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História do Brasil Império:

Consolidação e tensões
Material Teórico
Pensando o Brasil: A Construção da Ordem: o teatro das sombras,
de José Murilo de Carvalho

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Vanderlei Elias Nery

Revisão Textual:
Prof. Ms. Claudio Brites
Pensando o Brasil: A Construção da Ordem:
o teatro das sombras, de José Murilo de Carvalho

• Introdução
• Elites políticas e construção do Estado
• A elite política nacional: definições
• Unificação da elite: uma ilha de letrados
• A burocracia, vocação de todos
• Juízes, padres e soldados: os matizes da ordem
• Os partidos políticos imperiais: composição e ideologia

·· Nesta unidade buscaremos compreender os principais aspectos da obra A


Construção da Ordem: o teatro das sombras, de José Murilo de Carvalho.
·· Nesta unidade, Pensando o Brasil a partir de A Construção da Ordem: o teatro
das sombras, de José Murilo de Carvalho, você deve estar atento às definições
do autor a respeito da formação da elite política, da construção do Estado e da
composição e da ideologia dos partidos políticos.

Faremos também algumas indicações de leitura interessantes para que você compreenda
melhor o que procuramos apresentar no texto. Não deixe de fazer essas leituras, com certeza
você irá achá-las bem interessantes.
É importante, também, que você participe dos fóruns propostos e se prepare para as
avaliações planejadas.
Bons estudos!

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Unidade: Pensando o Brasil: A Construção da Ordem: o teatro das sombras, de José Murilo de Carvalho

Contextualização

Os estudos relativos à disciplina História do Brasil Império, nesta Unidade, tratam do tema:
Pensando o Brasil a partir de A Construção da Ordem: o teatro das sombras, de José Murilo
de Carvalho. Essa é uma obra de referência para os estudos da história política do Brasil.
José Murilo de Carvalho analisa a formação da elite política brasileira a partir da montagem
do Estado português, dos estudos em Coimbra e, após a independência, das escolas de direito
de São Paulo e Recife.
O autor analisa a formação do Estado brasileiro e a importância dos magistrados para a
consolidação desse.
Por fim, analisa os partidos políticos a partir de sua composição e ideologia.

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Introdução

A probabilidade de um império unido e centralizado favorecer a manutenção


da ordem e da escravidão podia constituir um reforço para sua convicção,
mas não era sua motivação única, talvez nem mesmo a principal.
Isso nos leva à tese central deste livro. Qual seja, sugerir uma explicação
alternativa, ou melhor, uma explicação que dê peso maior, embora não
exclusivo, a um favor até agora desprezado. Parte-se da ideia de que a
decisão de fazer a independência com a monarquia representativa, de manter
unida a ex-colônia, de evitar o predomínio militar, de centralizar as rendas
públicas, foi uma opção política entre outros possíveis na época. Se em
alguns pontos não havia muita liberdade de escolha, como na questão da
escravidão ou do livre comércio, esses constrangimentos não determinavam
os formatos políticos nem garantiam o êxito ou fracasso na organização do
poder, isto é, não havia nada de necessário em relação as várias decisões
políticas importantes que foram tomadas, embora algumas pudessem ser mais
viáveis do que outras. Sendo decisões políticas, escolhas entre alternativas,
elas sugerem que se busque possível explicação no estudo daqueles que as
tomaram, isto é, na elite política
CARVALHO, 2012, p. 19-20).

Elites políticas e construção do Estado

Para José Murilo de Carvalho, a formação do Brasil independente e a consequente


montagem do poder estão relacionados à estrutura estatal portuguesa. Comparando a formação
portuguesa com a inglesa, o autor demonstra que na segunda prevaleceu a transformação
da nobreza em uma classe de rentistas que viviam da renda da terra e, por conta disso, “A
aristocracia inglesa não dependia do emprego público para sua sobrevivência”, participavam
da vida política quase que como um hobby, dado que a nobreza havia se enriquecido “com a
transformação capitalista do campo” (CARVALHO, 2012, p. 29 e 31).
O caso português é bastante distinto do inglês. Portugal tornou-se uma nação em 1385,
quando venceu a batalha de Aljubarrota. Porém, essa vitória veio em um momento em que os
barões feudais já estavam enfraquecidos devido às batalhas contra os mouros, enfraquecimento
este que foi aumentado “pelas aventuras marítimas em que embarcou a nova dinastia.
Restaram aos nobres empobrecidos o serviço do rei ou a empresa colonial, frequentemente
combinados” (CARVALHO, 2012, p. 31). Esse é um fator fundamental para o entendimento
da organização do poder em Portugal, pois a nobreza

[...] de Portugal dependia cada vez mais do emprego [público] para


a sobrevivência, donde sua dependência do Estado e seu crescente
caráter parasitário. Além disso, no serviço público, ela teve que
dividir empregos e influência com a nobreza de toga composta
principalmente de legistas (CARVALHO, 2012, p. 31).
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Unidade: Pensando o Brasil: A Construção da Ordem: o teatro das sombras, de José Murilo de Carvalho

Segundo José Murilo de Carvalho, a elite portuguesa foi treinada na Universidade de


Coimbra, isso se deu porque a elite portuguesa não tinha a mesma homogeneidade da elite
inglesa, que era de natureza social. Como a maior parte da elite era recrutada de setores
não-nobres, “A homogeneidade nesse caso tendia a ser de natureza ideológica, gerada pelo
treinamento e pela socialização antes que pela origem social” (CARVALHO, 2012, p. 33).
Nos estados que eram ex-colônias, o processo de organização do poder e de formação
da elite foi muito mais complicado, pois, enquanto na Europa esses acontecimentos levaram
vários séculos para se concretizar, nos novos Estados surgidos dos processos de independência

[...] condensou-se em prazos muito mais curtos. Em segundo lugar,


o arranjo político a ser estabelecido tinha que contar com elementos
externos de poder representados pelos países que controlavam
os mercados dos produtos de exportação. Em terceiro lugar, a
preexistência de vários modelos distintos de organização política
introduzia um elemento adicional de instabilidade ao fornecer
justificativas ideológicas e instrumentos de ação a grupos políticos
rivais (CARVALHO, 2012, p. 33).

A forma burocrática que o Brasil herdou de Portugal foi fundamental para a estabilidade
e a manutenção de sua unidade territorial e política. Para isso, a elite brasileira contou com
uma homogeneidade ideológica, que já vinha da tradição portuguesa, como demonstrado
anteriormente. Essa homogeneidade foi desenvolvida “pela educação, treinamento e carreira
características que as levavam a agir coesamente” (CARVALHO, 2012, p. 35).
A elite brasileira do início do século XIX, assim como a portuguesa, foi formada em Coimbra.
Seu treinamento concentrou-se na formação jurídica e a maioria de seus membros tornou-se
“parte do funcionalismo público, sobretudo na magistratura e do Exército. Essa transposição
de um grupo dirigente teve talvez maior importância que a transposição da própria Corte
portuguesa e foi fenômeno único na América” (CARVALHO, 2012, p. 37).
A tese central do autor é justamente essa: a formação da elite brasileira se deu pela educação
e pelo treinamento, o que levou essa elite a ter um comportamento muito mais coeso, evitando
assim conflitos violentos que pudessem levar a grandes rupturas.

O brasil dispunha-se, ao tornar-se independente, de uma elite


ideologicamente homogênea devido a sua formação jurídica
em Portugal, a seu treinamento no funcionalismo público e ao
isolamento ideológico em relação a doutrinas revolucionárias.
Essa elite se reproduziu em condições muito semelhantes após a
Independência, ao concentrar a formação de seus futuros membros
em duas escolas de direito, ao fazê-lo passar pela magistratura,
ao circulá-lo por vários cargos públicos e por várias províncias
(CARVALHO, 2012, p. 39).

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A elite política nacional: definições

Quem tomava as decisões políticas no período imperial? Para o autor de A construção


da ordem, eram os ocupantes de cargos legislativos e os membros do executivo, ou seja,
“além do imperador, os conselheiros de Estado, os ministros, os senadores e os deputados”
(CARVALHO, 2012, p. 51).
Para o autor, as sociedades de classe existiram, mas tiveram pouca influência política
direta. É o caso da Sociedade Auxiliadora da Indústria, fundada em 1827 – e substituída
pelo Centro Industrial do Brasil, em 1940. Essa sociedade era mais representativa do setor
agrícola do que propriamente da indústria – no sentido de indústria ao qual nos referimos
atualmente. “A Sociedade era algo mais próximo de um centro de estudos ou sociedade
literária. A participação dos políticos nela era mais simbólica e honorífica do que instrumental”
(CARVALHO, 2012, p. 52).
Outra associação de classe existente no período foi a Associação Comercial, fundada
em 1820, que tinha o nome de Corpo do Comércio. Ela foi fechada no período da
proclamação da independência e reaberta em 1834 com o nome de Sociedade dos
Assinantes da Praça do Rio de Janeiro, mudando para Associação Comercial em 1867.
Essa associação seria considerada menos importante que a Sociedade Auxiliadora da
Indústria quando se levado em conta o critério de participação em cargos públicos, pois,
no período entre 1834-1889, elegeu apenas um senador e um deputado. Mas o panorama
se modifica se considerarmos sua participação na direção do Banco do Brasil – o principal
órgão de execução da política financeira –, verifica-se que 11 diretores dos bancos e 10
das companhias de seguro ocuparam também postos de direção no Banco do Brasil. Por
meio dessa participação, os comerciantes certamente influenciavam a política monetária
(CARVALHO, 2012, p. 53).
Segundo José Murilo de Carvalho, em algumas ocasiões, a Associação Comercial
tentou pressionar o Congresso a favor de seus interesses, como foi o caso entre 1857-
1859 – período agitado e inflacionário, no qual a associação tentou influenciar as decisões
dos parlamentares a favor “de uma política emissionista e tentou influenciar as eleições
legislativas. Mas em geral ela permaneceu muda durante os principais debates que agitaram
a vida nacional” (CARVALHO, 2012, p. 53).
Para o autor a imprensa também não se constituiu em fonte de poder; apesar de haver
jornais independentes, eles eram poucos e inconstantes. O governo e a oposição tinham
seus próprios jornais. “A imprensa era, na verdade, um fórum alternativo para a tribuna,
importante principalmente para o partido de oposição muitas vezes sem representação na
Câmara” (CARVALHO, 2012, p. 54).
Outra fonte que poderia exercer algum poder político era o Exército e a Marinha; entretanto,
segundo José Murilo de Carvalho, no período imperial foi mantida a supremacia civil e, somente
após a Guerra do Paraguai, é que se formaria uma corrente política entre os militares, mas que
não teria grande importância até a proclamação da República.

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Unidade: Pensando o Brasil: A Construção da Ordem: o teatro das sombras, de José Murilo de Carvalho

A elite eclesiástica poderia ser uma fonte de poder, porém, para José Murilo de Carvalho,
a Igreja se manteve mais preocupada com a educação e com o casamento civil, não sendo
influente nas demais questões de política nacional.
Quem então exercia o poder? Para o autor, em primeiro lugar vinha o grupo dos ministros
e, em segundo, a Constituição de 1824: “os ministros eram os agentes do Poder Executivo,
cujo titular era o imperador, que tinha total liberdade em escolhê-los”. Essa situação foi alterada
quando criou-se em 1847 o presidente do Conselho de Ministros, a partir daí “o imperador
limitava-se geralmente a escolher o presidente que por sua vez escolhia seus auxiliares em
consultas com o chefe do governo” (CARVALHO, 2012, p. 57).
Em seguida, vinham os senadores. Eles eram escolhidos em lista tríplice pelo imperador e
tinham seus mandatos vitalícios, essa era sua fonte de poder. “Os requisitos para a senatoria
eram idade mínima de 40 anos e renda de 800$000 por ano” (CARVALHO, 2012, p. 57).
Depois dos senadores vinham os deputados, que eram mais numerosos, embora tivessem
menos poder. O período imperial foi o de maior poder dos deputados, principalmente durante
as regenciais, período em que o poder moderador ficou suspenso.

Após a Regência, os deputados raramente completavam os quatro


anos de mandato devido às frequentes dissoluções. Em número
de 100 na primeira legislatura regular (1826), eles eram 125 na
última legislatura (1886). Os requisitos para eleição eram idade
mínima de 25 anos e renda mínima de 400$000 (CARVALHO,
2012, p. 57-58).

Os conselheiros de Estado fecham a lista, em sua maioria foram ministros e senadores. “O


Conselho foi chamado de ‘cérebro da monarquia’ por Joaquim Nabuco e certamente incluía o
topo da elite política” (CARVALHO, 2012, p. 58).
Para análise da atuação da elite política, José Murilo de Carvalho divide o período imperial
em 5 fases, são elas:
1. Primeiro Reinado, 1822-1831;
2. Regência, 1831-1840;
3. Consolidação, 1840-1853;
4. Apogeu, 1853-1871;
5. Declínio e Queda, 1871-1889 (CARVALHO, 2012, p. 59).

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Unificação da elite: uma ilha de letrados

Segundo José Murilo de Carvalho, a unificação da elite brasileira se dava pela posse do
diploma superior, por três razões: em primeiro lugar, a elite era uma ilha de letrados em meio a
uma massa de analfabetos; segundo, porque a formação era concentrada nos cursos jurídicos
que, em consequência, fornecia “um núcleo homogêneo de conhecimentos”; em terceiro
lugar, como já foi dito anteriormente, a formação se dava na Universidade de Coimbra:

[...] “e, após a Independência, em quatro capitais provinciais,


ou duas, se considerarmos apenas a formação jurídica”. A
concentração temática e geográfica promovia contatos pessoais
entre estudantes das várias capitanias e províncias e incutia neles
uma ideologia homogênea dentro do estrito controle a que as
escolas superiores eram submetidas pelos governos tanto de
Portugal como do Brasil (CARVALHO, 2012, p. 65).

Em Portugal, o controle da educação superior estava nas mãos dos jesuítas. Com as reformas
de Pombal, realizadas no final do século XVIII, os jesuítas foram afastados da educação
universitária, produzindo um “notável grupo de cientistas. Muitos deles eram brasileiros e
algumas ainda militavam na política à época da Independência, como Manuel F. da Câmara e
José Bonifácio, naturalistas de estrutura internacional” (CARVALHO, 2012, p. 68).
Esse foi um período de difusão do Iluminismo em Portugal, porém, era bastante conservador
se comparado ao francês. O Iluminismo aparece em Portugal num momento de decadência
da mineração na colônia brasileira, da queda dos preços do açúcar e, da sempre presente,
dominação inglesa. As reformas educacionais do período tinham por objetivo tornar a educação
instrumento da recuperação econômica.

Surgindo nesse contexto, o Iluminismo português ficou mais


próximo do italiano do que do francês. Preparado pelos padres
do Oratório, com Luís Antônio Verney à frente, esse Iluminismo
era essencialmente reformismo e pedagogismo. Seu espírito
não era revolucionário, nem anti-histórico, nem irreligioso,
como o francês; mas essencialmente progressista, reformista,
nacionalista e humanista. Era o Iluminismo italiano: um Iluminismo
essencialmente cristão e católico (CARVALHO, 2012, p. 67).

O Marquês de Pombal saiu do governo português após a morte do rei D. José I em


1777, momento em que teve início a reação contra suas reformas – houve intervenção na
Universidade de Coimbra, muitos alunos foram expulsos e processados. Esse movimento
de reação ficou conhecido como Viradeira, “teve como consequência o abandono da
ênfase nas ciências naturais e a volta do direito à antiga predominância. A maior parte dos
políticos brasileiros da primeira metade do século XIX estudou em Coimbra após a reação”
(CARVALHO, 2012, p. 69).

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Unidade: Pensando o Brasil: A Construção da Ordem: o teatro das sombras, de José Murilo de Carvalho

Essa formação da elite brasileira proporcionou “uma distribuição muita mais elitista da
educação e a menor difusão de ideias que os governos da época consideravam perigosas”
(CARVALHO, 2012, p. 70), dando maior homogeneidade a essa elite e, também, tornando-a
mais conservadora.
No Brasil, após a independência, surgiram duas escolas para formação da elite que
contribuíram, ainda mais, para homogeneizá-la: um curso de direito fundado na cidade de São
Paulo em 1828 e outro na cidade de Olinda, no mesmo ano, que depois foi transferido para
Recife em 1854.
O Colégio Pedro II, inaugurado em 1838, era destinado à formação dos filhos das famílias
ricas no ensino secundário, preparando-os para o ensino superior. Eram esses filhos das
famílias ricas que, em geral, frequentavam as escolas superiores, pois as escolas de direito
cobravam taxas de matrícula que, segundo José Murilo de Carvalho, eram de 51$200 réis no
primeiro ano de funcionamento.

Além disso, os alunos que não eram de São Paulo ou do Recife


tinham que se deslocar para essas cidades e manter-se lá por
cinco anos. Muitos, para garantir a admissão, faziam cursos
preparatórios ou pagavam repetidores particulares. Esses custos
era obstáculos sérios para alunos pobres, embora alguns deles
conseguissem passar pelo peneiramento. Menciona-se, por
exemplo, a presença de estudantes de cor já nos primeiros anos
da Escola de São Paulo, aos quais, por sinal, um dos professores
se recusava a cumprimentar alegando que negro não podia ser
doutor (CARVALHO, 2012, p. 74-75).

Os cursos de direito no Brasil foram criados a imagem e semelhança dos de Coimbra,


embora tenham sofrido modificações importantes: o sistema jurídico romano foi abandonado,
dando maior ênfase ao direito mercantil e marítimo e na economia política; a proposta era
formar juristas, mas também advogados, políticos, “diplomatas e os mais altos empregados
do Estado, como está expresso nos Estatutos feitos pelo visconde de Cachoeira, adotados no
início dos cursos” (CARVALHO, 2012, p. 76).
A marca distintiva da elite brasileira era o diploma superior. “Havia um verdadeiro abismo
entre essa elite e o grosso da população em termos educacionais” (CARVALHO, 2012, p.
79). A percentagem de alfabetizados em 1872 era de 15,75 – numa população de 8.490.910
habitantes, menos de 12.000 estavam matriculados no ensino secundário nesse ano. “Os
dados de ocupação fornecidos pelo Censo de 1872 permitem calcular o número de pessoas
com educação superior no país em torno de 8.000 (CARVALHO, 2012, p. 80).
Essa distinção, a ideologia e o treinamento, que eram fornecidos nas escolas de direito,
cimentaram a homogeneidade da elite brasileira.

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A burocracia, vocação de todos

Vimos até aqui que uma das principais características da elite política
imperial, à semelhança de outras elites de países de capitalismo
retardatário ou frustrado, era seu estreito relacionamento com a
burocracia estatal. Embora houvesse distinção formal e institucional
entre as tarefas judiciárias, executivas e legislativas, elas muitas
vezes se confundiam na pessoa dos executantes, a a carreira
judiciária se tornava parte integrante do itinerário que levava ao
Congresso e aos conselhos de governo. Daí ser necessário dedicar
algum espaço à análise da burocracia como um todo (CARVALHO,
2012, p. 145).

Segundo José Murilo de Carvalho, a burocracia brasileira dividia-se tanto vertical quanto
horizontalmente. Na verticalidade, os setores mais importantes eram o judiciário e o militar.
Esses setores foram os mais desenvolvidos em Portugal, e os herdamos da metrópole. Outro
setor relevante foi o clero que pertencia a duas burocracias e, portanto, estava numa situação
especial, ele “foi importante recurso administrativo, além de ter tido relevante participação
política (CARVALHO, 2012, p. 146). Esses foram os setores que mais forneceram elementos
para a elite política brasileira, mas “não só daí provinha sua importância. O fato de constituírem
corporação mais ou menos estruturadas, com maior grau de coesão interna do que os outros
setores, fez com que se tornassem atores políticos coletivos com muito maior poder de
barganha” (CARVALHO, 2012, p. 146).
Na divisão horizontal, o autor destaca o peso da burocracia proletária, principalmente no
setor militar. Segundo levantamentos da época, ele afirma “que o proletariado formava 89%
da burocracia militar e pouco menos de 50% da burocracia civil. A metade do proletariado civil
se encontrava nos arsenais da Marinha e do Exército”. Esses se constituíam principalmente de
serventes e operários e, apesar de algumas rebeliões, “a massa proletária militar permanecia
submetida a rigorosa disciplina, que por muito tempo incluía até mesmo o castigo físico”
(CARVALHO, 2012, p. 147).
Acima do proletariado, na burocracia civil, encontrava-se a auxiliar, contando com 39%
dos funcionários. Nessa parte da burocracia havia melhor qualificação e os salários eram mais
altos, era onde havia alguma possibilidade de chegar a chefia de seção; “na prática poucos
poderiam passar pelo filtro, pois a burocracia diretorial excluídos os ramos do judiciário e do
clero, pouco passava dos 5% do total (CARVALHO, 2012, p. 151).
A carreira judiciária era vista como trampolim para os postos mais altos, tanto políticos
como administrativos. “Por fim, havia o topo da pirâmide que não chegava a 1% de todo o
funcionalismo, ao todo umas 350 pessoas. Mas nesse ponto já se tornava muito difícil separar
a administração da política”. O topo da administração era, ao mesmo tempo, parte substancial
da elite política (CARVALHO, 2012, p. 151).
Criticando as teses de Raimundo Faoro, o autor afirma que no Brasil não se constituiu
um estamento burocrático, o Brasil imperial era composto por “uma elite política formada
em processo bastante elaborado de treinamento”, através das escolas de direito. O principal
caminho para se chegar ao topo da pirâmide, e da elite política, era a magistratura. “O

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Unidade: Pensando o Brasil: A Construção da Ordem: o teatro das sombras, de José Murilo de Carvalho

segredo da duração dessa elite estava, em parte, exatamente no fato de não ter a estrutura
rígida de um estamento, de dar a ilusão de acessibilidade, isto é, estava em sua capacidade de
cooptação de inimigos potenciais (CARVALHO, 2012, p. 151).
A administração pública brasileira no período imperial era extremamente centralizada, com
acúmulo de funcionários no nível central. Províncias de municipalidades não contavam com
uma estrutura burocrática equivalente a do governo central.

A incapacidade do Estado brasileira em chegar à periferia é


bem ilustrada pelos compromissos que se via forçado a fazer
com os poderes locais. No Brasil, como nos exemplos históricos
descritos por Weber, o patrimonialismo combinava-se com tipos
de administração chamados litúrgicos. Na ausência de suficiente
capacidade controladora própria, os governos recorriam ao serviço
gratuito de indivíduos ou grupos, em geral proprietários rurais, em
troca da confirmação ou concessão de privilégios” (CARVALHO,
2012, p. 158).

O principal instrumento de troca do governo central com a periferia do Estado brasileiro


foi a Guarda Nacional. O oficialato dessa era composto por fazendeiros, comerciantes
e capitalistas, os quais ligavam-se ao centro por favores concedidos por este e, em troca,
aplicavam as políticas do governo central.

Apesar das variações entre os diversos setores, salientando-se a


maior burocracia dos setores clássicos do judiciário, do militar e
do fiscal, pode-se dizer que, em geral, a classificação de cargos era
precária, a divisão de atribuições pouco nítida, os salários variáveis
de Ministérios para Ministérios; não havia sido institucionalizado o
sistema do mérito, e as nomeações eram muitas vezes feitas à base
do apadrinhamento ou, como se dizia na época, do empenho do
patronato, e não da competência técnica; as carreiras eram mal
estruturadas e a aposentadoria não era generalizada (CARVALHO,
2012, p. 159).

Fazendo crítica aos que viam todos os males do país no tamanho da burocracia – que
segundo alguns, devora a maior parte das rendas –, José Murilo de Carvalho afirma que o que
esses críticos não percebiam era:

[...] que o funcionalismo atendia também necessidades que eram


de natureza política e social”. A burocracia era importante para
prover ocupação para os setores médios urbanos e mesmo para
setores proletários, era também poderoso elemento de cooptação
dos potenciais opositores, oriundos dos setores médios urbanos
e das alas decadentes da grande propriedade rural (CARVALHO,
2012, p. 164).

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Juízes, padres e soldados: os matizes da ordem

Apesar da unidade ideológica criada a partir da socialização e do treinamento, havia cisões


na elite política brasileira, principalmente entre magistrados, padres e militares.
Como já foi dito anteriormente, os magistrados eram formados em Coimbra e depois nas
escolas de direito de São Paulo e Recife. Essa formação lhes dava coesão e unidade. Os magistrados
formavam a maioria dos políticos nacionais. A Câmara dos deputados contava, em 1855, com 44
magistrados que, somados a 8 advogados, 7 professores de direito e 21 bacharéis, resultava num
total de 80 legistas, dando ampla maioria aos políticos com formação jurídica. É preciso lembrar
que todos esses juristas que atuavam no Congresso Nacional eram também funcionários públicos,
ou seja, pertenciam à burocracia estatal, o que lhes conferia mais um fator de coesão.
Os magistrados e juristas formaram a maioria da elite política até o final do Império, mas as
coisas começaram a mudar a partir de 1855, quando entrou em discussão a lei que propunha
a eliminação dos magistrados e empregados públicos da representação nacional. O projeto
apresentado pelo Executivo foi aprovado com 53 votos a favor e 36 contra:

A aprovação do projeto foi o primeiro grande golpe no poder dos


magistrados. A reforma judiciária de 1871 continuou o esforço
profissionalizante afastando os juízes mais e mais de tarefas não
diretamente vinculadas ao cargo. A abundância de bacharéis
também pressionava nessa direção, de vez que a acumulação de
cargos públicos e judiciários reduzia as oportunidades de emprego
para os novos. A eliminação dos magistrados e empregados
públicos em geral da representação nacional reduziu o peso do
Executivo, tornou o Legislativos mais representativo, ao mesmo
tempo em que enfraquecia a posição estatizante entre os políticos
e dava margens a um aumento da representação dos interesses de
grupos (CARVALHO, 2012, p. 181).

Já o clero apresentava uma formação bastante diferente dos juristas. Além dessa formação,
havia uma outra diferença entre essas duas categorias: o clero era ao mesmo tempo funcionário
do Estado e da Igreja (Padroado), pertencendo, assim, a dois sistemas burocráticos; quanto a
educação, o clero se distinguia dos juristas, pois a maioria de seus membros não era formada
em Coimbra, mas sim nos seminários episcopais.

De qualquer modo, como membros de uma burocracia ou como


indivíduos, os padres se distinguiam dos magistrados. Apesar do
Padroado, a burocracia eclesiástica era fonte constante de conflitos
potenciais com o Estado; a formação da maioria do clero era menos
nacional e menos estatista em seu conteúdo; a origem social do
grupo como um todo era provavelmente mais democrática; as
menores possibilidades de ascensão na carreira tornavam o grupo
eclesiástico menos coeso do que o dos magistrados, e, finalmente,
a atuação da maioria dos padres era muito próxima da população,
tornando-os líderes populares em potencial, em contraste com os
juízes encarregados da guarda da lei e que permaneciam pouco
tempo em seus postos (CARVALHO, 2012, p. 181).

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Unidade: Pensando o Brasil: A Construção da Ordem: o teatro das sombras, de José Murilo de Carvalho

O envolvimento dos padres em quase todos os movimentos de rebeliões confirma a diferença


de atuação entre os dois grupos. Segundo José Murilo de Carvalho, os padres, sobretudo os
mais ilustrados, eram movidos por ideários como os da Revolução Francesa e da Revolução
Americana, “notadamente no que dizia respeito ao combate ao absolutismo, à defesa das
liberdades políticas e da democracia. Essas ideias que não atingiam Coimbra conseguiam chegar
aos seminários brasileiros apesar da precariedade de seu ensino” (CARVALHO, 2012, p. 183).
Durante o Império, o governo não abriu mão de ter o clero sob seu controle, já que os
padres recebiam salários baixíssimos, sendo um recurso barato para o Estado. O clero “possuía
grande poder sobre a população, de que o governo indiretamente se beneficiava. Ao ser
proclamada a República, foi eliminado o clero da burocracia mediante a separação da Igreja e
do Estado” (CARVALHO, 2012, p. 187).
Os militares têm uma trajetória bastante diferente dos magistrados e do clero: enquanto esses
últimos foram eliminados do exercício da política, os militares tiveram alguma importância no
período da proclamação da República, perdendo influência durante a maior parte do Império,
mas fortalecendo-se a partir da Guerra do Paraguai – tendo destacada atuação no processo de
proclamação e afirmação da República.
Se no início os oficiais militares provinham de famílias ricas, houve, logo após a independência,
significativa mudança no Exército: a maioria dos oficiais era de origem modesta e de famílias de
militares, mantendo-se o recrutamento de praças das famílias mais pobres. Na Marinha, a situação
permaneceu como antes, não sendo feitas mudanças no recrutamento. “Mediante a exigência
de enxovais caros, a Marinha fechou suas fileiras a candidatos de menores recursos e manteve o
padrão aristocrático de recrutamento durante todo o período” (CARVALHO, 2012, p. 188).
Na primeira década do Império, o exército, sobretudo as tropas de linha, atuaram em
conjunto com os padres nas rebeliões. Essa atuação se deu, principalmente, contra os oficiais
portugueses e contra o comércio português. “A aliança quebrou-se com a Abdicação: eliminado
o imperador português, a agitação dos soldados no Rio e em várias outras capitanias passou
a colocar em perigo a integridade do Estado que se tentava consolidar” (CARVALHO, 2012,
p. 189). Para conter a atuação dos militares, o governo do Regente Feijó criou a Guarda
Nacional, transferiu e licenciou grande parte da tropa do Exército.
Como dito anteriormente, o Exército voltou a atuar politicamente após a Guerra do
Paraguai, mas já em 1850 os militares entravam em conflito com a elite, formada em sua
maioria por juristas. “Os jovens militares pregavam a ênfase na educação, na industrialização,
na construção de estradas de ferro, na abolição da escravidão”. Agora unificados a partir “de
uma ideologia específica, o positivismo” (CARVALHO, 2012, p. 190).
A partir daí, os militares ganharam relevo na política nacional, participando ativamente
da proclamação da República e de sua consolidação. Ao contrário de padres e magistrados,
“o setor militar da burocracia não só não pode ser absorvido e eliminado como constituiu o
principal elemento da destruição do sistema imperial, agindo de dentro do próprio Estado”
(CARVALHO, 2012, p. 190).
Os oficiais do Exército imbuídos do positivismo se educaram melhor, aperfeiçoaram a
carreira e desenvolveram espírito de corpo, o que levou-os ao conflito com a elite política em
geral. O inimigo do oficialato do Exército era “o bacharel em geral, o casaca, a aristocracia do
pergaminho, o representante dos senhores de terra” (CARVALHO, 2012, p. 193).

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Segundo José Murilo de Carvalho, mesmo com toda coesão dos magistrados, existiam focos de
cisões internas, que podiam localizar-se dentro da própria burocracia; porém o autor destaca que:

[...] apesar das divergências, os vários setores da burocracia possuíam


em comum o compromisso com o fortalecimento do Estado, a
visão nacional, a oposição ao localismo, ao predomínio excessivo
dos grupos ou setores de classe. Se isto implicava a possibilidade
de representação virtual de setores excluídos do processo político
pelos mecanismos formais de representação, significava também
o balizamento do conflito dentro de parâmetros que garantiam a
manutenção dos alicerces do Estado. Daí que, embora permitissem
mudança, as variações de orientação constituíam antes matizes da
ordem (CARVALHO, 2012, p. 194).

Os partidos políticos imperiais: composição e ideologia

Segundo José Murilo de Carvalho, os partidos políticos no Brasil só passaram a existir após
1837. Até esse ano, existiam sociedades secretas, que não podem ser consideradas partidos
políticos. Foi a partir da descentralização promovida pelo Código de Processo Criminal,
promulgado em 1832, e da promulgação do “Ato Adicional de 1834 e as rebeliões provinciais
da Regência é que iriam, ao final da década, possibilitar a formação dos dois grandes partidos
que, com altos e baixos, dominaram a vida política do Império até o final” (CARVALHO,
2012, p. 204).
O Partido Conservador aglutinou pessoas que eram contra a descentralização promovida
pelas leis acima citadas. O Partido Liberal se organizou a partir daqueles que defendiam as
leis descentralizadoras. Em 1864, surgiu o Partido Progressista, composto de conservadores
e liberais históricos, foi produto do período da Conciliação iniciado em 1853. Com o fim
do Partido Progressista, parte de seus integrantes fundou “o novo Partido Liberal e parte
ingressou no Partido Republicano fundado em 1870. Até o fim do Império o sistema partidário
permaneceu tripartite, tendo, de um lado, os dois partidos monárquicos e, de outro, o Partido
Republicano” (CARVALHO, 2012, p. 205).
Os dois grandes partidos imperiais não tinham programas publicados, suas posições podem
ser retiradas dos debates parlamentares. Os conflitos entre eles se prenderam basicamente
entre as posições descentralizadoras (liberais) e centralizadoras (conservadores).

Os liberais eram por maior autonomia provincial, pela Justiça


eletiva, pela separação da polícia e da Justiça, pela redução das
atribuições do poder moderador. Os conservadores defendiam
o fortalecimento do poder central, o controle centralizado da
magistratura e da polícia, o fortalecimento do poder moderador
(CARVALHO, 2012, p. 206).

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Unidade: Pensando o Brasil: A Construção da Ordem: o teatro das sombras, de José Murilo de Carvalho

Com o fim do Partido Progressista e a fundação do novo Partido Liberal, nota-se uma
mudança nos debates e nas propostas. Se na década de 1830 a questão que norteava o
partido era a descentralização; na década de 1860, as demandas anteriores foram mantidas,
porém foram introduzidas novas reivindicações, como: liberdades civis, participação política
e reforma social. “Tal posição representava agora as reivindicações de profissionais liberais,
de intelectuais e de alguns industriais, todos vinculados à economia e modos de vida urbanos”
(CARVALHO, 2012, p. 208).
O Partido Republicano fundado no Rio de Janeiro em 1870 era composto, em sua maioria,
por profissionais liberais e homens de negócio. O manifesto lançado quando da fundação do
partido pedia o federalismo e criticava os “desvios do governo representativo por parte do
sistema brasileiro”. Verdade democrática, representação, direitos e liberdades individuais eram
os pontos fundamentais do Manifesto” (CARVALHO, 2012, p. 208).
Já o Partido Republicano Paulista, criado em 1873, era bastante distinto de seu
congênere carioca. Formado a partir de convenções municipais, esse partido era composto
por profissionais liberais em sua maioria, advogados e – o que é mais importante – tinha em
sua estrutura grande número de proprietários rurais. Segundo José Murilo de Carvalho, é
bastante provável que a maioria dos advogados filiados ao PRP fossem também proprietários
rurais, o que conferia diferença bastante significativa em relação ao Partido Republicano
fundado no Rio de Janeiro. “Enquanto os republicanos da capital, ou melhor, os que
assinaram o Manifesto de 1870, refletiam as preocupações de intelectuais e profissionais
liberais urbanos, os paulistas refletiam preocupações de setores cafeicultores da província”
(CARVALHO, 2012, p. 209).
A preocupação central dos republicanos paulistas era com a autonomia provincial, buscavam
colocar o governo a serviço de seus interesses. Para eles, “isso seria melhor conseguido
mediante o fortalecimento e o controle pleno do governo estadual. A centralização imperial
impedia esse controle, além de drenar os recursos dos cofres provinciais para a Corte e para
outras províncias” (CARVALHO, 2012, p. 209).
É preciso destacar, também, que o PRP foi contra o fim da escravidão, como ficou
demonstrado na declaração do Comitê Executivo do partido em 1873. Esse partido “só
apoiou abertamente a abolição um ano antes de sua efetivação, na mesma época em que o
Partido Conservador de São Paulo, liderado por Antônio Prado, tomou decisão semelhante”
(CARVALHO, 2012, p. 215).
Em relação a composição por ocupação dos principais partidos imperiais, os dados
demonstram que o Partido Conservador concentrava a maioria de funcionários públicos,
enquanto o Partido Liberal era marcadamente formado por profissionais liberais. Esses dados
são importantes, pois confirmam a tese do autor de que os conservadores foram os principais
arquitetos da centralização e do fortalecimento do Estado.

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É preciso ressaltar que ambos os partidos tinham na sua composição proprietários rurais.
O que os diferenciava eram os propósitos: enquanto os conservadores aliavam proprietários
rurais e burocratas e, por isso, propunham a centralização, ou seja, o fortalecimento do poder
central, os liberais, que tinham na sua composição, além dos proprietários rurais, profissionais
liberais, propunham a descentralização. José Murilo de Carvalho afirma que os liberais se
consideravam assim por defenderem a descentralização do poder. Na verdade, eles defendiam
uma certa autonomia provincial, que beneficiava a eles mesmo. Para o autor, essas diferenças
se davam, também, pela composição regional dos partidos.

[...] os donos da terra que se ligavam ao Partido Conservador


tendiam a pertencer a áreas de produção agrícola voltadas para
exportação e de colonização mais antiga, como Pernambuco,
Bahia e, sobretudo, Rio de Janeiro. Esses grupos tinham mais
interesses na política nacional e na estabilidade do sistema. Daí
se disporem mais facilmente a apoiar medidas favoráveis ao
fortalecimento do poder central. Os donos de terra filiados ao
Partido Liberal provinham mais de áreas como Minas Gerais, São
Paulo e Rio Grande do Sul, com menos interesses na centralização
e na ordem ao nível nacional (CARVALHO, 2012, p. 213).

Ainda sobre as diferenças entre os partidos, José Murilo de Carvalho aponta que os
conservadores eram fruto do período colonial, “descendentes” dos burocratas portugueses,
que tinham uma tradição centralizadora. Após 1830, uniram-se a esse grupo proprietários
rurais – principalmente das províncias de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro – que tinham
maior interesse na ordem nacional. O autor enumera três razões para as províncias citadas
fornecerem os quadros para o partido:

Em primeiro lugar, sua posição privilegiada em termos econômicos


e administrativos durante o período colonial lhes propiciara maior
número de pessoas com educação superior, adquirida em Portugal, e
com treinamento em administração pública, adquirido em Portugal
como no Brasil. Em segundo lugar, ao maior envolvimento destas
províncias no comércio internacional, havia nelas poderosos
grupos de comerciantes com visão política menos provinciana.
Em terceiro lugar, seu maior desenvolvimento urbano fez com que
nelas se localizassem várias das rebeliões socialmente perigosas da
Regência, o que gerou entre seus dirigentes, sobretudo do grande
comércio, maior preocupação com a ordem pública (CARVALHO,
2012, p. 220).

Já a oposição à centralização concentrou-se nas províncias de Minas Gerais, São Paulo e


Rio Grande do Sul. Segundo José Murilo de Carvalho, isso aconteceu porque essas províncias
estavam menos ligadas ao comércio internacional e contavam com menor número de pessoas
com educação superior. Até a segunda metade do século XIX, essas províncias tinham uma
economia estagnada e ainda não tinham se tornado grandes exportadores.
A partir da segunda metade do século XIX, São Paulo e Minas Gerais com o café e o Rio
Grande do Sul com o charque assumiram “uma posição mais complexa em relação ao poder
central” (CARVALHO, 2012, p. 221). As lideranças políticas e econômicas dessas províncias
buscaram maior autonomia, como já foi dito anteriormente, tentando colocar o Estado a
serviço de seus interesses.
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Unidade: Pensando o Brasil: A Construção da Ordem: o teatro das sombras, de José Murilo de Carvalho

A composição do Partido Conservador tinha em suas fileiras uma maioria de funcionários


públicos que defendiam a centralização política, ao mesmo tempo em que eram mais afeitos a
aceitar as reformas sociais, como é o caso da abolição da escravidão. Essa aparente contradição
se explica pelo fato de os funcionários públicos – apesar de terem ligações com os proprietários
rurais e, muitas vezes, serem eles próprios proprietários rurais – dependerem muito mais do
Estado do que propriamente da classe social. Como demonstra José Murilo de Carvalho:

A combinação de estatismo e reformismo era mais fácil para os


magistrados nordestinos, sobretudo para os que provinham de
províncias onde o problema da mão-de-obra escrava não era tão
sério, como o Ceará. Estes elementos constituíram o principal
apoio de Rio Branco na passagem da Lei do Ventre Livre. Muitos
dos funcionários públicos nordestinos tinham no Estado sua
principal fonte de renda dada a má situação econômica de suas
províncias. Daí optarem frequentemente por votar com o governo,
seu empregador, mesmo em questões que não beneficiavam os
interesses de sua classe de origem (CARVALHO, 2012, p. 222).

Já no sul e sudeste, a Lei do Ventre Livre não contou com o apoio de boa parte dos
liberais, que dependiam menos do governo – a maioria não era funcionário público, mas
proprietários rurais.

Esses dados contradizem as versões a resistência nortista à


renovação, em contraste com o apoio sulista, especialmente São
Paulo, à mesma. Pelo menos no que se refere ao problema da
abolição – e as posições sobre a questão não mudaram muito até
o final – esta visão é equivocada. A resistência à abolição foi forte
no sul, inclusive em São Paulo, até menos de um ano antes da
Lei Áurea. Os políticos do norte foram muito mais flexíveis nesta
questão. Não fosse seu apoio, as medidas abolicionistas teriam
certamente sido retardadas (CARVALHO, 2012, p. 223).

As análises do autor em relação aos partidos, principalmente em relação ao conservador e


ao liberal, demonstram que:

Longe de não se distinguirem em termos de composição e ideologia,


os partidos se revelaram instrumentos para entender as fissuras da
elite, mesmo que essas fissuras fossem de natureza a provocar
apenas reajustes no sistema. Mais do que isto, no entanto, seria
irrealista esperar (CARVALHO, 2012, p. 226).

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Material Complementar

Sites:
Para complementar os conhecimentos adquiridos nesta Unidade, leia os textos
disponibilizados nos links abaixo:
http://www.eventos.uepg.br/ojs2/index.php/rhr/article/viewFile/2111/1592
http://goo.gl/Jjzr9V
http://goo.gl/63VdYJ

Vídeos:
Assista aos vídeos:
https://www.youtube.com/watch?v=rFto4QmZxBs
https://www.youtube.com/watch?v=AKgoOXmsT20
https://www.youtube.com/watch?v=qwPh5FdKNWA

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Unidade: Pensando o Brasil: A Construção da Ordem: o teatro das sombras, de José Murilo de Carvalho

Referências

CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: teatro das sombras. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2012.

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Anotações

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