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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

MARIANE ALVES DE SOUZA

ALCEU E AS GAROTAS d’ O CRUZEIRO: MODA E COMPORTAMENTO FEMININO


NOS ANOS DOURADOS BRASILEIROS

Montes Claros/MG
2018
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

MARIANE ALVES DE SOUZA

ALCEU E AS GAROTAS d’ O CRUZEIRO: MODA E COMPORTAMENTO FEMININO


NOS ANOS DOURADOS BRASILEIROS
Monografia de conclusão de curso
apresentada ao Departamento de História do
Centro de Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Montes Claros como requisito
parcial para outorga de grau no curso de
Licenciatura em História da Universidade
Estadual de Montes Claros.
Orientador(a): Prof.ª Dr.ª Ivete Batista da Silva Almeida

Montes Claros/MG
2018
Dedico a todas a garotas “endiabradas e irrequietas” do século XXI.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus por ter me dado saúde e força para superar as


necessidades.

A minha orientadora Dr.ª Ivete Batista da Silva Almeida, que acreditou no meu
trabalho, me auxiliou e me ensinou da melhor maneira possível, foi compreensiva e
paciente, sempre respeitando as minhas dificuldades e limitações.

A professora M.ª Marta Veronica Vasconcelos Leite, que em uma conversa em


uma das nossas maravilhosas viagens me apresentou as “Garotas do Alceu”, me ajudou
com as inquietações sobre a monografia e assim auxiliou na construção do meu projeto
de pesquisa. Se não fosse por essa conversa esse trabalho não teria sido feito.

A minha família, que não mediu esforços para que eu tivesse a oportunidade de
receber a melhor educação possível, e pelo apoio durante esses quatro anos de curso.
Aos meus pais, pelo amor, incentivo е apoio incondicional.

A minha banca de avaliação, composta pelas professoras Dr.ª Regina Célia Lima
Caleiro e M.ª Barbara Figueiredo Souto, que são incríveis professoras e pesquisadoras.

Aos amigos e colegas Lucas, Pedro, Ana, Ramon, Nathalia e Patrícia pelo
incentivo, pelos trabalhos em grupo, pelas risadas e por tudo que pude aprender com
vocês nesses quatro anos. Espero que essa amizade seja duradoura e sempre presente
em minha vida.

Aos demais professores que estiveram presentes e ajudaram na minha formação


durante esses quatro anos, tanto como pesquisadora, mas também como professora. E
a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, о meu muito
obrigada.
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar as imagens da coluna Garotas da


revista O Cruzeiro, criadas e desenhadas pelo ilustrador e estilista Alceu Penna, nos
anos de 1950 a 1958 no Brasil. O período estudado foi de grande efervescência
cultural, desenvolvimento da imprensa e dos meios de comunicação no geral, a
população passou a se envolver com as novidades cada vez mais presentes, e a moda
foi uma delas. Ao representar uma mulher brasileira Alceu utilizou das principais
características de sua cidade, Rio de Janeiro, como inspiração, deixando de lado as
influências do exterior e nacionalizando suas produções, contribuindo assim para o
nascimento de uma moda brasileira. As garotas e seu jeitinho independente, ousado
e moderno, muitas vezes mostravam um comportamento fora dos padrões da época.
Estiveram presentes na revista por 26 anos, tendo isso em consideração, me
proponho a registar como essas personagens se relacionaram com a moda que
estava em construção e com a sociedade de sua época.

Palavras-chave: Brasil; garotas; moda; comportamento.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 6
1. HISTÓRIA, SOCIEDADE E IMPRENSA BRASILEIRA NOS ANOS 1930-1950 ..... 10
1.1 O Brasil na Segunda Guerra Mundial ............................................................ 11
1.2 “Os anos dourados” ....................................................................................... 12
1.3 A imprensa e as Revistas ilustradas ............................................................. 15
1.4 A Revista O Cruzeiro ...................................................................................... 17
2. MULHER, JUVENTUDE E MODA NOS ANOS DOURADOS BRASILEIROS ........ 21
2.1 As mulheres nos anos 1950 ........................................................................... 21
2.2 A juventude-problema .................................................................................... 26
2.3 A moda nas décadas de 1940 e 1950 ................................................................. 28
3. ALCEU E AS GAROTAS, AS GAROTAS E ALCEU .............................................. 32
3.1 Garotas, moda e comportamento .................................................................. 36
CONCLUSÃO ................................................................................................................ 44
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 46
INTRODUÇÃO

Para grande parte das sociedades o vestuário teve diferentes significados


ao longo do tempo. Desde a função como cobertura para a nudez, ou como objeto de
luxo e vaidade, o vestuário traz consigo as marcas de princípios técnicos, mas também
das relações sociais e estéticas, que poderão ser percebidas a partir da história da
moda. O século XX traz consigo grandes transformações para a moda, impactadas e
estimuladas pelas transformações tecnológicas e sociais. Conforme Gilberto Freyre,

Muito se tem escrito sobre o assunto complexo e fascinante que é moda,


associando-se sobretudo ao que ele sugere de mais psicologicamente
atraente a moda como uma expressão ou como um complemento de beleza,
de elegância, de físico, de característico antropológico, de personalidade,
mais de mulher do que de homem. (FREYRE, 1986, p.18)

A moda, em nossa sociedade, constitui-se em uma das formas dos sujeitos


expressarem representações sobre si mesmos. Já ao acordar e nos prepararmos para
trabalhar ou estudar, fazemos combinações de roupas e acessórios que nos trarão
conforto e ao mesmo tempo beleza. Ao escolher nosso vestuário, procuramos além
de roupas do nosso gosto e estilo, as tendências atuais usadas pelas modelos na
revistas, internet e televisão. As mulheres, principalmente, costumam procurar um
padrão para se inspirar e buscar seu estilo. Segundo Freyre,

Essas capitulações corresponderiam ao fato objetivo de importar, para a


mulher – como para o homem – em estar “fora da moda” na sua aparência –
trajo, penteado, calçado etc. – em condenação social a sua posição na
sociedade ou na cultura de que participe. Pois estar “fora da moda” é, para
uma mulher ou um homem moderno, e vem sendo para mulher e para o
homem, através de vários tempos sociais, uma situação herética semelhante
à da pessoa desgarrada de atitudes e de comportamentos predominantes ou
representativos de pensares e sentires consagrados como ortodoxos em
ética, religião, política, economia e noutros setores caracteristicamente
socioculturais. (FREYRE, 1987, p.19)

As rápidas mudanças ideológicas e tecnológicas do século XX nos fazem


refletir como a sociedade se comportou e de que maneira ela mostrou isso.
Percebemos que o vestuário é uma forma de expressão, e que a moda cativa grupos
que desejam se vestir de uma maneira “correta” e de acordo com as tendências,
buscando algo ou alguém para se inspirar.

Se, por um lado, a moda é uma forma do indivíduo se expressar e dizer à


sociedade quem ele é, por outro lado, essa mesma pessoa, por mais que
tente expor sua individualidade, possui grupos de referência, lê revistas de

6
moda ou assiste à TV em busca de uma orientação do que deve ou não ser
usado. (STEFANI, 2005, p.72)

Meios de comunicação como os periódicos são um dos principais modos


de difundir ideias, e com a moda não é diferente. Nas décadas de 1940, 1950 e 1960
no Brasil, estava no auge a revista O Cruzeiro como um dos periódicos de maior
importância para a época. Foi a principal revista semanal ilustrada da primeira metade
do século XX, deixando de circular em 1975. A revista tratava de diversos assuntos
como jornalismo, cinema, saúde, famosos, esportes, política e moda. Uma das
colunas de mais importância, foi a sessão “Garotas”, ilustrada pelo estilista Alceu
Penna e escrita por Edgar de Alencar (A.Ladino) e Maria Luiza Castelo Branco. Esteve
presente na revista semanalmente de 1938 a 1964, mostrando o comportamento e o
vestuário de garotas brasileiras, antenadas como a moda, jovens e livres.

Esse trabalho tem como objetivo principal analisar a coluna “Garotas” e


destacar as relações que a coluna estabeleceu com a construção de uma chamada
moda brasileira. Pois até a década de 1940 ainda não se colocava em discussão uma
moda nacional, as elites formadoras e consumidoras da moda se inspiravam na alta
costura parisiense ou nas estrelas de cinema norte-americano. O projeto político de
Getúlio Vargas e o Movimento Modernista procuravam uma originalidade para a
cultura brasileira, a ser difundida pelos principais meios de informação, assim, Alceu
Penna pode contribuir para esse movimento, desenhando suas garotas cariocas,
deixando os trajes adaptados das estrangeiras e se preocupando em evidenciar o
nacional através da moda.

Além de seus belos figurinos, As Garotas do Alceu, contribuíram para a


visibilidade de um comportamento mais emancipado das jovens do período, pois não
se enquadravam nos padrões propostos por outras revistas da época. Segundo
Bassanezi e Ursini,

Nos anos 50, as garotas foram apreciadas por alguns, consideradas tolices
por outros, independentemente de sexo. Como ocorre com muitos
personagens de desenhos, elas parecem ter adquirido vida própria. Seus
vestidos e penteados foram copiados, suas poses e atitudes chegaram a ser
imitadas. Saíram das páginas da revista e foram parar em cadernos “de
recordação”, corte e costura e economia doméstica de algumas meninas, ou
nos sonhos e expectativas afetivas de certos rapazes. Assim, pode-se dizer
que os desenhos de Alceu Penna propagaram modos e modas.
(BASSANEZI; URSINI, 1995, s/n)

7
Assim como as moças da época se inspiravam na “Garotas” para se vestir
e se comportar, as “Garotas” buscavam compreender a atualidade, e suas roupas,
cenários, falas e atitudes mostravam que podiam ter uma certa liberdade no meio em
que viviam. De um modo cativante e humorístico elas ganharam a atenção dos leitores
com suas histórias, suas gafes, seus truques e seu jeitinho feminino.

O interesse em estudar as Garotas do Alceu surgiu a partir da curiosidade em


saber como as rápidas mudanças no século XX, influenciaram no vestuário,
principalmente feminino, e como isso aconteceu no Brasil. A revista O Cruzeiro, como
uma das mais importantes da época e em circulação em todo o país, deixa evidente
em suas páginas o nascimento dessa moda tipicamente brasileira e a preocupação
com sua perpetuação.

Muitos trabalhos acadêmicos foram feitos sobre o tema analisando o papel


das Garotas de Alceu Penna tanto para o próprio vestuário como para a modelagem
dos corpos, e os textos de A. Ladino e Maria Luiza Castelo Branco, contribuindo para
uma maior liberdade também no comportamento feminino, destacando o nascimento
de uma mulher moderna. Mas segundo Elisa Fauth da Motta,

(...) a história do vestuário não teve grande aceitação nas pesquisas


realizadas pela historiografia no Brasil. A grande maioria das publicações
sobre a temática está atrelada a pesquisas de leigos e/ou a traduções de
obras de autores franceses e italianos. Poucos são os estudos realizados por
historiadores, sociólogos ou antropólogos que discutem questões
relacionadas ao vestuário e ao vestir, e apesar dos esforços, os cursos de
design e moda não recebem aceitação em suas pesquisas na temática.
(MOTTA, 2015, s/n)

Esse trabalho procura contribuir e acrescentar uma visão mais


historiográfica sobre o assunto, dialogando com a história da moda, história das
mulheres e história do Brasil. Pois para entender as mudanças na moda, precisamos
antes compreender a situação em que o país se encontrava, quais ideias eram
difundidas e como era o comportamento das mulheres brasileiras. Pois os estudos
sobre o vestuário não devem mostrar apenas as mudanças que houveram com as
roupas ao longo dos anos, eles devem compreender as relações sociais, “os
processos de produção e distribuição de produtos têxteis, assim como as formas de
expressão utilizadas por determinadas sociedades para se caracterizar e identificar.”
(MOTTA,2015)

8
É importante estudar a história da moda brasileira, pois é uma moda
recente e atualmente começou a ganhar lugar nas passarelas internacionais.
Entender o que é a moda nacional1, nos faz criar um sentido de pertencimento, o
mesmo sentido desejado pelo Estado Novo. A mulher brasileira tem seu jeito único, e
o país tem seu clima tropical, suas paisagens, seus rios, cachoeiras, praias, seus
diferentes movimentos culturais que são a inspiração principal para roupas com a
“cara” do Brasil.

Tendo em consideração a formação de uma moda brasileira, o trabalho será


norteado pelo seguinte problema: Como as garotas criadas por Alceu Penna se
relacionavam com a moda que se via em construção, e com a sociedade de sua
época?

O principal recurso metodológico será a análise das imagens da coluna


“Garotas” da revista O Cruzeiro, do ano de 1950 até 1958. Tendo como foco os
desenhos do estilista Alceu Penna, a imagem das “Garotas”, os figurinos utilizados
por elas, com auxílio dos textos-legenda que acompanhavam a coluna.

O trabalho está organizado em três capítulos. Sendo o primeiro uma


contextualização da história do Brasil nas décadas de 1930, 1940 e 1950, o papel da
imprensa e das revistas ilustradas, e a história da revista O Cruzeiro. O segundo
capítulo trata sobre o papel das mulheres na sociedade brasileira dos anos dourados,
a juventude-problema que ia contra os costumes da sociedade e o surgimento da
moda como modo de expressão dessa juventude. O terceiro capítulo fala sobre a vida
de Alceu Penna, a criação das “Garotas” e traz uma breve análise de algumas das
ilustrações de Alceu para sua coluna entre os anos de 1950 a 1958, observando o
vestuário e os corpos das Garotas e o modo como se portavam perante a sociedade
e a cultura.

1 Nesse trabalho usaremos moda nacional entendendo que nesse período a moda passa a inserir
elementos da brasilidade a uma moda ditada pela Europa. A mesma pode ser uma adaptação da moda
internacional para os corpos das mulheres brasileiras e para clima tropical do Brasil.

9
1. HISTÓRIA, SOCIEDADE E IMPRENSA BRASILEIRA NOS ANOS 1930-1950

As décadas de 30, 40 e 50, foram marcantes para separar um Brasil voltado


para o seu passado de um Brasil voltado para o seu futuro. Na política, na economia,
na comunicação e mesmo nas artes visuais, essas três décadas podem ser
entendidas como um divisor de águas entre duas representações de Brasil e dos
brasileiros e brasileiras.

As mudanças ocorridas no Brasil a partir de 1930, principalmente no campo da


cultura, foram essenciais para a formação de uma identidade Brasileira. Como
consequências da ascensão do governo totalitário de Getúlio Vargas (1930-1945),
com a centralização do poder e das transformações que já se iniciaram com o fim da
Primeira República, podemos perceber a presença de um discurso que entendia ser
necessário que o Brasil se afirmasse como uma nação criando ou descobrindo uma
identidade nacional que até então não existia. 2

O Estado Novo foi implantado por Vargas em um regime autoritário que não
representou um corte radical com as medidas governamentais anteriores. Foi pautado
no objetivo de promover a industrialização e se caracteriza por controlar a opinião
pública e buscar forma-la a seu favor, censurando os meios de comunicação
elaborando a sua própria versão para as notícias e histórias da fase em que viviam
(VELOSO, 1982).

Para o projeto político de Getúlio Vargas, era necessário que os brasileiros se


identificassem como uma nação. Utilizando das propostas do Movimento Modernista,
que se concretizaram na década de 40, o governo buscou criar, tanto do ponto de
vista estético como ideológico, salientando os elementos peculiares, as singularidades
que concediam originalidade à cultura brasileira, fugindo dos padrões europeus que
eram dominantes até então. Porém, essas políticas faziam parte de uma forma de
dominação cultural, segundo Monica Pimenta Velloso,

“a questão da cultura passa a ser concebida em termos de organização


política, ou seja, o Estado cria aparatos culturais pr6prios, destinados a
produzir e a difundir sua concepção de mundo para o conjunto da sociedade.”
(VELLOSO. 1982, p.72)

2
Entendemos que a identidade brasileira não é fixa e nem homogenia, e que ainda hoje não podemos
falar em uma identidade única ou completamente definida.

10
O governo Vargas buscava transformar elementos da cultura popular em uma
cultura nacional, como podemos perceber com o samba e o carnaval, por exemplo,
desfiles de escolas de samba com temáticas da cultura brasileira, ascensão do rádio
consagrando o samba como representante oficial da música brasileira. É importante
ressaltar que em 1936 também a Capoeira foi elevada a esporte e símbolo nacional.
Revistas e mais tarde a televisão, foram instrumentos de divulgação e enaltecimento
dessa concepção nacionalista.

1.1 O Brasil na Segunda Guerra Mundial

Não apenas para a política externa, mas sobretudo para a imprensa, que é o
nosso principal interesse, a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial trouxe
consigo grande agitações. O Governo brasileiro, sob a ditadura de Vargas, oscilou no
apoio a ambas as partes na primeira fase da guerra. Mas após sofrer ataques
alemães, decidem se aliar aos Estados Unidos, ganhando muitas vantagens em troca,
como auxílios financeiros. A Força Expedicionária Brasileira (FEB) e a Força Aérea
Brasileira (FAB) enviaram diversos soldados para os campos de batalha. Além disso,
o Brasil ofereceu matérias primas e bases militares aéreas e navais, tendo como
principal base a cidade de Natal (RN). Segundo Mary Del Priore e Renato Pinto
Venâncio

Em certas ocasiões o ditador aproveitava-se da tensa situação internacional


do período anterior à Segunda Guerra Mundial para conseguir vantagens.
Oscilando entre apoiar ora os aliados, ora os países do eixo, o governo
brasileiro conseguiu apoio norte americano para a instalação, em 1941, da
Companhia Siderúrgica Nacional, cujos efeitos na área industrial foram
extremamente benéficos. (DEL PRIORE; VENANCIO, 2001, p. 323)

Há um incremento significativo na economia brasileira, e no que tange a


industrialização, os bens de consumo antes importados, agora passavam a ser
produzidos nacionalmente.

O desejo do governo brasileiro era entrar no grupo das grandes e


desenvolvidas nações, construindo uma sociedade civilizada e modernizada. O
governo Vargas caracterizado pelo nacionalismo, intervencionismo e centralização de
poder, utiliza da guerra para reformular suas antigas relações econômicas e de
mercado, tendo em vista o tão sonhado desenvolvimento. Utilizados como fonte de
inspiração, mesmo de forma contraditória, os nacionalismos alemão e italiano eram

11
um modelo de nação que se ansiava construir no Brasil. Esses princípios nacionalistas
foram inseridos na Juventude Brasileira.

Em 1945, o fim da Segunda Guerra Mundial traz consigo mudanças ideológicas


que iriam dividir o mundo em dois polos de controle imperialista, delineando o que
seria a chamada Guerra Fria, dos anos 50 até a metade dos anos 80.

1.2 “Os anos dourados”

A década de 1950 inicia com grandes avanços tecnológicos, mudanças tanto


culturais como comportamentais e uma nova fase da globalização, através dos meios
de comunicação, principalmente o rádio, revistas e o advento da televisão. No Brasil,
começavam os chamados “Anos dourados”, norteados por um discurso sobre,
realizações e progresso. O principal objetivo dos presidentes do chamado “período
democrático”, pós ditadura de Vargas, era o de modernização, industrialização,
desenvolvimento de todas as áreas do país. Vários planos foram criados para que
esse objetivo fosse atingido. A década de 1950 foi marcada pelo desenvolvimento
econômico e pela industrialização, em 1952 foi criado o Banco Nacional de
Desenvolvimento econômico (BNDE), que tinha como objetivo acelerar esse
processo.

O segundo governo de Vargas inaugurou um período democrático, onde ele se


colocava diante das diferenças sociais. Foi marcado por uma forte política trabalhista
e populista, duramente criticada pela oposição, por suas práticas que tinham como
objetivo melhorar o salário e as condições dos trabalhadores, pautado no
desenvolvimento da indústria. Foi um governo fortemente marcado por uma crise
política e econômica, pela oposição entre nacionalistas e entreguistas e pelas
discussões em torno do comunismo.

(...) os nacionalistas defendiam o desenvolvimento baseado na


industrialização, enfatizando a necessidade de se criar um sistema econômico
autônomo, independente do sistema capitalista internacional. (...) Os
adversários dos nacionalistas defendiam uma menor intervenção do Estado na
economia, não davam tanta prioridade a industrialização e sustentavam que o
progresso do país dependia de uma abertura controlada do capital estrangeiro.
(FAUSTO, 1999, p. 407)

Os nacionalistas eram contrários as relações internacionais, principalmente


com relação aos Estados Unidos, já os entreguistas defendiam a aliança com os
Estados Unidos, principalmente no que tange o combate a ameaça comunista.

12
Getúlio precisava ao mesmo tempo ter que atender as reivindicações dos
trabalhadores e ainda agir para controlar a inflação. Incentivou o sindicalismo, mas
não conseguiu o controle total do mundo do trabalho, e a alta do custo de vida causou
várias greves. Seus discursos chocavam com os interesses dos conservadores, optou
por adotar uma linha econômica nacionalista, pois para ele o capital estrangeiro era o
grande problema da economia brasileira, assim investindo em indústrias nacionais,
criando assim a Petrobras e a Eletrobrás.

Alguns fatores foram cruciais para a queda de Vargas. O anúncio do aumento


de 100% do salário mínimo feito no dia 1º de maio, por exemplo, foi causa de várias
inquietações de seus opositores. Mas um acontecimento foi bastante traumático e foi
o estopim das revoltas da oposição para depor o então presidente, a atentado a vida
de Carlos Lacerda, jornalista e forte opositor de Vargas, planejado por um chefe da
Guarda presidencial. O acompanhante de Lacerda, o major da aeronáutica Rubens
Vaz morreu e Lacerda ficou levemente ferido. Porém agora um ato criminoso estava
nas costas de Vargas.

Esse período conturbado do governo, com uma forte oposição, a perda do


apoio das forças armadas, denúncias e o atentado Lacerda, a situação se aperta e a
resposta de Vargas é trágica, ele se suicida com um tiro no peito em 24 de agosto de
1954. Seu suicídio carregava um significado político. Em sua carta testamento ele
deixa uma mensagem para o povo brasileiro se coloca como vítima e acusa os seus
inimigos, comovendo uma grande massa da população

Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho


lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo.
Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio.
Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida
para entrar na História. (Carta testamento de Getúlio Vargas, disponível em:
http://www.sohistoria.com.br/ef2/getulio/ )

Após uma conturbada campanha eleitoral e uma forte oposição a sua posse,
em 1955 entra Juscelino Kubitschek, eleito o novo presidente do Brasil. Passadas
essas conturbações, seu governo foi conhecido pela estabilidade política. Com seu
Plano de Metas e o lema de “Cinquenta anos em cinco”, JK visava o rápido
desenvolvimento do país, um governo otimista, para retirar o Brasil do atraso e
construir uma nação realmente independente, atingindo cinquenta anos de progresso

13
somente nos cinco anos de seu mandato. Segundo Fausto (1999, p. 425), o Programa
de Metas abrangia 31 objetivos, distribuídos em 6 grupos “energia, transportes,
alimentação, indústrias de base, educação e a construção de Brasília, chamada de
meta-síntese.” O governo criou órgãos paralelos ao governo central para ajudar a
dirigir e alcançar essas metas.

Segundo Fausto (1999), o governo de JK, o plano de metas pode ser definido
como nacional-desenvolvimentista de política econômica.

A expressão nacional-desenvolvimentista, em vez de nacionalismo, sintetiza,


pois, uma política econômica que tratava de combinar o Estado, a empresa
privada nacional e o capital estrangeiro para promover o desenvolvimento, com
ênfase na industrialização. (FAUSTO, 1999, p. 427)

O plano de metas teve resultados impressionantes, principalmente para o setor


industrial. A instalação da automobilística também foi outro feito do governo de JK,
que criou e aperfeiçoou esse ramo industrial. Foi aceito com grande êxito, porém os
transportes coletivos para a massa da população não foram beneficiados. O
investimento na indústria, principalmente automobilística foi uma marca no governo
desse presidente, gerou diversos empregos nas grandes cidades e delineou a imagem
tão sonhada do Brasil moderno. (FAUSTO,1999)

A construção da capital teve o objetivo de desenvolver o interior do país e


afastar as decisões do governo de um local tão povoado como o Rio de Janeiro. A
construção de Brasília dividiu opiniões, mesmo não sendo uma ideia nova. Porém foi
colocada em prática e contou com grandes nomes como o arquiteto Oscar Niemeyer
e o urbanista Lucio Costa que estiveram à frente do projeto, trabalhadores migrantes
do Nordeste, que foram chamados de “candangos”, foram a mão de obra na
construção. No dia 21 de abril de 1960 a moderna capital em formato de avião foi
inaugurada com sucesso. (FAUSTO,1999)

Mesmo sendo um momento de grande euforia, o governo de Juscelino passou


por algumas dificuldades, principalmente em áreas ligadas ao comércio exterior e
finanças do governo. O governo gastou mais do que arrecadava, o que causou um
avanço da inflação que já estava em situação crítica e atingiu seu ápice. Os gastos
com a construção de Brasília, aumentos salariais, “a queda dos termos de
intercambio, a compra de café através da emissão de papel-moeda para sustentar os
preços em declínio; o crédito fácil concedido ao setor privado” (FAUSTO, 1999, p. 432)
14
etc., foram alguns dos motivos. Foi elaborado um plano para estabilização da
economia, que mesmo não exigindo muitos sacrifícios, sofreu fortes repressões de
todas as classes. Essas questões também causaram um choque com o Fundo
Monetário Internacional (FMI) com relação as dívidas externas.

O grande investimento nas cidades e na industrialização, fez com que as


políticas públicas deixassem de lado a questão agrária, e que regiões como o
Nordeste tivessem um baixo índice de desenvolvimento. Foi necessária a criação da
Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), órgão subordinado a
presidência da república que era responsável por pensar e executar ações para que
o Nordeste alcançasse a expansão industrial. A entrada de capital externo através das
multinacionais fez com que a dívida externa aumentasse, aumentando também a
inflação, a pobreza e o êxito rural. (FAUSTO,1999)

Surgiu também uma sociedade de consumo de massas, aquela que


aproveitava os bens de consumo e os produtos culturais anunciados pelo rádio, a
novidade da Televisão, do cinema norte-americano, o teatro, a Bossa Nova. Houve
um grande aumento na tiragem de jornais e revistas, a busca por informação estava
a todo vapor. E é nesse cenário que as revistas ilustradas, como a já consagrada
revista O Cruzeiro tem seu destaque como formadoras de opinião, e atingem seus
anos dourados.

1.3 A imprensa e as Revistas ilustradas

Em uma sociedade cada vez mais sedenta de informação e de entretenimento


as revistas ilustradas nasceram com o papel de levar cultura para os seus leitores. As
primeiras revistas poderiam se comparar aos próprios jornais pois traziam temas
eruditos, notícias e informações, a partir do final do século XIX e da primeira década
do século XX, as fotografias começaram a ser inseridas nas revistas, assim houve
uma separação de temas de jornais e folhetins para os temas contidos nas revistas
ilustradas que começaram a proliferar.

Por isso mesmo que o campo de acção da revista é mais vasto, a sua
interpretação dos acontecimentos deve subordinar-se a um criterio muito
menos particularista do que o do jornal. Um jornal póde ser um órgão de um
partido, de uma facção, de uma doutrina. Uma revista é um instrumento de
educação e de cultura: onde se mostrar a virtude, animá-la; onde se ostentar a
belleza, admirá-la; onde se revelar o talento, applaudi-lo; onde se empenhar o
progresso, secundá-lo. O jornal dá-nos da vida a sua versão realista, no bem e
no mal. A revista redu-la á sua expressão educativa e esthetica. O concurso da

15
imagem é nella um elemento preponderante. A cooperação da gravura e do
texto concede á revista o privilegio de poder tornar-se obra de arte. (Editorial
de apresentação da revista O Cruzeiro, 1928)3

As revistas ilustradas somavam em suas páginas todas as artes, cinema,


teatro, televisão, rádio, etc. valorizando assim a cultura de massas. Estavam em pleno
auge nas décadas de 1940 e 1950, momento marcado pela valorização dos produtos
culturais, principalmente nacionais como o carnaval e o futebol, por exemplo. Houve
também um maior investimento e crescimento do mercado de informação, onde
proliferaram não apenas os jornais, mas também ganharam espaço as revistas
ilustradas e suas fotorreportagens. (MOURA, 2011)

Foi um período marcado também pela presença de caricaturistas, que


acrescentaram as revistas os seus brilhantes desenhos, bastante famosos desde a
época do Segundo Reinado, e a presença também de grandes nomes da literatura
que colaboraram com seus textos e crônicas. (MOURA, 2011)

Anteriormente, as décadas de 1910 a 1930 tinham sido um momento de


segmentação do mercado editorial, surgiam cada vez mais novos temas e as revistas
se especializavam em diferentes ramos temáticos. Surgindo assim revistas infantis,
femininas, masculinas, de variedades, informativas, etc. Impressas e distribuídas
semanalmente ou mensalmente.

A aceleração do tempo e o confronto com os artefatos que compunham a


modernidade (automóveis, bondes, eletricidade, cinemas, casas noturnas,
fonógrafos, câmeras fotográficas), a difusão de novos hábitos, aspirações e
valores, as demandas sociais, políticas e estéticas das diferentes camadas que
circulam pelas cidades, os conflitos e esforços das elites políticas para impor
sua visão de mundo e controlar as ‘classes perigosas’ , a construção dos
espaços públicos e dos meandros que regiam seu usufruto e circulação, as
invenções em nome do sanitário e da higiene, a produção cultural e as
renovações estéticas, tudo isso passou a integrar as preocupações dos
historiadores, que não se furtaram de buscar parte das respostas na imprensa
periódica, por cujas páginas formularam-se, discutiram-se e articularam-se
projetos para o futuro. (LUCA, 2005, p. 120)

As revistas ilustradas são para nós historiadores uma rica fonte de pesquisa
para escrever uma História por meio da imprensa. Segundo Tania de Luca (2005),
essa explosão no mundo dos impressos periódicos tem sido um objeto histórico de

3 As citações utilizadas nesse trabalho buscaram manter a grafia original das obras citadas.

16
reflexão especifica. “A ilustração, com ou sem fins comerciais, tornou-se parte
indissociável dos jornais e revistas e os historiadores incumbiram-se de transformá-la
em outro fértil veio de pesquisa.” (LUCA, 2005, p. 123). E eis aqui a importância da
ilustração, nosso foco nesse trabalho.

1.4 A Revista O Cruzeiro

Assis Chateaubriand (1892-1968) foi um homem bem-sucedido em seus


negócios, e criou seu império. Formado por 34 jornais, 36 emissoras de rádio, 18
estações de televisão, uma agencia de notícias e duas revistas, A Cigarra como
revista mensal e O Cruzeiro, como revista semanal.

A moderna Revista O Cruzeiro fazia parte do grande império de comunicação


de Chateaubriand, os Diários Associados. Chegou às bancas no dia 6 de dezembro
de 1928 de uma forma inovadora e surpreendente. Na tarde anterior ao dia de sua
primeira edição foi feita uma incrível campanha de lançamento. No momento do final
de expediente, onde há um maior número de pessoas nas ruas, foram jogados milhões
de folhetos de divulgação do alto de prédios no centro do Rio de Janeiro, foi uma
grande festa.

Num calor de 40 graus, o empresário (Assis Chateaubriand) quis dar um efeito


visual de que estava nevando na cidade. Mas bastava observar os pequenos
pedaços de papel para perceber que traziam uma mensagem. A picotagem não
passava de propaganda. Todos se abaixaram para ver o que dizia o papel
impresso. Em todos havia a mesma mensagem: ‘Compre amanhã O Cruzeiro,
em todos os jornaleiros, a revista contemporânea dos arranha-céus’. (JUNIOR,
2011, p.39)

Sua primeira edição não decepcionou o público. Sua capa chamou atenção
(FIGURA 1).

(...) uma capa vistosa, com o rosto pintado de uma linda mulher fazendo
‘biquinho’ e que parecia ter saído de Hollywood, com um olhar sensual. Era
impressa em quatro cores sobre o fundo prata. O título em vermelho, com
letras tipo clássico, fora impresso ao lado do cruzeiro do Sul, com estrelas em
branco. Foi, sim, um sucesso instantâneo (...). (JUNIOR, 2011, p.39)

17
Figura 1: Capa da Primeira edição da revista O Cruzeiro

Fonte: Acervo Memória Viva, disponível em


http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro/

A equipe responsável pela revista quis passar modernos gráficos e um editorial


de luxo para os seus leitores, páginas impressas em cores e em papel de melhor
qualidade. Suas páginas eram escritas pelos melhores nomes do jornalismo e da
literatura da época. A parte visual era muito valorizada, as imagens eram bem
colocadas e recebiam um grande destaque, principalmente as fotografias. Luca (2005)
destaca a importância das imagens de O Cruzeiro para discutir quadros de
representação social e códigos de comportamento da classe dominante carioca no
século XX.

A brilhante revista continha matérias de todos os tipos, científicas, de


entretenimento como cinema, literatura, teatro e rádio, questões culturais. Continha
também um grande apelo para o público feminino, como era muitas vezes expresso
em suas capas e colunas de moda e comportamento, contudo também não deixavam
de agradar o público masculino.

18
O Cruzeiro surgiu em um momento muito importante para a imprensa do Rio
de Janeiro, nascendo juntamente com o jornalismo explicitamente sensacionalista e
com o surgimento dos primeiros conglomerados de imprensa, como os Diários
Associados. As grandes empresas de comunicação buscavam cada vez mais armas
para conquistar seu público. O Cruzeiro tinha o objetivo de ser a principal revista
semanal ilustrada do século XX, trazendo novas possibilidades de leitura para os seus
leitores. Criaram novas estratégias de publicação, novos gêneros textuais e novas
formulas de edição, moldando assim as práticas de leitura.

Porque é a mais nova, Cruzeiro é a mais moderna das revistas. É este o título
que, entre todos, se empenhará por merecer e conservar: ser sempre a mais
moderna num paiz que cada dia se renova, em que o dia de hontem já mal
conhece o dia de amanhã; ser o espelho em que se reflectirá, em periodos
semanaes, a civilisação ascensional do Brasil, em todas as suas
manifestações; ser o commentario multiplo, instantaneo e fiel dessa viagem de
uma nação para o seu grandioso porvir; ser o documento registrador, o vasto
annuncio illustrado, o film de cada sete dias de um povo, eis o programma de
Cruzeiro.
É pelo habito de modelar o barro que se chega a bem esculpir o marmore. Esta
revista será mais perfeita, mais completa, mais moderna amanhã do que é
hoje. (Editorial de apresentação da revista O Cruzeiro, 1928)

Mesmo com tanto investimento, a revista demorou um tempo para se consolidar


e passou por períodos difíceis. Após a euforia de seu lançamento, com apenas três
anos de vida a revista começava a entrar em decadência. As vendas caíram em um
número considerável, o investimento diminuiu e muitos colaboradores pararam de
mandar seus trabalhos pois não recebiam seu salário. Porém em 1931 entra o
jornalista Accioly Neto para a coordenação da revista, sugerindo mudanças para
alavancar as vendas. Nessa mesma época, começaram a utilizar uma nova rotativa
vinda da Alemanha, que era capaz de produzir gravuras a cores com uma melhor
visualização das imagens, a chamada rotogravura a cores. (JUNIOR, 2011)

O projeto de renovação da revista proposto por Accioly buscava abrir as


páginas para reportagens e explorar atualidades fotográficas nacionais e
internacionais. Procurando atingir um público o mais amplo possível, aumentou o
número de páginas, criou também seções para mulheres, com foco em uma mulher
urbana de maior poder aquisitivo. Cobriu com destaque os eventos da alta sociedade
do Rio de Janeiro, bailes e festas, que contavam com a participação de famosos.
Falava sobre verão, praia e Copacabana, as mais recentes paixões dos cariocas.
Falava sobre esportes, cinema, traduzia contos estrangeiros e falava sobre saúde,
19
porém nada relacionado a educação sexual, pois mesmo se colocando como a revista
moderna percebemos que as raízes de uma sociedade patriarcal e conservadora
estravam presentes semanalmente nas páginas de O Cruzeiro.

E é nas décadas de 1940 e 1950 que finalmente O Cruzeiro estará em seu


auge. Segundo Junior (2011), a circulação de O Cruzeiro era expressiva e chegou a
500 mil exemplares na década de 1950. Suas reportagens tinham uma notoriedade
muito grande, mesmo sem a tecnologia que temos hoje em dia, O Cruzeiro
revolucionou atitudes, pensamentos e moldou comportamentos. Foi a expressão da
vida moderna.

20
2. MULHER, JUVENTUDE E MODA NOS ANOS DOURADOS BRASILEIROS

Vamos falar um pouco sobre as mulheres, sobre a história das mulheres. Não
só as que foram grandes heroínas e revolucionárias e ganharam destaque nos livros
de História, mas aquelas que em seu dia-a-dia fizeram História. A História das
mulheres pode estabelecer relações com os mais diversos ramos de estudo,
passando a ser fundamental para compreender a história da civilização no geral.
Esses estudos nos proporcionam uma nova análise dos já estudados documentos,
que agora observados a partir de uma nova abordagem nos dizem muito mais do que
já foi escrito, e tudo o que foi sufocado pela figura masculina, fazendo com que o papel
da figura feminina fosse esquecida. Segundo Mary Del Priore (2004), devemos
escrever, falar e ler a História das mulheres sem preconceito, devemos falar qual foi,
qual é, e qual será o lugar das mulheres na sociedade.

Atentando para o nosso recorte temporal, deveremos pensar o que faziam e


como viviam as mulheres de 1950 a 1958 no Brasil, como se comportavam as leitoras
ou não da coluna de Alceu Penna.

2.1 As mulheres nos anos 1950

Como já vimos, a década de 50 foi tomada de grande euforia e progresso,


modernização e tecnologia, onde vemos uma mudança no modo de vida das pessoas,
influenciado pela modernidade expressa no rádio, nas revistas ilustradas, na TV, na
moda, na música, etc., a ascensão dos meios de comunicação e do mercado
publicitário.

Os anos dourados, após o fim da Segunda Guerra Mundial, mostram um mundo


que volta para a estabilidade, e um capitalismo que quer se mostrar forte e evoluído
no contexto da Guerra Fria, criando um modo de vida baseado no American Way of
Life4. Mas será se o pensamento e os costumes da sociedade, os discursos e os
papeis familiares acompanharam esses “avanços”? Segundo a historiadora Cláudia
de Jesus Maia

Foi com o discurso da modernidade que a família se constituiu em núcleo de


afetos e de investimento social, lugar privilegiado de instituição de formas de
controle na vida cotidiana e de produção de modelos de homens e de

4 “Estilo de vida Americano”, expressão utilizada para mostrar a influência do estilo de vida
estadunidense pelo mundo.

21
mulheres marcados pelas diferenças de gênero. Ancorada no espírito
científico e racional, a modernidade trouxe consigo novas formas de governar
as cidades, os espaços, a vida das pessoas, seus corpos e seus movimentos.
(MAIA, 2001, p. 4)

Segundo Bassanezi (2004), o imaginário da população dos anos dourados com


relação às mulheres ainda era carregado de ideias antigas e costumes conservadores,
onde as mulheres nasciam para serem mães, donas de casa e esposas perfeitas,
centradas apenas nessa tarefa. O casamento era tido como algo extremamente
importante e as moças eram preparadas para ele e suas responsabilidades desde que
nasciam como ainda acontece hoje através de brincadeiras como casinha e boneca,
que são mini oficinas de aprendizado para já saber de sua responsabilidade em cuidar
do lar, da alimentação da família, e a cuidar de bebês para pôr em prática com seus
filhos posteriormente. Vários conselhos eram dados para as moças, tanto o senso
comum passado de mãe para a filha, como os romances, os sermões dos padres nas
missas, a opinião de juízes e legisladores e as próprias revistas ilustradas.

– Não se deve irritar o homem com ciúmes e dúvidas. (Jornal das Moças,
1957)
– Se desconfiar da infidelidade do marido, a esposa deve redobrar seu
carinho e provas de afeto. (Revista Claudia, 1962)
– A desordem em um banheiro desperta no marido a vontade de ir tomar
banho fora de casa. (Jornal das Moças, 1945)
– A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas, nada de
incomodá-lo com serviços domésticos. (Jornal das Moças, 1959)
– A esposa deve vestir-se depois de casada com a mesma elegância de
solteira, pois é preciso lembrar-se de que a caça já foi feita, mas é preciso
mantê-la bem presa. (Jornal das Moças, 1955)
– Se o seu marido fuma, não arrume briga pelo simples fato de cair cinzas no
tapete. Tenha cinzeiros espalhados por toda casa. (Jornal das Moças, 1957)
– A mulher deve estar ciente de que dificilmente um homem pode perdoar
uma mulher por não ter resistido às experiências pré-nupciais, mostrando que
era perfeita e única, exatamente como ele a idealizara. (Revista Claudia,
1962)
– Mesmo que um homem consiga divertir-se com sua namorada ou noiva, na
verdade ele não irá gostar de ver que ela cedeu. (Revista Querida,1954)
– O noivado longo é um perigo. (Revista Querida, 1953)
– É fundamental manter sempre a aparência impecável diante do marido.
(Jornal da Moças, 1957)
– O lugar de mulher é no lar. O trabalho fora de casa masculiniza. (Revista
Querida, 1955) (A mulher no mundo machista: Revistas femininas nos anos
50 e 60, disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult528u42.shtml )

22
As revistas ilustradas femininas como, por exemplo, o Jornal das Moças (1914-
1968), traziam várias matérias sobre o comportamento feminino e sobre a
responsabilidade da mulher na família. Existiam até colunas onde moças poderiam
mandar suas histórias ou suas dúvidas, que eram analisadas e respondidas por
especialistas no assunto (BASSANEZI,2014). A revista O Cruzeiro também trazia
sessões especiais para as mulheres, como as sessões de moda e de comportamento,
além do apelo expresso nas propagandas, que traziam produtos sendo mostrados por
belas mulheres, incentivando o consumo de produtos tanto para a casa quanto para
a beleza. (Imagens 1 e 2). Algumas das principais sessões era a “Modas”, que trazia
para as brasileiras notícias dos principais desfiles e dos estilistas franceses, e a “Carta
de Mulher”, que trazia correspondências com dúvidas das leitoras.

Imagem 2: Propaganda na revista O Cruzeiro, 1950 e Imagem 3: Propaganda


na revista O Cruzeiro, 1957.

Fonte: Acervo da revista O Cruzeiro, disponível em


http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

23
Vale a pena ressaltar que o modelo de família tradicional adotado pelas fontes
de informação era a família branca, de classe média, hierarquizada, respeitando
papeis tradicionais bem definidos. Como a televisão ainda não era objeto
completamente popular entre os brasileiros, as revistas influenciavam e até ditavam
os comportamentos, interferindo na vida das pessoas que viveram aquela época.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a ascensão da classe média, da


sociedade de massas, o crescimento urbano e a industrialização, houve a
possibilidade de um aumento na profissionalização e educação de homens e
mulheres. Mas o papel da mulher na educação era tido como perigoso, mulheres
cultas, muito instruídas poderiam ter pensamentos tidos como “emancipadores”. Era
aceito fazerem magistério e se tornarem professoras, pois era uma profissão tida
como maternal. Mas mesmo se trabalhasse a mulher não poderia esquecer de cuidar
da sua casa, marido e filhos, pois aquela era a sua obrigação, havia uma certa
incompatibilidade entre o casamento e a vida profissional.

Para manter as hierarquias entre masculino e feminino, as possíveis


ameaças da “mulher culta” ás relações tradicionais teriam de ser
neutralizadas por ideias como: um certo nível cultural é necessário a jovem
para que “saiba conversar” e agradar os rapazes assim como é útil para o
governo de uma casa e educação dos filhos, entretanto os rapazes evitam as
garotas muito inteligentes e a “mulher culta” tem menos chances de se casar
e de ser feliz no casamento. (BASSANEZI, 2004, p.625-626)

A mulher trabalhar também era uma vergonha para o homem, pois significava
que ela não tinha condições financeiras suficientes para manter a sua família e por
isso necessitava de ajuda. Era condenado pela sociedade a mulher que trabalhava
para o seu próprio bem-estar, ou para manter suas vaidades. Era tido como perda da
feminilidade, do respeito, da proteção e do sustento. (BASSANEZI,2004)

As mulheres dos anos dourados eram cercadas pelo medo de não arrumar um
casamento, de ficar “pra titia”, encalhadas ou solteironas, por esse motivo seguiam os
conselhos para arrumar um bom casamento, o que significava que deveriam “se dar
ao respeito”. As mulheres solteironas não eram vistas de uma forma positiva pela
sociedade, as que escolhiam o celibato eram olhadas como pessoas infelizes,
egoístas, tristes ou até mesmo invejosas e rancorosas, em oposição a casada, amada
pelo marido e pelos filhos e feliz.

24
Se, em outros contextos históricos, “solteira” era apenas um status jurídico
ou uma condição de desprestígio social, com o discurso científico-moral –
sobretudo, do segundo quartel do século XIX e primeira metade do XX –
“solteirona” passou a ser um desvio da natureza, uma anomalia social, um
ser desprezível e risível, a figura da diferença. (MAIA,2001, p. 3)

As “Moças de família” não podiam flertar com os rapazes, pois essa era uma
atitude masculina, mas poderiam usar seu charme como artifício para os atrair, como
saber conversar, mas sem permitir grandes toques físicos. Não deveriam namorar
somente por namorar, ou namorar qualquer rapaz. Como deveriam pensar no
casamento, o tipo de homem perfeito para namorar seria um bom rapaz que teria
condição de sustentar a família, não deveria ser um namoro passageiro e só por
diversão. A influência familiar era muito importante nessa questão, os pais já não
escolhiam e obrigavam as moças a se casarem com um determinado rapaz, mas as
orientavam a escolher o “melhor partido”. Em geral as mulheres se casavam muito
novas, a partir dos 18 anos já eram tidas como preparadas para assumir as obrigações
do matrimônio, e se ainda não tivessem arrumado um casamento até os 25 já eram
consideradas encalhadas. (BASSANEZI,2004)

Segundo Bassanezi (2004), as moças poderiam ser classificadas entre moças


de família e moças levianas. As moças de família deveriam ser contidas e obedientes,
constantemente vigiadas, preparadas para o casamento e orientadas a conservarem
sua inocência sexual e ter autocontrole. Se conservar virgem era algo muito
importante, pois uma moça de respeito não deveria se dar a esse tipo de relação antes
do casamento. Além de que existia todo um tabu com relação a sexualidade, não era
explicado muita coisa para as mulheres, havia uma falta de informação e de diálogo
sobre o assunto. Eram encorajadas a preservar sua virgindade e repreender os
impulsos sexuais dos homens para com elas, porém nunca se falava sobre os
impulsos ou desejos sexuais da própria mulher, eles eram reprimidos. Já aos homens
era permitido certas liberdades antes do casamento, pois diziam ser parte de sua
personalidade aventureira, eram até incentivados a iniciar sua vida sexual bem mais
cedo. Já as moças levianas eram aquelas que se permitiam ter intimidades físicas
com homens, eram mal faladas e chamadas de prostitutas, eram um mal exemplo
para as moças de família.

As levianas eram aquelas com que os rapazes namoram mas não casam.
Deveriam, inclusive, ser evitadas pelas boas moças para que essas não
fossem atingidas por sua má fama e seus maus exemplos. Já as garotas que

25
se comportassem como moça de família seriam respeitadas pelos rapazes e
teriam muito mais chances de conseguir um bom casamento. (BASSANEZI,
2004, p.612)

Podemos perceber que muitas mulheres ousadas fugiam do padrão e das


regras impostos pela época e por isso eram tidas como levianas.

As mulheres casadas também eram duramente criticadas se suas atitudes não


fossem de acordo com as de um casamento modelo. Ela não deveria ser exigente,
dominadora, ciumenta, queixosa ou descuidada. Deveria estar sempre linda para o
marido assim fazendo com que ele a admirasse, e não deveria chateá-lo clamando
por atenção. Outro fato importante para ser abordado é a questão da traição. Caso
fosse traída a mulher não deveria se vingar ou se separar do marido, porque a
separação era algo vergonhoso e abominável, mas deveria se arrumar para chamar
novamente a atenção do marido para ela, a fim de que ele se esqueça da outra e se
volte para ela. A traição por parte dos homens era aceita, pois para a sociedade da
época, eles tinham necessidades diferentes das que as mulheres tinham, e via aquilo
somente como uma aventura que, portanto era um tipo de atitude de natureza do
homem. As mulheres protetoras do lar deveriam ceder em nome da felicidade e
reputação da família.

2.2 A juventude-problema

Mas em meio a uma sociedade tradicional surgiu uma juventude rebelde que
preocupava o mundo adulto. Meninos e meninas que se vestiam de modo diferente e
rebelde, que saem e bebem em bares e passavam noites em festas e não eram tidos
como futuros maridos e esposas capazes de formar um lar modelo padrão dos anos
1950.

Foi nessa década que surgiu um conceito jovem, pautado na concretização de


uma cultura Jovem. Os adolescentes começaram a praticar atividades próprias e a ter
um estilo de vida voltado para sua faixa etária, juntamente com outros jovens. Eles
começaram a apresentar características comuns como a vaidade, a insegurança e
começaram a usar gírias para se comunicar de uma maneira diferente e moderna.
Principalmente a juventude carioca, mostrada nas revistas ilustradas como em O

26
Cruzeiro, já tinham lugares específicos que frequentavam constantemente em sua
vida agitada (PENNA, 2007).

A juventude brasileira sofreu influência principalmente dos Estados Unidos com


o rock e o cinema de Hollywood. O Rock, gênero musical agitado e rebelde, trazia
uma movimentação corporal própria na dança, valorizando o corpo e o modo de se
vestir, com vestidos rodados e jaquetas de couro.

A juventude dos anos dourados adotou o rock and roll como estilo musical e
elegeu grandes ídolos como, por exemplo, o maior deles, Elvis Presley. A
nova música com um contratempo acentuado e um ritmo dançante afirmava
ainda mais essa rebeldia surgida na década e trazia uma atitude mais
revolucionária. Era uma música rebelde para uma juventude rebelde. Elvis
Presley se tornou um dos maiores ídolos da juventude, sendo mundialmente
denominado como o Rei do Rock. (TRINDADE e SOBRINHO, 2009, p. 5)

A nova estética musical tinha como objetivo ameaçar a sociedade


conservadora e repressiva da época, lutando contra os preconceitos.

Imagem 4: A juventude dos anos 50,60 e 70 criou um estilo. Os jovens dessa


época começaram a questionar os valores da sociedade, como a homofobia, o
racismo, o machismo e o paternalismo. Uma grande revolução cultural, que fez com
que essa juventude abandonasse o passado e aparecesse na história como uma
juventude contestadora.

Fonte: Disponível em: https://meublognovo.wordpress.com/

27
O cinema trouxe uma representação da cultura teen dos EUA, na pele de
artistas como Marlon Brando e Marilyn Monroe, que representavam uma juventude
rebelde e não compreendida pelos mais velhos. Passavam a imagem de jovens
ousados que desafiavam a sociedade e não eram vistos com bons olhos pela
sociedade brasileira da época, pois não eram bons exemplos para sua juventude.

O cinema lançou a moda do garoto rebelde, simbolizada por James Dean, no


filme "Juventude Transviada" (1955), que usava blusão de couro e jeans.
Marlon Brando também sugeria um visual displicente no filme "Um Bonde
Chamado Desejo" (1951), transformando a camiseta branca em um símbolo
da juventude rebelde que na época da alta costura lança um visual mais
“largado” como contestação do que lhes era imposto. Já na Inglaterra, alguns
londrinos voltaram a usar o estilo eduardiano, mas com um componente mais
agressivo, com longos jaquetões de veludo, coloridos e vistosos, além de um
topete enrolado. Eram os "teddy-boys”. (TRINDADE e SOBRINHO, 2009, p.
3)

A juventude rebelde tinha como objetivo se justificar perante a sociedade e criar


sua personalidade própria. Sua rebeldia estava completamente ligada ao tempo em
que viviam, a ascensão do capitalismo. Essa juventude podia assim se dividir em duas
imagens, uma vaidosa e rebelde, voltada para as festas, que preocupava os pais e a
sociedade no geral, e uma juventude voltada para a moral e as regras de uma
sociedade tradicional.

2.3 A moda nas décadas de 1940 e 1950

Segundo o dicionário Aurélio, a moda pode ser definida como

1.Uso, hábito ou estilo geralmente aceito, variável no tempo, e resultante de


determinado gosto, meio social, região, etc. 2. Uso passageiro que regula a
forma de vestir, etc. 3. Arte e técnica do vestuário. 4. Maneira, modo. 5. Bras.
Modinha. (FERREIRA, 2001, p. 466)

Percebemos então, que a moda é algo coletivamente aceito no meio de um


determinado grupo ou local, e varia no decorrer do tempo. Ela muda de acordo com
as necessidades e ideologias de cada civilização e de cada tempo. A moda é uma
forma de expressão, e sua criação e confecção tem tudo a ver com a situação em que
está inserida. Segundo François Baudot (2002), a moda é movimento e está
completamente ligada a dois fatores: a vontade de criar e a necessidade de produzir.

28
Durante as décadas de 1940 e 1950, esse período de tantas mudanças, a moda
também estava em pleno desenvolvimento. Durante a Segunda Guerra Mundial as
roupas passaram a ser mais versáteis e modernas, devido a situação em que se
encontravam. Em 1941 o compra e consumo de roupas era controlado por cupons,
porem Paris, o berço da moda, mesmo em meio a tantas restrições, conseguiu fazer
resistir sua alta costura, baseada em modelos extravagantes e extremamente
elegantes. Com o fim da guerra os países estavam se adaptando economicamente e
a moda acompanhava esse crescimento. Com o fim da ocupação Alemã, Paris voltou
a ocupar seu lugar como a capital oficial da moda. No fim de 1946, Dior abriu sua casa
de costura e em 1947 lançou o seu “New Look” (Imagem 5), que mais uma vez
mostrava o poder da alta costura parisiense.

Imagem 5: O New Look de Dior.

Fonte: Disponível em: https://www.dior.com/couture/pt_br/a-maison-dior/historias-da-


dior/a-revoluc%C3%A3o-do-new-look .

Na década de 1950, após a guerra, o mundo começou a mudar seu cenário


político e econômico, e foi o momento perfeito para que os Estados Unidos, que
emergiu como potência após a guerra, lançassem seu modelo democrático. Enquanto

29
a alta costura parisiense era uma produção voltada para as elites, os Estados Unidos
começaram a se voltar para a confecção em massa, a produção em série. Essa
confecção ia em direção dos excluídos da moda, que estavam confinados a se vestir
de maneira uniforme, como o vestuário de operários e camponeses. Segundo Baudot
(2002, p. 140-141) “Berço da democracia, mas também da sociedade de consumo, os
Estados Unidos impõem seu modelo a Europa, em 1945. Este vai acelerar a
padronização das tendências.”

A partir desse momento as pessoas mais simples começaram a também ter


acesso as criações da moda, e podem até imitar a alta sociedade. A modernização
das indústrias, guiada pelo aperfeiçoamento da tecnologia e pela criação de novos
tecidos sintéticos, fez com que esse processo fosse facilitado, pois as produções da
moda passaram a ser feitas em grande escala, assim criando as grandes lojas de
departamentos com preços bem mais acessíveis. Segundo Baudot

Consumados sobre o impulso da guerra, processos tecnológicos quase


sempre importantes vem ao encontro desses desígnios: invenções no campo
dos utensílios domésticos, melhores condições de habitação,
desenvolvimento das comunicações, o gosto pelo novo etc. As indústrias
têxteis também renovam-se, principalmente graças aos materiais sintéticos.
(BAUDOT, 2002, p.141-142)

Ao contrário do que podemos pensar, todos esses avanços fizeram com que
os valores conservadores retornassem. Principalmente para as mulheres dos anos
50, que deveriam se vestir “adequadamente”, combinando roupas, chapéu e carteiras
e estar sempre maquiadas seguindo as dicas de postura impostas pelas matérias e
colunas das revistas e pelos programas e propagandas da tão recente e inovadora
televisão.

As elites reformadas fecham-se novamente em lugares exclusivos. Longe de


corresponder a uma evolução, diríamos que uma moda apregoada por
Christian Dior e seus epígonos estaria mais para uma restauração (...).
Durante toda a década de 50, as europeias, embora não confessadamente,
continuarão, por meio da imprensa, com seus modelos e padrões, para não
dizer imitações, submeter-se aos ditames da alta-costura parisiense.
(BAUDOT, 2002, p.142-143)

Porém, enquanto isso, uma juventude rebelde se levantava mostrando seu


desprezo pelo contexto social da época. Guiados pelo rock, e com um vestuário
diferente do padrão, como as calças jeans femininas, as camisetas brancas e as

30
jaquetas de couro, e mesmo se mostrando contrários a ditadura da moda,
desenvolveram assim seu estilo próprio, que foi e ainda é muito utilizado como
tendência.

31
3. ALCEU E AS GAROTAS, AS GAROTAS E ALCEU

Alceu Penna (1915-1980) artista, desenhista e estilista brasileiro, nasceu em


Curvelo - MG no dia 1° de Janeiro de 1915. Desde pequeno sempre quis ser um pintor
famoso, gostava de desenhar nas calçadas de sua rua, e antes mesmo de ter idade
para ir à escola, já reproduzia desenhos de suas revistas infantis favoritas. Porem era
repreendido pelo pai, que dizia que viver da pintura não era uma profissão promissora.
Dos sete aos dezesseis anos de idade Alceu estudou no colégio interno de São João
Del Rei e ao se formar cedeu às pressões da família e se matriculou em Arquitetura
na Universidade do Rio de Janeiro, embora o seu desejo fosse se matricular em Artes
Plásticas. Estudou na mesma universidade de Oscar Niemayer que era seu veterano,
três anos a frente. (JUNIOR,2011)

Ao se mudar para o Rio de Janeiro aos dezessete anos Alceu foi morar com
seus tios, porem quis trabalhar para ter sua própria renda, assim decidiu juntar seus
desenhos e criações em um portfólio e assim aproveitar as oportunidades que a então
capital da República poderia oferecer. Foi atrás das redações dos jornais e revistas
ilustradas para mostrar seu trabalho. Inicialmente conseguiu um trabalho no
“Suplemento Infantil” de “o Jornal”, que foi onde conheceu seu amigo de longa data e
padrinho Antonio Accioly Neto, secretário de redação da revista “O Cruzeiro”, que
chamou Alceu para colaborar nessa revista e assim as portas começaram a se abrir
para ele. Na Biografia de Alceu Penna, “Alceu Penna e as garotas do Brasil: moda e
imprensa (1933-1975)”, Gonçalo Junior conta

Alceu lembraria depois o primeiro contato com o amigo. Certa tarde, tomou
coragem e foi a redação de O Cruzeiro para lhe mostrar uma série de
ilustrações que criara especialmente para a capa da revista, de acordo com
o padrão estabelecido pela publicação. Eram desenhos de pin-ups inspirados
em magazines americanos que ele tinha acesso no cavalete (espécie de varal
onde eram pendurados jornais e revistas para leitura de todos) da redação
de O Jornal. Para a sua alegria, o secretário recebeu o seu trabalho com
entusiasmo. (JUNIOR, 2011, p. 53)

Durante toda a sua vida Alceu apenas colaborou em diversas revistas, sendo a
de maior duração com O Cruzeiro. Por isso foi em busca de uma renda mais fixa,
assim conheceu o mundo dos Cassinos. Começou no Cassino da Urca, onde criou
cenários e figurinos para os espetáculos durante dez anos, conseguiu esse emprego
graças a grande influência que obteve em suas colaborações para O Cruzeiro, onde

32
começou a ficar conhecido pelos seus desenhos bem criados a partir de seu traço
único e maduro, mesmo sendo ainda bem jovem. (JUNIOR,2011)

Após quatro anos Alceu desistiu da faculdade, pois só estava no curso porque
promete a seu pai, e não via sentido em continuar em algo que não era sua paixão.
Outros aspectos como período político conturbado fez com que a educação brasileira
fosse prejudicada, assim como o curso de Alceu na Universidade do Rio de Janeiro,
o que causou um desanimo nele, assim como em seus colegas.

Alceu chegou ao Rio no ano em que a política pegava fogo, com pressões
por mudanças e disputas de poder dentro dos próprios governistas. Uma crise
que resultaria na Revolução Constitucionalista de São Paulo de 1932. Um
período de instabilidade que logo chegou a universidade.Constantes
intervenções do governo e paralisações no sistema educacional fizeram com
que alguns semestres fossem concluídos por meio de decretos do Ministério
da Educação. Ou seja, os alunos muitas vezes não tinham o número
completo de aulas e até nem faziam provas ou cursavam as disciplinas, mas
eram automaticamente aprovados. (JUNIOR, 2011, p.67-68)

Alceu venceu importantes competições de fantasias de carnaval, recebeu


convites para colaborar em diversas revistas e ilustrou diversas propagandas. Antes
queria ser artista plástico e viver da pintura, mas agora se via completamente
apaixonado pelo desenho e pela imprensa, assim decidindo o que queria fazer durante
toda a sua vida. Porém para ele, o céu era o limite, mesmo estando em um ótimo
momento em sua carreira, ele planejou largar todas as suas colaborações no Rio de
Janeiro e se mudar para os Estados Unidos para trabalhar lá, porém recebe uma
proposta que mudaria sua vida. Gonçalo Junior nos explica como aconteceu

Enquanto aguardava o momento apropriado para a viagem, o desenhista


recebeu em casa uma visita inesperada de Accioly Neto. ‘Estavamos no fim
dos anos 1930 e eu, encantado com as figuras femininas do The Saturday
Evening Post, as chamadas ‘Gibson Girls’ – criadas por Charles Dana Gibson
(1867-1944) –, fui certo dia procurá-lo em seu moderno apartamento (...)
Accioly não sabia dos planos de Alceu de passar uma temporada nos Estados
Unidos. ‘Sugeri que ele fizesse uma coisa semelhante e duas semanas
depois ele me procurou, mostrando-me um desenho muito original. Eram
va´rios grupos de lindas mocinhas, vestidas na última moda conversando. O
texto, na forma de diálogo dedicado ao público juvenil, deveria ser escrito por
um humorista malicioso. Fiquei encantado com o projeto’, relembrou o ex-
editor. (JUNIOR, 2011, p.84)

33
Assim então Alceu cria um grupo de Garotas bonitas, espertas e divertidas que
ganhariam o carinho, prestígio e admiração do público tanto feminino como masculino.
Assim nasceram as “Garotas do Alceu”.

No dia 5 de abril de 1938 as Garotas de Alceu Penna foram apresentadas ao


Brasil na revista O Cruzeiro e por ali permaneceram por 26 anos ininterruptos. Foram
descritas como “(...) a expressão da vida moderna. (...) endiabradas e irrequietas”,
“toda semana desenhadas por o mais talentoso, jovem e malicioso dos artistas de O
Cruzeiro”. A coluna tratava de temas definidos e variados e era visualizada a cores e
inicialmente em página dupla, depois passou a variar entre 4 e 6 páginas.

Foi um sucesso instantâneo. Desde então, todas as jovens de 14 a 21 anos


se espelhavam em suas garotas: o jeito de vestir, a dança, as atitudes, as
ideias, o penteado, a maquiagem, a fantasia, o vestido de noiva etc. Na
prática, Alceu estava na ponta de uma revolução de costumes que ganharia
força em todo o mundo ocidental depois da guerra. (JUNIOR, 2011, p.94)

As famosas garotas não tinham nomes, pois não eram personagens fixas. Mas
o traço de Alceu as definia de um modo único: jovens, magras, cinturas finas e seios
pequenos. Podiam ser loiras, morenas, ruivas, com cabelos curtos ou longos, presos
ou soltos, porém estavam sempre vestidas de acordo com a última moda. Inspiradas
nas garotas cariocas, objeto de observação de Alceu, as moças eram inspiradas na
cidade, na praia, no estilo de vida carioca, como os lugares em frequentavam e
programas típicos dos jovens na cidade maravilhosa. “Na capital da República,
afirmava ele, as moças eram chiques, bem-vestidas, interessantes de serem
conhecidas e levavam a vida sem perder a oportunidade de aproveitar os prazeres
das praias, dos esportes, das festas, do teatro etc. (JUNIOR, 2011, p.94). Vemos isso
principalmente se tratando da praia, as garotas podiam ter a pele bronzeada e inovar
nos “maiôs de duas peças”.

Visto muitas décadas depois, Alceu pareceu ter procurado conscientemente


moldar a mulher carioca – e brasileira, por tabela – aos novos tempos.
Quando se tenta contextualizar em seu tempo, percebe-se que muito do que
tratava na coluna estava dez ou vinte anos adiantado. “As Garotas”, sem
dúvida, foram pioneiras e revolucionárias no sentido de propagar em O
Cruzeiro, revista mais lida do país, a emancipação feminina, principalmente
do corpo e da mente. (JUNIOR, 2011, p.95)

Levavam um estilo de vida jovem, porém eram diferentes das mulheres de sua
década ao preferirem se divertir e paquerar do que casar e se prender em tarefas

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domésticas. Carregavam um espírito independente, ousado e moderno, assim como
foram anunciadas, e assim também se tornaram um incentivo para que as mulheres
se modernizassem também. As garotas poderiam tratar dos mais diversos assuntos,
incluindo temas comportamentais, mostrando suas atitudes nos mais diversos
lugares.

Os textos que acompanhavam as imagens das belas garotas de Alceu eram


sempre bem-humorados e de acordo com a situação vivida por elas. Foram
inicialmente inscritos por Accioly Neto, que usava o pseudônimo Lyto. Já em 1943
começaram a ser escritos pelo cronista Millôr Fernandes, e nas décadas de 1950 e
1960 foram escritos por Edgar de Alencar (A. Ladino) e Maria Luiza Castelo Branco.
Algumas vezes os textos também foram escritos pelo próprio Alceu.

Deixando um acervo de produções antecipadas de suas “Garotas”, Alceu foi


passar sua temporada nos Estados Unidos, onde atuou inicialmente como enviado
especial de O Cruzeiro para cobrir a Feira Mundial de Nova York de 1939, onde
também ajudou na decoração do estande brasileiro. Durante o tempo que passou lá,
além de mandar matérias especiais para a revista, Alceu foi o tradutor de sua amiga
Carmen Miranda, antiga conhecida de seus trabalhos nos cassinos, onde também
ajudou na construção de seu icônico figurino.

Durante todo o ano de 1940 Alceu mandou as edições de sua coluna


diretamente dos Estados Unidos, assim podemos perceber como ela foi diretamente
influenciada pelo American Way of Life. Alceu realizou o sonho de publicar em uma
revista norte-americana, a famosa Esquire, se tornando o primeiro cartunista brasileiro
ao publicar nessa moderna revista masculina. Porém em janeiro de 1941 Alceu volta
para o Rio de Janeiro, e em agosto do mesmo ano tem a oportunidade de, graças ao
seu promissor inglês, ser o tradutor de Walt Disney em sua passagem pelo Brasil.

O produtor viajou para a América Latina com o pretexto de lançar seu mais
recente desenho animado, Fantasia. Extraoficialmente, no entanto,
representava o governo americano numa viajem que incluía ainda Buenos
Aires e Santiago do Chile. Disney admitiria durante a viagem que veio colher
subsídios para a criação de personagens relacionados a região que pretendia
usar em dois longa-metragens – Você já foi a Bahia? e Alô Amigos! Os filmes
seriam produzidos e lançados em 1944 e 1945, respectivamente, com
recursos do Departamento de Guerra Americano. (JUNIOR, 2011, p.123-124)

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Em seus primeiros anos de produção, as “Garotas” foram sempre
encantadoras, sensuais, maliciosas e bem-humoradas. Porém elas se transformaram
com o tempo, e uma das principais influencias foi principalmente a temporada que
Alceu passou nos Estados Unidos. Sua primeira e principal influência para a criação
de suas garotas, havia sido as pin-ups5 americanas. Porém mesmo assim, ele acabou
criando um traço único, que seria reconhecido com dele em diversas publicações até
a atualidade. Alceu também inovou ao ser o primeiro a adotar textos-legendas para
suas lindas ilustrações. (JUNIOR,2011)

Ao ser um observador e repórter de moda e comportamento de sua época,


Alceu criou moldes nas roupas da “Garotas” exatamente para que fossem copiados,
assim inovando mais uma vez como estilista. A moda sempre foi algo muito importante
para Alceu, como o Brasil ainda não era um produtor de moda, ele contribuiu para a
visibilidade daqueles que a produziam. Ao materializar em forma de desenho uma
mulher “ideal”, seus modelos foram muito copiados por garotas de verdade, que
costumavam destacar as páginas da revista e levar as costureiras para que fizessem
um modelo igual.

3.1 Garotas, moda e comportamento

Garotas não era uma coluna de moda, mas sim uma coluna de humor presente
semanalmente em o Cruzeiro, contando as aventuras das belas personagens criadas
pelo desenhista e estilista Alceu Penna. Sua influência na moda brasileira foi muito
grande, pois suas personagens foram criadas por alguém que entendia de moda e
também escrevia sobre moda na própria revista O Cruzeiro. Alceu criava os modelos
e utilizava em suas garotas, que sempre bem vestidas na última moda, influenciando
assim as moças da época. Segundo Junior (2011) muitas moças recortavam as
páginas da revista com o modelo desejado e levavam para as costureiras para copiar
os modelos usados pelas garotas.

Nesse tópico me proponho a analisar algumas imagens das Garotas no que se


trata da moda brasileira no período de 1950 a 1959. Utilizando como base os modelos
utilizados por elas e criados por Alceu para uma mulher brasileira em diferentes

5
Pin-ups são as famosas “Garota de Calendário” norte-americano, muito difundidas no período da
Segunda Grande Guerra, nos bolsos dos soldados ou nas revistas masculinas. Eram desenhadas com
formas e poses sensuais, porem não chegavam a ser consideradas vulgares ou pornográficas.

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ocasiões. Lembrando que a inspiração para Alceu eram as garotas cariocas, que
frequentavam as festas em da alta sociedade do Rio de Janeiro, as praias, as
lanchonetes, bares, sorveterias, teatros e cinemas mais famosos da cidade
maravilhosa.

Imagem 6: Garotas isto cai! O Cruzeiro, 1952

Fonte: Acervo da revista O Cruzeiro, disponível em


http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

O tema Garotas isto cai! Esteve na edição número 0029 de 1952 de O Cruzeiro.
Nessa edição Alceu e A.Ladino, como sempre, de uma maneira bem-humorada,
tratam da nova moda entre as Garotas, os tops e vestidos tomara que caia. Podemos
perceber que Alceu trata com cuidado dos detalhes das roupas das Garotas, como as
estampas, as cores e os acessórios, dando destaque ao colo e costas as mostra
devido ao conhecido tomara-que-caia. A expressão das garotas mostra uma certa
sensualidade, se portam como se estivessem se divertindo em uma festa.

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Imagem 7: Garotas de fita no cabelo, O Cruzeiro, 1958

Fonte: Acervo da revista O Cruzeiro, disponível em


http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

Além do próprio vestuário, podemos ver também a preocupação de Alceu com


os cabelos das Garotas, sempre com belos penteados e assessórios. Nessa edição
vemos as fitas de cabelo como a moda entre as garotas. As fitas de variadas cores
combinam com a roupa usada por elas. Seus rostos são sempre delicados e bem
maquiados mostrando a delicadeza e ao mesmo tempo a malícia que as envolve.

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Imagem 8: Verão e Garotas, O Cruzeiro, 1958

Fonte: Acervo da revista O Cruzeiro, disponível em


http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

Nessa edição as Garotas, típicas do Rio de Janeiro e de seu clima tropical,


mostram como resistir ao verão, ao fazer compras, passear pelas ruas, ficar em casa
ou ir trabalhar (da esquerda para a direita). Usar roupas mais curtas e decotes é
permitido desde que com moderação, pois os corpos esculturais das garotas não
podem ficar muito a mostra, segundo os conselhos de Maria Luiza.

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Imagem 9: Garotas e calças compridas, O Cruzeiro, 1958

Fonte: Acervo da revista O Cruzeiro, disponível em


http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

A calça comprida também virou moda entre as garotas, pois traziam conforto e
mobilidade, mesmo que ainda não muito aceitas pela sociedade da época, tanto que
ganharam um tema na coluna de O Cruzeiro. Ilustradas por Alceu as calças vinham
de várias cores e estampas alegres e sofisticadas. Eram utilizadas principalmente na
época mais fria, porém segundo Maria Luiza, as garotas achavam desapropriado usar
a calça em certas ocasiões como para fazer visitas ou ir ao cinema.

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Imagem 10: Garotas vão na onda, O Cruzeiro, 1952

Fonte: Acervo da revista O Cruzeiro, disponível em


http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

A relação das Garotas com a praia era de grande intimidade, pois o Rio de
Janeiro, calor e praia combinavam a aponto de criar o estilo praiano das garotas
cariocas de Alceu. A praia sempre esteve presente como tema na coluna das garotas.
A pele bronzeada6, os óculos de sol e os maios e biquínis mostravam que as garotas
se importavam em estar sempre bonitas e na moda para os banhos de mar e de sol.
Alceu sempre buscava levar os mais diversos modelos de roupas de banho, deixando
as garotas sempre elegantes. Os biquínis de duas peças começaram a ser usados
pelas brasileiras na década de 1950 eram uma grande novidade da moda e tomaram
conta das praias nos anos seguintes.

6A pele bronzeada é um ponto muito importante para a moda e as mulheres brasileiras, pois substitui
um modelo de pele branca europeia, pelo modelo de pele morena, mestiça brasileira.

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Imagem 11: Chegou a hora, garotas! O Cruzeiro, 1950

Fonte: Acervo da revista O Cruzeiro, disponível em


http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

Os bailes de Carnaval típicos do Rio de Janeiro não podiam faltar na vida das
garotas. Alceu que como estilista também escrevia matérias sobre o Carnaval e
desenhava modelos de fantasias, não hesitou a fazer isso também com suas garotas.
As páginas de O Cruzeiro em fevereiro vinham sempre recheadas de matérias sobre
o Carnaval. Na edição 0018 de 1950, Chegou a hora, garotas! Alceu as desenha com
diversas fantasias, felizes e animadas em um baile de carnaval. As fantasias poderiam
influenciar garotas a se vestir assim como as da revista. As fantasias ricas em
detalhes, assessórios, bordados, penas, cores dão um ar brasileiro as criações, uma
das principais preocupações de Alceu, desenhar mulheres brasileiras para as
mulheres brasileiras.

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Imagem 12: Atributos das Garotas, O Cruzeiro, 1957

Fonte: Acervo da revista O Cruzeiro, disponível em


http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

O corpo das Garotas cariocas desenhadas por Alceu era sempre escultural.
Altas, cintura fina, seios moderados, pernas longas, pele bronzeada, o ideal de beleza
dos anos 1950. De um modo padronizado as garotas estampavam toda semana uma
página dupla de O Cruzeiro, sempre vestidas na última moda, finas, elegantes e
sensuais. Nessa edição de 1957, vemos as garotas em poses sensuais, como se
estivessem posando para algum fotógrafo. Os modelos utilizados por elas são bem
elaborados nos detalhes, cores estampas, sempre combinando, como podemos
perceber é um traço marcante do desenho de Alceu.

43
CONCLUSÃO

Após alguns trabalhos, dissertações e teses sobre Alceu e suas “Garotas”, e


passados quase quarenta anos de sua morte, vemos pouco reconhecimento sobre a
importância de sua obra na contribuição para a emancipação do comportamento da
mulher brasileira. Embora não rompesse completamente com os costumes da
sociedade tradicional de sua época, Alceu e os escritores da coluna de sua época
mostraram, com uma pitada de humor, um grupo de garotas modernas e maliciosas
que poderiam ter uma certa liberdade em suas opiniões, ações e também em seu
modo de vestir.

Enaltecer o Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa, geradora de cultura, onde as


pessoas sabiam como viver com bom gosto, e onde estavam as mais belas mulheres,
era o fato que encantava Alceu e se tornou um de seus objetivos. Ao analisar os
arquivos pessoais do celebre desenhista, Gonçalo Junior (2011), percebeu que Alceu
queria convencer seus leitores de que a liberdade feminina e a sensualidade não se
relacionavam com a vulgaridade, muitas de suas criações sofreram censura, pois se
encantava em desenhar garotas seminuas as despindo sempre que possível e o
máximo que pudesse.

Alceu se propôs a adaptar as pin-ups norte-americanas porém contribuiu de um


jeito único para que representassem as mulheres brasileiras, mas necessariamente
uma mulher carioca. Porém as garotas não deixaram de ter uma aparência padrão,
sem respeito a diversidade dos corpos, cores e cabelos, pois não era um fato em
discussão na época. Não se pode tratar o trabalho de Alceu Penna como uma
representação da sociedade atual.

O clima tropical do Brasil influenciou na criação da moda, assim como a questão


cultural. Como vimos, as praias, o calor, o carnaval, por exemplo, possibilitou inúmeras
criações para Alceu. O estilista elaborou diversos modelos, tanto para O Cruzeiro
como para a passarela, quando passou estilizar modelos brasileiros de grandes e
famosas coleções como a multinacional francesa Rhodia. Devido a falta de tempo e
aos problemas que O Cruzeiro passava após a morte de Chateaubriand, Alceu decidiu
largar a colaboração com a revista no ano de 1968, porém interrompeu sua seção
“Garotas” no ano de 1964.

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Em seus 26 anos presentes em O Cruzeiro, as garotas viram e se adaptaram
a várias mudanças. O pós-guerra, a explosão dos cassinos, teatros e cinema, a
mudança e a valorização da moda pelos veículos de comunicação, a chegada da
televisão e os anos dourados do rádio, onde as próprias ganharam vozes em um
programa só para elas na Rádio Tupy.

“As Garotas” conviveram ainda com o sucesso inovador do jornalismo-


reportagem, a introdução das histórias em quadrinhos no país, a liberação da
mulher, as crises políticas, a ditadura militar, a conquista de dois
campeonatos mundiais de futebol, o aparecimento de grandes escritores e
compositores e a modernização da imprensa brasileira. Tudo isso aconteceu
ao longo de 30 anos. Suas garotas acompanharam essa mudança de modo
gracioso, sensual e libertário. Ao mesmo tempo, Alceu fez da sua coluna um
panfleto da emancipação feminina com sugestões de como explorar todas as
fontes de liberdade possíveis, num país de tradição machista onde a mulher
devia total submissão aos homens – pai, marido, filhos. (JUNIOR, 2011, p.
12-13)

Em todos esses anos as “garotas” sonharam, paqueraram, se casaram, saíram


de carro, foram a festas sozinhas, beberam e fumaram, tiveram ressaca, sofreram
com o calor, se bronzearam e desfilaram de biquíni pela praia, foram ao teatro, foram
a festas sozinhas e acompanhadas, aderiram a moda dos shorts, das calças longas e
dos lenços no cabelo, expuseram sua opinião sobre os mais diversos assuntos,
pularam carnaval e fogueiras, praticaram e assistiram a esportes e manipularam os
homens com seu “jeitinho feminino”. Após tantas aventuras, só faltavam a elas ir
embora e abrir espaço para um novo modelo de mulher, que após muita luta foi
ganhando o seu espaço e ainda tem muito a ganhar.

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