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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS


PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE ESTRUTURAS

INTRODUÇÃO AOS MÉTODOS NUMÉRICOS

NOTAS DE AULAS (cap.II)

Sergio Persival Baroncini Proença

São Carlos, Março de 2006.


-Soluções aproximadas para as formas variacional e fraca- 1
Sergio P.B.Proença

1. A Formulação Fraca e o Princípio dos Trabalhos Virtuais

Conforme visto no primeiro capítulo, uma maneira de se obter a forma fraca


de um problema de valor de contorno consiste em integrar por partes a forma
variacional, de modo a igualar as ordens de derivadas das funções solução e
peso, e combiná-la com a condição de contorno em forças.

No exemplo da barra sob carregamento axial, estudada naquele capítulo, a


forma fraca apresenta a seguinte redação:
L L

∫ E S u′ v′ d x = ∫ p v d x + P v( L) (1)
o o

sendo que a função solução deve verificar as condições de contorno essenciais


e a função peso deve ser homogênea nessas condições.

Como u e v são agora funções pertencentes a uma mesma classe de


regularidade, pode-se dar a v um sentido de variação tal que:

v( x) = u1 ( x) − u2 ( x) (2)

onde u1 e u2 são funções que podem representar a solução e que, portanto,


obedecem às condições de contorno essenciais. Claramente a função peso
assim caracterizada é homogênea nas condições de contorno essenciais. Como
no exemplo em questão u(x) representa um campo de deslocamentos, então,
diz-se que v(x) representa um campo de deslocamentos virtuais.

Nessas condições as integrais que aparecem no lado direito da igualdade em


(1) passam a ter o significado de trabalho virtual das forças externas. Por outro
lado, como σ = E u′ , e considerando-se que v′ tem por correspondência uma
deformação, que se pode denominar por deformação virtual, a primeira
integral da relação (1) passa a ser entendida como o trabalho virtual das
tensões, ou trabalho virtual interno.

Claramente a (1) é a expressão do Princípio dos Trabalhos Virtuais (P.T.V.)


particularizada para o problema da barra sob força axial estudado. Nota-se,
ainda, que o P.T.V. é uma condição de equilíbrio.
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Assim sendo, o P.T.V. proporciona diretamente a forma fraca dos problemas


de valor de contorno e constitui-se em alternativa que dispensa o
conhecimento da equação diferencial do problema.

Cabe ainda observar, mais uma vez, que de acordo com o P.T.V. a função
solução, que descreve o campo de deslocamentos reais na situação
equilibrada, deve obedecer às condições de contorno essenciais. Já as
condições de contorno naturais estão atendidas no Princípio via trabalho
virtual das forças externas.

2. Formas lineares e formas bilineares

Todas as formas de representação do P.V.C. apresentadas envolvem


operadores ou formas lineares e bilineares. Antes de associar cada uma das
integrais que lá aparecem com uma dessas formas, é preciso conceituá-las,
retomando-se definições conhecidas da álgebra linear.

Nesse sentido, diz-se que F (v) é uma formal linear sobre v se:

F (v1 + v2 ) = F (v1 ) + F (v2 )


• (3a,b)
F (α v) = α F (v)

ou, de modo equivalente,

• F (α v1 + β v2 ) = α F (v1 ) + β F (v2 ) (4)

Por sua vez, B(u , v) é uma forma bilinear em u e v se:

B(u, v1 + v2 ) = B(u, v1 ) + B(u, v2 )


B(u1 + u2 , v) = B(u1 , v) + B(u2 , v)
• (5a,b,c,d)
B(α u, v) = α B(u , v)
B(u, β v) = β B (u , v)

Voltando, por um momento, à expressão (1), nota-se que ela inclui uma forma
bilinear, na parcela à esquerda da igualdade, e uma forma linear, na parcela à
direita da igualdade. Assim sendo, ao P.T.V. pode-se dar a seguinte
representação:
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B ( u, v ) = F ( v ) (6)

aonde u representa um campo de funções com condições de continuidade


compatíveis com a forma bilinear e que verificam as condições de contorno
essenciais do problema. Por sua vez, v representa um campo de deslocamentos
virtuais compatíveis com as formas bilinear e linear e que são homogêneos nas
condições de contorno essenciais.

A forma variacional do P.V.C. também é dada pela composição de uma forma


bilinear e de uma forma linear. De fato, reproduzindo-se a expressão (27) do
capítulo I, segue que:

∫ ( E S u′′ ) wdx = ∫
L L

o 0
q wdx (7)

ou ainda,

B ( u, w ) = F ( w ) (8)

Neste último caso, u representa um campo de funções com condições de


continuidade compatíveis com a forma bilinear e que verificam as condições
de contorno (todas) do problema. Por sua vez, w representa um campo de
funções com regularidade compatível com a forma bilinear e homogêneas nas
condições de contorno.

3. Soluções aproximadas para o P.V.C.

No sentido de se obter soluções aproximadas para os problemas de valor de


contorno expressos segundo as formas (6) e (8), pode-se pensar em representar
as funções solução e peso como combinações lineares de bases de funções
com boas propriedades aproximativas (por exemplo, as bases polinomiais ou
as trigonométricas).

Uma forma de representar a aproximação para a função solução é a seguinte:



u ( x ) = ψ ( x) + ∑ α i φi ( x ) (9)
i =1
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onde ψ ( x) é uma função com o mesmo nível de regularidade exigida para a


função solução e que verifica as condições de contorno conforme exigido por
cada tipo de formulação (variacional ou fraca). Já as funções φi ( x) compõem
uma base linearmente independente com regularidade compatível com a
exigida para a função solução, porém sendo homogêneas nas condições de
contorno envolvidas em cada tipo de formulação.

Na somatória que aparece na (9), os coeficientes α i são tais que garantem a


boa qualidade da aproximação em relação à função solução. Entretanto,
operacionalmente é possível empregar um número que se mantém sempre
finito, por maior que seja, de termos na somatória. Diz-se, nessas condições,
que a solução aproximada pertence a um espaço de dimensão finita.
Obviamente, espera-se que quanto maior o número de termos, maior seja a
aderência da aproximação em relação à solução exata. Tal requisito deve ser
cumprido pela base de funções φi ( x) , sendo denominado genericamente por
completude.

Por outro lado, a função peso também pode ser escrita numa forma como a
indicada pela (9), exceto que não há a necessidade de uma função como a
ψ ( x) , uma vez que as condições de contorno devem ser homogêneas. Assim
sendo, para a função peso vale a seguinte representação (já num espaço de
dimensão finita):
n
v( x) = ∑ β j f j ( x) (10)
j =1

Uma vez adotadas as aproximações descritas pelas relações (9) e (10), a


caracterização final da solução depende da determinação dos coeficientes α i .
No que segue, apresenta-se o desenvolvimento que leva à obtenção do sistema
resolvente para as constantes α i .

Seja, então, um P.V.C. expresso, genericamente, na forma indicada pela (6).


Considere-se, em primeiro lugar, a substituição da aproximação para o campo
de deslocamentos virtuais, resultando em:

B ( u, β j f j ) − F ( β j f j ) = 0 c / j = 1,…, n (11)
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Nota-se que na expressão anterior suprimiram-se os símbolos de somatória,


sendo que a indicação da somatória fica implícita pela repetição de índices.
Tal notação é denominada notação indicial.
Tomando-se partido das propriedades das formas lineares e bilineares, resulta:

β j  B ( u , f j ) − F ( f j )  = 0 ∀β j , c / j = 1,…, n (12)

A última relação representa uma soma de n parcelas cujo resultado deve ser
nulo para qualquer possibilidade de valores para os coeficientes β j . Tal
condição é garantida se os termos entre colchetes forem nulos em cada uma
das parcelas, ou seja:

B ( u, f j ) = F ( f j ) c / j = 1,…, n (13)

A relação anterior exprime, portanto, um conjunto de n equações.


Introduzindo-se na (13) a aproximação para o campo solução, obtém-se:

α i B ( φi , f j ) = F ( f j ) c / i, j = 1,…, n (14)

representando, agora, um sistema de n equações, com n parcelas à esquerda


da igualdade em cada uma delas. Denotando-se: K ij = B (φi , f j ) e Fj = F ( f j ) ,
e interpretando-se os K ij como componentes de uma matriz posicionados nas
linhas i e colunas j, e também os Fj como componentes de um vetor coluna
posicionados na linha j, resulta que o sistema resolvente pode ser colocado na
forma:

K α =F
T
(15)

aonde reuniram-se os coeficientes α i no vetor α .

Essa matriz apresenta características distintas a depender dos conjuntos de


funções adotados para compor as bases de aproximação da função solução e
da função peso. Em princípio, no caso geral, a matriz K resulta cheia e sem
simetria. Porém, com oportunas escolhas de funções pode-se obter matrizes
simétricas e com esparsidade (presença de zeros), o que concorre para o
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emprego de procedimentos menos custosos e mais expeditos para a resolução


do sistema.

Apenas como ilustração e exemplo de obtenção da solução aproximada,


considere-se o mesmo problema da barra sob carga axial ilustrado na Figura 5
do capítulo I expresso pela forma fraca. Considere-se, por simplificação, que a
força P aplicada na extremidade livre tenha valor nulo.

Neste caso, o P.V.C. consiste em encontrar uma solução u(x), tal que u (0) = 0
e a condição:
L L

∫ E S u′ v′ d x = ∫ q v d x
o o
(16)

seja obedecida para qualquer v compatível e homogêneo em x = 0, isto é:


v(0) = 0 .

L L

Portanto: B ( u , v ) = ∫ E S u′ v′ d x e F ( v ) = ∫ q v d x . Assim sendo, para fins de


o o

obtenção de uma solução aproximada as componentes da matriz K e do vetor


F , podem ser obtidas das seguintes integrais:

L L

K ij = ∫ E S φi′ f j′ d x e Fj = ∫ q f j d x (17a,b)
o o

Adotando-se para o campo solução em todo o domínio uma aproximação dada


por um polinômio completo do segundo grau (u ( x) = α1 x 2 + α 2 x + α 3 ) , e já se
impondo a condição de contorno essencial, obtém-se a seguinte relação:

u ( x ) = α1 x 2 + α 2 x
(18)
= α i φi c / i = 1,2

e, portanto: φ1 (x ) = x 2 e φ 2 (x ) = x .

Como a função peso, na forma fraca, precisa apresentar a mesma regularidade


da função solução e como a base de funções φi ( x) também verifica
homogeneidade na condição de contorno essencial, pode-se adotar as mesmas
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funções para a base da função peso, isto é, f j ( x) = φ j ( x) c / j = 1,2 . Nota-se


que não há impedimento teórico para essa escolha, tendo ela a vantagem de
proporcionar uma matriz dos coeficientes do sistema simétrica.

Nessas condições, as componentes da matriz K e do vetor F resultam:

L
4 E S L3
K11 = ∫ E S 4 x d x = 2

o 3
L

K12 = K 21 = ∫ E S 2 x d x = E S L2
o
L

K 22 = ∫ E S d x = E S L (19)
o
L
q L3
F1 = ∫ q x d x =
2

o 3
L
q L2
F2 = ∫ q x d x =
o 2

Montando-se o sistema indicado pela (15) e resolvendo-o, obtém-se a solução:

q qL
α1 = − ; α2 = (20a,b)
2E S ES

Segue daí a resposta para o campo de deslocamentos:

q L2   x   x  
2

u ( x ) = α i φi ( x ) = 2   −    (21)
2E S   L   L  

Nota-se que essa resposta coincide com a solução exata, confirmando que a
forma fraca contém a solução exata quando ela existir.

Nos próximos capítulos serão apresentados métodos numéricos que decorrem


de metodologias específicas para a resolução aproximada das formas
variacional e fraca, e que se apresentam como alternativas mais ou menos
eficientes a depender do tipo de P.V.C. a ser resolvido. Nesse contexto, a
técnica dos elementos finitos aparece como recurso para a geração eficiente
das funções de aproximação para a solução e função peso.

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