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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Epistemologia das Ciências Sociais – CSO7304


Docente: Rodrigo da Rosa Bordignon
Discente: Laura Battisti

RESUMO SOBRE “OS USOS SOCIAIS DA CIÊNCIA: POR UMA


SOCIOLOGIA CLÍNICA DO CAMPO CIENTÍFICO

Pierre Félix Bourdieu (1930-2002) foi um importante sociólogo francês do século XX.
Em sua trajetória acadêmica, publicou diversos livros e trouxe relevantes contribuições para os
autores posteriores. No campo da ciência, o autor foi um crítico da epistemologia histórica,
defendendo uma sociologia da ciência crítica, a qual definia o campo científico como um
produto social com especificidades, isto é, opondo-se a um determinismo científico.
Na sua obra produzida a partir de uma conferência realizada no Instituto Nacional da
Pesquisa Agronômica (INRA), “Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do
campo científico”, Bourdieu utiliza-se da teoria de campos sociais para discutir questões
importantes. Dessa forma, com o objetivo de construir uma representação científica mais
verdadeira, o autor procura fornecer os recursos do conhecimento que são imprescindíveis a
esta ação.
Inicialmente, Bourdieu traz um exemplo de separação de dois grupos de campos de
interpretação. Assim, há uma categoria que defende que os textos são autonomizados, sem
necessidade, então, de complementos de sustentação da literatura ou da filosofia. Já o outro
campo, interpreta os textos a partir da relação entre seu contexto social e econômico. Da mesma
maneira que na compreensão da leitura, há também na ciência uma oposição entre duas
vertentes. Uma delas defende uma ciência engendrada em si própria, ou seja, sem intervenções
do mundo social. Esta é representada principalmente na França e defende uma tradição de
história da ciência, a qual se perpetua de maneira autônoma. Já a perspectiva defendida e
elaborada por Bourdieu é a da noção de campo, isto é, para compreender determinado elemento,
é necessário analisar os agentes inseridos e as instituições que produzem este elemento. Em
outras palavras, o conceito de campo é de que não basta apenas fazer uma ligação direta entre
o material e o contexto, mas sim que seja feita uma investigação abrangente deste universo
intermediário no qual se produz o conhecimento.
Isto que Bourdieu chama de universo expressa um espaço que obedece a leis sociais
relativamente específicas, o que o torna um microcosmo autônomo. Entretanto, este recebe
pressões externas, intermediadas pela lógica do campo, que exercem uma resistência à
autonomia. Para tanto, é importante desenvolver mecanismos que ajudem a identificar as
determinações internas, descartando, então, o máximo possível das imposições externas. Dessa
forma, quanto mais autônomo for o campo, maior será seu poder de refração as pressões
externas. Dito isto, Bourdieu afirma que nas ciências sociais há uma grande dificuldade em
usufruir de uma autonomia completa, visto que pessoas insuficientemente aptas, em relação às
normas específicas, não são desqualificadas quando intervém em virtude de princípios
externos.
Em razão disso, nota-se um campo de forças, o qual procura manter sua autonomia, e
um campo de lutas, este responsável por conservar ou transformar esse campo de forças. Para
Bourdieu, o que determina em qual destes campos o agente está é a estrutura das relações
objetivas. Assim, as ações tomadas dependem da posição que cada um ocupa nessa estrutura.
No campo científico, essa estrutura é determinada pela distribuição do capital científico -
reconhecimento atribuído pelo conjunto de pares-concorrentes dentro do campo - em certo
período entre os diversos agentes empenhados nesse campo. Dessa maneira, aqueles que
possuem maior reconhecimento proporcionam mais autoridade e consequentemente,
estabelecem mais as regras da estrutura. Em outros termos, quem define o conjunto de objetos
importantes são os pesquisadores em posições dominantes, os quais impõem, indireta ou
diretamente, uma pressão da estrutura do espaço àqueles que são mais frágeis. Cada um destes
agentes desenvolve estratégias dependendo da posição que estão inseridos nessa relação de
forças.
Ademais, Bourdieu aborda sobre as propriedades específicas do campo científico, isto
é, uma das qualidades próprias deste campo são os princípios de verificação da conformidade
ao “real”, estes designados pelo acordo entre os concorrentes. Dessa forma, o conjunto do
trabalho de objetivação, seus métodos de validação de teses e de hipóteses, são determinados
por um grupo de indivíduos. Ainda, quanto menos autônomo for o campo, maior é a intervenção
de forças não-científicas nas lutas científicas, como sanções de carreira e argumentos de
autoridade. Estes são mascarados de censuras científicas, mas na verdade não passam de
censuras sociais, feitas por abusos de poder, disfarçadas de razões científicas. Por isso, destaca-
se que no campo da ciência, principalmente nas ciências que estão em processo de
autonomização, há relações de poder, as quais implicam apropriações dos meios de produção e
de reprodução devido a relações sociais de dominação.
Retomando ao ponto do capital científico, este é dividido em duas espécies: poder
temporal e poder específico. O poder temporal, também conhecido como político, diz respeito
ao poder institucional sobre os meios de produção de contratos e de reprodução de nomeação
que ele assegura. Logo, está associado a posições importantes ocupadas nas instituições
científicas, como direção de departamentos. Este capital é adquirido por meio de estratégias
políticas, acumulados pelo tempo de participação em comissões, por exemplo. Já o poder
específico é mais individualizado, trata-se do valor pessoal concebido pelo reconhecimento do
conjunto de pares, com pouca interferência institucional. Desse modo, se acumula esta espécie
de capital científico através do reconhecimento de contribuições ao progresso da ciência, seja
por meio de invenções ou descobertas. Dentro de cada um, há um diferente sistema de
organização para a nomeação interna dos seus próprios membros. Assim, no capital científico
institucionalizado o procedimento segue uma lógica burocrática, sendo organizado em
concursos. Já no capital “puro”, é a lógica “carismática” aderida, a qual há uma utilização das
qualidades científicas dos pesquisadores jovens emprestadas para aqueles que asseguram uma
clientela dócil.
Na etapa final, Bourdieu aborda mais especificamente sobre o INRA, o qual afirma
que este funciona como um campo. Neste, há relações de força simbólica com diferentes
interesses, os quais o autor sustenta que prejudicam a devoção completa ao meio agrícola e
afetam assim o reconhecimento científico antes forte do INRA. Ainda, há nesta instituição uma
comunicação entre o campo científico e o campo econômico, ato que traz desafios em razão
das diferentes lógicas internas de cada campo. Dessa forma, por mais que a instituição pública
esteja livre da pressão direta do mercado, está enfrenta outras dificuldades devido às diferentes
categorias e lógicas (científicas e econômicas) que habitam em um mesmo espaço social. Além
disso, fala sobre a obrigação dos pesquisadores membros de uma instituição do Estado,
independentemente de serem “puros” ou “aplicados”, de promoção do interesse geral. Isto é, as
disputas internas e os interesses categoriais não devem se sobressair a dedicação ao serviço
público e aos objetivos comuns, como a luta coletiva pela defesa da autonomia.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico.
São Paulo: Editora UNESP. 2004. (p. 17-69)

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