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A aliança do Pacífico e o tabuleiro geopolítico sul-americano

Article  in  Confins · April 2018


DOI: 10.4000/confins.12994

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Confins
Revue franco-brésilienne de géographie / Revista
franco-brasilera de geografia
35 | 2018
Número 35

A aliança do Pacífico e o tabuleiro geopolítico


sul-americano
L'alliance du Pacifique et l'échiquier géopolitique sud-américain
The Pacific alliance and the south american geopolitical chessboard

Tales Henrique Nascimento Simões

Edição electrónica
URL: http://journals.openedition.org/confins/12994
DOI: 10.4000/confins.12994
ISSN: 1958-9212

Editora
Hervé Théry

Refêrencia eletrónica
Tales Henrique Nascimento Simões, « A aliança do Pacífico e o tabuleiro geopolítico sul-americano »,
Confins [Online], 35 | 2018, posto online no dia 18 abril 2018, consultado o 08 maio 2018. URL : http://
journals.openedition.org/confins/12994 ; DOI : 10.4000/confins.12994

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A aliança do Pacífico e o tabuleiro geopolítico sul-americano 1

A aliança do Pacífico e o tabuleiro


geopolítico sul-americano
L'alliance du Pacifique et l'échiquier géopolitique sud-américain
The Pacific alliance and the south american geopolitical chessboard

Tales Henrique Nascimento Simões

1 A configuração da geopolítica mundial


desde o fim da Guerra Fria vem passando
por mudanças rápidas e complexas que
sugerem o advento de uma nova ordem
mundial. Neste novo cenário, em que a
multipolaridade ganha terreno, a América
do Sul vem se tornando um novo tabuleiro
geopolítico, sobretudo a partir do início do
século XXI, em um cenário que manifesta a
maior autonomia dos países da região, o
declínio da onipresente hegemonia dos
Estados Unidos e o crescimento da
presença da China. A reconfiguração da
ordem econômica, política e estratégica
compreende o advento e o fortalecimento de uma série de processos de integração
regional de cunho econômico-comercial, como a União Europeia, o NAFTA (Acordo de
Livre-Comércio da América do Norte) e o Mercosul. O advento da Organização Mundial do
Comércio (OMC), em 1995, consagrou o estímulo à liberalização do comércio mundial
lastreado em regras e os estados passaram a ter no comércio novas oportunidades para
seu projeto de desenvolvimento. As iniciativas regionais tornaram-se instrumentos
essenciais para a consecução dessas novas perspectivas, mas a conformação dos projetos
de integração implicou o surgimento de agrupamentos com visões nem sempre conexas.

“Nos últimos anos, sobretudo, a intensificação do processo de integração


regional tem desencadeado movimentos de natureza político-estratégico (ou
simplesmente geopolíticos) de diversas ordens e direções, em que alguns

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tendem à convergência, outros à dispersão e, outros ainda, no limite, ao


antagonismo” (COSTA, 2007, p.1).

2 A América do Sul, em particular, é uma região prolífica no que se refere às tentativas de


consolidar a integração entre seus países. Desde o início do século XX uma integração
institucionalizada vem sendo intentada por diversas iniciativas, com maior ou menor
grau de complexidade, como o Pacto ABC, sugerido pelo Barão do Rio Branco, a ALALC
(Associação Latino-Americana de Livre Comércio), de 1960, o Pacto Andino, de 1969, o
Tratado de Cooperação Amazônica, de 1978, a ALADI (Associação Latino-Americana de
Integração), de 1980, o Grupo de Cartagena, de 1984, e o Grupo do Rio, de 1986. Tais
arranjos não lograram superar os antagonismos e as assimetrias existentes entre os países
da região, ao prescindirem de uma sólida institucionalização que pudesse de fato
aproximar os Estados sul-americanos. A partir do Mercosul, entretanto, o entusiasmo pela
proliferação de iniciativas regionais marcou a América do Sul no bojo dos processos de
regionalização que ocorriam pelo mundo.
3 O início do século XXI assistiu ao relativo declínio da era econômica neoliberal na
América do Sul que havia imperado na região na década de 1990, com a ascensão
democrática de governos considerados progressistas e propensos à busca de maior
autonomia. Como corolário, o pensamento pró-integração ganharia terreno ao longo da
década de 2000, e atingiria seu auge ao consubstanciar a União de Nações Sul-Americanas
(Unasul), em 2008, e, ainda, alargando seu escopo geográfico ao envolver os demais
estados latino-americanos e caribenhos, com a criação da Comunidade de Estados Latino-
Americanos e Caribenhos (CELAC), em 2011.
4 O impulso integracionista ainda seria secundado pela pretensão da Venezuela, durante o
governo de Hugo Chávez, de promover e liderar iniciativas regionais, das quais a ALBA
(Aliança Bolivariana para os Povos de nossa América), de 2004, é a mais emblemática. A
Venezuela buscou consolidar um paradigma geopolítico que além de servir como
instrumento para alavancar seu posicionamento como potência regional – com
importante contribuição dos recursos advindos da alta do petróleo –, consolidou o país
como um garante da integração sul-americana.
5 Na contramão dos acordos de integração regional da última década e meia, foi lançada,
poucos meses antes da constituição da CELAC, a Aliança do Pacífico (AP), quando seus
membros - Chile, Colômbia, Peru e México - estavam presididos por governos liberais.
Trata-se de países de economia aberta que lançam mão de uma estratégia comum para o
mercado internacional, por meio de uma integração nos moldes do regionalismo aberto,
em clara antinomia com o Mercosul. Seu objetivo principal consiste em promover ações
conjuntas de modo a permitir uma cooperação comercial mais dinâmica entre seus
membros e uma aproximação mais estreita com a Ásia-Pacífico, nova força motriz da
economia mundial.
6 A Aliança do Pacífico pode ser percebida como uma reação às iniciativas de integração em
curso na América do Sul, as quais visam dotar seus países de maior autonomia
extrarregional, alijando a presença das potências tradicionais nos seus processos de
decisão. O antagonismo entre os projetos de integração regional, em particular entre
Mercosul e Aliança do Pacífico, resulta inexoravelmente na fragmentação da América do
Sul, permitindo a influência e a atuação de potências externas. Assim, a AP demonstra ser
um valioso instrumento das disputas por influência geopolítica das grandes potências,

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A aliança do Pacífico e o tabuleiro geopolítico sul-americano 3

concorrendo para maior vulnerabilidade e enfraquecimento dos países da região e


atuando como óbice à solidificação do projeto regional sul-americano.
7 Neste artigo, analisa-se o cenário atual da região sul-americana e a reconfiguração de
ordem econômica, política e estratégica de considerável magnitude por que vem
passando. Ademais, observa os interesses geopolíticos de diversas ordens defrontados na
América do Sul, que envolvem os EUA - potência influente tradicional –, a China, potência
em ascensão que se manifesta sobretudo através do comércio, o México, país sequioso por
expandir sua influência de potência média e o Brasil, que pretende exercer uma
hegemonia na América do Sul por meio de projetos de integracionistas.

A Aliança do Pacífico e as pretensões


geopolíticas de seus membros
8 A Aliança do Pacífico foi criada por México, Chile, Colômbia e Peru em 28 de abril de 2011
e formalizada em 6 de julho de 2012 através da assinatura do Acordo Marco na cidade de
Antofagasta, no Chile. O ponto basilar do acordo, alicerçado no regionalismo aberto é a
remoção de tarifas de 92% dos bens comercializados entre os Estados Parte a partir da
entrada em vigor do acordo constituinte, de modo a gerar um mercado que assegure a
estabilidade econômica diante das vulnerabilidades da economia mundial (DEL PACÍFICO,
2014).

Figura 1: Aliança do Pacífico

Fonte: El País Digital1

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Tabela 1: Dados da Aliança do Pacífico (2016)

9 Dentre seus membros, o México é o país mais industrializado, um exportador de produtos


manufaturados que busca diminuir sua dependência em relação aos EUA. Por sua vez,
Chile, Peru e Colômbia são economias exportadoras de matérias-primas e minerais,
dependentes do consumo de países como a China, e que, diante do risco de primarização
de suas economias, buscam estabelecer cadeias de valor global e fortalecer seu mercado
intrarregional, que os liberte da dependência estrutural de atividades extrativistas e
permitam reduzir suas vulnerabilidades frente à demanda do mercado internacional.
10 A geopolítica é, inegavelmente, uma variável pertinente no posicionamento internacional
dos países-membros da AP. O México, por sua posição geopolítica, faz parte da estratégia
de segurança dos EUA. Seu envolvimento no NAFTA não se restringe à esfera econômica-
comercial. Ainda que seja sempre incluído como parte da América Latina, seu ingresso no
NAFTA, em 1992, foi percebido como um alijamento da região. A crise financeira de 2008,
que teve nos EUA seu epicentro, impeliu o México a buscar novos parceiros comerciais.
Em razão da estrutural dependência mexicana da economia dos EUA (para a qual
exportou 81% de seus produtos em 20162), o México sofreu de forma avassaladora com a
crise de seu poderoso vizinho ao norte, com forte retração econômica e aumento da
pobreza.
11 Essa busca por novos parceiros comerciais havia sido iniciada ainda na administração de
Felipe Calderón (2006-2012), que enfrentou o pior momento da crise, com a celebração de
acordos de livre-comércio e a constituição da Aliança do Pacífico. Essa agenda foi
impulsionada com a eleição do governo de forte tendência liberal de Enrique Peña Nieto,
em 2012. No processo de projeção externa da economia mexicana, Peña Nieto, de acordo
com Pastrana Buelvas (2015), planejou um projeto ambicioso para seu país: transformá-lo
em uma potência econômica emergente e em um ator com responsabilidade global. A
busca de maior projeção política e econômica na América do Sul é, por certo, um
componente significativo para que o México possa auferir maior prestígio na esfera
internacional.
12 Nesse diapasão, a Aliança do Pacífico consiste também em um mecanismo para fortalecer
as pretensões geoeconômicas e geopolíticas mexicanas na América do Sul. Na economia, o
agrupamento deve contribuir para manter ou mesmo exacerbar o superávit comercial do
México com os demais membros da AP, por meio das exportações de produtos
manufaturados, mitigando relativamente o peso da dependência econômica dos EUA. O
México tem na AP um instrumento para o recrudescimento de seu papel político e
estratégico na América do Sul, de modo a contrabalançar a influência do Brasil e da
Argentina. Em um cenário em que as desconfianças sobre a atuação dos EUA na América
do Sul são historicamente presentes, o México buscar tirar proveito para atuar como
conciliador entre os EUA e a América do Sul.

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13 A aproximação comercial com a China vem rendendo resultados auspiciosos para a


economia mexicana, um país com costas para dois oceanos, que vem apostando no
desenvolvimento econômico e social do Pacífico desde os anos 1980, com a construção de
portos profundos, como os portos de Lázaro Cárdenas e Puerto Vallarta. No entanto, o
avanço do vínculo com os chineses está evidentemente subordinado às boas relações
entre China e EUA, devido à dependência mexicana deste último, sobretudo através do
NAFTA. Esta dificuldade revela a necessidade mexicana de forjar um novo relacionamento
com a América do Sul, aumentando suas relações econômicas e tornando-se cada vez mais
influente geopoliticamente, em seu esforço para consolidar seu papel de potência
emergente, no qual a AP tem papel crucial.
14 A Colômbia, desde a última década, vem se aproximando gradualmente da Ásia-Pacífico e
dos países do Pacífico latino-americano. O país negligenciou sua diplomacia comercial por
muito tempo, com o fechamento de representações diplomáticas na Ásia durante a gestão
Álvaro Uribe (2002-2010). O governo atual, de Juan Manuel Santos, tenta reverter essa
tendência isolacionista com a reabertura de algumas representações de modo a fortalecer
a participação colombiana na economia asiática, como em Singapura e na Indonésia.
15 Decerto, em razão da sua proximidade e sua aliança com os EUA, a Colômbia enfrenta a
mesma dificuldade do México: a dependência estrutural dos estadunidenses, que a torna
vulnerável e prejudica sua projeção externa. Com efeito, seus esforços para intensificar as
relações políticas e econômicas com os países asiáticos e com seus vizinhos sul-
americanos são tolhidos em função da sua submissão aos acordos com os EUA.
16 Internamente, a Colômbia enfrenta duas questões cruciais que obstaculizam sua
aproximação com a Ásia-Pacífico e, consequentemente, seu desenvolvimento doméstico e
seu prestígio externo: a segurança, resultado do conflito interno envolvendo as FARC
(Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), e a debilidade de sua região do Pacífico. O
encaminhamento do fim do combate revela-se auspicioso para a Colômbia, uma vez que
tende a criar um enorme potencial para a reocupação das zonas de conflito, com aumento
da produção e do desenvolvimento interno. Por sua vez, a região da costa do Pacífico
colombiano ainda consiste em um espaço geográfico bastante atrasado, desabitado, com
baixa participação no PIB nacional e deficiente infraestrutura portuária. Novamente, o
fim do conflito com as FARC será favorável a essa região de riquezas minerais,
hidrográficas e florestais.
17 A Colômbia tem uma localização geográfica privilegiada, sendo o único país da América
do Sul com costas em dois oceanos, com grande potencial não utilizado. A resolução dos
problemas citados tende a proporcionar ao país maior aproximação com a Ásia-Pacífico,
gerando ganhos econômicos sem precedentes. O país certamente se verá confrontado por
um impasse considerável: permanecer sob o guarda-chuva estratégico dos EUA,
perpetuando sua dependência, ou buscar maior emancipação econômica e geopolítica,
por meio da aproximação com os países sul-americanos e seus projetos de integração com
forte viés de autonomia, assim como da região da Ásia-Pacífico, a qual pode ampliar suas
relações comerciais e sua situação econômica. A opção pela Aliança do Pacífico apresenta-
se, de certa forma, paradoxal para a Colômbia, pois é, a um só tempo, um esforço para
acercar-se dos países do Pacífico asiático e uma tentativa de diminuir o peso relativo do
Mercosul na região sul-americana, afastando-se dos países da América do Sul.
18 Chile e Peru partilham diversas características econômicas e comerciais comuns que
fundamentam sua participação na Aliança do Pacífico. Em primeiro lugar está a

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A aliança do Pacífico e o tabuleiro geopolítico sul-americano 6

importância conferida à maritimidade para seu comércio exterior e sua projeção


internacional. Com, respectivamente, uma extensão costeira de 6.435 e 2.440 quilômetros
no Pacífico, Chile e Peru lançaram mão de uma vigorosa política marítima, condensando
sua ocupação e seu crescimento nesta zona, que conta com desenvolvida infraestrutura
portuária. Por conseguinte, a inserção dos dois países na região da Ásia-Pacífico foi
bastante prematura quando comparada aos outros dois membros da Aliança do Pacífico.
19 Em segundo lugar, Chile e Peru dependem, esmagadoramente, da exportação de recursos
naturais e de commodities, sobretudo de cobre e seus derivados. Ambos têm como os
maiores parceiros comerciais, em primeiro lugar, a China, e, em segundo, os EUA. As
economias de Chile e Peru são caracterizadas pela política de abertura comercial e pela
tendência de firmar uma grande quantidade de tratados de livre-comércio para o
escoamento de seus recursos minerais. Os dois países buscam na Aliança do Pacífico um
importante mecanismo para seus objetivos geopolíticos, como o domínio do Pacífico Sul -
de modo a aumentar o comércio com a Ásia - e o enfraquecimento do peso do Mercosul.
20 O Peru, por suas características geográficas, é um país marítimo, amazônico e andino,
contando com diferentes estratégias para cada espaço geográfico. Na região amazônica,
busca o domínio econômico da bacia ocidental do rio Amazonas, preservando seus
recursos naturais e a projeção do rio Amazonas ao Oceano Atlântico, e a ocupação das
fronteiras porosas nas zonas florestais. Na costa do Pacífico, quer consolidar sua zona
pesqueira e fortalecer a infraestrutura portuária, crucial para suas exportações. E, como
país andino, estimula a formação de conexões com países os países sul-americanos por
meio da Cordilheira dos Andes, com a construção de vias de comunicação.
21 Geograficamente, o Chile enfrenta desafios devido às características de seu território,
conformado por uma faixa longa e estreita, com muitos acidentes topográficos, isolado
entre a Cordilheira dos Andes e o Oceano Pacífico. Em seu território localiza-se o Cabo
Horn, ponto mais meridional da América do Sul (se excluídas as ilhas marítimas) e,
portanto, mais próximo da Antártida. A dificuldade de comunicação de todo seu território
por vias terrestres obriga o país a recorrer à zona costeira de 6.435 km. Para Ortega Prado
(2015), a ampla extensão dos espaços marítimos obriga o Chile a concentrar grandes
esforços navais para resguardar sua soberania, salvaguardando as comunicações
marítimas que garantem a continuidade de seu comércio exterior, fundamental para a
economia do país.
22 Além disso, o Chile busca impulsionar seu papel de liderança na América do Sul. A Aliança
do Pacífico é um mecanismo importante para a consecução deste objetivo, ao propiciar
um contrapeso ao Mercosul – bloco ao qual o Chile nunca manifestou interesse de
participar, apesar de ser um membro associado desde 1996. Ademais, o Chile pode ser um
facilitador para a inserção dos demais países da AP no mercado econômico asiático,
sobretudo por meio de sua atuação na APEC.

Implicações geopolíticas para a integração sul-


americana
23 O General Mário Travassos, um dos principais formuladores da geopolítica clássica
brasileira, identificou em sua obra de 1935, Projeção Continental do Brasil, a presença de
um antagonismo geográfico entre as duas vertentes continentais sul-americanas, o
Atlântico e o Pacífico, bem como as relações por elas condicionadas. Para Travassos

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(1935), enquanto o Atlântico representaria a vertente mais dinâmica, voltada para a


Europa, cujas águas eram as mais utilizadas para o comércio mundial, o Pacífico era um
oceano menos aproveitado para as transações comerciais, considerado o “mar solitário”.
Em vista disso, os países mais privilegiados geograficamente seriam aqueles voltados para
o Atlântico, Brasil e Argentina, ao passo que os países do Pacífico estariam em relativo
isolamento. Contribuiria para isso a existência de acidentes geográficos, como a
Cordilheira dos Andes, que perpassa longitudinalmente a costa ocidental sul-americana, e
a Bacia do Amazonas, formando uma espécie de barreira natural entre o Atlântico e o
Pacífico e evidenciando as dificuldades de comunicação e o adensamento populacional no
centro da América do Sul.
24 Atualmente, contudo, a Bacia do Pacífico constitui o epicentro da economia mundial, na
qual se encontram economias de grande dimensão, como os EUA, maior potência global, e
os países da Ásia-Pacífico, como a China e o Japão, revestindo-se não apenas de
importância econômica, mas também de crescente interesse geopolítico. Os países do
Pacífico sul-americano não se encontram mais “isolados”, como descrevera Travassos. Ao
contrário, situam-se em localização geográfica privilegiada.
25 Historicamente, os países sul-americanos, subordinados à demanda dos países centrais,
tiveram na exportação de produtos primários o centro dinâmico de suas economias.
Adicionalmente aos aspectos geográficos, a atividade econômica estimulou a ocupação
populacional no litoral, de modo que os países da região viveram, durante séculos, “de
costas” uns para os outros, negligenciando a necessidade de construir uma infraestrutura
intrarregional.
26 Foi apenas no limiar do século XXI que o projeto de criação dessa infraestrutura passou a
ter presença nas articulações entre os países da América do Sul, a partir da proposta
brasileira de reunir todos os presidentes sul-americanos para a discussão sobre a
interconexão regional. Como corolário, foi criada a IIRSA (Iniciativa para a Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana), a qual, mediante ações conjuntas, propõe a
integração física da América do Sul, com a criação e a modernização da infraestrutura de
transportes, energia e comunicação.
27 A ideia subjacente era criar uma estrutura para o escoamento de suas exportações, ainda
congruente com o pensamento econômico neoliberal. Paulatinamente, contudo, essa
iniciativa criou uma conjuntura propícia para o adensamento de iniciativas voltadas à
integração sul-americana, cuja oportunidade foi coadjuvada pela ascensão de governos
progressistas na região, visando o fortalecimento de seus países por meio da maior
autonomia da região. Após anos de reuniões de cúpula, a criação da Unasul, em 2008,
reunindo todos os países da América do Sul, consagrou o modelo de “desenvolvimento
para dentro” na América do Sul, ao permitir a construção de um espaço de integração e
coordenação política e seus projetos de construção de infraestrutura regional: um de seus
conselhos, o COSIPLAN (Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento),
incorporou a IIRSA e ampliou seu escopo e seu financiamento. A Unasul, outrossim, atua
como catalisador da aproximação dos demais blocos integracionistas da América do Sul,
como o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações (CAN). O Mercosul é claramente o
centro dinâmico para a integração da América do Sul, em razão de sua densidade
econômico-comercial como união aduaneira e, mais recentemente, de seu
desenvolvimento político e social.

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A aliança do Pacífico e o tabuleiro geopolítico sul-americano 8

Figura 2: MERCOSUL

Fonte: El País Digital3

Tabela 2: Dados do MERCOSUL (2016)

28 Entretanto, o cenário praticamente ininterrupto de dificuldades econômicas e financeiras


que assolou a economia global a partir de 2008 traduziu-se em um contexto amplamente
desfavorável para os países sul-americanos e, consequentemente, ao incipiente processo
de integração regional. Após quase uma década de prosperidade econômica, na esteira da
elevação dos preços internacionais dos principais produtos de exportação da América do
Sul, decorrente do crescimento da demanda chinesa, a desaceleração econômica afetou as
economias regionais de forma severa.
29 Nessas condições, o advento da Aliança do Pacífico pode ser analisado como a
exteriorização de dois objetivos principais, ambos vinculados à crise econômica. Em
primeiro lugar, a tentativa de atenuar a dependência das grandes potências às quais suas
economias estão atreladas – sobretudo os EUA e a China -, por meio da diversificação de
parcerias comerciais. Atualmente, a AP possui 49 Estados observadores, abrangendo
países desenvolvidos – como EUA, Alemanha, Reino Unido, França e Canadá – e países em

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A aliança do Pacífico e o tabuleiro geopolítico sul-americano 9

desenvolvimento, dentre os quais estão três dos cinco membros do Mercosul – Argentina,
Paraguai e Uruguai -, e países como China, Índia, Turquia e Indonésia. Em segundo lugar,
a investida para atenuar a influência do Mercosul na região no momento de debilidade
econômica de seus membros, em consonância com os interesses geopolíticos dos EUA,
dentre os quais pode-se apontar: a) o avanço do livre-comércio na América do Sul, por
meio da organização de uma frente econômica neoliberal; b) contrabalançar o peso dos
países considerados líderes regionais – Brasil, Argentina e Venezuela, não por acaso todos
estados-membros do Mercosul –, principais artífices dos processos de integração regional
sul-americano, que alijam os EUA do seu centro decisório, ao diminuir sua histórica
hegemonia.

Interesses geopolíticos brasileiros


30 A contextualização histórica das relações entre o Brasil e seu entorno regional imediato
traz à tona os antagonismos e as aproximações que perpassaram, sobretudo, os anos
marcados pela Guerra Fria e a realidade congelada pelo conflito ideológico da
bipolaridade mundial. A história da América do Sul foi marcada pelo distanciamento do
Brasil junto a seus vizinhos. De fato, apenas os vizinhos maiores, que comportavam algum
tipo de ameaça do ponto de vista geopolítico, receberam alguma atenção das autoridades
brasileiras ao longo do século XX.
31 Desde meados da década de 1980, contudo, as decisões políticas e estratégicas brasileiras
sofreram uma importante inflexão. A “autonomia pela distância”, na expressão de
Fonseca Jr. (1998), postura adotada durante o regime militar, seria substituída pelo que o
mesmo autor denomina de “autonomia pela participação”, motivada pelo processo de
redemocratização do país, quando o Brasil passou a buscar a superação das rivalidades
com seus vizinhos sul-americanos por meio da cooperação. As dificuldades econômicas
análogas enfrentadas por muitos países da região, como a inflação elevada e a crise da
dívida externa, catalisaram uma aproximação não apenas econômica e comercial, mas
também uma reconciliação política.
32 Desde então, o estreitamento de relações com os países da América do Sul passou a
representar um espaço fundamental para o Brasil, com a deliberada promoção de
políticas de cooperação e aproximação sem precedentes e sucessivos governos passaram a
expandir suas agendas regionais. O fim da Guerra Fria foi fundamental para esse novo
processo, o qual deu azo para a reinserção do Brasil nos foros internacionais, como o
Conselho de Segurança da ONU, de onde ficara afastado por vinte anos (1968-1988), e a
retomada do diálogo e da reaproximação com todos os países do mundo,
consubstanciando os novos rumos da política externa com relação aos países vizinhos. A
nova postura brasileira iniciou-se com o estreitamento dos laços com a Argentina e a
posterior conformação do Mercosul por meio do Tratado de Assunção, em 1991, que
reuniu Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
33 Há uma mudança qualitativa na política externa brasileira quando Luís Inácio Lula da
Silva assume a presidência do Brasil, por sua disposição a promover o papel do Brasil
como líder regional, justificando tal papel a características geopolíticas, como território,
população, desenvolvimento tecnológico e crescimento econômico. Na esteira da eleição
de governos progressistas na região no início do século XXI, resgatou-se o ideário de
união dos Estados sul-americanos de modo a articular as relações de aproximação e
integração em diversos campos, como a construção de uma infraestrutura interna coesa, a

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cooperação em defesa, a harmonização política e o fortalecimento do intercâmbio


comercial.
34 O Brasil, entusiasta e indutor das políticas de integração nacional, apresenta-se disposto a
exercer uma liderança regional, instrumento crucial para sua projeção e seu prestígio
internacional. Para este fim, os projetos integracionistas sul-americanos seriam
fundamentais, por meio dos quais o Brasil tentaria granjear posições consensuais de seus
vizinhos, que, por sua vez, poderiam legitimar a condição de liderança brasileira na
América do Sul. Para Amorim (2007), a posição do Brasil como ator global seria
consistente com a ênfase conferida à integração regional, sendo a capacidade de coexistir
pacificamente com seus vizinhos um fator relevante da sua inserção internacional. A
eventual liderança regional almejada pelo Brasil funcionaria como um “trampolim” para
suas projeções geopolíticas internacionais, na esteira das ações empreendidas nos
principais foros políticos e econômicos multilaterais, com a expansão do leque de
parcerias estratégicas, privilegiando grandes potências e países emergentes, seus esforços
para a reforma das Nações Unidas e de seu Conselho de Segurança (no qual ambiciona
ocupar um assento permanente) e sua inclinação pela multipolaridade como estrutura de
poder desejável.
35 Em sua estratégia de defesa, a integração regional ocupa um papel crucial. A partir da
Política Nacional de Defesa (PND) e da Estratégia Nacional de Defesa (END), atualizados
em 2012, constata-se que a América do Sul é uma das regiões pertencentes ao entorno
estratégico brasileiro - juntamente com a África Subsaariana, a Antártida, e o Atlântico
Sul -, onde o Brasil deve aprofundar seus laços de cooperação. Os documentos reiteram
que, ainda que a América do Sul seja uma região relativamente pacífica, é fundamental
que o Brasil, em função da sua situação geopolítica, intensifique o desenvolvimento
harmônico da América do Sul, uma vez que eventuais tensões tendem a se irradiar no
âmbito da defesa e da segurança regional. Sugerem, portanto, o fortalecimento dos
processos de integração regional, a partir do Mercosul, da Unasul e mesmo da
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, com a integração das bases industriais
de defesa, conforme vem sendo desenvolvido no Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS)
da Unasul, de maneira a preservar seus interesses, sua soberania e sua independência.
36 No entanto, o Brasil confronta-se com empecilhos às suas aspirações políticas e
estratégicas para além dos interesses geopolíticos da Aliança do Pacífico. Ressalte-se
ainda a existência de significativas assimetrias de poder na América do Sul entre o Brasil e
o restante de seus vizinhos, com implicações perniciosas para a tentativa de liderança
brasileira na região, assim como para a própria institucionalização das iniciativas
regionais. O desequilíbrio de poder existente certamente abre espaço para a inserção e a
influência de novos países e blocos regionais, a exemplo da Aliança do Pacífico.
37 No Mercosul, as novas lideranças vêm emulando a Aliança do Pacífico na abertura para a
assinatura de acordos de livre-comércio com terceiros países ou grupos de países, em
desacordo com a Decisão 32/00 do Conselho do Mercado Comum4, pela qual os membros
do bloco comprometem-se a negociar de forma conjunta acordos de natureza comercial
com terceiros países ou grupos de países extra-zonas nos quais se outorguem preferências
tarifárias. Existe um risco de desintegração do Mercosul, a partir do anseio das novas
autoridades do Mercosul de flexibilizarem as regras do bloco e voltarem-se para a
abertura comercial aos moldes da Aliança do Pacífico.
38 Não surpreende, nesse contexto, que a Argentina, agora sob a política econômica de
matriz neoliberal do governo de Maurício Macri, tenha demonstrado grande interesse em

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se aproximar da Aliança do Pacífico, solicitando inclusive a participação do país como


membro observador do bloco, vislumbrando no vínculo com a AP novas oportunidades
comerciais na região do Pacífico. Existe um risco, portanto, de desintegração do Mercosul
e de um distanciamento da Argentina, país com qual o Brasil compartilha valores e
objetivos de política externa, consubstanciados na assinatura de uma aliança estratégica
desde 1997. Não se pode olvidar que a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do
Brasil no mundo, um comércio que envolve, sobretudo, a exportação de produtos de alto
valor agregado, algo que pode ser afetado pelo anseio argentino de acercar-se da Aliança
do Pacífico.

A atuação geopolítica dos EUA


39 O fim da Guerra Fria e, por extensão, da bipolaridade que congelava o poder mundial,
alterou sobremaneira os espaços geográficos correspondentes às prioridades geopolíticas
dos EUA. Na América do Sul, contudo, o país busca a continuidade de sua supremacia,
condicionada por dois interesses principais: a manutenção da dependência comercial dos
países da região em relação à sua economia e a preservação da segurança hemisférica.
40 Na esfera econômica, seus interesses imediatos foram correspondidos durante a maior
parte da década de 1990, com a adoção de políticas neoliberais delineadas pelo “Consenso
de Washington”. Sob este arcabouço econômico que varreu a região sul-americana, os
EUA vislumbraram a reedição de um sonho antigo: a implantação de uma zona de livre-
comércio em todo o continente americano, na esteira do NAFTA. Em 1994, na Cúpula das
Américas, em Miami, os EUA propuseram a criação da Área de Livre Comércio das
Américas (ALCA), que deveria eliminar as barreiras alfandegárias entre os 35 países do
continente.
41 Contudo, o malogro das políticas neoliberais dos anos 1990, associada à ascensão de
governos progressistas na América do Sul, eliminou a possiblidade de os EUA verem a
concretização da ALCA, cujas negociações foram suspensas na Cúpula das Américas em
Mar del Plata, em 2005. Em resposta, os EUA passaram a estabelecer tratados bilaterais de
livre comércio, começando pelos países exportadores de commodities da região do
Pacífico, Chile e Peru, além de seu principal parceiro estratégico na América do Sul, a
Colômbia, uma tentativa de preservar seus interesses econômicos, preservando a
supremacia de suas empresas e seus investimentos.
42 Nessa perspectiva, o surgimento da Aliança do Pacífico adequa-se de forma alvissareira às
pretensões econômicas dos EUA na América do Sul, sobretudo em um contexto de
crescente inserção comercial por parte da China na região e do predomínio do Mercosul
como o mais importante bloco econômico sul-americano. Os estados da AP representam
um valioso instrumento para frear a dinâmica que vem erodindo gradualmente a
influência econômica e política dos EUA na América do Sul.
43 No plano estratégico-militar, a manutenção e a ampliação da presença política e militar
dos EUA na América do Sul evidenciaram que a região jamais se desvencilhou da órbita
geopolítica estadunidense. O imperativo de manutenção de sua hegemonia no continente
americano obstaculiza, indefinidamente, o surgimento ou a ascensão de um novo estado
como polo de poder que venha a antagonizar sua supremacia geoestratégica e criar uma
balança de poder continental.

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44 A constituição de um projeto de integração como a Unasul, que congrega todos os demais


da América do Sul e rechaça deliberadamente a intromissão dos EUA nas decisões que
dizem respeito à região, representa uma verdadeira afronta aos interesses geopolíticos
estadunidenses e explica a necessidade de dispor de países estratégicos no espaço
geográfico sul-americano que atuem como guardiões de seus interesses.
45 A década de 2000 testemunhou ações diretas dos EUA na região, em uma tentativa de
fazer face ao predomínio de governos autonomistas e da constituição de iniciativas
regionais que vilipendiavam a presença americana na América do Sul, sobretudo com a
criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, no seio da Unasul. Para isso, os países que
hoje fazem parte da Aliança do Pacífico têm sido cruciais para a linha de ação estratégica
dos EUA.
46 Os EUA vêm entabulando diversos acordos de cooperação militar com os países da Aliança
do Pacífico. O acordo militar com a Colômbia, de 2009, permitiu maior acesso às sete bases
militares estadunidenses já existentes no país. Sob o Plano Colômbia, de 2000, a ajuda
econômica e militar dos EUA tornou as forças armadas colombianas significativamente
bem equipadas. Com o Peru, um convênio militar em 2013 previu o intercâmbio de
material, tecnologia e assistência técnica às suas forças armadas. Como destaque, pode-se
apontar a base naval estadunidense e seu centro de treinamento fluvial em Iquitos, cidade
portuária na Bacia Amazônica. Com o Chile, além de regulares exercícios militares
conjuntos, encontra-se a base naval estadunidense de Fuerte Aguayo, financiada pelo
Comando Sul das Forças Armadas dos EUA em 2012.
47 Ainda mais sintomática foi a reativação da IV Frota Naval, em 2008, incumbida de exercer
o controle dos mares que circundam a América Latina. A frota, uma divisão da Marinha
dos EUA, atua como um componente do Comando Sul das Forças Armadas no Atlântico
Sul, que busca garantir o acesso ao sul como parte da defesa dos EUA. Sua presença nos
mares do Atlântico Sul - onde realiza manobras militares - e o estacionamento
permanente de recursos humanos e materiais na Colômbia, no Peru e no Chile
proporcionam aos EUA uma preeminência estratégica que permite uma intervenção
militar na região com vistas a salvaguardar seus interesses geopolíticos. A presença
exorbitante de forças militares dos EUA na América do Sul é causa de preocupação por
parte dos países da região. O espaço geográfico sul-americano é cobiçado por sua
biodiversidade, suas bacias aquíferas de alto potencial energético, suas reservas de
petróleo e gás e suas reservas de minerais.
48 Assim, ao vislumbrar nos países da AP um canal de manutenção e de defesa de seus
interesses políticos, econômicos e estratégicos na América do Sul, os EUA buscam
estreitar o vínculo com Chile, Peru e Colômbia, de modo a deslocar a emergente projeção
brasileira, a preponderância econômica do Mercosul e o fortalecimento da concertação
política da Unasul (e seu Conselho de Defesa), preservado sua hegemonia na região.

O crescimento da influência da China


49 É bastante perceptível que o envolvimento da China na América do Sul é condicionado
pelas relações comerciais e de investimento, sobretudo após ter sua admissão na OMC, em
2001. Entretanto, sua inserção transcende as expressivas vinculações comerciais e alcança
também as estruturas de governança regional sul-americana. A aproximação comercial é
o fio condutor para a ampliação da dimensão geopolítica chinesa na região.

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50 A criação da Aliança do Pacífico representa uma oportunidade significativa para a


continuidade do acercamento chinês da América do Sul. O afã manifestado pelos países do
bloco de incrementarem seu comércio com a China configura-se uma oportunidade
promissora para a expansão das relações da China com os países sul-americanos,
facilitando sua penetração geopolítica. O crescimento da dependência econômica dos
países da AP que já têm na China seu principal destino de exportação – Peru e Chile – e a
expansão do vínculo comercial com a Colômbia, desatrelando-a da subordinação
estrutural com os EUA, fazem parte da estratégia chinesa.
51 Pode-se considerar que a projeção geopolítica da China na América do Sul está
subordinada a três estratégias principais. Em primeiro lugar, busca salvaguardar o acesso
à aquisição de recursos naturais, fundamentais para seu desenvolvimento econômico, e
garantir a expansão da demanda para seus produtos de alto valor agregado. O
intercâmbio comercial entre a China e os países sul-americanos consiste em uma
interação econômica nos moldes da relação centro-periferia, na qual um país exporta
produtos de alto valor agregado e importa produtos primários, modelo que conduz à
intensificação das exportações baseadas em commodities e, em países como Brasil e
Argentina, à “reprimarização da economia”, com danos à sua industrialização. Nesse
sentido, há um evidente enfraquecimento dessas economias no cenário internacional,
suscetíveis às oscilações dos preços no mercado global de commodities.
52 A rápida ascensão da economia chinesa, desde o final dos anos 1970, permitiu que o país
ultrapassasse os EUA e se tornasse a maior potência comercial do mundo em 2012, pelo
critério do fluxo comercial, além de já ser o maior exportador mundial desde 2009. Na
América do Sul, a China visa explorar a complementaridade de suas economias,
ampliando os setores de cooperação e, em pouco tempo, tornou-se o primeiro destino das
exportações de muitos países.
53 Os investimentos chineses na região sul-americana estão concentrados em setores-chave
para sua economia, os recursos naturais, como cobre, soja, minério de ferro e petróleo,
voltados para a otimização do escoamento das exportações de commodities e minérios, de
modo a reduzir seu preço. Se por um lado a execução e o financiamento da China,
sobretudo nos projetos da IIRSA, são auspiciosos para a América do Sul, carente de
recursos financeiros próprios para seu programa de infraestrutura, por outro lado
reforçam a concentração das exportações em produtos primários, enquanto se torna o
destino de exportações de produtos industriais e de alto conteúdo tecnológico.
54 Os novos rumos da economia chinesa nos últimos anos corroboram o caráter pernicioso
dessa relação para a América do Sul. Com a crise financeira internacional de 2008, os
chineses deram-se conta da insustentabilidade do modelo de crescimento econômico
baseado nas exportações e nos pesados investimentos em infraestrutura. Ao substituir o
crescimento puxado pelo mercado externo pelo estímulo ao consumo interno e aos
serviços domésticos, sua demanda por importações passa a desacelerar, desmantelando os
preços das commodites que têm na China sua principal demanda. Apesar de se manter
como importante importador, a nova demanda certamente não se dará no mesmo ritmo.
Esse é um grande desafio para os países da América do Sul, cujas maiores economias –
Argentina, Brasil e Venezuela – já enfrentam brusca recessão econômica e, sobretudo,
para os membros da Aliança do Pacífico, ávidos pelo crescimento do intercâmbio
comercial com a China.

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55 A segunda estratégia chinesa consiste na busca para representar uma alternativa à


posição estratégica dos EUA na região. A aproximação política, advinda do crescimento
das relações comerciais, é seu principal instrumento. Reciprocamente, os países sul-
americanos têm fortes interesses por uma relação multifacetada no âmbito da política
internacional, e a aproximação com um país geopoliticamente poderoso representa um
importante trunfo para suas pretensões externas. Apesar das relações comerciais
assimétricas, as diversas iniciativas políticas conjuntas refletem visões comuns sobre os
principais temas da agenda internacional, em especial aquelas atinentes aos mecanismos
de governança global e sua necessária adaptação à realidade contemporânea. Na ONU,
China e América do Sul engajam-se na defesa da prevalência do multilateralismo e na
reforma de suas instituições, vistas como anacrônicas; no G-20, que reúne as maiores
economias globais, esforçam-se para alterar os processos decisórios do FMI e do Banco
Mundial, de forma a aumentar a participação das economias emergentes; na Agenda do
Desenvolvimento Pós-2015, demonstram certa comunhão face aos desafios comuns.
56 A terceira estratégia da China está fundada na tentativa de isolar Taiwan na esfera
internacional, considerado pelos chineses uma província rebelde do país. Por
conseguinte, o governo chinês defende a fórmula “um país, dois sistemas”, análoga à
existente com Hong Kong e Macau, não descartando a possibilidade de usar a força no
caso de a ilha declarar-se independente. Apesar da inexistência de relações diplomáticas
entre China e Taiwan, o governo chinês concede certa liberdade a Taiwan no âmbito
econômico-comercial, permitindo sua participação como membro autônomo na OMC e na
APEC. Ainda há 26 países que ainda não reconhecem a República Popular da China em
todo o mundo. Na América do Sul, o Paraguai é o único que possui relações diplomáticas e
reconhece a soberania de Taiwan, do qual recebe generosa ajuda econômica. Assim, o
estreitamento de relações políticas e econômicas da China com a América do Sul é
imperiosa para ser reconhecida como a detentora da jurisdição sobre o Estado insular,
deslegitimando as ambições independentistas de Taiwan.
57 Para além das estratégias supracitadas, a aproximação chinesa dos países da Aliança do
Pacífico também é importante para o êxito da criação da Área de Livre Comércio da Ásia-
Pacífico (FTAAP), um acordo de comércio multilateral que buscava fazer frente à Parceria
do Trans-Pacífico (TPP), agora denegada pelos EUA de Donald Trump. Assim, ao invés de
desafiar diretamente as instituições internacionais existentes ou em vias de conformação,
os chineses criam novas plataformas em que possam ter influência. As rivalidades entre
China e EUA no plano mundial, portanto, ressoa de maneira sensível na Aliança do
Pacífico e no restante da América do Sul.

Considerações finais
58 O cenário sul-americano do século XXI é caracterizado por indefinições geopolíticas que
abrem espaço para o advento de novos polos de poder e de influência na região.
Historicamente atrelada ao papel hegemônico desempenhado pelos EUA, a América do Sul
atesta a ascensão e o declínio do protagonismo de atores extrarregionais e
intrarregionais. A escalada da importância econômica e comercial da região da Bacia do
Pacífico, vinculada ao deslocamento do centro dinâmico da economia mundial para os
países asiáticos, bem como o relativo declínio econômico de Brasil, Argentina e Venezuela
nos últimos anos, culminaram na possibilidade de os países da Aliança do Pacífico
almejarem nova projeção no posicionamento da hierarquia do poder regional.

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59 Contudo, o êxito da AP como bloco regional não está assegurado. Embora ela se destaque
pela flexibilidade e pelo desejo de construir cadeias produtivas para inserção conjunta na
economia global, seus membros se unem basicamente por afinidades ideológicas
neoliberais e pela relação de proximidade com os EUA, com o qual possuem tratado de
livre comércio.
60 A vulnerabilidade econômica é um dos traços mais marcantes dos países do agrupamento,
que padecem de duas debilidades consideráveis. A primeira consiste no estreito vínculo a
que estão submetidos ao desenvolvimento dos EUA, de modo que sua autonomia no plano
externo é altamente comprometida. A segunda refere-se ao caráter primário-exportador
de suas economias, suscetíveis às constantes oscilações do mercado internacional.
61 Somam-se ainda a baixa interdependência econômica e política entre seus membros, o
fato de suas economias não serem complementares e as assimetrias econômicas
existentes. O volume de transição comercial intrarregional ainda é bastante tímido:
segundo o Banco Mundial (2016), o comércio intrarregional na Aliança do Pacífico
representava apenas 3,42% em 2014. À guisa de comparação, o comércio intra-Mercosul
correspondia a 14% do comércio exterior de seus membros no mesmo ano.
62 Ademais, o poder da Aliança do Pacífico em termos econômicos e de mercado não
representa uma ameaça ao Mercosul. Para o ex-ministro de Relações Exteriores do Brasil,
Antonio Patriota (2013), a eliminação de tarifas propugnada pela AP não tem grande
implicação, tendo em vista que já existem acordos de livre-comércio entre eles como
membros da ALADI, sob o patrocínio do Tratado de Montevidéu de 1980. Segundo o
diplomata, a CEPAL havia diagnosticado, desde 2010, que o nível de liberalização
comercial entre os países da AP superava os 90%, com exceção da relação comercial entre
Peru e México, que foi alvo de um acordo de livre-comércio em 2011. Com relação ao
Mercosul, foram firmados, também ao amparo da ALADI, acordos para a eliminação de
tarifas comerciais entre o bloco e os países sul-americanos da Aliança do Pacífico, os quais
deverão promover, até 2019, a liberalização total do comércio regional.
63 Com relação à ALBA, Bernal-Meza (2015) atenta para o posicionamento do governo
venezuelano de considerar a existência da Aliança do Pacífico como um desafio à própria
sobrevivência da ALBA e ao seu projeto de integração regional que envolve propostas
ambiciosas nas agendas sociais, culturais, econômicas e financeiras. A proposta do
presidente Nicolás Maduro5, durante a XII Cúpula de Presidentes da ALBA em julho de
2013, de criar uma zona econômica entre a ALBA e o MERCOSUL como uma contraposição
ao modelo de regionalismo aberto da Aliança do Pacífico é ilustrativa nesse sentido.
64 Outro importante desafio para o êxito da Aliança do Pacífico está na ascensão ao governo
dos EUA de Donald Trump, um político que se concentra em um discurso antiglobalização
e em uma plataforma econômica protecionista, que pode dificultar sobremaneira o acesso
das exportações do bloco àquele mercado. A expectativa dos países da AP de integrar-se à
economia mundial de maneira mais rápida e efetiva por meio do megabloco da Parceria
Transpacífico (TPP) desintegrou-se com a decisão de Donald Trump de retirar os EUA do
acordo. Não menos importante é a possibilidade de revisão do NAFTA, com efeitos
deletérios para a economia do México e, por extensão, da Aliança do Pacífico.
65 Apesar de em termos econômicos a criação da AP não apresentar desafios relevantes para
o Mercosul e para o Brasil, as repercussões geopolíticas devem ser acompanhadas com a
devida atenção por parte dos países da América do Sul. Com efeito, a profusão de
interesses geopolíticos na região, emanados a partir da conformação da Aliança do

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Pacífico, é fundamental para entender a dinâmica que caracteriza o tabuleiro geopolítico


sul-americano. O Mercosul e a Unasul enfrentam o desafio de lidar com possibilidade de
fragmentação da região, comprometendo a oportunidade de inserção internacional
autônoma dos países sul-americanos. A pulverização das nações sul-americanas
certamente enquadra-se nos esforços das potências extrarregionais, sobretudo EUA e
China, para consolidarem e expandirem seu poder e sua influência na América do Sul,
garantindo o acesso a seu mercado e seus recursos estratégicos.

BIBLIOGRAFIA
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NOTAS
1. Disponível em: <http://elpaisdigital.com.ar/contenido/argentina-mira-al-pacfico-
oportunidades-y-riesgos-del-libre-cambio/412> Acesso em 31 out. 2017.
2. Fonte: World Trade Organization (2017). Os demais destinos das exportações mexicanas em
2016 foram: União Europeia (5,2% do total exportado), Canadá (2,8%) e China (1,4%).
3. Disponível em: <http://elpaisdigital.com.ar/contenido/argentina-mira-al-pacfico-
oportunidades-y-riesgos-del-libre-cambio/412> Acesso em 31 out. 2017.
4. Decisão CMC 32/2000 – Relançamento do Mercosul/Relacionamento Externo.
5. ALBA plantea crear fuerza económica alterna a la Alianza del Pacífico. El Universo, Quito,
Equador, 30 jul. 2013. Disponível em: <http://www.eluniverso.com/noticias/2013/07/30/
nota/1226851/zona-economica-comun-propuesta-tras-cita-paises-alba>. Acesso em 03 nov. 2017.

RESUMOS
O artigo analisa os impactos do advento da Aliança do Pacífico na arquitetura de governança
regional da América do Sul em termos políticos, econômicos e estratégico-militares e suas
consequências no processo de integração regional sul-americano. A Aliança do Pacífico é
percebida como uma reação às iniciativas de integração em curso na região, que visam dotar seus
países de maior autonomia em um cenário de crescente multipolaridade e indefinições
geopolíticas. O antagonismo entre os projetos de integração regional, em particular entre o
Mercosul e a Aliança do Pacífico, resultam inexoravelmente na fragmentação da América do Sul,
permitindo a influência e a atuação de potências externas e contribuindo para a vulnerabilidade
e enfraquecimento dos países da região, além de atuar como óbice à solidificação do projeto
regional sul-americano. Assim, analisam-se igualmente os interesses geopolíticos em jogo na
América do Sul por parte de atores extrarregionais, notadamente os Estados Unidos e a China.

Le présent article analyse les impacts de l'avènement de l'Alliance du Pacifique sur l'architecture
de la gouvernance régionale de l'Amérique du Sud — impacts d’ordre politique, économique,
militaire et stratégique — et leurs conséquences sur le processus d'intégration régionale sud-
américain. L'Alliance du Pacifique apparait comme une réaction aux initiatives d'intégration en
cours dans la région qui cherchent à doter les pays d'une plus grande autonomie dans un
contexte de multipolarité et d’incertitudes géopolitiques croissantes. L'antagonisme entre les
projets d'intégration régionales, en particulier entre le Mercosur et l'Alliance du Pacifique,
conduit inexorablement à la fragmentation de l'Amérique du Sud, ce qui ouvre un champ
d’influence et d’action à certaines puissances étrangères. Ce phénomène conduit à renforcer la
vulnérabilité des pays de la région et s’érige en obstacle pour le projet régional sud-américain.
Les intérêts géopolitiques d’acteurs étrangers en Amérique du Sud feront aussi l’objet de notre
analyse, notamment en ce qui concerne les États-Unis et la Chine.

The paper analyzes the impacts of the advent of the Pacific Alliance in South American regional
governance architecture in political, economic and strategic-military terms and its consequences
on the South American regional integration process. The Pacific Alliance is perceived as a

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reaction to ongoing integration initiatives in the region, aimed at endowing these countries with
greater autonomy in a scenario of increasing multipolarity and geopolitical uncertainties. The
antagonism between regional integration projects, particularly between Mercosur and the Pacific
Alliance, inexorably results in the fragmentation of South America, allowing the influence and
action of foreign powers and contributing to the vulnerability and the weakening of the
countries of the region, as well as acting as an obstacle to the solidification of the South
American regional project. Thus, the geopolitical interests at stake in South America by extra-
regional actors, notably the United States and China, are also analyzed.

ÍNDICE
Mots-clés: Alliance Pacifique, Mercosur, Intégration régionale sud-américaine, Amérique du Sud
Palavras-chave: Aliança do Pacífico, Mercosul, Integração Regional Sul-Americana, América do
Sul
Índice geográfico: Pacífico e América do Sul
Keywords: Pacific Alliance, Mercosur, South American Regional Integration, South America

AUTOR
TALES HENRIQUE NASCIMENTO SIMÕES
Universidade de São Paulo. taleshenrique@usp.br

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