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Projetos de Inclusão Social:

casos de sucesso

2009
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dos direitos autorais.

I22 IESDE Brasil S/A

Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso. — Curitiba:


IESDE Brasil S.A., 2009.
220 p.

ISBN: 978-85-7638-776-3

1. Inclusão social. 2. Participação social. I. Título. II. Oliveira,


Eloiza da Silva Gomes de. III. Mazzillo, Ida Beatriz Costa
Velho.

CDD 302.14

Autores:
Ana Paula Johann Ivelir Neiverth
Bertha de Borja Reis do Valle Laiz Beerends
Cláudia Guitierrez Santana Maria de Fátima Minetto Caldeira
Cláudio Cesar Pimentel Texeira Mário Sérgio Vasconcelos
Daniela Haetinger Marli Kaczmarek
Dinéia Urbanek Max Günther Haetinger
Elair Hasselman de Bastos Orley Boçon
Eloiza da Silva Gomes de Oliveira Patrícia Braun
Fátima e Silva de Freitas Paulo Henrique Pienta
Fernando B. Monte-Serrat Ruth Eugênia Cidade
Gisele Gonçalves Melles de Oliveira Vânia Maria da Silva Andrade
Ida Beatriz Costa Velho Mazzillo

Todos os direitos reservados.


IESDE Brasil S.A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel
80730-200 • Curitiba • PR
www.iesde.com.br
Sumário
A inclusão de pessoas com paralisia cerebral: uma história de vida bem-sucedida.............7
Introdução.................................................................................................................................................7
Paralisia cerebral: causas e manifestações mais freqüentes.....................................................................7
A inclusão social de um portador de paralisia cerebral: uma história de vida..........................................13
Palavras finais...........................................................................................................................................16

Educação de crianças hospitalizadas....................................................................................17


O Hospital Pequeno Príncipe....................................................................................................................17
Um programa de Educação e Cultura.......................................................................................................17

Idoso e inclusão.....................................................................................................................25
De volta para escola..................................................................................................................................27
Considerações acerca do envelhecimento com campo de conhecimento.................................................30

Inclusão digital: o desafio da inclusão social por meio da inclusão digital..........................37


Falando de inclusão..................................................................................................................................37
Inclusão digital no Brasil..........................................................................................................................39
Fases da inclusão......................................................................................................................................40
Pensamento final.......................................................................................................................................41
Estudo de caso..........................................................................................................................................47
Considerações finais.................................................................................................................................52
Alguns links para sala de aula..................................................................................................................53

A inclusão de pessoas com Síndrome de Down na Educação: um caso de sucesso.............57


Comentários..............................................................................................................................................60
Conhecendo um pouco a Síndrome de Down...........................................................................................61
Ambulatório da Síndrome de Down do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná..........65

A inclusão de pessoas com necessidades especiais no mercado de trabalho........................69


Introdução.................................................................................................................................................69
Legalmente nos respaldando (será?!).......................................................................................................70
Formação, ética, cidadania e inclusão social............................................................................................72
Visões para o futuro..................................................................................................................................74
Finalizando...............................................................................................................................................77

Os meninos de Quatro Pinheiros: construindo o futuro........................................................79


Nascimento do projeto..............................................................................................................................79
Proposta....................................................................................................................................................81
Atividades com as crianças e adolescentes...............................................................................................83
Relatos......................................................................................................................................................87
Programa Educacional de Apoio à Inclusão no Mundo do Trabalho....................................93
Contextualização.......................................................................................................................................93
Função social do Programa Educacional de Apoio à Inclusão no Trabalho.............................................96
Educação e trabalho: uma discussão necessária.......................................................................................97
Sobre alguns fundamentos legais e político-filosóficos............................................................................101
Família: circulação de afetos....................................................................................................................103
Avaliação..................................................................................................................................................104
E, concluindo, para incorporar um novo reapreender...............................................................................105
Casos de sucesso sendo construídos.........................................................................................................106
Casos de sucesso sendo construídos: Divonei e Luciana.........................................................................110

Pequeno Cotolengo: casas-lares para pessoas em situação de abandono.............................113


Histórico do Pequeno Cotolengo do Paraná (Dom Orione).....................................................................113
Projeto Casas-lares....................................................................................................................................118
Setor de Terapia Ocupacional...................................................................................................................122

Inclusão social dos catadores de materiais recicláveis: criança no lixo, nunca mais!..........125
Introdução.................................................................................................................................................125
Fórum Estadual Lixo & Cidadania do Paraná..........................................................................................125
Instituto Lixo e Cidadania........................................................................................................................130
Problemática.............................................................................................................................................131
Justificativa...............................................................................................................................................132
Objetivos...................................................................................................................................................133
Metodologia..............................................................................................................................................134
Indicadores de monitoramento.................................................................................................................136
Metas.........................................................................................................................................................137
Abrangência e população-alvo.................................................................................................................137

A Arte e a Educação Inclusiva: uma possibilidade real........................................................139


Introdução.................................................................................................................................................139
A inclusão.................................................................................................................................................139
A prática docente e a Arte como facilitadora da inclusão.........................................................................141
Importância da Arte na Educação.............................................................................................................145
O conhecimento da Arte...........................................................................................................................146
A vivência nas oficinas de Arte.................................................................................................................147
A metodologia das oficinas de Arte..........................................................................................................148
Caso de Sucesso: pintores com a boca e os pés........................................................................................151
Relação de pintores brasileiros.................................................................................................................152
Relatos......................................................................................................................................................156
Considerações finais.................................................................................................................................161

A atividade motora adaptada.................................................................................................163


A Educação Física Adaptada....................................................................................................................163
Considerações finais.................................................................................................................................177
Inclusão no escotismo...........................................................................................................179
Portadores de necessidades especiais.......................................................................................................179
Um paralelo entre o Método Educacional Escoteiro e a visão pedagógica de Vygotsky.........................182
Caso de sucesso........................................................................................................................................186

Brincar, diversidade e inclusão.............................................................................................189


A exclusão na escola.................................................................................................................................190
Oficinas que dão certo..............................................................................................................................197

A Cinoterapia na inclusão social...........................................................................................203


Inclusão utilizando o cachorro como facilitador......................................................................................203
Autismo.....................................................................................................................................................205
Casos de sucesso.......................................................................................................................................206
O caso de Leonardo..................................................................................................................................207
Conclusão.................................................................................................................................................208

Referências............................................................................................................................209
A inclusão de pessoas
com paralisia cerebral: uma
história de vida bem-sucedida
Bertha de Borja Reis do Valle
Eloiza da Silva Gomes de Oliveira
Ida Beatriz Costa Velho Mazzillo

Introdução

N
esta aula, vamos conversar um pouco sobre paralisia cerebral, suas manifestações mais fre-
qüentes e formas de prevenção. Nosso objetivo principal, porém, é apresentar a história de in-
clusão de uma portadora de paralisia cerebral que tem conseguido superar suas limitações.

Paralisia cerebral: causas e


manifestações mais freqüentes
Conceito de paralisia cerebral
O termo paralisia cerebral nos remete a um conjunto de distúrbios do movimento, da postura,
do equilíbrio, da coordenação e/ou dos movimentos involuntários, permanente, mas não invariável,
que surge antes ou depois do nascimento, nos primeiros anos de vida.
Segundo Brandão (1992, p. 9), “Paralisia cerebral é uma desordem da postura e do movimento,
persistente mas não mutável, devido a uma disfunção do cérebro antes de estar completado seu cres-
cimento e desenvolvimento.”
Crianças cerebralmente paralisadas não conseguem controlar alguns ou todos os movimentos.
Algumas têm dificuldades em falar, andar ou usar as mãos. Umas serão capazes de sentar sem suporte
ou ajuda, enquanto outras necessitarão de ajuda para a maioria das tarefas da vida diária.
Trata-se de um estado de saúde, de uma deficiência física adquirida, de um Distúrbio de Efici-
ência Física que, durante muito tempo, foi designado “invalidez”.
Não existe um limite rígido de idade para que uma lesão pós-natal possa ocasionar o quadro
motor de paralisia cerebral. Ela é significativa quando ocorre sobre o Sistema Nervoso Central ainda
imaturo. Como se admite que, por volta dos dois anos, a maioria das funções já esteja estabelecida, as
lesões ocorridas após esse período têm menor probabilidade de provocar tais efeitos.
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

A denominação paralisia cerebral não é totalmente satisfatória, pois a maio-


ria dos pacientes não apresenta paralisia. Muitas vezes, os autores falam em “pa-
ralisias cerebrais” pela diversidade de manifestações que compreende. Alguns
autores preferem utilizar a denominação Dismotria Cerebral Ontogenética.
Crianças com paralisia cerebral podem apresentar alterações que variam
desde uma leve falta de coordenação dos movimentos, ou uma maneira diferente
para andar, até a inabilidade para segurar um objeto, falar ou deglutir, nos casos
mais graves.
Logo após a concepção, começa o desenvolvimento do cérebro que conti-
nua após o nascimento. Se o tecido de uma região cerebral for danificado antes,
durante ou após o parto, as áreas a elas relacionadas terão a função prejudicada e,
dependendo da importância do dano, certas alterações serão permanentes (carac-
terizando uma lesão não-progressiva).

Tipos de paralisia cerebral


Como já dissemos, existem vários tipos de paralisia cerebral, de acordo com
a alteração de movimento que predomina. Formas mistas também são observa-
das. Os tipos mais conhecidos são:
Espástica: é a forma mais comum. Ocorre quando a lesão está localizada
na área responsável pelo início dos movimentos voluntários, no trato
piramidal, o tônus muscular é aumentado, isto é, os músculos são tensos
e os reflexos são exacerbados.
Discinética: ocorre quando a lesão está localizada nas áreas que modi-
ficam ou regulam o movimento, no trato extrapiramidal; a criança apre-
senta movimentos involuntários (que estão fora de seu controle) e os
movimentos voluntá­rios apresentam-se prejudicados.
Atáxica: está relacionada com lesões cerebelares. Como a função princi-
pal do cerebelo (observem a imagem seguinte) é controlar o equilíbrio e
coordenar os movimentos. As crianças com lesão cerebelar apresentam
ataxia – marcha pouco firme, por causa da deficiência de equilíbrio – e
falta de coordenação motora, com incapacidade para realizar movimen-
tos alternados rápidos e dificuldade para atingir um alvo. Há hipotonia
muscular no momento do nascimento e retardo das habilidades motoras
e verbais.

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A inclusão de pessoas com paralisia cerebral: uma história de vida bem-sucedida

Causas da paralisia cerebral


Segundo Telford e Sawrey (1974), em obra muito questionada atualmente,
mas considerada um clássico no estudo das necessidades especiais, as causas da
paralisia cerebral dividem-se em três grandes blocos: pré-natais, natais ou perina-
tais e pós-natais.
No período pré-natal, os principais fatores determinantes da paralisia cere-
bral são as infecções e parasitoses (lues, rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus);
intoxicações (por drogas, álcool, tabaco); radiações (diagnóstica – Raios X – ou te-
rapêutica – radiação); traumatismo (impacto direto no abdômen ou queda da ges-
tante sentada); fatores maternos (doenças, anemia grave, desnutrição, idade avan-
çada da mãe) e fatores metabólicos, como diabetes e subnutrição da gestante.
No momento do parto, há outros fatores (perinatais) que correspondem ge-
ralmente a quaisquer situações que aumentem o sofrimento da cabeça fetal duran-
te a passagem pelo canal de parto, ou alterem a dinâmica do mecanismo do parto,
seja este natural ou não.
O risco de alterações do sistema nervoso durante o trabalho de parto é im-
portante. As lesões podem-se produzir mesmo num parto aparentemente normal,
e isso é especialmente verdadeiro para os bebês prematuros; porém, as lesões cos-
tumam ser tanto mais freqüentes quanto mais prolongado for o parto, caso tenha
ocorrido uma apresentação pouco comum ou tenha sido necessário recorrer ao
fórceps, ou, ainda, quando a criança não chora espontaneamente.
Essas lesões podem ser de natureza traumática (por hemorragia das menin-
ges, por hemorragia cerebral ou por engasgamento temporal).
Reconhece-se como principal responsável a anoxia (falta de oxigênio no
cére­bro) anterior ao nascimento, quando o trabalho de parto prolonga-se, ou pos-
terior ao nascimento, quando a respiração da criança não se estabelece normal-
mente.
Incluem-se entre estas situações os diferentes tipos de distorcias maternas
ou fetais, as apresentações anormais, sobretudo o parto pélvico, anestesias condu-
zidas de forma incorreta e o uso de fórceps, entre outras.
Existem, ainda, causas determinantes após o parto, que cometem a lactente
e a criança pequena (até a primeira infância) que possuem o Sistema Nervoso
Central em processo de amadurecimento.
Temos causas:
Traumáticas: traumatismo de crânio acidental ou relacionado à síndrome
da criança espancada;
Hipóxica ou isquêmica: asfixia mecânica, afogamento, estado relaciona-
do à epilepsia, acidente cerebrovascular espontâneo ou pós-operatório
(acidentes anestésicos);
Infecciosas: meningoencefalites bacterianas e virais;

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Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Tóxicas: intoxicações medicamentosas, ou por produtos agrotóxicos e


industriais;
Imunoalérgicas: encefalopatias desmielinizantes pós-­infec­ciosas e pós-
vacinais;
Metabólicos: distúrbios hidroeletrolítico e metabólico, devidos à desi-
dratação e desnutrição.

Problemas associados à paralisia cerebral


São comuns as ocorrências de epilepsia, deficiência mental, deficiência vi-
sual, dificuldades de aprendizagem, de fala e de alimentação, além de dificuldades
auditivas, disartria, escoliose, contraturas musculares, problemas odontológicos e
salivação fora de controle.

Prevenção da paralisia cerebral


Com os avanços atuais da ciência, é bastante possível falar-se em prevenção
da paralisia cerebral.
O acompanhamento pré-natal regular e a boa assistência ao recém-nascido,
na sala de parto, diminuem a possibilidade de certas crianças desenvolverem le-
são cerebral permanente. Muitas das formas graves de paralisia cerebral estão re-
lacionadas a causas que podem ser prevenidas como hipoxia perinatal, infecções
congênitas e hiperbilirrubinemia neonatal.
Alinha-se a isso o esforço para que o período gestacional seja o mais saudá-
vel possível, por meio da manutenção de uma boa nutrição e da eliminação do uso
de álcool, fumo, drogas e medicamentos que possam causar dano ao feto.
A rubéola congênita pode ser prevenida se a mulher for vacinada antes de
engravidar. Quanto à toxoplasmose materna, medidas de higiene são importantes,
como não ingerir carnes mal cozidas ou verduras que possam estar contaminadas
com fezes de gatos.
As gestantes com sorologia positiva devem ser adequadamente tratadas, di-
minuindo, assim, os riscos de infecção fetal. Quanto à incompatibilidade Rh, ela
pode ser facilmente prevenida (vacina anti-Rh+) e identificada. Quando a bilir-
rubina não-conjugada no recém-nascido atinge níveis críticos, a criança deve ser
submetida à transfusão de parte do volume sangüíneo.
Falando das causas pós-natais, uma das mais freqüentes é o traumatismo
crânio-encefálico que pode ser prevenido com o uso de cadeiras de segurança
especiais para crianças pequenas, ajustadas nos bancos dos automóveis. Algumas
das infecções cerebrais podem ser prevenidas com vacinas (contra sarampo, me-
ningite meningogócica e Haemophilus influenzae, por exemplo).

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A inclusão de pessoas com paralisia cerebral: uma história de vida bem-sucedida

O tratamento da paralisia cerebral


Existe um amplo quadro de tratamentos para a paralisia cerebral que inclui,
entre outros: estimulação do desenvolvimento neurológico, atividades físicas,
treinamento para atividades da vida diária, utilização de meios alternativos de
locomoção e comunicação, uso de órteses e realização de cirurgias ortopédicas,
tratamentos odontológicos e da espasticidade.
Geralmente, para o alcance de um bom resultado, é envolvida uma equi-
pe interdisciplinar extensa: Assistentes Sociais; Terapeutas Ocupacionais (T.O);
Neuro-pediatras; Fonoaudiólogos; Fisioterapeutas; Pedagogos; Psiquiatras infan-
tis; Psicólogos; Educadores (Professores de classes regulares e especializados em
Educação Especial e Informática aplicada à Educação); Psicomotricistas; Tera-
peutas Corporais; Fisiatras; Ortopedistas.
Os profissionais que atendem a criança têm um papel importante na me-
diação do estresse familiar. Os pais necessitam de profissionais experientes, que
parem para ouvir as suas dúvidas e preocupações, passem as informações com
sensibilidade e respeito e tenham consciência de suas limitações.
A melhora da criança com paralisia cerebral normalmente é lenta e deman-
da um constante equilíbrio entre aquilo que se quer e o que é possível. Assim,
cabe à equipe que trata da criança uma atitude de apoio aos familiares com o
objetivo de fortalecê-los para que possam realizar os cuidados adequados e en-
frentar as dificuldades que acompanham o processo de ajustamento à deficiência.
Este processo torna-se mais fácil quando pais e profissionais de saúde buscam os
mesmos objetivos.

A educação de indivíduos com paralisia cerebral


De acordo com Telford e Sawrey:
A tarefa de medir a inteligência de crianças com paralisia cerebral está eivada de dificul-
dades. [...] a maior parte destes (investigadores) achou necessário alterar as tarefas dos
testes padronizados de inteligência, de um modo ou de outro, para apurar o estado de
deficiência do sujeito em questão. (1974, p. 439)

Embora haja essa dificuldade de mensuração, é bastante claro que nem sem-
pre paralisia cerebral e deficiência mental andam juntas. Dessa maneira, a edu-
cação das pessoas que têm paralisia cerebral deve acontecer, de preferência, em
escolas regulares. A deficiência mental não está obrigatoriamente presente nos
quadros de paralisia cerebral, o que permite a essas crianças freqüentarem a esco-
la regular, em classe compatível com sua faixa etária.
Os melhores meios de avaliação das capacidades cognitivas de crianças com
paralisias cerebrais são os processos pedagógicos desenvolvidos em atividades
grupais com outras crianças (com e sem deficiências), tanto na escola como fora
dela. Nestas ocasiões, poderão ser revelados potenciais de aprendizagem muitas
vezes sequer imaginados.

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Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Algumas crianças, apesar de mostrarem capacidade para aprender, neces-


sitam de ensino especial devido aos distúrbios sensoriais. Algumas instituições
possuem modalidades de atendimento especializado para crianças com deficiên-
cia visual ou auditiva.
São muitas as perplexidades do educador diante do aluno com paralisia ce-
rebral. Basil diz que ele:
[...] deve considerar que tem diante de si, sobretudo, um aluno que deve ajudar, como a
todos os demais, a aproveitar, ao máximo, suas potencialidades de desenvolvimento, para
viver uma vida o mais independente, intensa e feliz possível. As necessidades especiais
destes alunos devem ser vistas mais como um desafio do que como um obstáculo. (1995,
p. 270)

Qualquer que seja a manifestação da paralisia cerebral, no entanto, as adap-


tações curriculares sempre se fazem necessárias.
A inclusão de alunos com necessidades especiais na classe regular implica o
desenvolvimento de ações adaptativas, visando à flexibilização do currículo, para
que ele possa ser desenvolvido de maneira efetiva em sala de aula, e atender às
necessidades individuais de todos os alunos. De acordo com o MEC/SEESP/SEF
(1998)1, essas adaptações curriculares realizam-se em três níveis:
Adaptações no nível do projeto pedagógico (currículo escolar) que de-
vem focalizar, principalmente, a organização escolar e os serviços de
apoio, propiciando condições estruturais que possam ocorrer no nível de
sala de aula e no nível individual;
Adaptações relativas ao currículo da classe, que se referem, principal-
mente, à programação das atividades elaboradas para sala de aula;
Adaptações individualizadas do currículo, que focalizam a atuação do
professor na avaliação e no atendimento a cada aluno.
A Educação Inclusiva, entendida sob a dimensão curricular, significa que o
aluno com necessidades especiais deve fazer parte da classe regular, aprendendo
as mesmas coisas que os outros – mesmo que de modos diferentes – cabendo ao
professor fazer as necessárias adaptações. Essa proposta difere das práticas tra-
dicionais da Educação “Especial” que, ao enfatizar o déficit do aluno, acarretam
a construção de um currículo empobrecido, desvinculado da realidade afetivo-
social do aluno e da sua idade cronológica, com planejamento difuso e um sistema
de avaliação precário e indefinido.
A implementação da Educação Inclusiva não é tarefa fácil, pois o professor
terá que garantir o aprendizado de alunos com necessidades educacionais diversas
dos demais, no contexto de suas atividades rotineiras e do planejamento para a
1 A Secretaria de Educa-
ção Especial (SEESP)
tem entre outros, organizado
turma como um todo.
materiais sobre Adaptações Sobressai, portanto, a idéia de uma educação inclusiva plena, que não
Curriculares disponíveis
em: <http://www.mec.gov.br/
entre na escola às escondidas, em função da resistência encontrada por parte
seesp/Ftp/pcn.pdf>; <http://
www.mec.gov.br/seesp/Ftp/
dos educadores. Ela será facilmente compreendida no conceito de currículo,
cartilha05.pdf>; <http:// nas experiências relatadas e no grande desafio encontrado nas instituições edu-
www.mec.gov.br/sees/p/Ftp/
cartilha05.pdf>. cativas: a avaliação.

12
A inclusão de pessoas com paralisia cerebral: uma história de vida bem-sucedida

À educação de indivíduos com paralisia cerebral aplica-se perfeitamente o


princípio enunciado na Declaração de Salamanca. Ela constitui um avanço signi-
ficativo, na medida em que não propõe uma escola que, na prática, não existe, mas
indica que todos os governos devem atribuir “[...] a mais alta prioridade política e
financeira ao aprimoramento de seus sistemas educacionais no sentido de se tor-
narem aptos a incluírem todas as crianças, independentemente de suas diferenças
ou dificuldades individuais” (1994, p. 2).
Encerramos essas “palavras iniciais” sobre a paralisia cerebral com uma
citação extraída da dissertação de Mestrado de Mazzillo, defendida em 2003. Ao
estudar as representações dos professores, relativas aos alunos portadores de pa-
ralisia cerebral, a autora conclui:
[...] as representações que tivemos em mãos, acentuadas pela falta de informação e en-
dossadas por um discurso carregado de enganos, incertezas, ignorância, conhecimentos
incompletos, falta de respaldo teórico certamente interferem na vida escolar, tanto dos
alunos considerados “normais”, como e principalmente do aluno portador de Paralisia
Cerebral. (2003, p. 83)

A inclusão social de um portador de


paralisia cerebral: uma história de vida
O relato da inclusão social de Bia, pedagoga formada pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com pós-graduação em Educação Especial,
realizada na Universidade Federal Fluminense (UFF) e Mestra em Educação pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) é a história que
passamos a relatar para que possamos refletir o quanto a escola pode influenciar e
colaborar para que portadores de necessidades educativas especiais tenham uma
realidade de vida dentro de padrões de normalidade.
Nossa entrevistada tem atualmente 32 anos, e é portadora de paralisia ce-
rebral causada por anoxia cerebral, distúrbio da oxigenação fetal, devido à obs-
trução do cordão umbilical no momento do parto. Ao nascer, o cordão umbilical
enrolou em seu pescoço, causando-lhe falta de oxigenação no cérebro, o que afe-
tou as regiões cerebrais responsáveis pela coordenação motora, pelo equilíbrio e
pela fala.
Intenso tratamento de reabilitação iniciado aos doze meses de idade fez
com que adquirisse habilidades de fala, locomoção e outras que, apesar de fu-
girem aos padrões de normalidade, lhe permitem levar uma rotina de vida nor-
mal, locomovendo-se sozinha, a pé, de ônibus e de metrô na cidade do Rio de
Janeiro, exercendo sua profissão de professora e realizando os cursos de nível
superior que deseja.
Foi alfabetizada em casa, pela mãe, que é professora também, e teve, com-
plementando esta experiência inicial de aprendizagem escolar, duas professoras
particulares, colegas de sua mãe, que lhe ajudaram a adquirir os conhecimentos
dos primeiros anos escolares.

13
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Sua vida como estudante do ensino fundamental deu-se nos anos 80. Expe-
rimentou um pouco do ensino em classes especiais, dentro do Instituto Brasileiro
de Reeducação Motora (IBRM), que se localiza no bairro do Andaraí, no Rio de
Janeiro. O IBRM é uma associação beneficente, criada em 1955. É considerado um
centro de excelência para pessoas portadoras de deficiências. Lá estão disponíveis
serviços de Medicina de Reabilitação, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Psicologia,
Serviço Social, atividades desportivas adaptadas, oficina de arte, psicopedagogia
e outros. A vida escolar e social de Bia está muito ligada a esta instituição.
A vontade de Bia de ir para uma escola de ensino regular era tão grande
que um dia chegou para a sua professora, Rute Pereira, do IBRM, que também
era uma das diretoras desta instituição, e falou que queria ir para a escola regular
como todas as crianças. Ela gostaria que fosse a escola pública municipal, ao lado
do IBRM, pois já havia um colega , o Anderson, até hoje seu grande amigo, que
tinha ido estudar lá. Anderson também tinha seqüelas de paralisia cerebral.
No ano seguinte, foi para a 4.ª série desta escola pública. Devido à dificul-
dade de escrita, realizava provas orais, que eram aplicadas pelos professores. A
escola recebia alguma orientação dos profissionais do IBRM, de como aproveitar
a potencialidade dela. No final do ano letivo, concluída a 4.ª série, os professores
recomendaram a seus pais que a colocassem em uma escola particular, que tivesse
poucos alunos por turma, na qual os professores pudessem lhe dar mais atenção.
Foi estudar em um colégio pequeno da rede particular, onde passou toda a
sua adolescência, época que foi de grande crescimento e de descobertas. Nessa
época, havia no colégio uma outra menina com paralisia cerebral, a Renata, que
já estava na 6ª série, mas que logo depois saiu, porque sua família mudou-se para
outro Estado. Junto com Bia, entrou para o mesmo colégio, na mesma turma, uma
outra aluna – a Luciana – também portadora de necessidades educativas especiais.
As duas eram suas companheiras do IBRM, instituição que ainda freqüentavam
na época, realizando atividades para fins de reabilitação.
Ela sempre tentava auxiliar a amiga, pois esta usava cadeira de rodas e
­assim como ela, também tinha dificuldades motoras para escrever. Bia acreditava
que ambas poderiam ir adiante. Infelizmente, a amiga Luciana não completou o
Ensino Fundamental.
Quando eu fui para o ginásio, tive vários professores e cada professor dava aula de um jei-
to. Eu sempre tive muita dificuldade para escrever. Só conseguia fazer prova de questões
de múltipla escolha que os professores faziam para mim. Mas eu era muito questionadora
e me perguntava: por que eu faço prova de múltipla escolha? Eu ainda tenho dificuldade
de escrever, mas hoje eu digito todos os meus trabalhos, eu quero guardar tudo no meu
computador. Antigamente, como o computador não existia, eu comecei a pensar que de-
veria estar só numa escola especial. Mas meus professores e meus amigos diziam: – Você
sabe escrever... Foi muito importante!

As dificuldades, por vezes, apareciam. Apesar de haver alunos com outras


limitações sempre havia um funcionário da escola que não entendia a sua pre-
sença, principalmente porque depois da saída da Luciana e dos questionamentos
que ela mesma se fazia, desejando ser como todos os outros alunos, passou a ser
avaliada pelos mesmos processos de avaliação por que passavam todos os seus
colegas de turma, realizando questões discursivas. Devido à sua dificuldade de
14
A inclusão de pessoas com paralisia cerebral: uma história de vida bem-sucedida

escrita, precisava que alguém a ajudasse nas provas semestrais, registrando por
escrito o desenvolvimento das questões. Algumas vezes levou pessoas de fora da
escola para ajudá-la, pessoas amigas com quem podia contar. Dentre elas, Bia res-
salta pelo menos duas: a professora Gloria Schapper, que já lhe havia atendido no
IBRM e, mais tarde foi sua professora na UERJ, e Gilson Teixeira, que, segundo
seu relato, foi a alegria de sua juventude, seu ex-namorado, e que sempre lhe dava
muito apoio nas suas aspirações acadêmicas.
O diretor deste colégio particular está bem presente na memória de Bia.
Segundo ela, ele era uma pessoa muito aberta e sensível às questões relacionadas
aos alunos com dificuldades. Nessa escola, além de portadores de paralisia cere-
bral, havia um aluno autista. Lá, a inclusão já estava começando, como relata a
própria Bia, referindo-se a este professor: “Ele tinha uma cabeça muito além da
época em que vivia. Tinha uma visão muito ampla de educação. Era um verda-
deiro mestre!”
Foi nesse colégio, em um ambiente muito amistoso, onde amigos lhe em-
prestavam cadernos e ela tirava cópias em xerox das anotações que os colegas
faziam, que terminou o ensino médio. Vale destacar que, durante esse processo
todo, contou também com o apoio da família que sempre fez com que se sentisse
uma pessoa capaz, acolhendo-a nos momentos de dificuldades e fornecendo-lhe
todos os recursos necessários para a superação dos obstáculos que, muitas vezes,
faziam com que duvidasse de suas reais possibilidades.
Eu cursei o ensino médio no Colégio Amaral Fontoura, mas só saí do IBRM quando tinha
18 anos. Foi lá que me iniciei na Informática. Foi uma coisa informal, tem uma história.
O IBRM tinha um projeto que visava socializar portadores de deficiência, que tinham PC.
Ele fez vários convênios e conseguiu profissionais de informática para ministrarem cursos
para os portadores de PC. Eu tinha vontade de aprender a usar o computador e aprendi.
Mais tarde, passei para um estágio de monitoria, para ajudar os outros deficientes.

Quando concluiu o Ensino Básico, ela cursou, durante seis meses, um curso
preparatório para prestar exame para o ensino superior. Fez dois vestibulares. Um
deles para o curso de Pedagogia da UERJ e outro para a Universidade Cândido
Mendes (UCAM), para o curso de Administração. Fez meio período do curso de
Administração, mas, na reclassificação da UERJ, foi chamada para matrícula e
passou a cursar Pedagogia.
Fiz do jeito que você sabe. Você foi minha professora na graduação. Fiz na graduação
as habilitações de Magistério das Matérias Pedagógicas e Educação Especial e, depois,
na UFF, eu fiz uma pós em Educação Especial. Muito boa! Muito legal! Tive disciplinas
sobre várias formas de deficiências!

Depois que terminou o curso de Pedagogia, Bia fez um estágio de dois me-
ses como voluntária na Funlar – Fundação Municipal Lar Escola Francisco de
Paula – órgão da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, vinculado à Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Social voltado para pessoas portadoras de defici-
ência, ao qual cabe a formulação da política pública de atendimento ao portador
de deficiência da cidade e a execução de ações nesse sentido.
A atuação de Bia na Funlar levou-a a participar do Conselho Municipal de
Defesa dos Direitos dos Portadores de Necessidades Especiais, tendo sido inclu-
sive sua presidente durante a gestão da secretária municipal de desenvolvimento
15
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

social, Profª Wanda Engel, que fora professora da UERJ, quando ela era aluna e
conhecia o seu potencial.
Eu estudava em Niterói, na UFF e fazia estágio na Funlar. Eu ando sozinha, de ônibus,
desde o 2.º grau. Comecei a andar sozinha, sair... Fiquei um período morando lá em Nite-
rói, estou mais segura, desinibida. Eu sei as coisas que eu quero, o que eu penso em cada
momento. A gente tem que acreditar em si mesmo. Não pode fugir a isso. Tem uma hora
em que você vê que é responsável por tudo o que você faz, tudo o que você quer, ninguém
vai fazer nada por mim, tudo vai ser mérito meu. Eu acho que as coisas são conquistadas.
É preciso você dizer: estou aqui, eu sou capaz. As pessoas acham os PC frágeis, incom-
petentes...

Bia completou o Mestrado em Educação na Pontifícia Universidade Católi-


ca do Rio de Janeiro (PUC-RJ), em maio de 2003, tendo defendido a dissertação
intitulada “Barreiras invisíveis presentes na educação inclusiva: um estudo sobre
as representações dos professores relativas a alunos portadores de paralisia cere-
bral.” Sua orientadora foi a Prof.ª Maria Aparecida Mamede Neves.
Atualmente, Bia prepara-se para concorrer a uma das vagas de Doutorado
em Educação e é professora da Escola Antonio Francisco Lisboa, escola públi-
ca da rede estadual do Rio de Janeiro, destinada a portadores de necessidades
educativas especiais. Sua turma é de deficientes mentais, jovens e adultos, com
os quais ela desenvolve toda a sua concepção de educação inclusiva, fazendo
com estes seres humanos – alguns deles com mais de 40 anos e tendo pela pri-
meira vez a oportunidade de convivência fora de sua própria família – possam
perceber uma nova realidade, diferente da que viveram até agora, mais afetuosa
e menos excludente.

Palavras finais
A educação inclusiva, embora de concepção recente no Brasil, vem crescen-
do a cada ano em todos os Estados. Segundo censo do MEC, o quantitativo de alu-
nos portadores de necessidades educativas especiais em escolas regulares cresceu
229% desde 1998. Entretanto, ainda há a necessidade de maior sensibilização dos
sistemas escolares e de orientação para os professores. Histórias bem-sucedidas
de inclusão social, como a que relatamos, deverão tornar-se rotina e não casos
pouco numerosos como ainda ocorre.

16
Educação de
crianças hospitalizadas
Cláudio Cesar Pimentel Teixeira

A
companhamos, atualmente, a criação de ações de atenção educacional a crianças e adoles-
centes internadas em hospitais e alas pediátricas de todo o país, em atendimento ao que exige
o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069), aprovado em 1990. Essa lei reconhece
e regulamenta o direito à educação a todas as crianças e jovens que se encontrem em tratamento de
saúde hospitalar ou domiciliar.
O Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba, mantém, desde 1988, um pioneiro programa de esco-
larização das crianças ali atendidas. Naquele ano, foram firmados os primeiros convênios com as Se-
cretarias Municipal e Estadual de Educação para que professoras da rede pública atuassem no hospital,
garantindo a continuidade dos estudos das crianças internadas. Em 2002, em outra ação inovadora,
a coordenação do Pequeno Príncipe criou um setor de Educação e Cultura para atender o desafio de
realizar um atendimento educacional eficiente e adequado às condições das crianças hospitalizadas.

O Hospital Pequeno Príncipe


Fundado em 1919 pela Cruz Vermelha paranaense, o Pequeno Príncipe foi o primeiro hospital
pe­diátrico do sul do Brasil e, desde então, é uma referência no atendimento de saúde das crianças e
adolescentes do Paraná. Administrado desde os anos 60 pela Associação Dr. Raul Carneiro, o Pe-
queno Príncipe atende em todas as principais especialidades pediátricas, atuando como serviço de
referência regional e nacional para procedimentos de alta complexidade, como cirurgias cardíacas e
transplante de órgãos.
Recebe crianças e jovens de 0 a 18 anos, de Curitiba, do interior do Paraná e de diversas partes
do Brasil. Atualmente, disponibiliza 345 leitos, sendo 54 deles de UTI. Realiza anualmente mais de
170 mil consultas, 20 mil internamentos e 11 mil cirurgias. Mais de 70% de todo esse atendimento é
voltado para usuários do SUS, o que significa garantia de acesso a serviços de saúde de alta qualidade
às crianças de todas as ­procedências.

Um programa de Educação e Cultura


No início de 2002, o Pequeno Príncipe contava com três professoras da Rede Municipal de
Ensino atuando em regime de meio período, no atendimento escolar das crianças internadas. Duas
dessas professoras atendiam exclusivamente o serviço de hemodiálise do hospital. A terceira profes-
sora atendia as crianças de todos os demais setores da instituição. Atuavam de maneira independente
e havia oportunidades de trocas entre elas, para discutirem ou planejarem o trabalho a ser realizado.
Era clara a necessidade de se elaborar um programa para atender adequadamente as demandas edu-
cacionais de suas crianças, para a coordenação do hospital.
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Em março daquele ano foi criado o setor de Educação e Cultura, com a con-
tratação de quatro educadores para estruturar e implantar um programa de ações
educacionais e culturais na instituição. Esse programa deveria garantir não apenas
o direito legal das crianças internadas à educação, mas envolver os familiares das
crianças e os funcionários do hospital em suas ações.
De imediato, conseguiu-se com a Secretaria Municipal de Educação de Curi-
tiba uma ampliação do convênio firmado, incorporando mais duas professoras da
Rede Municipal ao projeto. Além disso, e mais importante: as cinco professoras
passaram a atuar de maneira articulada, coordenadas pela equipe do setor, com
programação compartilhada de atividades, grupos de leituras e estudos, discussão
e avaliação sistemática sobre o trabalho realizado.
Ao mesmo tempo, uma série de ações educacionais e culturais complemen-
tares foram implantadas, dando suporte para o trabalho central de escolarização
formal das crianças internadas. Assim, nos meses seguintes iniciaram-se ativi-
dades de leitura/literatura, de práticas de jogos de culturas de todo o mundo, de
iniciação à informática e oficinas de artes plásticas. Um campo de estágios foi
criado, envolvendo estudantes de Pedagogia de várias universidades curitibanas
(UFPR, Unicep, Uniandrade, Facinter). Esses estagiários, após capacitação, pas-
sam a atuar nesses programas, estendendo as atividades simultaneamente aos vá-
rios setores do hospital e multiplicando o alcance das ações.
O programa educacional então desenvolvido foi orientado por correntes te-
óricas psicopedagógicas que explicam o desenvolvimento da criança enfatizando
as interações sociais e a gênese da construção dos conhecimentos. Dentro dessas
concepções, a criança e/ou adolescente é entendida como um ser ativo, que cons-
trói o conhecimento por meio da interação com as pes­soas e com o meio. Assim,
o trabalho busca otimizar as oportunidades de contatos e trocas, entre a equipe do
setor, as crianças e/ou adolescentes, seus familiares e os funcionários do hospital,
com ênfase no compartilhamento de atividades de leitura, prática de jogos, ativi-
dades de artes plásticas e informática, entre outras. Nessas ações, a equipe atua
no sentido de valorizar a autonomia de todos os envolvidos na atividade, incenti-
vando-os a se expressar e a construir coletivamente o saber, ao mesmo tempo em
que se reforça sua auto-estima e a confiança em sua capacidade de aprendizagem
e de realização.
Nesse sentido, o programa de Educação e Cultura tem uma proposta clara
de atuar a partir do ponto de vista da manutenção e ampliação da saúde, con-
trastando com as ações de cunho médico/terapêutico, naturalmente hegemônicas
num ­hospital de alta complexidade. Em outras palavras: as crianças hospita­liza­das
são cercadas de cuidados terapêuticos, sendo atendidas por médicos, enfermeiras,
psicólogos, ­fisioterapeutas, fonoau­diólogos. Esse atendimento é necessário e bem-
vindo, mas resulta num olhar excessivamente terapêutico sobre a crian­ça. Até
seus familiares passam a encará-la como um caso clínico. Ao abordar a criança
com propostas de atividades en­vol­ventes e motivadoras, ao engajá-la em ativi-
dades que mobilizam seus recursos preservados, ao colocá-la em interação com
seus pais nas atividades, o programa de Educação e Cultura rompe com esse olhar
exclusivo sobre a doença e promove, efetivamente, saúde.
18
Educação de crianças hospitalizadas

O desenvolvimento desse programa educacional teve que equilibrar-se com


uma série de fatores que são completamente estranhos à escola formal, matriz
comum de todos os educadores envolvidos com o projeto. Numa listagem que não
esgota a questão, vale citar:
a completa heterogeneidade da população atendida. São crianças e jo-
vens de 0 a 18 anos, vindos de diversas regiões do país, com as mais
diferentes vivências culturais e histórias escolares, de todas as camadas
so­cioeconômicas.
são crianças e jovens em tratamento de saúde, muitas vezes em condi-
ções clínicas bastante delicadas e em constante alteração. Por razões de
segurança hospitalar, evita-se o agrupamento de crianças, o que dificulta
a realização de atividades em grupo, tão ricas para a construção de um
saber coletivo.
o tempo médio de internamento tem girado em torno de cinco dias, o
que impossibilita ações de médio e longo prazos com a maioria das
crianças internadas. Quanto às que passam por internamento mais pro-
longado ou tratamento continuado, é quase sempre impossível preci-
sar-se o tempo de permanência da criança no hospital, pois ela pode ter
alta a qualquer momento.
o foco prioritário da internação é o tratamento de saúde. Isso implica em
que a rotina do hospital – os procedimentos clínicos, as visitas médicas,
a realização dos exames – tem clara precedência sobre a atuação edu-
cacional. Na prática, isso significa que o tempo médio de atendimento
diário de uma criança fica entre 1h e 1h30. Significa, também, que as ati-
vidades podem ser interrompidas a qualquer momento para que aspectos
médicos-clínicos sejam atendidos.
Esse quadro pautou as opções metodológicas adotadas pela equipe. A pri-
meira delas foi a de eleger os Referenciais e Parâmetros Curriculares como norte
teórico-prático para as abordagens pedagógicas e implementação de ações edu-
cacionais. Afinal, esses documentos trazem as idéias, posturas e metodologias
propostas pelo MEC para a educação em todo o Brasil e, nesse sentido, é o instru-
mento adequado para fazer frente à enorme diversidade de experiências escolares
que caracteriza a população atendida pelo hospital. Assim, a equipe assumiu ho-
rários semanais de leitura conjunta de trechos selecionados dos RCN e dos PCN,
discutindo as idéias e propostas desses documentos no contexto de nossa atuação
no hospital.
Quanto ao desenvolvimento de atividades, tem se mostrado bastante pro-
dutiva uma prática com atividades modulares. Assim, um texto produzido por
uma criança a partir de uma pesquisa sobre a história de sua família é retomado
numa próxima atividade para ser burilado e aperfeiçoado. Se a criança continuar
internada poderá levar seu texto para a oficina de informática no dia seguinte e
aprender a digitá-lo. Numa segunda ida à oficina, aprenderá a editar seu texto para
apresentá-lo como um pequeno livro. O que se enfatiza aqui é que as atividades
são realizadas de maneira a que tenham sentido por si mesmas, não dependendo
19
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

de ações posteriores. Elas podem – e vão – se desdobrar em ações complementa-


res, mas mesmo que o processo seja interrompido pela alta clínica, a percepção
que fica é de um trabalho completado.
A seguir, um relato de como se estruturam e acontecem as ações do progra-
ma de Educação e Cultura.

Acompanhamento escolar
É o programa que atende às demandas de escolarização formal das crianças
por meio de aulas, estudos conjuntos, pesquisas e atividades similares. Essa ação
é reconhecida pela Secretaria Estadual de Educação, o que garante a incorpora-
ção ao histórico escolar do aluno das atividades e avaliações realizadas durante o
internamento, assegurando a continuidade dos estudos e a possibilidade de pro-
gressão escolar.
Cinco professoras da rede municipal de ensino de Curitiba atuam no pro-
grama, sob a coordenação da equipe do setor. Diaria­mente elas checam a chegada
de crianças com previsão de médio/longo internamento (a partir de duas semanas
de permanência) ou submetidas a tratamento continuado. Entram em contato com
a criança e com seus familiares e propõem um contrato informal para realização
do atendimento. Após coleta de dados da vida escolar da criança, a professora
comunica-se com a escola onde ela estuda, informando à coordenação sobre o
atendimento educacional que esta terá no hospital, solicita envio dos materiais de
estudo da criança, toma conhecimento das principais pautas de estudo da turma
no período, articula contato do(s) professor(es) e da turma com a criança, entre
outras providências.
O plano de trabalho com a criança é elaborado em conjunto com a coor-
denação do setor e com a equipe; é revisto em contatos de supervisão diários e
em reuniões periódicas com a equipe. Dado o pouco tempo possível de trabalho
com cada criança, é fundamental o cuidado na eleição de prioridades a serem
trabalhadas com ela nas atividades. Nesse aspecto, vale uma atenção especial
para as atividades que propiciem o desenvolvimento de habilidades expressivas, o
domínio de códigos de linguagem (orais/escritos, gráficos), o desenvolvimento do
raciocínio lógico e do senso crítico.
Cabe às professoras atender, na medida do possível e de acordo com as con-
dições da criança, às demandas das escolas quanto à execução de exercícios, tra-
balho e avaliações. Cabe ainda, a elas, informar periodicamente a escola sobre o
desempenho da criança e sobre os trabalhos realizados durante o internamento.
Mas o professor desenvolve, principalmente, uma linha de ações própria,
que atende a criança de acordo com seu quadro clínico e suas possibilidades,
aproveitando ao máximo os recursos disponibilizados pelo setor de Educação e
Cultura: o programa Biblioteca Viva, o programa de jogos, as oficinas de informá-
tica e de artes plásticas. Dessa forma, além do atendimento direto que recebe da
professora, a criança é encaminhada às atividades realizadas pelos demais mem-
bros da equipe, ampliando sua participação e tempo de atividades educacionais/
culturais durante o internamento.
20
Educação de crianças hospitalizadas

Biblioteca Viva
Programa criado pelo Ministério da Educação e Fundação Abrinq, por meio
do qual funcionários, estagiários e voluntários do hospital lêem para as crianças/
adolescentes, mobilizam seus familiares a ler para eles, bem como incentivam as
próprias ­crianças/adolescentes a ler para os demais. As atividades envolvem in-
tensamente todos os participantes no universo dos livros e das leituras, ajudando
a disseminar essa prática para além da situação de internamento e a criar leitores
interessados e ­curiosos.
Na prática, os mediadores de leitura selecionam entre 10 a 15 livros por
sessão e dirigem-se às crianças/adolescentes, convidando-os à leitura. Esta ocor-
re basicamente de duas maneiras: coletivamente, quando colocam-se tapetes nos
saguões e corredores do hospital, espalham-se os livros sobre eles e chamam-se
as crianças e familiares para a leitura; ou individualmente, quando oferece-se a
leitura junto ao leito para aquelas que não podem se locomover.
As leituras acontecem em todos os setores do hospital: ambulatórios, en-
fermarias, UTIs, isolamento, emergência, saguões e corredores. Funcionários de
todos os setores do Pequeno Príncipe tomam parte desse programa: enfermagem,
corpo médico, segurança, cozinha, administração.

Informática
Dois minilaboratórios de informática foram montados no hospital, com
apoio de empresas que doaram computadores e mobiliário para o projeto. Com o
apoio inicial da CDI, uma ONG que atua na implantação de oficinas de informá-
tica em organizações sociais, foi criado um programa piloto de atuação, que foi
desenvolvido e ampliado nos meses seguintes pela equipe do setor.
As atividades de informática centram-se em duas linhas principais de atu-
ação:
aproximar as crianças/adolescentes da tecnologia da infor­mática, prepa-
rando-as para o uso cada vez mais exigido de computadores e de seus
recursos. Como a quase totalidade da população atendida (cerca de 95%)
não tem qualquer contato com computadores, as atividades centram-se
em aspectos bastantes básicos desse aprendizado, como o uso do teclado
e do mouse, e a prática com programas de desenho, leitura e escrita;
utilizar os programas e recursos de informática disponíveis para desen-
volver atividades de leitura/escrita, de pesquisa e de construção do saber,
a partir de temas ligados ao currículo escolar e/ou aos interesses da crian-
ça/adolescente.
Os resultados dessa ação têm surpreendido a equipe. O encantamento e a
curiosidade que o universo da informática normalmente desperta nas crianças e
jovens colabora para que rápidos progressos sejam feitos. As primeiras explora-
ções, quase sempre ligadas à escrita de textos simples, à elaboração de desenhos
ou à singela prática de jogos interativos, são seguidas por um uso cada vez mais

21
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

sofisticado e funcional dos recursos do computador. Em especial, as atividades


de escrita e de pesquisa iniciadas pelas professoras no programa de Acompanha-
mento Escolar abrem oportunidades concretas de uso prático dos recursos infor-
máticos. Os textos criados e re-trabalhados pela criança junto com a professora
são digitados e editados nas atividades do laboratório de informática, podendo dar
origem a um pequeno livro de histórias, a um cartaz temático ou a uma mensagem
de e-mail a ser enviada para um parente ou amigo querido. Pesquisas exigidas
pela escola são realizadas por meio de exploração ativa da internet – com especial
atenção ao aprendizado de uso de recursos de busca, ao mesmo tempo em que
se cultiva uma postura crítica frente aos resultados dessas buscas e às fontes de
pesquisas da rede.

Jogos de todo o mundo


Programa desenvolvido a partir de uma pesquisa sobre jogos de culturas de
todos os continentes e que instiga nas crianças/adolescentes o uso intensivo de
seus recursos - intelectivos, expressivos, motores – para dar conta dos desafios
que os jogos propõem. Trabalhamos com jogos de estratégia, como o mancala
africano e o gomoku, da Coréia; jogos que utilizam cálculos, como o Feche a Cai-
xa, o 101 e a Maratona; jogos de palavras, como as Cruzadas e o Doublet; jogos
que trabalham conceitos geométricos, como Tangram e o Pentaminós.
As crianças/adolescentes aprendem os jogos e os praticam com os monito-
res do programa, jogando entre si e com seus familiares. Os monitores incentivam
as crianças a comentarem suas jogadas e os raciocínios implicados nelas, num
exercício constante de organização e expressão de idéias, de um produtivo emba-
te com as idéias dos parceiros e adversários. Esse exercício se dá num clima de
informalidade e de alto comprometimento – as crianças/adolescentes atiram-se
aos jogos com entusiasmo e interesse –, o que faz com que essa prática seja um
recurso de grande eficiência para mobilizar a inteligência (num sentido amplo)
de seus praticantes. Jogando, a criança se permite ousar esquemas mentais que,
muitas vezes, não utilizaria numa situação escolar formal, inibido pelas muitas
expectativas – dele, de educadores, da turma – ali envolvidas.

Artes plásticas
As oficinas de artes plásticas partem de variados temas para trabalhar uma
ampla gama de técnicas e uma diversidade de referências estéticas. Assim, a apre-
sentação de diferentes tipos de máscaras, além de fotos e ilustrações, motiva as
crianças à construção de suas próprias máscaras, com técnicas de recorte, pintura
e colagem. Caricaturas, arte rupestre, arquitetura, móbiles, bonecos, gravuras e
suas técnicas – muitos são os temas que desencadeiam as atividades, numa múlti-
pla e contínua exploração por parte das crianças/adolescentes.

22
Educação de crianças hospitalizadas

Apresentações artístico-culturais
Uma programação permanente de eventos artístico-culturais e mantida pelo
setor de Educação e Cultura em parceria com o voluntariado do hospital, incluindo
apresentações de corais, grupos instrumentais, de teatro, circenses, entre outras.
Uma parceria com o Sesc da Esquina tem ampliado o leque de apresentações, in-
cluindo a vinda de artistas de renome ao hospital, como o saxofonista Leo Gandel-
man e o violonista Guinga, que deram emocionantes “canjas” musicais às crianças
e seus familiares. Já a escritora Eva Furnari, em sua visita, contou histórias en-
quanto as desenhava em grandes painéis, para encanto das crianças que assistiam.

Sala de leitura Dalton Trevisan


Biblioteca de mais de mil volumes de literatura adulta doados por um grupo
de editoras dentro do programa Sala de Leitura. O acervo é disponibilizado para
empréstimos para familiares das crianças e para funcionários do hospital, incen-
tivando também entre os adultos o gosto pelas leituras.
Equipe do programa

Funções Formação Colaboradores


Coordenador Psicologia 1

Assessora Pedagógica Pedagogia 1

Assistente de coordenação Ciências Sociais 1

Professores Variada 5

Monitora Artes Plásticas Artes 1

Estagiários Pedagogia/Magnésio 31
Voluntários Variada 12
Total 52

Perspectivas
O planejamento do setor, para esse ano, inclui a retomada de contato com
a Secretaria Estadual de Educação para renovação do convênio de parceria com
o hospital, engajando novas forças, idéias e talentos ao projeto. Inclui também a
ampliação das atividades de estudos teóricos da equipe, com a implantação de um
sistema permanente de reciclagem, grupos de estudos temáticos, participação em
eventos ligados à educação, em especial aqueles promovidos pelas Secretarias de
Educação do Estado e de Curitiba. O contato e articulação com outros hospitais
que mantêm atendimento educacional é também prioritário para esse ano.
As atividades de arte também estão sendo ampliadas, com implantação de
programas de música e teatro, e incremento nas atividades de artes visuais, por
meio das quais as crianças vivenciam a arte como espectadoras, assistindo a reci-
tais, balés, peças de teatro, tanto quanto como criadoras, em oficinas práticas de
sensibilização para a arte.
23
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

24
Idoso e inclusão
Fátima e Silva de Freitas
Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma

Tem mil faces secretas sob a face neutra

E te perguntas, sem interesse pela resposta,

Pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?

Repara:

Ermas de melodia e conceito

elas se refugiaram na noite, as palavras.

Ainda úmidas e impregnadas de sono,

Rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Carlos Drummond de Andrade

Inclusão Exclusão
1. Compreender, abranger 1. Afastar, desviar, eliminar
2. Estar incluído 2. Pôr de lado, abandonar, recusar
3. Fazer parte 3. Não admitir, omitir
4. Pertencer, juntamente com outros 4. Pôr fora, expulsar
5. Ato ou efeito de incluir 5. Privar, despojar

A
s palavras em estado de dicionário podem aparentar frieza e distanciamento do nosso coti-
diano, da vida que pulsa nas ruas da cidade e nos campos. Contudo, quando as situamos num
determinado contexto ganham significados e contornos inesperados, às vezes dramáticos e
denunciadores de uma realidade que nem sempre percebemos.
Ao processo que exclui mulheres e homens idosos do acesso à educação, cultura, lazer, merca-
do de trabalho e aos demais setores da vida social, chamamos de exclusão social, ou etária, quando
a idade é o fator determinante. Mesmo considerando que nas últimas décadas intensificaram-se as
ações no sentido de mudar este quadro, ainda há muito o que fazer. A Política Nacional do Idoso, a
recente publicação do Estatuto do Idoso, as constantes denúncias sobre maus tratos em casas de re-
pouso, asilos e hospitais, os trabalhos de instituições assistenciais, religiosas e sociais são iniciativas
que trazem para a ordem do dia a discussão sobre o processo de envelhecimento populacional pelo
qual a sociedade brasileira vem passando nas últimas décadas.
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Em seu artigo segundo, o Estatuto do Idoso diz:


Art. 2.º O idoso goza de todos os direitos fundamentais da pessoa humana, sem prejuízo
da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhe, por lei, ou por outros meios,
todas as oportunidades e facilidades, para a preservação de sua saúde física e mental e
seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e
dignidade. (Estatuto do Idoso, fev. 2005).

As leis e iniciativas que incluem os idosos no cenário das preocupações atu-


ais podem ser importantes instrumentos por meio dos quais será possível trilhar
os caminhos da sua inclusão na sociedade ­brasileira.
O processo de exclusão sofrido pelo idoso não pode ser homo­geneizado de
maneira nenhuma, sob risco de transformarmos este ator social em um brasileiro
sem fala. O que não é verdade, pois essa categoria tem demonstrado nas últimas
décadas um crescente avanço no sentido da luta pelos seus direitos. Há hoje, no
país, inúmeras Associações, Sindicatos, Federação e Confederação de Idosos. Essa
é uma realidade multifacetada em todos os sentidos, as diferenças e desigualdades
que marcam a sociedade brasileira estão também presentes na ­velhice.
Não podemos esquecer a velhice abandonada à sua própria sorte, afastada
da convivência social, asilada em instituições que nem sempre cumprem o que
é estabelecido pelas leis que as regem. Trata-se de uma exclusão, quem sabe das
mais cruéis, visto que esses homens e mulheres submetidos a maus tratos, negli-
gência e descaso na maioria das vezes sequer têm condições de lutar ou alguém
que o faça por eles. Asilos, casas de repouso e instituições similares, por outro
lado, não podem ser vistas como sinônimo de abandono. Há os que cumprem suas
funções de maneira satisfatória, assim como há idosos que optam por esse tipo de
moradia, ou ainda, famílias que têm como única solução é o internamento.
O abandono assombra a velhice, sendo temido por todos. Há muitas formas
de abandono, nem sempre configuradas pela distância física, como o abandono
afetivo, o distanciamento, a incompreensão são também formas de aniquilamento
da pessoa humana que alimentam os processos de exclusão.
Não admitir, omitir – a discriminação por idade, na hora da busca pelo em-
prego, educação, lazer e demais atividades exclui essa faixa etária da participação
efetiva na sociedade. A omissão em todos os seus graus, do mais elementar ao
mais sofisticado, do socorro não-prestado, da violência física, da falta de alimen-
tos ao não-reconhecimento de sua cidadania.
Privar, despojar – a velhice privada de escolha, objeto de intervenção, de
medidas que não levem em conta suas vontades e necessidades específicas. São,
acima de tudo, homens e mulheres possuidores de conhecimento e de experiên-
cias, sujeitos e não objetos. O respeito deve ser incentivado e aprendido pelas
novas gerações, não a atitude benevolente que os infantilize como “velhinhos” e
“velhinhas”, mas uma atitude que os valorize como pessoas, portadoras de dife-
rentes concepções de mundo.
A educação tem um importante papel que é o de incentivar e imple­men­tar
programas que priorizem a solidariedade entre as gerações. Os currículos esco-
lares têm hoje o respaldo legal para introduzir conteúdos relativos ao processo de
envelhecimento populacional.
26
Idoso e inclusão

Art. 22. Nos currículos mínimos dos diversos níveis de ensino formal serão inseridos
conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, ao respeito e à valorização do idoso,
de forma a eliminar o preconceito e a produzir conhecimentos sobre a matéria. (Estatuto
do Idoso, fev. 2004)

É necessário, e urgente, que nossos educandos aprendam o valor da expe-


riência. O aprendizado pode tornar o caminho do respeito e da inclusão mais
curto e sereno. O conflito entre gerações faz parte do processo da busca da iden-
tidade e da subjetividade das novas gerações, mas há que se aprender e ensinar
sobre as possibilidades de uma convivência nos limites do afeto, do respeito e
da solidariedade.
A exclusão do idoso, em sociedades classicamente constituídas para o mun-
do do trabalho, consolida-se em parte quando da sua saída do “mercado”, ou seja,
quando a aposentadoria é o que lhe resta. Nesse momento, sua situação de classe
vai ser um elemento importante na reprodução e consolidação das desigualdades.
Elas tendem a acentuar-se e, via de regra, partilham esta situação com os demais
familiares quando possuem. Esse processo torna-se mais profundo quando conju-
ga outros fatores de exclusão como: etnia, gênero e decrepitude física.
Há muito que fazer para que idosos transitem pela sociedade como cidadãos
e não como peças descartáveis dessa grande engrenagem social que, às vezes, lem-
bra “Carlitos” (Chaplin – no filme Tempos Modernos) enrolados nos mecanismos
de uma sociedade que transforma humanos em peças descartáveis e consumíveis
pelo tempo. Idosos são, acima de tudo, portadores de memória, de significados
culturais próprios, e de História.

De volta para escola


A faculdade na minha idade não pode ser
sofrida e não pode ser imposta.

Dalva

Voltar a estudar depois de 15, 20, ou 30 anos longe do ambiente escolar re-
quer ousadia, coragem e determinação. Os casos relatados a seguir nos mostram
que é sempre tempo de recomeçar ou retomar os sonhos, sejam eles quais forem.
O vestibular para experientes das Faculdades Integradas do Brasil isenta
pessoas acima dos 35 anos da taxa de vestibular. O objetivo é possibilitar a inclu-
são de pessoas mais “experientes” no ambiente acadêmico. A instituição já conta
com sistemas de cotas no vestibular para afrodescendentes e bolsas de estudos
parciais para os aprovados. Nesse caso, conta com a ajuda de setores organizados
do movimento negro.
A iniciativa é considerada política de ação afirmativa, que não é novidade
para algumas Universidades Públicas Brasileiras, mas que no caso da Unibrasil,
uma instituição particular, trata-se de uma experiência inovadora:
Ações afirmativas são estratégias destinadas a estabelecer igualdade de oportunidades,
por meio de medidas que compensem ou corrijam as discriminações resultantes de prá-
ticas ou sistemas sociais. Têm caráter temporário, são justificadas pela existência da dis-
27
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

criminação secular contra grupos de pessoas e resultam da vontade política de superá-la.


(SUPLICY, 1996, s/p)

Contribuir para que o espaço da escola transforme-se também no espaço


da convivência entre as gerações é um desafio que atualmente se coloca para a
educação que se quer responsável.
Em entrevista concedia em 30 de março de 2004, algumas alunas relatam
como foi a volta para a escola, a relação com os novos colegas de sala, a reação
dos familiares e as mudanças que o retorno aos bancos escolares provocaram em
suas vidas.
Maria Angélica, 49 anos, curso de Jornalismo, 3.º período, aluna estagiária
da Assessoria de Comunicação da faculdade.
Eu precisava dar um outro sentido na minha vida. Foi daí que eu descobri a Unibrasil, num
outdoor. Eu resolvi fazer a inscrição e passei. Eu tomei uma decisão, e foi bom pra mim.
Preferi o período da manhã, sabendo que a diferença de idade ia ser muito grande. Fica
entre 20, 30 anos, a faixa etária né, e eu sou a única que está chegando aos cinqüenta. [...].
A maioria das pessoas que estão ali, tem a idade dos meus filhos.
No começo foi muito esquisito, porque o respeito, né. Eu senti que o jovem, sai de um
segundo grau, ele está naquela euforia, não tem noção do que é uma faculdade, é uma
extensão para eles. Arrasta cadeira, bate porta, eu tive problemas, realmente, de falta
de concentração. Aí eu falei – Não, eu é que vou ter de me acostumar, eu é que sou mais
experiente aqui. Em algumas situações, que eram muito agressivas, eu cheguei para os
meus colegas e disse: - Olha, em vez de arrastar cadeiras, porque não erguê-las . Para não
machucar o ouvido. Em vez de bater a porta, já que chega atrasado, entra, fecha a porta.
Com o tempo eu fui vendo que eu conseguia me enturmar. (Angélica, entrevista 30/03)

Ana (a única das entrevistadas que pediu anonimato, logo, o nome é fictício)
65 anos, 2.º período de Jornalismo. Fez o vestibular e não esperava passar, chegou
até a ficar triste, sem saber o que fazer, sente dificuldades com relação aos tra-
balhos solicitados pelos professores. Acha que a faculdade deveria proporcionar
algum curso de atualização em algumas matérias. No restante, a volta à escola
trouxe um novo rumo para sua vida.
... eu estou com 65 anos, e acho que a gente tem mais dificuldade para assimilar as coisas.
Eu me considero assim, em forma. Mas eu vejo que a gente fica mais lenta, sabe. Então, eu
às vezes fico pensando... será que eu não tô fazendo besteira, eu tenho uma outra colega
que está lá no Direito. E ela tem me dito, que não sabe se ela tá fazendo um bom negócio,
ou não. Por causa dos trabalhos, é muita coisa para a gente assimilar. Daí a gente fica pen-
sando... mas eu já fiz tanta coisa na minha vida. Será que não era hora de estar viajando,
aproveitando. Mas se ficar naquela coisa de não ter uma ocupação, isso deprime a gente.
Isso dá uma sensação de um abandono, de um final de linha. De que a vida passou, dá uma
tristeza. (Ana, entrevista 30/03)

Dalva Renata Cornel, 56 anos, Secretariado Executivo, 3.º ­período.


Só fiz vestibular porque era o da experiência. Depois de 38 anos afastada das salas de aula,
eu não via nenhuma possibilidade de freqüentar um cursinho, o burburinho do cursinho
com os jovens não me atraia mais. Quando peguei a propaganda no jornal, era o último
dia, liguei para o meu marido, brincando, porque eu não acreditei que eu fosse fazer. Ele
perguntou o que eu estava esperando.
... eu não tive nenhum problema (com os colegas), o problema foi meu, realmente, de me
adaptar. Nos primeiros quinze dias, eu tinha dificuldade de concentração, de assimilar o
que o professor estava dizendo. É muito diferente do meu tempo de escola, as pessoas es-

28
Idoso e inclusão

tão aqui, porque querem estar, ninguém vai ficar se incomodando se eu estou copiando ou
não. Depois me conscientizei, as primeiras provas foram bastante... tive até um problema
de pressão, eu me descontrolei, fiquei muito preocupada com as provas, mas depois tirei
de letra. ( Dalva, entrevista 30/03)

As duas próximas entrevistas foram feitas em conjunto, são duas amigas,


cursando o 3.º período de Pedagogia, uma é professora de artesanato e a outra é
funcionária de uma escola de ensino fundamental em Curitiba. São elas: Eliana
Czajkowski, de 47 anos e Tereza de Cerda Bastidas, de 55 anos.
Tereza: “Eu já estava mais ou menos acomodada. Com os incentivos da fa-
mília eu fui. Eu já estava me sentindo distanciada de tudo, marginalizada.”
Eliana:
Eu fiquei muito tempo sem estudar, 30 anos... pra mim foi muito bom. A minha adaptação
aqui na escola foi excelente. Eu também dou aulas, mas eu não dou aula pra crianças. Eu
dou aula de artesanato. Às vezes eu sou mais criança que as meninas, eu tô desvirtuando
as mocinhas, sabe. Então, pra mim está sendo excepcional. Um grande desafio. Eu tô ven-
do o mundo de outra maneira, agora. Inclusão prá mim, é: eu estar dentro do mundo, eu
me sinto assim. As pessoas me respeitam mais, enquanto pessoa.

Tereza: “É uma participação por igual, é você poder conversar, criticar, con-
cordar, discordar. O que não acontecia antes, os nossos temas de conversação
eram bastante limitados. Pelo menos para nós, é um mundo mais amplo.”
Eliana: “Meus familiares falam que eu estou mais crítica, eu cresci enquan-
to pessoa. O meu vocabulário ficou mais rico.”
Tereza: “E fazem as gozações, aí está a senhora pedagoga, agora a senhora
sabe tudo (risos), na base da brincadeira. Houve uma mudança bem significativa.”
A última entrevistada é Sirlei Aparecida Fernandes (51 anos); ela é aposen-
tada do Banestado (Banco do Estado do Paraná), conta que não via a hora de se
aposentar para voltar a estudar, o que ela sempre gostou de fazer. Ela já é formada
em outro curso superior, em 2001 voltou a estudar Jornalismo.
“... Jornalismo é um curso que eu tinha muita vontade de fazer, eu tinha in-
terrompido esse curso há trinta anos. Eu tinha começado a fazer na Federal. Falei,
agora eu vou realizar meu sonho. Tô superfeliz, falta só um ano para terminar.”
Sobre a relação com os colegas de turma, Sirlei diz que às vezes tem al-
gumas dúvidas, em função da sua experiência de vida. Afinal, seus colegas são
quase todos da mesma idade dos seus filhos.
... é muito gratificante. De um lado, eu fico um pouco receosa de dar uma opinião. Eu me
pergunto até que ponto, eu não vou parecer às vezes ousada, porque eu tenho mais expe-
riência. Poderia parecer meio que pernóstico, eu parecer que tenho mais conhecimento
que eles. Então eu prefiro ficar calada, e penso que eu aprendo muito com eles. E o fato de
conviver com eles, também ajuda a entender os meus filhos. Hoje, o diálogo que eu tenho
com os filhos é sobre faculdade, eu aprendo aqui na faculdade a fazer esta relação com
eles. É muito legal.
Eu penso que toda pessoa que se aposenta, e que se lamenta... ai, que eu não tenho o que
fazer! Vai estudar, é a melhor forma de você não envelhecer e de estar vivendo em um
ambiente sadio, gostoso e alegre. (Sirlei, entrevista 30/03)

29
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

O aprendizado da convivência respeitosa entre diferentes gerações, não é


tarefa fácil para professores, alunos e para a sociedade em geral. Mas precisamos
aprender com nossos alunos e colegas de sala. A escola é o espaço por excelência
do aprendizado, e pode ser também, infelizmente, o espaço onde os preconceitos
cristalizam-se. Transformá-la em um ambiente de trocas e de solidariedade, acre-
dito, deveria ser objetivo de todos.

Considerações acerca do envelhecimento


com campo de conhecimento

Páscoa
Adélia Prado

Velhice
é um modo de sentir frio que me assalta
é uma certa acidez.
O modo de um cachorro enrodilhar-se
quando a casa se apaga e as pessoas se deitam
Divido o dia em três partes:
a primeira pra olhar retratos,
a segunda pra olhar espelhos,
a última e maior delas, pra chorar.
Eu, que fui loura e lírica,
não estou pictural...
Peço a Deus,
em socorro da minha fraqueza,
abrevie esses dias e me conceda um rosto
de velha mãe cansada, de avó boa,
não me importo. Aspiro mesmo
com impaciência e dor.
Porque sempre há quem diga
no meio da minha alegria:
‘põe o agasalho’
‘tens coragem?’
‘por que não vais de óculos?’

30
Idoso e inclusão

Mesmo rosa sequíssima e seu perfume de pó,


quero o que desse modo é doce,
o que de mim diga: assim é.
Pra eu parar de temer e posar pra um retrato,
ganhar uma poesia em pergaminho.

As preocupações com as questões relativas ao envelhecimento não são re-


centes para as ciências médicas, contando com especialidades como a Gerontolo-
gia (esta de caráter multidisciplinar envolvendo profissionais das mais diferentes
áreas) e a Geriatria. Mas o envelhecimento como campo de pesquisa específica
nas ciências humanas é bastante recente, no Brasil, por exemplo, houve um cres-
cimento expressivo a partir da década de 801. Embora hoje conte com um consi-
derável vo­lume de publicações específicas sobre a questão, ainda há muito que se
produzir nessa área.
O tema vem sendo discutido pelas mais diversas áreas e temos assistido ao
desenvolvimento de políticas públicas específicas para a população idosa, à cria-
ção de centros de convivência, cursos diversos, incentivo ao ingresso em cursos
universitários, universidades para a terceira idade e investimentos do setor priva-
do em produtos que vão de pacotes turísticos à academias de ginástica especiali-
zadas em atendimento aos idosos.
Em termos formais e de acordo com a Lei 8.842 de 4 de ­janeiro de 1994,
regulamentada pelo Decreto 1.948, de 3 de julho de 1996, que dispõe sobre a Po-
lítica Nacional do Idoso, no seu Art. 2.º:
Art. 2.º considera-se idoso, para os efeitos desta Lei, a pessoa maior de sessenta anos.
2

Temos, nesse sentido, várias categorias que podem definir a pessoa a partir
dos sessenta anos, velho(a), idoso(a), ancião(ã) e, por fim, terceira idade.
Considero que apesar do envelhecimento não se dar de forma homogênea,
de não haver um modelo de idoso universal que possa servir como parâmetro para
pensar o processo de envelhecimento, este campo ligado às estratégias de vida, de
prazer, de lazer e relacionamentos sociais está cada vez mais submetido ao geren­
ciamento social, sejam as iniciativas públicas ou privadas. ­Constituindo no que
já podemos chamar de uma cultura da, ou para a, terceira idade, alardeada pelos 1 Ver, por exemplo, os
trabalhos de: BOSI,
Ecléa. Memória e Socieda-
meios de comunicação, como uma fase da vida que se abre para as mais diversas de: lembranças de velho.
São Paulo. T. A. Queiróz,
possibilidades de realização ­pessoal. 1983. DEBERT, Guita. As
representações da velhice.
Terceira idade transformou-se no termo mais usual para referir-se à popula- Revista Ciência Hoje, 1988.

ção idosa. Velho é também uma designação utilizada, às vezes, mas a maneira pe-
HADDAD, E. A ideologia da
Velhice. Sâo Paulo: Cortez,
jorativa que o termo assume, mais se distancia do que se aproxima da forma como 1986.

os próprios idosos se identificam. Quando referem-se aos velhos, quase sempre o


fazem para falar do “outro” e não deles mesmos. Então o velho é sempre o outro,
2 Anais do I Seminário
Internacional “Envelhe-
cimento Populacional: Uma
aquele que não tem ânimo para a vida, que não quer sair de casa ou fazer coisas Agenda para o Final do Sécu-
lo”. Brasília, DF. Ministério
novas, categoria acionada mais por oposição do que por identificação. Dado que, da Previdência e Assistência
Social, 1996.

31
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

por exemplo, ninguém diz que asilos são para a terceira idade, mas para velhos.
Fala-se também nas Universidades para a terceira idade, nos grupos de convi-
vência e nos programas de Postos de Saúde que, em geral, são denominados da
terceira idade.
Quando ouve-se falar na terceira idade, quase sempre o termo refere-se à
velhice bem-sucedida, festiva e no controle de suas atividades. Há também que se
considerar que se falamos em termos numéricos poderá haver uma quarta idade
ou quinta idade, dado que as expectativas de vida vêm aumentando a cada dia.
Nesse sentido, trata-se de uma forma classificatória que supõe outros recortes, ou
de uma maneira confortável de se referir ou se auto-identificar em determinada
fase cronológica da vida.
Esse termo foi utilizado pela primeira vez na França, na década de sessen-
ta do século XX, como um conceito para identificar um tipo de envelhecimento
bem-sucedido, que se diferenciava daquele associado à velhice desamparada e
abandonada à própria sorte. No contexto francês, tratava-se da universalização
de um sistema de aposentadorias, que, bem ou mal, garantia alguma renda para a
população idosa. Somado a isso, o aumento da expectativa de vida contribuiu para
que a terceira idade formasse também um novo público consumidor de todo tipo
de bens e serviços (DEBERT; SIMÕES, 1994).
Segundo Motta:
[...] o que a categoria terceira idade vem representando é positivo – daí a sua rápida acei-
tação e difusão no cotidiano e até entre pesquisadores – mas por trás dessa nova e boa
imagem de idoso dinâmico e saudável que ela vem também representando, estão coloca-
dos o eufemismo – escapismo negador da velhice e uma indústria de produção de bens e
serviços, como um novo e envolvente mercado. (MOTTA, 1997)

No Brasil, por muito tempo, veiculou-se, em todos os meios de comunicação


a idéia de que se tratava de um país de jovens. Nos últimos anos, essa afirmação
vem deixando de fazer sentido. Passamos efetivamente por um processo de enve-
lhecimento populacional. Tamanho é o impacto que esse dado tem causado que
tanto na demanda por políticas públicas relacionadas à previdência social, saúde,
educação e lazer, quanto em outros setores sociais, que a velhice transformou-se
em uma das questões sociais mais visíveis da atualidade.
Ao analisar dados censitários da década de noventa, Berquó aponta que
em 1941 tínhamos 2,2% da população pertencente ao grupo etário de 65 ou mais
anos; já em 1991, o censo apurou um crescimento para 4,8% e uma projeção para
o ano 2000 de 7,7%. “Pensando em termos de futuro, espera-se chegar ao final
do século com 8.658.000 idosos, ou seja, 1 em cada 20 brasileiros terá 65 anos
ou mais. Esse número crescerá para 16.224.000 em 2020, quando um a cada 13
pertencerá à população idosa” (BERQUÓ, 1996).
A estimativa acima confirma-se com os dados do censo 2000, hoje temos
vinte idosos para cada cem crianças. “O Indicador que relaciona a população ido-
sa com o contingente de crianças passou de 13,9 idosos para cada criança em
1991, para 19,77 em 2000. Isso significa que existem, hoje, no Brasil, quase vinte
pessoas de 65 anos ou mais para cada cem crianças de até 15 anos” (IBGE – No-
tícias – Censo 2000).
32
Idoso e inclusão

A população idosa é a que mais cresce no Brasil em relação inversa ao


decréscimo da taxa de fertilidade. O aumento da expectativa de vida dos brasi-
leiros muda o cenário das estratégias de ocupação e produção do conhecimento
sobre a população idosa no Brasil. “O Brasil será o quinto ou o sexto país com a
maior população idosa do mundo, uma situação alarmante e desafiadora para a
sociedade civil e para o Estado, especialmente num país que ainda se autodefine
como de jovens e, nesses termos reflete sobre suas potencialidades e problemas”
(DEBERT, 1999, p. 199).
O envelhecimento, como campo de estudos, tem crescido vertiginosamente
nos últimos anos, tanto que a Gerontologia e a Geriatria, consideradas espaços por
excelência no tratamento das questões referentes à velhice, hoje convivem com di-
versos saberes, também preocupados em entender particularidades, regularidades
e demais características da população idosa.
No Brasil, até bem pouco tempo, grande parte das pesquisas relacionadas
à velhice foi influenciada pelo já clássico A Velhice, de Simone de Beauvoir, que
na década de setenta do século passado, chamou a atenção da comunidade acadê-
mica para a importância do tema, dado o contexto europeu, que já naquela época
vivenciava um acentuado processo de envelhecimento populacional e seus con-
seqüentes problemas. A obra constituiu-se, por muito tempo, um forte referencial
para pesquisadores interessados em entender como as sociedades lidavam com a
questão do idoso. E, de certa forma, em denúncia sobre o descaso com que a so-
ciedade silenciava sobre as reais situações de abandono e preconceito, aos quais a
população idosa via-se submetida.
A publicação da pesquisa de Ecléa Bosi – Memória e Sociedade, realizada
no final da década de setenta – encantou e inspirou uma geração de pesquisadores
e trabalhadores de museus, centros de memória, documentação e ciências huma-
nas. Trata-se de memórias, histórias de vida, enfim: Lembranças de Velhos. Um
árduo trabalho de colher narrativas, de construir uma obra que qualifica a fala do
outro. Uma alteridade que se funda também na certeza de nosso “vir a ser”, já
que é um estudo de nossa própria sociedade. A leitura do livro de Bosi nos leva
às ruas, casas e teatros, de uma cidade que se conta por intermédio de seus habi-
tantes. As lutas políticas, o trabalho, as alegrias e tristezas de homens e mulheres
de mais de setenta anos nos fazem mergulhar na trama urbana da cidade de São
Paulo. Caminhar com eles pelas ruas sob a garoa, sentir um pouco de frio quando
lemos sobre ir descalços para a escola. Entre sons e sentidos vamos descobrindo
o que é ser velho em nossa sociedade complexa e industrializada, capitalista, para
usar definições que nos aproxime da obra em questão. Nesta perspectiva, o lugar
social do velho não é dos mais privilegiados, segundo a autora:
A noção que temos da velhice decorre mais da luta de classes que do conflito de gerações.
É preciso mudar a vida, recriar tudo, refazer as relações humanas doentes para que os
velhos trabalhadores não sejam uma espécie estrangeira. Para que nenhuma humanidade
seja excluída da Humanidade, é que as minorias têm lutado, que os grupos discriminados
têm reagido. A mulher e o negro, combatem pelos seus direitos, mas o velho não tem ar-
mas. Nós é que precisamos lutar por ele. (BOSI, 1983)

A forma como Bosi passeia pelas memórias de seus entrevistados faz da pes-
quisa um caminho de descobertas sobre as múltiplas faces que a velhice possui.
33
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Partindo da articulação entre Estado, gerontologia-geriatria e Sesc, este últi-


mo, pioneiro no desenvolvimento de ações relacionadas à velhice, Haddad (1986)
realiza uma análise do ponto de vista de uma ideologia da velhice. Produzida e
alimentada por um discurso científico que se apóia na idéia de uma velhice, que
deve ser tutelada por meio de um complexo de medidas de caráter prescritivo,
que vão nortear as ações dos diversos setores encarregados de colocar em ação
atividades que visem tornar a velhice ativa e sadia, para que a mesma não onere
o Estado.
O adestramento político dos velhos gira em torno de dois pólos distintos: o primeiro tem
por eixo a difusão dos preceitos médicos, ou seja, um conjunto de conhecimentos e de
técnicas que deve levar os velhos a tomar consciência do que é clinicamente a velhice, pro-
curando preservar o “corpo capitalista”; o segundo objetiva direcionar a vida dos idosos
para diminuir o custo social de sua manutenção. (HADDAD, 1986)

A Ideologia da Velhice tornou-se referência nas pesquisas sobre o tema não


apenas para o desvendamento dos discursos autorizados sobre a velhice, como
o da gerontologia-geriatria, Sesc e Estado, mas também como contribuição para
novas instâncias, em que as representações3 sobre a velhice fazem-se presentes.
Entre o fim da década de oitenta e início de noventa houve, nas ciências
sociais, um significativo crescimento das pesquisas que tomam a velhice como
foco de atenção de pesquisadores de diferentes orientações. Podemos dizer que se
consolidou uma Antropologia do Envelhecimento, presente em várias universida-
des do país. Os projetos desenvolvidos pela antropóloga Guita Debert e um grupo
de pesquisadores da Universidade de Campinas (sem esquecer também outras
universidades e Centros de Pesquisa que têm mostrado grande interesse e efetivos
trabalhos sobre o tema) são fundamentais para a constituição de uma sustentação
teórica para se pensar antropologicamente o processo de envelhecimento.
Segundo Debert, algumas “armadilhas” podem esperar quem pretende se-
guir esse caminho. Para escapar desses entraves, a autora coloca alguns pressu-
postos que devem ser observados pelo pesquisador. Entre eles, destaco, princi-
palmente, a dificuldade de considerar a velhice como uma categoria social e não
natural. É uma postura que pode causar dificuldades, pois a tendência é considerar
3 O conceito de “Repre-
sentação” de filiação
a velhice um fato universal e biológico. Dado que o ciclo vital envolve nascimento,
durkheimiana, que o pensou
no sentido de Representações
crescimento e morte, a velhice faz parte do ciclo biológico de todos os humanos.
Coletivas, não foi dos mais Porém, as etapas da vida são construções sociais que envolvem significados cul-
usados nas Ciências Sociais.
Porém, nas últimas décadas, turalmente construídos:
vem sendo significativamen-
te retomado pela Psicologia Do ponto de vista da pesquisa antropológica, mas também do ponto de vista da pesquisa
Social (MOSCOVICI, 1982 e
JUDELET, 1989) e na Histó-
histórica, trata-se de ressaltar, em primeiro lugar, que as representações sobre a velhice,
ria (CHARTIER, 1991) mais a idade a partir da qual os indivíduos são considerados velhos e o tratamento que lhes é
precisamente na História dado pelos mais jovens ganham significados particulares em contextos históricos, sociais
Cultural, tendo-se transfor-
mado num interessante ins- e culturais distintos. (DEBERT, 1994)
trumental teórico. Contudo,
cabe lembrar que a Antro- Os ciclos vitais são culturalmente interpretados pelos membros de uma so-
pologia sempre o utilizou
como conceito eficiente para ciedade por meio de rituais que marcam passagem, definem fronteiras entre clas-
responder às análises que
buscam identificar e entender ses de idade e atribuem diferentes significados. Assim, perde o sentido a busca de
os significados de práticas
sociais que dizem respeito
uma noção universalizante de velhice.
aos grupos ou sociedades
específicas ou o que pensar Houve um vertiginoso crescimento dos trabalhos sobre velhice. Nas últi-
mas décadas foram criados nos Estados e Municípios serviços de atendimento
sobre essas práticas sociais
os grupos estudados.

34
Idoso e inclusão

aos idosos; há leis municipais, estaduais e federais que visam não só garantir o
atendimento à saúde, mas, também geren­ciar as formas com que a sociedade vem
lidando com as questões suscitadas a partir das próprias expectativas da popula-
ção em ­questão.
Nesse contexto, aquelas pessoas consideradas da terceira idade, que conse-
guem manter o “corpo em forma” são transformadas em verdadeiros campeões da
resistência física, servindo de parâmetros para discriminar e penalizar os que não
acompanham esse movimento. Assim, os antigos estereótipos da velhice, vista
como fardo para as gerações que a sucedem, podem ser substituídos por outro não
menos preconceituoso: o da velhice responsabilizada pela sua própria manutenção
corporal, livrando as gerações futuras e o Estado da responsabilidade perante a
velhice, que não consegue responder a essas expectativas de autoconservação.
O sucesso dos programas da terceira idade mostram que eles, sem dúvida, merecem ser
ampliados e divulgados. Mas o envelhecimento bem-sucedido e inovador não pode fechar
o espaço para a velhice abandonada e dependente, em transformá-la em conseqüência do
descuido pessoal. (DEBERT, 1996, p. 44)

Embora estas atividades consideradas específicas para a terceira idade não


escapem ao controle da sociedade que vem tentando gerenciar e prescrever o que
fazer nessa fase da vida, não podemos deixar de lado que há sempre uma escolha.
E é na escolha do tipo de atividade de cada grupo, na teia de relações que se esta-
belece a partir dessas opções, que pode residir o potencial de liberdade de escolha
para esta faixa etária.
Antes de tudo, envelhecer envolve, em algum momento, o processo de de-
crepitude física, de problemas com locomoção, cuidados com a manutenção do
corpo e isso não é uma experiência agradável para ninguém. Não há apologia da
velhice que dê conta de apagar esse dado da biografia dos indivíduos, faz parte
da história do nosso corpo físico. Em algum momento ele deixa de responder às
nossas exigências, mesmo com todo o aparato tecnológico, médico-científico, en-
tre outros mecanismos ocupados com o prolongamento da vida e das atividades
corporais.
Como questão social, o processo de envelhecimento envolve responsabili-
dades públicas, solidariedade entre as gerações, respeito e mudança de atitudes
diante de uma realidade que está e será cada vez mais presente em nosso coti-
diano. Mudando o cenário humano de nossas cidades, reconfigurando a forma
de pensarmos os grupos etários e as práticas sociais. Enfim, nossos horizontes
devem ser alargados em favor de uma diversidade que nos bate à porta e entra de
forma ruidosa.
Nos últimos anos, uma triste realidade tem aparecido em noticiários, disque-
denúncia, revistas e demais veículos de comunicação – a vio­­­lência contra o idoso
– idosos espancados e desrespeitados por filhos e demais familiares, abandonados
em hospitais públicos e asilos sem endereço, sem referências para contatos, carac-
terizando total abandono.
A velhice, festejada por meio de atividades como passeios, bailes, viagens,
academias de ginástica, ou abordada como um novo agente político que desponta

35
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

no cenário das reivindicações não pode encobrir as desigualdades e injustiças


cometidas.
Os projetos de inclusão devem levar em conta a diversidade inerente ao pro-
cesso de envelhecimento, que é também própria da dinâmica cultural da socieda-
de. Os cursos ofertados pelas Universidades Abertas da Terceira Idade ligadas às
várias universidades do país, o Sesc - Terceira Idade, Senac, as unidades de Saúde
e demais instituições que mantêm grupos de estudos e atendimento ao idoso, e
mais recentemente as iniciativas de facilitar a entrada de pessoas de mais de 60
anos nos cursos de graduação de faculdades, como a Unibrasil em Curitiba, são
algumas iniciativas interessantes e que devem ser incentivadas.
As responsabilidades pelo desenvolvimento de políticas de educação, cultu-
ra e saúde são também responsabilidade da sociedade civil. De nada adiantam leis
e estatutos se as concepção que temos da velhice continuar equivocada e geradora
de preconceito.

O velho do espelho
Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse
Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto... é cada vez menos estranho...
Meu Deus, meu Deus... Parece
Meu velho pai – que já morreu!
Como pude ficar assim?
Nosso olhar – duro – interroga:
“O que fizeste de mim?!”
Eu, Pai?! Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga... Que importa?! Eu sou, ainda,
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mas sei que vi, um dia – a longa, a inútil guerra! –
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste...
Mario Quintana

36
Inclusão digital: o desafio da
inclusão social por meio da
inclusão digital
Max Günther Haetinger
Daniela Haetinger

Falando de inclusão

U
m dos maiores desafios dos últimos anos é a inclusão digital ou tecnológica dos cidadãos.
Essa inclusão tem sido determinada pela nova economia e pelos modernos métodos de pro-
dução e prestação de serviços. Por isso, a atual sociedade da informação requer novos com-
portamentos dos indivíduos de todas as camadas sociais, e apresenta necessidades que antes estavam
muito longe de nossos problemas cotidianos.
Para ilustrarmos algumas mudanças nesse sentido, podemos citar a transformação dos parques
industriais, que antes eram formados por máquinas mecânicas e hoje adotam máquinas eletrônicas
ou sistemas computacionais. Outro exemplo é a transformação dos meios de comunicação, que estão
cada vez mais rápidos e eficazes.
Sendo assim, percebemos que a democratização da informação e a inclusão digital são premis-
sas urgentes, tornando-se temas importantes nos últimos anos, uma verdadeira “febre” em muitos
países. Essa realidade atinge cada um de nós de maneira diferente. No entanto, enfrentamos dificul-
dades e barreiras comuns.
Em todo o mundo, as discussões das comunidades educacionais giram em torno das seguin-
tes questões: como podemos democratizar o acesso à informática e seu uso? Como levar as ferra-
mentas informatizadas às pessoas mais pobres? Como promover interações nesses meios para que
auxiliem na aprendizagem? Como o processo de Educação a Distância (EAD) pode colaborar com
a inclusão digital?
Nesse sentido, muitas iniciativas têm proporcionado experiências inovadoras em nosso país. En-
tre elas, destacamos a inclusão digital como base de inclusão social, utilizando-se para isso a educação
presencial e a distância. Esses projetos desenvolvem programas de aprendizagem que oferecem a inclu-
são digital, indo além dos problemas mais rotineiros como o conhecimento de softwares de textos ou
planilhas eletrônicas, aprofundando o desenvolvimento das habilidades e competências dos usuários e,
fundamentalmente, baseando-se em teorias de aprendizagem consagradas no ambiente presencial que
são transpostas aos processos de ensino-aprendizagem mediados pelas novas tecnologias.
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

“É necessário, portanto, implementar um processo de ‘educação continu-


ada’, que tenha por objetivo básico o ‘educar para o pensar’, e que promova nos
alunos o desejo de ‘aprender a aprender’” (NISKIER, 1999, p.16).
Mas como promover a inclusão digital para um povo que clama por in-
clusão social?
Essa pergunta certamente passa pela cabeça de todos nós. Porém, cada um
formula sua resposta de modo diferente. Uns assumem uma posição cômoda, di-
zendo: “não posso fazer nada enquanto não chegar o desenvolvimento por aqui”.
Outros acreditam que “se não tiver comida na mesa do brasileiro, o computador é
ficção científica”. Alguns mais radicais afirmam: “onde já se viu pensar em infor-
mática se vivemos num país pobre?” Sem dúvida, esses posicionamentos retratam
um pouco das difíceis relações entre tecnologia, acesso tecnológico e desenvolvi-
mento social.
Acreditamos que o problema da inclusão social passa sim pela inclusão digi-
tal e pelo acesso à tecnologia. Podemos observar que, cada vez mais, aqueles que
não conhecem ou não utilizam as novas tecnologias encontram mais dificuldade
para se comunicar, para transitar na sociedade contemporânea e, principalmente,
para ter direito aos serviços públicos e privados.
Observemos os seguintes exemplos: o ônibus com “roleta digital”; o cai-
xa eletrônico dos bancos; o acesso a serviços públicos como bolsa-escola, bolsa-
trabalho, bolsa-alimentação, que se dá por cartões eletrônicos. Percebemos que, a
cada dia, nossa sociedade está mais voltada à utilização de ferramentas digitais,
e estas passam a ser elementos mediadores entre o homem e os serviços públicos
e sociais.
Precisamos, então, encarar sem medo a atual sociedade, trabalhando sempre
para resolver os problemas que essa sociedade propõe. Não podemos esperar que
todos os cidadãos tenham água encanada ou saneamento básico para só depois
nos preocuparmos em democratizar as novas tecnologias e o uso do computador.
Se o fizermos, estaremos condenando a população pobre de nosso país a uma
exclusão social ainda maior que a falta de infra-estrutura, estaremos negando o
acesso a melhores postos de trabalho e ­ascensão social.
Atualmente, a inclusão digital pode garantir o acesso ao emprego porque nos-
sa formação escolar ainda não nos prepara para ocuparmos novos postos de trabalho
que exigem cidadãos capazes de conviver com o desenvolvimento tecnológico.
E tudo isso remete-nos a uma palavra: mudança.
Por que mudança? Porque a transformação é a essência do ser humano.
Constatamos que nossa sociedade fala o tempo todo em evolução tecnológi-
ca. Porém, evoluir nesses termos não significa transformar o homem e sua comu-
nidade. Às vezes, ingenuamente pensamos que o simples fato de lidar com uma
ferramenta informatizada promove uma transformação social. Mas, esquecemos
que esta mudança só é possível quando mudamos atitudes e comportamentos,
transformando assim nossa cultura e nossa sociedade. É justamente nesse sentido
que a inclusão digital deve atuar.
38
Inclusão digital: o desafio da inclusão social por meio da inclusão digital

E por que mudar?


Mudar para evoluir.
Mudar para melhorar.
Mudar para incluir-se.
Mudar para crescer.
Mudar para ser feliz.
O analfabeto moderno não é apenas o sujeito que não sabe ler, mas tam-
bém aquele que não sabe interagir com os processos de informatização da nos-
sa sociedade.

Inclusão digital no Brasil


Quando falamos em inclusão digital no Brasil, estamos falando da inclusão
de um grande número de pessoas, pois a maioria da população não tem acesso a
novas tecnologias e está voltada para questões mais básicas da vida cotidiana.
A mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), com dados de
2001, revela que apenas 12,6% dos domicílios brasileiros possuem computador. Quando
se leva em conta o acesso à internet, o número cai para 8,6%. É a primeira vez que o Ins-
tituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pela pesquisa, realiza esse
tipo de levantamento. (Carlos Juliano Barros, disponível em: <http//:www.reporterbrasil.
com.br>)

Como podemos observar, ainda é pequeno o percentual de cidadãos brasi-


leiros que acessam novas tecnologias. Por isso, o grande desafio hoje é promover
capacitações para o uso de ferramentas digitais e difundir os telecentros (cen-
tros de acesso a computadores e internet, os quais possibilitam que as pessoas
comuniquem-se, trabalhem, acessem serviços públicos e aprendam em ambien-
tes virtuais).
Os telecentros são uma preocupação dos governantes de vários países, in-
cluindo o Brasil, os Estados Unidos, a Índia e o Egito, entre outros. Estamos todos
preocupados em descobrir de que forma podemos realmente garantir o acesso
tecnológico para as comunidades carentes do planeta, e como podemos aprender
uns com os outros a partir da troca de experiências.
Nesse contexto de inclusão digital, pensamos em três públicos distintos,
cada qual com seus objetivos específicos:
adultos – No Brasil, o adulto costuma estar afastado da escola há mui-
to tempo, sendo muito difícil sensibilizá-lo a voltar aos estudos, a reci-
clar-se ou dedicar-se à aprendizagem. Atualmente, esse público ocupa
a maioria dos postos de trabalho em nosso país e, frente à atualização
dos processos produtivos, necessita de reciclagem profissional imediata
para garantir um emprego. Esta reciclagem passa necessariamente pelo
conhecimento das ferramentas digitais e r­ elacionamento virtual;

39
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

jovens – O Brasil apresenta uma massa de jovens que cursa apenas o


primeiro grau, não se profissionaliza, e não consegue preparar-se para
o mercado de trabalho. Para essa população, a inclusão digital é funda-
mental para a profissionalização. Por isso, é tão importante capacitarmos
os jovens para que eles busquem empregos nesse novo contexto de infor-
matização e relações virtuais;
crianças – Sem dúvida, a inclusão digital é muito importante entre esse
público. Se o Brasil é o país do futuro, devemos investir em nossas crian-
ças. Isso significa oferecer o acesso à educação em todos os níveis, às
salas de informática e à internet, permitindo que elas convivam com a
tecnologia. Também é preciso formar adequadamente os professores e
qualificar o ensino, criando um ambiente favorável para o desenvolvi-
mento das crianças.

Fases da inclusão
Como planejamos e desenvolvemos nossas ações de inclusão digital?
Devemos sempre pensar de maneira ampla, relacionando nossos conheci-
mentos, pois o processo de inclusão digital não é apenas como tratar um novo
conteúdo curricular. A inclusão digital inclui mudanças culturais e sociais e esses
fenômenos são bastante difíceis de serem trabalhados em salas de aula.
O primeiro passo, nesse sentido, é ler ou reler alguns autores importan-
tes que podem fundamentar nossas ações. Entre eles, destacamos Freinet, Piaget,
Maturana, Lévy, e outros estudiosos que abordam relações entre sujeitos e entre
sujeito/objeto, aprendizagem em universos digitais e o uso da informática na edu-
cação. No final desse livro, você encontrará algumas referências bibliográficas
fundamentais para o entendimento da importância da tecnologia como mediadora
dos processos de ensino-aprendizagem.
A partir das idéias desses teóricos, relacionamos alguns procedimentos para
o início de um trabalho de inclusão digital no ambiente escolar e em nossa comu-
nidade:
o início do processo de inclusão é um processo de adaptação motora.
Sabemos que para trabalhar com computadores, as pessoas precisam ter
uma boa coordenação viso-motora. Isso cria condições para que elas se
relacionem melhor com o mouse e o teclado (lembrando que esses recur-
sos são a “porta de entrada” para o computador);
devemos começar seduzindo nossos alunos no uso do computador.
É importante percebermos que a motivação é o aspecto mais importante

40
Inclusão digital: o desafio da inclusão social por meio da inclusão digital

no processo de ensino-aprendizagem. E para promovê-la, é preciso pro-


por atividades que façam o aluno vivenciar o lúdico com o computador;
os primeiros softwares devem oferecer o domínio básico da máquina.
Comece propondo atividades com programas simples, de fácil operação,
que tenham recursos comuns a outros aplicativos e que ajudem o sujeito
a acostumar-se com o uso do teclado e do mouse;
com o uso da informática na educação, as diferenças de ritmo de apren-
dizagem ampliam-se. Por isso, acompanhe a produção de cada aluno e
tente adaptar sua sistemática para manter cada grupo ou indivíduo sem-
pre motivado;
inicie o trabalho com software pela navegação livre. Sempre ofereça aos
alunos a oportunidade de interagir livremente com um programa novo.
Assim, ele poderá explorar o software e aprender com suas tentativas,
erros e acertos, antes mesmo de introduzirmos os tutoriais de uso de um
aplicativo;
proponha atividades do prazer ao dever. Use uma ordem crescente e
gradual de jogos e atividades no computador, partindo de práticas mais
lúdicas e exploratórias para depois introduzir as atividades de caráter
reflexivo;
internet abre portas para o mundo. Introduza desde cedo o uso da inter-
net;
internet não é tudo. Mesmo quando não contamos com o recurso da in-
ternet podemos fazer um bom uso do computador;
trabalhe em equipe e por projetos. O uso da informática na educação
deve ser um processo multidisciplinar. Por isso, não pense sozinho, rea-
lize projetos e ações em grupo;
acredite no seu aluno. Deixe-o crescer e esteja preparado para ele o supe-
rar.
Agora, mãos à obra! Não tenha medo de usar o computador e as novas tec-
nologias. Lembre-se que o professor é um motivador do processo de transforma-
ção e evolução sociais.

Pensamento final
“É preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas, em meio a ar-
quipélagos de certezas” (Edgar Morin).

41
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Textos para pensarmos e evoluirmos


O primeiro texto selecionado é da professora Elizabeth Rondelli da UFRJ, publicado na Edi-
tora da Revista I-Coletiva em 24/06/2003, que nos mostra a questão da inclusão digital de forma
fácil, dando-nos uma outra visão sobre esse tema. Falar de inclusão é também falar de pluralidade,
modernidade, complexidade e de comunidades virtuais e reais.

Quatro passos para a inclusão digital


(RONDELLI, 2003)
Inclusão digital virou expressão de moda. Sobre ela falam aqueles que desenvolvem projetos
diversos nessa direção. Mas é um desses termos que vai sendo incorporado aos nossos conceitos
para explicar a sociedade da informação sem que saibamos exatamente o que expressa.
Inclusão digital é, dentre outras coisas, alfabetização digital. Ou seja, é a aprendizagem ne-
cessária ao indivíduo para circular e interagir no mundo das mídias digitais como consumidor
e como produtor de seus conteúdos e processos. Para isso, computadores conectados em rede e
softwares são instrumentos técnicos imprescindíveis. Mas são apenas isso, suportes técnicos às
atividades a serem realizadas a partir deles no universo da educação, no mundo do trabalho, nos
novos cenários de circulação das informações e nos processos comunicativos.
Dizer que inclusão digital é somente oferecer computadores seria análogo a afirmar que as
salas de aula, cadeiras e quadro-negro garantiriam a escolarização e o aprendizado dos alunos.
Sem a inteligência profissional dos professores e sem a sabedoria de uma instituição escolar que
estabelecessem diretrizes de conhecimento e trabalho nesses espaços, as salas seriam inúteis.
Portanto, a oferta de computadores conectados em rede é o primeiro passo, mas não é o suficiente
para se realizar a pretensa inclusão digital.
O segundo passo para se aproximar do conceito é que as pessoas que serão digitalmente
incluídas precisam ter o que fazer com os seus computadores conectados ou com suas mídias
digitais. Se não tiverem, serão como aqueles que aprendem a ler e escrever o alfabeto, mas não
encontram oportunidades para usá-lo com freqüência. Ou como quem aprende uma língua estran-
geira e acaba esquecendo-a por não praticá-la. Mesmo que as pessoas saibam o alfabeto, se não
tiverem acesso a determinadas condições sociais e culturais podem tornar este aprendizado letra
morta. Portanto, inclusão digital significa criar oportunidades para que os aprendizados feitos a
partir dos suportes técnicos digitais possam ser empregados no cotidiano da vida e do trabalho.
O terceiro passo para se pensar a inclusão digital, corolário do anterior, é que precisa haver
todo um entorno institucional para que esta se realize. Empresas precisam fabricar a tecnologia
(hardware, software e a estrutura física das redes) que são desenvolvidas a partir de algum co-
nhecimento e de pesquisa que, por sua vez, são desenvolvidas em instituições universitárias e de
pesquisa. Para isso é preciso muito investimento financeiro, pois essa tecnologia não é gratuita,
mesmo que pública. E tal desenho institucional não se faz de modo aleatório. Por isso, a necessi-
dade de políticas governamentais que orientem e orquestrem o trabalho dessas empresas de produ-
ção tecnológica, apontem e organizem seus mercados. Para se propor tais políticas, há novamente
necessidade de pesquisa, muita pesquisa, que possa subsidiar, planejar e colocá-las em execução

42
Inclusão digital: o desafio da inclusão social por meio da inclusão digital

para o desenvolvimento deste setor. Aqui entram novamente as instituições universitárias e de


pesquisa. Portanto, não só as instituições, mas as atividades necessárias para a inclusão digital se
ampliam e tornam mais complexo o caminho para se chegar a essa inclusão.
O outro lugar institucional certamente será dado pela escola e outras agências educacionais,
como as do terceiro setor e das empresas, que optam por se engajar em projetos de inclusão digital.
Mais uma vez há necessidade de planejamento e políticas, isto é, inteligência, que orientem o que
fazer, quem atender e como atender à população que será digitalmente incluída.
Um quarto passo para se chegar à definição do conceito é de que estamos começando a en-
tender que inclusão digital pressupõe outras formas de produção e circulação da informação e do
saber diferentes destas mais tradicionais que nos acostumamos a freqüentar. Portanto, há também
um elemento importante de inovação no uso das tecnologias.
As mídias digitais permitem que se estabeleçam relações descentralizadas e verticalizadas
entre os produtores e consumidores de conhecimento. Isso porque tais mídias possibilitam maior
interação entre tais agentes. Assim, no interior delas, podemos ser ora produtores, ora consumido-
res dos conteúdos e dos processos possíveis de circularem na rede. Portanto, se tais mídias digitais
não explorarem esse potencial interativo e as possibilidades de relações mais horizontais, serão
apropriadas como as velhas mídias em que a grande massa de receptores recebe de modo pouco
participativo o que lhes é ofertado por um número mínimo de produtores, como é o caso, por
exemplo, do modelo da televisão que temos hoje.
Sem esta compreensão, pode-se construir toda uma custosa parafernália tecnológica que será
acessada tal como fazemos hoje com o rádio e a televisão. Por isso, os produtos, conteúdos, rela-
ções e atividades a partir da rede são radicalmente diversos do que temos nessas “velhas” mídias
não-digitais em que a relação comunicacional é bastante verticalizada. O caráter descentralizado
da rede pressupõe um público disperso e que pode gradativamente inventar formas de aprender,
de se relacionar e de trabalhar. Por isso, pessoas e instituições precisam ser preparadas para adotar
esta inovação. Agora, fazemos essas indagações olhando apenas para a internet sem visualizar-
mos com clareza o impacto substantivo da TV digital que se anuncia para breve.
As mídias digitais já impactam, por exemplo, os processos educativos formais, o trabalho
nas tradicionais salas de aula. De um lado, porque permitem o acesso fácil a conteúdos digitais
diversificados, disponíveis cada vez mais em bibliotecas virtuais e em banco de dados. Por outro
lado, porque facilitam processos de interação e de auto-aprendizagem. Por isso, inauguramos
expressões como “aprendizado colaborativo”, “aprendizado em rede”, “construção do conheci-
mento em rede”, “rede de conhecimento” e outros congêneres. Termos que surgem para dar conta
desse modo emergente de conhecer, de aprender e produzir, cujas possibilidades ainda estão,
­modestamente, sendo experimentadas.
Acreditamos até que para se incorporar às mídias digitais nos processos de aprendizagem
basta resgatar os procedimentos da educação a distância e inventar o e-learning. Porém, dado o
caráter pouco sistemático dessas mídias, dada a possibilidade de acesso e de interação, o uso de-
las para a aprendizagem vai além dos processos formais dos métodos da sala de aula tradicional,
mesmo que transpostas para ambientes virtuais. É possível que processos formais e informais de
acesso ao conhecimento e de aprendizagem confundam-se cada vez mais à medida que as mídias
digitais tornem-se tão naturais quanto a eletricidade de nossas casas. E a inclusão digital signifi-
cará a ampliação de uma inteligência coletiva em que produtores e consumidores de conhecimento
interajam cada vez mais por meio delas e, com isso, a aprendizagem e o trabalho se transferem ma-
joritariamente para o interior desse universo digital cujo dinamismo começamos a vislumbrar.

43
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Embora esses passos não esgotem a definição do problema, pode ser que comecem a abrir um
caminho de entendimento.
O segundo texto que indicamos é um documento oficial referente aos trabalhos que foram
realizados na Oficina para a Inclusão Digital, evento que reuniu o Governo e a comunidade vol-
tada à inclusão digital, e produziu algumas premissas em relação a esse tema. Você também pode
acessar esse material no site www.inclusaodigital.org.br. Esse mesmo site oferece, ainda, espaço
para você contribuir ou propor alguma iniciativa de inclusão digital.

Brasil discute estratégias para a inclusão digital


Rosangela Berman-Bieler

Oficina para a inclusão digital


O Governo Eletrônico brasileiro (http://www.governoeletronico.gov.br/) Através da Secreta-
ria de Comunicação de Governo da Presidência da República e da Secretaria de Logística e Tec-
nologia da Informação do Ministério do Planejamento, com o apoio das organizações do Terceiro
Setor: Sampa.org, Rede de Informações para o Terceiro Setor - RITS e Comitê de Democratização
da Informática e do Governo do Distrito Federal, realizou de 14 a 17 de maio de 2001, em Brasília,
a Oficina para a Inclusão Digital.

O que é inclusão digital


Segundo os organizadores do evento, “Inclusão Digital” é a denominação dada, generica-
mente, aos esforços de fazer com as populações das sociedades contemporâneas – cujas estruturas
e funcionamento estão sendo significativamente alteradas pelas tecnologias de informação e de
comunicação – possam: obter os conhecimentos necessários para utilizar com um mínimo de pro-
ficiência os recursos de tecnologia de informação e de comunicação existentes, dispor de acesso
físico regular a esses recursos.
Embora possa ser questionado se as alterações causadas pelo desenvolvimento explosivo re-
cente das tecnologias de informação e de comunicação são suficientes para justificar que afirme-
mos estarmos vivendo em uma “Sociedade da Informação” ou do “Conhecimento”, é certo que o
impacto dessas tecnologias já alterou substantivamente as relações sociais, econômicas, culturais
e políticas do mundo em que vivemos.
Dado que a existência de uma grande disparidade entre a competência comunicativa dos
diversos segmentos de uma sociedade constitui um importante fator de fragilização do orde-
namento e do funcionamento democráticos dessa sociedade, a importância do tema inclusão
digital é ostensiva.

Considerações gerais
Encabeçando a lista de premissas gerais do documento oficial desenvolvido pela oficina, está
a afirmação de que “a exclusão digital aprofunda a exclusão socioeconômica” e que “a toda a
população deve ser garantido o direito de acesso ao mundo digital, tanto no âmbito técnico/físico
(sensibilização, contato e uso básico) quanto intelectual (educação, formação, geração de conheci-
mento, participação e criação)”.
Como conseqüência da influente participação da área da deficiência, segue entre as premissas
gerais que regem todo o documento, a seguinte recomendação:

44
Inclusão digital: o desafio da inclusão social por meio da inclusão digital

As ações de Inclusão Digital devem promover a inclusão e equiparação de oportunidades para a população
brasileira, respeitando os conceitos de Diversidade e Desenho Universal. Cabe especificar que o todo social
inclui populações com necessidades especiais muitas vezes invisíveis como é o caso de pessoas idosas, de
baixa escolaridade, com impedimentos ou limitações intelectuais e mentais, físicas, sensoriais, motoras e/ou
com mobilidade reduzida, pessoas com limitações temporárias etc.

Inclusão digital, pessoa portadora de deficiência,


equipamentos especiais e acessibilidade
No âmbito das propostas apresentadas no documento, um capítulo específico foi incluído
para tratar das questões relevantes às pessoas com deficiência e/ou necessidades especiais. Cons-
tam deste capítulo as seguintes recomendações:

Premissas
A inclusão digital, em função das possibilidades que oferece às pessoas portadoras de defici-
ência, tem uma importância maior para elas do que para as demais.
Acesso deve ser compreendido não apenas como o acesso à rede de informações, mas tam-
bém como a eliminação de barreiras arquitetônicas, de comunicação e de acesso físico, equipa-
mentos e programas adequados, bem como conteúdo e apresentação da informação em formatos
alternativos.
Todas as normas técnicas e documentos regulamentadores na área de criação e desenvol-
vimento de equipamentos e programas, sejam eles específicos ou não às pessoas portadoras
de deficiências, deverão contar com a participação de representantes de usuários das diversas
áreas de deficiência. O acesso físico dessas pessoas deverá ser garantido pelo órgão regula-
mentador competente.

Diretrizes
Equiparação de oportunidades de acesso ao mercado de trabalho por meio da adequação dos
recursos físicos, tecnológicos e humanos.
Implementação e manutenção de páginas governamentais que atendam às necessidades es-
peciais dos usuários dentro do conceito de desenho universal e acessibilidade, previstos no W3C
(Consórcio para a web) e WAI (Iniciativa para Acessibilidade na Rede).
Disponibilização de conteúdo informativo em formatos alternativos como disquete, fitas de
áudio, Braille e outros.
Desenvolvimento de conteúdos de interesse específico para a área de deficiência nos setores
de serviços e promoção da cidadania.

Propostas
Fomentar a criação de linhas de produtos especializados que atendam aos portadores de ne-
cessidades especiais.
Estimular projetos de adaptação de equipamentos de informática e desenvolvimento de pro-
gramas para o uso das pessoas com deficiência e/ou necessidades especiais, garantindo a demo-
cratização da informação.
Estimular o desenvolvimento de projetos em tecnologia de assistência com alto ou baixo
custo, tais como: adaptadores de teclados e mouse, cadeiras ergonômicas, adaptação de estação
de trabalho etc.

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Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Articular os três setores (Estado, iniciativa privada e sociedade civil) em torno da inclusão
econômica e social por meio da criação de uma rede de informações sobre o mercado de trabalho,
capacitação e oferta de mão-de-obra para pessoas portadoras de deficiência.
Colocar à disposição do público, em todas as escolas, após a capacitação dos educadores,
recursos tecnológicos para pessoas com necessidades especiais.
Criar, dentro do Ministério da Ciência e Tecnologia, um Centro Nacional de Ajudas Técnicas
- CNAT para Inclusão Digital. O CNAT será responsável pela promoção e o financiamento de pes-
quisa e desenvolvimento de programa, equipamento e dispositivos de ajudas técnicas necessárias
à inclusão digital de pessoas com necessidades especiais. Entre suas ações, o CNAT deverá:
criar, manter e disponibilizar à sociedade um banco de dados em ajudas técnicas;
apoiar e viabilizar a participação de representantes brasileiros em organismos internacio-
nais que tratam de normas técnicas para a construção de equipamento e elaboração de
programas acessíveis;
criar um “Selo de Acessibilidade”. Todo produto deverá ser submetido à aprovação para
sua utilização pública;
traduzir para o português e para Libras e disponibilizar na rede, inclusive em formatos
alternativos (Braille, áudio, tipos ampliados, formato txt etc.), as normas técnicas inter-
nacionais e documentos relevantes na área de acessibilidade digital;
garantir nos equipamentos das ações de inclusão digital a possibilidade de conexão de
periféricos especiais, bem como recursos de som, vídeo e imagem utilizados pelas ações
de inclusão digital.
Telecentros & Desenho Universal. Os grupos de trabalho que participaram da oficina para a
inclusão digital dividiram-se por várias áreas de interesse e o segmento da deficiência procurou
estar representado na maioria destes grupos, de forma a garantir a adoção do conceito de desenho
universal em todos os itens do documento final. Além do capítulo específico acima mencionado,
muitos outros pontos do documento mencionam esse conceito.
Este é o caso do capítulo que trata dos telecentros ou infocentros. Os telecentros são “lojas”
que oferecem acesso a computadores e outros equipamentos e destina-se prioritariamente a um
público que não tem contato com as tecnologias da informação no trabalho ou na escola. Dentro
desse capítulo, incluiu-se a seguinte recomendação:
“os telecentros devem atender aos princípios de desenho e Acesso Universal, ou seja,
garantir o acesso de toda a população às suas instalações, ambientes, equipamentos e
programas”. O conceito de desenho universal tem como p­ ressupostos;
equiparação nas possibilidades de uso;
Design é útil e comercializável às pessoas com habilidades diferenciadas.
flexibilidade no uso;
Design atende a uma ampla gama de indivíduos, preferências e habilidades.
uso simples e intuitivo;
Uso do design é facilmente compreendido, independentemente da experiência do usuário,
do nível de formação, conhecimento do idioma ou de sua capacidade de concentração.

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Inclusão digital: o desafio da inclusão social por meio da inclusão digital

captação da informação;
Design comunica eficazmente ao usuário as informações necessárias, independentes das
condições ambientais ou da capacidade sensorial do usuário.
tolerância para o erro;
Design minimiza o risco e as conseqüências adversas de ações involuntárias ou imprevis-
tas.
mínimo esforço físico;
Design pode ser utilizado de forma eficiente e confortável, com um mínimo de esforço.
dimensão e espaço para uso e interação;
Design oferece espaços e dimensões apropriados para interação, alcance, manipulação e
uso, independente do tamanho, postura ou mobilidade do usuário.
no conceito de acessibilidade para todos, incluem-se como beneficiários as pessoas com
equipamentos lentos e antiquados ou muito modernos.

Estudo de caso
Agora vamos estudar um caso de inclusão digital desenvolvido no Brasil,
com o objetivo de promover a relação entre homens e tecnologia. A fundamenta-
ção teórica desse projeto baseia-se nas idéias de Jean Piaget e Humberto Matura-
na, entre outros autores voltados às questões da interação entre sujeitos e objetos
de aprendizagem.
O projeto Aprender Digital começou a ser executado em 2002, na cidade
de Curitiba, buscando oportunizar às pessoas vivências com o computador e as
novas ferramentas tecnológicas, e desenvolver habilidades e competências para a
vida e para o trabalho. Este projeto foi desenvolvido pela Universidade do Texas,
IBQP-PR, Secretaria de Educação de Curitiba, e teve a coordenação e designer
instrucional desse professor que escreve para vocês.

Aprender Digital
Inclusão Digital sob a Luz do Construtivismo

Introdução
Muitas iniciativas vêm proporcionando experiências inovadoras em nosso país.
Uma das experiências de inclusão digital como base de inclusão social com proces-
sos de educação presencial e EAD, é o projeto chamado Aprender Digital, realizado
em Curitiba, capital do Paraná, com alunos das escolas públicas municipais.

47
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

O programa tem como base as interações propostas por Piaget. Assim, con-
sidera as relações entre sujeito e objeto, desenvolvendo atividades que favoreçam
a construção do conhecimento tanto por parte do aluno quanto por parte do pro-
fessor, a partir do seguinte pressuposto:
O conhecimento não pode ser uma cópia, visto que é sempre um relacionamento entre
o objeto e o sujeito [...] o objeto só existe para o conhecimento nas suas relações com o
sujeito e, se o espírito avança sempre e cada vez mais à conquista das coisas, é porque
organiza a experiência de um modo cada vez mais ativo, em vez de imitar de fora uma
realidade toda feita: o objeto não é um ‘dado’, mas o resultado de uma construção. (PIA-
GET, 1975, p.31)

Ao analisarmos o projeto Aprender Digital, observamos a presença de ou-


tras teorias de ensino-aprendizagem, pois é impossível produzir um método ou
programa “puro”. Porém, destacaremos as relações das ações do projeto Aprender
Digital com a teoria piagetiana.

Desenvolvimento
Nossa análise do projeto Aprender Digital será dividida em duas partes: a
primeira, apresentará o projeto em si, seus dados e objetivos. A segunda, mostrará
uma análise desses dados sob a luz do Construtivismo protagonizado por Piaget,
incluindo exemplos de jogos e atividades que revelam a importância da presença
pedagógica no processo de ensino-aprendizagem.
O projeto Aprender Digital propõe uma integração entre diferentes linhas
de pensamento e realizações pedagógicas, uma aprendizagem que realmente
ofereça ao ser humano a possibilidade de crescimento, considerando que somos
pessoas diferentes em termos de conceitos, origens, crenças e valores. Partindo
da perspectiva de verdades múltiplas e da necessidade de respeito ao diferente,
pautaremos nossa análise.

O projeto Aprender Digital


O projeto Aprender Digital surgiu com o objetivo de desenvolver um progra-
ma educacional multimídia, possibilitando uma ampliação da forma de aprender,
por meio da inclusão digital. Desse modo, os alunos envolvem-se em situações
práticas, fazem simulações virtuais por meio de jogos e exercícios, e descobrem
soluções para problemas reais. Ao mesmo tempo, eles complementam os conte-
údos básicos do Ensino Fundamental. Este modelo reitera um vetor bilateral nas
relações entre sujeito e objeto.
Os usuários do projeto desenvolvem suas atividades num ambiente virtual
de aprendizagem que simula uma companhia tecnológica virtual, a Futuro, na
qual eles realizam tarefas ligadas ao seu trabalho cotidiano. Essa metáfora é por
si só uma aposta na possibilidade de transposição da realidade das escolas e cur-
sos convencionais (os quais geralmente fomentam experiências pouco inclusoras),
para uma realidade ligada ao trabalho e ações práticas presentes na vida de jovens
e adultos de baixa renda (público-alvo do projeto). Assim, o projeto nos demonstra
que é possível pensarmos nas relações entre sujeito/objeto, não como duas realida-
des distintas, mas como uma só realidade, conforme as idéias de Piaget.

48
Inclusão digital: o desafio da inclusão social por meio da inclusão digital

A empresa Futuro, onde os usuários desenvolvem suas atividades, está se-


diada na web. É parte do desenvolvimento de uma aprendizagem integrada que
incluiu o plano pessoal, atividades em grupo e interações com professores. Entre
as tarefas propostas, 50% são realizadas na web.
O público selecionado para o projeto Aprender Digital é formado pelos alu-
nos participantes do projeto EJA (Educação de Jovens e Adultos), da SME/Curiti-
ba, que estão cursando o 5.º e 6.º períodos letivos, correspondentes a 7.ª e 8.ª séries
do Ensino Fundamental, e também será estendido aos jovens que cursam as séries
regulares de 7.ª e 8.ª do Ensino Fundamental.
O projeto Aprender Digital possui uma modelagem própria, desenvolvida
para operar com interações que oferecem aos alunos de um curso de alta tecno-
logia a possibilidade de construção de seu conhecimento, respeitando o ritmo de
cada aluno e, principalmente, deixando a aula mais agradável e alegre, favorecen-
do o aprendizado coletivo. O quadro abaixo apresenta os tipos de ações realizadas
diariamente em sala de aula:
atividades no computador;
jogos interativos na rede;
dinâmicas presenciais mediadas pelo professor.
vídeos;
atividades nos livros didáticos;
ações avaliativas;
tarefas para casa integrando aluno e família;
atividades corporais e de integração.
O projeto Aprender Digital aposta na apropriação e construção do conhe-
cimento, individual e coletivamente. Os materiais desenvolvidos para o curso
disponibilizam ao aluno possibilidades de aprendizado, oferecendo conteúdos e
interações por meio de várias ferramentas, todas centradas na tecnologia proposta
pelo método.
Essa idéia nos parece fundamental, pois representa uma ampliação dos conceitos propos-
tos por Piaget, adequados à realidade atual. Segundo o autor, “Conhecer não consiste,
com efeito, em copiar o real, mas em agir sobre ele, transformá-lo (na aparência ou na
realidade), de maneira a compreendê-lo em função dos sistemas de transformação aos
quais estão ligadas estas ações. (PIAGET, 1973, p. 15)

Esses sistemas em transformação podem ser relacionados com os novos am-


bientes nos quais estamos interagindo hoje, nesse momento de troca de conceitos
reais para conceitos virtuais. Por isso, o projeto prevê possibilidades para que haja
uma maior interação entre os indivíduos e para que os mesmos superem suas li-
mitações ­emocionais e cognitivas.
Os materiais do projeto incluem desde livros até ambientes digitais de en-
sino, oferecendo uma interação real do sujeito com seu meio. Os participantes
contam com cinco livros que abordam conteúdos de pesquisa e complemento de
atividades. Também apostando na educação audiovisual, tão presente na vida de
49
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

nossas comunidades (que costumam ter a TV como centro do entretenimento e


informação familiar), o projeto adotou o uso de vídeos para ressaltar alguns con-
ceitos básicos. Esses vídeos apresentam uma linguagem dinâmica, jovem e, prin-
cipalmente, coloquial. Eles propõem mais a reflexão do que um conteúdo propria-
mente dito, gerando um posicionamento crítico.
Outro aspecto importante é que junto com as ações propostas pelos vídeos,
são associadas atividades complementares no computador, livros ou em discus-
sões em sala de aula, dando um caráter interativo e integrado para os vídeos.
A base da inclusão digital do projeto Aprender Digital são os seus jogos
eletrônicos, disponibilizados por meio de ambiente de ensino digital específico e
dedicado para esse fim (www.ilog.com.br/aprenderdigital). Nele, o aluno encontra
os chats (salas de bate-papo), um bloco de notas para fazer suas anotações, um
ambiente de avaliação para acompanhar sua performance, e jogos digitais. São 47
games digitais e interativos, de base construtivista e interacionista.

Análise do projeto Aprender Digital


Nossa análise do projeto pressupõe que o mesmo opera com interações,
encarando o construtivismo enquanto tendência humana. A partir de suas re-
lações com os objetos, o ser humano é capaz de estabelecer vetores em todos
os sentidos, podendo usar este tipo de relação para crescer e aprender. Nesse
sentido, destacamos a seguinte citação de Piaget: “O ponto que tem sido mal
compreendido é a idéia de construção, a idéia de que as estruturas são novas,
que nem existiam no sujeito, nem no objeto, mas que são construídas [...] Esta
idéia de construção é a idéia que se torna de mais difícil compreensão.” (PIA-
GET. apud: EVANS, 1973, p. 79)
Observamos que a metodologia do projeto Aprender Digital associa diferen-
tes ferramentas e atividades. Os materiais escritos pertencentes ao projeto foram
desenvolvidos de forma modular, dando ao aluno a possibilidade de trabalhar no
seu próprio ritmo, além de serem auto-explicativos.
Os jogos eletrônicos e as atividades de sala de aula proporcionam o tempo
necessário para que os alunos experimentem conceitos e façam suas próprias des-
cobertas por meio de pesquisas. Esse método corresponde à interação e constru-
ção do conhecimento. Destacamos, ainda, que o caráter interacionista do projeto é
de cunho construtivista, pois as interações propostas pelo mesmo ocorrem dentro
dos moldes propostos por Piaget, e não apenas baseado em relações entre o ho-
mem e seu meio, como aborda a teoria sociointeracionista de Vygotsky.
Os jogos digitais possuem fases diferenciadas, dando sempre ao usuário a
possibilidade de seguir o seu ritmo, e de aprender a partir de suas experiências.
Outro fator importante é que, constantemente, o usuário é convidado a refazer os
jogos e superar suas ações anteriores. Nunca é proposto um erro absoluto. Quando
as respostas são incorretas, é oferecida ao aluno a oportunidade de refazê-las, o
que promove a superação de etapas e motivação constantes.
Outra relação existente entre o programa e as idéias do construtivismo inte­
racionista de Jean Piaget, é o contexto no qual os alunos estão inseridos. O am-
50
Inclusão digital: o desafio da inclusão social por meio da inclusão digital

biente metafórico criado pelo método “uma empresa virtual, imaginária, onde as
pessoas são funcionários e não alunos”, faz com que o indivíduo rompa muitas
de suas barreiras emocionais, sedimentadas quando ele esteve na escola formal
(em média, os jovens e adultos beneficiados por este método não completaram o
Ensino Fundamental).
Para demonstrar alguns pontos comuns existentes entre as atividades do
projeto Aprender Digital e as principais idéias de Jean Piaget, apresentaremos
abaixo um quadro comparativo, relacionando as fases do desenvolvimento da in-
teligência da criança, descritas por Piaget, com as atividades previstas no projeto,
as quais permitem que os alunos construam e se apropriem do conhecimento,
respeitando o ritmo de aprendizado e desenvolvimento dos alunos frente às novas
tecnologias.
A descrição desse quadro foi elaborada a partir de depoimentos dos reali-
zadores do projeto. As idéias que nortearam essa comparação partem da seguin-
te premissa: os alunos que têm contato pela primeira vez com as ferramentas
tecnológicas, ingressam numa nova realidade estrutural e cultural. Dessa forma,
suas interações proporcionam gradualmente descobertas e construção de conhe-
cimentos, assim como ocorre quando uma criança atinge cada uma das fases do
desenvolvimento de sua inteligência, conforme conceituou Piaget.
Os jovens ou adultos que ingressam num curso de inclusão digital não dei-
xam de agir como uma criança em relação a suas descobertas e ações. Claro que
as etapas propostas pelo projeto efetivam-se mais rapidamente do que as fases
superadas ao longo do desenvolvimento da inteligência. O projeto prevê que os
alunos superem etapas a partir das atividades modulares, propostas durante três
meses. A analogia aqui descrita nos parece muito coerente quando observamos
esses jovens e adultos interagindo com o computador.
Características das Características das ações
fases de Piaget do projeto Aprender Digital
Inteligência sensória-motora. Atividades do 1.º módulo do projeto.

Interação por meio dos Exercícios nos livros com exmplos discriminados e de fácil
execícios propostos. entendimento.

Aproveitamento da Valorização dos debates e experiências do aluno, e jogos que


inteligência prática. valorizam qualidades e habilidades já existentes. Associação dos jogos
com avida dos alunos.

A teoria da causalidade. Exploração de um sistema de informática bom interativo, com base em


ícones auto-explicativos e não apenas e, palavras-chave.

Experiências com a Conhecimento das ferramentas de linguagem computacional e da


linguagem. linguagem usada no computador.

Inteligência simbólica ou pré- Atividades do 2.º módulo do projeto.


concreta

51
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Características das Características das ações


fases de Piaget do projeto Aprender Digital
Domínio da linguagem. Os jogos e atividades valorizam o uso da nova linguagem dominada
pelo usuário.

Domínio da comunicação. Atividades de grupo que usem e-mail e chat, valorizando as novas
ferramentas de comunicação descoabertas.

Formação das funções Jogos digitais que exploram a representação simbólica e auxiliam a
simbólicas. resolução de questões e a performace dos usuários.

Criação discussão dos pré- Atividades comportamentais, baseadas nos livros e em jogos de
conceitos. tomada de decisão.

Valorização da descoberta Nos jogos técnicos e ações dos livros, o aluno pode sempre aprender
por ensaio e erro. por meio do erro.

Inteligência operatória- Atividade do 3° módulo do projeto


concreta
Operações de raciocínio Os jogos digitais desta fase são conceitualmente voltados ao
lógico, operações concretas, desenvolvimento de habilidades dessas operações.
pensamento lógico-
matemático, infralógicas.
Ações que fomentem reflexão As discussões propostas nos jogos de decisão passam a ser mais
interiorização. complexas.

Atividades relacionais e de Os jogos técnicos abordam ações de ordenação e em todos os seus


ordenação mais complexa. enunciados e em decisões a serem tomadas.

Inteligência operatória-formal Atividades do 4° módulo do projeto

Atividades que favoreçam Apresentação de trabalhos complexos e análise de atividades


abstração e as operações individuais e do grupo.
formais.
Criar distanciamento Os jogos dos últimos três dias de aula propõem estas simulações mais
dos objetos por meio de elaboradas.
simulações mais abstratas.
Desenvolvimento do Todas as atividades do último módulo têm como objetivo paralelo
pensamento hipotético. fomentar a iniciativa, a inovação e o pensamento livre e reflexivo do
aluno.

Considerações finais
Observamos que o projeto Aprender Digital conta com uma ­equipe multi-
disciplinar, que visa o desenvolvimento transversal do ­conhecimento por meio de
ações práticas, reflexivas e integradoras de diversos conteúdos. É um projeto de

52
Inclusão digital: o desafio da inclusão social por meio da inclusão digital

aprendizagem com base na inclusão digital e social que adota as idéias constru-
tivistas e interacionistas (no sentido mais amplo desta palavra), em suas ações.
Ilustramos esses conceitos com a seguinte citação de Piaget:
O ponto essencial de nossa teoria é o de que o conhecimento resulta de interações en-
tre sujeito e objeto que são mais ricas do que aquilo que os objetos podem fornecer por
eles mesmos. Teorias de aprendizagem [...] reduzem o conhecimento a ‘cópias funcionais’
imediatas que não enriquecem a realidade. O problema que é necessário resolver para
explicar o desenvolvimento cognitivo é o da invenção e não o da mera cópia. (PIAGET,
1977, p. 87)

Consideramos que o projeto Aprender Digital vai além dos projetos anterio-
res de inclusão digital e social propostos no Brasil, oferecendo para jovens e adul-
tos da rede municipal de ensino, a oportunidade de se apropriarem das tecnologias
digitais e terem uma experiência de EAD. Também possibilita o ingresso num
novo mundo digital e globalizado, melhorando a vida de pessoas de baixa renda.
A inclusão social e o desenvolvimento pessoal são grandes desafios num
país como o nosso, em que grande parte da população não possui as qualificações
necessárias para ingressar no novo contexto social e tecnológico. O projeto Apren-
der Digital é uma iniciativa que reforça a consciência cidadã, assim como a auto-
estima dos usuários, associando suas habilidades à utilização de tecnologias.

Alguns links para sala de aula


Também podemos realizar atividades a partir de propostas que estão na rede
de computadores, postadas em inúmeros espaços virtuais. Nesses sites e portais
você pode encontrar jogos de reforço escolar, games interativos, textos, fotos, ma-
teriais de pesquisas. E a partir das visitas e interações nesses espaços, você poderá
propor muitas outras brincadeiras e jogos presenciais sempre associando o virtual
ao real, a interação no computador à interação entre os seres humanos.
Abaixo, listamos alguns links interesantes para vocês usarem na sala de
aula. Existem ainda muitos outros que você pode encontrar com uma rápida pes-
quisa na rede de computadores.

Lista de links
http://www.maxcriar.com – site do professor Max Günther Haetinger sobre
criatividade com jogos e vídeos.
http://www.habbo.com – chat virtual em shockwave, em que você conversa
no saguão de um hotel e pode ser um dos personagens.
http:// www.institutocriar.com – site do Instituto Criar (desenvolve pro-
jetos que relacionam educação e novas tecnologias, assim como capacitações e
cursos).
http://www.flashcan.com – tem uma forma inovadora de interação, disponi-
bilizando para o usuário um cenário e uma caixa com elementos que podem ser

53
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

livremente colocados e editados no cenário, permitindo a criação de uma situação


ou história. Estimula a criatividade do usuário. Possui opção para enviar o que foi
criado por e-mail ou imprimir. Você fará filmes e mandará aos amigos.
http://family.flashcan.com/snow/snow.html – tem vários elementos, grande
interatividade e possibilita colagens digitais.
http://www.yougrowgirl.com/play – site com cartões, fotos de natureza, jo-
gos e colagens. Você pode remeter materiais aos colegas.
http://www.family.ca/clickclub/main/index.php – jogos muito legais. Tudo
se passa em um colégio e os personagens são alunos, tem aventuras com experi-
ências científicas e muito mais.
http://www.family.ca/ – site com muitos jogos e atividades interativas. Bem
divertido, mas todo em inglês.
http://www.family.ca/funstuff/kidsgallery/ – você pode mandar seu dese-
nho para esta galeria de desenhos infantis.
www.turntables.de – neste site, você se transforma em DJ podendo contro-
lar as “picapes”. Essa atividade é ótima para os adolescentes que podem produzir
suas músicas e depois realizar coreografias.
http://www.phonatix.de/start.htm – aqui você também tem uma central de
DJ com dois pratos e mixer para você se divertir. É fácil de usar.
http://www.ferryhalim.com/orisinal/ – neste espaço, você encontra muitos
jogos para todas as idades, que também podem ser usados com seus alunos. Ape-
sar de ser em inglês, a ação nos jogos é simples e não requer o domínio da lín-
gua.
http://www.education.com/ – site americano sobre educação e jogos educa-
cionais bem legais para crianças.
http://www.education.com/kidspace/smartcade/smartcade/game15/ – neste
site, o jogo do Sr. Sonâmbulo é muito divertido e instigante.
http://www.education.com/kidspace/smartcade/smartcade/game3/ – site
com um ótimo jogo de vocabulário em inglês.
http://www.jinjapan.org/kidsweb/index.html – é um site sobre conhecimen-
tos básicos sobre o Japão para crianças, disponibilizados em vários idiomas.
http://www.educacional.com.br – portal sobre educação e atendimento a es-
colas na internet. Tem de tudo, porém algumas áreas são restritas a associados
educacionais.
http://www.terraquest.com – Expedição virtual ao redor do mundo. Em in-
glês.
http://www.coloring.com/pictures/choose.cdc – brincando de colorir, a
criança escolhe a figura, a cor e o tipo de lápis. Depois, sem sair da internet, ela
pinta seu desenho. Em inglês.

54
Inclusão digital: o desafio da inclusão social por meio da inclusão digital

http://www.alunos.com.br – banco de dados de estudantes e escolas cadas-


trados para você encontrar velhos colegas.
http://www.funbrain.com – neste site você encontra reforço aos estudos com
jogos, testes e brincadeiras. Em inglês, mas possível de ser usado por quem não
domina essa língua.
http://www.ibope.com.br – site do Instituto de Pesquisa que tem análises de
audiência de TV, rádio, jornais e internet brasileira.
http://www.kidbit.com.br – este site tem muita coisa sobre educação, inclu-
sive jogos divertidos da turma da Mônica.
http://www.educacaopublica.rj.gov.br/ – site sobre educação, tecnologia e
demais temas da educação em geral. O seu conteúdo é muito bom.
http://www.klickeducacao.com.br – portal da educação com conteúdo e te-
mas ligados a nossa área, porém tem sistemas de assinaturas.
http://www.trilhadeluz.com/ – site sobre educação com informações úteis
para o professor.
http://www.portaldeensino.com.br – portal de educação para alunos e pro-
fessores.
http://www.bibvirt.futuro.usp.br – site da Biblioteca Virtual da USP.
http://www.eaprender.com.br – site de educação com conteúdo para profes-
sores e alunos, além de muitos jogos interessantes.

55
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

56
A inclusão de pessoas
com Síndrome de Down
na Educação: um caso
de sucesso
Maria de Fátima Minetto Caldeira
Embora ninguém possa voltar atrás e fazer
um novo começo, qualquer um pode
começar agora e fazer um novo fim.

Autor desconhecido

C
ontar a história de alguém é algo muito fascinante, principalmente quando os fatos que vamos
relatar revelam a superação de dificuldades. Gostaria de apresentar a vocês a Mariana, uma
adolescente alegre, hoje com dezesseis anos, cursando a sexta série do ensino fundamental.
Ela tem duas irmãs, a Flávia de 14 anos e a Júlia de 12.
Mariana nasceu dia 17/03/1988, em Curitiba. Seus pais, Nanci e Paulo, médicos pediatras, per-
ceberam logo nos primeiros momentos que sua primeira filha apresentava características da Síndrome
de Down. Procuram saber a opinião dos demais médicos responsáveis pelo acompanhamento do par-
to (ginecologista e pediatra) e como procedimento padrão pediram um cariótipo, exame que confirma
a síndrome.
Durante os dias que se seguiram, os pais e a família passaram por momentos difíceis, de
angústia, medo e ansiedade. Reações normais a qualquer um diante de uma situação inesperada.
Quando houve a confirmação do diagnóstico de Síndrome de Down, acometida no cromossomo 21,
os pais conversaram muito. A mãe relata que chegaram a conclusões como: — É nossa filha, não
podemos devolver...
— O que temos que fazer por ela para que seja feliz?
A partir daí, uniram forças para superar as dificuldades que se seguiram. Mariana, apesar de
nascer forte, com 3,100kg, Apgar normal, teve muitos problemas de saúde. Além de um problema
cardíaco significativo (uma das características mais freqüentes na síndrome), ela também apresentou
sérios problemas urinários, diarréia de repetição e vários quadros de pneumonia. Com 11 meses,
pesando apenas 4kg e muito debilitada, fez cirurgia cardíaca. Seu primeiro ano de vida foi bastante
delicado e exigiu dos pais muita dedicação.
Mesmo com essas complicações a mãe investiu muito na estimulação precoce. Fez atendimen-
tos de fonoaudiologia e fisioterapia desde os primeiros meses, sempre que suas condições de saúde
permitiam. Mariana apresentou bom desenvolvimento motor e da linguagem. Com um ano e dez
meses iniciou em uma escola de ensino regular particular. Lá permaneceu até o Jardim III. Duran-
te esses primeiros anos escolares sempre houve participação ativa da família acompanhando o seu
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

desenvolvimento geral e buscando os recursos necessários. A escola mostrou-se


disposta em atender às necessidades específicas da criança.
Durante essa fase pré-escolar, Mariana fez atendimentos especializados pa-
ralelamente, como: fonoaudiologia, psicomotricidade e psicopedagogia. Em con-
junto com a escola, os pais resolveram que ela deveria repetir o Jardim III. Apesar
de apresentar bom desenvolvimento cognitivo e social, não acompanhava o con-
teúdo programático. Como tinha apenas seis anos, e uma retenção nessa fase era
considerada uma opção bastante coerente. Ao final do ano seguinte, a mãe buscou
outra escola objetivando que sua filha continuasse o processo de alfabetização,
pois aquela que ela freqüentava até então só tinha crianças de 5 e 6 anos.
As primeiras dificuldades vivenciadas pela mãe em relação à escolha de
uma escola começaram nessa época. Quando tentou matricular a filha em ou-
tra instituição de ensino regular particular escutou várias vezes que “não tinham
vaga.” Nessa época não havia uma legislação que favorecesse a inclusão, por isso
o esforço dos pais parecia ser em vão. Então, depois de muito insistir, acabaram
matriculando a Mariana em uma escola especial. Logo no início, a mãe percebeu
que a filha ficou muito desestimulada e que seu desenvolvimento estacionou.
Preocupada com a situação, ao final do ano, procurou outra escola. Dessa
vez, escolheu uma que apresentava uma proposta diferenciada – escola especial
no mesmo espaço físico da escola de ensino regular – com o intuito de incluir.
Mariana permaneceu lá durante dois anos mas, os pais concluíram que a proposta
não correspondia às suas expectativas, pois o desenvolvimento da filha estava re-
lativamente estacionado novamente. As atividades socioculturais realizadas pela
escola separavam as crianças especiais das de ensino regular e essa não era a pro-
posta. O intuito dos pais estava centrado na autonomia e na possibilidade de sua
filha poder estar junto com os demais, para que, quando adulta, pudesse conviver
tanto socialmente como profissionalmente sem dificuldades. E a situação escolar
não estava favorecendo isso.
Mais uma vez a mãe saiu em busca de outra escola. Encontrou uma que
já possuía alunos em situação de inclusão escolar, ou seja, possuía uma filosofia
inclusiva. Mariana foi bem recebida. A partir de uma avaliação inicial, a escola
propôs aos pais que a filha freqüentasse o Jardim III novamente, pois, apesar de
apresentar boa habilidade social, um vocabulário rico, não dominava alguns con-
ceitos fundamentais. Mariana tinha nove anos nessa época. Os pais entenderam
a situação e se comprometeram a colaborar com a escola no que fosse necessário.
Desde o início se mostrou alegre e disposta para fazer as tarefas. Fez amigos e
amigas e ao final daquele ano, mesmo não vencendo todos os conteúdos da alfa-
betização, seguiu para a primeira série com os colegas.
Ano novo, novas dificuldades. As crianças da pré-escola ficam em um lado
específico e não têm contato com as crianças maiores com freqüência. Então,
ao iniciar a primeira série, passam a freqüentar outro lado da escola. Mariana
era a única criança com Síndrome de Down junto com as crianças maiores e
isso causou estranheza. Surgiram situações preconceituosas por parte de algumas
crianças que chamavam a Mariana por “apelidos pejorativos”. Os pais ficaram

58
A inclusão de pessoas com Síndrome de Down na Educação: um caso de sucesso

sensibilizados por ver sua filha chegar em casa chorando. Conversaram com ela
para que aprendesse a lidar com essas situações. Também procuraram a escola,
que sugeriu que a retirassem antes do horário do término das aulas, para evitar
que ficasse exposta. Também se comprometeram a trabalhar com todos os alunos
essas situações. Mas os pais foram contra essa estratégia de retirar a filha antes,
pois o preconceito é algo para ser trabalhado e superado.
Ainda nesse mesmo ano, Mariana teve dificuldades com a professora e com
o conteúdo programático. A família acompanhou de perto procurando incentivar
e apoiar as decisões da escola, que fez adaptações curriculares significativas em
disciplinas como Português e Matemática. Solicitou um professor particular que
acompanhasse e reforçasse as atividades escolares. Uma psicopedagoga ia até a
escola trabalhar com a Mariana e auxiliar nas adaptações curriculares. Mariana
está nessa escola até hoje.
Nos anos que se seguiram apresentou bom desenvolvimento. Hoje, está bas-
tante integrada ao seu grupo e realiza as tarefas que lhe são determinadas pela
escola com a ajuda dos pais e da professora particular. Cursando a sexta série,
segunda etapa do Ensino Fundamental, apresenta adaptações mais significativas
em Português e Matemática. Produz pequenos textos com certa autonomia e é
autora de poesias. Nas demais disciplinas, as adaptações são menos significativas
mantendo-se a maioria dos conteúdos e alterando-se objetivos, atividades e ava-
liação. A língua estrangeira escolhida é o espanhol, pois não demonstrou grande
interesse pelo inglês. Para as tarefas de espanhol tem o apoio do pai que também
tem gosto pela língua. A situação de inclusão escolar exigiu muito empenho de
todos: da escola como um todo (professores, orientadores, diretores etc.), dos pais,
e da própria Mariana.
Mariana é uma adolescente como outra qualquer. Tem uma relação bastante
afetiva com suas irmãs, também adolescentes, regada, às vezes, por discussões
e disputas. Tem opinião própria e é bastante independente. Escolhe suas roupas,
seus penteados, faz sua higiene pessoal sem nenhum auxílio, inclusive no período
menstrual. Adora músicas, dançar, festas e TV... É calma, tranqüila e organizada,
às vezes tímida. A mãe relata que as tarefas são divididas igualmente em casa,
cada uma das filhas deve cuidar dos seus pertences, arrumar sua cama e suas
coisas, sem exceção. Algumas vezes é teimosa, comporta-se como uma típica
adolescente quando recebe um “não” dos pais: sai brava, bate a porta do quarto.
Logo se acalma. Passa por uma crise típica de adolescência; conflitos de identida-
de pessoal, sexual, preocupa-se com o que pensam dela, com sua aparência física,
em ser bonita...
Mariana pinta quadros com bastante sensibilidade. Além disso, hoje em
dia faz atividade física duas vezes na semana, tem aulas de alfabetização e aten-
dimento psicopedagógico. A pedido da escola, a mãe está procurando aulas no
método Kumon.
No ano passado, quando fez quinze anos, ganhou uma grande festa. Com
tudo que ela tinha direito. Muitos convidados, bolo vivo, com a participação dos
seus colegas de sala, DJ e um vestido que ela mesma escolheu. Seus pais fizeram

59
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

um discurso para falar das alegrias que ela havia lhes trazido. Mas, a Mariana não
ficou para trás, pegou o microfone e também falou a todos que estavam presentes.
Foi um momento muito especial.
Quando perguntamos para os pais quais as dificuldades encontradas hoje,
percebemos que suas preocupações estão relacionadas com a consciência que a
filha tem sobre si e suas dificuldades. Percebem que ela tem consciência de que
é diferente e que, às vezes, sofre por isso. Hoje têm enfrentado alguns proble-
mas na escola porque ela gosta de um ou outro menino, colega de sala, e espera
namorá-lo. Às vezes, isso tem perturbado suas atividades escolares, como a de
qualquer adolescente.
Quando perguntamos sobre o futuro, os pais disseram que pensam em al-
guma atividade profissionalizante. Ela manifesta o desejo de ter uma loja, a mãe
pensa que isso é algo possível.

Comentários
Ao relatar um caso de sucesso, nossa intenção não é mostrar perfeição, mas,
relatar que apesar das dificuldades podemos acreditar no potencial da pessoa com
alguma deficiência. A sua evolução pode não corresponder ao nosso desejo, mas
isso não significa que não poderá se desenvolver. Estar no ensino regular não deve
significar negar a deficiência e nem se paralisar diante dela. A inclusão exige mui-
to de todos. Quando dizemos que hoje Mariana está na sexta série não dizemos
que não temos problemas, mas que as pessoas envolvidas estão dispostas a pensar,
flexibilizar, reorganizar. Isso não é fácil. Os pais devem lidar com suas expectati-
vas. Os professores e a escola precisam de organização e persistência.
A inclusão escolar é precursora de uma melhor qualidade de vida para o
deficiente adulto, dando-lhe autonomia e cidadania. A convivência com as crian-
ças no ensino regular que a Mariana teve favoreceu seu desenvolvimento social e
cognitivo. No futuro, poderá ainda beneficiar sua vida profissional, independente
da atividade que seja capaz de realizar com autonomia.
Os problemas devem ser vencidos a cada dia. No caso da Mariana, primeiro
os pais tiveram que superar as dificuldades relacionadas ao impacto da notícia de
ter um filho com Síndrome de Down. Depois, os problemas de saúde e a iminência
de perdê-la. Na seqüência foram capazes de enfrentar as dificuldades da escola-
rização e da constatação da deficiência mental. Ainda as situações preconceitu-
osas... Hoje, têm que procurar entender sua filha adolescente, suas limitações,
valorizando suas conquistas.
É fundamental que os pais superem as suas angústias e aceitem seu filho
como ele é, respeitando suas dificuldades e seu tempo de desenvolvimento. Sai-
bam ponderar entre o ideal e o real. Os pais de Mariana são enfáticos ao colocar
que o desejo deles é que ela seja feliz. E hoje escutamos isso dela mesma. As ex-
pectativas dos pais não devem sufocar o filho. Os pais não podem sonhar por seus
filhos. O sonho dos pais pode não ser possível nem desejado pelos filhos.

60
A inclusão de pessoas com Síndrome de Down na Educação: um caso de sucesso

Poderíamos estar mostrando muitos casos de sucesso. Mesmo os que, nesse


momento, estão apresentando alguma dificuldade não deixam de ser um caso de
sucesso. Ter sucesso não significa não ter dificuldade, mas saber superá-las!

Conhecendo um pouco a
Síndrome de Down
A Síndrome de Down (SD) é a síndrome genética de maior incidência e
tem como principal conseqüência a deficiência mental. A incidência da SD em
nascidos vivos é de 1 para cada 600/800 nascimentos, tendo uma média de 8 000
novos casos por ano no Brasil. A grande incidência dessa patologia dentre as
demais fortalece a necessidade de um atendimento específico e bem estruturado
(SCHWARTZMAN, 1999).
Foi John Langdon Down, médico inglês, que descreveu, em 1866, pela pri-
meira vez, as características de uma criança com essa síndrome, também chama-
da de trissomia do 21. Esses nomes começaram a ser utilizados depois que Jerome
Lejèune, um médico francês, identificou um pequeno cromossomo extra nas célu-
las dessas pessoas.Todavia, esses termos são totalmente inadequados e carregam
uma série de preconceitos criados a partir de descrições incorretas realizadas no
passado e, por isso, devem ser evitados.
A seguir faremos um apanhado das principais conclusões de pesquisadores
e estudiosos da síndrome, como: Schwartzman (1999), Monteiro (1998), Mustac-
chi; Rozone et al. (1990), dentre outros.

Acidente genético
Os cromossomos são estruturas que se encontram no núcleo de cada célula
e que contêm as características hereditárias de cada pessoa. Em cada célula existe
um total de 46 cromossomos, dos quais 23 são de origem paterna e 23 de origem
materna. As pessoas com Síndrome de Down apresentam 47 cromossomos em
cada célula, ao invés de 46 como as demais. Esse cromossomo extra localiza-se
no par 21.
Geralmente, a identificação do indivíduo com essa síndrome é feita na oca-
sião do nascimento ou, logo após, pela presença da combinação de várias carac-
terísticas físicas:
os olhos apresentam-se com pálpebras estreitas e levemente oblíquas,
com prega de pele no canto interno (prega epicântica);
a íris freqüentemente apresenta pequenas manchas brancas (manchas de
Brushfield);
a cabeça geralmente é menor e a parte posterior levemente achatada. A
moleira pode ser maior e demorar mais para se fechar;

61
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

a boca é pequena e, muitas vezes, se mantém aberta com a língua proje-


tando-se para fora;
as mãos são curtas e largas e, às vezes, nas palmas das mãos há uma úni-
ca linha transversal, de lado a lado, ao invés de duas;
a musculatura, de maneira geral, é mais flácida (hipotonia muscular);
pode existir pele em excesso no pescoço que tende a desaparecer com a
idade;
as orelhas são, geralmente, pequenas e de implantação baixa. O conduto
auditivo é estreito;
os dedos dos pés comumente são curtos e na maioria das crianças há um
espaço grande entre o dedão e o segundo dedo. Muitas têm pé chato;
O bebê com SD pode apresentar algumas ou todas estas características. É
importante ressaltar que, como todas as crianças, eles também se parecerão com
seus pais uma vez que herdam os genes deles e, assim, apresentarão característi-
cas diferentes entre si, como: cor dos cabelos e olhos, estrutura corporal, padrões
de desenvolvimento etc. Essas características determinam uma diversidade de
funcionamento comum aos indivíduos considerados normais.

Exame genético: cariótipo


Quando um recém-nascido apresenta pelo menos seis características das
citadas acima, o médico deve solicitar um exame genético: o cariótipo. Esse exa-
me permite confirmar o diagnóstico pela constatação de um cromossomo extra
no par 21.
Esse cromossomo a mais é, na grande maioria dos casos, um acidente gené-
tico. Ele surge a partir de um erro na divisão do material genético no início da for-
mação do bebê. Esse erro na divisão é o suficiente para modificar definitivamente
o desenvolvimento embrionário.
A constatação da trissomia não tem valor no prognóstico, nem determina o
aspecto físico mais ou menos pronunciado, nem uma maior ou menor eficiência
intelectual. É importante ter claro que não existem graus de Síndrome de Down
e que as diferenças de desenvolvimento decorrem das características individuais
(herança genética, estimulação, educação, meio ambiente etc.)
É importante fazermos o cariótipo, porque podemos saber se pode ocorrer
em outra gestação ou se ele pode ou não ocorrer em familiares, irmãos ou irmãs
da criança. Na maioria dos casos, a trissomia resulta de um acidente na divisão
celular que não se repetirá, vejamos:
Trissomia 21 simples – Acontece em cerca de 95% dos casos. A pessoa
com Síndrome de Down apresenta 47 cromossomos em todas as suas
células.
Mosaicismo – Cerca de 2% das pessoas com Síndrome de Down apre-
sentam uma mistura de células normais (46 cromossomos) e de células

62
A inclusão de pessoas com Síndrome de Down na Educação: um caso de sucesso

trissômicas (47 cromossomos). Esta condição é considerada resultado de


um erro em uma das primeiras divisões celulares.
Translocação – Os outros 3% das pessoas com Síndrome de Down apre-
sentam o material cromossômico disposto de forma diferente, isto é, o
cromossomo 21 extra encontra-se aderido a um outro cromossomo, ge-
ralmente o 14. É importante descobrir se uma criança tem Síndrome de
Down por translocação, pois em aproximadamente um terço dos casos
um dos pais é “portador”. Embora este pai e esta mãe sejam perfeitamen-
te normais tanto física quanto mentalmente, pode haver um risco maior
de terem filhos com Síndrome de Down. Esses pais necessitam de um
aconselhamento genético específico.

Desenvolvimento da Criança
com Síndrome de Down
Consideramos importante salientar que cada criança é única e possui ca-
racterísticas próprias. A seqüência de desenvolvimento da criança com Síndrome
de Down geralmente é bastante semelhante à de crianças sem a síndrome e as
etapas e os grandes marcos são atingidos, embora em um ritmo mais lento. Essa
demora para adquirir determinadas habilidades pode prejudicar as expectativas
que a família e a sociedade têm da pessoa com Síndrome de Down. Durante muito
tempo essas pessoas foram privadas de experiências fundamentais para o seu de-
senvolvimento, porque não se acreditava que eram capazes. Todavia, atualmente
já é comprovado que crianças e jovens com Síndrome de Down podem alcançar
estágios muito mais avançados de raciocínio e de desenvolvimento.
Uma das principais características da Síndrome de Down, e que afeta dire-
tamente o desenvolvimento psicomotor, é a hipotonia muscular, presente desde
o nascimento.
Essa hipotonia afeta toda a musculatura e a parte ligamentar da criança.
Com o passar do tempo, a hipotonia tende a diminuir espontaneamente, mas per-
manecerá presente por toda a vida, em graus diferentes. O tônus é uma caracterís-
tica individual, por isso há uma variação entre as crianças com esta síndrome. A
criança que nasceu com Síndrome de Down vai controlar a cabeça, rolar, sentar,
arrastar, engatinhar, andar e correr, exceto se houver algum comprometimento
além da síndrome.
Acontece freqüentemente da criança ter alta da fisioterapia por ocasião
dos primeiros passos. Na verdade, quando ela começa a andar, ainda há neces-
sidade de um trabalho específico para o equilíbrio, a postura e a coordenação
de movimentos.
É essencial que, nessa fase, na qual há maior independência motora, a crian-
ça tenha espaço para correr e brincar e possa exercitar sua motricidade global. A
brincadeira deve estar presente em qualquer proposta de trabalho infantil, pois é
a partir dela que a criança explora e internaliza conceitos, sempre aliados inicial-
mente à movimentação do corpo.
63
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Embora a Síndrome de Down seja classificada como uma de­fi­ciên­cia mental,


não se pode predeterminar qual será o limite de desenvolvimento do indivíduo.
Historicamente, a pessoa com Síndrome de Down foi rotulada como deficiente
mental severa e em decorrência deste rótulo acabou sendo privada de oportunida-
des de desenvolvimento. A classificação da deficiência mental nos grupos profun-
dos (severos), treináveis e educáveis é bastante questionada, hoje. Estes diagnósti-
cos, determinados a partir de testes de QI (Medida do Quociente da Inteligência),
nem sempre condizem com a real capacidade intelectual do indivíduo, uma vez
que os testes aplicados foram inicialmente propostos para povos de outros países,
com culturas diferentes da nossa.
A aprendizagem da pessoa com Síndrome de Down ocorre num ritmo mais
lento. A criança demora mais tempo para ler, escrever e fazer contas. No entanto,
a maioria das pessoas com esta síndrome tem condições para ser alfabetizada e
realizar operações lógico-matemáticas. A educação da pessoa com Síndrome de
Down deve ocorrer, preferencialmente, em uma escola que leve em conta suas
necessidades especiais. As crianças com deficiência têm o direito e podem bene-
ficiar-se da oportunidade de freqüentar, desde cedo, uma creche e uma escola co-
muns, desde que adequadamente preparadas para recebê-las. O professor deverá
estar informado para respeitar o ritmo de desenvolvimento do aluno com defici-
ência, como, de resto, deve respeitar o ritmo de todos os seus alunos. O papel do
professor é muito importante, pois caberá a ele promover as ações para incluir a
criança deficiente no grupo.
A linguagem representa um dos aspectos mais importantes a ser desenvol-
vido por qualquer criança, para que possa se relacionar com as demais pessoas
e se integrar no seu meio social. Pessoas com maiores habilidades na linguagem
podem comunicar melhor seus sentimentos, desejos e pensamentos. De maneira
geral, a criança, o jovem e o adulto com Síndrome de Down possuem dificuldades
variadas no desenvolvimento da linguagem. É importante estar atento a este fato
desde o primeiro contato com a família do bebê com Síndrome de Down. Quanto
antes for criado um ambiente propício para favorecer a evolução da linguagem
melhor será o futuro. A criança com a síndrome apresenta um atraso na aquisição
e desenvolvimento da linguagem se comparada à outra criança.
É preciso orientar a família sobre quais os recursos educacionais de boa
qualidade que estão disponíveis em sua comunidade. Para rea­lizar tal orientação,
o profissional deve procurar conhecer melhor as opções de escola especial e escola
comum de sua cidade e região, para que o encaminhamento seja feito com segu-
rança e traga benefícios ao desenvolvimento global da criança.

64
A inclusão de pessoas com Síndrome de Down na Educação: um caso de sucesso

Ambulatório da Síndrome de Down


do Hospital de Clínicas da Universidade
Federal do Paraná
A Associação Reviver Down (Curitiba-PR), presta atendimento a muitos
pais que têm filhos com a Síndrome de Down (SD). Constatou que a maior dificul-
dade enfrentada pelos mesmos, principalmente os mais carentes, está no despre-
paro dos profissionais e na falta de informação adequada que venha a atender às
necessidades imediatas de seus filhos, a fim de que possam ter melhor qualidade
de vida e desenvolver o verdadeiro potencial que possuem. Um diagnóstico dado
de forma inadequada, insensível, sem perspectivas, pode deixar os pais perdidos,
sem saber que direção tomar ou até sem força de lutar por seu filho.
Procurando minimizar essa situação, a Associação Reviver Down uniu-se
ao Hospital de Clínicas da UFPR e criou, em maio de 1997, o primeiro Ambu-
latório para a Síndrome de Down do país. Único na América Latina, esse ambu-
latório já recebeu prêmios pelo seu trabalho de cunho social e preventivo. Sua
equipe principal é composta por profissionais das seguintes áreas: Serviço ­Social,
Psicologia, Pediatria, Nutrição, Enfermagem, Odontopediatria, Der­ma­to­logia e
Fonoaudiologia. Contando sempre que necessário com o apoio de especialidades
como: Cardiologia, Genética, Oftalmologia etc.

Proposta diferenciada
A proposta do ambulatório está alicerçada no atendimento humanizado e
na experiência de cada membro da equipe nessa patologia. Esses são os pilares
fundamentais que podem fazer toda a diferença.
A equipe atua de forma interdisciplinar, num mesmo espaço físico e ao
mesmo tempo. A clientela-alvo são crianças com SD, no entanto, muitas vezes
adultos com a mesma síndrome e seus familiares procuram o ambulatório em
busca de orientações. A sensibilidade, o respeito à dor, o apoio, o incentivo, a
informação atualizada e o acompanhamento longitudinal das crianças têm sido,
para essas famílias, um fio de esperança.
Ao chegar ao ambulatório busca-se as necessidades mais imediatas da crian-
ça, procurando observá-la como um todo, um ser bio-psico-social, agindo de for-
ma preventiva e curativa. Muitas vezes, um problema clínico ou nutricional pode
ter um conjunto multifacetado de causas; como uma dificuldades na relação mãe-

65
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

bebê etc. É nesse momento que a equipe mostra sua eficiência, pois na presença da
família, procura checar as possíveis causas e fazer as intervenções necessárias, o
que seria impossível para um profissional sozinho. Algumas vezes, os familiares
estão mais necessitados do atendimento do que a própria criança. A equipe, essen-
cialmente, procura que cada família não vá embora sem um redimensionamento
para suas dificuldades.
Inicialmente, o ambulatório realizava seu trabalho uma vez por semana.
Mas a resposta da comunidade foi inesperada. Em pouco tempo, o fluxo de pesso-
as interessadas nesse atendimento tomou proporções muito maiores do que o es-
perado. Começaram a vir famílias não só da nossa cidade, mas de todo o Estado.
Mais tarde de outros Estados e até já recebemos crianças de outros países. Hoje,
atendemos duas vezes por semana, com uma média de oitenta atendimentos por
mês e um total de mais de 1.500 crianças cadastradas e em acompanhamento.
Contudo, a experiência revelou a necessidade de promover mudanças num
âmbito maior. Pelo relato dos pais foi possível perceber muitas queixas quanto à
forma como são atendidos por profissionais das mais diversas áreas. Uma visão
limitada sobre a síndrome pode afetar de forma determinante a qualidade do aten-
dimento oferecido. Assim, redimensionar o olhar de pessoas e de profissionais,
que por insensibilidade ou por desinformação oferecem um atendimento inade-
quado, é uma meta a ser atingida.
Procurando conscientizar os futuros profissionais, a equipe do ambulatório
da SD realiza, em conjunto com a universidade, palestras informativas para cursos
variados. Também possui estagiários e residentes de todas as áreas compartilhan-
do de sua realidade, mostrando que somente a união, o respeito, a sensibilidade e
a informação atualizada são capazes de dar qualidade ao serviço oferecido.
O serviço de Psicologia desse ambulatório tem como objetivos principais
oferecer atendimento em forma de terapia de apoio. O tempo de duração de cada
atendimento é variado, não há regra pre-estabelecida. Procura-se atender todos
que nos visitam mesmo que não estejam necessitando de atendimento no momen-
to, pois estabelecer um vínculo com as mães tem facilitado a busca das mesmas
pelo atendimento quando estão enfrentando alguma dificuldade.
Dentro dessa perspectiva, analisa-se cuidadosamente o momento que a fa-
mília se encontra, valorizando as conquistas já alcançadas. Busca-se ouvir com
respeito e solidariedade as angústias ou sofrimentos dando uma redefinição para
cada situação, levando sempre em consideração o que a família quer e precisa ou-
vir. As necessidades da clientela são sempre muito variadas, uma vez que atende-
se desde os recém-natos até adultos.
Dentro da rotina dos atendimentos faz-se tanto o acompanhamento das fa-
mílias que estão recebendo o resultado do cariótipos (exames que confirmam a

66
A inclusão de pessoas com Síndrome de Down na Educação: um caso de sucesso

síndrome), como aquelas que ainda não têm a confirmação do diagnóstico. Ambas
as situações são muito angustiantes e requerem um apoio efetivo que atenda a esse
momento difícil.
Ainda realizam-se avaliações, orientações, acompanhamentos da vida es-
colar da criança, além do incentivo e apoio à inclusão no ensino regular dentro de
uma perspectiva realista e ponderada, considerando cada caso individualmente.
Respaldando-se nos estudos de muitos autores como os de Mantoan (1991) que
acredita que as trocas deficitárias entre o sujeito e o meio, desde os primeiros
tempos de vida, retardam ou impossibilitam o acesso de deficientes a formas de
pensamento mais complexas.
Junto com o Serviço Social, são feitas visitas a crianças internadas, mães
em presídios, casa de crianças que apanham, creches que não aceitam as crianças
por causa da síndrome, escolas de ensino regular e especial que estão com difi-
culdades... O trabalho ultrapassa as barreiras... Como vemos, é muito dinâmico e
exigente!
Dentro dessa vivência pode-se perceber quão influentes são as relações fa-
miliares no desenvolvimento da criança com SD Sabemos que a criança nasce
com um equipamento inato, mas esse só é ativado por meio de uma relação recí-
proca mãe-bebê (SPITZ, 1979). Todo o seu potencial psíquico (auto-imagem, au-
toconfiança, capacidade de enfrentar as dificuldades) desenvolve-se impulsionado
pelo “motor afetivo”.
Por isso, acreditamos que o apoio psicológico aos pais desde os primei-
ros dias de vida da criança torna-se determinante. As considerações de Mathelin
(1997) respaldam-nos dizendo que se o olhar da mãe, por algum motivo, se desvia
do bebê, e esse, muito frágil, ainda não retribui esse olhar para a mãe, o inves-
timento de amor entre eles pode tornar-se problemático. Considerando todas as
dificuldades que envolvem o nascimento de um filho com deficiência, podemos
afirmar que a grande maioria dos pais reage de forma muito positiva! Passando a
lutar pelo seu filho e amá-lo por todas as suas qualidades.
A partir desse momento, o serviço de Psicologia procura orientar a família,
tendo como base as considerações do pediatra e psicanalista inglês Winnicott
(1996) que nos diz que o bem-estar do indivíduo advém de um ambiente facilita-
dor, que lhe ofereça oportunidades de se lançar no mundo de forma criativa para
poder desfrutar do que o mundo lhe oferece. Entendemos que durante o percurso
de desenvolvimento dos filhos, os pais devem ser orientados a procurar oportu-
nizar a independência da criança, acreditando que eles podem, mesmo que em
passos menores, alcançar seus objetivos.

67
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

68
A inclusão de pessoas
com necessidades especiais
no mercado de trabalho
Patrícia Braun

Introdução

P
rezados educadores. O tema sobre o qual refletiremos nesse encontro trata de um assunto que há
pouco, podemos assim dizer, começou a vigorar nas discussões acadêmicas e sociais. Porém, não
por se tratar de um aspecto que antes não permeava espaço algum, mas porque só recentemente
vislumbrou-se que a possibilidade de inserção no mercado de trabalho, de pessoas com necessidades
especiais, vai além da obrigatoriedade prevista em lei, também recente, em nosso país.
A inclusão social de pessoas com necessidades especiais no mercado de trabalho, atualmente,
é um dos temas mais pertinentes no que se refere à educação inclusiva e seus organismos: pesquisas,
documentos federais, estabelecimentos de ensino especiais e regulares, mercado de trabalho.
Em linhas gerais, o mercado de trabalho tem passado por transformações decorrentes de con-
textualizações sociais e valores vigentes nas sociedades organizadas, de acordo com seu tempo e
cultura. O trabalho, como atividade de produção, passa a cada período de tempo, anos ou décadas, por
modificações advindas das variações sobre conceitos sociais e econômicos. Tentando ilustrar essas
transformações, temos o marco da Revolução Industrial e, na atualidade, o avanço tecnológico que,
assim como o marco anterior, sugere a readaptação da mão-de-obra do trabalhador, face às tarefas
prescritas.
Segundo o professor-pesquisador Celso Goyos (1995), o respaldo para a profissionalização de
pessoas com necessidades especiais deu-se a partir da preocupação com a recuperação de soldados
veteranos da Primeira Grande Guerra e de funcionários das fábricas, operadores de equipamentos,
que tivessem sofrido algum tipo de acidente ocasionando amputação de membros. Porém, essa foi
uma preocupação limitada aos países industrializados e participantes da Guerra Mundial. Mais tarde,
com a reincidência de uma Segunda Grande Guerra, a preocupação com a recuperação de pessoas
com necessidades especiais (físicas, principalmente) que tinha o cunho de treinamento vocacional,
passou a abranger, também, as pessoas que apresentavam algum tipo de deficiência mental. Tais ser-
viços ofereciam avaliação, treinamento vocacional, colocação em empregos, aconselhamento voca-
cional e acompanhamento, e se tornaram a raiz das denominadas oficinas abrigadas.
Outra referência no campo da origem da profissionalização da pessoa com necessidades espe-
ciais foi a influência da professora russa Helena Antipoff. O movimento, idealizado por ela visando à
profissionalização, surge em nosso país a partir das décadas de 60 e 70, tendo, nessa última, impresso
ações mais prioritárias e definidas dentro da educação especial.
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

No período seguinte, anos 80, a difusão dos programas de profissionaliza-


ção acentuou-se. As instituições (Sociedade Pestalozzi, APAEs, entre outras), que
já participavam desse processo, intensificaram suas ações nas pesquisas, na orga-
nização de cursos e na organização de propostas visando à formação profissional
das pessoas com necessidades especiais.
Nesse contexto, ainda que os esforços apresentassem uma perspectiva evo-
lutiva, a forma de atendimento dos programas oferecidos para a formação do indi-
víduo com alguma necessidade especial tinha um formato institucionalizador. Ou
seja, eram oferecidos programas de formação para o trabalho, e a pessoa ficava
“trabalhando”, com raríssimas exceções, dentro da instituição. Glat et al. (1998),
sobre essa questão, trazem uma reflexão bastante pertinente. A autora relata que o
treinamento apresentado nas oficinas tenta aproximar-se, em ambiente segregado,
das condições de trabalho no mercado competitivo, esperando que a pessoa com
necessidades especiais possa ser preparada de acordo com as exigências desse
mercado.
Nesse sentido, há ações que mostram, por exemplo, o estabelecimento de
contratos com empresas através das quais as oficinas e seus integrantes passam a
prestar seviços comerciais a partir da mão-de-obra tercerizada, porém, ainda den-
tro da instituição. Outra realidade ainda presente, como aponta a mesma autora,
é a existência de muitos programas de oficinas destinados àquelas pessoas con-
sideradas sem os “pré-requisitos” exigidos pela instituição para serem inseridos
no mercado de trabalho. A estes indivíduos, assim categorizados, são oferecidas
atividades que se limitam à elaboração de produtos artesanais comercializados
em feiras não-formais ou por meio de venda local. E, completando a reflexão da
autora acima referida, tendo os espaços destinados à formação profissional o per-
fil especializado para trabalhos manuais, artesanais, de acordo com as demandas
e cultura locais, pode-se concluir que o referencial passa a ser mais um espaço de
“terapia” ocupacional do que realmente profissionalizante. Um status muito mais
segregador do que inclusionista.

Legalmente nos respaldando (será?!)


A Constituição Federal de 1988 assegurou a reserva de um percentual em
empregos públicos para pessoas com necessidades especiais. Passados dois anos,
é apresentada uma nova lei com maiores definições nesse campo. A Lei 8.213
estabeleceu uma série de cotas para a inserção das pessoas com necessidades
especiais no mercado de trabalho. Nessa proposta, a Lei estabeleceu que empre-
sas privadas a partir de 100 funcionários contratados teriam que obedecer a essa
regulamentação. Assim, empresas com até 200 funcionários deveriam cumprir a
cota de 2% de funcionários contratados com alguma necessidade especial, de 201
a 500, 3%; de 501 a 1 000, 4% e a partir de 1 000 funcionários, 5%.
Diante dessa proposta social e política, a base para um desenvolvimento ple-
no e seguro teria que ser o princípio de igualdade de oportunidades entre os traba-
lhadores, sejam eles com necessidades especiais ou não. A igualdade de oportuni-
70
A inclusão de pessoas com necessidades especiais no mercado de trabalho

dades e de tratamento deveria ser respeitada no locus trabalhista, a fim de prover


um ambiente saudável e produtivo para todos os funcionários, numa atitude pre-
ventiva de posturas discriminatórias em relação ao novo corpo de trabalho.
Dentre os percalços que surgem nos meios que norteiam a inclusão social e
a inserção no mercado de trabalho, quase sempre dificultando o desenvolvimento
do percurso e concretização dos projetos, Glat (1995) aponta que, antes de tudo,
a inserção social é um “processo subjetivo e afetivo” e está vinculada à represen-
tação social, aos estereótipos e significados que as pessoas formulam a respeito
da pessoa com necessidades especiais. Como exemplo, no contexto profissional,
apresento a vocês o testemunho de uma pessoa com necessidades especiais adqui-
rida, que relata sua vivência e as suas percepções diante das relações sociais ao
retornar ao campo de trabalho após o comprometimento total da sua visão:
No trabalho você tem que procurar estratégias, eu tive a chance de encontrá-las muito
mais do que tecnológicas, mas principalmente humanas. De sentar e conversar: – Olha, eu
preciso de alguém que me empreste o olhar... complicado isso de emprestar o olhar... um
olhar inteligente, não é só um olho, de tal modo que a pessoa veja e te explique o que está
vendo e você procura estratégias para abreviar os conceitos, enfim... a resposta que um
equipamento pode dar no painel... Quando se estabelece uma comunicação compreensí-
vel, técnica ou não, a coisa vai fluindo. (Adulto/faixa etária-40 anos).

A forma como são determinadas as categorias de pertencimento, os con-


juntos de valores nos quais os indivíduos são situados, geralmente é organizada
de acordo com os interesses e demandas sociais, políticas e econômicas. Nesse
sentido, há duas formulações: indivíduos adequados e indivíduos inadequados,
­impróprios. O que caracteriza tais formulações são as diferenças percebidas por
e entre eles.
O conceito de diferença é, e sempre foi, uma grande marca, como uma cica-
triz, que tem delimitado ações no campo do desenvolvimento psicossocial, educa-
cional e, conseqüentemente, da inclusão social de muitos indivíduos, sejam pes-
soas com necessidades especiais ou não, visto que em nossa realidade ainda não
foram vencidas nem as prioridades básicas necessárias à dignidade de qualquer
indivíduo, como saúde, educação, alimentação, moradia.
A sociedade na qual vivemos e estabelecemos nossas relações sempre está
apontando, suscitando o quê ou quem pode ser o diferente, no sentido de ter um
diferencial, ser melhor, mais eficiente. Ao mesmo tempo, é capaz, face à percep-
ção da imagem ideal, de estigmatizar a diferença que não lhe oferece – do seu
ponto de vista – nenhum proveito econômico ou estético. Nesse sentido, a imagem
refletida nas interações pessoais e sociais acaba, muitas vezes, ­impossibilitando
uma relação mais integrada, cooperativa, ou seja, uma efetiva inclusão social.
Com base nas legislações até então formuladas (Declaração dos Direitos
das Pessoas Portadoras de Deficiência, 1975; ONU/ artigo 12 do Programa de
Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência de 1982; Organização Interna-
cional do Trabalho/Decreto 129/91; Constituição Federal de 1988; Lei Orgânica
da Assistência Social – LOAS , Lei 8742, em seu artigo 1.º, IV, entre outros), o
Brasil tem procurado amparo legal para respaldar a oferta e a inserção no mercado
de trabalho da pessoa com necessidades especiais. ­Porém, são as linhas de ação

71
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

previstas que efetivam a inserção, de fato, nesse espaço social. Em nosso país, há
um considerável número de legislações, mas a ausência de ações eficazes que, de
fato, possibilitem a qualificação, reabilitação e inserção no mercado de trabalho,
ainda deixam a desejar.
Em muitas situações, o que parece uma proteção legitimada por lei, acaba
por ter sua finalidade desperdiçada, tendo um fim contrário, pois em vez de am-
parar a pessoa com necessidade especial, a base legal transforma-se em motivo de
discriminação, deixando-os à mercê das idéias de tempos atrás, quando a cidada-
nia ainda era um atributo a ser adquirido.
Algumas pesquisas revelam que quando os empregadores ganham experi-
ência na vivência de empregar pessoas com necessidades especiais, eles acabam
valorizando o desempenho delas. Ao mesmo tempo, as pessoas com necessidades
especiais que melhor se beneficiarão desse sistema serão aquelas que apresenta-
rem indícios de que sua produtividade compensa os custos iniciais de adaptação,
quando estes existem.
Por isso, é importante termos prudência e segurança no momento da inser-
ção. Não há vantagem alguma quando o processo é obrigatório, forçado. A frus-
tração de ambos os lados acaba sendo o argumento para futuras negações de con-
tratação. Portanto, é fundamental que sejam estudadas, analisadas as situações, a
qualificação necessária ao empregado e ao empregador, bem como as condições
físicas e organizacionais (competências e habilidades necessárias para a função)
em que serão desenvolvidas as atividades.

Formação, ética, cidadania e


inclusão social
Em nosso país, como é de conhecimento, a profissionalização de pessoas com
necessidades especiais acontece basicamente em estabelecimentos educacionais no
formato de oficinas protegidas, abrigadas ou pedagógicas. Com a determinação da
Lei de Cotas 8.213/91, novas perspectivas são redimensionadas, mas novas postu-
ras também são exigidas em relação à formação do profissional com necessidades
especiais que irá preencher a vaga oferecida no mercado competitivo.
De acordo com Metetti e Goyos (1998), vários são os autores e pesquisa-
dores que têm apresentado a importância da profissionalização do indivíduo com
necessidades especiais (deficiência mental) e sua inserção no mercado de trabalho
formal. Pois o trabalho associado a outros fatores pode ser o viés para o reconhe-
cimento e desenvolvimento das competências e habilidades dessas pessoas afas-
tadas dos efetivos espaços de crescimento e convivência. Portanto, poderíamos
dizer que pessoas com necessidades especiais inseridas no mercado real de traba-
lho, atuando em situação de igualdade com as pessoas pertencentes a uma mesma
sociedade, poderiam ter melhores condições de desenvolverem suas capacidades
e de se relacionarem com e como cidadãos.

72
A inclusão de pessoas com necessidades especiais no mercado de trabalho

Tanaka e Almeida (1988) observam que muitos indivíduos com necessida-


des especiais, especificamente com deficiência mental, apresentam dificuldades
de participação social abrangente, pela ausência de oportunidades, de preparo
para manter um relacionamento adequado com outras pessoas da sua comuni-
dade. As interações pessoais diante do campo de trabalho assumem significativa
relevância, uma vez que as ações de trabalho geralmente se dão em ambientes
compartilhados por um grupo de pessoas que pode ser reduzido ou mais abran-
gente. Face a essa questão, antes mesmo de o candidato ao emprego saber suas ta-
refas, é fundamental que saiba conviver em sociedade, em grupo, compartilhando
não só um espaço físico, mas valores e habilidades de convivência culturalmente
aceitas.
Caballo (1987) destaca que o comportamento socialmente habilidoso refere-
se ao conjunto de comportamentos emitidos por um indivíduo no contexto in-
terpessoal, que expressa sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos do
indivíduo de um modo adequado à situação ao mesmo tempo em que minimiza a
probabilidade de problemas futuros.
Assim, podemos encarar como sendo fundamental a construção de espaços
profissionalizantes que possibilitem a formação de um profissional humanizado
e não estereotipado, ativo e não-passivo, mecanizado, incluído e não-segregado.
Desse modo, os espaços que nos parecem mais adequados seriam aqueles que pro-
porcionassem um situação real de mercado competitivo e sociedade, ao contrário
dos espaços que procuram simular ou se aproximar de situações de trabalho.
Face a essa necessidade, temos, na nossa realidade, algumas agências edu-
cacionais que são responsáveis pela formação das pessoas com necessidades es-
peciais. As escolas especiais têm se caracterizado como a principal agência nesse
contexto. Logo, torna-se necessário pesquisarmos e refletirmos sobre como, efe-
tivamente, as escolas têm mediado a relação interação social, profissionalização
e inclusão social. Entender as dinâmicas adotadas compreende contextualizar as
formas de profissionalização estendidas às pessoas com necessidades especiais,
no intento de poder analisar a relevância de questões como:
A pessoa com necessidades especiais que foi inserida no mercado de
trabalho competitivo está realmente formando vínculos sociais no grupo
de funcionários?
As relações sociais estão sendo entendidas a outros espaços fora do local
onde executa sua função, como festas de confratenização, intervalos de
descanso ou almoço?
Além de saber desempenhar a tarefa prescrita, que habilidades sociais
lhe são necessárias?
Diante desses questionamentos, podemos constatar que para que uma pes-
soa com necessidades especiais adquira tais competências, é importante que lhe
seja oferecida a oportunidade de ter atividades reais de trabalho. Entende-se que,
na situação real de trabalho, em uma fábrica, loja, departamento, enfim, em um
lugar formal de mercado trabalhista, o principiante terá a chance de:

73
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

desenvolver e transformar suas atitudes e comportamentos necessários


para sua inserção de maneira efetiva e real;
praticar seus direitos e deveres com funcionalidade, e não mais em situa-
ções hipotéticas e resguardadas sem contextualização e, principalmente,
sistematização dos seus atos (oficinas);
conquistar o reconhecimento social diante da sua capacidade adquirida e
exercida, ou seja, realmente ser incluído no locus e não apenas ser colo-
cado por meio de decretos;
generalizar suas capacidades para além da sua profissionalização, possi-
bilitando sua real construção cidadã.
Há ainda, um outro ponto a ser lembrado nessa dinâmica de inclusão no
mercado de trabalho da pessoa com necessidades ­especiais: é a figura da empresa
que, assim como a escola que forma, também está tentando se adaptar às novas
premissas da realidade expressa, tanto no paradigma social quanto legal e produ-
tivo. Pelo lado do paradigma social, as metas que têm permeado suas adaptações
passam pelo âmbito das relações interpessoais; no paradigma legal, deparam-se
com legislações que definem decretos, e no paradigma da produtividade, têm que
lidar com conceitos como quantidade/qualidade/lucro.

Visões para o futuro


Para tentarmos buscar os caminhos que ainda não foram trilhados é im-
portante que busquemos algumas considerações nas pesquisas que estão sendo
desenvolvidas sobre esse tema. Vejamos, então, três exemplos de pesquisas recen-
temente desenvolvidas sob o foco da profissionalização e inserção no mercado de
trabalho de pessoas com necessidades especiais.

Caso 1
As habilidades sociais de pessoas portadoras de deficiência mental
inseridas no mercado de trabalho competitivo: um estudo exploratório
Segundo as autoras da pesquisa, há a necessidade de pesquisas e interven-
ções sobre as interações sociais e profissionalização para a efetivação da inserção
da pessoa com necessidades especiais no mercado de trabalho formal. Trata-se de
um estudo preliminar para uma tese de doutorado, realizado com três indivíduos
sem necessidades especiais que foram entrevistados por trabalharem em locais
que empregam pessoas com necessidades especiais. A pesquisa foi realizada na
cidade de Sertãozinho, localizada a 20km da cidade de Ribeirão Preto. Nos resul-
tados obtidos, nesse estudo preliminar, as pesquisadoras constataram que:
em relação aos dados pessoais dos trabalhadores portadores de deficiên-
cia mental, todos eram do sexo masculino, ocupavam cargos de auxiliar
de serviços, e apresentavam tempo de serviço que variava de três a quin-
ze anos;

74
A inclusão de pessoas com necessidades especiais no mercado de trabalho

considerando os funcionários que trabalhavam nos supermercados, se-


gundo os entrevistados, o diferencial do bom profissional relaciona-se ao
bom atendimento e aparência pessoal;
quanto às dificuldades no desempenho da tarefa, as mesmas ocorriam em
função da deficiência; e com exceção de um funcionário, os demais não
apresentavam problemas de relacionamento entre os colegas;
em relação ao primeiro entrevistado, este relatou que a grande dificulda-
de que seus funcionários apresentam diz respeito à aparência pessoal e
conversar olhando para as pessoas, sendo que um deles apresenta limi-
tações significativas quanto a oferecer e solicitar ajuda, atender quando
solicitado, finalizar tarefa e expressar discordância de opiniões;
já em relação aos dados da segunda entrevistada, verificou-se que, no
geral, os funcionários que acompanha foram positivamente avaliados; no
entanto um deles tem dificuldades em oferecer ajuda, falar sobre si e suas
necessidades pessoais, argumentar e defender os seus direitos;
quanto ao quarto entrevistado, este relatou que o seu funcionário apre-
senta dificuldades em solicitar e oferecer ajuda, bem como o cuidado
com a sua aparência pessoal;
os resultados preliminares apontam que a maioria das dificuldades en-
frentadas refere-se aos comportamentos de solicitar e oferecer ajuda,
bem como a questões relacionadas ao cuidado com a aparência pessoal e
a importância em se conversar olhando para a pessoa;
por outro lado, as experiências relatadas pelos entrevistados aparentam
ser otimistas, sendo que os funcionários apresentam um tempo conside-
rável de trabalho e, segundo os relatos, o trabalho tem contribuído para
a melhoria da qualidade de vida de seus funcionários (Paula; Almeida,
2004).

Caso 2
Empresa e profissionalização de portadores de deficiência:
um trabalho de consultoria.
Esse estudo teve como objetivo identificar os possíveis cargos e funções dis-
poníveis para colocação de pessoas portadoras de deficiência, e as necessidades de
adaptações estruturais e físicas no ambiente de trabalho. O trabalho foi desenvol-
vido junto a uma empresa do setor sucroalcooleiro (agroindústria e destilaria), lo-
calizada na região urbana da cidade de Ribeirão Preto e com, aproximadamente,
3 500 funcionários. Em seus resultados constata-se que dos 29 cargos oferecidos,
12 eram para deficientes auditivos, 9 para deficientes mentais leves a moderados
e 8 para pessoas com deficiência física. Diante da realização do estudo, as autoras
fizeram algumas considerações:
Acessibilidade: observando toda a estrutura das empresas visitadas cons-
tatamos a necessidade de adaptações arquitetônicas, como um dos pré-
requisitos à contratação de pessoas portadoras de deficiências, bem como
75
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

o livre acesso de visitantes em condições restritas. Como exemplo, cons-


tatamos a necessidade de rampas que facilitem a locomoção de pessoas
com deficiência física.
Pensando em novos cargos:
Lavador de veículos pequenos: poderia ser executado por pessoas porta-
doras de deficiência mental leve, ou deficientes auditivos.
Mensageiro: poderia ser executado por pessoas portadoras de deficiência
mental leve; sendo feitas pequenas adaptações como, por exemplo, “bi-
lhetes e fichas coloridas”.
Auxiliar de escritório “multifuncional”: pessoa com deficiência mental
leve ou deficiência auditiva, já que poderia executar tarefas simples (ex:
organizar e guardar notas fiscais; separar papéis para arquivo morto), em
sistema de rodízio nos diferentes setores administrativos.
Em relação à pessoa portadora de deficiência e sua inserção no mercado de
trabalho, pode-se verificar uma nova visão social: de dar-lhes a oportunidade de
exercer um emprego normal, sob condições normais, ou seja, entre companheiros
com ou sem deficiência.
O trabalho de consultoria sobre a colocação de pessoas portadoras de
deficiência surge como uma área em expansão, uma vez que as empresas
estão encontrando dificuldades em “pensar” nos possíveis cargos e fun-
ções que esta clientela poderia estar ocupando, bem como o (re) arranjo
de novas possibilidades de atuação no exercício de uma profissão (Paula;
Ragazzi, 2004).

Caso 3
Emprego com apoio: alternativa viável para a profissionalização
de pessoas com deficiência no mercado de trabalho
Para esse estudo foram selecionados 4 jovens, sendo 3 rapazes e 1 moça,
com idades variando entre 17 e 26 anos, todos matriculados em uma escola es-
pecial. A pesquisa foi realizada em quatro locais comerciais de trabalho, onde
os jovens exerciam suas funções. O objetivo do estudo era descrever e avaliar
os efeitos de um programa de capacitação profissional em ambientes naturais de
trabalho, para pessoas com diagnóstico de deficiência mental, tendo como base a
modalidade emprego com apoio. Nos resultados do estudo, as autoras constata-
ram que o programa foi eficaz, uma vez que a moça, como a pesquisa demonstrou,
foi capaz de apresentar, segundo as tabelas de avaliação, um rendimento máximo
em 7 de 9 tarefas desempenhadas. Em suas conclusões afirmam:
Com a pesquisa, pode-se verificar que os participantes desempenham as atividades com
êxito, mostrando que algumas dessas pessoas ainda necessitam de apoio na locomoção
para os seus devidos empregos. Finalmente, contrapondo a idéia de que a organização de
nossa cidade ainda se baseia no conceito de que o indivíduo é avaliado de acordo com sua
capacidade de produzir, o emprego com apoio procura mostrar que a capacitação do tra-

76
A inclusão de pessoas com necessidades especiais no mercado de trabalho

balhador com deficiência mental no ambiente natural de trabalho possibilita sua inserção
na sociedade produtiva, mostrando, assim, que a ação do homem pode ser modificada em
prol das pessoas que apresentam necessidades especiais, como afirma Manzini (1999).
(Ragazzi; Almeida, 2004)

Finalizando
Percebe-se que é imprescindível que, primeiro, os espaços para a forma-
ção profissional da pessoa com necessidades especiais seja real, em locus onde
realmente irá desenvolver sua carreira ­profissional; para tanto, é necessário um
empenho das escolas especiais na reformulação das propostas que ainda não te-
nham sido modificadas para esse contexto. Segundo, que sejam viabilizadas estra-
tégias de inserção no mercado de trabalho, baseadas em respaldos práticos como
mostram as pesquisas, com a finalidade de prover os recursos ­técnicos, sociais e
humanos para a efetivação da proposta. Terceiro, que os ­espaços oferecidos se-
jam contextos que possibilitem a autonomia e a cidadania do indivíduo, para que
aqueles que ocupam esse espaço de trabalho se formem eticamente a partir da
possibilidade de posicionamento, de ter opinião própria, de exercer seus direitos e
­cumprir seus deveres. Quarto, que as leis sirvam como respaldo e não como fonte
de obrigatoriedade e discriminação, e, por último, mas não menos importante,
que o mercado de trabalho, as empresas, ­procurem respaldar suas dúvidas para
poder apostar em uma nova força de ­trabalho, contribuindo para um meio social
mais humano e igualitário.

77
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

78
Os meninos de
Quatro Pinheiros:
construindo o futuro
Ana Paula Johann

N
esta aula, vamos conversar sobre crianças, adolescentes e a Inclusão – um tema que vem des-
pertando cada vez mais a discussão de especialistas, educadores e sociedade. A pertinência
se deve ao fato de que a criança de hoje é o adulto do amanhã. Você vai conhecer um pouco
da vida de meninos que viveram na rua e conseguiram superar os problemas com a ajuda de um pro-
jeto inédito no Brasil e que está servindo de exemplo também no exterior.
O poeta Fernando Pessoa disse uma vez que “A literatura é uma prova de que a vida por si só
não se basta”. Por isso, para iniciarmos a trajetória por este assunto tão instigante, vamos ler um tre-
cho do conto Pequeno Pedinte, do escritor Graciliano Ramos. A história é de uma criança de oito anos
sem pai nem mãe, e que vivia transitando pelas ruas pedindo esmola. Esta criança, muitas vezes, ficou
sem dormir, exposta ao frio e à chuva.
Quantas vergonhas não passara quando ao estender a pequenina mão, só recebia a indiferença e o motejo! [...]
É domingo. O pequeno está à porta da igreja, pedindo, com o coração amargurado, que lhe dêem uma esmola
pelo amor de Deus. Diversos indivíduos demoram-se para depositar uma pequena moeda na mão que se lhes está
estendida. Terminada a missa, volta quase alegre, porque sabe que naquele dia não passará fome. Depois vêem os
dias, os meses, os anos, cresce e passa a vida, enfim, sem tragar outro pão a não ser o negro pão amassado com o
fel da caridade fingida. (RAMOS, 2005)

Nascimento do projeto
Crianças como essa do conto do Graciliano Ramos são comuns nas ruas das grandes cidades.
As causas são diversas: brigas com a família, alcoolismo, drogas, abandono. Elas vão para as ruas,
porque apesar de a rua se apresentar como um lugar perigoso é ainda o lugar em que se sentem livres.
Uma liberdade, é claro, ilusória que aos poucos vai pesando na vida de cada criança que deixou o
lugar que morava. Mas todas concordam que naquele momento não havia opção.
Na rua elas aprendem a se drogar para não passar fome e, principalmente, ter coragem para
roubar. Dormem em qualquer canto, comem sobras de comidas deixadas pelos outros e vagueiam pela
cidade em busca do quê? Talvez nem elas saibam, pois ainda são tão pequenas e a visão que têm do
mundo é apenas a realidade crua que as cerca.
E depois, os tipos de drogas vão aumentando, deixam de cheirar cola, esmalte, para usar cocaí-
na e craque. Os assaltos começam a ser armados e a violência, humilhação e preconceito que sentem
diariamente vão refletindo em seus atos.
Que futuro é possível vislumbrar para uma criança de rua nesse estágio? Muitos de nós, com
certeza, imaginamos que isso é uma Universidade de bandidos, que os problemas e as revoltas só
tendem a aumentar.
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Em alguns casos essa é a triste verdade. Mas não podemos esquecer que
estas crianças e adolescentes que vemos todos os dias nos semáforos, praças e lu-
gares da cidade pedindo e roubando são iguais a qualquer outras, com a diferença
de que estão vivendo de forma desumana. Elas têm sonhos, desejos e pensam em
formar uma família e fazer diferente do que os seus pais fizeram.
Vez ou outra essas crianças são resgatadas e vão para projetos assistenciais,
mas para quem vive na rua igual a um pássaro, apesar de saber que há predadores,
geralmente não se adapta ao encontrar estruturas rígidas, de paredes de concreto e
pouco carinho. Era preciso criar um modelo de projeto mais ajustável à realidade
desses meninos.
Tudo começou quando Fernando Francisco de Gois, de família sergipana,
nascido em Santo Anastácio, em São Paulo, e criado em Paranavaí, no norte do
Paraná, mudou-se em 1981, como seminarista carmelita, para a Vila Lindóia,
em Curitiba.
Nesta época, estavam acampadas na região várias famílias retirantes do
campo que montaram suas casas em terrenos da prefeitura. Alguns conflitos eram
comuns, principalmente porque não possuíam saneamento básico e luz elétrica,
além dos conflitos intra-familiares. Aos poucos, os seminaristas começaram a
visitar a comunidade e, tomando conhecimento desses problemas, trabalharam
em torno de uma organização. Fernando, junto com outros dois seminaristas, vão
morar na comunidade, que passa então a se chamar Comunidade Profeta Elias.
O que acontece é que enquanto os jovens e pais buscam trabalho para dar
sustento às famílias, as crianças ficam sem atividades, além da escola formal,
passando a maior parte do dia sozinhas. Em função disso, surgem conflitos e
grupos rivais. Fernando e Osni, outro seminarista Carmelita, percebendo a falta
de atividades formadoras, desenvolvem um trabalho voltado para o apoio e desen-
volvimento escolar, além da estimulação das manifestações culturais.
Nesse trabalho com os meninos, pautado pela filosofia de Paulo Freire, Gois
percebe que pode ir além. Apresentações de teatro ultrapassam os limites da co-
munidade, chegando às comunidades eclesiais de base e outras organizações. O
grupo da comunidade Profeta Elias é procurado pelo Movimento Nacional de
Meninos e Meninas de Rua do Brasil e por entidades internacionais. Discussões
sobre a problemática do menor são iniciadas.
Fernando, por algum tempo, mora na rua para entender mais a fundo os
problemas dos menores. A Fundação nasceu a partir deste trabalho preventivo.
Com o passar dos anos e com o envolvimento de muitos voluntários, o trabalho se
estendeu para as ruas de Curitiba, abordando meninos e meninas. O trabalho de
abordagem de rua se originou por meio da parceria de vários grupos e entidades
como o Grupo de Meninos da Comunidade Profeta Elias, Movimento Nacional de
Meninos e Meninas de Rua, Fundação Fé e Alegria e Pastoral do Menor.
Nas abordagens eram realizadas diversas atividades como capoeira, músi-
cas, teatros, passeatas, missas, entre outras, sempre com o objetivo de organizar
os meninos e meninas de rua dentro do seu próprio espaço e buscar seus direitos
de cidadania.
80
Os meninos de Quatro Pinheiros: construindo o futuro

Surgiu, então, dos próprios meninos de rua a cobrança por um trabalho mais
concreto e, por meio de pesquisa desenvolvida pelos educadores nas ruas de Curi-
tiba, surgiu a proposta da aquisição de uma chácara, devido a três fatores:
Resgate das raízes familiares – A maioria dos meninos é oriundo de fa-
mílias vindas da zona rural e sente falta do contato com a terra.
Convivência com a natureza e com os animais – Os meninos afirmavam
que se sentiam mais seguros entre as árvores e os animais, porque esses,
ao contrário da sociedade, não lhes machucavam.
Distância das drogas – Os meninos queriam ficar longe das drogas para
ter mais chances de superar o vício.
Nessa pesquisa, no ano de 1991, constatou-se que havia 518 crianças e ado-
lescentes nas ruas, sendo que 323 moravam nas ruas.
A partir do resultado desse estudo, os educadores se empenharam em reali-
zar o Projeto, buscaram parcerias e no ano de 1991, por meio de doação da Con-
gregação das Irmãs da Divina Providência e da sra. Rosi Pinheiro, foi comprada
uma chácara de seis alqueires.

Proposta
Há dez anos surgia a Fundação Educacional Meninos de Rua Profeta Elias,
em Quatro Pinheiros, na região de Mandirituba, Paraná. A Fundação é uma ONG,
sem fins lucrativos, inédita no Brasil e hoje referência no país e no exterior, fa-
zendo parte do banco de dados da UNESCO, por meio de um relatório que revela
trabalhos inovadores com jovens em situação de exclusão social e pobreza.
O projeto trabalha com 45 meninos, de 07 a 18 anos, ex-meninos de rua de
Curitiba e Região Metropolitana. A estrutura está distribuída hoje em dez alquei-
res, com quatro casas, sendo três para os meninos e uma para os voluntários. Além
de um barracão que abriga salas de cursos e alojamentos para novos meninos.
A proposta pedagógica é pautada em um período de adaptação, para que
seja da vontade do educando participar de todo o processo, seguida por várias ati-
vidades que visam o resgate da sua auto-estima, encaminhamento para o ensino
formal, formação profissional e atividades pedagógicas de formação. Tendo em
vista todas estas questões pesquisadas anteriormente ao projeto e de acordo com
um dos assessores, Olympio de Sá Sotto Maior Neto:
Na opção do modelo de moradia para os meninos na Chácara buscou-se a conformação de
uma estrutura leve, entendendo-se esse termo como a concepção que supere o modelo em
que as relações de família se instituam com regras autoritárias. Buscava-se a construção
de um modelo com a participação dos meninos, com a possibilidade de rediscussão das
regras e normais instituídas coletivamente, respeitando aspectos específicos da vida coti-
diana dos meninos na Chácara. Portanto, seria necessário superar também o modelo con-
vencional de casas-lares, onde se procura integrar os pais sociais e seus filhos biológicos
com os filhos sociais. No momento em que se discutiu a construção da proposta, levou-se
em conta o grande impacto negativo do modelo de casas-lares com pais sociais na história
de vida dos meninos [...] Buscou-se, portanto, outra visão de casa-lar, outra concepção em

81
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

que as relações de família se dão pela forma de amizade, solidariedade e, não, pela con-
seqüência da relação biológica. Isso implica em confronto de idéias, quando necessário,
porém, preservando-se a convivência democrática. A idéia nunca foi substituir a família,
pois a família para os meninos é insubstituível; e nem impor um pai adotivo, mas sim
viver como uma grande família, onde os meninos têm liberdade de ver o educador como
um pai, um amigo, um irmão. (1999, p. 35 e 36)

O objetivo principal do projeto é garantir educação integral para meninos


das classes menos favorecidas, tornando-os agentes de sua própria promoção.
Dentro desse objetivo primordial, há outros como:
proporcionar aos meninos empobrecidos e, principalmente, aos de rua,
em regime de abrigo, assistência globalizante em local semelhante a de
um lar;
favorecer o crescimento enquanto cidadãos, por meio de reuniões e ati-
vidades de lazer e convivência comunitária, às crianças e adolescentes
envolvidos no projeto;
proporcionar, por meio do estudo e trabalho, condições que impulsio-
nam os meninos a se desenvolverem, tornarem-se independentes e serem
agentes de sua própria promoção;
possibilitar a eles condições de melhorar seu desempenho nas atividades
educacionais e de lazer;
proporcionar melhoria no atendimento às crianças e adolescentes de rua,
abrigados pela chácara, por meio de atividades pedagógicas, de lazer,
convivência familiar e comunitária em espaço físico adequado, garantin-
do assim o resgate de sua cidadania.
Esta proposta é reconhecida desde a sua criação como um referencial por ou-
tros projetos que atuam com crianças e adolescentes devido aos seguintes fatores:
a proposta foi construída na rua com os meninos, e não para os meni-
nos;
o ambiente rural e o método pedagógico da chácara propiciam um resga-
te de suas origens, onde os meninos “retornam” para as raízes da terra (a
maioria das famílias dos meninos vem do interior);
a chácara é um projeto de vida para os meninos, já que lhes oferece for-
mação escolar e profissional e todas as oportunidades para construção de
sua cidadania;
a “convivência com os animais” e em contato com a natureza, funciona
como uma terapia;
sensibilidade da comunidade local que acolhe os meninos;
trabalho sistemático com as famílias dos meninos, retorno aos laços fa-
miliares;
valorização e cultivo de auto-estima;

82
Os meninos de Quatro Pinheiros: construindo o futuro

convivência e troca de experiências com pessoas, na maioria voluntários


de outros países como: Alemanha, Suíça, Escócia, Espanha, Itália, Ar-
gentina, estimulando os alunos a estudarem outras línguas.
A Chácara nasceu como uma proposta de vida real, uma forma concreta de sonhar em
grupo e lutar pelos sonhos. A Chácara foi idealizada pelos meninos para resgatar as raízes
da vida no campo de suas famílias. Há a convivência com a ecologia e os animais e a dis-
tância das drogas. A Chácara é para os meninos e para as pessoas que fazem parte deste
projeto, uma comunidade alternativa e alterativa, onde se busca lutar por uma sociedade
diferente, que não rejeite suas crianças [...] A Chácara mostra que é possível viver a utopia,
que vale a pena lutar por justiça, que os excluídos têm direito a oportunidades e espaço.
Que o projeto de vida não pode ser pensado em gabinetes, mas sim construído pelos seus
autores, revela o coordenador Fernando Gois. (1999, p. 16-17)

O Projeto trabalha com o resgate da auto-estima, acompanhamento escolar,


atividades pedagógicas, formação profissional, acompanhamento familiar, saúde
preventiva, formação dos meninos, formação dos educadores, esporte e lazer, ati-
vidades culturais, trabalho com agricultura, criação de animais, convivência com
a comunidade e restabelecimento do vínculo familiar.
A proposta pedagógica da chácara é, na sua essência, de reabilitação, não dos
meninos, mas da sociedade. Sendo assim, possuem alguns lemas, sendo um deles:

Se a rua é destruição, a chácara é solução!

Atividades com as crianças e


adolescentes
Escola
Sendo a educação uma aliada no resgate da cidadania das crianças e ado-
lescentes, o projeto a tem como prioridade. Educadores acompanham o desenvol-
vimento escolar, além de programar atividades e visitas às escolas para encontrar
soluções que melhorem o desempenho dos alunos em sala de aula.
Os educadores desenvolveram uma programação de atividades na chácara,
priorizando o acompanhamento escolar e atividades pedagógicas. As atividades
foram programadas atendendo os meninos em contraturno escolar. Nesse proces-
so, o projeto conta com o apoio e acompanhamento da professora Eliane C. Alves
Précoma, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e de bolsistas coordenados
por esta professora, que desenvolveram algumas atividades com os meninos vi-
sando descobrir as principais dificuldades de aprendizagem.

Pedagógicas
Os educadores promovem atividades lúdicas, educativas e esportivas com
os meninos, visando a um melhor rendimento escolar, formação para a construção

83
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

da sua cidadania e fortalecimento dos vínculos de convivência com a comunida-


de. Os temas são escolhidos em reuniões de educadores. As atividades envolvem
o uso do teatro, música, cartazes, textos, vídeos e outros recursos. São realizadas
atividades pedagógicas de formação e lazer, abordando temas como família, con-
vivência, saúde, entre outros.

Chácara
Além dessas atividades pedagógicas, há algumas atividades cotidianas na
chácara, com o objetivo de uma “educação pelo trabalho”, em harmonia com a
natureza e respeito pela vida. Entre as atividades está o cuidado com a granja,
que tem capacidade de criação de nove mil frangos por um período de 45 dias,
cultivo de grãos, além do cuidado com os outros animais, pomar, jardim, horta,
apiário, aviário e também construção de alguma obra necessária para a melhoria
da chácara. Em algumas atividades, só trabalham os educadores e maiores de 18
anos conforme a portaria SIT/TEM n.º 6.

Lazer
Dentro da proposta da Fundação, o lazer é parte fundamental no combate às
drogas, ocupando os meninos fisicamente e mentalmente, com diversas atividades
esportivas, lúdicas e culturais. Entre as atividades de lazer, as atividades lúdicas
são peças fundamentais no desenvolvimento da proposta pedagógica da chácara e
acontecem de forma programada ou espontânea, que o próprio grupo cria e recria.
São realizados, também, passeios pela comunidade com o intuito de lazer e apro-
ximação. Há atividades de esporte e comemoração de aniversários.

Comunidade
Para que esses meninos estejam inseridos na comunidade, os membros da
chácara nunca deixaram de participar das atividades da vida religiosa, social e
política da comunidade, assim como convidam as pessoas da comunidade para
participar de atividades do Projeto. Inclusive muitas delas são voluntárias.

Formação
Os educadores e voluntários têm a preocupação de realizar atividades de
lazer e formação separadamente para que tenham uma melhor visualização de sua
prática no dia-a-dia da chácara, podendo assim se avaliar, capacitar e programar
as atividades. Grande parte das atividades são destinadas à formação de consci-
ência, para que tenham noção da realidade a qual estão inseridos e o que preci-
sam fazer para transformá-la, e também com acompanhamento psicológico, para
melhorar o aprendizado e a convivência em grupo dos meninos. No processo de
formação, a Fundação conta com o apoio de parceiros como a Universidade Fe-
deral do Paraná (UFPR) e a Universidade Católica do Paraná (PUC). Mais uma
maneira encontrada de aproximar a Universidade da comunidade. A formação

84
Os meninos de Quatro Pinheiros: construindo o futuro

tem por objetivo ser um momento de reflexão, avaliação e construção da prática


educativa, na qual os educadores possam repensar seu trabalho intensivo, cons-
ciente, criativo, comunitário e comprometido com a realidade social.
Além disso, há também as atividades culturais, como aulas de teatro e mú-
sica. Os meninos, junto com os educadores e voluntários, mantêm toda a organi-
zação e atividade das casas. A Fundação também se preocupa com a formação
profissional desses meninos e promove cursos profissionalizantes.
Com o objetivo de possibilitar o restabelecimento do vínculo familiar dos
meninos com suas famílias, o projeto inclui um trabalho com essas famílias, por
meio de visitas domiciliares às famílias, visitas das famílias na chácara e reali-
zação do Encontro de Formação das Famílias na chácara. Nesses encontros são
sempre debatidos temas que possam ajudar na reintegração.

Histórias de nossas vidas


Em 1999, a Fundação editou o livro Histórias de Nossas Vidas: Os Meninos
de Quatro Pinheiros – com a participação de 34 meninos e coordenação de Fer-
nando Francisco de Gois e da jornalista Teresa Urban.
O projeto do livro teve início em 1994, quando os meninos da chácara co-
meçaram a produzir os textos para contar as suas histórias, avanços e aprendiza-
dos no projeto. Na palavra dos organizadores
Este livro nasceu da caminhada coletiva de um grupo de ex-meninos de rua, que tiveram
trajetória de vida marcada duplamente: abandonados pela família e pela sociedade. É um
documento que registra de forma contundente a caminhada de sofrimento desses meni-
nos – como todos os outros que ainda estão na rua – à procura, simplesmente, de uma
oportunidade na vida.

Todos os textos foram elaborados individualmente e, de acordo com o coor-


denador, para evitar qualquer tipo de problema já que contam histórias da rua que
contêm dados de violência e repressão. A escolha foi por ser de autoria coletiva.
O livro foi dividido em quatro capítulos com o Antes da Rua, quando
ainda viviam com as suas famílias; Na Rua, todas as vivências, Algumas Expe-
riências e, finalmente, a Chácara, incluindo os tópicos: Escolha, Razões para
Ficar, Longe das Drogas, Trabalho, Convivência, a Comunidade de 4 Pinheiros,
a Escola e o Futuro.
Veja a seguir uma pequena amostra do que foi produzido pelos meninos da
Chácara Quatro Pinheiros:

Na rua
“Na rua, começaram a morrer muitos amigos meus, com policiais e ma-
tadores de aluguel também. A gente não podia mais dormir em paz, tinha
muitos sonhos com morte, com os policiais batendo, atirando na gente. Não
dava para dormir bem, a gente ficava pensando: que tal que eles pegassem a

85
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

gente nos mocós? Eles acordavam a gente na base da porrada, depois levavam
no camburão pra delegacia.”
“Minha vó bebia, meu pai bebia também, eu ficava sozinho em casa. Aí
eu comecei ir pra rua, comecei a ficar um dia, dois dias na rua. Fiquei uma
semana e tive medo de voltar pra casa, medo de apanhar do meu pai. Aí fiquei
na rua, me juntei com os piás na rua e comecei a cheirar cola, e comecei a
conhecer muitos meninos de rua.”
“Na rua, os piás me batiam e me roubavam, me chamavam pra roubar. Se
eu não fosse, me obrigavam a pedir as coisas pra eles. Só roubei uma vez, por-
que se os policiais pegassem, pensavam que a gente era de maior e atiravam.”

Razões para ficar


“Hoje eu me sinto muito feliz de estar na chácara, morando e ajudando.
Eu estudo e trabalho. Quero agradecer muito essa oportunidade de estudar, de
trabalhar, de ter um lar, que eu nunca tive em lugar nenhum, nem na minha
casa, nem na rua. Hoje, eu tenho uma família, amigos, não preciso mais ser pi-
sado, chutado, discriminado, não preciso mais correr risco de morrer drogado
ou de policiais, não corro risco de ir preso.”
“Os meninos ficam na chácara porque aqui é um lugar onde tem muita
natureza, rios, árvores e muitos animais. Também por causa do sossego. Aqui
não tem muito barulho e a gente pode dormir mais sossegado, sem ter medo de
ladrões ou de outra coisa. Aqui é um lugar muito bom de se morar.”

Convivência
“Gosto das pessoas que nos ajudam, Tia Lu e as pessoas que trazem comida
para nós. As pessoas que trazem roupas e carne para nós. Gosto daquele homem
que vai nos levar para a praia, tomara que dê certo, para a gente ir para praia e
para o Rio de Janeiro.”
“Na convivência, existem alguns palavrões, mas são normais, nós resolvemos
entre nós mesmos. Mas nós também não fazemos só coisas ruins, como fazemos
coisas boas. Nós colaboramos nas brincadeiras, nas atividades, nas gincanas etc.”
“Somos em 20 meninos nas casas, temos 3 casas, duas para meninos e uma
para visitas que vem dormir aqui. Não mora nem uma menina aqui, mas quem
sabe no futuro.”

A Embaixadora da Unicef no Brasil,


Daniela Mercury, faz a apresentação do livro,
do qual retratamos um trecho:
Ler este livro é conhecer muitas dores e profundos sofrimentos que estendem à nossa
frente todo tipo de injustiça e omissão, inclusive a nossa. Porém, este mesmo livro, além
de nos apontar a responsabilidade que temos diante da nossa sociedade, é uma grande
fonte de vida e força. A capacidade que os autores têm de enfrentar as suas histórias e,
assumindo-as serem autores, sujeitos de transformação, é exemplo da verdadeira dignida-
de humana, e nos fazem repensar a vida, nos ajudando a recolocar ‘as coisas no seu devido

86
Os meninos de Quatro Pinheiros: construindo o futuro

lugar’. O que quero dizer, e que as histórias nos mostram, que é preciso direcionar nossas
atenções para o que é essencial, para a felicidade de todos nós, ou seja, nós mesmos, todos
nós [...] O trabalho desenvolvido na Fundação Educacional Meninos e Meninas de Rua
Profeta Elias demonstra a crença no ser humano. (1999, p. 11)

Relatos
Júlio Cezar de Oliveira
“Primeiramente, meu nome é Júlio Cezar Oliveira. Minha história foi
como a de muitas crianças de hoje em dia. Família pobre, pai alcoólatra, entre
outros problemas. Então vou contar um pouco da história da minha vida. Mi-
nha infância poderia ser igual a de muitas crianças, que brincam, estudam e
recebem carinho e amor da família, porém não tive nada disso.
Comecei a trabalhar muito cedo. Com cinco anos de idade eu já estava
nas ruas vendendo doces para ajudar a minha família. Meu pai bebia muito e
quando chegava em casa batia em todo mundo. Na época eu tinha dois irmãos
mais velhos que de tanto apanharem de fio de luz e varas de marmelo, acaba-
ram fugindo de casa e indo morar nas ruas.
Eu nunca recebi um presente do meu pai, aliás ganhei sim uma caixa para
vender doces, trabalhando todos os dias. Às vezes eu estava no centro ven-
dendo doces e acabava gastando um pouco do dinheiro em jogos eletrônicos e
quando eu chegava em casa e meu pai percebia que estava faltando dinheiro,
ele já pegava o fio de luz e me batia. Depois ele mandava eu tomar banho no
tanque e ir dormir.
Certo dia eu estava vendendo doces no centro e já era tarde da noite. Eu
estava no centro já fazia dois dias porque eu tinha gastado o dinheiro de venda
e eu estava tentando recuperar o dinheiro pedindo, quando um menino que me
conhecia por causa dos meus irmãos que moram na rua, me deu uma notícia.
Ele me disse que um dos meus irmãos que era conhecido na rua por “Kiki”
tinha levado um tiro no Parolin e havia morrido. Eu fiquei meio sem saber o
que fazer, mas fui embora para avisar minha mãe do que tinha acontecido.
Quando eu estava chegando em casa, eu vi que tinha alguns carros em frente
de casa e muitas pessoas. Eu sem saber o que estava acontecendo entrei em
casa e quando olhei no centro da sala, vi meu irmão que tinha apenas 11 anos,
morto em um caixão.
Ele havia levado um tiro de outro adolescente e acabou não agüentando e
morrendo. Na verdade quando o menino me deu a notícia já fazia um dia que
ele havia morrido. Eu tinha sete anos quando isso aconteceu.
Depois de alguns dias, minha rotina voltou ao normal, eu já estava no
centro vendendo doces. Certo dia eu e meu primo fomos para o centro jun-
tos com o objetivo de ficar morando nas ruas. Na rua nós não conhecíamos
nenhum tipo de drogas e não tínhamos nenhum tipo de amigo, mas isso não
durou muito tempo e em poucos dias nós já estávamos usando drogas e rou-
bando. No começo só drogas mais leves como esmalte e cola. Depois de um

87
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

certo tempo, isso não era mais o suficiente e passamos a usar outros tipos.
Na rua, a nossa rotina era roubar para comprar drogas e comida. Na rua
havia várias coisas boas e ruins. As boas eram que eu tinha liberdade e podia
conseguir as coisas que eu não tive quando morava com a minha família. Mas
por outro lado, a rua também tinha seus perigos e eu tinha que conviver com
as duas coisas, a liberdade e o medo da violência os meninos maiores e, prin-
cipalmente, pela polícia que usava de muita violência.
Na rua, eu não tinha horário para dormir, nem para acordar. Às vezes,
eu não conseguia dormir de frio ou de fome. Às vezes, passava a noite inteira
acordado, por medo de dormir e não acordar mais.
Foram três anos perambulando pelas ruas de Curitiba, comendo restos de
comida encontradas no lixo, correndo de policiais. Um dia, eu estava no centro
com outros amigos e chegou uma mulher, conhecida por tia ‘Lú’. Ela começou
a conversar com nós e nos contou sobre uma chácara onde moravam crianças
de rua. Ela nos convidou para conhecer o lugar e nós aceitamos.
Passamos um final de semana e, no final, nós queríamos ficar, mas não
havia vagas no momento porque eles estavam construindo uma outra casa que
seria para nós ficarmos.
Voltamos para a rua de novo e depois de algum tempo voltamos para a
chácara. Ajudamos a terminar a construção da casa nova e passamos a morar
nela.
Quando eu vim para a Chácara para morar, eu estava com 11 anos, e foi a
partir daí que a minha vida começou a mudar. Eu comecei a estudar e voltei a
ter contato com a minha família também, por que quando eu cheguei na chá-
cara eu não sabia ler, nem escrever o meu próprio nome.
Comecei a estudar em uma escola que tinha aqui mesmo na comunidade,
entrei na primeira série e no começo foi um pouco difícil porque eu era um dos
maiores da sala e eu ficava com vergonha, mas depois acabei me acostumando
e terminei as séries iniciais com 15 anos.
Depois, por causa da minha idade, fiz supletivo de 5.ª a 8.ª série e en-
tão entrei no Colégio para terminar as três últimas séries do segundo grau.
Quando terminei o segundo grau, o Fernando meu orientou para eu prestar
vestibular.
No começo eu não sabia exatamente o que fazer e acabei fazendo ves-
tibular para o curso de Letras. Fiz vestibular em quatro instituições e passei
em três. Cursei por um ano Letras na PUC. Quando eu estava estudando Le-
tras, eu consegui um estágio na Fazenda Experimental da PUC. Fiz o estágio
na área administrativa por dez meses. Este estágio foi muito importante para
mim porque eu acabei vendo que Letras não era realmente o que eu queria
fazer e o estágio me ajudou para a escolha do novo curso. Prestei vestibular
novamente na mesma instituição e passei para o curso de Administração, o
qual estou cursando hoje.
Todas essas coisas que acabaram acontecendo na minha vida, eu devo às
pessoas que apostaram em mim e me ajudaram a chegar onde cheguei. Hoje

88
Os meninos de Quatro Pinheiros: construindo o futuro

estou com 20 anos, trabalho como educador na Chácara e sou muito feliz e
grato a todas as pessoas que me ajudaram e me ajudam até hoje.
Na Chácara eu superei o passado e estou construindo o meu futuro com a
ajuda das pessoas da Chácara e da minha família.”

Adriano Bueno de Andrade


A minha história começa a partir de 1992, quando eu tinha nove anos e
estava estudando na 2.ª série do primário e foi quando eu conheci o Ozélio e
nos tornamos amigos. Logo ele me convidou para irmos à cidade de Curitiba
pedir dinheiro. Como eu tinha muitos irmãos e a minha família sempre teve
muita dificuldade, eu pensei que poderia conseguir dinheiro para ajudar a mi-
nha família e aceitei o convite e comecei a faltar na escola. Mas meus pais não
sabiam que eu estava faltando e nem sabiam que ia à cidade de Curitiba pedir
dinheiro sozinho.
Quando meu pai descobriu, me bateu bastante com uma vara de marmelo.
Após ter apanhado do meu pai, voltei a freqüentar a escola, mas meu pai bebia
bastante e chegava todos os dias bêbado em casa. Ele continuava me batendo
sem eu ter feito nada de errado e isso começou a acontecer continuamente. A
minha mãe brigava com ele por ter bebido e ter batido em mim e nos meus
irmãos sem motivo, mas ele não parava.
Como eu estava apanhando sem motivo, voltei a faltar na escola, mas des-
ta vez, não para ir à cidade de Curitiba pedir dinheiro e sim para jogar futebol.
Ele descobriu e desta vez me bateu de mangueira, que fiquei todo marcado.
No dia seguinte ele foi trabalhar e eu estava indo à escola, quando encontrei
o Ozélio que estava indo para Curitiba pedir dinheiro. Ele me convidou nova-
mente e eu aceitei.
Então, fomos para a cidade de Curitiba pedir dinheiro e nesse dia eu ti-
nha conseguido bastante, mas perdi a noção do tempo e quando fui perceber,
tinha perdido o último ônibus. Mas como o Ozélio tinha posado fora de casa
várias vezes, comentou que daria para nós dormir no terminal do Boa Vista.
No outro dia só fui para a casa à noite. Cheguei e dei todo o dinheiro que eu
tinha conseguido para a minha mãe e neste dia minha mãe não deixou meu
pai me bater.
Após eu ter conseguido bastante dinheiro eu deixei de ir para a escola
e comecei a ir todos os dias pedir dinheiro. Um certo dia eu e o Ozélio está-
vamos andando de ônibus quando nós dois fomos para o terminal do Portão
e encontramos o Buiu. Como nós não conhecíamos o Buiu, tomamos o seu
dinheiro e continuamos a andar de ônibus pelos terminais. Eu e o Ozélio não
fomos para casa durante três semanas. Dentro dessas três semanas voltamos a
encontrar o Buiu, mas não tiramos o seu dinheiro. Então ele virou nosso ami-
go e nos ensinou a cheirar cola e fumar maconha. Eu, como já tinha fumado
cigarro que eu pegava do meu pai escondido, foi mais fácil fumar maconha

89
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

que cheirar cola. Eu e o Ozélio só voltamos para casa porque o seu pai havia
falecido.
Chegando em casa, minha mãe estava trabalhando e só encontrei o meu
pai que me bateu bastante. Só esperei ele sair e fugi de casa, mas desta vez não
voltei durante vários dias e então meu pai começou a me procurar pela cidade,
mas quando eu o vi, eu me escondia ou corria dele. Durante várias vezes meu
pai e minha mãe, me encontraram e me levaram para casa, só que eu fugia no
dia seguinte. Após passar um ano que já estava fora, eu já tinha aprendido a
fumar e roubar.
Durante dois anos e meio que fiquei na rua, roubei e cheirei cola, fumei
maconha, cheirei branca, apanhei dos policiais, fui discriminado, passei fome.
Os policiais já fizeram eu roubar para eles dizendo que se eu não roubasse, eles
me bateriam e me levariam preso. Em 1995, eu conheci a Luciani, educadora
de rua, e ela comentou que havia uma chácara onde eu e os meus amigos de
rua poderíamos morar. Nós ficamos muito felizes.
Mas eu e os meus amigos ficamos durante um ano indo passear no sábado
e domingo e após passar os dois dias tínhamos que voltar à rua porque não
tinha vaga para nós ficarmos.
Neste ano, surgiu a idéia dos meninos que já moravam na chácara, em
construir mais uma casa. Quando a casa começou a ser construída nós, me-
ninos de rua, vínhamos para ajudar durante alguns dias, mas nós tínhamos
que voltar para a rua e não sabíamos se até a casa ser terminada, estaríamos
vivos.
No mês de dezembro, quando vimos para visitar a chácara, estávamos em
um número grande e estava muito frio. Não queríamos mais morar na rua, e
então ficamos na chácara sem a casa estar terminada.
Durante todo esse tempo que eu estou na chácara, eu agradeço muito ao
Fernando e à chácara por ter-me dado a oportunidade de mudar de vida. Hoje
muitos dos meus amigos que passaram pela chácara e que estavam na rua já
estão mortos. Eu poderia estar morto também, mas quando fui para a chácara,
fui para mudar de vida.
Quando cheguei na chácara comecei a estudar e treinar futebol no Paraná
Clube. Antes de eu chegar na chácara e começar a treinar neste Clube, eu já
tinha jogado durante seis meses no Paraná Clube, onde tentei jogar futebol,
que é o meu sonho.
Depois de voltar a treinar, tentei realizar novamente o meu sonho. Treinei
um ano no Paraná e fui para o Coritiba, onde disputei o campeonato metropo-
litano juvenil. Um professor então me convidou para jogar no Sub-Urbana.
Quando eu tinha 17 anos, foi até a chácara uma voluntária da Espanha e
um amigo do Fernando chamado Giovane, que estava fazendo doutorado na
Espanha. Eles conheciam um diretor do Barcelona chamada Basque que falou
que tinha uma possibilidade de eu e o Anderson irmos para a Espanha fazer
um teste em alguns clubes de futebol, o Catalunha e o Barcelona.
Eu e o Anderson chegamos a ir a São Paulo assistir um jogo da seleção da
Polônia para conversar mais com o Basque sobre a nossa ida para a Espanha,

90
Os meninos de Quatro Pinheiros: construindo o futuro

mas nós dois tínhamos que esperar o Barcelona fazer um centro de treinamen-
to para garotos que iam fazer testes no Clube. Como estava demorando, eu
tinha um amigo que seu pai era empresário e eu fiz contrato com ele de dois
anos e fui jogar futebol em Blumenau no Clube Real Blumenau, onde fiquei
quatro meses e meio jogando futebol.
Mas como o empresário prometeu me pagar R$ 350,00 por mês e não pa-
gou e o Clube estava falido, eu estava passando até fome e já tinha emagrecido
3,5 Kg, voltei para a Chácara estudar e fazer o ensino médio. Fiz vestibular de
Ciências Contábeis na PUC e passei. Hoje, estou estudando na PUC e traba-
lhando em uma empresa de Engenharia Elétrica chamada Elco Engenharia de
Obras Elétricas Ltda. Com o meu trabalho já comprei um terreno e pretendo
começar a fazer minha casa no final do ano. Depois, quero ter uma família,
me formar em Ciências Contábeis para ter tudo o que eu não tive na minha
infância e até, se puder, ajudar os meus pais e a chácara e as pessoas que pre-
cisam.
Ainda não perdi as esperanças de ser jogador de futebol, porque ainda eu
jogo futebol de salão e campo e quem sabe pode aparecer uma oportunidade.
Posso tentar realizar um sonho que tenho desde quando eu morava na rua e até
agora não tive chance de realizar.

Histórias como as do Júlio Cezar e do Adriano só tiveram um outro final porque existem pessoas
inconformadas com a situação desses meninos, interessadas capazes de transformar a realidade. Percebe-
mos, com este projeto, que é possível sim mudar alguns finais e evitar outros começos, mas esse trabalho
precisa ser feito em grupo, pois nas palavras do próprio Fernando e da jornalista Teresa Urban:
A principal lição que a experiência dos meninos nos dá é de que a luta para mudar esta situação tem de ser em
grupo, em mutirão e o grito da organização, justiça, igualdade e solidariedade tem de ser em conjunto para al-
cançar os vários setores da sociedade e acordar quem continua dormindo, simplesmente assistindo o sofrimento
dos meninos de rua [...] Os meninos que Quatro Pinheiros querem mostrar para o mundo é que a vida é bela, que
devemos continuar sonhando e lutando por justiça. Que enquanto existir uma criança na rua, nossa sociedade é
podre e injusta, e ninguém tem o direito de ficar sossegado. (1999, p. 15 e 17)

De acordo com Olympio, o êxito deste projeto surge em três grandes eixos.
O primeiro diz respeito à observância das reais necessidades de crianças e adolescentes, as quais envolvem ne-
cessidades que as unem em uma mesma realidade e necessidades específicas de cada criança, surgidas a partir de
sua trajetória de vida. O segundo, ao fazer conjunto a partir dessas necessidades, e o terceiro, ao conhecimento
possibilitado pela comunicação. (1999, p. 124)

A Chácara dos Quatro Pinheiros nos faz lembrar daquela história do homem que estava devolven-
do todas as estrelas que encontrava na praia para o mar. Um outro homem viu o seu ato e disse a ele:
– O que você está fazendo? Você acha mesmo que salvará todas as estrelas? Isso é bobagem.
O homem que ajuntava as estrelas parou, olhou para ele e disse calmamente:
– Com certeza, eu não vou conseguir salvar todas as estrelas, mas para aquela que eu devolver
vai fazer diferença.
91
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

São iniciativas como essas, que partem não apenas de soluções para proble-
mas, mas gestos de humanidade é que fazem diferença na vida de alguém, e como
dizia John Lennon “você não muda o mundo, mas é um a menos que erra”.
Nas palavras de Fernando Francisco de Gois e Teresa Urban: “Na Chácara,
os meninos demonstram, todos os dias, que criança nunca foi problema. Criança
é sempre solução para a Humanidade” (1999, p. 17).
Para finalizar a nossa aula, deixamos um trecho do poema Mãos Dadas, de
Carlos Drummond de Andrade, que com palavras sábias reflete o pensamento do
trabalho que vem sendo feito pelo Projeto.

Mãos Dadas
[...]
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
[...]
O tempo presente é a minha matéria, o tempo presente,
os homens presentes, a vida presente.
(DRUMMOND, 2002)

92
Programa Educacional de
Apoio à Inclusão no
Mundo do Trabalho
Elair Hasselman de Bastos
Ivelir Neiverth
Marli Kaczmarek

Contextualização

D
ados os limites de espaço/tempo necessários a que estamos permanentemente condicionados
nas diversas situações da vida humana, apresentaremos alguns recortes históricos, compilan-
do, socializando informações e procurando estabelecer as relações necessárias com aspectos
considerados em sua dimensão mais ampla, a fim de compreendermos o processo de Inclusão de Pes-
soas com Necessidades Especiais no Mundo do Trabalho que vem continuamente sendo construído e
re-construído no Município de Araucária, Região Metropolitana de Curitiba.
Mantida pela Prefeitura Municipal de Araucária, por meio da Secretaria Municipal de Educação
(SMED) – Departamento de Educação Especial, a Inclusão de Pessoas com Necessidades Especiais
no Mundo do Trabalho, em sua concretização, vem expressando uma história de inúmeras ações que
podem ser desenvolvidas no conjunto da socie­dade e que colaboram efetivamente para a construção
da autonomia dos sujeitos com necessidades especiais, bem como, apontando continuamente para a
necessidade de uma apreensão cada vez mais aprofundada no que se refere à Inclusão no Trabalho.
Diante disso vale lembrar que:
Os Centros de Reabilitação Vocacional Americanos, especialmente da Califórnia, contam com a Engenharia da
Reabilitação, um campo específico da Engenharia responsável pelos grandes e sofisticados avanços tecnológicos
voltados para a adaptação ergonômica (ramo da engenharia que se dedica à adaptação do meio ambiente ao ho-
mem) da Pessoa com Necessidades Especiais ao trabalho. (ALOISI, 2000, p. 169)

No Brasil, sob o ponto de vista sociológico, as pessoas com necessidades especiais permane-
ceram por muito tempo à margem da participação no sistema econômico, político e social, sendo
que somente a partir da década de 70 é que algumas iniciativas começaram a ter a noção de inclusão
social. No entanto, faz-se necessário avançar no sentido de se direcionar uma nova abordagem orga-
nizacional que proponha mais amplamente a adequação do trabalho às condições físicas, mentais e
outras, no que se refere às condições das pessoas e não o inverso disso, como ainda é comum e que,
por vezes, apresenta mais relação com o processo de integração (Conquista) do que com o processo
de inclusão (Direito-Cidadania).
No Paraná, a iniciativa de alguns setores, dos serviços de Educação Especial e outros, vem gra-
dativa e paulatinamente promovendo a inclusão das pessoas com necessidades especiais no mundo
do trabalho, embora percebamos que, em alguns casos, a tônica central refere-se exclusivamente a
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

atender a demanda e a lógica do Mercado de Trabalho como o principal proble-


ma, desvinculando-se de um processo histórico de exclusão em todos os demais
setores e, principalmente, da construção da própria subjetividade (auto-imagem),
que se constrói nas múltiplas e infinitas relações: consigo, com os outros, com os
objetos de conhecimento, enfim com o mundo circundante.
Em Araucária, o conceito e a prática inclusiva vêm sendo discutidos e tra-
balhados em diversos setores da sociedade, principalmente aqueles direta ou indi-
retamente vinculados à Secretaria Municipal de Educação (SMED), mais especi-
ficamente ao Departamento de Educação Especial.
Importa dizer que muitos são os limites a serem superados, pois pensar que
o acesso de pessoas com necessidades no mundo do trabalho depende apenas da
ruptura de barreiras arquitetônicas, atitudinais ou adaptações de ergonomia seria
um modo ingênuo de pensar e agir. Para se tornar uma realidade verdadeiramente
inclusiva, muitos são os desafios.
Até meados dos anos 90, o conceito que se tinha de inclusão de pessoas com
necessidades especiais no mundo do trabalho, em Araucária era de uma turma
que passava a ter aulas de artesanato e técnicas manuais numa sala adaptada.
Conforme Tomazini:
Historicamente a educação especial tem dado privilégio, em suas práxis pedagógica, ao
trabalho manual em detrimento do trabalho intelectual, ao submeter o indivíduo chamado
deficiente às formas mecânicas de produção, visando exclusivamente à aquisição de com-
petências manuais para a execução de tarefas simplificadas. Reduzindo este indivíduo ao
“fazer”, tão-somente deixam de ser mobilizados mecanismos de apropriação da riqueza
do mundo social, cultural e do desenvolvimento da competência política. [...] Separando o
trabalho manual do trabalho intelectual, ao deficiente restou o “fazer” decretando-se as-
sim a morte do aparelho mental, em benefício de uma determinada organização e divisão
de trabalho. As linhas de montagem e fragmentação em série, a realização de partes de
um determinado produto, impediram e impedem a apropriação do saber, pelo trabalhador
deficiente, sobre o produto final e total de seu trabalho. A maioria desses trabalhadores
ignora sobre o sentido de coletividade, a competição individualista (ganhar por produção)
aprofunda a solidão e a anulação do aparelho mental, anula resistências. (TOMAZINI
apud BATISTA, 1997)

Convém salientar que essa prática vem sendo redimensionada no sentido de


que a Educação Especial e outros segmentos envolvidos de forma mais explícita
com a sociedade inclusiva repensem cotidianamente sua função social.
De certa forma, vários fatores influenciaram e ainda, em muitos casos, per-
sistem em reforçar as dificuldades de acesso, permanência e promoção das Pes-
soas com Necessidades Especiais no Mundo do Trabalho e nos demais espaços
sociais e que precisam ser superados:
concepção de mundo capitalista que privilegia a eficiência e o lucro;
postura assistencialista;
resistência no que diz respeito à autonomia dos sujeitos com necessida-
des especiais sendo, muitas vezes, percebidos como eternas crianças;
dificuldade de qualificação profissional;

94
Programa Educacional de Apoio à Inclusão no Mundo do Trabalho

desconhecimento por parte de algumas empresas, das potencialidades


das pessoas com necessidades especiais, necessitando de “referencial”,
“espelho” para manifestar uma ação afirmativa de Inclusão;
herança histórica que enfatiza a diferença, a incapacidade em detrimento
das potencialidades, construindo-se redes de relações de dependências;
práticas de cidadania, educação e outros que são ainda dependentes da
implantação e implementação de Leis, Decretos e outros;
desconhecimento, pela população e sociedade de modo geral, da neces-
sidade e importância da Educação como ideal de vida;
reduzidas parcerias e alianças estratégicas entre órgãos afins em torno de
um objetivo em comum;
contradições entre: Potencialidades Necessidade (vagas) das
Empresas Escolaridade Qualificação Profissional;
“exigências” (de algumas empresas) muitos além ou muito aquém das
reais condições, dificultando o acesso;
condições concretas de vida que acabam influenciando e, muitas vezes,
condicionando pessoas com necessidades a pleitear um “emprego” in-
dependentemente de suas próprias expectativas, desejos, necessidades e
outros tantos fatores que ainda hoje precisam ser superados.
Vale dizer que, nesse processo de inclusão, conceitos como o de usar a lin-
guagem da empresa para maior aproximação foram e continuam sendo necessá-
rios, em contrapartida podemos dizer que:
Igualmente é necessário interceder junto ao empregador tornando-o um elemento ativo e
pertencente ao processo de profissionalização de pessoas com deficiência. O envolvimen-
to do empregador deve ser rea­lizado e mantido por meio de estratégias que nada tenham
a ver com atitudes paternalistas ou caritativas. Se as ações voltadas para a extinção do
estigma mantiveram tal conotação, nem o empregador estará sendo exposto a uma abor-
dagem que considera a realidade empresarial em que ele se insere, nem estaremos falando
na linguagem dele. Tampouco a imagem da pessoa com deficiência será transformada e
suas verdadeiras potencialidades permanecerão desconhecidas pela sociedade em geral.
(ALOISI, apud QUEVEDO, 2000)

Nesse aspecto, conscientizar o empregador em relação às possibilidades das


pessoas com necessidades especiais dependia, em grande escala, de candidatos
preparados que “provassem” aquilo que eles eram capazes de fazer, perspectiva
essa ainda presente nos dias de hoje, em vários segmentos da sociedade.
No período de 1997 a 2000, em Araucária, o trabalho de inclusão no traba-
lho foi direcionado para a elaboração de materiais, criação de recursos didáticos
e outros, visando, mais especificamente, à preparação dos alunos para uma parti-
cipação mais efetiva na sociedade onde, a cada nova contratação, detalhes novos
surgiam. Assim, o significado da inclusão de pessoas com necessidades especiais
foi se concretizando. No entanto, ainda era restrito a nove pessoas com neces-
sidades especiais na área auditiva, devido ao empenho e preocupação com essa
questão (em seu sentido mais amplo no conjunto da sociedade) de apenas uma das
profissionais do Centro de Atendimento Especializado em Deficiência Auditiva.
95
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

A partir de 2001, uma série de circunstâncias veio a favoreceram a política


social de inclusão no Município de Araucária, bem como, um maior envolvimento
dos diversos segmentos da sociedade. Pois, a atual gestão pública do Município,
agregando valores e assumindo uma atitude inclusiva, política e socialmente res-
ponsável, por meio do Departamento de Educação Especial (SMED), efetivou um
planejamento estratégico no qual levantava os principais problemas, sintomas,
causas e mapeamento dos atores do processo de inclusão. A partir disso, atenden-
do a uma demanda existente e compreendendo a inclusão no mundo do trabalho
como uma questão de cidadania, de respeito à diversidade, de responsabilidade
social e, principalmente, como uma política pública de planejamento em direitos
humanos, intensificou as ações nesse contexto, planejando, articulando e implan-
tando o Programa Educacional de Apoio à Inclusão no Trabalho.

Função social do Programa Educacional


de Apoio à Inclusão no Trabalho
Para cumprir com sua função social, no sentido de promover e ampliar o
processo de inclusão no trabalho direcionado a três frentes de atuação que envol-
vem o acesso, permanência e promoção das pessoas com necessidades especiais
nas áreas visual, auditiva, múltipla, física e mental. Importa ressaltar que ocorre
um desdobramento de novas ações que ampliam gradativamente os espaços de
inclusão social, conforme quadro ilustrativo que segue:

Processo de construção e transformação


Pessoas com
necessidade especiais

Prefeitura Municipal de Araucária SMED


Empresas
– Departamento de Educação Especial
(Comércio e Indústria)
SMAS – Agência do trabalhador

Famílias Secretaria de Estado Emprego, Trabalho e


Promoção Social – PPD

Escolas Centro de Integração Empresa-Escola-


CIEF/PR

Demais segmentos Sociais?


Câmara Municipal
SENAC, SENAIS, SEED...

96
Programa Educacional de Apoio à Inclusão no Mundo do Trabalho

Sabemos, todos, que para dar conta de quaisquer atividades, qualquer que
seja sua dimensão, vários são os limites, os desafios, as contradições e os aspectos
diretos e indiretos que estão envolvidos no processo. Nesse sentido, o que pode fa-
zer diferença diz respeito, entre outros, ao grau de consciência social que cada so-
ciedade assume, bem como ao potencial existente para superação e enfrentamento
desses aspectos em torno das possibilidades que se revelam no cotidiano das ativi-
dades e que, como um dos resultados, revertem-se em melhorias da qualidade de
vida (humanização) para todos: pessoas, empresas, comunidade de modo geral.
Evidentemente que, para cumprir com sua função social, o Programa Edu-
cacional de Apoio à Inclusão no Trabalho constitui suas bases de respaldo em dois
princípios essenciais, que dizem respeito aos fundamentos teórico-práticos e aos
dispositivos legais, que encontram-se, prioritariamente, num processo de interde-
pendência, a Educação e o trabalho.

Educação e trabalho:
uma discussão necessária
Partindo da premissa de que a inclusão de pessoas com necessidades espe-
ciais no mundo do trabalho pressupõe, a princípio, inclusão em todos os espaços
e, principalmente no mundo da escola, convém que façamos uma breve retomada
sobre a especificidade dessa, bem como limitando-se ao contexto específico a que
se direciona o presente trabalho.
Considerando, portanto, o momento histórico atual ainda registrado pelas
desigualdades que agravam, cada vez mais, as condições sociais, culturais, polí-
ticas, entre outras, e, enfatizando a função primeira e universal da escola, que é a
apropriação dos conhecimentos construídos no decorrer da história e que promo-
vem a humanização do ser humano, vale enfatizar que o ato de conhecer implica
também num processo que, para além dos direitos, todos deveriam ter acesso
às condições básicas para educar-se/humanizar-se, resultando progressivamente
num compromisso cada vez mais dinâmico e ético com o processo de democrati-
zação das relações.
Nesse contexto, faz-se necessário repensarmos contínua e permanentemen-
te o processo educativo enquanto construção do humano e que também se proces-
sa por meio do trabalho em todas as suas dimensões.
Tomando, então, o surgimento do trabalho e a formação da socie­dade tipi-
camente humana, com base no trabalho, torna-se primordial mencionarmos a uti-
lização e diferenciação de instrumentos e símbolos entre a atividade intencional
do homem e a atividade instintiva do animal:
Não estamos tratando agora aquelas primitivas formas instintivas de trabalho que nos
lembram o mero mundo animal. Pressupomos o trabalho de um modo que assinala como
exclusivamente humano. Uma aranha desempenha operações que se parecem com as de
um tecelão e envergonha muito arquiteto na construção de seu cortiço. Mas o que dis-

97
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

tingue o pior dos arquitetos da melhor das aranhas é que o arquiteto figura na mente sua
construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece
um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não trans-
forma apenas o material sobre o qual opera, ele imprime ao material o projeto que tinha
conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante de seu modo de operar e ao
qual tem de subordinar sua vontade. (MARX, 1973)

Com base nisso e num processo de contínua transformação, o grupo humano


criou e cria progressivamente formas diversificadas e elaboradas de sistemas de
comunicação que permitem sua ação no mundo, a partir de significados constru-
ídos socialmente. Significados esses que se transformam por meio das múltiplas
relações/ações reflexivas e contextualizadas nas quais a teoria ocupa um lugar de
destaque e nada mais é que a leitura da prática:
A teoria em si não transforma o mundo. Pode contribuir para a sua formação, mas para
isso tem que sair de si mesma e, em primeiro lugar, tem que ser assimilada pelos que
vão ocasionar, com seus atos reais, efetivos, tal transformação. Entre a teoria e a ati-
vidade prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências, de
organização dos meios materiais e planos concretos de ação; tudo isso como passagem
indispensável para desenvolver ações reais, efetivas. Nesse sentido, uma teoria é prática
na medida em que materializa, através de uma série de mediações, o que antes só existia
idealmente, como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação...
(VASQUEZ SÁNCHEZ apud SAVIANI, 1980)

Portanto, a transformação objetiva da prática apenas pode se dar partindo


da responsabilidade e participação de todos como agentes sociais ativos e reais,
em que a Educação (Especial Infantil Ensino Fundamental Médio
Superior), também se constitui como uma das alternativas da qual se dispõe
para a superação dos aspectos de fragmentação do saber, bem como superação
dos mecanismos de exclusão das chamadas minorias: pessoas com necessidades
especiais, índios, negros, homossexuais e tantos outros dessa forma considerados
em função de inúmeros fatores e porque, muitas vezes, trazem nos corpos alguma
característica que os diferencia do grupo aparentemente hegemônico.
Entretanto, todos sabemos que um processo educativo vinculado a uma teo-
ria e a uma prática condizente com a história da construção do saber e da constru-
ção dos espaços sociais nos revela a quem ele tem servido, de forma intencional/
histórica e que não poderia ser construído de forma espontânea.
Considerando, então, as relações sociais de dominação existentes em nossa
sociedade, podemos dizer que a contradição entre trabalho como work (execução) e
labour (atividade) também se faz presente no processo educativo, pois também para
nós educadores, a atividade pode tornar-se um simples meio de satisfação ao invés
de ser uma atividade na qual possamos construir níveis cada vez mais elaborados de
humanização; contudo, não podemos perder de vista que toda escolha e utilização
de uma ou outra possibilidade contém uma posição ético-política determinada:
A possibilidade não é a realidade, mas é, também ela, uma realidade: que o homem possa
ou não fazer determinada coisa, isto tem importância na valorização daquilo que realmen-
te fez. Possibilidade quer dizer “liberdade”. A medida da liberdade entra na definição de
homem. Que existam as possibilidades objetivas de não se morrer de fome e que, mesmo
assim, se morra de fome, é algo importante, ao que parece. Mas a existência das condições
objetivas – ou possibilidades, ou liberdade – ainda não é suficiente: é necessário “conhe-
cê-las” e saber utilizá-las. Querer utilizá-las. O homem, nesse sentido, é vontade concreta,

98
Programa Educacional de Apoio à Inclusão no Mundo do Trabalho

isto é, aplicação efetiva do querer abstrato ou do impulso vital aos meios concretos que
realizam essa vontade. (OLIVEIRA, 1996)

Ora, conhecer, utilizar, querer utilizar as possibilidades existentes implica


em diversos fatores e, fundamentalmente, nas oportunidades concretas da ativi-
dade vital que é o trabalho, pois este se constitui em uma via de inclusão social e
profissional: “O homem pode viver na medida apenas em que produz os seus meios
de subsistência, e só pode produzi-los na medida em que se encontre na posse de
meios de produção, na posse das condições objetivas do trabalho” (MARX, 1973).
Isto posto, importa dizer que o trabalho é uma necessidade a todas as pes-
soas. No entanto, surgem ainda inúmeros fatores impe­ditivos e nos defrontamos
cotidianamente com aspectos que ainda não dão conta da diversidade. Precisamos
planejar e articular políticas e ações nos setores público, privado e na sociedade
civil que trabalhem pelo reconhecimento de identidades específicas. Não obstan-
te, que fortaleçam, em algumas situações, o processo de “guetização” percebido
e fortalecido pelas próprias minorias na busca pela afirmação da identidade cons-
truída e que tendem a ser avidamente desrespeitados, necessitando ainda de um
porta-voz.
Diante disso, nos deparamos com uma questão: Quando seremos “todos”
incorporados nos princípios compreendidos como direitos no processo de huma-
nização das relações, bem como inscritos e incluídos nos dispositivos legais?
Cabe salientar que, ao restringirmo-nos ao contingente de Pessoas com Ne-
cessidades Especiais, os dados do Censo 2000 apontam para 24 milhões e 500
mil de brasileiros que possuem alguma Necessidade Especial englobando as áreas
visual, auditiva, mental, física e múltipla, ou seja, 4,5% a mais que a média dos
outros países.
Dessa forma, podemos dizer que potencializar esforços no que se refere à
inclusão no trabalho requer um amplo e permanente processo de formação con-
tinuada que nos permita fazer a leitura do real para além das aparências e, evi-
dentemente, tomar o cuidado para não camuflar o direito à igualdade e o direito à
diferença que desconsideram as vias de acesso em que isso se constrói; essa é uma
das necessidades mais prementes ao considerar-se o compromisso ético-político
de tal discussão.
Um dos pontos-chave do multiculturalismo é a questão da diferença [...] importa relembrar
que a diferença não é simplesmente, ou unicamente, um conceito filosófico, uma forma
semântica. A diferença é antes de tudo uma realidade concreta, um processo humano e
social, que os homens empregam em suas práticas cotidianas e encontra-se inserida no
processo histórico. (DANESI, apud SANTOS, 2001)

Convém ressaltar, novamente, que importantes iniciativas nesse contexto


vem acontecendo, todavia, ainda é necessário percebermos de modo mais abran-
gente o movimento do processo de democratização, pois várias pesquisas refor-
çam o fato de que a classe trabalhadora reivindica a apropriação do conhecimento
que lhe dê condições de participar efetivamente do processo político e do sistema
produtivo, compreendendo as relações sociais que condicionam seu modo de vida,
suas oportunidades, seu grau de consciência e sua concepção de mundo, homem
e sociedade.
99
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Nesse contexto, torna-se fundamental ter a clareza conceitual mínima neces-


sária para compreendermos que, gradativamente, nossas discussões devem avan-
çar para a questão do trabalho sem que haja concessões “para quem ou não”.
“Quando o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre
essa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e com seu trabalho
criar um mundo próprio: seu eu e suas circunstâncias” (FREIRE, 1996).
Ainda nessa perspectiva de cidadania, o trabalho nos apresenta um caráter
mediador entre o mundo subjetivo e objetivo, no qual o sujeito se apropria grada-
tivamente do mundo objetivo transformando a si mesmo, ou seja, construindo-se
ao mesmo tempo em que transforma o real.
Portanto, orientando-se em princípios básicos da dimensão social da forma
humana, bem como em instrumentos de consecução política, a ética assume indis-
pensavelmente uma característica fundamental na construção de possibilidades e
responsabilidades inclusivas, nas quais o posicionamento do Programa Educacio-
nal de Apoio à Inclusão no Trabalho, do Departamento de Educação Especial da
SMED desenvolve um conjunto de ações que visam materializar essas expressões
por meio do reconhecimento de que é tempo de possibilidades e que as pessoas
com deficiência não estão condenadas à história das luta de classes porque suas
esperanças e necessidades de trabalho, assim como as de todos, são vivas; mais
ainda, ultrapassando os limites que lhe são peculiares, lutam também para não
serem objetos e sim sujeitos ativos da história.
Assim, como um dos aspectos do processo de desenvolvimento e aprendi-
zagem, poderemos construir práticas sociais inclusivas nas quais a visibilidade
dos desafios nos aponta seu enfrentamento pelo viés da co-responsabilidade que
perpassa pela dignidade e cidadania há muito limitada.
Ainda nesse sentido, é oportuno repensarmos a própria presença humana
no mundo como algo original, singular e que se constrói no conjunto das múl-
tiplas relações:
Mais que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma presença no mundo, com o
mundo e os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um “não-eu” se
reconhece como “si própria”, Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença que
intervém, que transforma, que fala do que faz, mas também do que sonha, que constata,
compara, avalia, valora, que decide, que rompe, e é no domínio da decisão, da avaliação,
da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a
responsabilidade. (FREIRE, 1996)

Diante disso, tudo que fazemos reflete uma forma de pensar, sentir, agir
sobre o mundo e, nesse sentido, uma das abordagens que podemos encontrar nos
dias de hoje, mesmo sabendo-se que foi criada há mais de 30 anos pelo eminente
educador francês André Lapierre, diz respeito ao trabalho de Psicomotricidade
Relacional; abordagem e formação essa que nos revela uma concepção dialética e
sistêmica do sujeito com o mundo, tendo como especificidade a abordagem cor-
poral (diálogo tônico-afetivo) valorizando, sobretudo, o aspecto relacional não-
verbal, sendo, portanto, uma práxis que procura dar um espaço de liberdade na
qual o sujeito (criança, jovem, adulto...) possa aparecer de forma inteira, com seu
corpo, podendo expressar, sem julgamentos e de modo simbólico, a forma como
100
Programa Educacional de Apoio à Inclusão no Mundo do Trabalho

reflete, ordena, desorganiza, reconstrói, bem como pode expressar suas fantasias,
ambivalências, desejos, necessidades, sentimentos e conhecimentos.
Nessa relação mediada com o mundo e no que concerne a repensarmos con-
tinuamente a função social da Educação, André Lapierre diz:
O ensino não pode mais ser o que era há trinta ou quarenta anos: o saber mínimo garantido
pelo certificado de estudos primários de um lado, e de outro a formação de uma elite (?)
intelectual tão restrita quanto conformista, destinada a gerar uma sociedade estática.
A continuação desse elitismo, malcamuflado por um ensino dito “de massa”, termina
numa sociedade cada vez mais complexa e instável, numa estrutura hiper-hierarquizada
por uma cascata de poderes tecnocráticos (dos quais os próprios tecnocratas são prisio-
neiros). Essa estrutura tende ao mesmo tempo à diluição de toda responsabilidade e à
negação de toda autonomia e de toda iniciativa, portanto, à negação da pessoa.
A Qualidade da vida é a qualidade do ser, não do ter. Ser, existir, é exercer livremente seu
poder de agir sobre seu meio, conservar a autonomia de suas decisões. (LAPIERRE, 1988)

Em linhas gerais, o enfoque da relação de Sujeitos com ou sem necessidades


especiais consigo mesmo, com os outros, com o espaço, com o meio, pressupõe
as múltiplas possibilidades da utilização da comunicação (em seu sentido mais
amplo), algo que, talvez, ainda tenhamos muito a aprender.

Sobre alguns fundamentos legais e


político-filosóficos
Constituição de 1988, Artigo 7.º, XXXI, preceitua:
Art. 7.º [...]
XXXI – Proibição de qualquer discriminação no tocante a salário ou critérios de admis-
são do trabalhador portador de deficiência;

Artigo 37, VIII, impõe:


Art. 37. [...]
VIII – A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portado-
ras de deficiência de sua admissão;

Lei 8.213/91 fixa os seguintes percentuais:


Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2%
(dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados,
habilitados, na seguinte proporção:

até 200 empregados 2%


de 201 a 500 empregados 3%
de 501 a 1 000 empregados 4%
de 1 001 em diante 5%
Lei 6.494/77, alterada pela Lei 8859/94 – Dispõe sobre os estágios de estu-
dantes de estabelecimentos de ensino profissionalizante do 2.º Grau e de escolas
de educação especial e dá outras providências.

101
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

A Lei 8.112 impõe que a União reserve, em seus concursos, até 20% das
vagas a pessoas com deficiências, havendo iniciativas semelhantes nos Estatutos
Estaduais e Municipais, para o regime dos servidores públicos.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/96:
Parágrafo 2.º do artigo 1.º:
Art. 1.º [...]
§ 2.º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.
Constatou-se que foram incorporadas preocupações a respeito da garantia de que a edu-
cação escolar se construísse de forma contextualizada, levando-se em conta o princípio
educativo do trabalho. Um cuidado, porém, deve ser tomado na efetivação do que reza este
artigo, para que não se fortaleça a ótica do “mercado” que visa atrelar mecanicamente a
escola ao mundo do trabalho, buscando a formação de “mão-de-obra” flexível e adequada
às leis do próprio “mercado”. Cabe, portanto, a defesa do princípio educativo do trabalho,
identificando-se as responsabilidades da escola para com a formação do homem trabalha-
dor e cidadão. (LDB, 1997, p. 8).

Art. 59. [...]


IV – educação especial para o trabalho, visando à sua efetiva integração na vida em socie-
dade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção
no mercado competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como
para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual e
psicomotora;

A Resolução 45/91 – Organização das Nações Unidas – ONU – defende a


implementação de uma sociedade inclusiva para todos, por volta do ano 2 010.
Carta para o Terceiro Milênio – Assembléia Governativa da Rehabilitation
International, (Londres, Grã-Bretanha – 09/09/1999 ):
Os direitos humanos básicos são ainda rotineiramente negados a segmentos inteiros da
população mundial, nos quais se encontram muitos dos 600 milhões de crianças, mulhe-
res e homens que têm deficiência. Nós buscamos um mundo onde as oportunidades iguais
para as pessoas com deficiência se tornem uma conseqüência natural de políticas e leis
sábias que apóiem o acesso a – e a plena inclusão em – todos os aspectos da sociedade.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizou, em 1983, a Confe-


rência Internacional do Trabalho adotando recomendações referentes ao emprego
para pessoas com deficiência.
Segundo a OIT, isto implica que:
Os portadores de deficiência, capazes de realizar trabalhos produtivos, devem ter direito
ao emprego como qualquer outro trabalhador” numa sociedade em que haja condições
para eles, “sejam capazes de se tornar seres humanos autoconfiantes e realizados, em
vez de isolados, esquecidos e dependentes”. Em outras palavras, é importante não serem
criados “ambientes especiais” para portadores de deficiência, pois essa “prática atual de
manter os portadores de deficiência segregados em “guetos” institucionais tem prejudica-
do sua interação social e, conseqüentemente, muita gente não interage normalmente com
eles. “Disso se conclui que “os serviços de habilitação/reabilitação profissional e a infra-
estrutura já existente precisam se adaptar, assim como a atitude da sociedade também
precisa mudar”. (BATISTA, 1997, p. 9-10)

Estatudo da Criança e do Adolescente – Artigo 4.°:


Art. 4.º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde , à

102
Programa Educacional de Apoio à Inclusão no Mundo do Trabalho

alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,


ao respeito, à liberdade e à convivêcia familiar e comunitária.

O capítulo V dispõe sobre o Direito à Profissionalização e à Proteção no


trabalho, proibindo, em seu artigo 60, qualquer trabalho a menores de 14 anos,
exceto na condição de aprendiz. O artigo 66 impõe:
Art. 66. Ao adolescente portador de deficiência é assegurado trabalho protegido.

O Decreto 3.298 de 20 de dezembro de 1999, regulamenta a Lei 7.853, que


dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa com Necessidades
Especiais, consolida as normas de proteção e dá outras providências pertinentes
ao processo de Inclusão.
Lei 10.098/2000 estabelece normas gerais e critérios básicos para a promo-
ção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida e
dá outras providências.
Lei 10.436/2002 dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais e dá outras
providências.
Cabe pontuar que essas são apenas algumas das bases legais das quais dis-
pomos; em contrapartida, é preciso repensar algumas terminologias e concepções
ainda presentes que acentuam o estigma da exclusão.
Faz-se necessário, nesse contexto de luta e construção, reconhecermos esses
e outros instrumentos de consecução política, ultrapassando também os limites do
tempo/espaço em que se materializam.

Família: circulação de afetos


Quando nos referimos à participação da família, queremos enfatizar a par-
ticipação de fato, efetiva e afetiva, ultrapassando o pensar e agir da colaboração,
pois a família, compreendida como geradora de valores, crenças e ética, configura
no dia-a-dia de todas as pessoas.
Na maioria das vezes, criamos imagens, expectativas e pressuposições de
uma família ideal; como se fossem pessoas que não pensassem, não agissem e não
sentissem por si próprios; não obstante, é comum trabalharmos idealizando inte-
rações socioafetivas sem levar em conta as condições de vida das pessoas. Contra
isso, precisamos lutar.
De fato, quando falamos na inclusão de pessoas com necessidades especiais
no mundo do trabalho, a família, como instituição social, exerce significativa in-
fluência e, nesse processo, faz-se necessário o estabelecimento de uma relação
dialógica em que a família sinta-se mediada, superando o simples confronto.
Nesse sentido, conceitos como “família desagregada”, “família desestrutu-
rada”, “família estressada”, “família super-protetora”, “família ausente” e outros
tantos conceitos precisam ser desmistificados, pois cada família possui uma estru-
tura determinada que se orienta e se organiza a partir das demandas, interações,
condições, crenças, valores e comunicações que lhes são peculiares e construídas
103
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

no decorrer da história. Contraditoriamente, em determinados momentos do seu


ciclo evolutivo, a família necessita de mediação para perceber com maior clareza
as situações que emergem. A confiança e o respeito nos limites e possibilidades
da família facilitarão a busca de alternativas sem criar excessivos medos da perda
do seu equilíbrio.
Depreende-se, daqui, a complexidade de situações com as quais devemos
trabalhar, incidindo sobre esta uma visão mais global dos diferentes contextos
sócio-históricos e, principalmente, esclarecermos sobre o trabalho desenvolvido
e discutirmos, em conjunto, quais serão os caminhos a serem percorridos e que
potencializem a autonomia do (futuro) trabalhador.
Convém enfatizar que mesmo considerando a relevância da participação da
família, apontando inclusive alguns aspectos a serem trabalhados com as mesmas,
entramos na dialética incessante entre teoria e prática, entre força do desejo e as
limitações do coti­diano, no entanto, a visibilidade dos desafios já é, em si, uma
forma de seu enfrentamento, pois se pensamos e fazemos a Inclusão no mundo
do trabalho é porque ainda há muito a ser conquistado, tanto no que diz respeito
à sociedade de modo geral, tanto no que se refere à família e, principalmente, no
que se direciona às pessoas com necessidades especiais, pois como resultado de
aprendizagem de todos, poderemos construir práticas sociais inclusivas nas quais,
a família, entendida como uma das instituições sociais mais importante, possa
também ter a possibilidade de visualizar e participar da construção da autonomia
de seus filhos.

Avaliação
Compreendendo que só o homem, como ser histórico, é um ser dotado de
vontade, um ser que se posiciona, toma partido e, por isso mesmo, cria valores,
transcende a natureza e traça objetivos imprimindo marcas tipicamente humanas
é que poderemos considerar a dimensão da avaliação na especificidade do Progra-
ma Educacional de Apoio à Inclusão no Trabalho.
Com a intenção de que as atividades se desenvolvam de modo satisfatório e
coerente com os objetivos que se pretendem, faz-se necessário um processo con-
tínuo de informação/formação/construção/reconstrução. É nisso que configura a
avaliação.
Partindo, então, do pressuposto de que a avaliação é um processo inerente
à própria prática humana (deslocar-se para uma direção, por exemplo) e que apre-
senta um caráter nitidamente diagnóstico (correção e superação dos problemas),
podemos concordar com Vitor Paro quando afirma que:
Se se atenta para a natureza do processo de realização dos objetivos, considerando os
recursos e o tempo empregados, percebe-se a importância de procedimentos avaliativos
cada vez mais constantes, com vistas a evitar desperdícios ou ações que não levem aos fins
desejados. Quando se deixa para avaliar apenas o final de determinado processo, corre-
se o risco de, em não se alcançando os resultados desejados, perderem-se os recursos
e desperdiçar-se o tempo despendido no decurso da ação. Prevendo-se avaliações mais
freqüentes, têm-se a oportunidade de corrigir os rumos e aperfeiçoar os procedimentos
104
Programa Educacional de Apoio à Inclusão no Mundo do Trabalho

com um custo de tempo e de recursos cada vez menor. É por isso que, no limite, os pro-
cessos produtivos eficientes, ou os processos bem-sucedidos de realização de objetivos,
apresentam alta inclusão da avaliação no próprio curso da ação, de modo que a ava­liação
se faz continuamente, alimentando permanentemente as decisões e ações orientadas para
a correção dos rumos e superação dos problemas detectados. (PARO, 2001)

Nesse sentido, convém superarmos a idéia de que a avaliação se dá num


único e determinado momento e que se limita apenas a procedimentos explícitos
e isolados. Muito além disso, a avaliação se dá no processo da ação e, nesse pro-
cesso, incluem-se todas as interfaces envolvidas, pois o homem se faz histórico,
construindo-se, enquanto sujeito, ou seja, o conceito de homem pensado no plural
e que só existe na relação com o outro. Nesse aspecto vale dizer que:
Como ser que busca o supérfluo, o homem procura assimilar o saber historicamente pro-
duzido como forma de diferenciar-se do estado mais ou menos natural (desprovido desses
atributos históricos composto pela cultura) em que se encontra, com vistas ao constante
desenvolvimento de sua personalidade. Sem dúvida nenhuma esse desejo de auto-aperfei-
çoamento cultural constitui já um valor que não nasce com o indivíduo, mas é um conteú-
do histórico que lhe é sugerido pelo próprio meio social onde ele cresce. A particularidade
desse conteúdo é que ele deve acompanhar necessariamente a educação, que esta supõe a
emancipação do homem como sujeito histórico. (PARO, 2001).

Considerando, portanto, a especificidade do trabalho a que nos propomos,


es­sa breve síntese conceitual, no que se refere à avaliação (tanto em termos teóri-
cos quanto práticos), nos remete a, juntamente com o Departamento de Educação
Especial e demais setores envolvidos, buscarmos contínua e permanentemente
estratégias resolutivas para as questões que se apresentem nesse contexto, visando
à melhoria gradativa da qualidade do trabalho desenvolvido.
Por outro lado, para fins de registros históricos e até mesmo avaliativos
(com cará­ter complementar) são realizados relatórios semestrais das atividades
desenvolvidas.
Dessa forma, é importante relembrarmos que:
...acumular fatos não significa conhecer a realidade; torna-se necessário compreendê-los
como partes estruturais da totalidade, ou seja, perceber que cada fato pode ser compre-
endido como um momento do todo. Assim sendo, o estudo do fato, ao mesmo tempo, é
revelador da especificidade e da totalidade, uma vez que existe uma relação de dependên-
cia recíproca entre ambos. Cada fato traz em si totalidade, sendo sintetizador do conjunto
de relações que caracterizam essa totalidade, e por isso mesmo a sua análise permite a
compreensão não só da especificidade, mas da totalidade. Quanto mais compreendemos
o fato, entendido como parte da totalidade, maior é nossa compreensão da totalidade.
(KUENZER, 1990)

E, concluindo, para incorporar


um novo reapreender
Nesse processo de contínua construção, transformação e reconstrução, uma
das reflexões necessárias para que possamos, talvez, ampliar nossa capacidade
de compreensão/atuação/avaliação e atualização histórico-cultural pertinente ao
contexto de inclusão no mundo do trabalho, torna-se importante nos reportarmos

105
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

a um dos princípios básicos da dimensão humana: “a inclusão se inicia com a


vida” e, nesse sentido, precisamos ampliar nossos espaços no processo de de-
mocratização das relações para que todos, incondicionalmente, possamos viver,
sobreviver, conviver e defender vidas dialogando.

Casos de sucesso sendo construídos


1.º Risotolândia Indústria e Comércio
de Alimentos Ltda.
End: Rua Luiz Franceschi, 657 – Bairro: Thomas Coelho
CEP: 83707-070 – Araucária/PR – Tel: 641-3070
Diretor-Presidente: Carlos Antonio Gusso
Contextualização
Período Ações afirmativas
Até 2001 – Reuniões com famílias – Inclusão no contexto da empresa.
2002 – Apoio para realização do I Seminário Municipal sobre In-
clusão no Trabalho – Reuniões com Famílias – Análise de
função/perfil-Inclusão de estagiário com Necessidade Espe-
cial no setor administrativo – Inclusão de vínculos empre­
gatícios.
2003 – Participação no II Seminário de Inclusão – Curso Básico de
Libras para funcionários – Apoio logístico junto ao Projeto
do Curso Profissionalizante – Reuniões com funcionários,
famílias, Programa para busca de soluções às diversas si-
tuações que se apresentam – Inclusão de vínculos empre­
gatícios.
2004 – Inclusão de vínculos empregatícios – reuniões conjuntas
para busca de soluções no que diz respeito ao acesso, à per-
manência e à promoção de funcionários com necessidades
especiais – Atualmente 35 pessoas incluídas.
OBS: Há participação da empresa junto a vários outros
projetos voltados para as múltiplas questões sociais que se
apresentam no Município.
Funcionário: Divonei Ferreira da Silva.
Data de Nascimento: 14/10/81.
Escolaridade: Ensino Fundamental (5.ª – 8.ª).
Início na empresa: 20/03/01.

106
Programa Educacional de Apoio à Inclusão no Mundo do Trabalho

Função: Auxiliar de Serviços Gerais.


Horário de trabalho: 15:00 às 23:00hs.
Área Mental: Freqüentou Escola Especial da APAE.

2.º Ultrafertil S.A.


End: Rua Dr. Eli Volpato, 999 – Rodovia do Xisto, BR 476 – Km 16,5.
CEP: 83707-440 – Araucária/PR – Tel: 641-1807
Supervisor de Administração e Serviços: Celso Krasnievicz
Contextualização
Período Ações afirmativas
2001 – Participação de reuniões com referência à Inclusão – Inclu-
são de Funcionários com Necessidades Especiais.
2002 – Apoio logístico para realização do I Seminário Municipal
sobre Inclusão no Trabalho – Atendimento no contexto da
empresa a grupos de alunos da Educação Especial expla-
nando os trabalhos ali desenvolvidos.
2003/2004 – Participação no Projeto para Curso Profissionalizante –
Apoio para II Seminário sobre Inclusão – Busca de novas
possibilidades de inclusão envolvendo funcionários da em-
presa. Atualmente: 02 pessoas incluídas.
OBS: a empresa efetiva várias outras ações direcionadas ao
entorno social, buscando atender à demanda que se apre-
senta.
Funcionário: Jorge Daniel Poleski.
Data de nascimento: 09/10/79.
Escolaridade: Ensino Médio.
Data de Admissão: 04/06/2001.
Setor: SEADS.
Função: Auxiliar Administrativo.
Área: Auditiva.

3.º Câmara Municipal de Araucária


End: Rua Irmã Elizabeth Werka, 55 – Bairro: Jardim Petrópolis.
CEP: 83704-580 – Araucária/PR – Tel: 643-2535.
Assessora Administrativa: Vera Lúcia Beserra.
Contextualização

107
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Período Ações afirmativas


2002 – Reuniões para verificação da possibilidade de alteração de
Projeto de Lei visando estágios para Pessoas com Necessi-
dades Especiais – Resolução 11/2002, estendendo a possi-
bilidade de estágio para Pessoas com Necessidades Espe-
ciais.
2003 – Reuniões/acompanhamentos para esclarecimentos perti-
nentes aos estágios – Inclusão de estagiários envolvendo as
áreas visual, auditiva e mental.
2004 – Apoio junto ao Projeto do Curso Profissionalizante – Atual-
mente 05 pessoas incluídas como estagiários.
OBS: vários são os projetos ali desenvolvidos, ressaltando-
se apenas o que diz respeito à prática de Inclusão no Traba-
lho.
Estagiária:Luciana Aparecida Batista da Costa.
Data de Nascimento: 11/04/82.
Escolaridade: Ensino Médio.
Início do estágio: abril/2003.
Função: Telefonista.
Área: Visual.

4.º Novozymes Latin América Ltda.


End: Rua Prof. Francisco Ribeiro, 683.
CEP: 83707-660 – Araucária/PR Tel: 641-1115.
Coordenadora de Desenvolvimento e Responsabilidade Social: Elizabeth
Sychl.
Contextualização
Período Ações afirmativas
2002 – Representatividade no I Seminário Municipal sobre Inclu-
são no Trabalho – Reuniões: Observância quanto à neces-
sidade de qualificação profissional – Idéias iniciais para a
realização de um projeto também na perspectiva de co-res-
ponsabilidade – Reuniões envolvendo outros setores, como:
SENAC, Agência do Trabalhador, CIEE/PR, etc para análi-
se quanto às adaptações/módulos etc.

108
Programa Educacional de Apoio à Inclusão no Mundo do Trabalho

2003 – Redimensionamento do projeto: curso profissionalizante


para Auxiliar de Serviços Administrativos englobando as
áreas visual, auditiva, física, mental e múltipla – Mediação
por meio da AECIAR (Associação das Empresas, Comér-
cios, Indústrias de Araucária) – Aula inaugural: outubro/03-
Encerramento módulos: dezembro/03.
2004 – Análise educacional do Projeto-Avaliação – Entrevistas
com integrantes do curso-Processo de Inclusão: área Audi-
tiva – Curso Introdutório de Libras/Processo de Inclusão no
Trabalho.
OBS: a empresa desenvolve vários outros projetos referen-
tes à responsabilidade social.
Funcionário: Márcia Maria Tavarez Poleski.
Data de Nascimento: 17/12/79.
Escolaridade: Ensino Médio.
Data de Admissão: maio/2004.
Função: Auxiliar de Serviços Administrativos.
Área: auditiva.

5.º Caixa Econômica Federal –


Agência Araucária
End: Praça Vicente Machado, 156 – Centro.
CEP: 83702-310 – Araucária/PR – Tel: 642-1022
Gerente Geral: Enilson Ferreira de Araújo
Contextualização
Período Ações afirmativas
2004 – Reunião inicial sobre o Programa-Explicitação sobre um
dos projetos desenvolvidos (Curso Profissionalizante)- En-
trevista com integrantes do projeto-Processo de Inclusão.
OBS: a Caixa Econômica desenvolve várias outras ações di-
recionadas a pessoas com necessidades especiais em Arau-
cária como, por exemplo, recentemente, em parceria com
outros setores, fez a doação de cadeiras de rodas para al-
gumas pessoas que estavam precisando e não tinham como
obtê-las.

109
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Inclusão: Vânia da Silva Ramos.


Data de Nascimento: 06/02/77.
Escolaridade: Ensino Médio.
Admissão: abril/2004.
Função: Serviços Bancários.
Área: Física.

Casos de sucesso
sendo construídos: Divonei e Luciana
Uma das 35 pessoas com necessidades especiais incluída no contexto da
Risotolândia é o Divonei. Nasceu em 14/10/81 e, pelo período de quinze dias,
necessitou de incubadora. Aos 4 anos teve meningite tendo o acompanhamento
médico necessário.
Iniciou sua vida escolar em uma escola de ensino fundamental aos 6 anos
de idade quando, por solicitação da escola, foi encaminhado para realizar algumas
avaliações médicas. Após avaliações, foi encaminhado para uma Escola Especial,
na qual permaneceu por, aproximadamente, cinco anos. No contexto da Escola
Especial foram desenvolvidos, além do trabalho pedagógico, atendimentos como
Fono­au­dio­lo­gia, Psicologia, entre outros.
Revelando progresso no processo de aprendizagem, foi encaminhado para
uma turma de Classe Especial da Escola Municipal Ibraim Antonio Mansur e,
paralelamente, ensino profissionalizante na Escola Municipal de Ensino Especial
Prof.ª Joana Belniak da Silva.
Em novembro de 1997, realizou Exame Classificatório e passou a freqüentar
a 2.ª série do ensino fundamental e, na seqüência, cursou até a 5.ª série.
A partir de então, Divonei começou a preocupar-se com uma questão que
preocupa milhões de brasileiros, o trabalho. Sentia-se incapaz, chorava em função
disso e pensava que não iria poder trabalhar.
Considerando o processo de construção de inclusão social que já vinha sen-
do realizado junto à Risotolândia, por meio do Programa Educacional de Apoio
à Inclusão no Trabalho, em 2001, Divonei foi encaminhado para participar dos
procedimentos comuns de admissão, ou seja, processo seletivo envolvendo entre-
vistas e outros.
Dessa forma, em março de 2001, Divonei iniciou suas atividades no con-
texto da Risotolândia e, desde então, sente-se útil, capaz e feliz, gosta do que
faz. Participa de todas as reuniões lá organizadas e ressalta que tem vez e voz
para falar.
Fazendo parte desse processo, convém salientar que a família exerceu influ-
ência nesse processo de construção, participando ativamente da vida de Divonei.
110
Programa Educacional de Apoio à Inclusão no Mundo do Trabalho

Atualmente, aos 22 anos, Divonei atua como Auxiliar de Serviços Admi-


nistrativos, fez cursos envolvendo Técnicas de Serviços de Garçom e Técnicas no
Preparo de Massas para Pães e Bolos, totalizando 230 horas/aula.
Dentre os planejamentos e perspectivas de vida, Divonei organizou-se na
construção de sua casa, que está praticamente mobi­liada, está noivo e reforça que
sua vida, com o trabalho, se transformou e que, agora, pode exercer sua cidadania
de fato e de direito.

Outro caso é o de Luciana


Devido à falta de acesso e condições concretas que limitavam o contexto
familiar, social, educacional, entre outros, Luciana Aparecida Batista da Costa
iniciou sua vida escolar apenas aos 12 anos de idade, freqüentando a 1.ª série do
ensino fundamental, na cidade de São Paulo.
Aos 14 anos, na 5.ª série, sentiu sintomas que dificultavam sua visão: não en-
xergava os conteúdos escritos no quadro, não conseguia acompanhar os traçados
do caderno, entre outros. Nesse sentido, sua família buscou, então, encaminhá-la
para avaliação oftalmológica na qual foi constatado glaucoma. Nesse período,
interrompeu sua escolaridade.
Dentro do que era possível, a família sempre participou, pois, devido ao
caráter hereditário, outras pessoas da família apresentavam glaucoma.
Mesmo com acompanhamento oftalmológico, Luciana teve perda total da
visão aos 17 anos.
Com o apoio de várias pessoas, Luciana superou vários limites para retornar
à escolaridade formal.
Aos 18 anos, quando mudou para Araucária, reiniciou seus estudos por
meio do Centro de Atendimento Especializado em Deficiência Visual (CAE-DV)
de Araucária, onde aprendeu Braille, Sorobã, Orientação e Mobilidade e, atual-
mente, está cursando o Ensino Médio na Escola Municipal Prof.ª Terezinha M.
Theobald, com acompanhamento do CAE-DV.
Paralelo à escola, realizou cursos de Telefonista, Recepcionista, Telemar­
keting e Básico de Informática promovidos pelo Centro de Informática para De-
ficientes Visuais Prof.º Hermann Gorgen, juntamente com o Serviço Social do
Comércio (SESC).
Após alteração de Projeto de Lei da Câmara Municipal de Araucária,
ampliando possibilidades de estágios para Pessoas com Necessidades Espe-
ciais, bem como convênio envolvendo CIEE/PR, Modalidades de Educação
Especial e outros, Luciana iniciou estágio na Câmara Municipal de Araucária
em abril de 2003.
Dos acompanhamentos efetivados no que se refere ao processo de está-
gio, Luciana vem revelando autonomia, criatividade e iniciativa referentes às
atividades pertinentes ao processo de estágio, assim como avanço no processo
de aprendizagem.
111
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Luciana ressalta que, por meio do estágio e da bolsa-auxílio, tem mais autono-
mia financeira, ajuda nas despesas da casa e exerce sua cidadania. Salienta, ainda,
que tem potencialidades, perspectivas de uma vida cada vez melhor e que o mais
importante é que não precisa depender do benefício de prestação continuada.
Contato: PAULO ROSS
Outros contatos envolvendo a participação em algumas ações:
SENAC
End: Rua André de Barros, 750 – Centro CEP: 80010-080 – Curitiba/
PR – Tel: 219-4832 Núcleo de Negócios de Curitiba.
Vanessa Christófoli de Castro – Secretaria de Estado, Emprego, Trabalho
e Promoção Social.
Agência do Trabalhador – Programa da Pessoa com Deficiência -PPD
– End: Rua Pedro Ivo, 750 – Centro – CEP: 800010-020 – Curitiba/PR –
Tel: 309-2602.
Coordenador do PPD – José Simão Stczaukoski.
Centro de Integração Empresa-Escola – CIEE/PR.
End: Rua Ivo Leão, 421 – Bacacheri – Curitiba/PR
Gerente Regional na Região Metropolitana de Curitiba: Wilson Luiz So-
bânia
Centro Internacional de Análise Relacional – CIAR
End: Av. Sete de Setembro, 4476 – sobreloja – Batel
Tel: 343-6964
Diretor: José Leopoldo Vieira

112
Pequeno Cotolengo:
casas-lares para pessoas
em situação de abandono
Orley Boçon

Histórico do Pequeno Cotolengo do Paraná


(Dom Orione)

C
uritiba é mundialmente conhecida como “Capital de Primeiro Mundo”, pela sua beleza, cultu-
ra, arquitetura e pelas dimensões sociais e econômicas que possibilita. E é nesta bela capital
do Paraná que está construída uma das diversas obras de Dom Orione: o Pequeno Cotolengo
do Paraná.
O processo histórico da construção do Pequeno Cotolengo iniciou-se em 1959 quando Dom
Manuel da Silveira D’Eboux, na ocasião Arcebispo de Curitiba, visitando a Pequena Obra da Divi-
na Providência, monumento deixado por São José Benedito Cotolengo e as Obras que Dom Orione
expandiu nesse estilo, na Itália, ficou encantado. Despertando o interesse e a eterna admiração pela
filosofia dessa Obra, Dom Manuel dialogou com os padres superiores da Itália e, posteriormente, com
os padres superiores do Brasil, para ver a possibilidade dela ser instalada na cidade de Curitiba.
Após inúmeras conversas, e estudos, decidiu-se, então, que seria criada uma obra chamada
Pequeno Cotolengo do Paraná. Mas onde? Qual seria o lugar?
Tomando conhecimento do problema por meio dos religiosos instalados na Paróquia Santa Qui-
téria, o casal Antônio e Maria Tokarski, dispondo de uma área de terra, resolveram doar para a Pe-
quena Obra da Divina Providência, para ser construído o Pequeno Cotolengo do Paraná, pois até o
momento não havia recursos financeiros para a aquisição de um terreno. A área já existia, era real e
situava-se no Bairro Fazendinha, local sem muito acesso, distante do Centro da Cidade.
Por meio e divulgações junto à Paróquia, começaram as desbravações, a abertura da estrada,
com a ajuda de empresas contratadas, mas também com o apoio de muitos voluntários, colaboradores
que tinham um único sonho: construir a Vila da Caridade.
Com o encaminhamento de religiosos (padres) e religiosas (irmãs), para dirigirem a casa, inicia-
ram-se os trabalhos, sempre direcionados. A instituição foi fundada em 25 de março de 1965.
Os recursos eram limitados, porém, o desprendimento de muitos moradores da região, ajudou a
construir uma capela de madeira, na qual buscavam forças na espiritualidade para dar continuidade
aos muitos trabalhos a serem feitos.
Começaram, então, as quermesses, festas animadas organizadas pela comunidade, com o obje-
tivo de arrecadar fundos para iniciar a construção definitiva.
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Um grupo de voluntários passou, também, a organizar os churrascos benefi-


centes num local bastante precário, mas com a presença de inúmeras pessoas que
estavam, de alguma forma, dispostas a colaborar.
Dessa maneira, depois de muitas campanhas, eventos e doações construiu-
se o primeiro pavilhão para abrigar os primeiros moradores.

Quem eram os beneficiados?


Passaram a usufruir dessa nova casa de caridade meninas portadoras de
deficiência mental, algumas com problemas físicos, porém totalmente dependen-
tes, que estavam em situação de abandono, encaminhadas do Lar das Meninas.
Foram acomodadas da melhor forma possível no pavilhão equipado com a ajuda
da comunidade, benfeitores, autoridades e simpatizantes.
No início eram 25 meninas, e esse número foi crescendo com o passar
dos anos.

Como a entidade era mantida?


Por meio de doações da comunidade como alimentos, móveis, vestuário,
calçados, eletrodomésticos, medicamentos, colaboração ­financeira, materiais de
construção, enfim tudo era bem vindo, em prol daqueles que estavam sob os cui-
dados da entidade.

Dificuldades encontradas no início


A falta de credibilidade e de apoio por parte dos órgãos governamentais e de
autoridades dificultaram e adiaram muitas situações que poderiam ser resolvidas
com espaço de tempo reduzido.

Realizações
Com o apoio da comunidade, campanhas, eventos, e o tradicional churrasco
mensal, foram sendo contruídos outros pavilhões para melhor acomodar as pes-
soas que chegavam constantemente, abandonadas pelas famílias, desprovidas de
sorte e que necessitam da sensibilidade de outras pessoas.
A confiança da comunidade nos incentivou a dar continuidade aos nossos
trabalhos.

Como está, hoje, o Pequeno Cotolengo?


O Pequeno Cotolengo do Paraná abriga 238 pessoas, na faixa etária de zero
a 65 anos, com deficiências múltiplas (físicas e mentais), a maioria encaminhada
pelo juizado de menores por terem sido abandonadas ou oriundas de famílias
cujas mães perderam a guarda de seus filhos.

114
Pequeno Cotolengo: casas-lares para pessoas em situação de abandono

Tendo como missão “Acolher e proporcionar melhoria na qualidade de vida


da pessoa portadora de necessidades especiais, por meio de um atendimento es-
pecializado que promova condições para o seu desenvolvimento psicomotor”, o
Pequeno Cotolengo oferece aos seus assistidos todos os atendimentos necessários
ao seu desenvolvimento e bem-estar: programas de alfabetização na Escola de
Educação Especial (desenvolvimento pedagógico, estimulação visual e ­sensorial,
aulas de artesanato etc.), atendimento de fisioterapia, terapia ocupacional, fono-
audiologia e odontológico, alimentação controlada por nutricionista, atendentes e
auxiliares de enfermagem, entre outros.
Para tanto, a entidade comporta em seu quadro de funcionários 185 profis-
sionais especializados e treinados para desempenhar funções específicas de aten-
dimento. Possui uma área de 118.755,68 m 2, sendo 10.137,14 m 2 de área construída
e dispõe de cinco grandes lares e seis casas-lares para permanência dos abrigados.
O Centro de Reabilitação oferece atendimentos especializados, como Odontolo-
gia, Serviço Social, Fisioterapia e Hidroterapia, Escola Especial, Psicologia, Tera-
pia Ocupacional, Equoterapia e os setores da Recepção, Direção, Departamento
Pessoal, Financeiro e outros. Existe, ainda, um Pavilhão de Festas, na qual acon-
tecem os eventos, como o tradicional churrasco realizado todo primeiro domingo
de cada mês, entre outras festividades.
O Pequeno Cotolengo tem conseguido avançar bastante, ­ampliando insta-
lações e ganhando o apoio da sociedade e de autoridades. A preocupação com a
melhor qualidade de vida para os nossos abrigados fez com que, constantemente
e incansavelmente, a direção e os funcionários, voluntários, colaboradores, esti-
vessem atentos para a realização de melhorias. O Prêmio Bem Eficiente 2002 é
uma das recompensas após 39 anos de dedicação, persistência e, principalmente,
amor, guiando todo um trabalho; porém é imprescindível a colaboração crescente
da sociedade para que consigamos manter o trabalho voltado à qualidade de vida
dos 238 moradores da entidade.

Recursos atuais
As principais fontes de recursos são os eventos promocionais que se desta-
cam com 10% da arrecadação mensal, convênios com órgãos públicos represen-
tando 46%, e as doações de pessoas físicas e jurídicas como complemento.
Eventos: eventos promocionais de grande repercussão na cidade de Curitiba
constituem o grande suporte financeiro da instituição.
Captação de recursos: buscando dinamizar o seu banco de contribuintes,
a Instituição tem um trabalho contínuo de telemarketing que busca, por meio de
divulgação de campanhas e contatos com pessoas físicas e jurídicas, diversas for-
mas de colaboração.

Parcerias
Ao longo dos seus trinta e nove anos de existência, a entidade adquiriu
confiança e credibilidade junto à comunidade. A conquista foi efetivada por meio
115
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

de convênios, repasse de recursos, cedência de pessoal e parcerias com empresas


públicas e privadas, dentre as quais podemos destacar:
Públicas:
IASP – Instituto de Ação Social do Paraná.
Secretaria Municipal de Saúde – SMS/ Projeto Cárie Zero.
Secretaria Estadual e Municipal da Educação – SEED/SED.
FAS – Fundação de Ação Social.
Privadas:
Brasil Telecom.
Gráfica Nossa Senhora do Rocio.
RPC – Rede Paranaense de Comunicação.
COPEL – Companhia Paranaense de Energia Elétrica.
Trytec Motors.
Kraft Foods Brasil.
Tramontina Sul S.A.
Efitecc – Representação e Comércio Ltda.
Café Damasco S.A.
TJR Studio.
Bortolini Ind. de Móveis Ltda.
Siemens Ltda.
Risotolândia S.A.
Paranabanco S.A.
J. Malucelli Seguradora S.A.
Lojas Salfer Ltda.

Resultados
São significativos e expressivos os resultados alcançados:
aprimoramento crescente na qualidade dos serviços prestados;
pleno reconhecimento pela sociedade civil, órgãos públicos e empresá-
rios, como centro de referência no atendimento a pessoas portadoras de
necessidades especiais com comprometimentos neurológicos graves;
implantação da Unidade de Saúde Amigo Especial, em convênio com
a Secretaria Municipal de Saúde, oportunizando atendimento médico-
odontológico aos moradores e comunidade;
manutenção de Equipe Interdisciplinar em convênio com a Pontifícia
Universidade Católica do Paraná – PUC-PR, Universidade Tuiuti do Pa-
116
Pequeno Cotolengo: casas-lares para pessoas em situação de abandono

raná – UTP, Universidade Federal do Paraná – UFPR, Faculdade Espírita


do Paraná – FEP, nas áreas de Fisioterapia, Psicologia e Nutrição, com
possibilidades de ampliação em outras áreas;
conclusão da Piscina Hidroterápica, em atividade desde fevereiro de
2001;
reforma geral interna e externa;
criação do Lar Divina Providência;
reforma e ampliação dos lares Anjo da Guarda, Santa Terezinha e São
Francisco;
lançamento do Projeto Empresa Cidadã, com o objetivo de ampliar a
rede de colaboradores a fim de propiciar maior segurança e estabilidade
econômico-financeira;
implantação da Cozinha Industrial;
implantação da Escola de Informática e Cidadania;
implantação do Projeto Transformação;
construção de seis casas-lares para abrigar 36 portadores de necessidades
especiais;
implantação do Projeto Tatames Especiais.

Desafios e projetos futuros


Permanente melhoria da qualidade de vida de nossos m
­ oradores.
Manutenção e ampliação dos serviços especializados.
Reforma e melhoria das instalações físicas da Instituição.
Manutenção do Projeto Empresa Cidadã com o objetivo de ampliar a
rede de colaboradores a fim de propiciar maior segurança e estabilidade
econômico-financeira.
Reforma e adaptação do Lar Maria de Nazaré.
Ampliação dos projetos Tatames Especiais.
Implantação do Projeto Escola do Futuro.
Implantação do Projeto Cotolengo Informatizado.
Construção de mais uma casa-lar.

Diretoria atual
Pe. Olívio Rosso - Diretor Geral
Pe. Pedro Bortolini - Diretor Financeiro
Pe. Gilberto Ferreira - Secretário Geral

117
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Projeto Casas-lares
O Pequeno Cotolengo do Paraná atende crianças, adolescentes e adultos ór-
fãos com vários tipos de necessidades especiais. A demanda de pessoas que necessi-
tam de atendimento especializado hoje é significativa. O Pequeno Cotolengo, sendo
uma instituição de referência no Estado do Paraná, teve necessidade de reestrutu-
ração na sua forma de atendimento e estabeleceu novos critérios de recebimento
de moradores. Como nossos moradores são permanentes, vimos a necessidade de
criar outras formas de atendimento. Os moradores que possuem um pouco mais de
independência estão sendo capacitados para uma maior autonomia e convidados
para uma etapa nova do seu processo existencial: morar em residências.
O Projeto Casas-lares proporciona condições para que as pessoas com ne-
cessidades especiais possam estar distante do seu habitat de origem sem necessa-
riamente perder o vínculo ou a noção do convívio em família, visto que nas casas-
lares estarão recebendo proteção, amor, atendimento de reabilitação e pedagógico,
considerando cada morador individualmente. Enfim, uma alternativa de moradia
com suas necessidades satisfeitas, com uma casa que oferece uma “mãe”, irmãos,
escola, tratamento, lazer, saúde nos aspectos bio-psico-sociais, o que garante uma
melhor qualidade de vida para a pessoa portadora de necessidades especiais.
O Projeto tem como objetivo repassar valores essenciais existentes em uma
família, a vida social e afetiva, proporcionando autonomia, quase que completa,
entre os moradores e as atividades cotidianas. Os valores humanos também são
resgatados com esse projeto, permitindo uma reintegração à sociedade, garantin-
do a dignidade e os direitos de serem felizes como qualquer cidadão comum.

Objetivos
Geral
Oferecer atendimento alternativo à pessoa portadora de necessidades es-
peciais, órfão e em situação de abandono, oportunizando a integração
social em ambiente assemelhado ao ambiente familiar.
Específicos
Proporcionar ao portador de necessidades especiais, órfão ou em situa-
ção de risco, a possibilidade de convivência familiar, assegurando-lhe o
direito de participação em atividades e acontecimentos cotidianos, inclu-
sive em contato com a comunidade;
Garantir atendimento integral à saúde e escolaridade por meio de re-
cursos disponíveis na instituição e comunidade, proporcionando a parti-
cipação em atividades de lazer, recreação, profissionalização, escolar e
reabilitação, conforme necessidades e aptidões para futuras inserções em
outras e­ sferas da sociedade.

118
Pequeno Cotolengo: casas-lares para pessoas em situação de abandono

Localização e construção das casas-lares


O Pequeno Cotolengo administra, desde o ano de 2002, seis casas-lares
construídas dentro da grande área na qual se situa a instituição, no bairro Campo
Comprido, em Curitiba. Possuem capacidade para 36 pessoas, órfãs e portadoras
de necessidades especiais, consideradas capazes de levarem suas vidas, de forma
independente, porém com o auxílio de um responsável, a quem o Pequeno Coto-
lengo chama carinhosamente de “mãe social”.

Estrutura e funcionamento
As casas foram projetadas com todo o cuidado para suprir todas as dificul-
dades que seus moradores possivelmente poderão encontrar. A casa tem 120m 2,
possui 4 quartos, 2 banheiros, uma sala de estar, cozinha, lavanderia, jardim e
quintal. Possuem, também, utensílios domésticos, como móveis, eletrodomésticos
e demais objetos ­necessários.
Cada residência é composta por seis moradores e uma “mãe social”.
Para a estruturação do Projeto Casas Lares foi necessário realizar os trei-
namento das pessoas aqui denominadas “mães sociais” com vistas aos esclare-
cimentos fundamentais sobre excepcionalidade, necessidades especiais de cada
interno, distribuição de residentes de forma a heterogeneizar a clientela de futuros
moradores e que torna necessário que a “mãe social” esgote todas as dúvidas,
priorizando a questão de que o novo residente é um “novo filho” e que as atenções
são inerentes às atenções que um filho natural requer.
Durante o treinamento, efetiva-se paralelamente o treinamento de uma “mãe
social coringa” considerando-se que, para efeitos legais, no contrato de trabalho
das “mães sociais” efetivas há a exigência de uma folga semanal e o compromisso
para com os residentes exige acompanhamento permanente, no qual entra a figura
da “mãe social coringa” ou seja, substituta.
Para normatizar os procedimentos das “casas-lares” de maneira uniforme,
foi elaborado um regimento interno e um programa de atividades das “mães so-
ciais” e dos moradores, estes redigidos dentro da linguagem das mães sociais, vi-
sando não permitir dúvidas nem para elas nem para a equipe supervisora do pro-
grama, o que facilita a operacionalização das atividades das partes envolvidas.
No treinamento há orientações para as “mães sociais” acerca da utilização
de medicamentos, horários, acompanhamento médico, atividades de lazer, de vida
diária e pedagógica, pois a preocupação da Instituição não é apenas a mudança de
endereço do morador, mas o oferecimento de uma estrutura consciente e respon-
sável pelo bem-estar nos aspectos: pessoal, escolar, familiar e social.

119
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Sustentabilidade do projeto
De acordo com o levantamento efetuado, o custo per capta/mês é de, apro-
ximadamente, quatro salários mínimos por morador, previstos em decorrência da
estimativa de custos conforme descrição ­abaixo:
salário das “mães sociais”;
água, luz e telefone;
atendimento médico e odontológico;
atendimento multidisciplinar e ocupacional;
alimentação;
medicação;
vestuário.
Os recursos para a manutenção do Projeto Casas-lares, advêm:
convênios com Órgãos Governamentais: Secretaria Municipal de Educa-
ção, Secretaria Estadual de Educação, FAS, IASP e Secretaria Municipal
de Saúde;
captação de doações da comunidade de Curitiba (pessoas físicas e jurídi-
cas), além de sucessivos eventos tradicionais de grande repercussão com
vistas à sustentação dos programas.

Recursos humanos e materiais


Humanos
equipe Multidisciplinar (psicólogo, assistente social, neurologista, peda-
gogo, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional).
“mãe social” efetiva.
“mãe social” substituta (coringa).
Materiais
alimentação.
medicação.
utensílios domésticos (cama, mesa, banho), uso pessoal etc.
material de limpeza.

120
Pequeno Cotolengo: casas-lares para pessoas em situação de abandono

Atividades desenvolvidas
Todos os moradores das casas-lares estão inseridos nos programas desen-
volvidos pela instituição, onde recebem atendimentos diversificados, ou seja, psi-
copedagógico, de reabilitação (fisioterapia, fonoaudiologia, hidroterapia), aten-
dimento médico e odontológico, de lazer, e outros, dentro das necessidades e
potencialidades dos moradores, visando à sua absoluta inserção dos programas
internos e externos da instituição.

Avaliações
Os moradores ingressos no programa das casas-lares são avaliados por uma
equipe multidisciplinar da instituição, com o objetivo de levantar informações
relevantes sobre ele, com vistas a facilitar a sua adaptação nas casas-lares e ade-
quação de atividades de acordo com a sua capacidade.
As avaliações são periódicas e a detenção de casos alheios ao programa são
discutidas para a prevenção de problemas e riscos, por meio da adoção de medidas
alternativas quando necessárias.

121
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Setor de Terapia Ocupacional


Relatório
Identificação:
Nome: Maria Ramos
Data nascimento: 15/11/1958
Idade: 45 Anos
Residência Atual: casa-lar 02
Descrição de problemas clínicos:
Quadro Clínico: compatível com CID – 10: F70 (Retardo Mental Leve).

História pregressa (antes):


Filha de M. R. e D. A., ambos desaparecidos. Chegou à instituição em
10/03/1981, através do casal G. O. O. e S. M. O., casal residente na cidade de Flo-
rianópolis – SC, segundo os mesmos Maria Ramos estava revoltada e não aceita-
va o casal, sendo que vivia com os mesmo desde 1964 (desde o requerimento de
guarda e responsabilidade).
Não era alfabetizada e apresentava deficiência mental e hipótese de trans-
torno psiquiátrico.

Adaptação na instituição:
De acordo com registros da instituição (Serviço Social, Psicologia e Terapia
Ocupacional), o problema ocorreu gradativamente, necessitando de atendimentos
especializados em Psicologia e Terapia Ocupacional.

Situação escolar atual:


Freqüenta a Escola Especial do Pequeno Cotolengo do Paraná, na qual
participa, pela manhã, da Oficina da Cozinha Educativa e à tarde da Oficina
de Artesanato.

Desempenho e autonomia nas atividades que


realiza:
De acordo com o seu potencial funcional, social e emocional apresenta de-
sempenho adequado em suas atividades do cotidiano, necessitando de estímulo e
orientação para iniciá-las.

122
Pequeno Cotolengo: casas-lares para pessoas em situação de abandono

Referente à autonomia, ela apresenta comportamentos de dependência na


tomada de decisões durante as atividades diárias, todavia está sendo estimulada
para aumentar sua auto-estima, segurança e iniciativa.

Personalidade:
Dentro da casa-lar, apresenta comportamentos de liderança, porém não se
percebe como líder.
Durante as atividades diárias demonstra cuidado consigo, com as outras
meninas e com a casa.
No relacionamento com as “mães sociais” demonstra capacidade de acatar
ordens.

Um pouco mais de história


Maria Ramos chegou ao Pequeno Cotolengo do Paraná aos 23 anos de ida-
de. Sua primeira residência na instituição foi no Lar Maria de Nazaré, no qual
desenvolvia suas atividades de vida diária, como os afazeres domésticos e, nas
horas de lazer, participava dos inesquecíveis piqueniques organizados nos parques
e bosques da cidade.
Desde que chegou, tem em Zenilda de Goes Obinger uma companheira,
amiga e irmã. As duas sempre moraram juntas e compartilham a mesma história,
convivem ao longo dos anos com os desafios, avanços e conquistas da instituição,
como, por exemplo, o Projeto Casas-lares onde residem atualmente.
Na casa-lar, Maria Ramos, juntamente com a Zenilda e outras quatros me-
ninas, continuam sua história cheia de encantos, sonhos, fantasias e realizações.
Em casa e na escola é um exemplo para as demais, desenvolve com zelo
e dedicação as atividades da vida diária, os afazeres domésticos e as atividades
escolares.
O Projeto Casas-lares tem sido muito importante para o desenvolvimento
funcional, emocional e social de Maria Ramos. Por meio desse projeto consegui-
mos estimular o resgate da identidade de cada morador, respeitando suas ponten-
cialidades e limitações.
Maria Ramos, é uma resposta em meio há tantas perguntas que vagam entre
nós, a sua história nos contagia e nos move em busca de soluções para os proble-
mas do cotidiano.
Ela nos faz acreditar que tudo é possível àquele que crê, basta querer!
(Texto baseado em registros da instituição e nos atendimentos de Terapia Ocupa-
cional à Maria Ramos. Dr. Derivan Brito da Silva, Terapeuta Ocupacional)

123
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

124
Inclusão social dos catadores
de materiais recicláveis:
criança no lixo, nunca mais!
Idealização: Fórum Lixo e Cidadania do Paraná
Autor: Instituto Lixo e Cidadania

Introdução

O
presente projeto, idealizado e proposto pelo Fórum Lixo e Cidadania do Paraná, elaborado
pelo Instituto Lixo e Cidadania, visa à erradicação do trabalho de crianças e adolescentes
com idade inferior a 18 anos de idade, na coleta do lixo. Segundo previsto na Convenção
182 da Organização Internacional do Trabalho, a coleta de lixo é considerada como uma das piores
formas de trabalho infantil e, sendo o Brasil um dos países membros que ratificou tal convênio, a so-
ciedade brasileira, incluindo os órgãos públicos, está obrigada a adotar medidas imediatas e urgentes,
tendentes a solucionar o problema.
Sendo diretriz consagrada no Estatuto da Criança e do Adolescente, o atendimento não só
à criança e ao adolescente em situação de risco, no caso gravíssimo, mas também à família, rees-
truturando-a para garantir a eficácia da política adotada, a presente proposta de trabalho prevê o
desenvolvimento de tecnologia social por meio da experimentação não-lucrativa de um novo modelo
socioprodutivo para as famílias que sobrevivem, eventual ou rotineiramente, da coleta de materiais
recicláveis em Curitiba e Região Metropolitana.

Fórum Estadual Lixo &


Cidadania do Paraná
Erradicar o trabalho infantil no lixo em todo o Brasil. Este é o objetivo central do Programa Na-
cional Lixo & Cidadania, lançado em junho de 1999, com a campanha “Criança no Lixo, Nunca Mais”
pelo Fórum Nacional Lixo & Cidadania.
“Criança no Lixo, Nunca Mais” é um apelo e um convite à sociedade brasileira para que não
permita mais o uso da mão-de-obra de meninas e meninos nos lixões e na catação de lixo nas ruas.
Um ­apelo, porque o Brasil precisa indignar-se com essa situação e dizer não à situação desumana a
que essas crianças estão sujeitas. Um convite porque a tarefa de dar fim ao trabalho infantil no lixo é
muito grande e depende da participação de todos.
Para alcançar esse objetivo, o Fórum Lixo & Cidadania do Paraná tem apoiado os carrinheiros/
catadores para que, de forma organizada, tenham melhores condições de vida, trabalho e renda, como
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

também tem cobrado do poder público medidas tendentes a minimizar o grave


problema ambiental decorrente da produção do lixo, além de programas sociais de
proteção às crianças e aos adolescentes. O Fórum do Paraná reúne mensalmente,
há mais de dois anos, diversas entidades, colaboradores e interessados em discutir
e buscar soluções conjuntas e efetivas para as relações econômicas e socioambien-
tais do lixo.
No dia 30 de abril de 2001, sob a coordenação da Procuradoria Regional do
Trabalho da Nona Região, foi instalado oficialmente o Fórum Lixo & Cidadania
do Paraná, por meio da articulação com a Coordenação Colegiada do Fórum
Nacional Lixo e Cidadania, que esteve representado pelo Ministério do Meio Am-
biente, na pessoa do Dr. Alfredo Gastal.
Integram o Fórum Lixo & Cidadania do Paraná as seguintes entidades:
Acore – Movimento Popular
Acridas – Desenvolvimento Integral Sustentável
Adea - Associação de Defesa e Educação Ambiental Colombo
Aditepp – Associação Difusora de Tecnologia de Ensino e Educação Popular
Amatra – Associação dos Magistrados do Trabalho da Nona Região
APP - Sindicato
Associação Comercial do Paraná
Associação Comercial e Industrial Quatro Barras e Campina ­Grande do Sul
Associação das Mulheres de Carreira Jurídica – Comissão do Paraná
Associação de Catadores Carambeí
Associação de Catadores da Fazenda Rio Grande
Associação de Catadores da Fazendinha/CIC
Associação de Catadores da Terra Santa
Associação de Catadores da Vila Audi
Associação de Catadores da Vila Leão
Associação de Catadores da Vila Verde
Associação de Catadores da Vila Zumbi/Colombo
Associação de Catadores de Araucária
Associação de Catadores de Piraquara
Associação de Catadores de Santa Felicidade
Associação de Catadores do Cajuru
Associação de Catadores do Parolin
Associação de Catadores do Pontal do Paraná
Associação de Catadores do São Brás
Associação de Catadores do Tatuquara
126
Inclusão social dos catadores de materiais recicláveis: criança no lixo, nunca mais!

Associação de Catadores Jardim Três Pinheiros


Associação de Conselheiros Tutelares de Curitiba
Associação de Defesa do Cidadão
Associação de Moradores da Vila Gusso
Associação de Moradores do Jardim Savanah
Associação dos Advogados Trabalhistas do Paraná
Associação dos Auditores Fiscais do Trabalho no Paraná
Associação dos Conselheiros Tutelares de Curitiba
Associação dos Municípios do Paraná
Associação Geração de Talentos
Bolsa de Reciclagem Sistema Fiep/Senai
Caixa Econômica Federal – CEF
Cenário XXI
Centro Acadêmico de Administração UFPR
Centro de Apoio ao Catador de Papel do Parolin
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente
Centro de Estudo, Defesa e Educação Ambiental
Centro Metropolitano de Apoio à Saúde do Trabalhador
Ciranda – Central de Notícias dos Direitos da Infância e da Adolescência
Colégio Marista Santa Maria
Comitê Contra a Fome e pela Moradia de Mandirituba
Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias
Conselho Regional de Serviço Social do Paraná/CRESS
Cooperativa de Catadores de Paranaguá
Cooperativa dos Marceneiros - Coembra
Coopernet – Desenvolvimento de Talentos
Elo Agência de Apoio Social e Ambiental
Faculdades Espírita do Paraná
Faculdades Martinus
Feaconspar – Federação dos Empregados nas Empresas de Asseio e Conser-
vação do Estado do Paraná
Fetraconspar – Federação dos Trabalhadores nas ­Indústrias da Construção
Civil do Estado do Paraná
Fórum DCA – Fórum de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
Fundação Odebrecht
127
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Grupo de Estudos da Violência


Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares
Inpar 28 de Junho
Instituto Ambiental de Guaratuba
Instituto Ambiental do Paraná
Instituto Coletivo das Águas
Instituto de Ação Social do Paraná
Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Educação Ambiental
Instituto de Manejo e Pesquisas Ecológicas
Instituto Dedé Mocellin
Instituto Isto é Comigo
Instituto Salesiano
Itaipu Binacional
Lar Espiritual Luz, Amor e Verdade
Ministério Público do Trabalho
Ministério Público Estadual
Ministério Público Federal
Movimento de Carrinheiros da Vila Torres
Movimento Hip Hop
Movimento pela Ética na Política
Movimento Pró-Educação Infantil
Município de Balsa Nova
Município de Maringá – Secretaria do Meio Ambiente
Nestlé S.A.
Núcleo de Pesquisa Cooperativismo e Cidadania – UFPR
O Boticário
ONG Apoio de Colombo
ONG Semeando Amor
ONG Usina do Ciclo
Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Paraná – Comissão da
Criança e do Adolescente
Paraná Esportes
Paróquia Profeta Elias
Pastoral Operária

128
Inclusão social dos catadores de materiais recicláveis: criança no lixo, nunca mais!

Petrobras S.A.
Projeto Cristão Fazendo a Diferença
Provopar – Programa do Voluntariado do Paraná
PUC-PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Robert Bosch Ltda.
Sanepar – Companhia de Saneamento do Paraná
Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente da Lapa
Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Secretaria de Estado da Educação
Secretaria de Estado da Justiça – CODIC
Secretaria de Estado de Relações com a Comunidade
Secretaria de Estado do Meio Ambiente
Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social
Secretaria Municipal de Assistência Social de Ponta Grossa
Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – Paraná
Senai – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Paraná
Senat – Serviço Nacinal de Aprendizagem no Transporte – Paraná
Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Popular da UFPR
Sesc – Serviço Social do Comércio
Sindicato dos Auditores Fiscais da Previdência
Sociedade Paranaense de Pediatria
Spaipa S.A.
Tecpar – Instituto de Tecnologia do Paraná
União das Associações de Moradores do Portão
União Geral de Bairros
Universidade Federal do Paraná
Universidade Tuiuti do Paraná
Viação Castelo Branco
O Fórum Estadual Lixo & Cidadania tem como lema de trabalho Criança
no lixo, nunca mais e atua para que sejam alcançados os seguintes objetivos:
retirada das crianças do trabalho no lixo, garantindo vagas nas escolas,
atividades de complementação escolar e bolsa-escola para substituir a
renda cessante da criança;
ampliação da renda para as famílias que vivem do lixo, com capacitação
e apoio à organização dos catadores dos lixões e das ruas, buscando sua
129
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

participação como parceiros prioritários em programa de coleta seletiva


nas cidades;
erradicação dos lixões e a recuperação de áreas degradadas pelo lixo.

Instituto Lixo e Cidadania


O Instituto foi criado a partir da necessidade da existência de uma entida-
de formalmente constituída para gerenciar e executar as ações deliberadas nas
reuniões plenárias do Fórum Lixo & Cidadania do Paraná. O Instituto Lixo e
Cidadania, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, com autonomia
administrativa, financeira e patrimonial, tem como objetivo a promoção:
da assistência social;
da segurança alimentar e nutricional;
do voluntariado;
do desenvolvimento econômico e social e do combate à pobreza;
da defesa dos direitos da criança e do adolescente;
de ações sociais, culturais e socioeconômicas visando à erradicação do
trabalho infantil;
da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de
outros valores universais;
do crédito solidário e da democracia econômica;
da experimentação, não-lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e
sistemas alternativos de produção.
do comércio, emprego e crédito;
do estudo e da pesquisa, desenvolvimento de tecnologias alternativas,
produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e cien-
tíficos que digam respeito à preservação do meio ambiente, coleta, sele-
ção e transformação de ma­terial reciclável e a promoção do desenvolvi-
mento sustentável.
Missão do Instituto: ser referência no segmento em que atua – erradicação
do trabalho de crianças e adolescentes na coleta do lixo e na organização dos
catadores de materiais recicláveis, envolvendo todo o contexto socioeconômico
e ambiental – por meio de um trabalho fundamentado na qualidade, capacidade
técnica e tendo como premissa os princípios e valores da Economia ­Solidária.
O público que atende (tipo e quantidade de atendidos): pes­soas em estado
de risco social e pessoal, especialmente as que vivem (e sobrevivem) da coleta
do lixo, residindo em áreas de ocupação e em periferias, tendo como principal
fonte de renda a venda do material reciclável coletado nas ruas. Atualmente, são
atendidas trinta associações de catadores, localizadas em Curitiba, Região Me-
tropolitana e Litoral, envolvendo, aproximadamente, dois mil catadores e oito mil
crianças e ­adolescentes.
130
Inclusão social dos catadores de materiais recicláveis: criança no lixo, nunca mais!

Principais atividades e finalidades: implantação de um projeto amplo que


visa, dentre outros objetivos, a organizar e a capacitar catadores de material re-
ciclável; fomentar a formalização de associações ou cooperativas de catadores;
retirar crianças e adolescentes desta atividade; realizar atividades em regime de
contra-turno escolar para crianças e adolescentes; preservar o meio ambiente por
meio da educação ambiental e estimular novas tecnologias de geração de trabalho
e renda.

Problemática
Lixo e meio ambiente
Cada pessoa gera, durante toda a vida, em média 30 toneladas de lixo. Uma
montanha de resto de comida, papel, plástico e vidro. Apesar de produzir essa
quantidade de resíduos, a maioria das pes­soas acha que basta colocar o lixo na
porta de casa e os problemas se acabam. Apesar de se afastarem do alcance da
vista estão só começando. No Brasil, poucos municípios possuem tratamento ade-
quado para o lixo. Em muitos, o lixo urbano coletado é depositado em lixões a céu
aberto. Nestes locais, o líquido gerado na decomposição do lixo – o chorume –
penetra no solo, contaminando as águas subterrâneas e os rios; os gases provocam
explosões e fogo, em alguns casos com vítimas fatais. O mau cheiro é sentido de
longe e o lixo atrai ratos, moscas, baratas e gente... gente pobre, que não tem outra
forma de sobreviver. Essas pessoas – adultos e crianças – catam materiais para
vender e alimentam-se de resto de comida estragada ou contaminada, lidam com
cacos de vidro, ferros retorcidos, resíduos químicos e tóxicos, ficando expostas a
acidentes e doenças.
Do ponto de vista de degradação ambiental, o lixo representa mais que po-
luição. Significa, também, muito desperdício de recursos naturais e energéticos.
As embalagens, que servem de proteção, segurança e higiene dos produtos, au-
mentam o consumo dos recursos naturais. O resultado é um planeta com menos
recursos ambientais e com mais lixo, que além da quantidade, aumenta em varie-
dade, contendo materiais cada vez mais estranhos ao ambiente natural.
A catação de alimentos e de materiais para a comercialização também acon-
tece nas calçadas das cidades brasileiras por carrinheiros – homens, mulheres,
crianças e adolescentes – que interferem, diariamente, no ciclo da limpeza urbana,
interceptando materiais que seriam levados aos lixões ou aos aterros. Eles con-
tribuem, assim, para amenizar os efeitos negativos do nosso desperdício e para
reduzir a poluição ambiental que o lixo provoca.

As crianças
Elas jogam bolas de papel de um lado para outro. Empilham latinhas e gar-
rafas coloridas. Mas não estão brincando. São cerca de 45 mil crianças e adoles-
centes vivendo e trabalhando nos lixões espalhados no país (UNICEF, 1998 e
131
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Fórum Nacional Lixo & Cidadania, 1999). Ajudam seus pais a catar embalagens
velhas, a separar jornais e papelões, a carregar pesados fardos. Muitos desses
meninos e meninas estão desnutridos e doentes. Sofrem de pneumonia, doenças
de pele, diarréia, dengue, leptospirose, febre tifóide... Muitas vezes ficam sujeitos
ainda a acidentes e a outros problemas como abuso sexual, gravidez precoce e uso
de drogas. Grande parte das crianças em idade escolar nunca foi à escola. Vivem
em condições de pobreza absoluta. Realizam um trabalho cruel. São crianças no
lixo. Uma situação dramática e comum no Brasil.

Situação do lixo urbano


Cerca de 2 400 toneladas/dia de lixo urbano de Curitiba e de algumas cida-
des da Região Metropolitana são depositados no Aterro do Cachimba. Em média
40 toneladas/dia são recicladas pelo Programa Lixo que não é Lixo do Município
de Curitiba.
Estima-se que cinco mil carrinheiros são responsáveis por significativa co-
leta diária de lixo seco, promovendo a reciclagem e a geração de renda para as
famílias envolvidas no processo. Estes trabalhadores informais desviam cerca de
60% do lixo gerado para um circuito econômico complexo, que passa por inter-
mediários e termina nas empresas de reciclagem de plástico, vidro, papel, alumí-
nio e ferro.

Justificativa
A atual crise, em que trabalhadores assalariados são excluídos dos seus em-
pregos, amplia o trabalho precário (sem garantia de direito) e aumenta, cada vez
mais, a quantidade de pessoas envolvidas com a coleta e comercialização do lixo
nos centros urbanos. Nesse cenário, a economia solidária apresenta-se como um
desafio cuja superação só pode ser conseguida por ações que conjuguem a so-
brevivência das relações socioambientais e a melhoria da qualidade de vida das
pessoas. Ações que devam ser guiadas por práticas de colaboração solidária, de
busca de interação respeitosa com a natureza e, principalmente, da valorização
social do trabalho humano.
Fatores como:
situações em que parte da população é induzida a consumir e acumular
bens, deixando para a outra parte apenas o lixo gerado como fonte de
sobrevivência;
a exploração do trabalho humano;
o envolvimento de crianças e adolescentes em atividade de risco e alta-
mente insalubre;
as relações sociais dos seres humanos ente si e deste com a natureza.
Norteiam a urgência de transformação da sociedade na busca de novas di-
nâmicas que valorizam atividades econômicas de cooperação e solidariedade,
132
Inclusão social dos catadores de materiais recicláveis: criança no lixo, nunca mais!

aliadas à promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes e à promoção da


criatividade, tecnologias e poten­cialidades locais em prol das relações socioam-
bientais saudáveis.

Objetivos
Objetivo geral
Desenvolvimento de tecnologia social por meio da experimentação não-lu-
crativa de um novo modelo socioprodutivo para atendimento de famílias de baixa
renda, que sobrevivem da coleta de material reciclável, com o afastamento da
atividade de coleta de lixo dos filhos destes, crianças e adolescentes, com idade
inferior a 18 anos de i­dade.

Objetivos específicos
Orientar a organização dos catadores adultos, em associações e coopera-
tivas, superando a fome e a exclusão por meio de iniciativas que gerem
trabalho e renda, com a conseqüente melhoria das condições de vida,
especialmente para as ­crianças e os adolescentes, atualmente em crítica
situação de risco. Nesse tópico está compreendido um galpão de arma­
zenamento em cada local de concentração dos catadores, divididos em
bairros e municípios, bem como um centro de atendimento comunitário
para crianças e adolescentes;
Constituir e orientar a organização do Centro de Evolução Humana para
atendimento de crianças e adolescentes em sistema de contra-turno esco-
lar, garantindo a profissionalização dos adolescentes mediante parcerias
com instituições s­ ociais;
Intensificar o intercâmbio e a articulação entre as iniciativas de organiza-
ções de catadores de recicláveis, visando à construção de redes associa-
tivas e de empresas comunitárias;
Favorecer maior integração entre as comunidades locais por meio de
programas de educação ambiental, melhorando a cooperação na separa-
ção e entrega dos recicláveis e na valorização do trabalho dos catadores
e de suas famílias;
Constituir e orientar a organização da Central de Transformação e Co-
mercialização;
Conquistar, junto à Administração Pública, o reconhecimento do traba-
lho dos catadores na limpeza pública, com a regulamentação da profissão
e pagamento pelo relevante serviço público prestado por meio do depó-
sito em um Fundo Específico de montante adequado à importância da
atividade;

133
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Incentivar legislações que exijam que as empresas geradoras de resíduos


sólidos urbanos assumam, com responsabilidade, o seu destino correto,
por meio de parcerias com as organizações de catadores;
Incentivar que os investimentos do governo para o setor de resíduos só-
lidos urbanos sejam condicionados à implantação da coleta seletiva em
parceria com as organizações dos catadores;
Incentivar políticas de meio ambiente e de investimento em tecnologias
adequadas de industrialização;
Incentivar a criação de linhas de crédito específicas para grupos organi-
zados de catadores;
Fomentar redes produtivas e co-relacionar movimentos so­ciais ao ciclo:
coleta, triagem, pré-tratamentos, distribuição e industrialização de resí-
duos sólidos;
Incentivar políticas públicas de fomento e incentivo para a capacitação e
formação dos adolescentes das famílias dos catadores associados;
Promover a valorização social do trabalho humano;
Incentivar os valores da cooperação e da solidariedade;
Buscar relações de intercâmbio respeitoso com a natureza;
Promover a alfabetização e oportunidades de formação e qualificação
aos catadores e suas famílias;
Incentivar os catadores e suas famílias ao acesso e aos benefícios da Pre-
vidência Social;
Erradicar o trabalho de crianças e adolescentes na coleta do lixo.

Metodologia
O Projeto, a ser executado em 24 meses, será desenvolvido nas seguintes
etapas:
implantação e execução;
avaliação intermediária;
avaliação final.

Implantação e execução do projeto


Ações de mobilização social, de caráter integrado e cooperativo é o pri-
meiro passo do processo desta tecnologia social que faz com que os agentes en-
volvidos sejam identificados, co-responsáveis e capazes de provocar e construir
mudanças de transformação socioam­biental local. As ferramentas sociais serão

134
Inclusão social dos catadores de materiais recicláveis: criança no lixo, nunca mais!

discussões conjuntas e integradas com os diversos componentes que comportam a


comunidade potencializando articulações que darão suporte à dinâmica da coleta,
beneficiamento e comercialização do lixo, bem como à melhoria de vida.
A seguir, procederá a aquisição por meio de parcerias, comodato ou locação
de um galpão e equipamentos para o recebimento, arma­zenamento, beneficiamen-
to, transformação e comercialização do lixo reciclável. O galpão será provável
lugar de encontro dos associados e suas famílias para as reuniões, cadastro das
famílias interes­sadas, capacitação e formação continuada, encaminhamento aos
recursos comunitários e públicos e de monitoramento das ações realizadas.
A administração da Central de Transformação e Comércio, juntamente com
o Conselho Deliberativo do Instituto Lixo e Cidadania, obterá um banco de dados
das empresas compradoras do material beneficiado, favorecendo o estabelecimen-
to de parcerias.
A divulgação do projeto através de meios em que a comunidade local seja
informada e estimulada a colaborar serão providenciadas, assim como, a divul-
gação por meio da mídia para que a sociedade possa conhecer a nova tecnologia
social e identificar os agentes colaboradores.
A sede do Centro de Evolução Humana (CEH) será no mesmo local da Cen-
tral de Transformação e Comercialização e os espaços serão localizados junto às
associações de catadores. Serão providos em todos os aspectos físicos, materiais e
humanos necessários para o desenvolvimento das atividades socioculturais como,
por exemplo: contra-turno escolar, creches, oficinas de artesanato, aulas de culi-
nária e higiene alimentar, cursos de alfabetização e formação, entre outros. Os
módulos deverão ser solicitados e organizados pelos próprios associados e orien-
tados pelo Conselho Deliberativo do Instituto Lixo e Cidadania.

Avaliação intermediária
Decorridos 12 meses da implantação do projeto, as atividades, resultados e
impactos atingidos serão submetidos a uma avaliação intermediária visando con-
solidar ações efetivas, promovendo a auto-sustentabilidade e detectando eventuais
ações desnecessárias ao andamento do processo tecnológico social. Os indicado-
res serão analisados por uma comissão do projeto.

Avaliação final
No decorrer dos 24 meses, as associações e cooperativas deverão estar aptas
à autogestão econômica e social. A Central de Transformação e Comercialização
deverá apresentar uma dinâmica capaz de atender às associadas.
O processamento dos dados monitorados e uma análise espe­cializada são
previstos focalizando, principalmente, os resultados obtidos em relação às crian-
ças e adolescentes retirados do trabalho, bem como a participação dos catadores e
famílias associadas, de forma solidária e colaborativa, na melhoria de suas condi-
ções econômicas e socioambientais.

135
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Indicadores de monitoramento
Os indicadores escolhidos permitirão avaliar as condições econômicas,
sanitárias, socioambientais e de participação. Buscou-se indicadores universais,
confiáveis, essenciais, simples e representativos que serviram, antes de tudo, para
informar aos associados o estado da qualidade de vida do lugar onde residem.
Dos aspectos identificados a serem melhorados no decorrer do projeto, os
associados, uma vez capacitados, serão capazes de ­tomar providências cabíveis
à melhoria do processo. Serão observadas a importância, a fonte segura de da-
dos, a metodologia e a ­periodicidade dos dados escolhidos. Deverão, também, ser
aplicados às famílias dos ­associa­dos, tendo abrangência na comunidade local. Os
­indicadores ­analisados serão:
coeficiente de mortalidade infantil;
coeficiente de mortalidade materna;
coeficiente de mortalidade por doenças infecciosas e p­ arasitárias;
coeficiente de mortalidade por câncer ginecológico;
índice de saúde bucal;
indicador de qualidade das creches;
taxa de reprovação do ensino fundamental;
taxa de Abandono do ensino fundamental;
taxa de escolarização do ensino médio;
taxa de alfabetização;
taxa de favelamento;
índice da qualidade de água do rio local;
percentual de coleta de reciclável;
percentual de fornecimento de água tratada;
percentual de coleta de esgoto;
coeficiente de criminalidade;
indicador de vandalismo;
taxa de participação dos adolescentes aos recursos comunitários visando
a profissionalização;
diferença do valor agregado ao produto beneficiado do lixo;
participação nas atividades formadoras e de capacitação.

136
Inclusão social dos catadores de materiais recicláveis: criança no lixo, nunca mais!

Metas
A Central de Transformação e Comercialização, o Centro de Evolução Hu-
mana das unidades associativas, no final do projeto deverão contemplar:
uma dinâmica de auto-gestão econômica e de desenvolvimento;
desempenho participativo, solidário e colaborativo na organização e evo-
lução nas unidades de associação e da comunidade;
melhoria na qualidade de vida a ser comprovada nos índices monitora-
dos;
inclusão e acesso à informação e a processos educativos;
inclusão aos direitos previdenciários;
maior produção e acréscimo de tecnologias de absorção da matéria reci-
clável.

Abrangência e população-alvo
As famílias em situação de risco social e pessoal, que sobrevivem eventual
e rotineiramente da coleta de materiais recicláveis serão diretamente beneficiadas
pelas metas propostas pelo projeto, que será desenvolvido no município de Curiti-
ba, Região Metropolitana e Litoral.
Para contato:
Fórum Estadual Lixo & Cidadania
Av. Jaime Reis, 331. São Francisco, Curitiba – Paraná – CEP: 80510-010
Fone: (041) 304-9000 / Fax: (041) 304-9052
margaret@prt9.mpt.gov.br
Instituto Lixo e Cidadania
Alameda Cabral, 289
Fone (041) 3029-9389 / Fax: (041) 226-1688
lixoecidadania@pop.com.br

137
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

138
A Arte e a Educação Inclusiva:
uma possibilidade real
Cláudia Gutierrez Santana
Dinéia Urbanek
Paulo Henrique Pienta
Vânia Maria da Silva Andrade

Introdução

A
reflexão sobre a Arte, enquanto facilitadora do processo inclusivo, surge das vivências ocor-
ridas na Escola de Educação Especial Ecumênica ao longo de sua história. Foi por meio das
observações das práticas pedagógicas que se percebeu o quanto o corpo docente desta insti-
tuição recorria à Arte educação como metodologia de trabalho. Logo, este fato, que até então estava
posto no currículo oculto da escola, tomou proporções grandiosas. Houve uma construção coletiva
sobre o conceito da Arte e sua importância para a Educação Especial.
Concomitantemente, ocorre no Brasil uma sensata mudança no paradigma educacional, um
desafio para a Educação Especial: a inclusão. Esta faz com que os profissionais ressignifiquem sua
prática, ultrapassando os muros das escolas especializadas, oferecendo um serviço de parceria junto
com o ensino regular, trilhando uma estrada cujos objetivos se entrelaçam.
Este estudo visa a possibilitar uma reflexão teórico-prática sobre a tríade aqui problematiza-
da: Educação Especial, Inclusão e Arte Educação. Entendendo que independente da modalidade de
ensino, o que se pretende é proporcionar uma aprendizagem que garanta o desenvolvimento global
do educando.

A inclusão
Atualmente, a inclusão escolar e social está em voga em todos os departamentos da Educação,
tornando-se um tema intrigante a todos os profissionais que estão de maneira direta ou indireta traba-
lhando com as pessoas que apresentam deficiências.
Já se afirmou inúmeras vezes que a Educação Especial, na maioria dos países, tem seguido um
padrão semelhante de evolução. Num primeiro momento, ela é caracterizada pela segregação e exclu-
são. Posteriormente, há uma modificação no olhar sobre as pessoas com deficiência, passando a serem
percebidas como possuidoras de certas capacidades, ainda que limitadas como, por exemplo, a de
aprendizagem. Em função desta modificação ocorre o que poderíamos chamar de velha integração,
ou seja, os excluídos começam a ser integrados a determinados setores sociais e escolares, sendo ain-
da predominante o aspecto protecionista. Surgem, nessa fase, as escolas especiais, os asilos e abrigos,
nos quais o indivíduo era submetido a práticas de tratamento que tinham por objetivo a reabilitação.
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Ocorre, então, um terceiro momento, marcado pelo reconhecimento dos direitos e


valores humanos, evidenciando-se a luta política, educacional e social pela inclu-
são, denominado aqui de “nova integração” (MANTOAN, 1988, p. 1).
No decorrer da história, percebe-se que a população mundial tem valorizado
a igualdade de valores entre seres humanos. Surge, dessa maneira a importância
das escolas formarem cidadãos, sabedores e conscientes de seus valores, de seus
direitos e deveres. Cresce a necessidade de se planejar programas educacionais
flexíveis que possam abranger a diversidade entre os alunos e que possam, ao
mesmo tempo, oferecer os mesmos conteúdos curriculares do ensino regular, sem
perda da qualidade do ensino e da aprendizagem.
Na Declaração de Salamanca (1994), o conceito de “necessidades educacio-
nais especiais” passa a incluir além das crianças portadoras de deficiências, aque-
las que estejam com dificuldades temporárias ou permanentes na escola, como
as que repetem continuamente os anos escolares, as que vivem nas ruas, as que
moram distantes de quaisquer escolas, as que vivem em condições de extrema
pobreza ou que sejam desnutridas, as que sejam vítimas de guerras ou conflitos
armados, as que sofrem de abusos físico, emocional e sexual, ou as que simples-
mente estão fora da escola, por qualquer motivo.
A Educação tem, portanto, por objetivo, a inclusão de todos os alunos em
salas comuns, levando em conta as necessidades de todos. Surge a idéia de que a
família e a sociedade devem adaptar-se às pessoas com deficiências, fazendo com
que estas possam tomar suas próprias decisões com autonomia.
Acredita-se que o aprimoramento da qualidade do ensino regular e a adição
de princípios educacionais válidos para todos os alunos resultam naturalmente na
inclusão escolar das pessoas com deficiência. Em conseqüência, a educação espe-
cial adquire uma nova significação, torna-se uma modalidade de ensino destinada
não apenas a grupos exclusivos de alunos com deficiências, mas especializada
no aluno e dedicada à pesquisa e ao desenvolvimento de novas maneiras de se
ensinar, adequada à heterogeneidade dos aprendizes e compatível com os ideais
democráticos de uma educação para todos.
Surge, então, um novo paradigma na Educação Especial e também na so-
ciedade em geral, que visa a romper com as antigas barreiras que colocavam as
pessoas com deficiências somente nas mãos dos especialistas da área clínica.
Este novo paradigma tem um longo caminho a ser percorrido, embora al-
gumas escolas de ensino regular já tenham abraçado essa causa há algum tem-
po, como podemos verificar na reportagem da Revista da Fundação Catarinense
de Educação Especial (p. 28, agosto/1994), que a cada dia a Educação Inclusiva
ganha novos adeptos, com educadores sempre comprometidos com o desenvolvi-
mento de um ensino e de uma sociedade sem preconceitos ou exclusões.
Dentro da atualidade da Educação Especial, faz-se de suma importância
ressaltar que a atual LDB dedica o capítulo V à Educação Especial, dizendo que
todos os alunos devem preferencialmente ser matriculados em classes comuns.

140
A Arte e a Educação Inclusiva: uma possibilidade real

Também a Declaração de Salamanca, elaborada em 1994, expressa o prin-


cípio de integração e a preocupação com a garantia de escolas para todos. Em seu
artigo 3.º, incentiva os governos a realizarem algumas ações de melhorias na rede
de ensino e solicita que os países signatários desta Declaração considerem com
seriedade os aspectos abaixo citados:
o princípio de igualdade de oportunidades;
adoção de medidas paralelas e complementares às educacionais, nos ou-
tros campos de ação social (saúde, bem-estar social, trabalho etc.);
inclusão das crianças com deficiências nos planos Nacionais de Educa-
ção para Todos;
especial atenção às necessidades de crianças com deficiências graves ou
múltiplas;
consideração da importância da linguagem.
Mais adiante, no artigo 7.º da mesma Declaração de Salamanca (ESPANHA,
1994), lê-se a seguinte afirmação:
O princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem apren-
der juntas, sempre que possível, independente de quaisquer dificuldades que elas possam
ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus
alunos, acomodando ambos estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educa-
ção de qualidade a todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais,
estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com as comunidades. Na verdade existe
uma continuidade de serviços e apoio proporcional ao contínuo de necessidades especiais
encontradas dentro da escola.

Isso nos remete à importância de a escola ter um ambiente sadio e acolhe-


dor, capaz de adaptar-se e buscar meios para que os seus alunos sejam cidadãos
bem-sucedidos e capazes de atuar criticamente na sociedade. Proporcionar um
ambiente acolhedor exige que os profissionais desenvolvam senso de trabalho em
equipe fundamentado na solidariedade humana. A Declaração de Salamanca, no
seu artigo 8.º, reafirma esta condição ao citar que a Educação Inclusiva é o modo
mais eficaz para a construção da solidariedade entre crianças com necessidades
educacionais especiais e seus colegas (ESPANHA, 1994).

A prática docente e a Arte


como facilitadora da inclusão
Para avaliar a qualidade educacional de uma escola é preciso observar a qua-
lidade de vida que existe dentro dela, olhar para a qualidade das experiências dos
alunos, e então analisar a qualidade deste currículo. O currículo realmente bom é
aquele que só existe na experiência da criança e não em planos e livros. O conteúdo
somente se torna currículo quando faz parte das experiências da criança.

141
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Os alunos com deficiências necessitam do que chamamos de currículo adap-


tado e funcional, ou seja, um currículo prático, a fim de facilitar a sua vida e que
se ajuste e se acomode de forma adequada a cada indivíduo. Assim, deverá:
ser adequado às necessidades socioculturais de cada educando;
não ser mera improvisação;
permitir agrupamentos de acordo com a idade segundo a lógica da hete-
rogeneidade e não por nível cognitivo;
ter valor prático para sua vida, com real significado;
estar contemplado dentro do paradigma educacional, no qual todos os
alunos deverão ter os mesmos direitos, independentemente de suas con-
dições físicas, cognitivas ou sociais. Os atendimentos serão educacionais,
reservando à saúde as necessidades de reabilitação e à escola a função de
educar;
ser flexível para toda e qualquer mudança necessária;
ser construído no coletivo da escola;
possibilitar a tomada de decisões;
deve levar em consideração a Política Nacional, a clientela, o ambiente,
os fatores de oposição, os recursos e a flexibilidade de sua linha teórica.
Dessa maneira, o currículo adaptado e funcional trata da possibilidade que
a escola tem de trabalhar as inúmeras diversidades culturais, cognitivas, sociais e
emocionais, por meio da alteração dos conteúdos, atividades, metodologias e ava-
liações do currículo regular para atender as diferenças individuais dos alunos.
A prática inclusiva exige nova movimentação discente dentro da escola,
incluindo ações internas e externas. Fala-se de uma escola cooperativa, participa-
tiva, viva e dinâmica, escola que vive a Arte, as Ciências, a Literatura e o Pensa-
mento Lógico-Matemático, na qual a sala de aula passa a ser o mundo.
Cabe ao educador ser o criador de condições para que a educação aconteça
propiciando acontecimentos e espaços, assim como articulando o espaço e o tem-
po e possibilitando ao educando a construção do sujeito, com iniciativa, responsa-
bilidade e compromisso. A proposta deve ser desafiadora e empolgar o educador
e, dessa forma, este passa a ter a função de possibilitar que os alunos tenham
acesso ao conhecimento e não somente à transmissão deste.
Nessa proposta, não é possível conceber carteiras enfileiradas, alunos passi-
vos copiando do quadro, repetindo conteúdos, solitários, quietos e sem movimen-
to, escolas silenciosas.
Assim como a Escola, a Arte também contribui para a formação global do
educando. Ela se entrelaça com os objetivos do processo da Educação Inclusiva
ao ter como meta desenvolver a “auto-estima, autonomia, sentimento de empatia,
capacidade de simbolizar, analisar, avaliar, fazer julgamentos e um pensamento
mais flexível” (ALMEIDA, 2001, p. 14).

142
A Arte e a Educação Inclusiva: uma possibilidade real

Essa abordagem apresenta-se como uma forma eficaz de levar a pessoa com
deficiência a apoderar-se de sua vida, tornando-se apta a pensar e agir de forma
independente, uma vez que a Arte incentiva o aluno a uma produção que não pre-
cisa de modelos. Na fase adulta, esse indivíduo deverá assumir, com responsabili-
dade, suas ações, escolhas e conseqüências, de forma justa e coerente. Pensar que
qualquer pessoa com deficiência tem condições de chegar a este nível é acreditar
que este sujeito tem desejos próprios e é um ser capaz de aprender e transformar
o meio em que vive.
A auto-avaliação de sua criação ajuda os educandos a estabelecerem crité-
rios para avaliar seu próprio processo, estimulando-se a tomada de decisões con-
siderando a qualidade do trabalho e as conseqüências das decisões tomadas.
Outro ponto de entrelaçamento dos objetivos da Arte com os da Educação
Inclusiva está na possibilidade desses alunos, profissionais e famílias tornarem-se
mais sensíveis, acolhedores, solidários e afetivos, pois a Arte possibilitará a vivên-
cia concreta, contextualizada e real de tais sentimentos.
A ponderação sobre o ensino de forma concreta e contextualizada é um
aspecto de indiscutível importância para os alunos com deficiência, pois será por
meio de vivências reais que estes terão a possibilidade de simbolizar e abstrair
determinados conteúdos. As pessoas que não apresentam nenhuma deficiência ou
dificuldades específicas de aprendizagem podem ter maior facilidade em aprender
conteúdos abstratos, embora isso não seja uma regra.
Contextualizar significa, ainda, apresentar de forma crítica a história do seu
povo e a sua própria história, dando sentido ao que se aprende. A Arte vincula-se
a este processo, instrumentalizando o indivíduo a estabelecer estas relações com
a cultura.
Segundo Almeida (2001), ao conhecer a história do passado, é possível ela-
borar pensamentos do presente e do futuro com relação à identidade pessoal, per-
cepção de si e do outro .... ensinar faz parte de um processo que nos remete ao
passado e ao futuro, à eternidade.
Compreendendo que a aprendizagem não é um produto pronto e acabado e
sim fruto das relações das diversas culturas, não é cabível valorizar apenas uma
cultura ou classe econômica, mas possibilitar que os alunos tenham contato com
as diversas culturas e diversas linguagens artísticas, rompendo os preconceitos
com classes sociais e étnicas. Socializar os bens culturais e possibilitar o conhe-
cimento das diversas produções artísticas são, portanto, aspectos considerados
em um currículo na qual a Arte está posta como facilitadora da inclusão social e
escolar. Perceber o mundo com culturas diferentes e importantes para o homem
é compreender que na escola pode-se conviver em harmonia com as diferenças
combatendo atitudes de discriminação, racismo e intolerância.
Ainda segundo Almeida, ao possibilitar aos educandos o contato com as
mais variadas formas de expressão artística (dança de rua, popular, grafitagem,
funk, dança do ventre, fandango, teatro de bonecos, de rua, óperas etc.), as Artes

143
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

podem servir como instrumentos de discussões políticas e sociais e assim cola-


borar para a construção de uma sociedade que cultiva o respeito mútuo, luta por
seus direitos, com tolerância e compaixão, valorizando o homem como a maior
riqueza de seu país.
A Arte ainda extrapola o seu campo específico de atuação agindo como um
verdadeiro agente interdisciplinador ao estar presente em todas as áreas. Com ela
e por ela é possível trabalhar contextualizadamente, entrelaçando a aprendizagem
como uma rede gigantesca, ao passo que se compreende que uma informação asso-
cia-se à outra e que estas constituem um terceiro saber e assim sucessivamente.
Quando se trabalha com a expressão que é natural na criança e a contextu-
alização dos conteúdos, contemplamos um processo de aprendizagem prazeroso
e alegre.
Ressalta-se aqui outro ponto de fundamental importância para a aprendiza-
gem “a capacidade de simbolização”. Almeida cita que:
O processo de simbolização é uma capacidade humana que requer abstração e capacida-
de para transformar uma coisa em outra. Instigada a criar, a criança precisa ter idéias e
descobrir como colocá-las em prática. Ter idéias é, em certo sentido, estar engajado num
processo de formação de conceitos no qual estes são abstraídos ou criados, ou seja, trans-
formados em realizações formais. (2001, p. 20)

A comunicação exige do homem, naturalmente, a capacidade de simbolizar


e criar significados para diferentes signos, assim entendemos que estes são instru-
mentos que todos precisam para melhor compreender sentimentos, regras, normas
e conhecimentos formais, implícitos na linguagem, permitindo elaborar e reela-
borar o saber. A criança apresenta necessidade de fazer a mesma elaboração para
atingir maior maturidade emocional e cognitiva e compreender a sua realidade,
assim a simbolização que pode se dar por meio do faz-de-conta, do lúdico, fun-
ciona como grande agente da aprendizagem, auxiliando a criança a passar para a
palavra, fatos e atos considerados até, então, primários, tendo condições de passar
para o pensamento o que antes eram apenas atos sem sentido.
Ao desenvolver o pensamento criativo quebra-se o interminável ciclo da
cristalização, no qual os alunos precisam memorizar e responder conforme o mo-
delo preestabelecido. Assim o educando poderá ser autônomo no seu processo e
passar do papel de ator de um roteiro determinado para o papel de autor do seu
próprio destino.
Ressalta-se aqui a importância da função do professor, é ele que poderá de-
terminar se este aluno alcançará a autonomia (participar e opinar sobre as regras
sociais) ou a heteronomia (participar e apenas aceitar as regras do outro), demons-
trando maior preocupação com o processo do que com o produto final.
O docente que adota uma postura fundamentada na Arte acredita na de-
mocracia, na valorização do conhecimento e da história de todos os envolvidos,
no incentivo da interação social, problematiza situações e valoriza a construção
de cada um, criando e transformando a natureza, modificando a rotina e criando
novas hipóteses de trabalho.

144
A Arte e a Educação Inclusiva: uma possibilidade real

O bojo da preocupação sobre a ação docente está na possibilidade que o pro-


fessor tem de dar sentido aos conteúdos trabalhados, sendo que dele é, em grande
parte, a responsabilidade pelo sucesso do trabalho. O professor que não conseguir
comprometer-se com esta postura está fatalmente fadado ao fracasso.

Importância da Arte na Educação


A educação visa ao desenvolvimento global do indivíduo, das suas capa-
cidades, colaborando para a sua participação na sociedade, no cumprimento de
direitos e deveres como cidadão. No entanto, para que o processo de aprendiza-
gem ocorra de forma consolidada, faz-se necessário um ambiente criativo que
proporcione a vivência em diferentes experiências, no qual o educando sinta-se
seguro e capaz de questionar, experimentar e criar. A criatividade é, portanto, de
valor inestimável à prática educativa e está presente em todos nós. A escola deve
valorizar e desenvolver a criatividade de cada um.
Sendo a infância o período de maior plasticidade cerebral, estando em for-
mação as estruturas do cérebro, deve-se dar à criança oportunidades ricas e cria-
tivas para se expressar. A escola deve ser um lugar no qual ela sinta prazer em
estar.
Todos são capazes de aprender, desde que haja motivação e uma metodo-
logia de trabalho que atenda às necessidades de cada indivíduo, já que cada ser é
único, com capacidades e deficiências.
Cabe ao professor ser o mediador, provocando situações de aprendizagem,
liderando dinamicamente e transmitindo afetividade e segurança, como um parti-
cipante do grupo, aceitando as limitações de cada um e criando desafios adequa-
dos para estimular a construção do conhecimento. Para isso, o professor precisa
estar em constante busca de conhecimentos, ser um curioso e ter construído sua
própria autonomia intelectual e segurança afetiva.
De acordo com Erasmo pilotto “o professor deveria ser um sábio, um san-
to, um artista”. Para ele, o educador deveria envolver a criança num ambiente de
sensibilidade e de Arte.
A Arte está presente na nossa vida desde cedo, quando recebemos estímulos
visuais e sonoros e aprendemos a perceber o que nos agrada ou não, e começamos
a desenvolver o nosso senso estético.
A educação por meio da Arte proporciona ao educando a oportunidade de
se expressar livremente. A auto-expressão permite um processo de conhecimento
de si mesmo, desenvolvendo a auto-estima que trará a segurança para que a apren-
dizagem ocorra de forma mais eficiente. Permitir que o aluno se expresse, livre de
regras e modelos preestabelecidos, colabora para sua autopercepção. Segurança e
autopercepção são fatores importantes para o processo ensino-aprendizagem.
O processo de produzir algo livre de regras e modelos é mais importante
que o produto final, pois a Arte oferece a oportunidade do indivíduo (e, principal-

145
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

mente, do deficiente) produzir algo que será apreciado pelos outros, colaborando
para elevar sua auto-estima e participar da vida em sociedade.
A Arte permite o desenvolvimento das capacidades dos indivíduos, tais
como coordenação visomotora, organização pessoal, cooperação e comunicação,
além de exteriorizar emoções significando um ganho para o autoconhecimento
(ATACK, 1995).

O conhecimento da Arte
Falar de Arte, aparentemente, parece ser um assunto simples, mas devido à
sua complexidade e transformação evolutiva, não é tão simples assim.
É necessária uma reflexão sobre a maneira peculiar que nós vivemos e de
como nos colocamos no mundo que nos rodeia. Desde a montagem de um am-
biente, com móveis, cores e objetos, até a roupa, a maquiagem que usamos e a
música que ouvimos, tudo isso constitui um conjunto de símbolos estéticos que
trazem expressões e mensagens, possibilitando a comunicação entre o artista e o
observador, entre o artista e o consumidor ou, ainda, entre o artista e o ouvinte.
É por meio da Arte que o nosso mundo interior, tão pessoal, encontra razão para
partilhar e colocar em comum, os pensamentos e sentimentos, por exemplo, como
explicar o prazer que sentimos quando observamos ou ouvimos a produção de
outra pessoa?
Existem dois conceitos bastante utilizados em Arte, mas nem sempre bem-
definidos. São eles: comunicação e expressão. A comunicação diz respeito à trans-
missão de idéias e significados conceituais com a menor ambigüidade possível. A
comunicação tem a ver, basicamente, com a construção e transmissão de signifi-
cados discursivos e conceituais racionais. A expressão tem ligação com os senti-
mentos. Há determinados sinais que mostram o que o emissor estava sentindo no
momento da produção. Portanto, a expressão solicita um esforço interpretativo de
quem a percebe. A comunicação e a expressão, quando articuladas harmoniosa-
mente, ou seja, quando o pensar e o sentir trabalham juntos, conseqüentemente
surge um novo elemento que é a linguagem. A linguagem é conceitual, linear e
discursiva. Conceitual porque organiza nossa percepção de mundo, fragmentan-
do-o e classificando as coisas em classes gerais, que são os conceitos.
A Arte é percebida, por nós, pelos olhos da sensibilidade. Toda experiência
estética causa em nós uma renovação dos sentidos, ou seja, a nossa capacidade
de captar a beleza fica cada vez mais apurada, a cada nova experiência estética.
Por isso, podemos dizer que nos tornamos cada vez mais humanos à medida que
usufruímos da Arte.
Andrade, em sua pesquisa de especialização, cita alguns comentários im-
portantes sobre a Arte:
Para Erasmo Pilloto “a Arte é um caminho excelente para levar o futuro professor a parti-
cipar da grandeza do mundo, para formação de sua personalidade de educador”. Segundo
ele, “a mais potente força educadora do mundo já foi um dia a Arte e deve retornar a ser”.
Já DeBona considera a Arte como um poder criador, é sensibilidade, é cultura, é humani-
146
A Arte e a Educação Inclusiva: uma possibilidade real

dade. Merleau Ponty destaca a importância da Arte sempre cumprir um papel social. Pau-
line Tilley, em seu livro “El Arte em la educación especial” (1991), diz que Arte é prazer, é
a satisfação do nosso instinto criador. Quando aprendemos com Arte, nos tornamos mais
confiantes e o aprendizado ocorre mais facilmente. Segundo Sally Atack em “Atividades
Artísticas para Deficientes” (1995), a Arte é o meio de expressão, de desenvolvimento de
habilidades e capacidades e pode ser realizada por puro prazer, sem competição. Por meio
da Arte, o indivíduo é livre para descobrir e explorar, num processo de aprendizado de si
mesmo e do mundo. (ANDRADE, 2004)

Ao oferecer oportunidades para o aluno educar-se por meio da Arte, se está


propiciando que ele desenvolva a capacidade de explorar diferenças, opções das
diferentes formas de Arte que, por certo, vão contribuir para ampliar suas possi-
bilidades na comunicação, organização e participação na sociedade.
A Arte é canal eficaz para a sensibilização e expressividade, além de ser
formadora de personalidades criativas.

A vivência nas oficinas de Arte


As reflexões sobre Metodologia do Ensino da Arte, que mobilizam os pro-
fissionais na Educação Especial, não são distintas daquelas realizadas no Ensino
Regular.
No Ensino Regular, especialmente a preocupação com o que e como ensinar
Arte, tem-se tornado cada vez mais presente, principalmente após a homologação
da LDB 9394/96, que rege a Educação no país. No seu texto, a Lei explicita dois
pontos nevrálgicos: a Arte e a Inclusão. Em relação à primeira, coloca-se como
componente curricular obrigatório na Educação Básica e, quanto à segunda, passa
a garantir o acesso da pessoa portadora de deficiência e dos segmentos minoritá-
rios da população à educação.
Estas mudanças legais provocaram a necessidade de se repensar a estrutura
e a metodologia implícitas nos currículos no ensino regular, cujos aspectos a Edu-
cação Especial já se preocupava mesmo antes da implementação da Lei.
Na Educação Especial, a Arte é componente curricular fundamental porque
oportuniza o conhecimento de mundo e a efetivação da aprendizagem a partir
das possibilidades de cada indivíduo, especialmente aquele que não desenvolve a
aprendizagem dos códigos formais da escrita, o que na sociedade letrada significa
estar excluído dos modos de produção, fruição e consumo dos bens e patrimônios
produzidos no grupo ao qual pertence.
Com o novo paradigma, que aborda a Arte nas suas diferentes linguagens,
conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais, foi necessário pensar, inclusive,
na formação docente para atuação nesta área do conhecimento. Por outro lado,
na Educação Especial, na qual esta prática já existe, percebe-se o benefício de se
potencializar os diferentes canais de percepção sensorial do educando, ampliando
sua capacidade de aprendizagem, adaptação e percepção do mundo circundante.
Muitas vezes, a possibilidade de se sentir capaz de se expressar com o uso
de determinada linguagem artística contribui significativamente para a ampliação
147
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

da auto-estima, conforme pudemos observar, influenciando também no seu de-


senvolvimento em outras áreas do conhecimento.
Já com o profissional, formado numa outra perspectiva, acontece uma gran-
de dualidade: a vontade de mudar e a resistência em utilizar outros métodos que
contemplem esse novo paradigma, pois o que se requer do professor para atingir
os objetivos almejados com o aluno é justamente o desenvolvimento dessas poten-
cialidades nele próprio, o que significa uma mudança de atitudes, uma nova visão
de mundo e a reformulação do modo de vida e de conceitos enraizados. Por isso
mesmo, nem sempre mudar é tão fácil quanto parece.

A metodologia das oficinas de Arte


Conte-me alguma coisa e eu esqueço;
Mostre-me alguma coisa e eu me lembro;
Envolva-me com alguma coisa e eu compreendo.

Confúcio

A aprendizagem efetiva-se à medida que se torna mais significativa. Isso


ocorre quando se coloca o conhecimento como objeto próximo à realidade do
educando, acessível ao seu universo.
Vygotsky, situou muito bem essa abordagem chamando de zona do desen-
volvimento proximal ao conhecimento adquirido, que se torna pré-requisito para
novas aprendizagens, formando uma espiral do conhecimento.
Não confundamos, portanto, a aproximação do universo do educando com
a limitação das possibilidades de aprendizagem a um mesmo patamar. Trata-se,
na verdade, de dois aspectos: primeiramente, o entendimento de que o educando
é um ser de desejo e busca o prazer. Portanto, a aprendizagem significativa torna-
se mais prazerosa. Depois, ao partir das suas reais possibilidades, o indivíduo
sente-se sem medo de errar, pois tendo em vista o enfoque de Gardner sobre as
múltiplas inteligências, mesmo o portador de deficiência mental é capaz de apre-
ender conteúdos complexos utilizando outros canais sensoriais que não aquele
compreendido, isto pelo simples fato de o ser humano conter a possibilidade de se
expressar e assimilar conteúdos diversos que se constroem no cérebro formando o
objeto a ser percebido, quando exercitadas as percepções auditivas, visuais, táteis,
cinestésico-corporais e a capacidade de desenvolver relações intra e interpessoais,
assim como a capacidade de transpor para objetos reais a experiência sensorial
utilizando a inteligência pictórica.
Assim, no processo de reflexão metodológica realizado por nós, profissio-
nais no contexto da Escola de Educação Especial Ecumênica, no qual a Arte é
entendida como princípio educativo que rege as ações pedagógicas, vimos insubs-
tituível a oferta de diversificada gama de experiências artísticas aos educandos
nas suas diferentes linguagens, a fim de possibilitar a utilização de todos os canais
sensoriais, de forma a enriquecer o universo do educando e favorecer a expressão

148
A Arte e a Educação Inclusiva: uma possibilidade real

de todos conforme o potencial que apresenta e não considerando, somente, as


limitações da deficiência.
Dentre as linguagens artísticas podemos destacar:

Artes visuais
As Artes visuais envolvem a pintura, escultura, desenho, gravura, fotogra-
fia, cinema e imagens tecnológicas. É a articulação entre o fazer, o conhecer, o
exprimir e o criar que dá a produção deste conhecimento estético-visual.
Quando a pessoa produz qualquer Arte visual ela exercita o seu sentir e
o seu pensar, sendo que neste processo está presente a leitura dos elementos vi-
suais. É preciso organização e ordenação dos pensamentos para a construção e
fixação da imagem. Explorar instrumentos de trabalho, experimentar diferentes
possibilidades de uso, descobrir novos resultados faz com que os sentidos sejam
estimulados, ampliando as possibilidades de escolha do educando, que adquire
autocontrole nas suas ações.

Dança
A Dança é o canal cinestésico-corporal por excelência. Permite que as im-
pressões sobre o mundo traduzam-se em movimentos, porque toda expressão pela
dança requer do participante a criação de signos corporais e significados, propor-
cionando ao portador de deficiência a possibilidade de reorganizar sua relação
com o próprio corpo, com o ambiente e com o outro. É na dança que o ser humano
encontra-se mais íntegro, ou seja, corpo, mente e espírito.
Essa linguagem proporciona uma gama de experiências bastante rica e atua
no sentido de disponibilizar um instrumento de comunicação e expressão peculiar
a todos: o corpo. Além de permitir o diálogo com as outras linguagens.
Na perspectiva da técnica da Dança Moderna estruturada por Laban, o tra-
balho pode organizar-se do nível mais simples para o mais complexo, utilizando-
se dos diferentes fatores do movimento (peso, fluência, espaço e tempo/ritmo) de-
senvolvendo as habilidades motoras, a capacidade expressiva e o reconhecimento
e consciência do próprio corpo.

Música
A Música é constituída de ritmo, melodia e harmonia, porém é necessária
uma junção entre corpo e mente para que ela exista. Apenas a partitura não pode
se caracterizar como música.
A Música é uma linguagem sonora que utiliza elementos verbais e não-ver-
bais. Por meio de diferentes sonoridades mobilizamos sentimentos, afetividades,
imaginações e expressividades. Por meio de releituras e criações musicais pode-
mos trabalhar com as palavras, das mais simples às mais complexas, tendo como
objetivo maior a verbalização. O mais importante é o respeito pela singularidade
e diferenças de cada um.
149
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Em cada um de nós existe um ritmo biológico e uma musicalidade própria,


portanto, cada um de nós possui uma identidade sonora (ISO).

Abrindo espaço à diversidade


Partindo do pressuposto de que todos podem desenvolver, em algum aspec-
to, o seu potencial, mesmo aqueles mais comprometidos, como no caso do edu-
cando portador de múltipla deficiência (outras deficiências aliadas à deficiência
mental), e que a forma de desenvolver este potencial precisa contemplar a vivência
efetiva do conteúdo, adotamos a metodologia de oficinas de Arte.
A estruturação da aprendizagem dentro das linguagens artísticas reorgani-
za o tempo, o espaço e o saber no interior da escola fazendo repensar o currículo
e, além dos aspectos já abordados, tem-se mostrado importante instrumento na
socialização do educando e na aquisição da independência e autonomia.

O tempo
Uma das características das oficinas de Artes que propomos é a modificação
do tempo escolar. Sabemos que a pessoa portadora de deficiência mental é capaz
de adquirir aprendizagens. Contudo, requer um tempo maior, pautado por uma
metodologia diferenciada.
A organização de um ambiente rico em experiências vai desde o planeja-
mento das ações até a disponibilização de materiais para a atividade, que pode ser
aproveitada e explorada pelos educandos, requerendo um período maior que do
atendimento normal para exploração, utilização no desenvolvimento da proposta
e síntese do conhecimento com avaliação junto aos alunos.

Espaço
A adequação do espaço físico e dos espaços interiores para cada indivíduo
é fundamental para o trabalho com a proposta das oficinas.
É necessário organizar materiais e/ou dinâmicas que envolvam a ocupação
espacial e proporcionem ao aluno, perceber, absorver e criar a partir da temática e
conteúdos selecionados. Não é possível pensar numa nova abordagem metodoló-
gica sem repensar as relações que temos com o espaço da escola e disponibilizar
nossos espaços interiores para novas vivências e formas de interagir com a vida,
pois está nesse ponto um dos fatores principais do sucesso das oficinas.

Saber
Os objetivos do saber escolar devem ser repensados no contexto escolar
como um todo, mas especialmente na educação escolar da pessoa com deficiência
mental, pois o conhecimento formal, como já foi dito, necessita muitas vezes ter
um caráter funcional para a vida do educando, favorecendo sua prática social.

150
A Arte e a Educação Inclusiva: uma possibilidade real

Caso de Sucesso:
pintores com a boca e os pés
A Associação dos Pintores com a Boca e os Pés foi fundada em 1956, em
Liechtenstein, por Erich Stegmann, com o objetivo principal de proporcionar uma
vida independente para artistas que não têm o uso de suas mãos.
Tudo começou quando um artista, portador de necessidades especiais, cha-
mado Erik Stigmam, da Alemanha, que pintava com a boca, começou a expor
seus trabalhos na rua e praças e a reproduzir suas obras em forma de cartões e
calendários depois da Segunda Guerra Mundial.
Seu projeto começou a expandir-se para países vizinhos e outros continen-
tes e hoje a associação conta com mais de 500 membros em mais de 60 países,
e não faz distinção alguma entre nacionalidade, raça e crença. Atualmente, há
22 pintores no Brasil, e a associação procura ativamente por novos estudantes
e membros.
No Brasil, começou em meados de 1963 reproduzindo obras dos artistas de
outros países e, em 1966, os artistas Fernando dos Reis e Gonçalo Borges come-
çaram a fazer parte do projeto.
Todos os integrantes dessa sociedade internacional são incapacitados para
pintar usando suas mãos, e todos são beneficiados com a satisfação em poder ga-
nhar seu próprio sustento, independente de caridade. Uma vez que se tornam mem-
bros (sócios), seu trabalho deve ser de um padrão que possa competir em estética e
base comercial com os trabalhos de artistas convencionais. Uma vez aceitos como
membros, é garantida a eles uma renda substancial por toda a vida, mesmo se fo-
rem incapacitados de continuar a pintar. Isso é providenciado por meio da renda
derivada da venda de seus trabalhos como: cartões, calendários e outros.
A renda das vendas também provê bolsas para pintores com a boca ou
com os pés, que primeiramente não podem atingir os padrões exigidos de um
membro, assim suas habilidades podem ser desenvolvidas e encorajadas. Além
disso, subvenções são feitas para equipamentos especiais e tratamento em algu-
mas circunstâncias.
Essa cooperativa mundial única é gerenciada e administrada pelos seus
membros, todos artistas sem o uso de suas mãos.
Todos os artistas recusam caridade, preferindo competir em termos iguais com
artistas normais. Fazem de tudo para assegurar que sua associação seja entendida
como um trabalho, um negócio, e não confundida com entidades filantrópicas.
Vários artistas-membros têm tido seus trabalhos aceitos em exposições in-
ternacionais e ganham medalhas e outras honras por realizações artísticas e aca-
dêmicas.
O sucesso das vendas de seus produtos, num mercado altamente competi-
tivo, ajuda a assegurar aos artistas um estilo de vida independente que realça a
atividade do seu trabalho criativo, livre de preocupações financeiras. Para esse

151
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

fim, os artistas possuem sua própria empresa de edição, ou indicam editores para
produzir, distribuir e vender os produtos característicos de seu trabalho.
Eles também têm especialistas financeiros e legais para cuidar de seus as-
suntos, e têm sido bem-sucedidos em manter os custos de administração abaixo
de 7% da renda das vendas.
Para serem reproduzidos, os trabalhos são inteiramente selecionados com
base no potencial de venda artístico, e não nas necessidades dos artistas, a fim de
contribuir com a renda da sociedade em qualquer ano.
Dr. Richard Hiepe, um eminente historiador da Arte, disse uma vez:
Essa associação classifica-se entre uma das mais audaciosas aventuras sociais do nosso
tempo. Não há muito tempo, tais pintores eram meramente ditos como maravilhas raras
ou como exemplos singulares de suas próprias conquistas heróicas. Só recentemente, e
com as atividades da Associação dos Pintores com a Boca e os Pés e seu trabalho, é que
isso se tornou um conceito geral.
Têm que suportar o caminho que conduz para suas criações – a aflição física e emocio-
nal pela qual eles se levantam. Geralmente, a perda das mãos não é o único infortúnio:
doenças e sofrimentos freqüentes pelos quais o mundo saudável tem apenas um conceito,
constantemente acompanham sua existência. O trabalho artístico é uma liberação para
aqueles que são tão aflitos. Pela virtude do seu trabalho, os artistas tornam-se seres novos
e integrados.
A associação faz com que os artistas sejam independentes de toda a miséria da caridade
publicamente conduzida. Mas, mais significante que isso, os inspira com a consciência de
uma vida construtiva adquirida pelo esforço pessoal e da construção de uma existência
independente. Eles realizam isso por meio da sua Arte – mais uma vez com sua vida em
suas próprias mãos.

Relação de pintores brasileiros


Fernando Fernandes dos Reis, nascido em 29/10/1944, em Vitória/ES.
Com as mãos deformadas, desde o nascimento, aprendeu a pintar com
os pés em um centro ortopédico. Seus temas preferidos são paisagens
e flores.

Gonçalo A. Pinto Borges, nascido em 08/01/1952, em Novo Horizonte/


SP. Afetado pela paralisia dos braços desde o nascimento, aprendeu
logo cedo a pintar com a boca e os pés. Seus trabalhos apresentaram
um notável talento artístico.

Maria de Lourdes Alesse, nasceu em 10/11/50, em Olímpia/SP, sem os


braços. Em 1969, começou a desenhar e pintar com os pés. Desde então,
dedica-se à pintura, principalmente de figuras campestres, seu tema
favorito. Com seu trabalho, já participou de várias exposições pelo Brasil
e pela América do Sul.

152
A Arte e a Educação Inclusiva: uma possibilidade real

Juracir Batista Oliveira, nascido em 06/10/59, em Nova Andradina/SP.


Ficou paraplégico em 78, devido a um acidente de rodeio. Começou
a dedicar-se à pintura com a boca, atividade que permitiu ao artista
alcançar uma nova dimensão na vida.

José Henrique Taveira Breda, nascido em 27/10/1960, em Franca/SP.


Com os braços e as pernas paralisados desde o nascimento, aprendeu a
pintura com o professor Goret.

Eusuclemia Rufino Vieira, nascida em 25/04/1953, no Rio de Janeiro/


RJ. Aos 21 anos, devido a um acidente com cabo de alta tensão, perdeu
os antebraços e teve afetada a visão direita. Foi quando começou a
aprender a pintura com a boca. Seus temas favoritos são paisagens
marinhas.

Claudette Corpo, nascida em 15/06/1938, em São Paulo. Aos 4 anos de


idade, teve poliomelite. Sempre gostou de Arte e, aos 18 anos, começou
a dedicar-se à pintura com a boca.

Clênio Ventura, nascido em 23/11/1968, em Brasília/DE. Ficou


tetraplégico aos 19 anos, quando sofreu um acidente ao mergulhar nas
águas rasas da Barragem de Santo Antônio do Descoberto. A partir daí
aprendeu a pintar com a boca.

Moacir Ferraz, nascido em 10/11/1970, em Buritama/SP. Vítima de uma


disfunção congênita cerebral mínima, por possível trauma de parto,
com 5 anos começou seus primeiros rabiscos na terra, utilizando uma
lasca de madeira entre os dedos do seu pé esquerdo.

Rose Mary Orth, nascida em 26/05/1966, teve poliomelite com 1 ano


e 4 meses de idade. Com 13 anos, começou desenhando nas aulas de
Educação Artística, segurando o lápis com a boca. Há 6 anos mora em
Brasília/DF.

153
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Eliana Zagui, nascida em 23/03/74, em Guariba/SP. Aos dois anos foi


vítima de poliomelite que a deixou paralisada do pescoço para baixo,
obrigando-a a viver 24 horas num aparelho respiratório. Eliana mora
no Hospital das Clínicas há 26 anos, e foi lá que ela aprendeu a ler,
escrever, teclar no computador e a pintar, tudo isso feito com a boca.

José Marcos dos Santos, nascido em 29/12/71 em São José dos Campos/
SP, perdeu a coordenação motora dos membros superiores e teve a fala
parcialmente afetada pela falta de oxigênio no cérebro, no momento
do seu nascimento. Com 8 anos de idade, Marquinhos aprendeu a
utilizar os pés para realizar suas atividades básicas, quando surgiram
os primeiros rabiscos e o interesse pelas formas e cores, o que acabou
levando-o a se dedicar às aulas de pintura.

Maria Aparecida Falleiros, nasceu prematura aos 7 meses de gestão


em 31/10/42, em Tupã/SP, ficando tetraplégica. Aos 30 anos de idade,
Cidinha começou a pintar com a boca, incentivada por uma psicóloga
que lhe dava assistência.

Paulo César Duarte, nascido em Cambará/PR em 15/11/72. Ficou


tetraplégico em 1996, ao mergulhar num rio de águas rasas, perto da
casa onde morava, em Santa Catarina. Depois do acidente, dicidiu fazer
algo para passar o seu tempo, começando, a se dedicar à pintura.

Simony Garcia, nascida no Espírito Santo em 08/10/71. Simony era


jornalista antes de sofrer um acidente de carro que a deixou tetraplégica.
Como já pintava antes do acidente, desenvolveu técnicas com a boca,
obtendo grande sucesso e destaque na mídia. Com 4 filhos, hoje,
Simony sente-se feliz e orgulhosa por ter enfrentado tantas barreiras e
conseguido chegar até aqui.

Jadir Raymundo nasceu sem os membros superiores em 19/02/62,


na cidade de Penópolis/SP. Foi na AACD de São Paulo, onde ficou
internado dos 10 aos 14 anos, que ele recebeu incentivo dos professores
nas aulas para começar a pintar.

154
A Arte e a Educação Inclusiva: uma possibilidade real

Etedsued Pereira Carvalho, nascido em São Paulo em 25/10/59. Ficou


tetraplégico ao ser atropelado por um carro desgovernado no portão
de sua casa. Encorajado, a pintar com a boca, por algumas assistentes
sociais na Santa Casa, onde faz fisioterapia uma vez por semana,
Etedsued iniciou sua Arte, usando-a muitas vezes, para aliviar as dores
que sentia no pescoço e relaxar.

Daniela Caburro, nascida em São Carlos, em 10/06/71. Com 8 meses


de vida teve poliomelite e, como conseqüência, ficou tetraplégica.
Para Daniela, a Arte sempre foi um sonho de poder colocar para fora
tudo o que estava na sua cabeça e na sua alma e, desde 1995, ela vem
dedicando sua vida à pintura, mostrando um grande talento.

Jefferson Luís Hoffmann, nascido prematuramente em Nova Petrópolis/


RS em 31/01/86. Depois de 15 dias de internação, foi diagnosticado que
estaria com meningite, o que o deixou tetraplégico. Em 1998, encantado
com uma exposição de telas em sua cidade e incentivado pela família e por
amigos, começou a se dedicar à pintura.

Antonio João Estanislau Filho, nascido no Município de Serra/ES em


26/12/60. Aos 10 anos de idade começou a perder o movimento dos
braços e das pernas devido a uma atrofia muscular progressiva, o que
de vez em quando acaba causando-lhe falta de ar. Autodidata, em 2001
tentou pintar com a boca pela 1.ª vez, sendo a pintura a única coisa que
dá sentido à sua vida.

Marcelo Cunha nasceu no Rio de Janeiro em 10/09/65. Aos 21 anos


de idade teve duas vértebras quebradas ao bater a cabeça durante um
mergulho numa cachoeira. Antes do acidente que o deixou tetraplégico,
Marcelo era designer gráfico. Hoje, autodidata, aprendeu a pintar belas
paisagens com a boca.

Pituco Waiâpi nasceu em 13/10/77 numa tribo indígena. Aos 2 meses


de vida teve poliomelite e foi removido para Belém para receber
tratamento, pois segundo as tradições indígenas, ele deveria ser morto
por ter nascido com esse problema. Foi acolhido pela “Casa do Índio”
depois de ter outros problemas de saúde, como malária, o que acabou
debilitando-o e deixando-o tetraplégico. Pituco começou a se dedicar
à pintura com a boca.

(Imagens e legendas: disponíveis em: <www.apbp.com.br>).

155
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Relatos
Gonçalo Borges
Nasci em uma cidade do interior de São Paulo chamada Novo Horizonte. O
parto foi feito pela minha avó, pois nasci na fazenda, em casa de barro. Meus pais
foram aconselhados a virem para São Paulo, na capital, onde houve uma avaliação
médica e psicológica e sofri algumas cirurgias nos braços, pois os dois eram retos.
Nestas cirurgias colocaram um cotovelo e hoje tenho um pouco de movimento
no braço esquerdo. Os médicos queriam fazer mais experiências, mas a mãe não
deixou. Bem, meus pais decidiram mudar para a capital.
Minha vida, quando bebê, era ir com meus pais para a roça onde trabalha-
vam. Já era arteiro, pois tentava beber água da moringa e acabava por tombá-la
com os pés e aí eles ficavam sem água para fazer o café.
Minha deficiência nos membros superiores é congênita, mas não me impede
de executar muitas tarefas.
Eu era um garoto que tinha (e tenho) muitos amigos, brincava na rua todos
os dias, com bolinhas de gude, pipas e balão. Tinha amizades com pessoas de
mais idade, às vezes minha mãe me procurava e não me encontrava, pois eu esta-
va passeando de caminhão ou em outra casa jogando bolinha de gude, quem me
levava havia apostado, e eu jogava com os pés, com uma excelente pontaria. Até
com estilingue eu era bom, quebrei várias vidraças.
Bem, a idade escolar havia chegado e minha mãe foi procurar uma escola
pública e aí veio o primeiro preconceito da sociedade. A própria diretoria alegava
que eu, escrevendo com os pés, poderia desviar a atenção dos outros alunos e foi
assim também nas escolas particulares. Mas a mãe não desistiu, até que indicaram
a Associação de Assistência à Criança Defeituosa AACD e lá fiquei interno até
os 13 anos.
Foi uma excelente escola para mim, pois aprendi, além da escola, muitos
trabalhos manuais como tecer tapetes e trançados, e foi lá que comecei a usar a
boca, como escrever e desenhar, pois desenhava e escrevia com os pés. Também
aprendi natação. Participei de várias campanhas educativas com meus desenhos,
tendo ganho alguns prêmios, inclusive da ONU. Eu estava lá não para me reabi-
litar, pois não tinha o que reabilitar e sim para ter educação. E lá fiquei até os 13
anos. Saindo de AACD, voltei a morar com meus pais. Meus irmãos mais novos
não me reconheciam como irmão. Foi muito engraçado. Mas com o tempo tudo
se resolveu. Começou novamente a luta de minha mãe para que eu continuasse os
estudos. Outra vez o preconceito e a rejeição começaram.
Mas minha mãe foi muito persistente. Conseguiu em uma escola perto de
casa e aí foi muito bom, pois obtinha ótimos resultados, porque sempre fui muito
disciplinado. Daí para a frente comecei a estudar em outras escolas e a brincar na
rua, jogando bola, bolinha de gude, malha, soltar pipas e balões, coisa proibida.
Um de meus amigos começou a trabalhar em uma empresa e seu patrão lhe pediu
para que ele comprasse uns cartões de Natal, e ele perguntou como eram e lhe
156
A Arte e a Educação Inclusiva: uma possibilidade real

responderam que eram pintados com a boca ou com os pés. Nesse momento, ele
lembrou de mim. Foi marcada uma visita minha à empresa, e qual não foi minha
a surpresa, a Associação dos Artistas Pintores que Pintam com os Pés e com a
Boca, já estava me procurando. Fiz alguns trabalhos que foram mandados para
nossa sede em Liechtenstein, um país que fica entre a Áustria e os Alpes Suíços.
Com 18 anos fui aceito e até hoje sou artista desta associação e em março de 2000
passei a ser membro, o que significa fazer parte do conselho.
Quando entrei para a associação precisava ter mais conhecimento de pintu-
ra, mais técnicas, e a associação procurou várias escolas para me matricular e al-
gumas me rejeitaram pelo preconceito alegando que chamaria atenção dos alunos
e estes pagavam muito caro. Realmente, não precisei dessa escola, pois conheci
outras muito melhores e que me deram cursos gratuitos, pois como sou desinibido
pedia bolsa de estudo e ganhei algumas.
Quando tomei conhecimento do preconceito, isto foi fazendo com que eu
tivesse muito mais ousadia e quando fico sabendo de algum vou até o fim, pois
temos que ser respeitados, e, hoje, eu sou respeitados pela sociedade. Após esses
cursos, prestei vestibular para a área de propaganda, e entrei na Escola Superior
de Propaganda e Marketing. Foram 4 anos de dureza e luta. Digo isso, porque não
tinha dinheiro suficiente para pagar a escola, tomar ônibus e comer, pois estava
estagiando em um estúdio de Arte. Minha decisão foi pedir a um político uma
ajuda para continuar, e este me deu uma carta de apresentação à direção, e esta
me respondeu que ali aquele documento não tinha valor. Decidi pedir à direção
da faculdade na qual já estudava a bolsa para continuar e consegui. Fiz o mesmo
na Faculdade de Belas Artes de São Paulo. Pegar ônibus é uma luta muito grande,
pois não posso segurar com as mãos. O jeito é me apoiar nos outros, o melhor era
pegar o ônibus lotado, pois me apoiava nas pessoas.
Pintando bem melhor, obtive um aumento em meu salário-bolsa na asso-
ciação, e o meu sonho de ter meu primeiro carro estava chegando, já havia rascu-
nhado o desenho da peça, aí perguntei à mãe quanto tinha na poupança e decidi
comprar o carro. Minha mãe achou que era um loucura, pois como iria dirigir,
e eu disse com os pés, aí todos disseram: como? E provei, pedi a uma tornearia
que fizesse a peça e instalasse, toparam. A minha vontade de dirigir era tanta que
fiz um teste e consegui, ninguém queria andar comigo, pois tinham medo e me
achavam louco.
Preparei-me bem para a prova escrita e passei, o psicotécnico foi tranqüilo,
só no prático os médicos colocaram empecilhos, alegando que dava coceira nos
pés, que eles suavam e que não era seguro, e eu perguntei se a mão deles não sua-
va e se eles eram seguros de si. Bem, essa briga durou três anos. Aleguei que iria
dirigir mesmo sem habilitação e consegui depois de muita luta.
Fui rejeitado nas agências de propaganda, nunca tive um emprego.
Conheci uma pessoa muito profissional que resolveu me dar uma oportuni-
dade. Usei e abusei, conheci tudo sobre propaganda impressa e mídia.
Comecei a aprender serigrafia, mexer com acrílico e hoje tenho uma empre-
sa especializada em comunicação visual.
157
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Tendo feito uma reportagem para o Fantástico, uma empresa de Curitiba,


chamada Círculos dos Profissionais de Vendas, me contactou, e resolveu fazer
uma fita de minha vida. Deu muito certo. Essa fita foi feita há 10 anos e até hoje
sou contratado para ministrar palestras para vendedores, representantes, empresá-
rios, alunos e outros. Já viajei o Brasil e partes do mundo por conta disso.
Coisas que gosto: pescaria, jogar bocha, bater papo com amigos no bote-
quim tomando uma cerveja bem gelada, comer um bom churrasco.

O Caminho para o Sucesso


O sucesso significa conquistas, quebra de barreiras, persistência, amor ao
que se está fazendo.
O sucesso é o resultado do trabalho em que se está empenhado, o reconhe-
cimento da sociedade.
As experiências que passei, me mostraram que muito trabalho e muita dedi-
cação ao que se está fazendo, mesmo não sendo de nosso agrado, assim como ter
muita persistência e muita paciência, levam à satisfação e ao reconhecimento.
Ao deitar, agradeço pelo dia que passei, bom ou ruim. O meu trabalho diário
é planejar o que se vai fazer nesse dia. Diariamente o que é mais importante para
mim é o meu desempenho e a minha criatividade diante das circunstâncias. Crer
em mim, ter autoconfiança, não ter medo.
A minha maior satisfação é derrubar uma barreira, é a conquista, é o resul-
tado positivo, o que me dá mais prazer é a satisfação de estar de bem com a vida,
seja onde for, pois sou muito extrovertido.
Duvidar de minha capacidade me desafia, pois acredito em um mundo me-
lhor, mesmo o bem e o mal andando juntos. Os que souberem usar sua consciência
saberão mudar esta situação, tão egoísta, dos seres humanos, pois sucesso não é
ter muito dinheiro, este não compra o amor, a saúde e a felicidade. O sucesso é o
que ocorre comigo, sendo respeitado pela pessoa que sou.
Eu acho que meu sonho está se realizando. Tenho tudo que uma pessoa gos-
taria de ter, saúde, vontade e acredito em mim.
Gostaria de homenagear minha mãe, pois é, e sempre vai ser, minha grande
heroína e minha ídola predileta (falecida).
Site da Associação: www.apbp.com.br

Relato de Claudete Corpo


Aos quatro anos de idade, Claudete Corpo teve poliomielite e, com tra-
tamentos, adquiriu alguns movimentos, locomovendo-se apenas com cadeira
de rodas.
Desde pequena gostava de desenhar e, tendo a necessidade de trabalhar,
começou a pintar aos 16 anos. Para isso, fez alguns cursos em casa e, ao longo dos
anos, foi desenvolvendo suas habilidades.
158
A Arte e a Educação Inclusiva: uma possibilidade real

Hoje, com 65 anos, Claudete leva uma vida normal, sempre com muitos
compromissos, porque participa de exposições, dá palestras e canta. Para ela, a
pintura representa um momento de terapia e alegria. “Para as pessoas que se quei-
xam muito da vida, que valorizem os seus corpos perfeitos, com todos os movi-
mentos. Assim poderão ver o mundo de forma diferente”.
Há uns quatro anos ela começou a participar da Associação de Pintores
com a Boca e os Pés. “Estou muito feliz em participar de uma associação tão
idônea”, comenta.
Claudete também fez aulas de canto aos 14 anos, é soprano ligeiro e já
gravou um CD chamado Amigos para Sempre. Ela conta que faz muitas apre-
sentações filantrópicas em creches, escolas e já cantou até em uma penitenci-
ária feminina.

Relato de Eliana Zagui


Eu, Eliana Zagui, natural de Guariba, nascida no dia 23/03/1974, com 1
ano e 9 meses de idade fui vítima de uma doença chamada Poliomielite (paralisia
infantil).
Hoje, independente da criança estar com febre, ou garganta inflamada, é
vacinada, e na época em que tudo me aconteceu, eu tive esses sintomas, porém
não fui vacinada.
A doença foi extremamente radical comigo, deixando-me paralisada do pes-
coço para baixo, obrigando-me a viver 24 horas num aparelho respiratório. Mas
não me paralisou no tempo, pois apesar de viver há 28 anos entre quatro paredes
do Hospital das Clínicas de São Paulo, pude me tornar uma artista plástica.
Aqui, aprendi  a fazer de tudo um pouco, somente com a boca: escrever,
pintar, virar páginas de livros e revistas, fazer artesanatos com palitos de sorvete,
teclar no telefone, no computador. Além disso, aprendi a ler, mas cada coisa no
seu devido tempo e com muita ajuda das terapeutas ocupacionais, apoio de médi-
cos, auxiliares e atendentes de enfermagem, professoras, voluntárias, assistentes
sociais e, um fator principal, a minha persistência e força de vontade para chegar
onde estou hoje.
Para chegar a fazer todas essas coisas fui passo a passo, com o uso de uma
simples espátula de madeira, que, muitas vezes, tinha uma caneta presa com es-
paradrapo, para eu poder escrever uma carta ou um bilhete, ou um pincel, inde-
pendente da sua espessura, para poder colocar um pedacinho do meu eu numa tela
branca, ou a espátula pura mesmo, para poder teclar no telefone ou virar a página
de algum livro ou revista.
Tudo começou quando eu tinha oito anos de idade, mas a princípio, era uma
forma de distração e de grandes descobertas para saber o que podia fazer somente
com a boca. Comecei a pintar em papel e depois fui para a madeira pirografada,
na qual eu preenchia os espaços com tinta de tecido misturada com cola, que dava
uma textura de alto-relevo. Isso era feito com um palito de churrasco ou bambu,
preso a uma espátula, o qual segurava com os dentes.
159
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Com o passar dos anos, fui melhorando cada vez mais. Foi quando apareceu
uma professora de Artes Plásticas para ser voluntária no Hospital das Clínicas
de São Paulo, seu nome é Úrsula. Demonstrei interesse em aprender a pintar em
tela.
Para nós duas, tudo era novidade, pois ela nunca havia dado aulas para defi-
cientes. Dessa forma, o ensinamento foi mútuo, pois ela me ensinava suas técnicas
de luz, sombras, pinceladas e eu a ensinava como prender os pincéis nas espátulas
de madeira, como posicionar o quadro da melhor forma. Descobrimos juntas ou-
tras posições para o quadro e assim fomos caminhando lado a lado.
Interessante é eu mesma ver o álbum onde tenho fotos desde a primeira tela,
até a última, pois a mudança é extrema. Porém, devo essa evolução na pintura à
professora Úrsula, voluntária do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Depois de um certo tempo pintando telas, apareceram duas moças encami-
nhadas pela voluntária Eleny, da capela evangélica do Hospital das Clínicas. Uma
dessas moças, chama-se Paola, e é representante da Associação dos Pintores com
a Boca e os Pés aqui no Brasil e estava acompanhada pela sua mãe.
Elas vieram numa tarde me visitar e, por sorte, nesse dia, a professora Úrsula
estava presente. Foram apresentando-se para nós e explicando o motivo da visita.
Paola explicou e mostrou os trabalhos dos Pintores com a Boca e os Pés e eu
pedi para a professora Úrsula pegar alguns quadros e o álbum que tenho com as
fotos de todos os quadros pintados com a boca.
Depois de  mostrar todos os trabalhos de ambos os lados, Paola deixou
um formulário para que eu pudesse preencher com todos os meus dados e depois
eu teria que escolher seis quadros, que seriam enviados, junto com fotos minhas
em atividades e o formulário, para a Suíça, pois lá tem a sede da Associação dos
Pintores com a Boca e os Pés.
 Jamais imaginei que, um dia, meus quadros sairiam do Brasil para serem
avaliados e aprovados, para serem mostrados ao mundo inteiro, pois foi aí que eu
descobri que realmente tinha o potencial para pintura. Percebi que isso era minha
verdadeira profissão, atividade para seguir em frente na vida.
Ao receber a resposta de que fui aprovada pela Associação dos Pintores com
a Boca e os Pés, fiquei muito contente e realizada, pois tive mais uma prova de que
Deus estava ao meu lado. Hoje, o dinheiro que recebo da associação é usado para
comprar materiais de pintura como: tintas, pincéis etc.
Apesar de trabalhar muito, também tenho meus amigos que vêm me visitar
sempre que podem. Mas tenho um amigo, que é mais do que um amigo, é um
verdadeiro irmão, seu nome é Paulo Henrique Machado.
Paulo tem 36 anos de idade, também teve paralisia infantil quando criança.
Vive 24 horas num aparelho respiratório, mas a doença foi menos radical com ele,
pois consegue mexer seus braços, o que é importante para fazer seus trabalhos

160
A Arte e a Educação Inclusiva: uma possibilidade real

no computador, como páginas de web, artes gráficas e aceitar encomenda de sites.


Consegue dirigir sua cadeira de rodas motorizada, adora ir ao cinema, jogar vide-
ogame, ouvir trilhas sonoras de filmes (menos brasileiros) e como todo irmão que
existe nas famílias, também temos os nossos contratempos.
Paulo é um excelente amigo, irmão verdadeiro que tenho em meu quarto
todas as 24 horas de todos os anos. Dou graças a Deus por nós fazermos parte da
vida um do outro em todos os sentidos.
Quem ler esse depoimento, não leia com olhos de piedade, mas sim acre-
ditando que Deus pode te ajudar a vencer as maiores barreiras e obstáculos que
possam existir na sua vida, pois tudo é realmente possível, quando queremos e
lutamos.

Considerações finais
Ao analisar profundamente a importância da Arte para a Educação, pode-se
concluir que esta, além de atuar como facilitadora do processo de aprendizagem
e formadora de personalidades, mostra-se como geradora de opiniões, formando
indivíduos críticos e transformadores de sua realidade social.
Pensar que pessoas com deficiência possam atingir este objetivo é supor
que existe um sujeito de desejos e opiniões próprias, não mais sujeitos que pre-
cisam reabilitar-se para poder não só usufruir como produzir os benefícios que
sua comunidade oferece, pois lhe foi dado o direito de participar desta sociedade
sem precisar preparar-se para ela como supõe o paradigma antigo da Educação
Especial.
Os objetivos da Arte Educação vêm sendo alcançados na Escola Ecumê-
nica, à medida que todos (equipe e alunos) sentem-se envolvidos com projetos e
atividades propostas, somando resultados no desenvolvimento pessoal e profissio-
nal, com um ambiente artístico cada vez mais favorável.
Nestes 30 anos, a Escola Ecumênica destaca-se no cenário da Educação
Especial pela trajetória percorrida em busca de uma identidade que hoje se apre-
senta por meio de uma proposta educacional criativa e comprometida com o de-
senvolvimento global da pessoa com deficiência mental, sua clientela específica,
buscando o aperfeiçoamento constante e tendo a Arte como base norteadora nesse
processo.

161
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

162
A atividade
motora adaptada
Ruth Eugênia Cidade

A
tualmente, a atividade física e esportiva para pessoas com deficiência1 tem
sido conduzida em três perspectivas: a primeira encara a prática da ativi-
dade motora na perspectiva educacional e acontece (quando acontece) no
âmbito da escola; a segunda encara a atividade motora na perspectiva do lazer; e
a terceira na perspectiva do esporte de alto rendimento.
Estaremos abordando neste texto a Educação Física Adaptada (ou atividade
motora adaptada) de forma geral e, posteriormente, abordaremos o paradesporto
(ou esporte adaptado) buscando divulgar e enfatizar as possibilidades motoras das
pessoas com alguma deficiência.

A Educação Física Adaptada


Conforme Pedrinelli (1994), o termo Educação Física Adaptada surgiu na
década de 50 e foi definido pela American Association for Health, Physical Edu-
cation, Recreation and Dance (AAHPERD) como sendo um programa diversifi-
cado de atividades desenvolvimentistas, jogos e ritmos adequados aos interesses,
capacidades e limitações de estudantes com deficiências. A partir de 1982, passou
a ser definida como “Educação Física para pessoas portadoras de necessidades es-
peciais. São consideradas atividades apropriadas e possíveis as atividades desen-
volvimentistas, jogos, esportes e atividades rítmicas. Toda programação deve ser
adequada aos interesses, capacidades e limitações dos estudantes” (SEAMAN;
DePAUW apud PEDRINELLI, 1994, p. 8).
Educação Física Adaptada “é uma área da Educação Física que tem como
objeto de estudo a motricidade humana para as pessoas com necessidades edu-
cativas especiais, adequando metodologias de ensino para o atendimento às ca-
racterísticas de cada portador de deficiência, respeitando suas diferenças indi-
viduais” (DUARTE; WERNER, 1995, p. 9). Podemos encontrar alguns autores
que consideram o termo Educação Física Especial como a Educação Física para
pessoas deficientes. Outros, ainda, consideram o termo Educação Física Adap-
tada, Atividade Motora Adaptada e Educação Física ­Especial com o mesmo
significado (PEDRINELLI, 1994).
Segundo Bueno e Resa (1995), a Educação Física Adaptada para portado-
res de deficiência não se diferencia da Educação Física em seus conteúdos, mas
compreende técnicas, métodos e formas de organização que podem ser aplicados
ao indivíduo deficiente. É um processo de atuação docente com planejamento e
visando atender às necessidades de seus educandos.
1 Pessoas com deficiência
(física/motora, visual, au-
ditiva, mental e múltipla).
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Objetivos da Educação Física Adaptada


Para Duarte e Werner (1995), o objetivo da Educação Física Adaptada é ofe-
recer atendimento especializado aos educandos portadores de necessidades edu-
cativas especiais, respeitando-se as diferenças individuais, visando proporcionar
o desenvolvimento global dessas pessoas, tornando possível não só o reconheci-
mento de suas potencialidades, como também, sua integração na sociedade.
Propiciar desenvolvimento global envolve ajuda para que o indivíduo
consiga atingir a adaptação e o equilíbrio que requer sua defi­ciência; identifi-
car as necessidades e capacidades de cada educando quanto às suas possibi-
lidades de ação e adaptações para o movimento; facilitar sua independência
e autonomia, bem como facilitar o processo de inclusão e aceitação em seu
grupo social.
A Educação Física Adaptada pode proporcionar aos educandos oportu-
nidade de utilizarem suas habilidades por meio de atividades motoras, jogos
e desporto, a fim de desenvolverem o máximo de suas capacidades. Segundo
Bueno e Resa (1995), a Educação Física se constitui de uma grande área de
adaptação ao permitir, nos programas especiais, a participação de crianças
e jovens em atividades físicas adequadas às suas possibilidades, proporcio-
nando que sejam valorizados e se integrem no mesmo mundo que os demais.
O Programa de Educação Física Adaptada possibilita ao aluno a compreen-
são de suas limitações e capacidades, auxiliando-o na busca de uma melhor
adaptação ao meio.

Conteúdo e metodologia da
Educação Física Adaptada
Segundo Pedrinelli (1994, p. 69), “todo o programa deve conter desafios a
todos os alunos, permitir a participação de todos, respeitar suas limitações, pro-
mover autonomia e enfatizar o potencial no domínio motor”. A autora coloca que
o educador pode selecionar a atividade em função do comprometimento motor,
idade cronológica e desenvolvimento intelectual.
Bueno e Resa (1995) propõem um programa baseado nos seguintes conteúdos:
1. esquema corporal e lateralidade;
2. coordenação;
3. equilíbrio;
4. organização espaço-temporal;
5. qualidades físicas básicas;
6. socialização.
Todas as atividades devem considerar as potencialidades e limitações do
portador de deficiência bem como devem ser realizadas de maneira constante,
progressiva e regular.

164
A atividade motora adaptada

O professor de Educação Física deve observar que as regras e rotinas são


importantes para que a criança e o adulto sintam-se seguros durante as ativida-
des motoras.
A realização de atividades com crianças, principalmente aquelas que en-
volvem jogos, devem ter um caráter lúdico e favorecer situações em que a crian-
ça aprenda a lidar com seus fracassos e seus êxitos. A variedade de atividades
também prevê o esporte como um auxílio no aprimoramento da personalidade
de pessoas portadoras de deficiência (BUENO; RESA, 1995). As crianças com
algum nível de deficiência (auditiva, visual, física e mental) podem participar da
maioria das atividades propostas para elas. Na escola, os educandos com defi-
ciência leve e moderada podem participar de atividades dentro do programa de
Educação Física, com pequenas adaptações, que não prejudiquem o conteúdo.

Implicações para a prática pedagógica


É importante que o professor tenha os conhecimentos básicos relativos
ao seu aluno como: tipo de deficiência, idade em que apareceu a deficiência,
se foi repentina ou gradativa, se é transitória ou permanente, as funções e es-
truturas que estão prejudicadas. Implica, também, que esse educador conheça
os diferentes aspectos do desenvolvimento humano: biológico (físicos, sen-
soriais, neurológicos); cognitivo; motor; interação social e afetivo-emocional
(Cidade; Freitas, 1997).

Conhecer para prevenir, por exemplo:


No caso da deficiência física/motora a Disreflexia Autonômica: A disrefle­
xia ou hiperreflexia autonômica pode ocorrer em um aluno que tenha lesão
medular alta (T4 – 6 ou acima). Um episódio de disreflexia autonômica pode
acontecer súbita e dramaticamente. Dor de cabeça em marteladas, sudorese e
manchas cutâneas são os sintomas que acompanham a hipertensão e queda na
freqüência cardíaca. A hipertensão pode ser maligna, se não tratada, pode resul-
tar na perda total da consciência, crises convulsivas, distúrbios visuais, apnéia
e acidentes vasculares cerebrais por hemorragia, podendo ocorrer óbito. (OKA-
MOTO, 1990).
As causas mais comuns da disreflexia são: problemas urinários, espe-
cialmente bexiga cheia demais, infeccionada ou com pedras; dilatação do in-
testino causada por prisão de ventre; escaras ou áreas sob pressão exagerada,
e até mesmo a irritação causada por se deitar sobre um objeto pequeno sem
perceber; queimaduras e espasmos uterinos, principalmente antes e nos pri-
meiros dias da menstruação ou durante o parto. (WERNER, 1994). A disre-
flexia é uma emergência médica. Como medida preventiva, o professor que
tiver um aluno com lesão medular, usuário de cadeira de rodas, deve pedir
que este faça o esvaziamento da bexiga e intestino antes da aula de Educação
Física. Observar os locais de maior contato com a cadeira de rodas (glúteos e
as costas) para ver se não há a formação de escaras. E ainda observar que as
aulas de Educação Física não sejam na hora mais quente do dia, para que não
haja complicações do tipo: febre e insolação.
165
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

No caso da deficiência mental, os professores de Educação Física pre-


cisam saber que os portadores de Síndrome de Down apresentam problemas
associados, dos quais destacamos: cardiopatia – 50%; problemas respirató-
rios – 40%; hipotonia generalizada – quase 100%; variação térmica – 100%;
obesidade – acima de 50%; problemas de linguagem – quase 100%; retardo
mental – 100%; instabilidade atlantoaxial – 12 a 20%; problemas de visão –
60%; problemas de audição – 50%; má-formação da tireóide – 4%; problemas
odontológicos – quase 100%; hérnia umbilical – quase 50%; distúrbios diges-
tivos – 12%; leucemia – 10%; hepatite (A ou B) – 70% (Tezza, 1995).
A instabilidade atlantoaxial, destacada aqui, é descrita como instabili-
dade, subluxação ou deslocamento da primeira e segunda ­vértebras cervicais
(C1 e C2), onde se situa a articulação atlantoaxial. A instabilidade atlantoa-
xial é um fator predisponente a complicações neurológicas. Aos alunos com
Síndrome de Down recomenda-se a investigação com raio X lateral da coluna
cervical em posição neutra, flexão e extensão dentro da máxima amplitude de
movimento pos­sível, antes de entrar na prática da atividade motora. Algumas
das atividades de risco para esta parcela de portadores da Síndrome de Down
são: ginástica olímpica, salto em altura, nado golfinho, ­mergulho, alguns exer-
cícios de aquecimento que causem o stress da região cer­v ical e esportes de
contato direto. Observem que essas recomendações só são válidas para os
acometidos de instabilidade atlantoaxial.
Para o caso de deficiência visual assegurar-se de que ele está familia-
rizado com o espaço físico, percursos, inclinações do terreno e diferenças
de piso, estas informações são úteis, pois previnem acidentes. É importante
que toda a instrução seja verbalizada, dando possibilidade para que o aluno
portador de deficiência visual entenda a atividade proposta. No banheiro ou
vestiário mostrar-lhe onde está o vaso sanitário, o papel, a pia, etc. Cuidados
especiais com os alunos de visão subnormal, com patologia de deslocamento
de retina, que não deverão fazer atividade física em que haja possibilidade de
trauma­t ismo craniano.
No caso da deficiência auditiva deve-se verificar se a prótese está bem
adaptada, para evitar ruídos se não está suja ou entupida e, por fim, verificar
as condições das pilhas.
Para a epilepsia é preciso saber que é uma situação que se caracteriza
pela existência de crises anômalas que tendem a repetir-se e que partem de
descarga cerebrais patológicas, não estando necessariamente associada à defi-
ciência mental ou outra deficiência (CORDE, 1992). São mais comuns as con-
vulsões e as ausências. Nas convulsões, há um tipo de crise convulsiva mais
severa, com movimentos violentos e descontrolados e perda da consciência.
Nesse caso, não se deve tentar mover a pessoa, a não ser que ela esteja em um
lugar perigoso. Protegê-la o melhor possível contra feri­mentos, mas não tentar
controlar os movimentos. Retirar de perto dela qualquer objeto cortante ou
duro. Não colocar nada na boca da pessoa enquanto ela estiver com convulsão,
e nem qualquer objeto para impedi-la de morder a língua. No intervalo entre

166
A atividade motora adaptada

espasmos, virar gentilmente a cabeça para um lado, para que a saliva caia da
boca e não seja levada para os pulmões quando respirar. Quando a crise aca-
bar, a pessoa poderá ficar sonolenta e confusa. Deixar que durma (WERNER,
1994). Nos casos de ausência há uma parada das atividades, o olhar fica vago
e não responde se lhe falamos, pode pestanejar. Poucos minutos depois retoma
a atividade sem se dar conta.
Conhecendo o educando, o professor poderá adequar a meto­dologia a ser
adotada, levando em consideração:
em que grupo de educandos haverá maior facilidade para a aprendiza-
gem e o desenvolvimento de todos;
por quanto tempo o aluno pode permanecer atento às tarefas solicitadas,
para que se possa adequar as atividades às suas possibilidades;
os interesses e necessidades do educando em relação às atividades pro-
postas;
a avaliação constante do programa de atividades possibilitará as adequa-
ções necessárias, considerando as possibilidades e capacidades dos alu-
nos, sempre em relação aos conteúdos e objetivos da Educação Física.
Segundo Bueno e Resa (1995), tais adequações envolvem:
adaptação de material e sua organização na aula: tempo disponível, espa-
ço e recursos materiais;
adaptação no programa: planejamento, atividades e avaliação;
aplicar uma metodologia adequada à compreensão dos educandos, usan-
do estratégias e recursos que despertem neles o interesse e a motivação,
por meio de exemplos concretos, incentivando a expressão e a criativi-
dade;
adaptações de objetivos e conteúdos: adequação de objetivos e conteú-
dos quando for necessário, em função das necessidades educativas, dar
prioridade a conteúdos e objetivos próprios, definindo mínimos e intro-
duzindo novos quando for preciso.
As considerações acima levam em conta a remoção das barreiras para a
aprendizagem (CARVALHO, 1998), colocando o educando como o centro das
preocupações e interesses do professor.

Conhecendo o paradesporto
(ou desporto adaptado)
O esporte para deficientes foi lançado no início do século XX e pode ser
identificado, inicialmente, por meio de eventos isolados. Em 1918, na Alemanha,
durante a Primeira Grande Guerra, um grupo de sobreviventes lesionados reuniu-
se para praticar esporte. Há registros de que em 1932, surgiu, na Inglaterra, a As-

167
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

sociação do Golfista de Um-Só-Braço, que não conseguia efetivar a prática dessa


modalidade. (ComitÊ Olímpico Espanhol, 1994)
O esporte como prática para pessoas deficientes efetivou-se sistemati-
camente por duas linhas distintas de trabalho, que se formaram a partir da
Segunda Grande Guerra e caminharam paralelamente, cada qual com seu ob-
jetivo.
Uma delas, com enfoque médico, foi iniciada na Inglaterra. Em face aos
problemas enfrentados pelos soldados mutilados e os lesados medulares, que ti-
nham uma sobrevida de no máximo um ano, algumas ações foram implementadas
e, em 1943, o governo britânico construiu o hospital de Stoke Mandeville, em
Aylesbury (Guttmann, 1976). Segundo Varela (1991), o hospital tinha como
objetivo receber e tratar lesados medulares, vítimas da Segunda Guerra Mundial,
e Ludwig Guttmann, neurocirurgião e neurologista, foi convidado para dirigi-lo
(Strohkendl, 1996; Cidade; Freitas, 2002).
A outra linha, com enfoque esportivo, foi desenvolvida nos Estados Unidos
por Benjamin Linpton, em 1946. Veteranos de guerra lesionados iniciaram a ati-
vidade de basquetebol e criaram o primeiro time, The Flyng Wheels (rodas voa-
doras), em Van Nuys, Califórnia (Strohkendl, 1996; Pool; Tricot, 1985).
As apresentações públicas tinham como objetivo despertar o interesse da socie-
dade para os problemas dos traumas físicos dos deficientes e, também, estimular
outras pessoas defi­cientes a compreenderem a sua capacidade de realizar diversas
atividades, entre elas o esporte (Adams et al., 1985; Strohkendl, 1996).
A prática do esporte moderno – de competição – teve sua origem na Ingla-
terra e, curiosamente, as Paraolimpíadas também.
Quatro anos após a implantação de sua bem-sucedida filosofia, Guttmann
organizou os primeiros Jogos de Stoke Mandeville, em julho de 1948. Participa-
ram desses jogos os pacientes do hospital Star Garter Home for Disable e os ex-
servicemen de Richmond, de Londres (hospital para ex-combatentes de guerra).
Esses primeiros jogos contaram com a presença de 16 competidores com lesão
medular, disputando a modalidade de arco e flecha em cadeira de rodas. Prova-
velmente, essa competição tornou-se o símbolo do início das disputas esportivas
entre os portadores de deficiência (Guttmann, 1976).
Em 1949, Guttmann revelou interesse em incrementar a atividade física para
essa clientela quando anunciou publicamente que os Jogos de Stoke Mandeville
poderiam equivaler, para homens e mulheres portadores de deficiência, aos Jogos
Olímpicos. Esse anúncio entusiasmou tanto os profissionais do hospital quanto os
pacientes, que logo começaram a elaborar os primeiros regulamentos dos jogos.
Esse foi o marco inicial do movimento de esportes para pessoas com defi­ciência
(Guttmann, 1976). A decisão de Roma, de incluir, em 1960, os Jogos Inter-
nacionais de Stoke Mandeville junto aos Jogos Olímpicos, abriu espaço para os
atletas deficientes fortalecerem esse movimento esportivo.
No início, Guttmann gostaria que os jogos se chamassem The Olympics
of the Paralysed (As Olimpíadas dos Paralisados), mas já era esperada a partici-

168
A atividade motora adaptada

pação de atletas com outros tipos de deficiência que não só a de lesão medular
e, em 1976, no Canadá, os jogos ficaram conhecidos como The Olympiad for
the Physical Disable (A Olimpíada dos Deficientes Físicos). Esse termo, porém,
nunca foi aceito pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). Nos Jogos de 1984,
oito anos mais tarde, o COI concordou e aprovou a proposta de Robert Jackson,
então presidente do ISMG (International Stoke Mandeville Games), de que a
denominação fosse Paralympics.
O termo Paraolimpíadas foi originalmente utilizado por uma paraplégica,
Alice Hunter, paciente do hospital de Stoke Mandeville, que escreveu para a
revista The Cord Journal of the Paraplegics um artigo intitulado Alice at the
Paralympiad (Alice nas Paraolimpíadas), descrevendo sua história no esporte.
De acordo com Paralympic Spirit(1996), o termo para refere-se à paraplegia.
Em fevereiro de 1985, o Comitê Coordenador Internacional (ICC) aceitou os
termos do COI e concordou em substituir o termo Olympics Games for the
Disabled – Jogos Olímpicos para Deficientes – por Paralympics Games – Jogos
Paraolímpicos. (Guttmann, 1976).
Desde 1960, em Roma, acontecem oficialmente os Jogos Paraolímpicos de
verão na mesma época e na mesma cidade que os Jogos Olímpicos. Em 1964,
eles aconteceram em Tóquio (Japão); em 1968, em Tel Aviv (Israel); em 1972, em
Heidelberg (Alemanha); em 1976, em Toronto (Canadá); em 1980, em Arnhem
(Holanda); em 1984, em Stoke Mandeville (Inglaterra) – para deficientes físicos –
e no município de Nassau – NY (Estados Unidos); em 1988, em Seul (Coréia); em
1992, em Barcelona (Espanha). Foi escolhida para sediar, em 1996, a 10.ª edição
dos Jogos Paraolímpicos a cidade de Atlanta – GA (Estados Unidos) e as Parao-
limpíadas do ano de 2000 foram na cidade de Sydney (Austrália). Os Jogos Para-
olímpicos de 2004 foram realizados em Atenas (Grécia) (DePauw; Gavron,
1995; de 45 aos..., 1988; Toque a Toque, 1988; Cidade; Freitas, 2002).
Quanto às modalidades esportivas das Paraolimpíadas, o Comitê Paraolím-
pico Internacional atualmente oferece 20 esportes de verão e 6 de inverno. A
maioria dos esportes e eventos paraolímpicos são modificações, adaptações dos
esportes e eventos olímpicos, com normas de classificação que permitem o de-
senvolvimento das capacidades funcionais de cada atleta. Entretanto, na maioria
dos esportes, participam atletas de todos os tipos de deficiência (competindo entre
seu grupo). Alguns esportes, como o judô e goalball, são oferecidos apenas para
deficientes visuais (Cidade; Freitas, 2002).
As modalidades esportivas de verão, praticadas pelos atletas deficientes (em
Paraolimpíadas), são: arco e flecha, atletismo, basquetebol ID (intelectual disa-
ble), basquetebol sobre rodas, bocha, ciclismo, hipismo, esgrima, halterofilismo,
futebol, goalball, judô, rugby em cadeira de rodas, iatismo, natação, tiro, tênis de
mesa, tênis em cadeira de rodas e voleibol.
Estão enumeradas, a seguir, as modalidades esportivas de verão, praticadas
pelos deficientes:
Arco e flecha: tem sido praticado desde 1948. A competição é aberta a
atletas com paralisia cerebral, amputados e usuários de cadeira de rodas,

169
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

em competições com sistemas de resultados semelhantes aos da modali-


dade olímpica.
Atletismo: vem sendo constantemente revisto para dar melhores con-
dições técnicas para o seu desenvolvimento. As provas incluídas são:
provas de pistas, campo, pentatlo e maratona. As provas são abertas
a todos os tipos de deficiência e divididas por classes que competem
entre si. No Atletismo para deficientes visuais participam atletas de
todas as categorias (B1, B2, B3). As provas de 100 m são corridas indi-
vidualmente com um guia na marca dos 50 m e outro na marca dos 100
m. Os guias deverão chamar os atletas para que eles se posicionem e
corram em linha reta. Normalmente, atletas B1 e B2 correm as provas
acima de 100 m com guias que poderão apenas acompanhá-los e nunca
“puxá-los”.
Basquetebol ID: praticam atletas com discapacidade intelec­tual, seguin-
do, exclusivamente, as normas internacionais de basquetebol.
Basquetebol sobre rodas: é um dos esportes mais populares, jogado por
paraplégicos, amputados e atletas com seqüelas de poliomielite. Os re-
gulamentos são os mesmos do basquetebol convencional com pequenas
adaptações.
Bocha: esse antigo jogo foi adaptado com sucesso para pes­soas com pa-
ralisia cerebral. Está no programa paraolímpico desde 1992. A regra do
jogo consiste em lançar objetivamente as bolas o mais perto possível da
bola branca.
Ciclismo: é praticado por deficientes visuais em bicicletas tandem (bici-
cletas de dois assentos) com um parceiro “vidente” formando a equipe.
Participam atletas com deficiências locomotoras (paralisados cerebrais)
e amputados. As corridas são em velódromo e em ruas e incluem eventos
individuais e em equipes.
Hipismo: essa modalidade foi incluída nos jogos paraolímpicos de 1996
(Atlanta) e está aberta à participação de portadores de deficiência visual
e física.
Esgrima: é praticada por atletas em cadeira de rodas, amputados e para-
lisados cerebrais. Todos os atletas competem presos ao solo, mas tendo
os movimentos livres para tocar o corpo do adversário. O evento progra-
mado inclui espada, sabre e florete.
Halterofilismo: é aberto a atletas do sexo masculino e feminino. Os atle-
tas competem no Benchpress, que pode ser realizado por todos os grupos
de deficiência.
Futebol: apenas atletas com paralisia cerebral competem. As regras so-
frem algumas modificações, entre elas o número de jogadores, que são
sete, largura do gol e a marca do pênalti.

170
A atividade motora adaptada

Goalball: é um jogo intenso em que uma equipe de três jogadores, com


deficiências visuais, tenta lançar a bola no gol do oponente. Guizos den-
tro da bola guiam o curso do jogo e todos os jogadores usam vendas nos
olhos. Esse esporte é praticado em ginásio de tamanho similar ao do
voleibol.
Judô: é praticado por deficientes visuais do sexo masculino. A principal
adaptação feita para essa modalidade é a diferença de textura do tatame
que indica os limites da área de competição. As principais técnicas do
judô, como o toque, a sensibilidade e o instinto, são capacidades alta-
mente desenvolvidas nos atletas cegos.
Rugby em cadeira de rodas: foi um dos eventos de demonstração nas
Paraolimpíadas de Atlanta. Nas Paraolimpíadas de Sydney foi dispu-
tado como esporte de medalha. É um evento especificamente para te-
traplégicos. O rigoroso estilo de jogo requer um excelente manejo da
cadeira durante o jogo.
Iatismo: todos os atletas deficientes podem participar, com tripulação
de três atletas em embarcação Keelboat de 23 pés, que competem em
eventos de sonar. Competidores indivi­duais utilizam uma embarca-
ção Keelboat de 2,4 metros. A modalidade Iatismo, que figurou como
demonstração em Atlanta, foi tradicionalmente disputada nas Parao-
limpíadas de Sidney em 2000.
Natação: as competições de natação figuram entre os maiores e mais
populares eventos paraolímpicos. Estão abertas a atletas com todo tipo
de deficiência. Durante a competição, atletas não podem usar próteses e
nem dispositivos auxiliares. A principal adaptação para atletas deficien-
tes visuais é feita na virada, em que o técnico poderá avisar ao atleta da
proximidade da borda da piscina, por um toque com um cabo de madeira
ou outro material com ponta de espuma. Os nadadores B1 deverão nadar
com óculos tipo blackout.
Tiro: é aberto a atletas deficientes físicos nas categorias sentado e em pé,
para homens e mulheres. As equipes podem ser mistas. Divide-se em
eventos de tiro com rifle e pistola.
Tênis de mesa: foi introduzido nos primeiros jogos paraolímpicos de
Roma em 1960. É idêntico ao tênis de mesa convencional, com ligeira
alteração na regra do saque. É jogado por deficientes físicos nas cate-
gorias masculina e feminina, por equipe e individual. Joga-se em pé ou
em cadeira de rodas.
Tênis em cadeira de rodas: atletas em cadeiras de rodas jogam como o
tênis tradicional, apenas com uma adaptação: de que a bola pode quicar
duas vezes, a primeira dentro da quadra. As categorias são: masculino e
feminino, individual e em duplas.

171
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Voleibol: é praticado por atletas amputados, lesados medulares e com


seqüelas de poliomielite em duas categorias: sentados e em pé. A versão
sentada se joga em campo menor (10 m x 6 m) e com a rede mais baixa
(1.15 m para homens).
Desde as Paraolimpíadas de Roma (1960) até Sydney (2000), o número de
modalidades que compõe os Jogos sofreu algumas alterações; em Roma eram
apenas 8: arco e flecha, atletismo, basquetebol sobre rodas, dartchery, esgrima,
natação, snooker e tênis de mesa (Paralympic Spirit, 1996). Em Atlanta,
foram disputadas medalhas em 17 modalidades, houve também demonstração em
outras duas, o rugby em cadeira de rodas e o iatismo. Pela primeira vez, em Atlan-
ta, 56 atletas portadores de deficiência mental participaram de Jogos Paraolímpi-
cos com demonstração em duas modalidades, atletismo e natação.
Num panorama geral, as modalidades que foram disputadas em 40 anos de
Paraolimpíadas foram: arco e flecha, atletismo, basquetebol sobre rodas, esgrima
e tênis de mesa. O snooker, por exemplo, que atualmente não faz parte das moda-
lidades disputadas nesse evento, foi disputado em 7 das 11 Paraolimpíadas – nos
Jogos de Roma (1960), Tokyo (1964), Tel-Aviv (1968), Hildelberg (1972), Toronto
(1976), Stoke Mandeville (1984) e Seul (1988). Dartchery, lawn bowls, snooker e
wrestling são algumas das modalidades que já não são mais disputadas nos Jo-
gos Paraolímpicos. Desde os Jogos de Roma até a Paraolimpíada de Sydney (em
jogos de verão), foram disputadas 22 modalidades diferentes. Em Sydney foram
disputadas 18 modalidades, 14 semelhantes às disputadas nas Olimpíadas: arco e
flecha, atletismo, basquetebol (sobre rodas e a versão para atletas com deficiência
mental), ciclismo, equitação, esgrima, futebol, judô, iatismo, tiro ao alvo, natação,
tênis de mesa, tênis e voleibol (sentado e em pé), e somente 4 modalidades – bo-
cha, goalball, rugby sobre rodas e halterofilismo – fizeram parte especificamente
do Programa das Paraolimpíadas (Cidade; Freitas, 2002; 2000; 1997).
Considera-se a competição como uma forma de ação social, um ato pelo
qual a sociedade toma forma e existe por meio de significações. Portanto, após
11 edições, os Jogos Paraolímpicos se tornaram uma praxe, uma prática no
meio esportivo.

O paradesporto no Brasil
No final dos anos 50, chegou ao Brasil a prática desportiva entre portadores
de deficiência, pelas mãos de Robson Sampaio de Almeida e de Sérgio Del Grande,
portadores de paraplegia. Ao retornarem dos EUA após reabilitação, em 1958, tendo
tomado contato com o esporte para deficientes nos hospitais em que se reabilitaram,
trouxeram a idéia para o Brasil. Em São Paulo, Del Grande fundou o clube dos
Paraplé­gicos, em 23 de julho de 1958, enquanto Robson Sampaio fundou, em 1.º
de abril de 1958, o Clube do Otimismo, no Rio de Janeiro. Formaram-se, assim, as
duas equipes esportivas pioneiras de basquetebol sobre rodas do Brasil (Mattos,
1990).
O primeiro jogo de basquetebol em cadeira de rodas foi realizado no Ma-
racanãzinho, Rio de Janeiro, entre as equipes paulista e carioca. A partir de en-
172
A atividade motora adaptada

tão, vários amistosos aconteceram, incentivando o aparecimento de outros clubes


e equipes dessa modalidade, entre os quais o Clube dos Paraplégicos do Rio de
Janeiro (CPRJ), em 1965, e a Sociedade Amigos dos Deficientes Físicos (Sadef),
em 1979. Cabe ressaltar, aqui, o interesse dos dirigentes desses clubes em organi-
zar o desporto nacionalmente. A primeira participação internacional brasileira de
basquetebol sobre rodas foi durante a segunda edição dos Jogos Pan-Americanos,
em Buenos Aires (Argentina), em 1969, com equipes formadas por paulistas e ca-
riocas. Apesar das dificuldades advindas da falta de patrocínio e de credibilidade
dos órgãos governamentais, essa modalidade trouxe a medalha de bronze e muita
esperança para o esporte voltado para portadores de deficiência física no Brasil (de
45 aos..., 1988).
Desde então, nosso país tem sido representado nas grandes competições in-
ternacionais. Atletas brasileiros participaram dos Jogos Pan-Americanos de 1971
(Jamaica) e de 1973 (Peru).
Após a participação do Brasil nos Jogos Pan-Americanos, do México, em
1975, deu-se início a uma nova fase do desporto nacional para deficientes. O retorno
das delegações representantes do Brasil marcou a criação da Associação Nacional
de Desporto para Deficientes (Ande), que tem afirmado em seu estatuto o objetivo
de difundir, organizar e administrar essa atividade. Em 1978, a Ande organizou, no
Rio de Janeiro (Brasil), o 5.º Pan-Americano (de 45 aos, 1988; Mattos, 1990).
Logo depois, o país participou dos Jogos Pan-Americanos dos anos de 1982 (Cana-
dá), 1986 (Porto Rico), 1990 (Venezuela), 1993 (Buenos Aires) e 1999 (México).
Nos Jogos Paraolímpicos, os brasileiros competiram pela primeira vez em
1972, na Alemanha. No Canadá, em 1976, o Brasil ganhou suas primeiras medalhas
paraolímpicas: os atletas Robson Sampaio de Almeida e Luiz Carlos “Curtinho”
conquistaram duas medalhas de prata na modalidade de bocha.
Na Holanda, em 1980, a delegação brasileira foi representada apenas pelo
time de basquetebol sobre rodas masculino e por um nadador, mas não conseguiu
medalhas. Os jogos de 1984 foram divididos em duas sedes (Aylesbury, Inglaterra, e
Nova York, EUA). Em Nova York, uma mulher, a atleta Anaelise Hermany, foi a pri-
meira cega brasileira a conquistar uma medalha no atletismo na prova de 100 metros
rasos. Na Inglaterra, participaram somente atletas em cadeiras de rodas e o Brasil
conquistou 21 medalhas. Em 1988, a equipe brasileira trouxe de Seul 27 medalhas
(4 de ouro, 10 de prata e 13 de bronze), obtendo a 25.ª colocação num total de 65
países participantes. Nas Paraolimpíadas de Barcelona, em 1992, o Brasil ganhou
7 medalhas (3 de ouro e 4 de bronze), ficando em 30.º lugar na classificação geral,
num total de 92 países participantes. Em 1996, a equipe brasileira retornou ao Brasil
trazendo de Atlanta 21 medalhas: 2 de ouro, 6 de prata e 13 de bronze. Na última
Paraolimpíada do milênio, em Sydney (Austrália), em 2000, o Brasil conquistou 22
medalhas: 6 de ouro, 10 de prata e 6 de bronze (Cidade; Freitas, 2002).
Ao longo desse processo de documentação do esporte para deficiente, que
teve seu início em meados do século XX, algumas mudanças, mesmo que acanha-
das, foram sendo observadas.

173
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

A organização do paradesporto
O esporte para deficientes não é apenas uma atividade realizada por volun-
tários sem um objetivo específico. Existem, hoje, estudos, pesquisas e, principal-
mente, profissionais competentes para atuarem nessa nova área. Ao observarmos
as Paraolimpíadas de Sydney, vemos que o desporto para deficientes cresceu no
mundo, inspirando as pesquisas sobre fisiologia do exercício, doping, órteses e
próteses esportivas, regras, técnicas, sistemas de treinamento e muitos outros te-
mas correlatos.
Entretanto, apesar dessa evolução internacional, no âmbito na­cional, ain-
da carecemos de informações, bibliografia, capacitação de recursos humanos,
estudos e pesquisas. Além de atletas, precisamos de pesquisas objetivas, infor-
mações concisas e disseminação do conhecimento entre as entidades esportivas
de deficientes, universidades, pesquisadores, técnicos e atletas. Uma verdadeira
rede de relações.
A configuração internacional se compõe a partir das Organizações Interna-
cionais de Esporte para Pessoas Deficientes (International Organization of Sport
for People with Disabilities – IOSDs), que estão filiadas ao Comitê Paraolímpico
Internacional (International Paraolympic Committee – IPC).
As organizações internacionais estão estruturadas por grupos de deficiên-
cia com características semelhantes e não por modalidades esportivas, como no
desporto em geral.
Comité International Segundo VARELA (1991), a CISS foi fundada no dia 15 de
Des Sports Des Sourds agosto de 1924, em Paris. É a associação desportiva internacional
– CISS mais antiga no desporto para deficientes. Os primeiros jogos
internacionais aconteceram em Paris, em 1924, e os últimos em
1994, em Sofia (Bulgária). A CISS é membro do IPC e é filiada
Comitê Paraolímpico Internacional

diretamente ao Comitê Olímpico Internacional desde 1995.


Cerebral Palsy Foi criada em 1978, com a finalidade de proporcionar maiores
International Sport and oportunidades desportivas e recreativas a pessoas com paralisia
Recreation Association cerebral ou com lesões cerebrais não-progressivas, congênitas ou
– CP-ISRA adquiridas que provoquem disfunção motora. Auxilia os países
membros a concretizar os seus projetos de desenvolvimento
desportivo e recreativo nessa área de deficiência. A CP-ISRA
promove seminários, demonstrações, cursos e colabora na
organização de eventos nacionais nos países membros. A CP-
ISRA realiza os seus jogos internacionais de 2 em 2 anos; seus
atletas têm competido nas Paraolimpíadas desde 1980.
International Sports Foi fundada em 1988, com o objetivo de organizar e dinamizar
Association For o desporto de competição para deficientes mentais, bem como ar
Persons With Mental suporte adequado para o desenvolvimento do desporto em países
Handicap – subdesenvolvidos e em desenvolvimento.
INAS-FMH

174
A atividade motora adaptada

International Blind A associação organiza seus próprios campeonatos mundiais


Sports Association – em diferentes modalidades e envia, para os membros de
IBSA responsabilidade do Comitê Paraolímpico Internacional, atletas
de natação e atletismo, como nas Paraolimpíadas de Atlanta,
quando 52 atletas de diferentes países participaram como
demonstração nessas duas modalidades.
International Stoke Talvez seja a mais conhecida das federações internacionais, que
Comitê Paraolímpico Internacional

Mandeville Weelchair surgiu pelo trabalho pioneiro de Ludwig Guttmann, em Stoke


Sports Federation – Mondeville, com pessoas com lesão medular. A partir de 1988,
ISMWSF a ISMGF passou a se chamar ISMWGF, para englobar todos os
atletas em cadeira de rodas com deficiências motoras distintas.
A federação regulamenta e organiza as provas em cadeira de
rodas e a competição internacional acontece todos os anos, exceto
no ano paraolímpico. Os primeiros jogos internacionais para
paraplégicos, que aconteceram oficialmente em 1952, iniciaram
o movimento paraolímpico e, conseqüentemente, os Jogos
Paraolímpicos, realizados pela primeira vez oficialmente em
1960, em Roma.
International Sports Essa organização surgiu logo após os Jogos Paraolímpicos
Organization For The de 1976, para atender às necessidades de organização e
Disable – ISOD desenvolvimento desportivo, agrupando as deficiências que não
estavam incluídas em outras federações, como os amputados e
“”les autres”” (distrofias musculares, esclerose múltipla, nanismo,
pólio). A ISOD insere esses atletas em competições de nível
internacional e paraolímpico, colaborando na organização das
atividades.

No Brasil, a estrutura do esporte para a pessoa portadora de deficiência


iniciou-se em 1975, com a criação da Ande, que agregava todo tipo de defici-
ência; “[...] com a dedicação da Década às Pessoas ­Portadoras de Deficiência, o
fortalecimento das entidades de luta e a criação de novas entidades desportivas,
o esporte passou a ser visto e tratado com mais profissionalismo” (Petten-
gill, 1997, p. 306).
Araújo (1998), ao pesquisar sobre a estruturação e institu­ciona­lização do
desporto adaptado no Brasil, infere que a instituição do ano de 1981 como Ano
Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiência foi significativa para estabe-
lecer o ponto de partida do movimento no âmbito nacional, voltado às questões
do desporto. No entanto, a institucionalização do desporto para pessoas com defi-
ciência se deu, de fato, no início de 1990, com o lançamento do Plano Plurianual
1990/1995 (Plano de Governo).
Com a participação crescente de pessoas deficientes, entidades de deficiên-
cias afins foram se desagregando da Ande e, hoje, formam associações esportivas
distintas (BRASIL PARAOLÍMPICO, 2000):

175
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Associação Nacional de Foi a primeira associação do desporto para pessoas portadoras


Desportos para Deficientes – de deficiência a se organizar no país, fundada em 1975.
Ande Atualmente, organiza o desporto para pessoas portadoras de
paralisia cerebral e les autres. Internacionalmente, é filiada à
CP-ISRA.

Comitê Paraolímpico brasileiro


Associação Brasileira de Foi fundada em janeiro de 1984, no Rio de Janeiro. No âmbito
Desportos para Cegos – Abdc internacional, é filiada à IBSA.

Associação Brasileira de Foi criada em dezembro de 1984 e reconhecida em setembro de


Desporto em Cadeira de Rodas 1987, após a fundação de três regionais. Internacionalmente, é
– Abradecar filiada à ISMWSF.
Associação Brasileira de Foi fundada em 1989, mas seu reconhecimento aconteceu em
Desportos para Deficientes 1995, após ajustes no seu estatuto.
Mentais – Abdem No âmbito internacional, é filiada
à INAS-FMH.
Associação Brasileira de Fundada em agosto de 1990, organiza o desporto para pessoas
Desporto para Amputados – amputadas. Internacionalmente, é filiada à Isod.
Abda

Confederação Brasileira de Vinculou-se ao CPB, após ter se desvinculado da Abradecar.


Basquetebol em Cadeira de
Rodas

Essas associações nacionais estão filiadas ao Comitê Paraolím­pico Brasi-


leiro (CPB), que foi criado em 30 de agosto de 1994, no Rio de Janeiro. Essas
entidades têm como principal objetivo fomentar o esporte para pessoas portado-
ras de deficiência e organizar o desporto para competições regionais, nacionais
e internacionais, orientando, junto ao CPB, a participação das equipes nacionais
em competições internacionais e nas paraolimpíadas. Na base da configuração
do desporto adaptado estão os clubes esportivos que se vinculam diretamente às
associações nacionais correspondentes e estas, ao CPB.
A respeito do desenvolvimento e fomento para o desporto adaptado, sempre
houve instabilidade e muitas dificuldades (Pettengill, 1997; 2001; Araújo,
1998). A partir de Sydney, a Lei 10.264 – conhecida como Lei Agnelo/Piva por
causa do nome de dois de seus autores, o senador Pedro Piva e o então deputado
federal e atual ministro do Esporte Agnelo Queiroz – estabelece que 2% da arre-
cadação bruta de todas as loterias federais do país sejam repassados ao Comitê
Olímpico Brasileiro (85%) e ao Comitê Paraolímpico Brasileiro (15%).
Com a nova política de incentivo ao esporte adaptado, de alto rendimento,
implantada após as paraolimpíadas de Sydney, foi criada a Equipe Paraolímpica
Permanente (EPP), sendo composta por técnicos, atletas e guias. A seleção dos
atletas é baseada em resultados técnicos anteriores, avaliações físico-funcionais
em Centros de Excelência e precedidos por um minucioso planejamento, visando
alcançar um patamar inédito em quantidade e qualidade de medalhas em Atenas
(2004). Os atletas, técnicos e guias das EPPs estão recebendo uma bolsa-incentivo
que possibilita, conseqüentemente, a dedicação necessária aos treinamentos, in-
dispensáveis ao alcance sistematizado de resultados.

176
A atividade motora adaptada

Considerações finais
Foi possível, ao longo desse texto, traçar um panorama geral da Educação
Física Adaptada (ou Atividade Motora Adaptada) e conhecermos uma de suas
manifestações mais expressivas, o paradesporto.
Finalmente, é preciso incentivar a prática de atividade física e do esporte
para pessoas com deficiência, seja qual for o seu objetivo. Seja para o lazer ou para
seguir no esporte de alto rendimento, sendo necessá­rio divulgação e incentivo
quanto aos reais benefícios que podem ­trazer.

As perguntas a seguir referem-se aos principais tópicos vistos no texto. Podem ajudá-lo a estudar e
rever o conteúdo apresentado. Ao respondê-las, você estará analisando e sintetizando as idéias ex-
postas.

1. Quais os objetivos da Educação Física Adaptada apresentados no texto?

177
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

2. Quais cuidados (implicações pedagógicas) devem ser considerados na prática da atividade mo-
tora adaptada para deficientes?

3. Quais as modalidades esportivas de verão, praticadas pelos deficientes?

178
Inclusão no escotismo
Fernando B. Monte-Serrat

N
esta aula, vamos considerar uma possibilidade educacional importante para as crianças e
jovens portadores de necessidades especiais. Trata-se do Movimento Escoteiro, o maior mo-
vimento de educação não-formal para crianças e jovens de todo o mundo – atualmente com
mais de 28 milhões de membros ativos. Por se tratar de um programa amplo de inclusão, que envolve
grande número de necessidades especiais, não falaremos especificamente de etiologia, prevenção e
tratamento, mas do processo de inclusão propriamente dito. Como testemunho dos benefícios dessa
ação, vamos ver o caso do Márcio, portador de síndrome de Down, que foi membro juvenil no esco-
tismo e agora trabalha com os jovens como adulto voluntário.

Portadores de necessidades especiais


São pessoas que possuem – em caráter temporário, intermitente ou permanente – necessidades
especiais decorrentes de sua condição atípica e que, por essa razão, enfrentam barreiras para tomar
parte ativa na sociedade, com oportunidades iguais às da maioria da população. É claro que, além
das necessidades especiais, ­essas pessoas têm necessidades comuns a todo ser humano. Entre elas,
podemos citar: 1) deficiência mental, física, auditiva, visual ou múltipla; 2) autismo; 3) dificuldades
de aprendizagem; 4) insuficiências orgânicas; 5) déficit de atenção (com ou sem hiperatividade); 6)
­distúrbios emocionais; 7) transtornos mentais (síndrome de Down, paralisia cerebral etc.).
As deficiências ou necessidades especiais podem ter causas genéticas ou acidentais – incluindo-
se aí desde os acidentes pré-natais até um acidente na juventude. Esses fatores geram duas classes de
portadores de necessidades especiais: 1) aqueles que nasceram com determinadas deficiências e pre-
cisam aprender a utilizar as capacidades de que dispõem, a fim de superar ou minimizar ao máximo
essas deficiências; 2) aqueles que tinham suas habilidades normais e as perderam como conseqüência
de um acidente ou enfermidade, cujo esforço é viver integrado à sociedade e com qualidade de vida,
a despeito das habilidades perdidas.

Integração ou inclusão?
Tanto a integração quanto a inclusão constituem formas de inserção social das pessoas com
deficiência. Mas a prática da integração – definida mais claramente nas décadas de 1960 e 70 – era ba-
seada no “modelo médico”, cuja proposta visa a modificar (habilitar, reabilitar, educar) a pessoa com
deficiência, para torná-la apta a satisfazer os padrões aceitos no meio social (familiar, escolar, profis-
sional, recreativo, ambiental). Já a prática da inclusão, que iniciou na década de 80 e se consolidou nos
anos 90, vem seguindo o “modelo social”, segundo o qual a nossa tarefa é modificar a sociedade para
torná-la capaz de acolher todas as pessoas que, uma vez incluídas nessa sociedade em modificação,
poderão ser atendidas em suas necessidades comuns e/ou especiais.
Integrar significa adaptar-se, acomodar-se, incorporar-se. Não é a melhor palavra porque se
presume sempre que se trata da reunião de grupos diferentes. Reflete sempre uma ação do portador
de deficiência para tentar adaptar-se, incorporar-se, acomodar-se. O mesmo não ocorre com a in-
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

clusão. Incluir significa envolver, fazer parte, pertencer. Representa uma ação da
sociedade que vem envolver parte dessa mesma sociedade que está excluída por
falta de condições adequadas. Significa trazer para dentro de um conjunto alguém
que já faz parte dele.
Não se trata de uma mera troca de verbos, mas de um novo olhar sobre
o portador de necessidades especiais como sendo alguém que cabe no “nós”,
no “todos”. No momento em que alcançarmos esse progresso, esse grau de de-
senvolvimento humano, a naturalidade diante da diversidade, do preconceito e
da segregação será uma realidade. No momento ainda em que alcançarmos a
verdadeira inclusão, o fato de uma pessoa sofrer um acidente e transformar-se
num portador de necessidades especiais significará apenas que suas aptidões
mudaram e que ela deve adequar-se a uma nova condição de vida, também re-
pleta de oportunidades.
Podemos resumir da seguinte maneira:
Integração = inserção do portador de necessidades especiais devidamente
preparado para conviver na sociedade;
Inclusão = modificação da sociedade como pré-requisito para o portador de
necessidades especiais buscar seu desenvolvimento e exercer a cidadania.

Escotismo e educação
O Escotismo é um movimento de educação não-formal para jovens, iniciado
em 1907 na Inglaterra, contando atualmente com mais de 28 milhões de mem-
bros ativos em mais de 150 países. Apesar de ter quase um século de existência,
o método escoteiro tem ­provado sua eficácia na formação de jovens de ambos os
sexos, ajudando-os a desenvolver um caráter reto e com elevados valores morais e
­espirituais. No Brasil, atualmente, são aproximadamente 60 mil ­crianças e jovens
de ambos os sexos, acompanhados por, aproximadamente, 10 mil adultos voluntá-
rios, capacitados em cursos de ­formação para a função que exercem.
O Escotismo é representado no Brasil pela União dos Escoteiros do Brasil
(UEB), entidade filiada à Organização Mundial do Movimento Escoteiro, com
sede na Suíça.
O propósito do Movimento Escoteiro é contribuir para que os jovens assu-
mam seu próprio desenvolvimento, especialmente do caráter, ajudando-os a reali-
zar suas plenas potencialidades físicas, intelectuais, sociais, afetivas e espirituais,
como cidadãos responsáveis, participantes em suas comunidades, podendo, as-
sim, contribuir para o desenvolvimento de um mundo melhor.
Os membros do escotismo estão comprometidos com os princípios do Mo-
vimento Escoteiro – com seus valores – que formam a base do código de ética que
governa o movimento como um todo e um código de honra pessoal ao qual cada
membro adere – Promessa e Lei escoteiras.
O método educativo do Movimento Escoteiro é um sistema de auto-edu-
cação progressiva, com o objetivo de que os jovens assumam seu próprio de-

180
Inclusão no escotismo

senvolvimento. Trata-se de uma estrutura educacional composta por elementos


que atuam em sinergia e sistemicamente, a fim de proporcionar aos jovens um
ambiente ­precioso de aprendizagem ativa. O método é baseado em como os jovens
­desenvolvem-se naturalmente, levando em conta suas características, necessida-
des e interesses em diferentes estágios de ­desenvolvimento (faixas etárias).
O Método Escoteiro é composto por diversas ferramentas educacionais, a
saber: a Lei e a Promessa, aprendizagem pelo serviço, aprendizagem pela ação
(aprender fazendo), sistema de equipes, marco simbólico, sistema de progressão
pessoal de objetivos e atividades, vida ao ar livre e a presença estimulante do
adulto. Trata-se de uma rede de elementos na qual cada um tem uma função espe-
cífica, interagindo com os demais para reforçar a eficácia individual, e contribuir
para o objetivo ser alcançado. A propósito da aplicação do Método Escoteiro, o
fundador do Movimento Escoteiro, Robert Baden-Powell, afirmou: “O Escotismo
é um remédio composto por vários elementos que, se não forem misturados na
proporção adequada, conforme a receita, os usuários não poderão culpar o médi-
co se os efeitos no paciente não forem satisfatórios”.

Sistema Marcos
de Equipes simbólicos

Aprender Promessa Progressão


fazendo e Lei pessoal

Apoio
Natureza
dos adultos

Método Escoteiro.

Cada elemento tem uma função educacional, cada elemento complementa o


impacto dos demais. A fim de alcançar-se o desenvolvimento holístico do jovem,
nenhum elemento do método escoteiro pode faltar e todos devem ser usados ade-
quadamente.
O Método Escoteiro foi concebido para estimular o desenvolvimento de jo-
vens nas diversas faixas etárias servidas pelo Escotismo (7 a 21 anos). As divisões
de faixas etárias visam contemplar as características das crianças e jovens em
cada período de desenvolvimento e cada uma delas tem uma denominação própria
e um programa específico que visa a alcançar os objetivos educacionais para cada
faixa etária.

181
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Um paralelo entre o
Método Educacional Escoteiro
e a visão pedagógica de Vygotsky
Os fundamentos do escotismo encontram consonância na teoria histórico-cultural de
Vygotsky. De fato, o interesse de Vygotsky pela psicologia acadêmica começou a se de-
linear a partir de seu contato, no trabalho de formação de professores, com os problemas
de crianças com defeitos congênitos, tais como: cegueira, retardo mental severo, afasia
etc. Essa experiência, que o estimulou a encontrar alternativas que pudessem ajudar o de-
senvolvimento de crianças portadoras dessas deficiências (tema a que se dedicou durante
vários anos), tinha não somente o objetivo de contribuir na reabilitação das crianças, mas
também significava uma excelente oportunidade de compreensão dos processos mentais
humanos, assunto que viria a ser o centro de seu projeto de pesquisa. É importante lem-
brar que Vygotsky criou, na Rússia, o Instituto da Deficiência (entidade de excelência até
hoje existente na cidade de Moscou), com o objetivo de estudar o desenvolvimento de
crianças deficientes e também escreveu um trabalho intitulado: Problemas da Educação
de Crianças Cegas, Surdo-mudas e Retardadas. (REGO, 2000)

Quanto ao problema da inclusão, Vygotsky ressalta que os fatores bioló-


gicos têm preponderância sobre os sociais somente no início da vida da criança.
Aos poucos, as interações com seu grupo social e com os objetos de sua cultura
passam a governar o comportamento e o desenvolvimento de seu pensamento.
Vygotsky afirmava que “todas as deficiências corporais – seja a cegueira, surdo-
mudez ou um retardo mental congênito – afetavam antes de tudo as relações so-
ciais das crianças e não suas interações diretas com o ambiente físico” (VEER;
VALSINER, 2001).
Pode-se encontrar diversos pontos de convergência entre o método educa-
cional escoteiro e a perspectiva pedagógica de Vygotsky. Por exemplo: a questão
dos marcos simbólicos encontra respaldo quando Vygotsky afirma que a media-
ção simbólica está presente em toda atividade humana; que os sistemas simbóli-
cos funcionam como elementos mediadores que permitem a comunicação entre
indivíduos, o estabelecimento de significados compartilhados por determinado
grupo cultural; que a internalização dos sistemas de signos produzidos cultural-
mente, provoca mudanças cruciais no comportamento humano.
O papel do adulto em relação à sua presença estimulante para o jovem é
amplamente reconhecido por Vygotsky quando este demonstra que as conquis-
tas individuais resultam de um processo compartilhado, que o desenvolvimento
do psiquismo humano é sempre mediado pelo outro até que seja internalizado e
passe a ocorrer sem a intermediação de outras pessoas. Baden-Powell definia o
papel do adulto no Movimento Escoteiro da seguinte maneira: “O Chefe Esco-
teiro apenas provoca no jovem a ambição e o desejo de aprender por si próprio,
somente sugerindo-lhe atividades que o atraiam e que ele vai realizando até que,
com a experiência, executa-as corretamente” (BADEN-POWELL, 1982, p. 97). O
aprendizado é o responsável por criar a “zona de desenvolvimento proximal”, na
medida em que, em interação com outras pessoas, a criança é capaz de colocar em
movimento vários processos de desenvolvimento que, sem a ajuda externa, seriam
impossíveis de ocorrer. Esses processos se internalizam e passam a fazer parte

182
Inclusão no escotismo

das aquisições do seu desenvolvimento individual. Por isso, Vygotsky afirma que
“aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvi-
mento real amanhã – ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência
hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã”.
A conquista de objetivos educacionais por faixa etária, também encontra
eco na perspectiva pedagógica vygotskiana, quando ele afirma que
Cada sistema educacional tem seus próprios fins, inclusive cada período da educação
pode ter os seus, e independentemente da expressão que possam ter sempre irão formar
certos aspectos e o caráter do comportamento que a educação quer desencadear para a
vida. Só esses fins da educação podem ter significado real na escolha e na orientação
do processo educacional, pois só eles podem oferecer regras para a seleção dos efeitos
educacionais necessários e sua correta combinação em sistema pedagógico harmonioso.
(VYGOTSKY, 2001, p. 63-65)

Escotismo e inclusão
Os jovens devem ser os principais agentes de seu próprio desenvolvimento,
mesmo aqueles com incapacidades, e o Movimento Escoteiro deve oferecer-lhes
– assim como faz aos demais jovens – plenas oportunidades para o envolvimento
e a participação.
Embora o conceito e a prática universal da inclusão sejam muito recentes,
os mesmos já eram preconizados pelo Movimento Escoteiro praticamente desde
sua fundação. Em 1920, o fundador do Escotismo afirmava que a intenção era es-
pecialmente ajudar o mais fraco a não sentir suas fraquezas e a ganhar esperança
e força. Já em 1919, em seu livro Aids to Scoutmastership, Baden-Powell afirma:
“Por toda parte, no Escotismo, há inúmeros meninos aleijados, surdos-mudos e
cegos que agora estão ganhando mais saúde, alegria e esperança do que tinham
antes” (1919, p. 54). Ele percebeu que algumas adaptações se faziam necessárias
para receber os jovens especiais, mas advertia que se deve evitar a superproteção
ou paternalismo, e enfatizava a regra geral da educação: ajudá-los a tornarem-se
autônomos o máximo possível e a adquirirem auto-estima. “O Escotismo os aju-
da unindo-os a uma fraternidade mundial, dando-lhes algo que fazer e pelo que
­esperar, oferecendo-lhes uma oportunidade de provar a si mesmos e aos outros que
eles podem fazer coisas por si mesmos – e coisas ­difíceis também” (1919, p. 54).
Alguns Grupos Escoteiros, em diversos Estados do país, têm recebido isola-
damente crianças ou jovens portadores de necessidades especiais, principalmente
parentes de membros do Movimento Escoteiro. Contando com a boa vontade dos
adultos voluntários, e dos membros juvenis, esses meninos e meninas são recebi-
dos com entusiasmo, mas logo tanto os adultos como os jovens sentem o peso da
falta de conhecimento para lidar com essas pessoas especiais. Em parcela desses
casos, a falta de conhecimento das deficiências – sua etiologia, manifestações,
limitações e possibilidades de tratamento – assim como a falta de preparo e apoio
institucional resultam em desânimo de ambas as partes e a conseqüente ­cessação
das ações.
Para suprir essa carência, a União dos Escoteiros do Brasil (UEB) está im-
plantando o Programa Escotismo para Todos, o qual reconhece que o Programa de
183
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Jovens pode perfeitamente ser aplicado aos portadores de necessidades especiais.


O Programa de Jovens do Movimento Escoteiro foi desenvolvido para exercer
influência sobre as áreas de desenvolvimento – físico, intelectual, social, afetivo,
espiritual e de caráter – que se interligam na personalidade de cada indivíduo. O
programa está baseado em objetivos educacionais finais e intermediários para cada
uma dessas seis áreas, e para cada faixa etária e prevê o acompanhamento de um
certo número de jovens por um adulto voluntário, chamado de escotista. No caso
de unidade escoteira com jovem(s) portador(es) de necessidades especiais, um ou
dois escotistas devem ser capacitados em curso técnico oferecido pela UEB.
O processo de inclusão começa com a consulta, discussão e motivação entre
os jovens, os escotistas e os pais da seção que está disposta a receber o portador
de necessidades especiais. A seguir escolhem-se os adultos que serão capacitados
em curso técnico, e busca-se na família ou na instituição da qual o portador de
necessidades especiais é oriundo, um adulto que esteja disposto a colaborar como
voluntário. Essa colaboração é muito importante, pois esses adultos já têm um bom
conhecimento e experiência acerca da incapacidade ou desvantagem da criança ou
jovem postulante. Paralelamente, antes de a criança especial entrar no Grupo Es-
coteiro, esse adulto voluntário treina os jovens e adultos do grupo e orienta quanto
a eventuais adaptações físicas que venham a ser necessárias nas dependências da
sede. Depois que o novo voluntário é treinado em curso preliminar de escotista,
pode-se dizer que a seção ou o Grupo Escoteiro está pronto para receber o jovem
especial, que ali deverá iniciar uma nova e cativante etapa de sua vida.

Considerações adicionais
A participação dos pais é mais que bem-vinda, pois estes, além de conhecer
a fundo o problema do filho, têm enfrentado, vencido ou desenvolvido estratégias
que funcionam no âmbito familiar no que se refere às necessidades especiais de
seu filho. Sem dúvida, os pais têm muito a acrescentar em experiência, sendo sua
presença mais um fator de segurança emocional para a criança.
Acolhimento por parte dos jovens – Não importando quão entusiasmados
estejam os pais e os escotistas, o sucesso ou fracasso da inclusão de uma criança
com necessidades especiais dependerá muito da atitude dos jovens que já per-
tencem ao grupo. É importante envolvê-los ativamente no planejamento e nas
tomadas de decisão.
Parcerias – Os Grupos Escoteiros também são encorajados a desenvolver
parcerias com entidades de assistência a crianças portadoras de necessidades
especiais. Muitas dessas organizações podem ajudar no desenvolvimento e pu-
blicação de material de apoio aos escoteiros portadores de necessidades espe-
ciais e aos escotistas que os acompanham, como literatura, peças audiovisuais e
guias em Braile. Nessas organizações também encontram-se pessoas dispostas
a ingressar no Movimento Escoteiro, como voluntários, com o fim de ajudar no
trabalho de inclusão.

184
Inclusão no escotismo

Adaptação do espaço físico – Quando se recebe uma criança portadora de


necessidades especiais no Grupo Escoteiro, deve-se ter preocupação com a pre-
paração do espaço físico, provendo acessos adequados e instalações físicas que
satisfaçam às necessidades específicas. Surpreendentemente, não é difícil mu-
dar uma reunião escoteira a fim de acomodar uma criança especial. Contudo,
isso demanda planejamento anterior. Além disso, a própria criança também pode
­surpreender por sua capacidade de adaptação a determinadas ­situações.
A inclusão dos portadores de necessidades especiais no Movimento Escotei-
ro é uma questão humanitária e de cidadania, uma vez que o Escotismo se propõe
a preparar homens e mulheres de bom caráter e úteis à sociedade e ao país. Com
certeza, os primeiros anos da prática da inclusão verão incertezas e desculpas e,
até mesmo, resistência por parte de alguns. As principais resistências têm como
origem o ­desconhecimento e/ou informações equivocadas a respeito do paradig-
ma da inclusão. Portanto, além da persistência dos que acreditam na inclusão, é
necessária uma atuação institucional de apoio, principalmente na capacitação de
adultos e jovens líderes para atuarem nesse processo.
A inclusão de crianças e jovens portadores de necessidades especiais no
Movimento Escoteiro, além de ser mais um passo para a construção de uma so-
ciedade inclusiva em nosso país, é o cumprimento de uma determinação da Con-
ferência Mundial Escoteira de 1988, que encoraja todas as associações escoteiras
nacionais a implantar essa ação.
Benefícios da inclusão no Movimento Escoteiro
Os portadores de necessidades especiais saem fortalecidos com o apren-
dizado emocional, social e intelectual.
Eles podem “estender seus limites” e desenvolver outras habilidades que
os capacitem para a autonomia e os façam sentir-se úteis à sociedade e
ao país.
Eles aprendem a se defender contra as adversidades da vida real.
Com os amigos, aos poucos e sem perceber, vão tomando contato com
valores de primeira grandeza, como amizade e respeito, sentem-se “parte
do grupo”, melhorando sua capacidade de relacionamento social e sua
auto-estima.
Seus companheiros de Patrulha e de Tropa “normais” vencem as resis-
tências. Ao lidar com as peculiaridades dos novos amigos, percebem a
impropriedade de certos rótulos.
Eles serão capazes de entender melhor outras pessoas e vencer os pre-
conceitos.
Eles serão mais capazes de conviver com outras pessoas, a despeito das
diferenças que possam existir.
“Não pode haver tarefa mais nobre que dar um melhor futuro a todas as
crianças”. (Unicef).

185
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Caso de sucesso
Como confirmação da possibilidade e dos benefícios da ­inclusão no Movi-
mento Escoteiro, veremos o caso do Márcio. Márcio nasceu em 1963, na cidade
de Espírito Santo do Pinhal, estado de São Paulo, com Síndrome de Down. Tem
um irmão quatro anos mais velho sem qualquer disfunção orgânica. Dois meses
depois que Márcio nasceu, sua família mudou-se para os Estados Unidos por mo-
tivos de estudos. Lá, os pais de Márcio foram muito ajudados quanto aos cuidados
que deveriam ter com a criança, que foi adequadamente atendida em uma escola
maternal. Para desenvolver todo seu potencial, a pessoa com Síndrome de Down
necessita de um trabalho de estimulação desde seu nascimento, sendo parte do
universo da diversidade humana e tendo muito a contribuir com sua forma de ser
e sentir para o desenvolvimento de uma ­sociedade inclusiva.
A família voltou para o Brasil quando Márcio tinha quatro anos e meio de
idade e estabeleceu residência na cidade de São Paulo, onde ele freqüentou uma
escola maternal durante seis meses, sendo admitido no Centro Ocupacional Ava-
nhandava – centro de habilitação para crianças e jovens portadores de deficiência
mental, que atuou na área, com reconhecida competência, por mais de trinta anos.
No Avanhandava, Márcio iniciou sua alfabetização, mais lenta, mas seguindo as
mesmas etapas que o das outras crianças.
Aos quinze anos, Márcio começa a desenvolver atividades de trabalho ocu-
pacional no Centro Ocupacional Avanhandava, sendo depois admitido na Asso-
ciação para Desenvolvimento, Educação e Recuperação do Excepcional – Adere
(entidade filantrópica que, desde 1972, atende pessoas portadoras de deficiência
mental jovens, adultas e idosas) na cidade de São Paulo, onde continuou a ser esti-
mulado na área ocupacional. Com o objetivo de capacitar essas pessoas especiais
– aprendizes –, permitindo sua integração tanto no meio institucional quanto no
meio social, a Adere desenvolve programas de capacitação para o trabalho e ativi-
dades de caráter sócio-esportivo-cultural. Os aprendizes se envolvem em oficinas
de tecelagem, papelaria, reciclagem de papel, cipó, prestação de serviços de mão-
de-obra para terceiros e, também, em atividades terapêuticas, ­constituídas por
teatro, artes, música, atualização cultural, informática, condicionamento físico e
treinamento esportivo.
O pai de Márcio falece em 1984 e, três anos depois, Dona Gudi, mãe de Már-
cio, volta com seus dois filhos para sua cidade natal, Espírito Santo do Pinhal. Nes-
sa cidade, Márcio freqüenta a Apae pelo período de dois anos, aproximadamente.
Em 1990, Márcio é convidado a visitar o Grupo Escoteiro Romualdo de
Souza Brito, que funcionava naquela cidade, e recebe uma acolhida carinhosa
por parte de todos os integrantes. A despeito da sua idade cronológica, Márcio
é recebido na Tropa Escoteira, que reúne jovens de 11 a 14 anos. Os escoteiros
aprendem a conviver com as diferenças e a vencer os preconceitos. Márcio sente-
se acolhido e fortalecido emocionalmente, tendo a oportunidade de desenvolver
habilidades manuais com o aprendizado de nós e amarras, entre outros. O Esco-
tismo desempenhou um papel importante na socialização e no desenvolvimento
psico-social de Márcio.
186
Inclusão no escotismo

Em 1994, extingue-se o Grupo Escoteiro Romualdo de Souza Brito e é cria-


do o Grupo Escoteiro Aldebarã, que recebe todos os membros do antigo Grupo.
Márcio ingressa no Aldebarã como Escoteiro Sênior, seção que atua com esco-
teiros da faixa etária dos 15 aos 18 anos. Na Tropa Sênior, Márcio é acolhido
amorosamente pelo Chefe Lourenço e é recebido pela Patrulha Pedra do Índio
passando a formar uma excelente equipe com seus companheiros, chegando a
ganhar a medalha de 1.º lugar no Acampamento Comemorativo dos 41 anos do
Grupo Escoteiro Marechal Rondon, de Rio Claro. Nessa ocasião, o principal jor-
nal de Rio Claro publicou matéria que exaltava a “garra e a força de vontade que
demonstrou durante o acampamento, servindo de exemplo para toda a sociedade
brasileira, fazendo ver a todos que a deficiência mental não é impedimento para a
realização de grandes obras”.
Aproximadamente, no mesmo período em que ingressa no Movimento Es-
coteiro, Márcio começa a trabalhar em uma confecção de roupas, desempenhan-
do atividades compatíveis com suas capacidades – seleção de botões, montagem
de caixas de papelão, entre outros, tarefa que realiza até os dias de hoje, meio
expediente. A outra parte do dia é passada em uma academia de ginástica, onde
Márcio faz musculação, a fim de combater a flacidez muscular característica dos
portadores de Síndrome de Down.
Em 1998, Márcio ingressa no Clã de Pioneiros do Grupo Escoteiro Alde-
barã (seção que reúne os jovens de 18 a 21 anos de idade) e no ano 2000 passa a
Assistente de Chefia da Tropa de Escoteiros, já como adulto voluntário do movi-
mento escoteiro.
Hoje, aos 40 anos de idade, o Escotista Márcio Salveti de Oliveira pode
servir os jovens com a experiência que adquiriu no Movimento Escoteiro, tendo
se tornado um cidadão útil à sociedade. Sua casa está cheia de medalhas e tro-
féus conquistados em atividades escoteiras e em competições esportivas. Márcio
é um homem feliz e sua família é grata ao Escotismo por isso. A seguir, trans-
crevemos uma carta escrita por sua mãe, em 15 de junho de 1996, para o Grupo
Escoteiro Aldebarã:

Queridos amigos escotistas,


Não sei se esse seria o termo específico para incluir todos os membros
pertencentes ao Grupo de Escoteiros Aldebarã. Para mim são amigos que-
ridos. Gostaria de poder expressar claramente tudo aquilo que sinto neste
momento, como mãe de um indivíduo excepcionalmente bom e querido por
todos, ao ler uma nota enviada ao chefe Lourenço sobre sua participação no
acampamento em Rio Claro. Márcio sempre recebeu do grupo de escoteiros
muito amor, amizade e respeito. Agora ele é homenageado por um grupo de
outra cidade por sua garra e força de vontade. Na verdade, ele possui garra e
responsabilidade, mas o seu desempenho hoje é resultado deste grupo, que,
enfim, é parte de sua vida.
É a vocês todos que ele deve sua aceitação como um ser participante, sem
estigmas. Foi o estímulo recebido de todos que o fez mais forte. Não houve

187
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

nunca preconceitos, ao contrário, houve sempre colaboração em suas dificul-


dades sem que ele disso se apercebesse.
Sei que não conseguiria falar-lhes pessoalmente, mas tenho uma necessi-
dade e um impulso muito forte de agradecer-lhes. Minha gratidão é imensa e
só posso dizer-lhes obrigada com toda a sinceridade e emoção que sinto neste
momento.
Sem vocês o Márcio não seria tão feliz quanto é.
Obrigada,
Gudi.

Símbolo Oficial.
O autor.

188
Brincar, diversidade
e inclusão
Mário Sérgio Vasconcelos
Gisele Gonçalves Melles de Oliveira

E
m 1987, o poeta paranaense Paulo Leminski ao participar, em Brasília, de um
seminário sobre Os sentidos da paixão, detectou uma epidemia de “paixão”
no Brasil. Descobriu que livros tinham paixão no nome, o filme brasileiro
mais badalado do momento tinha o título Além da Paixão1, a Fundação Nacional
de Arte (Funart) promovia eventos culturais sobre paixão, canais de televisões
educativas faziam debates sobre paixão, enfim, a paixão estava na moda. Porém,
ao escrever sobre o assunto disse que não era a paixão que estava na moda, mas
sim a palavra paixão, porque, em seu olhar, estávamos vivendo uma época desa-
paixonada. Dizia que andávamos à procura da paixão, mas que quando procura-
mos demasiadamente algo é porque está em falta ou está do avesso.
Penso que com a inclusão social está se passando algo semelhante. Começa-
mos a falar de inclusão, porque a inclusão andava e anda meio sumida. Mas o seu
avesso está muito presente. Por isso, pensar em inclusão social necessariamente
nos remete ao seu avesso: a exclusão.
A exclusão, em sua mais variada forma, muitas vezes aparece camuflada e se
traduz em sentimentos e ações de pessoas sobre outras que, sob o argumento de de-
fender a liberdade e direitos iguais, produzem atos que vão do preconceito à indife-
rença. Com certeza, todos nós já ouvimos falar de situações históricas injustas que
marcaram a exclusão de índios, negros, mulheres, velhos, homossexuais, crianças,
pobres e andarilhos etc. Quem não se lembra dos massacres indígenas festejados
nos filmes norte-americanos de bang-bang nos quais, inevitavelmente, o “moci-
nho” era branco e o “bandido”, índio? E no Brasil, quantas crianças perambulam
miseravelmente pelas ruas das cidades, observados por olhares desconfiados, sob o
estigma da delinqüência do pobre, como se tivessem nascido trombadinhas?
Sabemos que a exclusão é uma produção social e que, atualmente, a maioria
das sociedades passa por um momento singular, na qual, em vários setores, as
mudanças são muitas e muito rápidas e que novas formas de exclusão continu-
am se configurando. Nas últimas décadas, os avanços tecnológicos têm produ-
zido progressos espetaculares mas, contraditoriamente, promovem a exclusão de
milhares de pessoas do mercado de trabalho por não terem acesso, por exemplo,
ao mundo da informática. As mudanças são tantas que hoje vivemos, não uma
época de mudanças, mas uma mudança de época2. Estamos no terceiro milênio,
globalizados e vivemos numa sociedade de mercado em frenética busca da mo- 1 Filme de Bruno Barreto.

dernização. Globalizar e modernizar hoje significa equipar-se tecnologicamente,


competir, conseguir a qualquer custo que as empresas, as cidades, o país, estejam 2 Ver a esse respeito em
FREI BETTO et al. O
Desafio Ético. Rio de Janei-
ro: Garamond, 2000.
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

próximos ao paradigma primeiro mundista, ainda que isso signifique sacrifício ou


empobrecimento para milhares de pessoas. Configura-se uma globocolonização.
Nessa “nova” época é preciso estarmos atentos para construir uma so-
ciedade mais justa que alimente um projeto contínuo de inclusão dos discrimi-
nados. Em alguns setores estamos avançando nessa direção, mas os resultados
ainda são tímidos.
Muitos profissionais, de diversas áreas, perceberam as mazelas das exclu-
sões contemporâneas e estão empenhados em alterar essa realidade. Desde a dé-
cada de oitenta, várias categorias começaram a destacar a necessidade de inclusão
de pessoas e minorias discriminadas. O debate interdisciplinar entre educadores,
sociólogos, economistas, médicos, psicólogos, juristas, jornalistas, artistas, entre
outros, contribuiu para ascender o desejo de exercício de cidadania e a luta con-
tra todas as formas de opressão e exclusão. Não é por acaso que nos anos oitenta
surgiram centenas de organizações não-governamentais (ONGs) e associações em
defesa dos direitos das minorias e cresceu o debate sobre as formas ocultas de
exclusão, principalmente aqueles envolvendo a realidade escolar.

A exclusão na escola
No âmbito escolar, a exclusão tem suas configurações históricas bem deline-
adas. Praticamente em quase toda a história da civilização, a educação traçou um
perfil voltado para a elite. Tal tendência se traduz em práticas institucionais que
têm provocado dificuldades de acesso dos mais pobres às escolas e/ou produzido
o fracasso escolar para um grande número de crianças. Em 2002, as estatísticas da
Unesco apontavam que, em todo o mundo, 125 milhões de crianças estavam fora
da escola e 150 milhões abandonavam a escola antes de aprender a ler e a escrever.
Como efeito do desprezo às minorias, nos países em desenvolvimento apenas 1%
dos deficientes físicos freqüentam algum tipo de escola.
No Brasil, somos 170 milhões de pessoas dos quais 32 milhões não dominam
a leitura e a escrita e milhares vivem longe dos pré-requisitos básicos para uma
vida digna. Seguindo a tendência de outras áreas, no campo educacional, pessoas
e instituições também têm se empenhado em denunciar e agir contra as discrimi-
nações e injustiças. Nesse sentido, criamos, em 1990, o Estatuto dos Direitos da
Criança e do Adolescente. Alguns programas anunciam que o lugar da criança é
na escola e novas vertentes de análise e intervenção surgem a cada dia. Reflexões
sobre a produção do fracasso escolar estão dirigidas para a superação das teorias
que afirmam que as crianças não aprendem porque são deficitárias ou porque vêm
de populações culturalmente carentes (PATTO, 1990). Desse modo, desvelam-se
mecanismos escolares que alimentam preconceitos, dificultam a aprendizagem
das crianças e “expulsam” os alunos das escolas. Enfim, para muitos, a exclusão
tem aparecido como algo a ser erradicado e a diversidade e a diferença começam
a se constituírem em motivos de organização de uma realidade escolar inclusiva.
Desse modo, o trabalho em sala passa a considerar as diferenças como aspecto
positivo para a construção coletiva do conhecimento. Os diferentes se auxiliam
190
Brincar, diversidade e inclusão

para produzir o saber. Como afirma Robert Barth, temos que inaugurar um novo
momento no qual “as diferenças representem grandes oportunidades de aprendi-
zado. O que é mais importante nas pessoas – e nas escolas – é o que é diferente,
não o que é igual” (BARTH, 1990, p. 514-515).

As formas de exclusão
Existem várias formas de exclusão presentes nas escolas. Algumas de im-
pacto imediato, outras de ação “sorrateira”. Sem dúvida, os efeitos mais visíveis
dos mecanismos de exclusão são a presença de grande número de alunos com
dificuldades de aprendizagem e o abandono da escola. Porém, nem sempre, tais
mecanismos são manifestos e assumidos como produções da instituição escolar.
Em nossas pesquisas com professores do Ensino Fundamental (VASCONCELOS,
2003), pudemos observar que o preconceito quanto a crianças pobres e negras,
o desconhecimento dos conteúdos escolares, o desprezo a princípios básicos do
desenvolvimento humano, a consideração da criança como passiva no processo de
construção do conhecimento e a presença sistemática de programas com conteú-
dos totalmente desvinculados das experiências e interesse dos alunos são fatores
que, direta ou indiretamente, fazem com que as crianças construam valores nega-
tivos em relação à escola. Portanto, são também fatores de exclusão escolar.
Por outro lado, quando entrevistamos os alunos, os dados indicam que al-
gumas modalidades de ações e comportamentos sempre são consideradas valores
positivos. Entre elas, se destacam as brincadeiras e os jogos. Há muito tempo
sabemos que o brincar promove a construção de conhecimentos. Assim, cabem
aqui indagações: por que o brincar não é valorizado pela instituição escolar? O
brincar não é gerador de conhecimento? Se o brincar, em suas várias dimensões,
é produtor de conhecimentos, não é também fator de inclusão escolar? Enquanto
educadores, que relevância devemos dar ao brincar no plano pedagógico?

A valorização do brincar
O brincar é quase sempre considerado pela escola apenas como lazer e pas-
satempo. Mas brincadeira é coisa séria, pois é um espaço privilegiado de de-
senvolvimento e aprendizagem; isso a torna inclusiva em sua constituição. Além
disso, produz conhecimento; tornando-a fator de inclusão. Por esses motivos é
preciso resgatá-la.
Segundo Ariès (1975), apesar do brincar ter sofrido alterações históricas
em sua forma e conteúdo e de ocupar mais ou menos tempo na vida das crianças
conforme a cultura em que vivem, houve, a partir do século XIX, o reconheci-
mento por parte de pesquisadores e educadores, de que as brincadeiras ocupa-
vam um papel importante na vida das crianças. Desse modo, algumas investi-
gações passaram a valorizar o caráter espontâneo do brincar (HUIZINGA,1939;
GROOS,1976). Outras preocuparam-se em demonstrar que o brincar é muito mais
que um simples passatempo e que os aspectos que compõem o brincar são consti-
tuintes do processo de desenvolvimento humano e da aprendizagem.

191
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Atualmente, as abordagens de Piaget, Vygotsky e Winnicott merecem


destaque pelas contribuições que deram para a compreensão das dimensões do
brincar. Além disso, subsidiam a maioria das investigações e práticas educacio-
nais relacionadas ao tema, por exemplo, Piaget (1971) produziu pesquisas sobre
o pensamento e demonstrou como se forma a evolução dos símbolos na criança.
Suas investigações permitiram-nos perceber a proximidade entre o pensamento
da criança e a configuração das brincadeiras. Vygotsky (1989) demonstrou que
os brinquedos preenchem necessidades das crianças e procurou dar transparência
aos aspectos culturais inerentes ao brincar. Winnicott (1975) explorou o “espaço”
simbólico que se constitui entre o brincar e a realidade no mundo da criança.
Mesmo considerando as diferenças epistemológicas desses três autores, to-
dos valorizaram a dimensão simbólica e lúdica das brincadeiras e o brincar como
elemento fundamental para a socialização, construção do conhecimento e forma-
ção da personalidade da criança. É a partir desses elementos comuns que formu-
lamos nossa tese de que o brincar é inclusivo. Para defender esse ponto de vista,
destacaremos algumas funções do brincar:
a) O brincar é desenvolvimento e promove o desenvolvimento.
Provavelmente, o primeiro autor a expressar que as representações sim-
bólicas são próprias do desenvolvimento das crianças foi Buytendijk
(1951) ao afirmar que a criança brinca porque é criança, isto é, brinca
porque é inerente à sua dinâmica interna a necessidade de simbolizar a
realidade, como, por exemplo, ocorre nas brincadeiras de faz-de-conta.
Penso que a idéia de Buytendijk sobre o brincar infantil é parcialmente
correta. Porém, encontramos uma visão mais completa das dimensões da
brincadeira nas concepções de autores interacionistas. Um dos maiores
defensores dos pressupostos interacionistas foi, sem dúvida, Piaget.
Para Piaget, o brincar possui uma tendência que segue o trajeto evolutivo
do brincar de exercício (construções), jogos simbólicos (faz-de-conta,
desenhos, imitações etc.), jogos com regras explícitas (amarelinha, bola
de gude e outros) e jogos de reflexão (xadrez, etc.). Como o conhecimen-
to, o brincar da criança também é construído, isto é, as representações
sobre o mundo são construídas num processo de ação ou interação ativa
da criança com o ambiente em que vive. É a partir da ação que a criança
desenvolve sobre o meio físico e social que se formam as estruturas de
pensamento. O trajeto do desenvolvimento e do conhecimento se orga-
niza a partir de estruturas mais simples para estruturas mais complexas e
todo pensamento superior se organiza tendo por base estruturas anterio­
res. É por meio do mecanismo de adaptação que o ser humano, em todo
o seu desenvolvimento, procura solucionar os problemas com os quais se
depara. Diante de um conflito ou uma novidade, busca novas estratégias
para resolver a questão, reorganizando suas estruturas. Rappaport nos dá
um exemplo interessante para compreendermos melhor esse processo:
Suponhamos que uma garota que aprendeu a andar de bicicleta depare com outra bicicleta
que guarde algumas semelhanças com a primeira, porém contenha elementos novos que
a criança desconheça, como, por exemplo, diversas marchas. Nesta situa­ção, a garota

192
Brincar, diversidade e inclusão

tentará agir com a segunda bicicleta da mesma maneira como fazia com a primeira e não
obterá sucesso. Procurando se adaptar tentará solucionar a situação nova com base nas
estruturas antigas. Este processo será ineficiente, pois estas estruturas são inadequadas
e insuficientes para essa nova situação. A garota tentará, então, novas maneiras de agir,
levando agora em consideração as propriedades específicas da nova bicicleta. Isto é, a ga-
rota com sua ação irá modificar suas estruturas e seu conhecimento para poder dominar a
novidade. (RAPPAPORT, 1981, p.81)

Esse exemplo traz elementos que observamos diariamente em situações de


brincadeiras produzidas pelas crianças. Procurando representar a realidade em
que vivem, se deparam por todo momento com situações-problema que tentam
resolver. Embora incorporem as situações da realidade à sua maneira singular e
egocêntrica de perceber o mundo, a resolução dos problemas postos nas brinca-
deiras implica novas estratégias que promovem o desenvolvimento de novas es-
truturas mentais. Nesse sentido, as brincadeiras são pros­pectivas, pois promovem
o desenvolvimento das crianças. Em função do interesse espontâneo das crianças
em brincar, do caráter interativo das situações (envolvendo objetos, outras crian-
ças e adultos) e dos problemas a serem solucionados e criados na situação, o brin-
car constitui-se num elemento privilegiado para a construção do conhecimento.
Nesse sentido, o brincar é inclusivo: produz as formas para aprender a aprender.
Brincando, as crianças criam, com suas atividades, possibilidades para o desen-
volvimento do pensamento.
b) O brincar preenche necessidades da criança.
O brincar não pode ser definido apenas como algo que dá prazer à crian-
ça, pois como podemos observar no dia-a-dia, muitas brincadeiras de-
senvolvidas pelas crianças trazem resultados que elas não gostariam de
vivenciar, como, por exemplo, quando perdem uma partida de futebol.
“Por isso é mais adequado definir o brincar como algo que preenche
necessidades da criança, o que significa entender que as necessidades
motivam a criança para agirem” (VYGOTSKY, 1989).
Se a criança age no brinquedo por meio da imaginação para satisfazer
suas necessidades devemos considerar a evolução das necessidades, pois
são diferentes em cada estágio de desenvolvimento em que a criança
se encontra. Conse­qüentemente, as situações de brinquedo também são
diferentes. Para detectarmos a evolução das necessidades, basta obser-
varmos que crianças muito pequenas buscam a satisfação de seus desejos
imediatamente e fazem a maior birra quando não conseguem satisfazê-
los. Já uma criança em torno de cinco anos possui uma grande quantida-
de de desejos e não pode satisfazer todos imediatamente. São essas ne-
cessidades não-realizáveis imediatamente que fazem com que a criança
busque brincar de forma simbólica. Vygotsky nos aponta essa tendência:
“Para resolver essa tensão, a crian­ça em idade pré-escolar envolve-se
num mundo ilusório e imaginário onde os desejos não-realizáveis po-
dem ser realizados, e esse mundo é o que chamamos de brinquedo”
(VYGOTSKY, 1989, p. 106).
O mundo ilusório, provocado pelas forças dos desejos não-realizáveis,
permite à criança expandir o imaginário e agir sobre a realidade.
193
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

c) As representações simbólicas permitem a elaboração afetiva.


Como vimos, o brincar preenche necessidades da criança e a criação
simbólica (faz-de-conta, desenhos etc.) é fundamental para a construção
do conhecimento. Todavia, é preciso considerar, numa perspectiva mais
ampla, a dimensão afetiva presente no brincar. Riemenscheider (1997)
destaca que o ato de criar e de brincar, se constitui num “espaço poten-
cial” que permite ao ser humano, no decorrer de seu desenvolvimento,
lidar com suas frustrações e com a vida de uma maneira geral e, dessa
forma, organizar sua realidade e exercitar suas potencialidades. A psi-
canalista Melaine Klein (1991) diz que a análise, por meio do brincar,
mostrou que a sim­bo­lização possibilita à criança transferir não apenas
interesses, mas também fantasias, ansiedades e culpa a outros objetos
além de pessoas. Dessa forma, muito alívio é experimentado no brincar,
e esse é um dos fatores que o tornam tão essencial para a criança. Para
ela, a criança ao brincar estará representando seus medos, suas angústias,
suas ansiedades e seus desejos. O exemplo a seguir pode retratar esses
elementos:
Cláudia, 4 anos, queria ir brincar à casa de Mariana, sua vizinha de 5 anos. Como no
dia anterior já havia estado lá e, segundo sua mãe, fez muita arte e bagunça, foi proibida
pela mãe de ir à casa de Mariana. A reação de Cláudia foi fenomenal. Chorou, esperneou,
fez manhas, mas a mãe, firme em seu posicionamento, não permitiu que ela fosse à casa
de Mariana. Cláudia continuou chorando por um bom tempo. Passados alguns minutos,
Cláudia dirigiu-se a seu quarto, pegou sua boneca e começou a dizer: – Você não vai à
casa de Mariana. Ontem você foi lá e sujou as coisas. Me desobedeceu. Você não vai... Ah,
vamos fazer o seguinte: Você vai lá só um pouquinho e volta já, viu! Ah, bom! Ainda bem
que voltou rapidinho, senão iria levar umas boas palmadas!

Penso que essa situação é exemplar para destacar os elementos afetivos


presentes no contexto. Por meio da imaginação, Cláudia realizou seu de-
sejo indo à casa de Mariana e assumiu simbolicamente o papel da mãe.
Isso permitiu que elaborasse seus sentimentos e emoções (possivelmente
ódio!) em relação à mãe. Projetou também, na boneca, sua condição de
filha, incluindo as tensões envolvidas nesse papel. Desse modo, o brincar
se configura num espaço potencial de elaboração afetiva e de mediação
de sentimentos a outros elementos, objetos e pessoas. Mediante a movi-
mentação das imagens e sentimentos contidos na brincadeira, é possível
promover uma ação no sentido de favorecer a superação de conflitos e
frustrações (WINNICOTT, 1975).
Na ausência do diálogo com adultos e outras crianças, o brincar, os dese-
nhos e as histórias infantis são os únicos espaços que a criança tem para
manifestar seus desejos e elaborar suas frustrações.
d) O brincar permite conhecer a realidade.
Embora a idéia piagetiana interativa seja necessária e fundamental para
se compreender o brincar, acreditamos que ela é insuficiente. É preciso
considerar elementos do campo sociocultural (BROUGÈRE, 2000). O
brincar gira em torno da cultura lúdica que é, antes de tudo, um conjunto
de procedimentos que tornam a brincadeira possível, com a incorporação
194
Brincar, diversidade e inclusão

de aspectos da cultura em que a criança vive. A criança, ao representar


uma situação numa brincadeira, necessariamente o faz partindo das rela-
ções sentidas ou vivenciadas no ambiente e na cultura. Dessa forma, in-
corpora nas brincadeiras as regras e os papéis sociais com os quais con-
vive. Representando, conhece e incorpora a realidade, principalmente
imitando os adultos. Com a interiorização das regras e dos papéis sociais
a criança constrói formas imaginárias, apoiando suas próprias criações
em esquemas que são os mesmos encontrados em sua trajetória cultural
e de relações com objetos e pessoas.
Assim, outro aspecto definido no brincar é que toda situação imaginária
oculta regras socialmente constituídas. Quando uma criança brinca de
casinha e assume o papel de mãe, imagina como uma mãe se comporta e
comporta-se como ela. Na imaginação simbólica, a cena é definida pelo
significado e também é regida por regras. Ao brincar com uma caixa
de sapato, dizendo que é um cachorro, se relaciona com o significado
atribuído (cachorro) e não apenas com o objeto (caixa de sapato), e leva
em consideração também as regras sociais internalizadas, expondo o ca-
chorro a brincadeiras semelhantes a situações que ocorrem entre pessoas
e animais observadas no cotidiano.
e) Ao brincar, a criança explora e expande o real.
Para a criança, o imaginário apresenta-se “maior” do que o real. A ex-
pansão dos conceitos, por meio das generalizações que a criança faz,
propicia o movimento criativo e contribui para a construção da inteli-
gência. Ao representar que está dirigindo um carro, comporta-se além do
que pode fazer e, necessariamente, imagina várias funções do objeto e
se imagina na situação. O carro que se movimenta, o carro em que cabe
um certo número de pessoas, o carro que vai à fazenda, enfim, infinitas
possibilidades de ações e exercícios de regras que mobilizam os confins
do imaginário. O brinquedo cria uma região de tensão criativa, a qual
Vygotsky (1989) denominou de zona de desenvolvimento proximal: “re-
gião” de domínio psicológico em constante transformação, representada
pela distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desen-
volvimento potencial. No brinquedo, a criança sempre age como se ela
fosse maior do que é na realidade. Assim, se aproxima de seu potencial.
Esse também é um aspecto prospectivo do brincar. “Como no foco de
uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desen-
volvimento de forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte
de desenvolvimento” (VYGOTSKY, 1989 p. 117). Assim, evidencia-se,
no brinquedo, o espaço para a criação humana.
f) Os jogos preparam para a convivência democrática.
Todos sabemos que as crianças muito pequenas não conseguem participar
por muito tempo de brincadeiras com regras previamente organizadas e
explícitas, mesmo que sejam organizadas pelos próprios participantes da
situação. No entanto, a criança próxima dos 6 anos consegue participar

195
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

com entusiasmo de um jogo com regras previamente definidas, como,


por exemplo, de um jogo de futsal. Além disso, pode imaginar várias
possibilidades de ação que poderiam levar a superar os limites impostos
para vencer o jogo.
Tudo isso acontece depois de muitos meses que a criança está mergu-
lhada nas brincadeiras simbólicas. Por que isso acontece? Qual a relação
desses jogos com a consciência da criança sobre as regras que organizam
o mundo social?
Para responder a essas questões, apresentamos uma das idéias centrais
de nossa hipótese inclusiva: nos aspectos envolvidos no brincar se pro-
cessam elementos que permitem à criança sair do estado egocêntrico e
centralizado em que vive, redirecionando sua percepção para o mundo
exterior, para as propriedades existentes nos objetos, para as relações
­sociais, para as normas e as regras. Isso significa que ao brincar a criança
promove a diminuição de seu estado egocêntrico infantil e, por meio de
um processo de descentralização, pode caminhar na direção do respeito
ao ponto de vista das outras pessoas e, conseqüentemente, a desenvolver
relações de cooperação e reciprocidade.
São nas relações de cooperação que se inicia a tomada de consciência
sobre as regras sociais. O respeito às regras é a base para a formação
de valores de convivência democrática e respeito mútuo. Assim, o pen-
samento descentralizado e a cooperação possibilitam a participação em
atividades que envolvem regras explícitas, como nos jogos. Por outro
lado, os jogos são situações que podem conduzir à descentralização e à
formação de valores de convivência democrática.
Piaget (1994) afirma que toda moral consiste num sistema de regras, e a
essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indiví-
duo adquire por essas regras. Assim, não é uma lição de moral unilateral
que faz com que o indivíduo adquira respeito pelas regras, mas sim a
inter/ação. O respeito deve ser praticado a partir do exercício de constru-
ção das regras no dia-a-dia. Todos conhecemos o velho ditado “o que é
combinado não é ‘caro”’. Se o combinado é feito com compreensão mú-
tua, de fato, não é caro. A imposição da obediência unilateral constitui-se
na maior ilusão de controle do adulto sobre a conduta da criança e do
adolescente. É um tipo de relação que alimenta a exclusão da autonomia
moral e crítica. Para isso, é preciso investir no respeito mútuo, na ação de
um com o outro, não na ação de um sobre o outro. E os jogos são consti-
tuintes desse processo.
Assim, do ponto de vista moral, os jogos em cooperação podem conduzir
a uma ética de solidariedade e de reciprocidade nas relações resultando
no surgimento de uma autonomia progressiva de consciência, que tende-
rá a prevalecer sobre o egocentrismo.
O debate verdadeiramente democrático, que prevê condições mútuas no
estabelecimento das regras, é talvez o personagem mais ausente das ins-
196
Brincar, diversidade e inclusão

tituições educacionais atuais. Assim, a definição de uma ética inclusiva


que considere o respeito mútuo é, hoje, questão de sobrevivência de nos-
sas escolas. E o brincar é protagonista nessa história.

Oficinas que dão certo


Tendo por base nossas considerações anteriores sobre as dimensões inclu-
sivas do brincar, descreveremos uma experiência que desenvolvemos com pro-
fessores numa oficina, na qual fazemos uso de sucatas. Entre outros motivos, es-
colhemos a sucata pelo impacto que provoca nos adultos e nas crianças, por ser
algo que aparentemente não significa nada, mas que, aos poucos, vai ganhando
significado para o tudo.
Semana da Educação em um município do interior do Estado de São Paulo.
A programação da semana conta com cursos e oficinas oferecidos aos professores
de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Rede Municipal. Desenvolvemos a
oficina Brincando com sucata: a espontaneidade em jogo. Feitos fragmentos, re-
lataremos alguns momentos em que relembramos nossa infância, criamos nossos
brinquedos e brincamos juntos, sempre objetivando valorizar um “espaço poten-
cial”. Espaço que pode ser oportunizado às crianças no dia-a-dia escolar.
Com a intenção de explorar a cooperação e a convivência, sentamos em
círculo, numa sala de aula com 25 docentes, dando início à auto-apresentação de
cada professor e professora. Em seguida, solicitamos que contassem um pouco
sobre o brincar em sua infância. Foram contando, contando...
Ângela*, professora da 1.ª série do Ensino Fundamental, emocionou-se ao
lembrar que no sítio onde morava com seus irmãos, aproveitavam os aros das pe-
neiras quebradas, que foram utilizadas um dia para separar o café, e construíam o
que era quase um sonho: uma bicicleta.
A cada caso contado, as pessoas se envolviam. Quem um dia não brincou
com um “cacareco” qualquer?
O professor de Educação Física, Anderson, narra que sua grande aventura
era ao pé de uma jabuticabeira, montando sua fazendinha. Os animais eram feitos
com chuchu ou laranja que existiam ali por perto. Disse que certa vez montou com
caquinhos de telhas quebradas o maior rebanho que já teve. Potes de margarina
eram os caminhões que transportavam os animais.
Mônica, professora da pré-escola, relata que os frascos de conta-gotas usa-
dos pela avó eram disputadíssimos entre os primos. Pois, aquele instrumento era
fundamental para formular suas “poções mágicas”.
E assim, cada um dos relatos apresentava encantamentos. Trazia, por meio
da experiência vivida, uma das características da infância: a simbolização. Cacos
e cacarecos eram transformados em brinquedos.
Na primeira leitura dos discursos dos participantes, concluiu-se que re-
viver as brincadeiras da meninice; renova a alegria, diz da poesia a infância,
* Nomes fictícios.

197
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

possibilita olhar com maior respeito as brincadeiras das crianças no cotidia-


no. Diz sobre representações simbólicas que permitem elaborações afetivas e a
compreensão da realidade.
Mas, perguntam os docentes: por que o brincar com sucata?
A utilização de sucata coloca a criança em contato com objetos não-estrutu-
rados e permite ressignificá-los por meio de sua própria ação. A sucata traz consi-
go o elemento da transformação: era significado, deixou de ser e será significado.
Pode permanecer com aspecto de “lixo”, de amontoado, de cacarecos misturados
e confusos de serem distinguidos. Mas pode também, mediante o ato criativo,
dar origem a objetos construtivos e expressivos. Da novidade não- estruturada
(sucata) surge o espanto e o conflito indagando o que fazer. E o movimento para a
resolução do conflito. Procura-se a superação, expressão da construção do conhe-
cimento e de novas estruturas de pensamento.
A sucata inclui o objeto desmanchado numa nova ordem. A ordem humana
da construção simbólica.
Na busca de outras dimensões do mundo infantil, contamos para o gru-
po a interessante experiência da casa gigante, inaugurada há cerca de 15 anos,
no metrô de Paris, na estação de Auber, e que ainda hoje circula de cidade em
cidade (DELAHAIE-POUDEROUX, 1996). Nessa casa, o tamanho dos móveis
foi duplicado, a fim de representar a visão que uma criança pode ter de sua casa.
Conversamos um pouco sobre a visão da criança no mundo dos adultos. E com
folhas de jornal, reproduzimos o que seria um adulto “duplicado”. Então, como
crianças, nos deparamos com um gigante de três metros e vinte! Surgem indaga-
ções. Qual a concepção que os adultos têm das crianças? Consideramos as crian-
ças sujeitos ativos no processo de construção do próprio conhecimento? Qual o
papel do brincar e do imaginário na constituição dos pensamentos e sentimentos
das crianças?
A discussão dá voltas. Surgem novas reflexões, agora incluindo a situação
escolar. Lembramos que atualmente as crianças entram cada vez mais novas na
escola e as atividades desenvolvidas nas instituições, inclusive o brincar, estão
cada vez mais didatizadas, ordenadas e dirigidas sob a ótica adulta, sobrando
poucos espaços para a livre expressão. O imaginário e a fantasia não são acolhi-
dos nesse contexto. Desse modo, possibilidades de simbolização são excluídas da
escola. Num cenário de projetos pedagógicos instrumentais, dirigidos apenas às
disciplinas clássicas, qual é o espaço para as atividades lúdicas, formadoras do
pensar e da afetividade?
Prosseguimos. Discutiu-se sobre a infância contemporânea e nossa socieda-
de de consumo. A influência da TV, do videogame, do computador e também so-
bre a indústria do brinquedo. O brinquedo industrializado pode estimular a imagi-
nação da criança, mas é preciso ter liberdade para, a partir dele, poder desenvolver

198
Brincar, diversidade e inclusão

um universo de fantasia. Afinal, o que importa não é o objeto em si, mas o que a
criança cria a partir dos objetos.
Prosseguimos. Disponibilizamos uma variedade de sucatas no centro da
sala. Apresentamos o “sucatário” e as classificamos como sugere Weiss (1999):
Sucata natural, ou realia, que, como o próprio nome indica, constituí-se
de sementes, pedras, conchas, folhas, penas, galhos, pedaços de madeira,
areia, terra etc.
Sucata industrializada, que inclui todos os tipos de embalagens, copos
plásticos, chapas metálicas, tecidos, papéis, papelão, isopor, caixa de
ovos etc.
Sugerimos que o material fosse explorado pelos professores e professoras.
Convidamos os professores para brincar utilizando a sucata, criando brinquedos,
inventando, imaginando. Além da sucata, oferecemos alguns recursos como: cola,
fita crepe e tinta guache para auxiliar a elaboração dos brinquedos. Cada um es-
colhe o que vai usar, acha “seu canto”. Buscam espaço e tempo necessários para
brincar. Assim, caminhamos para diferentes e originais resultados.
Marlene, professora do Jardim II, comenta: “Estou me sentindo uma cata-
dora! Isto é lixo!”
Realmente é. A sucata “é qualquer coisa que perdeu seu uso original, que
se quebrou, que não serve mais ou que não tem mais significado” (MACHADO,
2001, p. 67). É preciso incluí-la, em novo significado.
Marília, professora da Pré-escola, faz de uma caixa de pasta de dente e al-
gumas tampinhas de garrafas, uma camionete.

Marlene, a professora que comentou sentir-se uma catadora de lixo, opta,


também, por materiais bem simples: uma lata de molho de tomate, um toquinho
de madeira e um barbante. Materiais que, por meio da ação criadora e simbólica,
deixam de ser lixo para tornarem-se um brinquedo que existe há muitos anos: o
bilboquê. Já na França, o bilboquê era um dos brinquedos favoritos do rei Henri-
que III (1551-1589) e esteve em moda na corte de Luís XIV (1638-1715). No Brasil,
há anos faz parte da vida das crianças.

199
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Brincando com o bilboquê sucata, Marlene engaja-se em um intercâmbio


significativo com o tempo da história e, ao mesmo tempo, assimila aspectos da
herança cultural. Marlene brinca com a cultura, recriando-a.
Fábio, professor de Educação Física, comenta que no momento em que está
dando forma ao seu “bichinho de estimação”, sente-se em “outro lugar”. Lugar
que Winnicott (1975) reservou ao brincar – o lugar de criação. Espaço de inter-
locução, que não é interno nem externo, é um espaço transicional, na pessoa, no
limite entre a fantasia e a realidade.

A professora Juliana faz um ônibus com um pedaço de madeira, e comenta


ao terminá-lo: “como o simples pode ser belo!” E segue fazendo um elogio à ma-
deira: “a madeira faz objetos essenciais, objetos de sempre”.

Ao brincar, expande o real, transforma o simples em bela realidade.

200
Brincar, diversidade e inclusão

Passado dois meses de realização da oficina, retornamos ao mesmo muni-


cípio e pudemos constatar que algumas salas de aula já tinham seu “sucatário”.
As professoras relataram que foram montados com a colaboração dos alunos. Jan-
dira, professora da Pré-escola, relatou que as crianças passaram a separar o lixo
que produzem em sala de aula, aproveitando o que é possível para o acervo de
sucata. Também passou a contar com a colaboração da família de alguns alunos
na organização do acervo. Inclusão para além do simbólico. Inclusão escola/co-
munidade.
Mônica mostra que na sala de aula, além do sucatário, foi montado um can-
tinho de exposição chamado “nossos brinquedos”. Diz que esse canto foi idéia
das próprias crianças, porque, após manufaturarem seus brinquedos, não queriam
perdê-los de vista. A professora se diz surpresa com o envolvimento das crianças.
Observa que elas se sentem valorizadas podendo inventar e brincar com suas
criações. Conta que Lucas, o aluno com maior dificuldade de convívio com as
outras crianças e que, geralmente, não participava das atividades em grupo, “um
dia construiu um belo avião feito de caixinhas de papelão e todos os colegas se
interessaram pelo brinquedo construído”. Mônica revelou que a partir desse dia
Lucas mudou, está mais participativo, interage bem com os colegas: “acho que
ficou mais seguro depois de fazer o avião”.
Esse é um exemplo, entre outros, de que pelo brincar, a criança pode se sen-
tir incluída, construir novos valores e aceitar a diversidade e a diferença. Gradati-
vamente, vai aperfeiçoando sua capacidade para simbolizar, jogar e participar de
experiências cada vez mais complexas, que podem conduzir ao convívio saudável
e democrático.
Na educação, a sucata pode ser trabalhada como valor. Valor de consciência
ambiental, valor de convivência, valor de justiça, valor de vida. Mudamos de épo-
ca. Estamos vivendo um tempo extremamente consumista, no qual se desperdiça
de forma generalizada. A criança, envolvida nesse movimento frenético, acaba
internalizando as coisas como descartáveis e superficiais, além dos objetos, as
palavras, os valores, as relações e até mesmo as pessoas.
A utilização e a recriação do lixo/sucata carregam implícita uma mensagem
dialética e construtiva. Como sugere Machado (2001), de maneira simbólica ou
por analogia, poderemos lidar internamente com nosso “lixo”, usando as partes
que parecem inutilizáveis para fazer e dizer coisas. Além disso, possibilita o mo-
vimento lúdico no qual um “nada” que pode vir a ser “tudo”.
Terminamos esse relato e ensaio, reiterando que devemos assegurar o direito
da criança de brincar, e que o que se deve perceber como principal em um brinque-
do não é sua procedência, sua apresentação, sua beleza, seu preço, ou se ele faz isso
ou aquilo. O que importa para a criança e deve importar também para o adulto, é a
capacidade do brincar, de incluir e significar as realidades sem sentido.

201
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

202
A Cinoterapia
na inclusão social
Laiz Beerends

A
Cinoterapia é uma terapia inovadora que tem como diferencial a utilização de cães como
facilitadores do processo terapêutico. Com a inclusão escolar cada dia mais em voga, é im-
portante destacarmos que a Cinoterapia abre espaço para a socialização e inclusão da criança
com necessidades educativas especiais. Os cães que fazem parte desse processo são especialmente
treinados e recebem todos os cuidados para garantir a segurança do terapeuta e dos pacientes.

Inclusão utilizando o cachorro como facilitador


É comum pensar na educação como um desenvolvimento da criança de forma individual. Po-
rém, a educação deveria visar a vida social no seu todo. Quando uma criança vai à escola deveriam ser
acentuados os aspectos da convivência e não estimular o interesse individual de se tornar um gênio
isoladamente dos outros. A sobrevivência do ser humano num contexto social deve ao menos ameni-
zar a competitividade. Desse modo, dá-se sentido aos aspectos de dons (carismas) diferenciados de
cada um, necessários à ação interativa de uma sociedade humana. Há de se convir que são justamente
as diferenças que justificam e fundamentam a necessidade da convivência. A educação por muito
tempo tentou perseguir os ideais de suficiência individual, mas em níveis de igualdade com patamares
inferiores e superiores. Na medida em que se convence que o ser humano é único e insubstituível, a
falta de um afeta toda a sociedade, ou seja, toda uma convivência social. No entanto, as sociedades de
hoje, com exagero de liberalismo, pelejam e sofrem com as idéias de competitividade e de sobrevivên-
cia. Assim, a criança diferenciada (a criança menos “dotada”) agora precisa ser incluída. Gostaríamos
de acentuar que se trata de uma sociedade no seu modo desajustado e, portanto, o termo inclusão
confessa os pecados do passado.
O lobo é o animal que possui uma sociedade bastante parecida com a do ser humano. O cão,
que tem sua origem no lobo, obteve boas relações com o ser humano. Por isso, sobreviveram até hoje.
Dessa forma, questionamos o que podemos aprender com essa vitoriosa sociedade canina.
Numa matilha todos possuem suas tarefas, sua posição social e as diferenças individuais são
aproveitadas pelo grupo para a sobrevivência da matilha. Consideraremos um exemplo bastante sim-
ples: o homem desenvolveu uma série de raças caninas para seu proveito e praticou deformidades
genéticas nos lobos – que geraram características próprias – e essas raças foram incluídas no convívio
humano para a sobrevivência da espécie.
Dessa maneira, fica claro que estar socialmente incluído não significa identificar as diferenças,
ou equilibrar as diferenças, mas ter a consciência de que para estar incluído é necessário fazer parte
e, para isso, ter seu papel social definido.
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Todos precisamos ser incluídos, pois inclusão


não significa determinar uma patologia e a partir
dessa patologia – seja física, mental ou social – de-
terminar um lugar na sociedade. Para existir inclu-
são é necessário que reaprendamos a conviver em
grupo.
Entre a “vida de cão” e “vida de gente” exis-
te uma diferença, mas o estar juntos, homem e ca-
chorro, pode contribuir para estimular a inclusão,
ou seja, a convivência normal. Eles são de espécies
distintas, porém, convivendo num mesmo ambiente, são forçados a procurar as
atitudes necessárias à sobrevivência.
Se o ser humano pode se tornar capaz de conviver com o cachorro, que é
diferente, por que os homens não podem conviver com as diferenças entre si?

“A busca pela Com o desenvolvimento da nossa sociedade muitos valo-


socialização sempre foi res foram deformados e substituídos, fazendo com que pequenas
diferenças fossem cada vez mais exacerbadas em função do es-
objetivo para nós, mas
tabelecimento social “vitorioso”, tendo como base uma humani-
os cachorros reforçaram dade capitalista.
bastante esse processo
Por meio do cachorro, é possível resgatar valores que es-
de socialização.”
tamos menosprezando. É possível fazer uma releitura corporal,
(Selma Foggiato) alimentando a autoconfiança e a auto-estima.
O cachorro é um facilitador do convívio, uma vez que não exige dos parti-
cipantes desse vínculo nada além de estar socialmente envolvido.
Quando falamos em ter que incluir, é óbvio que no mínimo a exclusão já foi
feita. Então, é necessário que a sociedade na qual o indivíduo está sendo incluso
também esteja preparada para recebê-lo. Assim, evita-se o perigo de que a própria
inclusão torne-se mais uma forma de exclusão. Mais uma vez, precisamos fixar
que para que haja a integração é necessário que as partes envolvidas estejam aber-
tas ao processo socializador.
Nesse momento, não estamos falando em estruturas clínicas, profissionais,
infra-estruturas, entre outros. Não que isso seja irrelevante, mas é importante
focarmos o fator pessoal, com o qual os indivíduos (cada um com suas diferen-
ças) irão aprender a aceitar o outro e, dessa forma, fazer com que as pessoas se
integrem, passem, a partir desse momento, de forma equilibrada, a fazer parte de
um grupo humano.
Esse processo de individualização vem sendo aprofundado e aperfeiçoado
pela humanidade durante décadas. O homem dispõe de armas e artifícios para
que o indivíduo se torne cada vez mais vazio e isolado, enraizado a valores fú-
teis e superficiais. O senso de grupo foi perdido, ou seja, a necessidade do “estar
junto” foi reduzida a um “fazer parte” de identificações grupais (modismos),
dos iguais, evitando misturar-se e esquecendo a vivência de grupo que integra
as diferenças pessoais.

204
A Cinoterapia na inclusão social

Autismo
Autismo é um distúrbio que afeta a capacidade da pessoa de estabelecer O que é
relacionamentos e responder apropriadamente ao ambiente. Algumas crianças,
autismo?
apesar de ter a integração comprometida, apresentam inteligência e fala intactas.
Outras podem apresentar retardo mental, mutismo ou importantes retardos no
desenvolvimento da linguagem. Normalmente, apresentam dificuldade de comu-
nicação, mostrando-se fechados e distantes. É bastante comum mostrarem-se pre-
sos a comportamentos restritos e rígidos padrões de comportamento.

São características comuns aos portadores de


autismo:
evita estabelecer contato visual;
apresenta-se alheio aos sons;
pode começar a desenvolver a linguagem, mas repentinamente isso é
completamente interrompido, sem retorno;
suas atitudes são de quem está alheio ao que acontece com os outros;
agride pessoas e joga objetos sem um motivo aparente;
a comunicação com as outras pessoas é bastante difícil;
é bastante restritivo na exploração de ambientes, e restringe as novidades
a poucas coisas;
realiza movimentos estereotipados, como balançar as mãos ou balançar-
se;
pode cheirar ou lamber objetos;
pode ferir-se intencionalmente ou mostrar-se insensível a ferimentos.

Manifestações sociais
O autismo pode se manifestar logo cedo, fazendo com que reações comuns
aos bebês, como estabelecer um contato visual, agarrar um dedo, olhar na direção
de onde vem uma voz, copiar expressões, não aconteça. Olhar nos olhos, uma das
primeiras formas de estabelecimento de contato para uma integração afetiva, em
se tratando de autista é algo que precisa de muito trabalho e dedicação dos envol-
vidos, pois a mais simples troca de afeto é muito rara.
Acredita-se que as crianças com autismo levam mais tempo para aprender
as relações sociais, o que os outros sentem ou pensam, coisas simples como, por
exemplo, saber se uma pessoa com a qual convive está satisfeita através de um
sorriso ou pela sua expressão ou gesticulação. Normalmente, o autista é levado a
corresponder socialmente por condicionamento.
As manifestações de afeto são ignoradas e um simples abraço é somente
permitido, podendo até ser correspondido, mas somente de forma reflexa. O au-
205
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

tista não manifesta prazer ou desagrado em situações cotidianas, porém, possui


comportamentos agressivos especialmente quando está em ambientes estranhos
ou quando algo estranho invade o seu espaço pessoal. Podem, também, se ma-
nifestar de forma expressiva quando se sentem frustrados, através de gritos e
ações explosivas.

Razões para esperança


O autismo é uma psicose, ainda sem determinantes e sem cura. Existem
terapias, medicamentos e instituições que podem amenizar o problema, fazendo
com que os envolvidos com ele saibam como lidar e fazer com que o autista tenha
a vida mais independente possível. Por isso, quanto mais cedo o diagnóstico for
feito e quanto mais cedo os pais de uma criança autista assumirem a realidade que
terão de enfrentar será melhor, pois hoje os recursos para que essa família tenha
uma melhor qualidade de vida são inúmeros. O grande problema é que quando
os pais descobrem que seu filho é autista muitas vezes cultivam, durante algum
tempo, a esperança de que ele irá se recuperar completamente, negando o proble-
ma. Muitas vezes até mudam de profissional procurando por um tratamento ou até
mesmo outro diagnóstico. Isso é bastante comum em diversas patologias. O autis-
mo não se apresenta numa forma visualmente agressiva, como outras deficiências,
porém a aceitação dessa situação irreversível faz com que a intervenção precoce,
a educação especial, o suporte familiar e, em alguns casos, medicamentos – re-
cursos esses que antes não eram disponibilizados – demorem a ser introduzidos,
atrasando e agravando a situação.
Hoje, os recursos nas escolas especiais e o conhecimento dos profissionais
da educação especial podem expandir as capacidades de aprendizagem, comuni-
cação e relacionamento, amenizando a freqüência das crises de agitação. É ne-
cessário reforçar que, enquanto não há perspectiva de cura, os recursos servem
apenas para tornar os autistas o mais independentes possível, ajudando no conví-
vio cotidiano. Com conhecimento, criatividade e dedicação é possível, desde já,
melhorar o desenvolvimento da qualidade de vida dos autistas.

Casos de sucesso
Falar sobre um caso de inclusão, isolando uma criança, um método ou mes-
mo exemplificar pela visão unidirecional do “incluso”, é esquecer que quando
falamos em inclusão estamos tratando de uma rua de duas vias: a criança a ser
incluída e as crianças envolvidas no processo. Porém, não se pode ignorar que es-
tamos falando de uma sociedade em que todos os que têm contato com o processo
devem estar abertos a essa integração.
Todos estamos em processo de inclusão, uma vez que somos todos diferen-
tes e precisamos aprender a respeitar essas diferenças. Mais do que simplesmente
respeitar, é preciso valorizar qualidades e integrar-se efetivamente.

206
A Cinoterapia na inclusão social

Crianças de uma escola especial quando participam de atividades sociais


estão participando de um processo de inclusão. Incluir significa sentir-se parte de
algo e o profissional da educação deve participar ativamente dessa integração de
forma extra-oficial, o que significa que, mesmo que a pessoa não seja um profis-
sional direcionado à área de inclusão, é sua responsabilidade social estar aberto
e ativo.
A falta de conhecimento é um dos maiores fatores de exclusão. Então, todos
deveriam lutar pela melhoria da qualidade informacional para que a inclusão fos-
se um processo intrínseco e, conseqüentemente, uma unidade social. Mas como
fazer para que todos possam tomar ciência? Normalmente, nessa questão, as res-
postas são muito mais exclusivas porque os problemas são grandes. Porém, as
respostas negativas nos induzem a crer que por mais que estejamos tentando falar
em inclusão, estamos, cada vez mais, agravando um problema social. Responder
que existem obstáculos e dizer que estamos sendo realistas é valido, mas por que
não buscarmos soluções? Existem muitas escolas especiais e regulares que já to-
maram conhecimento dessa necessidade e trabalham este conceito: buscar dentro
da realidade um meio de agregar, interagir, conscientizar, envolver, comprometer,
ou seja, efetivamente incluir através de facilitadores.
Esses são exemplos de casos de sucesso que tiveram aceitação do grupo
com o qual estavam envolvidos. Não trataremos somente do caso de uma criança
ou de uma patologia, mas também de escolas que podem provar que incluir é pen-
sar de forma holística e não individual.

O caso de Leonardo
Vamos descrever o caso de uma criança autista (síndrome de Asperger1),
inserida numa escola regular na qual a diretora Selma Camargo Foggiato assumiu
o desafio de incluí-lo ao grupo escolar, pois ele nunca havia freqüentado esse
ambiente.
Foi bastante difícil, uma vez que os movimentos estereotipados eram bem
fortes e a socialização quase nula. Porém, foi possível socializá-lo e estabelecer o
processo de alfabetização. Para Leonardo, a leitura foi bastante significativa, uma
vez que começou a ler as histórias que sempre o fascinaram. Já a escrita, era muito
difícil e a motivação quase nula.
Os cachorros da Cinoterapia favoreceram bastante a socialização de Leo-
nardo, uma vez que, na presença deles, as outras crianças podiam vivenciar as his-
tórias que ele lia, sendo possível – através de uma transferência para os cachorros
e com os alunos envolvidos na atividade – estabelecer uma vivência das histórias,
contribuindo, assim, para a socialização.
As outras crianças não sentiam, na presença do cachorro, nenhuma diferen-
ça entre elas e Leonardo, além disso como era ele quem determinava as histórias,
1 A Síndrome de Asperger
é um distúrbio do psiquis-
mo que afeta, principalmente,
a área do relacionamento in-
as crianças ficavam bastante atentas às sugestões que ele dava, fazendo com que terpessoal e da socialização,
se integrasse com facilidade ao grupo. porém o portador apresenta
linguagem relativamente
normal.

207
Projetos de Inclusão Social: casos de sucesso

Atualmente, ele não faz mais a Cinoterapia. Porém, já mais socializado,


continua em escola regular, freqüentando assiduamente as atividades que a sua
antiga diretora desenvolveu, como a contação de histórias.

Conclusão
A partir de tudo o que foi exposto, é possível concluir que a Cinoterapia
pode e deve ser usada como processo de inclusão e socialização da criança, seja
no ambiente escolar, doméstico ou social.
Com a utilização de cães, especialmente treinados, é possível fortalecer as
relações interpessoais da criança, ou ainda, abrir espaço para que o terapeuta
possa atuar. É comum vermos casos de crianças que apresentavam uma certa
resistência à terapia, e com a presença do cão deixaram o terapeuta agir. Isso está
relacionado principalmente ao carisma que o cão tem, fazendo com que a criança
se renda a seus encantos e esqueça que se encontra sob análise e observação.

208
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Hino Nacional
Poema de Joaquim Osório Duque Estrada
Música de Francisco Manoel da Silva

Parte I Parte II

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas Deitado eternamente em berço esplêndido,


De um povo heróico o brado retumbante, Ao som do mar e à luz do céu profundo,
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos, Fulguras, ó Brasil, florão da América,
Brilhou no céu da pátria nesse instante. Iluminado ao sol do Novo Mundo!

Se o penhor dessa igualdade Do que a terra, mais garrida,


Conseguimos conquistar com braço forte, Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
Em teu seio, ó liberdade, “Nossos bosques têm mais vida”,
Desafia o nosso peito a própria morte! “Nossa vida” no teu seio “mais amores.”

Ó Pátria amada, Ó Pátria amada,


Idolatrada, Idolatrada,
Salve! Salve! Salve! Salve!

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido Brasil, de amor eterno seja símbolo
De amor e de esperança à terra desce, O lábaro que ostentas estrelado,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido, E diga o verde-louro dessa flâmula
A imagem do Cruzeiro resplandece. – “Paz no futuro e glória no passado.”

Gigante pela própria natureza, Mas, se ergues da justiça a clava forte,


És belo, és forte, impávido colosso, Verás que um filho teu não foge à luta,
E o teu futuro espelha essa grandeza. Nem teme, quem te adora, a própria morte.

Terra adorada, Terra adorada,


Entre outras mil, Entre outras mil,
És tu, Brasil, És tu, Brasil,
Ó Pátria amada! Ó Pátria amada!

Dos filhos deste solo és mãe gentil, Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada, Pátria amada,
Brasil! Brasil!

Atualizado ortograficamente em conformidade com a Lei 5.765, de 1971, e com o artigo 3.º da Convenção Ortográfica
celebrada entre Brasil e Portugal em 29/12/1943.

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