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A Cabalá do Casamento

Por Yaakov Lieder

O casamento é um conceito bastante bizarro. Deve ter sido


idéia de D'us. Quem mais poderia pensar num pano
estrambótico de juntar dois opostos e colocá-los sob o
mesmo teto para compartilhar uma vida? E quem mais
poderia inventar uma instituição tão linda e poderosa como o
casamento? É extravagante – mas funciona. É exatamente
sua extravagância que faz do casamento uma experiência
que não se deve perder.

Um dos aspectos mais empolgantes do casamento é a


descoberta das profundas diferenças entre homens e
mulheres, e aprender como eles se complementam. Estas
diferenças não são apenas biológicas. Em todo nível do nosso
ser – intelectual, emocional, psicológico e espiritual – homens
e mulheres parecem ter vindo de diferentes planetas.

Não precisamos ser casados para perceber isso. Vemos isso


em nossos pais, irmãos, em nossos amigos. Mas somente no
casamento você começa a avaliar e apreciar essas
diferenças. Aquilo de que você zombava na sua irmã pode
achar lindo na sua esposa; e as coisas que fizeram do seu
irmão um garotinho mimado podem transformar seu marido
no homem que você ama.

Mas devemos perguntar: o que nos torna diferentes? É


apenas o condicionamento social que faz de um homem um
homem e de uma mulher uma mulher, ou nascemos ambos
dessa maneira? A masculinidade é um hormônio, um
sentimento, ou a maneira pela qual os homens são
educados? As mulheres são treinadas para serem femininas
ou elas sabem fazer isso de maneira inata?

Há muitas teorias sobre o tema dos gêneros. Nas obras do


misticismo judaico, ou Cabalá, a questão é tratada de
maneira extensa. A abordagem da Cabalá é tanto singular
quanto revolucionária. Afirma que a fonte da identidade
macho/fêmea está além da natureza e da criação. É nossa
própria alma, Homens e mulheres têm raízes de alma
totalmente diferentes, e é por isso que são diferentes.

Em termos cabalistas, a alma dos homens vem do mundo de


Divina transcendência; a alma das mulheres vem do mundo
de Divina imanência. Transcendência é a qualidade Divina
de estar além; imanência é a igualmente qualidade Divina
de estar presente. Estes são os aspectos macho e fêmea do
Divino, e estão refletidos no homem e na mulher
respectivamente aqui no âmbito humano. Embora cada
indivíduo seja único e nem todos se encaixem em definições
simplificadas, num sentido geral há uma clara distinção entre
posturas espirituais masculinas e femininas. Suas diversas
fontes de alma se traduzem em duas pessoas muito
diferentes. Talvez isso possa ser expressado assim:

Os homens são almas mais removidas; são programados para


fornecer a direção no relacionamento. As mulheres são almas
mais envolvidas; elas têm a capacidade de realização no
casamento. Isso se torna claro quando contrastamos e
analisamos as respectivas naturezas de homens e mulheres.
Existem determinadas situações nas quais este contraste se
torna ainda mais óbvio e exagerado.

Vejamos alguns exemplos:Sobre o casamento, Raquel


reclama que Dani não parece tão empolgado. Quando se
trata de escolher o cardápio, Dani diz a Raquel que ela pode
decidir sozinha – ele realmente não se importa se a salada é
servida com molho francês ou italiano. O esquema de cores
fica totalmente a cargo dela, ele concordará com qualquer
coisa que ela goste, mesmo que seja malva (ele nem sabe
bem que cor é esta). Raquel se apressa para ver como
ficaram os convites, e Dani nem se incomoda de olhar para
eles. Quando ela os mostra ao marido, ele nem percebe a
marca d'água no papel que mostra seus nomes em
caligrafia. Qualquer menção sobre o casamento e ela é
dominada pelo entusiasmo, enquanto ele ainda nem
comprou um terno.

Dani não pode evitar isso. Não é que ele não esteja
empolgado – ele está, à sua maneira. Mas Dani é um
homem. Ele está empolgado por se casar, mas para ele casar
nada tem a ver com cardápio ou decoração. É um evento –
os detalhes não o interessam. Mas para Raquel, cada detalhe
do casamento o torna um evento. Em cada detalhe está o
selo da sua personalidade. Ela está envolvida. Ele está
removido.

Outro exemplo: Adam e Miriam acabaram de assistir a uma


palestra de auto-ajuda. O orador falou durante uma hora e
meia sugerindo estratégias para melhorar a vida deles. Miriam
está inspirada, pronta para começar a implementar grandes
mudanças em sua vida. Adam ainda está se perguntando
quanto o orador recebe por participante. Quando lhe
perguntam o que achou do discurso, ele responde com
palavras como "interessante", "bem apresentado", "divertido" –
todas avaliações impessoais e distantes. Miriam pode ou não
mudar sua vida, mas ela certamente pensou a respeito. Para
Adam, as idéias foram boas, mas seria preciso tempo e
grande esforço para ele entender que aquelas idéias podem
se aplicar também a ele. Adam está removido. Miriam está
envolvida.

Yonathan e Tammy estão lendo juntos esse mesmo artigo. Só


de olhar para o rosto de Tammy pode-se ver exatamente o
que ela está sentindo. Está furiosa. Todas essas generalizações
e declarações doces sobre homens e mulheres. Eu não me
encaixo nesses estereótipos! Após três parágrafos ela se
afasta. "Não consigo ler essa droga", diz ela. Yonathan, não
escutando sua explosão nem percebendo sua partida,
continua lendo. Seu rosto quase não mostra reação – ele
apenas ergue levemente as sobrancelhas. Termina o artigo,
nem sequer percebendo que este parágrafo foi escrito sobre
ele, e segue adiante para olhar os anúncios, Talvez tenha
concordado com o artigo, talvez não. Você teria de
perguntar a ele para descobrir. Yonathan está removido.
Tammy está envolvida. Tammy está certa. Não nos
encaixamos todos nesses moldes. Na verdade, cada um tem
elementos dos dois gêneros – nosso lado masculino e
feminino. Mas de maneira geral, há uma atitude feminina e
uma masculina. O homem é removido e distante. A mulher é
envolvida e presente.

Não há nada de errado com qualquer uma das atitudes.


Cada qual tem vantagens e desvantagens. Às vezes é bom
ser removido. Quando se trata de ver as coisas em contexto e
fazer julgamentos, o distanciamento e a objetividade são
essenciais. Você apenas consegue ver as coisas como elas
são quando permanece fora delas; se estiver envolvido não
pode mais ver o quadro geral. Esta é a força da alma
masculina – a distância que proporciona a objetividade.

Porém a objetividade também tem seu lado negativo. Você


não chegará a lugar nenhum se permanecer à margem da
vida, como um espectador. Estar vivo significa se envolver, e
para isso é preciso sair do mundo da teoria e imergir no
momento. É aí que entra o elemento feminino. É o seu senso
de envolvimento e presença que dá cor e personalidade à
vida. É a mulher que torna a vida real e vibrante, que leva as
coisas do analítico ao experimental, da teoria à prática.

O casamento é a suprema parceria entre os dois mundos de


imanência e transcendência. Quando cada parceiro
aprende a partilhar sua perspectiva única enquanto avalia e
se conecta com a perspectiva paralela do outro, marido e
mulher se tornam um equilíbrio perfeito de universos
complementares. O homem guia a mulher, a mulher leva o
homem. O homem dá a perspectiva, a mulher dá a
experiência. Um sem o outro é um quadro incompleto. Juntos,
eles formam uma unidade que tem o melhor dos dois
mundos.

Com essa definição de masculino e feminino podemos


entender duas antigas tradições judaicas. Nos dias antes do
casamento, é costume o noivo ser chamado à Torá na
sinagoga, e a noiva imergir no micvê. Na superfície estas duas
atividades parecem estar a mundos de distância. Recitar
bênçãos sobre um Rolo de Torá e mergulhar numa piscina
ritual dificilmente se assemelham. Por que práticas tão
diferentes para homem e mulher?

Talvez uma resposta seja que estes atos são uma forma de os
noivos se conectarem a suas respectivas fontes espirituais, de
enfatizar e nutrir as contribuições únicas que cada parte
levará ao futuro casamento. O homem deve prover direção
e estabilidade ao casamento, portanto ele se conecta à
suprema fonte de direção e estabilidade – a Torá. A mulher
deve trazer vitalidade e experiência à união, portanto imerge
nas águas da vida. O dele é um ato teórico – uma leitura. O
dela é um ato de total envolvimento – uma imersão. Ele se
conectou com a fonte de transcendência; ela, à fonte da
imanência.

Não é um feito pequeno unir homem e mulher – dois opostos


tão diversos como céu e terra, mente e coração, teoria e
prática. Nós nos preparamos ao mergulhar primeiro em nossas
respectivas fontes espirituais – as sagradas palavras da Torá e
as águas sagradas do micvê. Na chupá, a canópia de luz
Divina funde juntas as nossas almas como se fossem uma.
Então, após o casamento, temos uma vida inteira para
aprender como trabalhar juntos e descobrir as maravilhas e
belezas dos dois mundos se tornando um só. Uma idéia bem
louca. Bastante boa, também.

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