Você está na página 1de 25

De que maneira votos são transformados em mandatos?

Os sistemas eleitorais nas democracias contemporâneas1

Carlos Ranulfo Melo


Introdução

Democracias representativas requerem, como condição incontornável, a realização de


eleições livres, justas e periódicas, por meio das quais os cidadãos possam escolher
aqueles que vão tomar as decisões, seja no âmbito do Executivo, seja no Legislativo. Tais
eleições são definidas por uma legislação específica que, como qualquer instituição, pode
ser pensada como um arranjo que visa agregar indivíduos e regular seus comportamentos
através da utilização de regras formais e processos de decisão garantidos por atores com
autoridade para tanto (Tsebelis, 1998).

As regras em torno das quais se estruturam os processos eleitorais objetivam regular o


comportamento de eleitores, políticos e partidos, estabelecendo como poderá se realizar
a interação entre eles. É claro que nem todos os envolvidos no jogo se dão conta disso da
mesma maneira. Dificilmente, um eleitor saberá como é distribuído o tempo de
propaganda gratuita entre os candidatos ou ainda qual é a fórmula eleitoral utilizada para
as eleições legislativas. Políticos e partidos, por sua vez, terão a resposta na ponta da
língua, e a razão para tanto é simples: conhecer as regras do jogo é indispensável para a
definição da estratégia adequada aos resultados almejados.

Ao analisar este conjunto de regras pode-se distinguir entre a legislação eleitoral e o


sistema eleitoral propriamente dito (Rae, 1967). A primeira engloba um conjunto mais
amplo de dispositivos legais como a definição de quem são os cidadãos aptos a votar,
quais são os procedimentos necessários para se tornar candidato ou ainda como e quando
poderá ser realizada a propaganda eleitoral. Os sistemas eleitorais, que serão objeto deste
capítulo, possuem um objetivo mais específico: trata-se de definir como preferências

1
Publicado em Ricardo Fabrino Mendonça e Eleonora Cunha (orgs.), Introdução à
teoria democrática: conceitos, histórias, instituições e questões contemporâneas. Editora
UFMG, 2018.
serão transformadas em votos e como os votos serão transformados em mandatos no
Legislativo ou no Executivo. Neste texto serão analisados os sistemas eleitorais utilizados
nas eleições para as Câmaras de Deputados nos diversos países. Sempre que se fizer
necessário, serão feitas menções às eleições para o Senado e para o poder Executivo.

Todo sistema eleitoral deve definir: (a) quais são os distritos ou circunscrições eleitorais;
(b) como será a cédula eleitoral; (c) quais serão os procedimentos de votação; e (d) de
que maneira os votos serão contabilizados. Estes são os elementos constitutivos básicos
de todo sistema eleitoral (Rae, 1967; Tavares, 1994).

Definir os distritos implica estabelecer a unidade territorial na qual o eleitor vota e os


candidatos competem. Cada distrito elege um determinado número de representantes, o
que define sua magnitude. Os distritos podem corresponder a unidades políticas ou
administrativas já existentes, como os estados brasileiros, ou serem criados
exclusivamente para fins eleitorais, como nos Estados Unidos. Um bom distritamento é
aquele que faz valer a equidade do voto – a cada eleitor um voto de igual valor – o que só
ocorrerá na medida em que o número de representantes dos distritos for proporcional ao
tamanho do corpo eleitoral de cada um.

Os itens (b) e (c) podem ser analisados juntos: eles definem o quadro formal no interior
do qual o eleitor realizará sua escolha, conferindo-lhe maior ou menor grau de liberdade.
Em alguns sistemas o eleitor possui apenas um voto – em um candidato, como na
Inglaterra, ou em um partido, como no Uruguai. É o chamado voto categórico (Rae,
1967). Outros sistemas permitem, e às vezes exigem que o eleitor vote mais de uma vez:
em candidatos de diferentes partidos, como nas Filipinas, ou em um candidato e uma lista
partidária; nestes casos o eleitor tem dois votos, como acontece na Alemanha. Finalmente,
em alguns poucos países – Suíça, Irlanda e Austrália – o voto é ordinal (Rae, 1967): é
solicitado ao eleitor que marque todos os candidatos, estabelecendo uma ordem de
preferência diante das candidaturas apresentadas (Gallagher and Mitchell, 2005; Baldini
and Pappalardo, 2009; Carter and Farrell, 2010; Nicolau, 2012).

Finalmente, para que os votos sejam transformados em mandatos, é preciso algum tipo
de fórmula eleitoral. As fórmulas vão desde as mais simples, como as utilizadas nos
sistemas que elegem um candidato por distrito e o eleito é simplesmente aquele que chega
à frente, até as mais complexas, nas quais a definição dos eleitos passa por mais de uma
etapa, cada uma delas baseada em procedimentos distintos.

Vencida esta introdução, este capítulo conterá outras quatro seções. Na que vem a seguir
será apresentada uma tipologia de sistemas eleitorais. Logo após o sistema adotado no
Brasil será objeto de sucinto exame. Posteriormente, os tipos apresentados serão
comparados no que diz respeito a seus efeitos sobre os diversos atores e sobre o
funcionamento das democracias. Na quarta e última parte será apresentado um sumário
dos principais pontos e apontadas questões para discussão.

Os tipos de sistemas eleitorais

Não existem sistemas eleitorais idênticos. Cada país mescla os elementos à sua maneira,
a depender das escolhas feitas pelos diversos atores ao longo de sua história. Mas é
possível classificá-los em três “famílias”: majoritárias, proporcionais e mistas.

Os sistemas majoritários

Os sistemas majoritários têm o seu foco nos candidatos, ao invés dos partidos, e visam
garantir a eleição daquele (s) que obtiver (em) o maior número de votos (Nicolau, 2004).
A variante mais comum é a maioria simples, utilizada desde 1429 no Reino Unido
(Baldini and Pappalardo, 2009). Atualmente, quase todos os países a utilizarem o sistema
são ex-colônias britânicas, com destaque para Estados Unidos, Canadá e Índia2. O país é
dividido em tantos distritos quantos forem as cadeiras parlamentares. Cada distrito elege
um representante. Cada partido indica seu candidato e o eleitor escolhe um deles. É eleito
aquele que chegar à frente independente do percentual de votos obtido. O sistema possui

2
Em trabalho recente Carter e Farrell (2010) classificam o sistema eleitoral de 178 países
(www.sagepub.co.uk/leduc3). Neste capítulo, opto por seguir os passos de Nicolau (2012). O autor trabalha
com 95 países dentre os 115 que, segundo a Freedom House, realizaram eleições democráticas até 2010.
Os 20 países excluídos da amostra de Nicolau possuem população menor que 200 mil habitantes. A
classificação da Freedom House pode, é claro, ser criticada. Nela não consta a Venezuela, país cuja natureza
do regime divide opiniões. Mas entre os países listados por Carter e Farrell os problemas são ainda maiores.
Enquanto alguns, como o Egito, assistem a mudanças aceleradas, muitos outros, como Irã, Síria, Mianmar
ou Iêmen, sequer podem ser considerados democracias. Dentre os 95 países analisados por Nicolau, 17
adotam o sistema de maioria simples: Barbados, Bahamas, Bangladesh, Botsuana, Gana, Jamaica, Malaui,
Tanzânia, Trinidad & Tobago e Zâmbia.
outras designações, como as de pluralidade e first past the post (em referência às corridas
de cavalo). No Brasil o sistema é conhecido como distrital.

Duas outras versões do sistema majoritário têm em comum com o modelo inglês o fato
de elegerem apenas um representante por distrito: o sistema de dois turnos e o de voto
alternativo. O primeiro é utilizado na França, Mali e Comores (Nicolau, 2012). Os
franceses adotaram os dois turnos ao final do século XIX. Após um interregno no período
da quarta república (1946-1958), o sistema voltou a ser utilizado com a ascensão de de
Gaulle. No formato atual, pós-1978, um candidato só é eleito no primeiro turno se obtiver
mais de 50% dos votos. Caso contrário, os que obtiverem 12,5% do total do eleitorado
vão ao segundo turno (Carter & Farrell, 2010; Baldini & Pappalardo, 2009). O sistema
permite que mais de dois candidatos cheguem ao segundo turno e que o vencedor obtenha
menos que a maioria absoluta dos votos, mas tais situações não são comuns – a tendência
é que as disputas polarizem entre os dois candidatos mais fortes.

O voto alternativo é utilizado na Austrália desde a segunda década do século XX. Mais
recentemente, a Papua Nova Guiné o adotou. Em comparação com o sistema britânico, a
diferença é que o eleitor não assinala apenas o candidato preferido, mas deve numerar
todos os candidatos, do primeiro ao último – caso contrário o voto é anulado –
estabelecendo sua ordem de preferência. Feita a apuração da primeira preferência dos
eleitores, é considerado eleito o candidato que obtiver 50%+1 dos votos. Se isso não
ocorre, o candidato com menos votos no computo das primeiras preferências é eliminado
e suas segundas preferências são distribuídas entre os restantes. O processo se repete até
que um dos candidatos alcance a maioria absoluta. O sistema possibilita uma transferência
autorizada de votos: ao ordenar suas preferências, o eleitor permite a realização de
quantos turnos forem necessários, dizendo para quem deve ir o seu voto caso seu
candidato não vença.

Finalmente, alguns países trabalham com variantes do sistema majoritário, em que é


possível eleger mais de um representante por distrito. Um deles é o sistema de voto em
bloco, adotado para o Senado brasileiro e que será abordado mais a frente. Outro é o
sistema de voto único não transferível, que permite aos partidos lançar tantos candidatos
quantas forem as vagas em disputa, mas exige que o eleitor escolha apenas um nome. São
eleitos os mais votados não se realizando contagem de votos por partido.3·.

Nos países presidencialistas, e em Israel (único país parlamentarista onde o primeiro


ministro é eleito de forma direta), a eleição dos chefes do executivo é feita pela fórmula
majoritária, uma vez que existe apenas uma cadeira em disputa. O sistema mais utilizado
é o que estabelece a necessidade de dois turnos caso nenhum candidato alcance mais de
50% (a chamada maioria absoluta) dos votos válidos. Por outro lado, Coréia do Sul,
Filipinas, Honduras, México, Taiwan e Venezuela, se contentam com uma maioria
simples e quem chegar à frente no turno único vence a disputa.4

Os sistemas de representação proporcional

Os sistemas proporcionais têm como preocupações centrais “assegurar que a diversidade


de opiniões de uma sociedade esteja refletida no Legislativo e garantir uma
correspondência entre os votos recebidos pelos partidos e sua representação” (Nicolau,
2004:37). Proposto como uma alternativa ao modelo majoritário, o sistema foi adotado
pela Bélgica em 1899, espalhando-se pela Europa e, posteriormente, pela América Latina,
regiões onde hoje5 é predominante.
A quase totalidade dos países em questão adota sistemas de lista, nos quais os votos, de
uma forma ou de outra, são computados para os partidos. Os sistemas proporcionais de
lista apresentam grande variação. Uma maneira de entender o mecanismo geral de tais
sistemas é por meio da resposta às seguintes perguntas: (1) quantas são as vagas em

3
O voto em bloco é adotado nas Ilhas Maurício e na Mongólia. O voto único não transferível foi adotado
pelo Japão até a década de 1990, mas hoje é utilizado apenas em Vanuatu, uma ilha do Pacífico. (Nicolau,
2012). Por duas vezes, em 2015 e 2017, no Brasil, o sistema chegou a ser colocado em votação no plenário
da Câmara dos Deputados, mas não conseguiu apoio suficiente para aprovação.
4
Nos EUA o presidente é eleito por meio de um colégio eleitoral composto por delegados estaduais. O
candidato que vencer a disputa no estado elege todos os seus delegados. Na Bolívia, se não houver vencedor
no primeiro turno, cabe ao Congresso escolher entre os dois mais votados.
5
O sistema é adotado em 55 dos 95 países aqui considerados: África do Sul, Argentina, Áustria, Bélgica,
Benin, Bósnia-Herzegovina, Brasil, Bulgária, Cabo Verde, Chile, Colômbia, Costa Rica, Croácia,
Dinamarca, Equador, El Salvador, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, Grécia, Guatemala,
Guiana, Holanda, Indonésia, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Luxemburgo, Macedônia, Marrocos, Moldávia,
Montenegro, Namíbia, Nicarágua, Noruega, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, Portugal, República Tcheca,
República Dominicana, Romênia, Sérvia, Serra Leoa, Suécia, Suíça, Suriname, Turquia, Ucrânia e Uruguai
(Nicolau, 2012). Rússia e Honduras poderiam ser acrescidos à lista. Existe polêmica acerca do Chile.
Enquanto Tavares (1994), Blais e Massicote (1996) e Anastasia, Melo e Santos (2004) classificam o sistema
como majoritário devido à pequena magnitude dos distritos (M=2), Nicolau (2012) e Carter and Farrell
(2010) preferem incluí-lo na lista dos proporcionais.
disputa em cada distrito? (2) existe um patamar mínimo de votos para se obter
representação? (3) são permitidas coligações entre os partidos? (4) como saber quantas
cadeiras cada partido conquista? (5) em que nível é feita a distribuição das cadeiras? (6)
quem são os eleitos em cada partido?

A magnitude do distrito (M), o número de vagas em disputa, é o fator mais importante


para garantir que a representação parlamentar seja feita de forma proporcional aos
resultados eleitorais. Uma magnitude baixa representa uma poderosa barreira à conquista
de uma vaga no Legislativo pelos pequenos partidos. De acordo com Lijphart (1994), em
um distrito com M = 4 um partido deve obter mais do que 16% dos votos para conseguir
uma cadeira. Se M = 10 serão precisos no mínimo 7% dos votos. Mas se M for igual a 50
bastarão 1,50% dos votos6.

Além de uma magnitude baixa, a introdução de uma cláusula de exclusão pode


representar poderosa barreira à conquista de um mandato legislativo. A existência da
cláusula faz com que um partido só obtenha representação caso ultrapasse um patamar
mínimo de votos. O resultado é uma redução do nível de proporcionalidade alcançado –
as cadeiras que forem negadas aos pequenos partidos serão redistribuídas aos grandes. A
cláusula pode ser calculada: (a) como proporção da votação nacional como requisito para
a obtenção de cadeiras na Câmara dos Deputados – Holanda (0,67%), Israel (1,5%),
Dinamarca (2%), Grécia e Romênia (3%), Áustria, Noruega e Suécia (4%), Eslováquia
(5%), Polônia e Rússia (7%); (b) como proporção da votação nacional como requisito
para a obtenção de uma cadeira no nível local – Grécia e Romênia (3%), Bulgária (4%),
República Tcheca e Polônia (5%), e Turquia (10%); ou (c) em função da votação local
como requisito para a obtenção de uma cadeira no mesmo nível – Argentina e Espanha
(3%), Costa Rica (50% da quota distrital) e Suécia (12%). África do Sul, Finlândia,
Irlanda, Nicarágua, Portugal, Suíça e Uruguai estão entre os países que não adotam
cláusula de barreira (Nicolau, 2004). Até 2017, o sistema eleitoral brasileiro não operava
com uma clausula nacional, mas o quociente eleitoral funcionava como barreira local (nos
estados). Mudanças então aprovadas pelo Congresso alteraram a regra, como poderá ser
visto mais adiante.

6
A fórmula de cálculo da barreira efetiva é: (50%/M+1) + (50%/2M); onde M é a magnitude do distrito.
Bélgica, Bulgária, Chile, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Israel, Grécia, Polônia, Suécia
e Suíça permitem que os partidos estabeleçam coligações nas eleições para a Câmara dos
Deputados. Na Holanda e na Bélgica, uma vez definidas quantas vagas a coligação terá
direito, cada partido recebe uma quantidade proporcional aos votos obtidos nas urnas. Na
Finlândia a distribuição das cadeiras trata os partidos coligados como se fossem uma só
legenda e as vagas são distribuídas levando em conta apenas a votação dos candidatos
(Nicolau, 2012, 2017). O Brasil fazia parte deste grupo até a reforma aprovada no
Congresso em 2017, e adotava o mesmo procedimento dos finlandeses.

Para estabelecer quantas cadeiras cada partido, ou coligação, obteve é preciso recorrer às
fórmulas eleitorais. A variedade aqui é imensa. Em um estudo minucioso, Tavares (1994)
examina 38 fórmulas diferentes. Não será preciso chegar a tanto. A maior parte da
literatura aceita a ideia de que as fórmulas podem ser agrupadas em duas famílias: as das
maiores sobras e as das maiores médias.

É fácil entender a necessidade das fórmulas. Suponha que os eleitores de um distrito


foram às urnas com o objetivo de distribuir 10 cadeiras. No total foram computados
100.000 votos válidos e os partidos X, Y, W e Z receberam 39.800, 23.700, 20.800 e
15.700 votos respectivamente. Aplicando-se uma regra de três, o partido X ficaria com
3,98 cadeiras (39.800 x 10/100.000), Y com 2,37; W com 2,08 e Z com 1,57. Como não
é possível distribuir 0,98 ou 0,57 vagas, é preciso recorrer a outro mecanismo. Nas
fórmulas das maiores sobras o primeiro passo para se chegar ao número de cadeiras de
cada partido é calcular uma cota, que é o número de votos válidos na eleição em questão
dividido pelo total de cadeiras em disputa (cota Hare) ou pelo total de cadeiras +1 (cota
Droop). A seguir, divide-se o total de votos de cada partido pela cota encontrada obtendo,
desse modo, a cota partidária. A primeira distribuição das cadeiras é feita com base na
parte inteira desta cota. No exemplo acima, utilizando a Quota Hare, a cota seria igual a
10.000 (100.000/10) e os partidos X, Y, W e Z ficariam com três, duas, duas e uma
cadeiras na primeira distribuição, restando ainda duas a distribuir. A primeira iria para o
partido X (sobra de 0,98), e a segunda, para o partido Z. O resultado final seria quatro
cadeiras para X e duas para cada um dos demais.
As fórmulas que se baseiam nas maiores médias distribuem as cadeiras dividindo os votos
recebidos pelos partidos por números em série. A mais utilizada é a D’Hondt. Os votos
dos partidos são divididos por 1, 2, 3, 4 etc. As cadeiras são distribuídas uma a uma e são
entregues ao partido no qual ela representa, em média, mais eleitores. A tabela abaixo
permite seguir o raciocínio. A primeira cadeira é entregue ao partido com maior número
de votos, o partido X do exemplo acima. A segunda cadeira irá para o partido Y. Para
entender porque, basta dividir a votação total do partido X por dois – o objetivo é verificar
quantos eleitores cada cadeira estaria representando, caso o partido X ficasse com a
segunda cadeira. Como o resultado da divisão (19.990) é menor do que a votação total de
Y, cabe ao último a cadeira em questão. A terceira vai para o partido W pelo mesmo
raciocínio. O partido X voltará a ser contemplado com a quarta cadeira. O partido Z
receberá a quinta cadeira. Ao final, teremos X com cinco cadeiras, Y e W com duas cada
e Z com uma. Se houvesse uma décima primeira a ser distribuída ela iria para o partido
Y; Z receberia uma segunda cadeira caso fossem doze as vagas em disputa.

Tabela 1
Distribuição de cadeiras segundo a fórmula das maiores médias

Divisores Partido X Partido Y Partido W Partido Z


(39.800) (23.700) (20.800) (15.700)
1 39.800 (1a) 23.700 (2a) 20.800 (3a) 15.400 (5a)
2 19.990 (4a) 11.850 (7a) 10.400 (8a) 7.850
3 13.267 (6a) 7.900 6.934
4 9.950 (9a)
5 7.960 (10a)
Total 5 2 2 1
Fonte: elaborado a partir de Nicolau (2012).

Assim como a magnitude do distrito e a cláusula de exclusão, as fórmulas eleitorais


possuem um impacto, ainda que pequeno, na proporcionalidade alcançada na distribuição
das cadeiras. A adoção do sistema de maiores sobras com cota Hare tende a gerar
resultados mais proporcionais que a adoção das maiores médias com a fórmula D’Hondt.
No exemplo acima, o partido X saiu beneficiado com a aplicação da segunda fórmula e
recebeu 50% das cadeiras após ter recebido cerca de 40% dos votos.

A quinta pergunta feita anteriormente chama a atenção para o fato de que as fórmulas
eleitorais podem ser aplicadas no nível nacional ou local. Apenas Israel e Holanda
utilizam a primeira opção: o território nacional funciona como um distrito único de forma
que as cadeiras são distribuídas com base na votação total dos partidos. Na maioria dos
países, as cadeiras são distribuídas no nível local, tendo como base a votação ali recebida
– este é o caso dos estados brasileiros, das províncias argentinas ou dos departamentos
uruguaios. Este método tende a criar distorções: se não existe proporcionalidade entre o
número de eleitos e a população dos distritos, uma parcela dos eleitores será sobre
representada em relação à(s) outra(s). Finalmente, existem países que combinam a
distribuição das cadeiras em nível local e nacional. Na Grécia utiliza-se um distrito
nacional para onde vão as cadeiras não distribuídas após a primeira rodada de alocação
nos distritos locais (as sobras). Em outros casos, como a Noruega, Suécia, Dinamarca ou
Polônia, o distrito nacional possui um número fixo de cadeiras, separado das cadeiras
locais, que é alocado de forma proporcional à votação nacional dos partidos. A
combinação de distritos nacionais e locais objetiva corrigir as distorções das distribuições
feitas exclusivamente com base nas votações locais (Nicolau, 2004).

Resta saber como são definidos os eleitos em cada partido. Isso irá depender do tipo de
lista adotado. Nos sistemas de lista fechada e lista flexível, os partidos definem qual deve
ser o ordenamento dos candidatos. No caso da lista fechada, cabe ao eleitor escolher entre
uma das listas partidárias apresentadas, sem alterar a ordem apresentada (por isso utiliza-
se também a denominação lista bloqueada). Uma vez definido que o partido X terá direito
a cinco cadeiras, estarão eleitos os cinco primeiros nomes da lista.7 Nos países que
utilizam a lista flexível, o eleitor que concordar com o ordenamento apresentado pelo
partido simplesmente assinala a legenda na cédula de votação. Caso contrário ele pode
assinalar um determinado nome na lista, como na Bélgica, ou mesmo reordenar toda a
lista, como na Áustria. Em todos os casos, os votos dados à legenda reforçam a posição
dos candidatos melhor situados no ordenamento feito pelo partido8.

7
De acordo com Nicolau (2012), dos 55 países que utilizam a representação proporcional, 29 optam pela
lista fechada: África do Sul, Argentina, Benin, Bulgária, Cabo Verde, Colômbia, Costa Rica, Croácia, El
Salvador, Espanha, Guatemala, Guiana, Israel, Itália, Macedônia, Marrocos, Moldávia, Montenegro,
Namíbia, Nicarágua, Paraguai, Portugal, República Dominicana, Romênia, Sérvia, Serra Leoa, Turquia,
Ucrânia e Uruguai. Baldini e Pappalardo (2009), com dados atualizados até 2008 incluem Holanda e
Noruega na relação dos que adotam este tipo de lista.
8
Adotam o sistema: Áustria, Bélgica, Bósnia, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Grécia, Holanda, Indonésia,
Islândia, Noruega, República Tcheca e Suécia (Nicolau, 2012). A Bélgica é um dos casos mais conhecidos.
O primeiro passo é calcular uma cota para cada partido (votos recebidos divididos pelas cadeiras
conquistadas). O candidato que receber uma votação preferencial superior à cota estará eleito
independentemente da ordem que ocupe na lista. A seguir os votos dados à legenda são “transferidos” para
o primeiro nome da lista até que ele alcance a cota. O mesmo é feito para o segundo, o terceiro, até que se
esgotem os votos dados à legenda (Nicolau, 2004, 2012). Terminado o processo de transferência, estarão
eleitos os candidatos com mais votos, respeitado o número de cadeiras destinado ao partido.
Nos sistemas de lista aberta, cabe aos eleitores definir quais serão os eleitos. Os partidos
apresentam uma lista não ordenada e o eleitor vota em um dos nomes. Os votos recebidos
pelos candidatos são somados com o objetivo de estabelecer as vagas de cada partido.
Definidas as vagas, estas serão ocupadas pelos mais votados em cada lista.9

Como se pode perceber, a lista aberta permite que o eleitor interfira de forma mais direta
na definição dos eleitos, mas o faz ao custo de personalizar a disputa política, estimular a
competição entre candidatos do mesmo partido e permitir um processo de transferência
não autorizada de votos, como ficará claro na análise do caso brasileiro – como o voto
dado a qualquer nome conta para o partido, o eleitor que tenha escolhido um candidato
mal colocado na lista estará ajudando a eleger aqueles mais bem situados. A lista fechada
simplifica a escolha eleitoral, já que reduz o número de competidores, e partidariza a
disputa – o que é coerente tanto com o objetivo (dos sistemas de representação
proporcional) de fazer com que a força dos partidos no poder legislativo corresponda a
seu peso nas urnas, como com o fato de que são os partidos, e não os indivíduos, que
organizam o processo legislativo e de governo nas democracias contemporâneas. Por
outro lado, o sistema é criticado por conceder poderes excessivos aos partidos. A lista
flexível mantém no horizonte a partidarização da disputa sem, no entanto, restringir o
leque de escolhas do eleitor.

Dentre os países que adotam o sistema de representação proporcional a Irlanda constitui


uma exceção. O país adota um sistema de voto preferencial no qual o voto dado aos
diversos candidatos da mesma legenda não é agregado para o cálculo das cadeiras. O
método é adotado desde 1921 e é conhecido como sistema de voto único transferível
(STV). O país é dividido em distritos que elegem entre três e cinco representantes para a
Câmara dos Deputados. Os partidos podem apresentar tantos candidatos quantas forem
as cadeiras. Os eleitores ordenam suas preferências, numerando os candidatos na cédula
independentemente do partido. Para determinar os eleitos inicialmente é calculada a cota
Droop. Os candidatos que superarem a cota estão eleitos. Para a distribuição das cadeiras

9
Adotam a lista aberta Brasil, Chile, Equador, Finlândia, Letônia, Panamá, Peru, Polônia e Suriname. Na
Dinamarca, os partidos podem escolher entre os modelos de lista aberta ou flexível. Na Suíça e em
Luxemburgo os partidos apresentam uma lista não ordenada e os eleitores possuem ampla liberdade ao
votar: podem assinalar tantos candidatos quantas forem as cadeiras em disputa no distrito e podem marcar
candidatos de partidos distintos (Nicolau, 2004, 2012; Baldini e Pappalardo, 2009).
não preenchidas deste modo são adotados dois procedimentos de transferência de voto.
O primeiro consiste em redistribuir os votos recebidos além da cota pelos candidatos já
eleitos – os votos são distribuídos aos demais candidatos de forma proporcional às
segundas preferências tal como registradas nas cédulas de votação (à semelhança do
método australiano). Se nenhum candidato tiver alcançado a cota, ou se ainda sobrarem
vagas no distrito após a (s) primeira (s) transferência (s), elimina-se o candidato com
menor número de primeiras preferências e seus votos são distribuídos pelos demais. Este
processo de transferência irá gerar novos excedentes, ou seja, votos além da cota, que
deverão ser redistribuídos se ainda sobrarem cadeiras (Nicolau, 2012; Gallagher and
Mitchell, 2005; Carter and Farrell, 2010; Baldini & Pappalardo, 2009).

Os sistemas mistos

A terceira e última família de sistemas eleitorais é a dos mistos. Seu traço distintivo está
na utilização de uma combinação dos modelos proporcional e majoritário nas eleições
para o mesmo cargo. O sistema foi criado pelos alemães após a segunda guerra mundial.
O México adotou o sistema nos anos 1960 e, a partir da década de 1990, a ideia se
espalhou para uma série de novas e antigas democracias. No entanto, nem todos os países
seguiram a risca o modelo alemão. Atualmente a família dos sistemas mistos pode ser
dividida em dois ramos – os sistemas de correção (caso da Alemanha) e os de
superposição – com variações em cada um deles.

Por ser um caso “clássico”, vale compreender como funciona o sistema alemão. De início,
50% das cadeiras são distribuídas pelo sistema proporcional de lista fechada e 50% pelo
sistema de maioria simples. Cada partido apresenta um candidato para a eleição no distrito
e uma lista de candidatos no seu estado. O eleitor tem dois votos: escolhe um candidato
no distrito e uma das listas (fechadas) apresentadas pelos partidos. Os votos são
independentes. O voto dado na lista define quantas cadeiras cada partido terá na Câmara
dos Deputados. Os votos são computados nacionalmente e aplica-se uma variante da
fórmula das maiores sobras para a repartição das cadeiras (Tavares, 1994). Apenas os
partidos que alcancem 5% dos votos válidos ou que elejam representantes em pelo menos
três distritos participam da distribuição. Os demais são excluídos. Definidas quantas
cadeiras cada partido recebe nacionalmente, elas serão alocadas com base na votação
recebida em cada estado: se determinado partido conquistou o direito a 50 cadeiras e
obteve 10% de sua votação na Bavária, cinco das suas cadeiras irão para este estado.

Resta saber quem serão os eleitos. Nesta hora o sistema alemão aciona o seu “outro lado”.
Suponha que o Partido Social Democrata tenha conquistado o direito de eleger 15
deputados em um estado qualquer. E que neste mesmo estado o partido tenha conseguido
eleger 10 representantes nos distritos. Estes 10 deputados estarão eleitos e o restante da
bancada no estado será composta pelos cinco primeiros nomes da lista partidária. Ou seja,
definido o total de cadeiras obtidas pelos partidos nos estados terão prioridade aqueles
eleitos nos distritos; os nomes da lista completarão as vagas. Caso um partido eleja mais
representantes nos distritos do que as cadeiras obtidas no estado com base no cálculo
proporcional, ele conserva tais mandatos – na Alemanha o tamanho do parlamento é
flexível e o sistema trabalha com cadeiras extras, que funcionam como uma espécie de
“prêmio de maioria”. Por outro lado, se um partido não elege deputados nos distritos, sua
bancada será integralmente composta pelos nomes ordenados na lista.

Esta última situação justifica a classificação do sistema alemão como sendo de correção.
Como é comum acontecer nos sistemas majoritários, os pequenos partidos não
conseguem “chegar à frente” nos distritos e, portanto, caso o sistema fosse baseado apenas
neste mecanismo, não elegeriam representantes, ainda que apresentassem um percentual
de votos significativo no conjunto do país. Ao possibilitar a contagem nacional da
votação de cada partido e fazer desta soma o critério para estabelecer o número de
cadeiras, o sistema alemão faz com que o mecanismo proporcional corrija a distorção
típica dos sistemas majoritários, qual seja, a exclusão das minorias do processo
legislativo.

Nos países que adotam o sistema de correção, o eleitor possui dois votos, a eleição no
distrito é definida pelo sistema de maioria simples e os candidatos podem, ao mesmo
tempo, se lançar no distrito e participar da lista partidária. Mas nem todos os países
realizam o cálculo da parte proporcional levando em conta a votação obtida pelos partidos
no país. Em alguns casos, a soma é feita nos distritos. Também existe variação na
quantidade de cadeiras a ser preenchida pelos diferentes métodos; em certos países o
número de cadeiras preenchidas pela parte majoritária do sistema é maior. Em ambas as
situações os resultados obtidos pelo sistema perdem em proporcionalidade.10

Por fim, os sistemas de sobreposição distinguem-se do modelo alemão porque os dois


sistemas eleitorais não se comunicam, gerando níveis de representação paralelos. Em
consequência, não é possível que o voto na lista partidária corrija as distorções
provocadas pelo mecanismo majoritário. Estas distorções tornam-se ainda mais presentes
quanto maior é o percentual de cadeiras preenchidas pelo voto majoritário e/ou quando
os eleitores possuem apenas um voto para os dois níveis.11

O sistema eleitoral brasileiro

O Brasil utiliza um sistema de representação proporcional para a Câmara dos Deputados,


as Assembleias Legislativas e as Câmaras de Vereadores, e um sistema majoritário para
o Senado. A representação proporcional começou a ser introduzida pelo Código Eleitoral
de 1932 – até 1930 as eleições legislativas eram realizadas com base no sistema de
maioria simples – e seria plenamente adotada após a aprovação da Lei Agamenon em
1935.12 As mudanças entraram em vigor em 1945 devido à vigência do Estado Novo.

Para a composição do Congresso Nacional, os estados equivalem a distritos eleitorais. No


caso do Senado, cada estado elege três senadores, com renovação parcial das bancadas:
em determinado ano um senador é eleito pelo sistema de maioria simples e quatro anos
depois são eleitos os outros dois, por uma das variantes do sistema majoritário – o voto

10
Além da Alemanha, adotam o sistema misto de correção: México, Nova Zelândia, Hungria, Bolívia,
Albânia, Lesoto. Desde 1999, após as reformas introduzidas no governo Tony Blair, o parlamento da
Escócia, do país de Gales e a Assembléia de Londres trocaram o sistema majoritário pelo misto de correção.
Dos países não incluídos entre as 95 democracias aqui destacados cabe mencionar a Venezuela como outro
exemplo. A candidatura dupla (no distrito e na lista) é utilizada pelos partidos para assegurar que lideranças
importantes não fiquem fora do parlamento e tem sido criticada em vários países.
11
O sistema de superposição é utilizado no Japão, Senegal, Lituânia, Coréia do Sul, Taiwan e Filipinas.
Nos três últimos países 75%, 78% e 80% das cadeiras são preenchidas no distrito. Na Coréia e no Senegal
o eleitor possui apenas um voto (Nicolau, 2012). A Rússia ingressou na democracia com o sistema, mas
em 2007 migrou para um sistema proporcional de lista com cláusula de exclusão de 7% (Baldini and
Pappalardo, 2009).
12
O sistema proposto em 32 mesclava elementos proporcionais e majoritários. Ademais, determinava que
uma parcela dos deputados fosse eleita de forma corporativa, por sindicatos legalmente reconhecidos,
associações de profissionais liberais e de funcionários públicos – o que chegou a valer para a Constituinte
de 1934. O Código também estendeu o direito de voto às mulheres, criou a Justiça Eleitoral, estabeleceu a
obrigatoriedade do alistamento e do voto, bem como determinou o caráter secreto deste último. As
mudanças foram confirmadas pela Assembleia Constituinte de 1934 que ainda reduziu a idade mínima para
o exercício do direito de voto de 21 para 18 anos. (Porto, 2000; Nicolau, 2012)
em bloco: o eleitor pode votar em tantos candidatos quantas forem as cadeiras em disputa
no distrito sem a necessidade de se manter “fiel” a um só partido. São eleitos os mais
votados, independente do partido13.

Para a Câmara dos Deputados, a Constituição define o tamanho das bancadas tendo como
base a população do estado. Ao mesmo tempo, estabelece oito cadeiras como a magnitude
mínima e 70 como a máxima. A ideia dos limites mínimo e máximo foi introduzida na
Constituição de 1946 – à época os limites eram seis e 60 – e distorce os resultados para a
Câmara. A população dos pequenos estados do Norte e Nordeste torna-se sobre
representada, em detrimento daqueles que residem em São Paulo, o estado que mais
“perde” cadeiras. A norma da equidade – mencionada anteriormente – deixa de vigorar
já que o voto de alguns eleitores passa a valer mais do que o de outros.

O cálculo para a distribuição das cadeiras na Câmara é feito nos estados. Tal como nos
países que adotam as fórmulas das maiores sobras, a primeira distribuição é feita com o
auxílio de uma cota. Trata-se do quociente eleitoral: número de votos válidos14 dividido
pelo número de cadeiras em disputa. Até a reforma eleitoral de 2017, o quociente
funcionava como uma clausula de barreira: partidos que não o alcançassem ficavam de
fora da disputa pelas cadeiras distribuídas no estado. O próximo passo é dividir o número
de votos conquistado por cada partido pelo quociente eleitoral: com base nos números
inteiros realiza-se a primeira distribuição. As cadeiras que sobram são definidas uma a
uma: o número de votos de cada partido é dividido pelo total de cadeiras adquiridas na
primeira distribuição, acrescido de uma. O partido que obtiver o maior resultado, feita a
divisão, terá direito à cadeira em questão. Repete-se a série de divisões (tal como no
método D’Hondt) até que todas as cadeiras tenham sido distribuídas. O sistema de
distribuição das sobras foi adotado pelo Código Eleitoral de 1950 e mantem-se até hoje.

13
Em 1977, por meio de emenda constitucional e com o objetivo de manter o Senado sob controle, o
Presidente Geisel criou a figura do senador “biônico”. Nos anos em que fossem eleitos dois senadores, um
deles seria eleito de forma indireta, indicado por um colégio eleitoral. Com a redemocratização, todos os
senadores voltaram a ser eleitos de forma direta.
14
Votos válidos são aqueles dados aos candidatos ou às legendas. Até 1994 também os votos brancos
eram computados como válidos, o que aumentava o valor do quociente eleitoral.
Tabela 2
Aplicação da fórmula eleitoral no Brasil

Partido Votação Votação/QE Primeira Cálculo Cálculo Cálculo Total/


distribuição primeira segunda terceira partido
sobra sobra sobra
A 35.400 10,57 10 3.218,2 3.218,2 2.950 11
B 26.500 7,91 7 3.312,5 2.944,4 2.944,4 8
C 21.300 6,34 6 3.042,8 3.042,8 3.042,8 6
D 12.200 3,65 3 3.050 3.050 3,050 4
E 5.100 1,52 1 2.550 2.550 2.550 1
Total 100.500 27 30
Fonte: elaboração própria.

A tabela 2 ilustra o mecanismo com um exemplo hipotético, onde se distribuem 30


cadeiras, são contabilizados 100.500 votos e o quociente eleitoral é igual a 3.350 votos.
Todos os partidos ultrapassam o quociente eleitoral e credenciam-se à disputa das
cadeiras. Feita a primeira distribuição foram alocadas 27 cadeiras. A primeira das três
cadeiras não distribuídas fica com o partido B, a segunda com A e a terceira com D.

Em 2017, depois de várias tentativas mal sucedidas e após o país ter chegado à condição
de possuir o parlamento mais fragmentado dentre as democracias contemporâneas
(Nicolau, 2017), o Congresso Nacional aprovou a criação de uma clausula de desempenho
e estabeleceu um percentual de votos como condição para que um determinado partido
tivesse acesso aos recursos do Fundo Partidário, ao Horário Gratuito no rádio e na TV, e
ao funcionamento como bancada no Congresso. Deputados eventualmente eleitos por
partidos que não alcançarem a clausula não perderiam seus mandatos, mas a não ser que
optassem por ingressar em outro partido teriam que atuar isoladamente no Congresso.
Ficou estabelecido que o percentual de votos exigido aumentaria com o tempo: 1,5% dos
votos válidos na eleição de 2018; 2,0% em 2022; 2,5% em 2026 e, finalmente, 3,0% no
pleito de 2030. Em todos os casos, ficou definida a necessidade de que a votação recebida
estivesse distribuída pelo território nacional de modo a alcançar 1,0% dos votos válidos
ou eleger pelo menos 01 deputado em nove estados.

As coligações para as eleições proporcionais foram permitidas a partir de 1945, proibidas


durante a ditadura militar, reincorporadas à legislação em 198515 e proibidas novamente

15
O que variou desde então foi grau de liberdade dos partidos na escolha dos parceiros. Em 2002, em uma
decisão polêmica, o TSE determinou que os partidos não pudessem estabelecer coligações conflitantes:
aqueles que participassem de uma coligação presidencial não poderiam, nos estados, aliar-se a legendas
que ou tivessem candidatos próprios ou integrassem outra coligação para a Presidência. A chamada
em 2017, determinação, no entanto, prevista para entrar em vigor somente na eleição de
2022. No período em que foram permitidas a distribuição de cadeiras no interior da
coligação não levava em conta quantos votos cada partido havia obtido, mas apenas o
desempenho de cada candidato: a coligação era transformada em um mega partido, sendo
eleitos os mais votados, o que permitia que o voto dado pelo eleitor em uma legenda passe
para outra.

Finalmente, para definir quem serão os eleitos em cada partido, o Brasil utiliza, desde
1945, a lista aberta, com uma diferença em relação aos demais países: o eleitor pode
escolher entre votar em um nome ou na legenda e, na segunda opção, o voto conta apenas
para o partido, não interferindo na disputa entre os candidatos.

A lista aberta é um dos pontos mais criticados do sistema eleitoral brasileiro: ao


transformar as eleições em uma competição entre indivíduos, ela fragiliza os partidos,
encarece as campanhas e, ao mesmo tempo, dificulta o controle dos gastos feitos pelos
candidatos. Ademais, como já mencionado, a lista aberta permite uma transferência não
autorizada (pelo eleitor) de votos. O problema torna-se mais grave em países, como o
Brasil, nos quais o eleitor não tem os partidos como referência. Uma vez que nos sistemas
de representação proporcional, todo voto é contado para o partido, e é o número de votos
deste último que determina quantos serão os eleitos, poderá acontecer que candidatos
muito bem votados “levem” para o legislativo candidatos com muito pouco voto. Por
outro lado, o voto dado aos menos votados ajudará a eleger os mais votados.

A primeira situação ocorre quando um candidato consegue uma votação muito superior
ao quociente eleitoral. Ficaram famosos os casos de Enéas (2002) e Tiririca (2010 e
2014), cuja votação permitiu que candidatos (de seu partido) com votação muito baixa
chegassem à Câmara dos Deputados. Mas situações como estas tornaram-se conhecidas
mais pelo seu aspecto “folclórico” do que pelo seu impacto na composição do legislativo
federal – e isso porque sempre foram poucos os candidatos com votação muito superior
ao quociente eleitoral. Como mostraram Melo e Arcas (2015), dentre os 513 deputados
eleitos para a Câmara em 2014, apenas 10 foram efetivamente eleitos graças ao que se

“verticalização” deixou de valer depois que o Congresso aprovou, em 2006, uma Emenda Constitucional
que devolvia aos partidos ampla liberdade nos estados.
convencionou chamar de “efeito Tiririca”. A reforma eleitoral de 2017 diminuiu a
dramaticidade da situação ao estabelecer que nenhum candidato, independentemente de
quantos votos obtiver seu partido, poderá ser eleito com votação inferior a 10% do
quociente eleitoral.

A segunda situação, no entanto, tem impacto mais expressivo. Graças a ela, o voto dado
pelo eleitor a Antônio pode ajudar a eleger Maria. O problema é que se o eleitor do
primeiro fez a sua escolha fixando-se no candidato, e não no partido, não se pode dizer
que ele se sinta representado pela segunda. O problema pode assumir dimensões
consideráveis: na eleição de 2016 para a Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, nada
menos que 42,1% dos eleitores votou em candidatos que não foram eleitos e que, portanto,
tiveram seus votos “transferidos” para outros nomes da lista. Apenas 14,9% do eleitorado
votaram nos candidatos vitoriosos – os demais votaram na legenda (4,9%) ou se
abstiveram (38,1%), não comparecendo, votando em branco ou anulando o voto. A
pergunta é: quantos destes 42,1% se sentiam representados na Câmara Municipal? Em
menor escala, o problema se repete nas Assembleias e na Câmara dos Deputados. E, é
evidente, agrava-se quando os partidos se encontram coligados.

Os efeitos dos sistemas eleitorais – existe um melhor?

O debate em torno dos sistemas eleitorais e seus efeitos sobre o funcionamento das
democracias é um dos mais tradicionais entre os estudiosos da política. Sua origem
remonta ao século XIX, na polêmica entre Walter Bagehot e Stuart Mill (Costa Porto,
2000), o primeiro criticando o modelo proporcional em nome da governabilidade e o
segundo atacando o modelo majoritário por ser injusto com as minorias.

Os sistemas majoritários são mais simples e de fácil compreensão para o eleitor. Neste
aspecto não há o que discutir. Além disso, os defensores do majoritarismo argumentam
que tal sistema: (a) aproxima o representante do eleitor e permite maior controle do
primeiro pelo segundo; e (b) reduz a fragmentação partidária e facilita a formação de
governos unipartidários.

Na opinião de Sartori (1996), que não é um defensor da representação proporcional, o


primeiro argumento só faz sentido se os distritos forem pouco populosos. Este não seria,
por exemplo, o caso do Brasil, onde os distritos teriam em média 273.000 eleitores.16
Ademais, ainda segundo o autor, proximidade não é sinônimo de qualidade na
representação – o que exame das câmaras municipais brasileiras pode comprovar.

Quanto ao controle, a vantagem advém do fato de que o sistema majoritário, devido a sua
dinâmica, estabelece quem é o representante do distrito, o que obviamente facilita a
cobrança por parte dos eleitores. Mas, neste caso, cabe perguntar quem o representante
representa. O sistema trabalha com a máxima de que a maioria leva tudo. Configurada
tal maioria, define-se a representação do distrito, o que dá origem a dois problemas.
Mesmo que o eleito tenha obtido a maioria absoluta dos votos, cabe perguntar se os
eleitores que votaram em partidos minoritários se sentirão representados. A situação
complica-se um pouco mais se o representante eleito não tiver alcançado 50% dos votos.
Neste caso, a maioria do distrito não terá votado nele. As eleições para a Câmara dos
Comuns no Reino Unido ajudam a ilustrar o ponto. Entre 1974 e 2005, 50,6% dos
representantes eleitos não conquistaram o voto da maioria absoluta do eleitorado17.

O segundo argumento vincula o sistema eleitoral ao número de partidos e ao tipo de


governo, merecendo discussão detalhada. Em função de sua dinâmica, os sistemas
majoritários tendem a sub-representar os partidos minoritários, dificultando sua chegada
ao legislativo. É fácil entender o que ocorre no distrito: se só uma cadeira encontra-se em
disputa, é mecanicamente impossível que os perdedores conquistem representação. Agora
imagine que determinado partido obtenha 15% dos votos em todo o país, mas não chegue
ao primeiro lugar em nenhum distrito – este partido não terá direito a eleger representantes
no legislativo nacional.18 Novamente, as eleições no Reino Unido permitem dar números
ao argumento. Entre 1974 e 2010, o Partido Liberal obteve em média 19,7% dos votos
para a Câmara dos Comuns, mas conquistou apenas 4,9% das cadeiras. Por dificultar a

16
Segundo o TSE, em junho de 2012, o eleitorado brasileiro chegava aproximadamente a 140 milhões.
17
A Câmara dos Comuns equivale à nossa Câmara dos Deputados. O cálculo foi feito pelo autor com base
nos dados de Baldini e Pappalardo (2009). Os dados foram computados a partir de 1974 por ser este o ano
a partir do qual o Partido Liberal elevou o seu patamar de votação e passou a ser fortemente sub-
representado na Câmara dos Comuns.
18
Maurice Duverger (1967, 1987) foi o primeiro a chamar atenção para o efeito mecânico do sistema
majoritário. O autor apontava ainda para a atuação de um “fator psicológico”, neste caso sobre o eleitor:
ciente de que seu partido não teria chance de conquistar a cadeira no distrito, ele poderia ser estimulado a
escolher entre os que de fato poderiam vencer, votando no “menos pior”.
chegada dos partidos minoritários ao legislativo, o sistema majoritário de fato contribui
para reduzir a fragmentação do sistema partidário.19

Mas como se chega da redução da fragmentação no distrito à formação de governos


unipartidários? Este tipo de governo, em geral, encontra-se associado a sistemas
bipartidários. Se, em um determinado país, dois partidos forem os mais fortes em todo,
ou quase todo, o território eles repartirão entre si a quase totalidade das cadeiras e um
deles muito provavelmente conquistará a maioria, estando em condições de governar
sozinho. Ao outro caberá liderar a oposição. Este tipo de arranjo é elogiado porque define
os papéis, permitindo ao eleitor saber de quem deve cobrar resultados.

O que ocorre, portanto, é que os sistemas majoritários facilitam a formação de governos


unipartidários sempre que se encontrem associados a sistemas bipartidários. Mas, como
mostra Sartori (1996) isso pode não ocorrer se: (a) um terceiro partido tiver seu eleitorado
fortemente concentrado em uma região do país e vencer em um número de distritos que
lhe permita tornar-se relevante no jogo parlamentar; ou (b) se a força dos partidos varia
de região para região, de forma que os dois maiores partidos não sejam os mesmos em
todos os distritos – o que seria o caso do Brasil: mesmo com um sistema majoritário o
multipartidarismo prevaleceria, o que de fato ocorre no Senado. Ao fim e ao cabo,
sistemas majoritários não possuem a capacidade de criar sistemas bipartidários, mas
ajudam a mantê-los, dificultando ou inviabilizando a vida dos partidos pequenos.

Do outro lado da polêmica, os que defendem o sistema de representação proporcional


elogiam sua capacidade de gerar resultados mais representativos, dando origem a um
cenário legislativo mais apto a expressar a diversidade de opiniões, perspectivas e
interesses que caracteriza a sociedade contemporânea. Isso tende a acontecer porque o
sistema procura fazer com que o percentual de cadeiras obtido por cada partido
corresponda ao de votos. Mas esta correspondência pode variar a depender da magnitude
dos distritos e/ou da existência, ou não, de uma cláusula de barreira.20

19
De acordo com Nicolau (2012), nos países que adotam o sistema proporcional o Número Efetivo de
Partidos (NEP) alcança uma média de 4,7 contra 2,7 nos que adotam o majoritário. O NEP fornece uma
indicação do número de partidos relevantes no país. Para o cálculo do NEP deve-se (1) elevar ao quadrado
o percentual, expresso em decimais, das cadeiras de cada partido, (2) somar os resultados e (3) dividir a
soma por 1. Para o Brasil o valor do NEP após as eleições de 2010 era de 10,4.
20
Quanto maior a magnitude do distrito, mais proporcionais serão os resultados. A adoção de distritos com
poucas cadeiras e de uma cláusula de exclusão elevada exercem um efeito limitador sobre o número de
O problema, dizem os críticos, é que a chegada de muitos partidos ao legislativo tende a
gerar governos de coalizão, uma vez que diminui a probabilidade de que um partido
consiga a maioria das cadeiras ou mesmo aproxime-se disso.21 Governos de coalizão, por
sua vez, acarretariam dois problemas: deixariam o eleitor sem saber a quem
responsabilizar e poderiam gerar situações de ineficiência e paralisia.

O primeiro problema parece menos relevante: nada impede que o eleitor responsabilize o
partido responsável pela formação da coalizão no momento de avaliar o governo –
certamente poucos responsabilizariam o PR ou o PP, e não o PT, pelo desempenho dos
governos Lula e Dilma. Já situações de ineficiência e paralisia podem advir da dificuldade
do chefe do Executivo em coordenar a atuação dos aliados – dificuldade tanto maior
quanto maior a distância entre as preferências dos partidos que integram o governo. No
entanto, esta é apenas uma conclusão lógica e não um fato incontornável. Governos de
coalizão são extremamente comuns, e funcionam, na maioria das democracias. O Brasil
é um exemplo: desde 1988, os sucessivos governos vêm aprovando cerca de 75% de sua
agenda no Congresso (Limongi e Figueiredo, 2007).

O sistema misto surgiu como tentativa de equilibrar a balança. Seria este, como se
perguntam Shugart and Wattenberg (2001), “o melhor de ambos os mundos”? O modelo
alemão gera resultados proporcionais, mas por outro lado (a) favorece os grandes partidos
no distrito, onde permite a eleição de representantes minoritários, (b) dificulta a vida dos
pequenos ao estabelecer uma cláusula de barreira de 5%, (c) é um sistema de difícil
compreensão para o eleitor médio e, (d) gera dois “tipos” de deputados, um que prioriza
a prestação de contas ao eleitor do distrito e outro que é responsivo ao seu partido. O
sistema foi adotado em muitos países após os anos 1990. A Nova Zelândia abandonou o
modelo majoritário e vem obtendo bons resultados. Já a Itália saiu e voltou ao sistema de
representação proporcional, após experimentar uma variante do modelo misto por poucos
anos.

partidos. A correspondência entre votos e cadeiras é medida pelo índice de desproporcionalidade. Uma das
maneiras de obtê-lo é: (1) calcular a diferença entre o percentual de votos e de cadeiras obtido por cada
partido elevando ao quadrado cada valor; (2) somar os resultados; (3) dividir o somatório por dois e (4)
extrair a raiz quadrada do valor obtido. O índice foi formulado por Gallagher (1991) e quanto mais próximo
de zero for o valor, mais proporcional terá sido o resultado da eleição. Enquanto na Inglaterra o valor médio
de D para a década de 2010 é de 15,1, no Uruguai é de apenas 1,1 (Nicolau, 2012).
21
É bom esclarecer que se trata de uma tendência. Nem sempre é necessário ter maioria para governar.
Governos minoritários não são incomuns, seja em regimes parlamentaristas ou presidencialistas (Cheibub,
Przeworski e Saiegh, 2002)
O quadro a seguir sintetiza a discussão, levando em conta os tipos “puros”, qual seja, um
sistema proporcional sem clausula de exclusão, o sistema de maioria simples inglês e o
misto alemão.

Quadro 1
Vantagens e desvantagens dos diferentes sistemas eleitorais
Sistema Vantagens Desvantagens
Representação Melhor aproveitamento dos votos. Exceção feita aos de lista
proporcional em Tratamento mais justo aos partidos. fechada é de difícil
cláusula de exclusão Conformação de sistema decisório compreensão p/o eleitor.
mais representativo. Permite maior fragmentação
do sistema partidário.
Majoritário de tipo É de fácil compreensão pelo eleitor. Apresenta um alto percentual
inglês Facilita o controle do representante de votos não contabilizados.
pelos representados. Possibilita a eleição de
Facilita a formação de governos representantes minoritários.
unipartidários, desde que associado Penaliza os pequenos
a sistemas bipartidários. partidos.
Gera um déficit de
representatividade no sistema
decisório.
Misto Alemão Feita a ressalva quanto à aplicação Possibilita, nos distritos, a
da cláusula de 5%, mantém as eleição de representantes
vantagens da representação minoritários.
proporcional ao adotar o segundo Não é de fácil compreensão.
voto para o cálculo das cadeiras dos Elege dois “tipos” de
partidos e, deste modo, compensar deputado, um responsivo ao
as perdas sofridas pelos pequenos eleitor do distrito e outro ao
nos distritos. partido.

Ao fim e ao cabo, a escolha de um sistema eleitoral depende do que se valorize no


funcionamento de uma democracia. Se raciocinarmos como Schumpeter (1983),
aceitando que o principal objetivo de uma democracia é “constituir governo” e garantir-
lhe estabilidade, então a preferência recai sobre o sistema majoritário. Somente deste
modo é possível transformar maiorias simples (junto ao eleitorado) em maiorias absolutas
(no parlamento), permitindo que o partido que chegue à frente governe sozinho. Douglas
Rae (1967) qualifica como manufaturadas as maiorias obtidas desta forma. E elas são
comuns: entre 1974 e 2010, trabalhistas e conservadores se revezaram no governo do
Reino Unido conquistando em média 40,8% dos votos e com isso assegurando, ainda em
média, 55,9% das cadeiras na Câmara dos Comuns. A “mágica” é simples: as cadeiras
obtidas a mais pelo vencedor eram as negadas ao Partido Liberal.

Se, por outro lado, concordarmos que o desafio colocado para as democracias
contemporâneas refere-se à legitimidade das decisões tomadas, o melhor é adotar o
sistema de representação proporcional. Segundo Lijphart (2003), as evidências mostram
que esta opção não representa um perigo para a estabilidade dos governos democráticos.
Pelo contrário, seria um requisito. Mas neste ponto não há consenso. Outros preferem
considerar que o cobertor é curto: para obter ganhos de estabilidade há que se aceitar um
sacrifício no quesito representatividade e vice versa.

Conclusão

O objetivo deste capítulo foi introduzir o leitor aos sistemas eleitorais utilizados nas
democracias contemporâneas. Depois de definidas as características comuns aos diversos
sistemas, foram analisadas as três maiores famílias e suas variantes. O Brasil foi objeto
de uma seção a parte. Finalmente, foram apresentados alguns dos argumentos utilizados
no debate entre defensores de um ou outro dos sistemas.

Uma das lições que podem ser retiradas da discussão feita, é que em política as
instituições – aqui definidas como um conjunto de regras que regulam a interação entre
os diversos atores – importam e quando se trata de eleições, importam muito! Em 1995,
a Câmara dos Deputados aprovou uma clausula de barreira de 5% dos votos válidos para
que os partidos pudessem se fazer representar no Congresso. Posteriormente, a medida
foi considerada inconstitucional pelo STF. Caso a clausula tivesse sido mantida o impacto
teria sido fortíssimo. Em 2014, apenas para exemplificar, a Câmara dos Deputados teria
sido composto por sete partidos (PT, PMDB, PSDB, PSD, PP, PR e PSB), ao invés do 28
que chegaram a conquistar uma vaga. A redução certamente facilitaria a formação e a
condução dos governos. Por outro lado, a Câmara assim constituída seria mais ou menos
representativa?

O fato de as regras eleitorais importarem ajuda a entender porque o tema da reforma


política é tão frequente nos noticiários, nas análises e nos discursos políticos. Os sistemas
eleitorais são peça importante nas democracias contemporâneas e uma alteração
substantiva ali realizada pode ter impacto imediato sobre o resultado dos conflitos
políticos. Desta forma, embasando toda proposta de reforma política, existe um objetivo
a ser alcançado. A adoção da cláusula de barreira, por exemplo, sempre foi defendida
pelos que apontam o elevado número de partidos no Congresso Nacional como o maior
problema do sistema político brasileiro. Mas foi combatida pelos que, em nome da
representatividade, defendiam o pleno direito dos pequenos partidos em vocalizar suas
preferências.

Existe, afinal, um sistema melhor? A resposta é: depende. Depende do país em questão e


do diagnóstico que se tenha sobre seus problemas. De acordo com Lijphart (2003), a
adoção de sistemas majoritários só é concebível em países homogêneos. Adotá-lo na
Bolívia, na Bélgica ou mesmo no Brasil, não seria aconselhável. Poder-se-ia argumentar,
inclusive, que tais sistemas simplesmente não servem mais, uma vez que as sociedades
contemporâneas estão se tornando cada vez mais heterogêneas. A resposta, de caráter
conservador, seria a de que justamente por se revelarem cada vez mais complexas as
sociedades, os sistemas políticos não deveriam exagerar em sua abertura, sob o risco de
terem que conviver com dificuldades cada vez maiores no exercício do governo.

Não existe fórmula mágica e tampouco os sistemas eleitorais, por mais importantes que
o sejam, possuem a capacidade de “resolver” os conflitos comuns a qualquer sistema
político. Sua contribuição é fazer com que estes conflitos tenham sua melhor expressão e
possam ser democraticamente processados. Como isso será feito depende de cada país.
Pense no Brasil. Somos um país heterogêneo e com profundas desigualdades. Apesar
disso, preocupados com o elevado número de partidos no Congresso e com as
dificuldades que tal fato estaria gerando para o exercício do governo, alguns propõem a
adoção de um sistema majoritário. Pelo que vimos neste capítulo, seria o caso de adotar
o sistema? Que ganhos poderiam advir daí? Ou seria melhor o “caminho do meio”, com
o modelo alemão? Neste caso, a totalização dos votos dos partidos deveria ser feita nos
estados, como é nossa tradição, ou no plano nacional, para manter as qualidades do
modelo? Por outro lado, mantida a representação proporcional, que alterações deveriam
ser feitas? Seria o caso de abandonarmos a lista aberta? Neste caso, o que seria melhor:
adotar uma lista fechada ou uma do tipo flexível? Voltando à preocupação com o número
de partidos no Congresso: seria o caso de adotar uma cláusula de barreira? Ou deveríamos
ir ao sentido oposto, quebrando o monopólio dos partidos e permitindo a existência de
candidaturas avulsas? Neste caso, como lidar com o inevitável aumento da fragmentação
no Congresso? Enfim, a série de perguntas poderia se estender. O importante é ter um
diagnóstico sobre o que, eventualmente, não funciona no sistema político e o que por no
lugar.

Referências Bibliográficas

ANASTASIA, F.; MELO, C. Ranulfo; SANTOS, F. (2004) Governabilidade e


Representação Política na América do Sul. Konrad-Adenauer/UNESP.
BALDINI, Gianfranco and PAPPALARDO, Adriano (2009). Elections, Electoral
Systems and Volatile Voters. New York: Palgrave Macmillan.
BLAIS, André e MASSICOTE, Louis (1996). “Electoral Systems”, in: Le Duc, Niemi
and Norris (eds.), Comparing Democracies: elections and voting in global perspective.
London: Sage Publications.
CARTER, Elizabeth and FARRELL, David (2010). “Electoral Systems and Election
Management, in: Le Duc, Niemi and Norris (eds.), Comparing Democracies 3 – Elections
and Voting in the 21st Century. London: Sage Publications.
CHEIBUB, J. Antônio; PRZEWORSKI, Adam e SAIEGH, Sebastian (2002). “Governos
de Coalizão nas Democracias Presidencialistas e Parlamentaristas”. Dados, vol. 45, n.2.
DUVERGER, Maurice (1987). Os Partidos Políticos. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara.
FIGUEIREDO, Argelina e LIMONGI, Fernando (2007). “Instituições políticas e
governabilidade: desempenho do governo e apoio legislativo na democracia brasileira”,
in: Melo e Alcántara (eds.) A democracia no Brasil: balanço e perspectivas para o século
21. Ed. UFMG.
GALLAGHER, Michael (1991). “Proportionality, disproportionality and electoral
systems”. Electoral Studies, vol. 10, n.1, pp. 33-51.
GALLAGHER, Michael and MITCHELL, Paul (2005). The politics of Electoral Systems.
Oxford University Press.
LIJPHART, Arend (1994). Electoral systems and party systems. London: Cambridge
University Press
LIJPHART, Arend. (2003) Modelos de Democracia. Civilização Brasileira.
NICOLAU, Jairo (2004). Sistemas Eleitorais. FGV. 5a edição.
NICOLAU, Jairo (2012). Sistemas Eleitorais. FGV. 6a edição.
NICOLAU, Jairo (2012a). Eleições no Brasil – do Império aos dias atuais. Ed. Zahar.
PORTO, Walter Costa (2000). Dicionário do Voto. Ed. UNB.
NICOLAU, Jairo, 2017. Representantes de quem? Os (des)caminhos de seu voto da urna
à Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro: Zahar Editora
MELO, C. R. & SANTOS, Bruno Arcas, 2015. A reforma na Câmara: poderia ter sido
pior. Em Debate, v.7, n.3, p.19-28.
RAE, Douglas (1967). The Political Consequences of Electoral Laws. New Haven: Yale
University Press.
SARTORI, Giovanni (1996). Engenharia Constitucional – como mudam as
Constituições. Ed. UNB.
SCHUMPETER, Joseph (1983), Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro,
Zahar Editores.
SHUGART, Matthew and WATTENBERG, Martin (2001). Mixed-member electoral
systems: the best of both worlds?. Oxford University Press.
TAVARES, José Antonio (1994). Sistemas Eleitorais nas Democracias
Contemporâneas. Rio de Janeiro: Relume-Dumará.
TSEBELIS, George (1998). Jogos Ocultos. São Paulo, EDUSP.

Você também pode gostar