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1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o país passou por mudanças profundas em sua estrutura social,
com significativa redução na desigualdade de renda e na pobreza. A desigualdade
de renda, medida pelo coeficiente de Gini, declinou 13,7% entre 1990 e 2012,
passando de 0,61, em 1990, para 0,53, em 2012. No mesmo período, a taxa de
pobreza alcançou patamares historicamente baixos. Em 1990, essa taxa, que era
de 41,9%, passou para 15,9%, em 2012 (Ipea, 2013).
A despeito dos significativos avanços na redução da desigualdade de renda e
da pobreza, desigualdades sociais na utilização de serviços de saúde são amplamente
verificadas na literatura brasileira (Campino et al.,1999; Almeida et al., 2000;
Travassos et al., 2000; Travassos, Oliveira e Viaca, 2006; Nunes et al., 2001; Barros
e Bertoldi, 2002; Neri e Soares, 2002; Diaz, 2003; Noronha e Andrade, 2001;
Andrade et al., 2011; Palermo, Portugal e Souza, 2005), despertando, assim,
o interesse em conhecer seus determinantes.
1. Economista no Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene) do Banco do Nordeste. E-mail:
<jacquelinecambota@hotmail.com>.
2. Professora titular no Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo (FEA/USP). E-mail: <frocha@usp.br>.
220 pesquisa e planejamento econômico | ppe | v. 45 | n. 2 | ago. 2015
3. Evidências de risco moral na utilização de serviços de saúde podem ser encontradas em Andrade e Maia (2009)
e em Maia, Andrade e Oliveira (2004).
Determinantes das Desigualdades na Utilização de Serviços de Saúde: análise para o Brasil e regiões 221
4. O enfoque de decomposição do índice de concentração em saúde foi anteriormente aplicado por Wagstaff,
Van Doorslaer e Watanabe (2003) para analisar as causas na malnutrição no Vietnã. Em trabalho mais
recente, Van Doorslaer, Koolman e Jones (2004) utilizam esse mesmo enfoque para explicar as desigualdades
no uso de cuidados médicos na Europa.
222 pesquisa e planejamento econômico | ppe | v. 45 | n. 2 | ago. 2015
, (1)
, (2)
. (3)
Esse valor indica a quantidade de cuidado médico que a pessoa deveria receber
se fosse tratada como as outras que, em média, possuem as mesmas características.
A estimativa do uso padronizado pelas necessidades , necessária para cálculo
do índice de iniquidade, será obtida como a diferença entre a utilização efetiva e
a utilização “x-esperada” mais a média do observado:
. (4)
224 pesquisa e planejamento econômico | ppe | v. 45 | n. 2 | ago. 2015
, (5)
6. A prova utiliza o teorema de Rao (1969) da literatura de desigualdade de renda, como feito por Podder (1993).
7. Essas elasticidades denotam a mudança percentual em resultante de uma mudança percentual em .
Determinantes das Desigualdades na Utilização de Serviços de Saúde: análise para o Brasil e regiões 225
. (6)
(7)
QUADRO 1
Definição das variáveis de utilização
tconsulta Soma das duas questões referentes à consulta médica (utilização total).
tinternacao Soma das duas questões referentes à internação hospitalar (utilização total).
(Continua)
9. As doze doenças crônicas abordadas nos questionários são: doença de coluna ou costas; artrite ou reumatismo;
câncer; diabetes; bronquite ou asma; hipertensão; doença do coração; insuficiência renal crônica; depressão;
tuberculose; tendinite ou tenossinovite; e cirrose.
10. As informações sobre condição de atividade (economicamente ativa ou economicamente inativa), ocupação
(ocupados ou desocupados) e posição na ocupação se referem à semana de referência.
11. Foram tomadas como referências as seguintes categorias: m10_17 (homem com idade entre 10 e 17 anos); estado de
saúde muito bom; sem instrução ou menos de um ano de estudo; economicamente inativo; e residente na região Nordeste.
Determinantes das Desigualdades na Utilização de Serviços de Saúde: análise para o Brasil e regiões 227
(Continuação)
Variáveis de necessidade
Variáveis sociais
12. Os resultados não são apresentados , mas podem ser obtidos diretamente com os autores.
13. No Negbin II, a variância é uma função quadrática da média , enquanto no Negbin I, a variância é
proporcional à média .
14. Para mais detalhes sobre o plano amostral da Pnad, ver Silva, Pessoa e Lila (2002) e, acerca do procedimento de
cálculo dos desvios-padrão por boostrap em amostras complexas no Stata, consultar Neder (2010).
Determinantes das Desigualdades na Utilização de Serviços de Saúde: análise para o Brasil e regiões 229
5 RESULTADOS EMPÍRICOS
TABELA 1
Brasil, regiões e UFs: índices de desigualdade na utilização total de consultas médicas
e internações hospitalares (2008)
Consultas médicas Internações hospitalares
Brasil, regiões e UFs
IC IHwv IC IHwv
0,0738*** 0,0797*** -0,0256*** -0,00355
Brasil
(0,00271) (0,00254) (0,00726) (0,00730)
0,0659*** 0,0587*** -0,0399** -0,0212
Norte
(0,00674) (0,00610) (0,0200) (0,0181)
0,0508*** 0,0706*** -0,0638 -0,0299
Rondônia
(0,0160) (0,0150) (0,0411) (0,0387)
0,0755*** 0,0676*** 0,00915 0,0538
Acre
(0,0249) (0,0230) (0,0557) (0,0529)
0,0549*** 0,0486*** -0,0146 -0,0155
Amazonas
(0,0153) (0,0136) (0,0659) (0,0622)
-0,000584 -0,00932 -0,0110 0,00373
Roraima
(0,0207) (0,0162) (0,0527) (0,0515)
(Continua)
15. As pessoas que estiveram ao menos um dia internada representam apenas 7,2% da amostra total (Pnad 2008).
16. Usuários de planos de saúde possuem, em média, menor número de dias de internação do que os usuários do SUS,
o que, normalmente, é atribuído às políticas dos planos de saúde.
Determinantes das Desigualdades na Utilização de Serviços de Saúde: análise para o Brasil e regiões 231
(Continuação)
Consultas médicas Internações hospitalares
Brasil, regiões e UFs
IC IHwv IC IHwv
0,0883*** 0,0738*** -0,0383 -0,0241
Pará
(0,0114) (0,0100) (0,0236) (0,0206)
0,0790*** 0,0943*** -0,0251 0,00105
Amapá
(0,0242) (0,0204) (0,166) (0,162)
0,0209 0,0113 -0,0799* -0,0654
Tocantins
(0,0138) (0,0137) (0,0411) (0,0415)
0,0933*** 0,0705*** -0,0104 -0,0180
Nordeste
(0,00453) (0,00477) (0,0117) (0,0112)
0,0265 0,0236 -0,0650* -0,0366
Maranhão
(0,0192) (0,0209) (0,0373) (0,0370)
0,0907*** 0,0530*** 0,0102 -0,0248
Piauí
(0,0110) (0,0120) (0,0256) (0,0250)
0,117*** 0,0772*** 0,0502*** 0,0136
Ceará
(0,00799) (0,00834) (0,0193) (0,0190)
(Continuação)
Consultas médicas Internações hospitalares
Brasil, regiões e UFs
IC IHwv IC IHwv
0,0321*** 0,0585*** -0,0409** 0,00377
Sul
(0,00557) (0,00571) (0,0175) (0,0177)
0,0270*** 0,0625*** -0,0786*** -0,0254
Paraná
(0,00879) (0,00878) (0,0236) (0,0238)
-0,000658 0,0252* 0,00877 0,0501**
Santa Catarina
(0,0145) (0,0147) (0,0280) (0,0248)
0,0557*** 0,0783*** -0,0132 0,0261
Rio Grande do Sul
(0,00933) (0,00730) (0,0288) (0,0287)
0,0628*** 0,0836*** -0,0444*** -0,00631
Centro-Oeste
(0,00735) (0,00660) (0,0151) (0,0148)
TABELA 2
Brasil: contribuição dos determinantes da utilização para a desigualdade no cuidado
com a saúde (2008)
Consultas médicas Internações hospitalares
(Continuação)
Consultas médicas Internações hospitalares
GRÁFICO 1
Brasil e regiões: decomposição da desigualdade na probabilidade de contatar
consultas médicas (2008)
0,12
0,10
0,08
0,06
0,04
0,02
0,00
-0,02
Centro-Oeste Sul Sudeste Nordeste Norte Brasil
Necessidades Renda Escolaridade
Condição de atividade Plano Desigualdade regional
Residual
18. Como comentado anteriormente, os grupos de renda mais alta possuem mais acesso a diagnósticos, o que
também explica o peso desse determinante como variável explicativa do uso de consultas. Esse resultado, contudo,
provavelmente representa apenas mais acesso ao diagnóstico pelos mais ricos, e não menos incidência de doenças
crônicas nos mais pobres.
Determinantes das Desigualdades na Utilização de Serviços de Saúde: análise para o Brasil e regiões 237
GRÁFICO 2
Brasil e regiões: decomposição da desigualdade na frequência de consultas médicas (2008)
0,08
0,06
0,04
0,02
0,00
-0,02
-0,04
Centro-Oeste Sul Sudeste Nordeste Norte Brasil
Necessidades Renda Escolaridade
Condição de atividade Plano Desigualdade regional
Residual
GRÁFICO 3
Brasil e regiões: decomposição da desigualdade na probabilidade de contatar
internações hospitalares (2008)
0,06
0,04
0,02
0,00
-0,02
-0,04
-0,06
-0,08
Centro-Oeste Sul Sudeste Nordeste Norte Brasil
Necessidades Renda Escolaridade
Condição de atividade Plano Desigualdade regional
Residual
GRÁFICO 4
Brasil e regiões: decomposição da desigualdade na frequência de internações
hospitalares (2008)
0,04
0,03
0,02
0,01
0,00
-0,01
-0,02
-0,03
-0,04
Centro-Oeste Sul Sudeste Nordeste Norte Brasil
Necessidades Renda Escolaridade
Condição de atividade Plano Desigualdade regional
Residual
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste artigo foi mensurar a equidade na utilização de serviços de saúde
(consultas médicas e internação hospitalar) e determinar quais fatores contribuíram
para aumentar ou diminuir a desigualdade usando dados da Pnad de 2008.
Inicialmente foram calculados ICs da distribuição não padronizada do número
de consultas médicas e do número de internações hospitalares e índices de iniquidade
horizontal, que nada mais são do que ICs da distribuição padronizada das variáveis de
utilização. Os índices de iniquidade horizontal mensuram as desigualdades levando
em conta fatores demográficos (idade e gênero) e características de morbidade.
Medem, assim, as desigualdades consideradas injustas, como as decorrentes da
renda. Dada a diferença regional na distribuição da oferta de recursos, os índices
foram construídos também para cada região e UF.
Determinantes das Desigualdades na Utilização de Serviços de Saúde: análise para o Brasil e regiões 239
ABSTRACT
The aim of this paper is to measure and explain income-related inequalities in health care
utilization (doctor visits and hospitalization) and establish which factors contributed to increase
or decrease inequality in health care using data from Pnad 2008. Initially no-standardized and
need-standardized concentration indices (horizontal inequity index) were built for Brazil and
its regions. The results indicate pro-rich inequity in the utilization of doctor visits and a greater
degree of inequity in the North and Northeast regions. On the other hand, there is no evidence
of inequity in hospital care utilization. The decomposition analysis shows that the contributions of
need determinants are mostly pro-poor, while the contributions of social determinants are more
diversified. Income, education, and health insurance contribute to increase the pro-rich distribution
of doctor visits and reduce the distribution of pro-poor hospital care. The work activity status
contributions are mostly pro-poor since the opportunity cost of seeking healthcare is higher among
the economically active.
Keywords: healthcare utilization; horizontal inequity; decomposition.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, C. M. et al. Health sector reform in Brazil: a case study of inequity.
International Journal of Health Services, v. 30, n. 1, p. 129-162, 2000.
ALMEIDA, G. et al. Analysis of the evolution and determinants of income-related
inequalities in the Brazilian health system: 1998-2008. Revista Panamericana de
Salud Pública, v. 33, n. 2, p. 90-97, 2013.
19. Macinko e Lima-Costa (2012) e Almeida et al. (2013) também encontram evidência de que as maiores contribuições
para o viés pró-rico na utilização de cuidados de saúde são a renda, a presença de plano de saúde e a localização geográfica.
Determinantes das Desigualdades na Utilização de Serviços de Saúde: análise para o Brasil e regiões 241
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
NORONHA, K. V. M. S.; ANDRADE, M. V. Desigualdade social no acesso aos
serviços de saúde na região Sudeste do Brasil. In: SEMINÁRIO DE ECONOMIA
MINEIRA, 10., 2002, Diamantina. Anais... Diamantina: Cedeplar, 2002. Disponível em:
<http://goo.gl/0joh9B>. Acesso em: 5 out. 2010.
PAIM, J. et al. The Brazilian health system: history, advances and challenges.
The Lancet, v. 377, p. 1778-1797, 2011.