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A Casa Do Agente Ferroviário de Estação Cocal - Patrimônio Local, Educação para o Patrimônio e Ensino de História.
A Casa Do Agente Ferroviário de Estação Cocal - Patrimônio Local, Educação para o Patrimônio e Ensino de História.
1. Introdução
Os estudos aqui apresentados iniciaram- se dentro do programa do Mestrado
Profissional em Ensino de História/PROFHISTÓRIA da UFSC e teve início com a necessidade,
no primeiro semestre de 2019, da escolha de um tema para a dissertação/projeto de pesquisa. A
escolha desse tema está ligada ao reconhecimento por nossa parte desse patrimônio cultural e de
sua invisibilidade entre os estudantes, provocados a partir da minha experiência e vivência como
professora efetiva de História da E. E. B Vitório Búrigo a partir de 2016, escola pertencente à
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rede estadual catarinense, localizada no distrito de Estação Cocal na cidade de Morro da Fumaça,
no sul de Santa Catarina.
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Mestranda em Ensino de História pela Universidade Federal de Santa Catarina- UFSC. Professora da Educação
Básica da Secretária de Educação de Santa Catarina. E-mail: danikarini@hotmail.com.
ISBN 978-65-992865-0-6
de Estação Cocal e que também mostra a localização da escola Vitório Búrigo. Assim é possível
visualizar essa proximidade a qual me refiro da escola com a Casa do Agente Ferroviário e a
ferrovia.
Figura 3: Mapa de Estação Cocal com a inserção da localização da Casa do Agente Ferroviário
sul de Santa Catarina. Existem no acervo, locomotivas da década de 1910, 1920, sendo que a
maioria funcionou na Ferrovia Dona Tereza Cristina e foram restauradas, mas só uma está em
funcionamento, aquela que é a usada para realizar o passeio turístico. Muitas peças da ferrovia e
dos trens, chaves para manutenção formam o acervo do museu. A instituição tem um programa
educativo realizado com as escolas que visitam o museu através da museóloga da instituição.
exemplares do livro. Um dos zeladores me falou que as pessoas mais antigas contaram para ele,
que alguns agricultores transportavam no trem, mandioca para vender em Tubarão – SC.
Essa pesquisa inicial me deixou mais intrigada. A Casa do Agente Ferroviário é
patrimônio cultural de Estação Cocal, faz parte da história local, do desenvolvimento da
comunidade, mas cabe questionar se os estudantes e a comunidade reconhecem-na como
patrimônio. E ainda: qual a importância desse patrimônio para a formação e desenvolvimento de
Estação Cocal? Quais as relações construídas entre a escola Vitório Búrigo e a Casa do Agente
Ferroviário e a dinâmica da ferrovia? Qual o significado para os estudantes da Casa do Agente
Ferroviário, da ferrovia e de o trem passar todos os dias, tão próximo à escola? Não existe
atualmente nenhuma relação da escola com esse patrimônio cultural. No caso de Estação Cocal,
por que houve um apagamento da história da ferrovia? Restou apenas a Casa do Agente
Ferroviário, mas por que ela também não foi derrubada? O que se quis preservar com a sua
manutenção?
Segundo, Paim (2010), memória e patrimônio são conceitos que estão interligados,
quando se trata de experiências vividas em diferentes épocas e lugares. Percebemos então a
contribuição que a história oral pode trazer num projeto centrado na história local, através das
memórias de moradores antigos de Estação Cocal que conviveram com o trem de passageiros,
com a estação e a Casa em funcionamento, com os agentes ferroviários e suas famílias. Pessoas
que presenciaram o trabalho do agente na estação ferroviária, o cotidiano do trem (embarques,
destinos, desembarques).
Na busca de sensibilização dos estudantes da E.E. B Vitório Búrigo, pensando na
proximidade que eles e a escola têm com o patrimônio local e ao mesmo tempo sua
invisibilidade e dos sujeitos relacionados, escolhemos a história oral, pensando na contribuição
que caberia às lembranças de “velhos”, pois, como nos afirma Ecléa Bosi (1987):
Sem os velhos, a educação dos adultos não alcançaria plenamente: o reviver do que se
perdeu de história, tradições, o reviver dos que já partiram e participam então de nossas
conversas e esperanças; enfim, o poder que os velhos têm de tornar presentes nas
famílias os que se ausentaram[...]Não se deixa essas coisas para trás, como
desnecessárias. (p.32)
Essas pessoas concentram o passado no presente através de suas memórias, fazendo com
que a criação humana esteja num processo continuo de reavivamento e reconstrução do passado.
Consideramos a história oral, inovadora, pois ela analisa as narrativas, aproxima-as de outras,
relaciona-as, confronta-as, compreendo que os sujeitos narram a partir de uma subjetividade que
não é a verdade, mas expressão do vivido, sentido e que parte da própria experiência. A história
oral também evidência grupos geralmente marginalizados na História, como os “velhos”:
Verena Alberti (2004) traz o “fascínio do vivido” como peculiaridade da história oral,
pois mesmo operando por descontinuidades, ou seja, selecionando acontecimentos para explicar
o passado, há na história oral:
Uma vivacidade, um tom especial, característico de documentos pessoais. É da
experiência de um sujeito que se trata; sua narrativa acaba colorindo o passado com um
valor que nos é caro: aquele que faz do homem um indivíduo único e singular em nossa
história, um sujeito que efetivamente viveu_ e por isso dá vida a _ as conjunturas e
estruturas que de outro modo parecem tão distantes. (p.14). 7
Essa vivacidade que a história oral traz, é um dos motivos para o seu sucesso nos últimos
anos, percebível pelo crescente número de trabalhos de pesquisadores e professores com essa
metodologia.
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A globalização faz com que muitas características locais se percam e muitas vezes a
identidade local, também. No entanto, o meio no qual vivemos traz muitas marcas do passado e
do presente, como “vestígios, monumentos, objetos, imagens de grande valor para a
compreensão do imediato, do próximo e do distante. O local e o cotidiano como locais de
memória são constitutivos, ricos de possibilidades educativas, formativas”. (FONSECA, 2006, p.
127). Para que os estudantes sejam alcançados e reconheçam esses lugares, como a Casa do
Agente Ferroviário, como lugares de memória, nós professores, precisamos ter uma relação ativa
com o tempo e com o espaço, neste caso, com o passado e o presente e com a comunidade onde
eles estão inseridos.
Consideramos que o currículo escolar de História é marcado por manifestações
colonialistas e as aulas por um ensino tradicional da História, influenciadas pela matriz europeia.
Uma abordagem de história local, por meio do patrimônio e dos depoimentos desses moradores
que vivenciaram da comunidade de Estação Cocal, tem um potencial de desestruturar a História
tradicional. Elison Antonio Paim (2017) nos adverte que:
No ensino da História tradicional brasileira, é nítido o primado de um recorte que se
limita aos grandes centros, urbanos ou econômicos, com a tendência de posicionar a
História local como adendo a uma pretensa História universal. Isso não se deve apenas 8
ao colonialismo institucionalizado pelo currículo escolar e universitário, como guarda
relação com a economia do tempo e sobrecarga do trabalho docente. (PAIM, 2017,
p.271).
Muitos de nós, professores de História, agimos com descaso em relação à História local,
e, muitas vezes, só vamos nos lembrar dela quando nos deparamos com a necessidade de
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3. Considerações Finais
Trabalhar com patrimônio cultural, história local e memória é enriquecedor, porque os
sujeitos que antes estavam à sombra do patrimônio emergem para mostrar que o patrimônio não
é pré-concebido, mas uma construção social. Por isso, considero de grande valia, o uso das
narrativas orais num projeto com o patrimônio local, pois as memórias e esquecimentos que
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podem emergir de desse patrimônio, são de pessoas que na maioria das vezes, não são lembradas
pela História tradicional.
A aproximação dos estudantes da escola Vitório Búrigo com a história local, o contexto
em que foi construída a ferrovia e a Casa do Agente Ferroviário e o significado desse patrimônio
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Referências
ALBERTI, Verena. O lugar da história oral: o fascínio do vivido e as possibilidades de pesquisa.
In:____. Ouvir Contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 2ed_São Paulo: T.A. Queiroz:
Editora da Universidade de São Paulo, 1987.
FONSECA, Selva Guimarães. História local e fontes orais: uma reflexão sore saberes e práticas
de ensino de História. Revista História Oral. V.9, nº1, 2006.
PAIM, E. A. Lembrando, eu existo. In: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de (org.). História:
ensino fundamental - Coleção Explorando o Ensino. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Básica, 2010, v. 2. p. 83-104.
PAIM, Elison Paim (org.). Patrimônio Cultural e Escola: entretecendo saberes._1. ed_
Florianópolis: NUP/CED/UFSC,2017.
TOLENTINO, Átila. Educação, memórias e identidades. In: TOLENTINO, Átila Bezerra (org.).
Educação patrimonial: educação, memórias e identidades / Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Superintendência do Iphan na Paraíba. João Pessoa:
Iphan, 2013.
TOLENTINO, Átila Bezerra e OLIVEIRA. Emanuel. Educação patrimonial: políticas, relações
de poder e ações afirmativas, João Pessoa: IPHAN-PB, Casa do Patrimônio da Paraíba, 2016.
Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/caderno_tematico_educacao_patrimonial_05.pdf
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