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No transcorrer das últimas décadas, notadamente nos anos 1990, o
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ensino médio foi objeto de uma série de medidas legais que, entre ou- e
tras coisas, visaram o desenvolvimento da cidadania e da formação m
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profissional. Nosso objetivo neste artigo é tecer algumas considerações t
críticas acerca de duas questões que assumem posição de destaque nas i
c
medidas e dispositivos legais nesse período sobre o ensino médio: a o
centralidade assumida pelo conhecimento e a ênfase atribuída à ideia
de profissionalização. Para tanto, apontamos certo apressamento e li- *Esse artigo tem como origem
questões levantadas durante
mites na forma como se deu a apresentação, nos documentos oficiais, a pesquisa “As políticas edu-
de alguns conceitos presentes nesse debate, como sociedade do conheci- cacionais para a educação
profissional: um estudo sobre
mento e trabalho imaterial, bem como profissionalização e adaptação. as escolas técnicas do ABC
paulista”, realizada no período
Palavras-chave: Ensino médio. Conhecimento. Formação. 2008/2010, com financiamento
Profissionalização. da FAPESP.
1 Introdução
Em que pese o fato de que a distância no tempo não seja ainda sufi-
ciente para fazermos afirmações ou tirarmos conclusões definitivas, é razoá-
vel afirmar que, no transcorrer da década de 1990, a educação brasileira foi
alçada no discurso reformista à condição de um dos espaços fundamentais
para dar conta do processo de atualização histórica do capitalismo no Brasil.
O discurso oficial enfatizou, de forma ampla e contínua, a importância do
aumento dos índices de escolaridade dos trabalhadores e, nesse contexto, a
necessidade de uma sólida educação básica como alicerce para a construção
de habilidades, competências e conhecimentos técnicos necessários à forma-
ção do “novo trabalhador”. A educação escolar ‒ mas não somente ela ‒ pas-
sou a ser objeto de amplo debate, que teve como centro nevrálgico a crítica
aos modelos de gestão, de formação e de qualificação profissional até então
vigentes. No contexto da “reestruturação produtiva” em processo no Brasil,
E
c da hegemonia das ideias ditas “neoliberais” e do “abandono dos intelectu-
c
o 1 A forma como James Petras ais”1 o debate educacional acerca dos problemas da educação brasileira acabou
se referiu ao processo de assi-
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milação de parte dos intelec- por limitar-se à eficiência e à gestão dos sistemas escolares. Questões diversas
– tuais de tradição marxiana como a formação de professores, a definição de currículos e o financiamento
às teses do mercado, da livre
R iniciativa, da superação do da educação foram criticadas a partir do argumento de que seus modelos de
e marxismo e da emergência de gestão eram “ineficientes” e não primavam pela busca da “qualidade”. Nesse
v relações sociais não mais pau-
i tadas pela lógica do trabalho. contexto em que o mercado é alçado à condição de força a determinar o po-
s (cf: PETRAS, 1999).
t lítico, o espaço para o debate e a crítica foi diminuído, criando-se, assim, as
a
2 Expressão cunhada por Lúcia
condições para o predomínio de um “pensamento único” a justificar e legiti-
C Neves para se referir a esses mar as ações reformistas em todas as dimensões sociais. A materialidade dos
i tempos em que as forças do
e capital se recompõem mediante processos metabólicos de um capitalismo em crise ironicamente se apresenta-
n
t
a ação pedagógica de intelec- va, nas palavras dos reformadores, como o ápice do desenvolvimento histórico
tuais individuais e coletivos
í
que constroem no âmbito do da humanidade. A ação dos “intelectuais da nova pedagogia da hegemonia”2
f
i imaginário social a emergência abriu caminho para que a crise do capital fosse vendida e apresentada como
c de um “novo mundo”. (cf: NE-
a VES, 2010). o “fim da história”.
Não há dúvida que o controle social era uma das grandes priori-
dades para Simonsen. Isso é especialmente notável depois da gre-
ve geral de 1917, que teve considerável repercussão em Santos e
paralisou o trabalho da Companhia Construtora. No relatório de
1918, Simonsen alertava seus leitores para o dilema que os patrões
tinham que enfrentar: “O maior problema que têm diante de si os
diferenças, ou seja, não seria mais possível falar que algo é melhor, mas ape-
nas diferente. Essa relativização carrega consigo forte conteúdo culturalista,
que atribui à formação e constituição do ser social um processo destituído
de valor. Desconsidera que estabelecer valores hierárquicos faz parte da so-
ciabilidade social e que tal hierarquização não pressupõe somente a possi-
bilidade de hierarquizar a partir dos interesses das elites. Democracia, por
exemplo, não é ausência de hierarquia, mas a hierarquização da sociedade a
partir dos interesses e valores mais populares. Transformar o apelo à cons-
ciência dos indivíduos no caminho para a resolução dos grandes problemas
da humanidade é transformar os problemas da humanidade em problemas
de consciência, como se a consciência humana fosse produto da subjetivi-
dade presente no processo de desenvolvimento “natural” da sociabilidade
humana. Reduzir as diferenças econômico-sociais a diferenças naturais é
transformar o debate acerca do conhecimento e sua apropriação um debate
abstrato, idealista e subjetivo.
E
c A institucionalização da reforma do ensino médio a partir da tese da
c
o sociedade do conhecimento e da profissionalização adaptativa abriu cami-
S nho para os supostos cognitivistas e para a razão instrumental, tornando-
– o tão profissionalizante quanto a educação profissional de nível técnico
R e, assim, aprofundando a dualidade que anuncia enfrentar. A formação
e geral que a preconiza é anunciada como aquela que permite a solução
v
i de problemas concretos e, dessa forma, é formação geral para o trabalho
s
t abstrato. Assim, embora anuncie o resgate e a emancipação da educação,
a
o que busca é o consenso social e a subordinação das práticas educativas
C às chamadas exigências do mundo do trabalho, sem nunca se perguntar
i
e se o mundo em que o trabalho se apresenta de forma alienada é o mundo
n
t desejado pelo trabalhador.
í Em uma época em que o indivíduo e a história foram naturalizados o
f
i Ensino Médio pretendido pelos reformadores almeja a formação de um traba-
c
a lhador dotado de “cidadania de qualidade nova”, expressas na profissionaliza-
100 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, v. 12, n. 2, p. 85-101, jul./dez. 2010.
CARVALHO, C.
EccoS – Rev. Cient., São Paulo, v. 12, n. 2, p. 85-101, jul./dez. 2010. 101
Conhecimento e profissionalização no Ensino Médio: a lógica da naturali-
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Referências
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CARVALHO, C.
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