texto e nos Anexos, o plano-piloto construído.
Plano piloto construído – produto da NOVACAP (1957).

As alterações no projeto original constam em recente artigo de Maria Elisa Costa e podem ser
identificados mediante comparação da Figura 1 com a Fig.2. As alterações do plano-piloto original
envolveram a nova inserção da cidade no território e mudanças em projetos específicos, como a
Plataforma Rodoviária e o entorno. Também foi alterada a localização de atividades e funções urbanas,
como o jardim zoológico e o jardim botânico, de início localizados no Eixo Monumental do plano-
piloto, assim como houve a supressão, criação e realocação de setores, como as Quadras 01.
As alterações do plano-piloto original ao plano-piloto construído foram feitas por equipe da NOVACAP
coordenada por Augusto Guimarães Filho, profissional que sempre trabalhara com Lucio Costa e que
foi por ele indicado para coordenar o desenvolvimento do projeto, a partir de escritório no Rio de Janeiro.
As alterações feitas no projeto inicial da civitas não alteraram a essência urbanística e simbólica, mas
alteraram a condição urbana, o assentamento no território, a infraestrutura, a disposição funcional ao
longo dos eixos viários estruturadores e criaram uma bolha urbana ao distanciar a Estação Ferroviária
da Plataforma Rodoviária.
A sucinta comparação do plano-piloto original com o plano-piloto construído permite dimensionar o
conflito criado pelo Decreto no.10.829/87 quando, 27 anos após a inauguração de Brasília, este oficializa
o plano-piloto original e não aquele adotado na construção de Brasília. Um dúbio paradoxo reforçado
pela inclusão dos dois Planos Urbanísticos como anexos do Decreto no.10.829/87, ao lado de textos de
Lucio Costa que tratam das escalas e de conceitos de natureza geral e de natureza específica.
Por outro lado, é importante lembrar que a proposta original de Lucio Costa correspondeu ao conceito
de Plano Piloto exposto por Le Corbusier em correspondência ao Mal. Jose Pessoa, ainda em 1955.5
Segundo Le Corbusier, “Plano Piloto significa a expressão pelo desenho e pelos textos das ideias de
ordem geral e particular que a minha experiência permite submeter …”. Quanto ao desenvolvimento
deste Plano Piloto, a tarefa caberia aos brasileiros. Ou seja, o conceito de Plano Piloto adotado no Edital
de Licitação para o Projeto da Nova Capital era aquele de Le Corbusier e não correspondia àqueles de
Plano Diretor Urbano adotados nos anos cinquenta.

Alterações no plano piloto.

As alterações feitas no plano-original por autoridades e pela Novacap resultaram em projeto “parecido”,
visto que mantém os fundamentos básicos, mas onde constam fortes alterações funcionais. A Fig.3
sintetiza as mudanças mais vigorosas, visto que apenas a área tracejada corresponde às funções urbanas
originais. Todas as demais áreas urbanas constituem alterações para (i) suprimir a função granjas e
implantar áreas habitacionais unifamiliares, (ii) ocupar áreas sem destinação com atividades funcionais
múltiplas; ou (iii) suprimir área habitacional de superquadras para implantar atividades próprias da área
central.
A relocação de atividades urbanas e redefinição de padrões urbanísticos levou a criação de dois planos-
pilotos “parecidos”, como diz Lucio Costa, mas diferentes quanto a concepção urbana e totalmente
diferentes quanto a exigências administrativas, jurídicas, de planejamento e de gestão. Este fato
caracteriza a fragilidade do marco normativo visto que, juridicamente, todo e qualquer plano urbanístico
constitui um todo único e diferenciado.
Face estas observações seria necessário promover uma fundamentada e urgente revisão do Artigo 1o do
Decreto no 10. 829/87, quanto à concepção urbanística de Brasília, para que o plano-piloto seja único,
dotado de fundamentos conceituais sólidos e corresponda às exigências de marco urbanístico do Plano
Piloto do Distrito Federal.
Características Essenciais de cada Escala Urbana

O Decreto Distrital de no 10.829/87, que regulamenta a Lei Federal de no 3751/60, também exige a
definição das características essenciais de cada escala urbana, para que estas possam ser aplicadas no
planejamento e gestão do Plano Diretor, visto que seu Art. 2º estabelece que:
Art. 2º – A manutenção do Plano Piloto será assegurada pela preservação das características essenciais
de quatro escalas distintas em que se traduz a concepção urbana da cidade: a monumental, a residencial,
a gregária e a bucólica.
Mas estas características essenciais ainda não foram definidas e são poucos os que sabem que Lucio
Costa só criou seu conceito de escalas urbanas e de jogo de escalas no final de 19616. Quase dois anos
depois de sancionado o mencionado artigo 38 da Lei federal no 3.751/60 e inaugurada a Nova Capital.
A teoria das escalas urbanas foi criada para explicar a concepção original do plano-piloto e a menção
feita no Artigo 2O. implica em que estas características essenciais devam ser definidas. Mas decorridos
mais de trinta anos de vigência do Decreto, as escalas urbanas permanecem sem definição e nesta
condição não há como aplicá-las. Com isso se estabelece a segunda insustentabilidade do Decreto
Brasília Revisitada, visto que até hoje não foram definidas as funções e atividades urbanas que
correspondem a cada escala urbana, o que impede sua aplicação na práxis da gestão urbana, em especial
quanto a promover zoneamento que defina os territórios onde cada escala urbana é dominante e qual o
jogo de escalas que deverá ser promovido.
A inocuidade do Art. 2o. quanto as escalas urbanas reforça a confusão criada pelo Decreto no 10.829/87
no planejamento e gestão do Plano Piloto, uma constatação que talvez colida com apressadas conclusões
de especialistas pouco familiarizados com a teoria da escala urbana criada como fundamento teórico
para justificar projetos de 1957.
Para Lucio Costa, a prática é o plano-piloto, a teoria é a escala urbana, mas por ora, a teoria das escalas
urbanas permanece inócua porquanto incompleta. E assim permanecerá enquanto não forem definidas
as características essenciais da cada escala, quais sejam a monumental, a residencial, a gregária e a
bucólica.

Concepção Urbanística de Brasília.


As definições disponíveis, como aquelas feitas por Lucio Costa para o anexo do Decreto Brasília
Revisitada, oferecem adjetivos e exemplos que não atendem às exigências mínimas da ciência
urbanística porque não indicam funções e usos, nem os padrões de urbanização que correspondem a
cada escala no território do Plano Piloto. A exigência quanto a conceituação das escalas consta no art.
2o. do Decreto, mas como o conceito não foi definido, não há como saber do que se trata e como será
delimitado o território para sua aplicação. A Fig.4 apresenta o território de cada escala como definido
faz um quarto de século. Desde então os perímetros permanecem congelados e tornou-se impossível
estabelecer um jogo de escalas destinado, segundo Lucio Costa em 1961, a “caracterizar e dar sentido a
Brasília para a cidade tomar verdadeiramente pé.”

Proposta de atualização da escala monumental.

O fato de que, ao longo quase meio século, a teoria tenha sido muito citada e nunca aplicada se deve,
também, ao próprio Lucio Costa na medida em que não detalhou e desenvolveu a teoria que criara para
sustentar os planos-piloto. Embora cite e descreva os valores de cada escala, ele não ofereceu
fundamentação urbanística sólida e substantiva. Mesmo no Anexo I do Decreto Brasília Revisitada, não
trata a questão de forma urbanisticamente adequada. Observe-se que neste Anexo irá indicar a escala
monumental como igual ao caráter monumental, uma definição que contraria o Relatório de 1957, onde
não consta a palavra escala e onde é dito que caráter monumental abrange todo Plano Piloto – “não no
sentido da ostentação, mas no sentido da expressão palpável […] consciente daquilo que vale e
significa”. Em contrapartida, a escala monumental é indicada para uma parcela menor do Plano Piloto.
Esta ambiguidade conceitual talvez tenha motivado Maria Elisa Costa a rever o conceito e sua
territorialidade, e elaborar proposta para ampliação da área da escala monumental de forma a abrigar
três categorias de monumental: de elementos determinantes, de elementos incorporados e de elementos
complementares. Seguindo esta linha de pensamento, no final de 2010 incorporei e ampliei sua proposta
territorial para escala monumental e apresentei a sugestão de novo perímetro aos membros do
CONPLAN/DF.
Questões conceituais e dúvidas semelhantes envolvem o entendimento e as funções que caracterizam o
território da escala gregária e da bucólica. No Anexo de Brasília Revisitada, Lucio Costa conceitua a
escala bucólica como território de “extensas áreas livres, para serem arborizadas ou guardando a
cobertura vegetal nativa, diretamente contígua a áreas edificadas.” Bem mais tarde define a escala
bucólica como sendo aquela destinada” ao lazer”, mas não é isto que consta no Decreto Brasília
Revisitada.
Como ocorre em toda e qualquer cidade viva, as normas rígidas e desatualizadas deste Decreto não
impediram as expansões e mudanças funcionais no Plano Piloto, como a que se observa na expansão do
território destinado à escala monumental sobre o território da escala bucólica, que ocorre sob a égide da
excepcionalidade concedida a Oscar Niemeyer, cujo escritório está legalmente capacitado para ignorar
o Decreto Brasília Revisitada.
Conclusão

Como conclusão pode-se dizer que os fundamentos do Decreto Brasília Revisitada, marco jurídico que
rege a urbanização do Plano Piloto, não são sólidos, consistentes ou adequados. Por um lado, porque
adota dois planos urbanos parecidos, mas diferentes, como Plano Piloto de Brasília. Por outro lado,
porque não estabelece as características essenciais das escalas urbanas, conceitos urbanísticos
fundamentais para sustentação do planejamento e da gestão do Plano Piloto. Como resultado, há uma
fragilidade normativa e urbanística, que é reforçada por não estarem sendo cumpridas as exigências da
legislação federal, em especial o Estatuto da Cidade.
Nestas condições é fundamental, para que o Plano Piloto seja preservado, fortalecido e que tenha suas
funções consolidadas, que se defina o plano urbano, o plano-piloto que rege sua urbanização e quais as
características essenciais e as funções de cada escala urbana, para após definir o perímetro em que cada
escala será dominante no respectivo território e qual o jogo das escalas que será fomentado e permitido
no tecido urbano do Plano Piloto. Este é o desafio que planejadores urbanos, juristas, arquitetos,
urbanistas e ambientalistas, entre outros, devem enfrentar para preservar os valores da civitas civitatis
nacional.
É conclusivo que o espaço público de Brasília, como um ideal de urbanização de seus criadores e
projetistas, se tornou um espaço de segregação planejada, como afirma Aldo Paviani.
O que se percebe é que aos construtores da capital não foi facultado o direito de habitar o mesmo espaço
dos moradores, para estes, o Plano Piloto, com os prédios futuristas de Oscar Niemeyer, para os que
trabalharam na construção dos prédios, as cidades satélites, não idealizadas, desorganizadas, afastadas
do Plano Piloto. Os espaços de Brasília construídos para abrigar um habitante universal, que não seria
objeto de distinção de classes, geraram, desde o início a segregação sócio espacial que ainda hoje
envolve a cidade, de acordo com a linha de pensamento de Pedro de Andrade.
No Plano Piloto não se nota a convivência de pessoas de diferentes classes sociais. “A segregação
espacial acaba por deixar transparecer o forte caráter da desigualdade social típica do Brasil, no espaço
urbano de Brasília”, segundo Natália Cruz, ou seja, aquele mesmo planejado para ser, de acordo o
urbanista Lucio Costa, “cidade planejada para o trabalho ordenado e eficiente, mas ao mesmo tempo
cidade viva e aprazível”.
É fato ainda que os que vieram para a Nova Capital, principalmente dos estados de Minas Gerais e
Goiás, expulsos pela modernização em suas localidades de origem, foram atraídos pela modernização
que fez a nova capital, mas nela não se integram socialmente, como afirma Cristovam Buarque.
É possível, portanto, compreender que a exclusão começada na terra natal dos construtores continua em
Brasília, a “Capital da Esperança”.
Pela lógica da urbanização seria possível compreender que ela se deve ao crescimento desenfreado,
desorganizado, não planejado, pelo grande volume populacional. Mas, como explica Aldo Paviani,
“mesmo sem existir nenhuma edificação no território do Distrito Federal e todas as terras serem públicas
as primeiras aglomerações urbanas, que mais tarde se transformaram nas cidades satélites, distavam do
Plano Piloto mais de 30 km”.
O próprio urbanista Lucio Costa confirma tal pensamento, ao imaginar que “seriam criadas na periferia
cidades satélites, pequenas, complementares, para evitar aqueles fragmentos suburbanos que é sempre
desagradável, desmoralizante... a cidade estava bem definida, depois surgiriam nessa periferia pequenas
cidades, esse foi o esquema”.
O que se percebe é que há uma clara diferenciação no processo de usufruto de bens e serviços públicos
na Capital Federal, além de integração social. As pessoas dentro do projeto Plano Piloto de Lucio Costa
estão agregadas, enquanto as outras, que vivem nas cidades satélites precisam se locomover para
acessarem seus direitos mínimos.
O espaço urbano não permite a manifestação de um tipo específico de espaço público. A formação do
Plano Piloto e a consequente “formação” das cidades satélites, além de observações nos dias atuais
demonstra que o planejamento urbano de Brasília pode ser considerado responsável pela configuração
intrínseca, “fria” que ela exibe, aos estrangeiros, aos brasileiros, em especial, aos próprios brasilienses.
REFERÊNCIAS

Observatório das Metrópoles, Evolução Urbana em Brasília. Disponível em:


<http://www.observatoriodasmetropoles.net/index.php?option=com_k2&view=item&id=351:evolu
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Senado Federal, Brasília tem 2,6 milhões de habitantes e a maior renda 'per capita' do país. Disponível
em: <http://www.senado.gov.br/noticias/especiais/brasilia50anos/not01.asp>. Acesso em: 28 de
abril de 2016.

FGV, Brasília e o paradigma modernista: planejamento urbano do moderno atraso. Disponível em:
<https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/brasilia/trabalhos/OLIVEIRA_noPW.pdf>. Acesso em: 28 de
abril de 2016.

Unicamp, Análise multitemporal do desenvolvimento urbano do Distrito Federal. Disponível em:


<http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_572.pdf>. Acesso em: 28 de
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Uniceub, Planejamento Urbano do Distrito Federal. Disponível em:


<http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/3521/3/9808924.pdf>. Acesso em: 28 de abril
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Uniceub, Espaço Urbano – Espaço Público A Construção de Espaços de Alteridade em Brasília.


Disponível em: <http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/1090/2/20654483.pdf>. Acesso
em: 28 de abril de 2016.

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